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abreu, jaime césar de

Filho do Dr. José Sabino de Abreu, Jaime César de Abreu (1899-1967) nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, em 1922, com a tese Infecção Puerperal, vindo a fixar-se no Funchal. Ocupou as funções de radiologista e de médico no antigo Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Palavras-chave: Associações de Socorros Mútuos; Hospital da Misericórdia do Funchal; Medicina; Trabalhos científicos.     Filho de José Sabino de Abreu, médico natural de Lisboa, e de sua mulher, Augusta Matilde Figueira César de Abreu, Jaime César de Abreu nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, a 16 de fevereiro de 1899. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, curso que terminou em 1922, fixando-se no Funchal, onde casou com Cecília Tolentino da Costa, filha de Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939) e de Maria Assunção Pereira. Deve ter sido o sogro, médico pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e antigo capitão médico do Exército, entretanto afastado por ter aceitado a presidência da Câmara Municipal do Funchal na sequência da Revolução da Madeira de 4 de abril de 1931 (Revolução da Madeira), que lhe abriu alguns caminhos profissionais no Funchal. Embora fosse oftalmologista, Lúcio Tolentino da Costa tinha sido o impulsionador e o responsável pela montagem de um aparelho de raios X na Associação de Socorros Mútuos 4 de Setembro de 1852, onde era médico, vindo aquela associação mutualista, através desta aparelhagem, a prestar relevantes serviços à comunidade naquela área. Jaime César de Abreu começou por ajudar o sogro na Associação e, em breve, ali desempenharia as funções de radiologista e de médico. Durante vários anos, foi também médico e diretor dos serviços de radiologia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia (Santa Casa da Misericórdia do Funchal), no edifício que seria depois sede da Junta Geral e mais tarde do Governo regional. Durante alguns anos, foi igualmente presidente da comissão administrativa do Recolhimento do Bom Jesus e professor provisório do Liceu Nacional do Funchal  então chamado Jaime Moniz, em homenagem a Jaime Constantino de Freitas Moniz (1837-1917). Do seu casamento teve quatro filhos: José Tolentino da Costa César de Abreu, capitão da Marinha Mercante; Nicolau Tolentino da Costa César de Abreu, casado com Maria Dulce Leal Moniz César de Abreu; Maria Cecília Tolentino da Costa Cesar de Abreu, casada com João Tolentino da Costa César de Abreu, empregado bancário, com descendência. Escreveu e publicou Infecção Puerperal, tese de licenciatura que o Visconde do Porto da Cruz, Alfredo de Freitas Branco (1890-1962) regista como “indubitavelmente um trabalho de especialidade, mas [que] está escrito com elegância e clareza de frase” (PORTO DA CRUZ, 1953, 126). Foi sócio da Sociedade Portuguesa de Radiologia Médica e faleceu no Funchal, a 31 de dezembro de 1967, com 68 anos. Obras de Jaime César de Abreu: Infecção Puerperal (1922).   Rui Carita (atualizado a 14 de julho de 2017)

Ciências da Saúde

vasconcelos, joão da câmara leme homem de, visconde e conde do canavial

A vida política, económica e social madeirense foi marcada no último quartel do séc. XIX pela personalidade conflituosa do futuro conde do Canavial, Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos. Filho do morgado António Francisco da Câmara Leme Homem de Vasconcelos e de Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, nasceu no Funchal a 22 de junho de 1829, foi simultaneamente clínico, professor, funcionário público, homem de ciência, jornalista e escritor, político e industrial, em todas essas ocupações revelando interessantes qualidades e capacidade e de trabalho, mas também uma personalidade algo conflituosa. Foi autor de uma vastíssima produção literária, quer científica, quer política, que é difícil trabalhar de forma científica, pois nem sempre se consegue separar o que era polémica científica e industrial do que eram atitudes políticas e pessoais. Concluídos os estudos secundários no Funchal, veio a formar-se em medicina pela Universidade de Montpellier, em França, bacharelando-se em 1852 e doutorando-se em 1857, colaborando ali em vários periódicos, fazendo traduções e tendo obtido o lugar de membro da Academia das Ciências e Letras daquela cidade. Começou assim logo por desenvolver um notável trabalho científico na sua área de especialidade a que, regressado à Madeira, juntou também a de investigador da área científico-industrial de tratamento do vinho da Madeira, de que era um dos mais importantes produtores. O Dr. João da Câmara Leme, regressado de França, fez em 1859 repetição dos seus atos académicos na Escola Médica de Lisboa, sendo no ano seguinte nomeado demonstrador de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e, em 1867, professor proprietário. No ano seguinte, editava logo um Relatório e Projecto de Regulamento para a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal (1868), entrando de imediato em conflito com o Dr. António da Luz Pita (1802-1870), então deputado em Lisboa, polémicas que se prolongaram pelos anos seguintes. Escrevem os autores do Elucidário Madeirense, que o conheceram pessoalmente, que “teve de sustentar algumas lutas com os seus colegas no magistério, publicando a tal respeito dois grandes volumes, que, apesar da parcialidade com que possam porventura estar escritos, são trabalhos de incontestável valor” (SILVA e MENESES, 1998, I, 232). Paralelamente à sua atividade como médico e diretor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, promoveu ainda a fundação da Companhia Fabril de Açúcar Madeirense (CFAM), com sede junto à ribeira de São João, onde introduziu notáveis aperfeiçoamentos nos processos destinados ao fabrico da aguardente, essencialmente no sentido de um melhor aproveitamento da matéria-prima empregue. Registou de imediato patente da sua invenção, o que deu lugar a uma série de contestações e polémicas, voltando a, sobre esse assunto, publicar inúmeros folhetos. Na polémica viria a entrar outra das grandes figuras da Madeira do seu tempo, o depois comendador William Hinton (1817-1904), a qual polémica, embora não só, veio a inviabilizar alguns anos mais tarde a Companhia da ribeira de São João. A constituição e vida da CFAM, liderada pelo futuro visconde do Canavial, foi um bom exemplo do quadro geral em que se desenvolveu a atrasada revolução industrial na Madeira. Beneficiando do inegável espírito empreendedor do promotor, mas também da sua teimosia e, inclusivamente, de um experimentalismo algo deslumbrado, sempre à procura de uma nova tecnologia, e sem bases técnicas e científicas para tal, a vida da Companhia foi confrontada com a concorrência feroz dos comerciantes britânicos instalados na Madeira. A todo este quadro, juntaram-se as dificuldades de associação e de entendimento dos proprietários madeirenses, muito provavelmente ainda politicamente agudizadas pelos antigos morgados, entretanto radicados no espaço continental. Os estatutos da CFAM só foram aprovados em 1867, arrastando-se a constituição da Companhia por mais de 10 anos, o que implicou que a fábrica de São João só entrasse em funcionamento em 1871. O futuro visconde apetrechou-a com sofisticada aparelhagem, a que ainda associou outros aperfeiçoamentos da sua autoria, de que imediatamente registou a patente. No entanto, não só William e o filho Harry Hinton (1859-1948) vieram a contestar o registo dessa patente, como a sofisticada aparelhagem acabou por não se mostrar rentável. A 26 de agosto de 1878 foi solicitada a intervenção do Banco de Portugal por insolvência financeira da CFAM. A ideia voltou a aparecer em 1892, tomando como exemplo a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, chegando-se mesmo a propor em reunião camarária, de 11 de outubro desse ano, um subsídio anual de 100 mil réis e que a nova associação fosse presidida pelo conde do Canavial. Mas tal como já se inviabilizara o anterior projeto da fábrica de São João, também a associação se extinguia em 1902. Em 7 de setembro de 1876, organizava-se a partir do Pacto da Granja, no continente, uma nova fusão, então entre elementos das antigas formações histórica e reformista, de que nasceu o Partido Progressista, de Anselmo José Braamcamp, que foi o primeiro partido no sentido moderno do termo com programa, apresentando um regulamento interno, com assembleia geral e centros locais. O líder na Madeira viria a ser o Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos, depois visconde do Canavial, aderindo ao partido parte dos antigos membros do Partido Fusionista e do Regenerador. O Partido Fusionista teve como órgão o Correio do Funchal, substituído depois pelos periódicos A Fusão, A Voz do Povo e A Imprensa Livre. Em meados de 1879, com a queda do executivo, saía da Madeira o governador e conselheiro Afonso de Castro, logo assinando, a 21 de julho, a correspondência do governo civil, como membro do conselho do distrito, João da Câmara Leme, como visconde do Canavial, embora a 28 de agosto já não o faça, só voltando a assumir-se como visconde a partir de agosto do ano seguinte. Estranhamente, não se encontra qualquer documentação oficial da sua nomeação como visconde, mas apenas o dec. de 22 de abril de 1888, que o nomeia como conde, citando-se ainda a carta de 28 de março e o alvará de “mercê nova” de 15 de dezembro de 1888 (CLODE, 1983, 107), não havendo contudo confirmação alguma na chancelaria régia. A partir de então, desenvolveu o futuro visconde uma verdadeira campanha para vir a ocupar o lugar de governador civil do Funchal, assim como para passar a utilizar o título de visconde do Canavial. A luta política deve ter sido terrível, a avaliar logo pelos membros do conselho do distrito que assinam alternadamente a correspondência como governador substituto: o visconde do Canavial a 21 de julho e o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880) a 30 do mesmo mês. Luta que deve ter tido eco também nos corredores do poder em Lisboa, até pela utilização então intensiva do telégrafo submarino, através da Madeira Station no Funchal da Brazilian Submarine Telegraph Company Limited. A nomeação de João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos como governador substituto para o distrito do Funchal só viria a ser assinada a 30 de julho de 1879. O decreto terá chegado ao Funchal poucos dias depois e o futuro visconde, a 8 de agosto, logo emite proclamação impressa e inflamada ao sabor de alguns dos governadores anteriores, que eram, no entanto, efetivos, pois nenhum até então tinha feito especial alarido com o facto de ser “governador substituto” (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 683). O novo governador substituto teria alguns curtos meses de estado de graça, pois em breve O Direito o acusava de se encontrar a receber três ordenados: o de governador substituto, o de professor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e o de delegado de Saúde. A 15 de fevereiro, o governador distribuía um comunicado com um desmentido atestado pelo delegado do Tesouro em como, passando a receber o ordenado de governador substituto, suspendera os outros. O futuro visconde do Canavial não seria confirmado naquela altura, pois, caindo o gabinete progressista em Lisboa, o novo gabinete regenerador demitiu de imediato os governadores civis progressistas e, a 26 de abril de 1881, já assina a correspondência do Funchal o vogal do Concelho do Distrito servindo de Governador Civil, João Maria Curado de Vasconcelos (1825-1896). A breve trecho, um autêntico terramoto político varreria o país, com epicentro na Madeira: a eleição do Dr. Manuel de Arriaga, candidato pelo Partido Republicano às cortes, a 26 de novembro de 1882, em eleições suplementares, dado o falecimento do deputado madeirense Dr. Luís de Freitas Branco (1819-1881). Ainda antes do anúncio oficial do apoio dos regeneradores ao líder do Partido Progressista, já O Direito alardeava não poder haver qualquer compromisso com os progressistas, temente, talvez, de ver candidatar-se pela Madeira o visconde do Canavial, até há pouco governador civil substituto do Funchal. Numa intensa campanha ao longo do ano entre os partidos monárquicos, acabou por ser eleito na Madeira o candidato republicano. Nos inícios do ano 1886, o presidente do ministério Fontes Pereira de Melo propunha um adiamento das eleições, para poder organizar uma série de diferendos, o que se estava a tornar um crescente motivo de tensão entre governo e oposição. O rei D. Luís não acedeu à proposta do chefe do governo, pelo que Fontes se viu na contingência de ter de pedir a demissão do gabinete. Foi então chamado ao governo o Partido Progressista, liderado por José Luciano de Castro, mas o início do novo governo progressista foi ocupado com as complicadas negociações que levaram ao casamento do príncipe herdeiro D. Carlos, atrasando uma série de nomeações. Teria sido o caso da nomeação do governador civil do Funchal, para o então líder dos progressistas, visconde do Canavial, lugar que só foi preenchido por dec. de 1 de julho de 1886. Após as eleições de março de 1887, o governador civil, visconde do Canavial, iniciou a convocação das eleições das juntas de paróquia, que somente ocorreram no Funchal e em Machico. O visconde do Canavial insistiu nas convocatórias por três vezes, sem resultado, essencialmente pelos custos que mais uma estrutura política acarretava, mas também por causa da conotação com a divisão eclesiástica tradicional e da ideia rural de que a paróquia era dirigida pelo “senhor pároco” ou “senhor vigário” e não por um elemento eleito entre os “senhores morgados”. A pressão do visconde do Canavial conduziu a um levantamento geral na ilha, que, começando nos meios rurais, quase envolveu o Funchal: a Parreca. Perante a contestação geral, mas só depois de muito pressionado, o visconde do Canavial veio a apresentar demissão a 26 de março de 1888, tendo sido entregue o governo ao visconde da Calçada, Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa (1812-1902). Apesar das dificuldades do seu governo e dos resultados da comissão de inquérito à Parreca, seria elevado a conde do Canavial no final desse ano de 1888, embora se desconheça a documentação oficial, como mencionámos acima. O conde do Canavial viria a falecer na sua residência, à rua da Carreira, a 13 de fevereiro de 1902. Quase 20 anos depois, surgiu a ideia de se levantar um monumento à sua memória, iniciativa de Abel Capitolino Batista; o trabalho foi entregue ao jovem escultor macaense Raul Xavier (1894-1964) e erguido sobre plinto de mármore branco, projeto do arquiteto Fernando Pires. A primeira pedra foi lançada a 1 de dezembro de 1921 e o monumento inaugurado a 2 de março de 1922, no passeio público, frente à sé do Funchal, tendo usado da palavra Horácio Bento de Gouveia (1901-1983), em nome dos alunos do liceu (Diário de Notícias, 22 fev. 1922). A inauguração do monumento naquela altura e naquele local levantou enorme celeuma, dado o seu enquadramento monárquico, vindo a ser transferido para o Campo da Barca, a 6 de dezembro de 1932.     Rui Carita (atualizado a 31.12.2016)

Ciências da Saúde História Económica e Social História Política e Institucional Personalidades

convento de são bernardino

O primeiro convento franciscano que se fundou fora do Funchal teve por titular S. Bernardino de Sena, um dos grandes santos da mesma ordem, e foi fundado na freguesia de Câmara de Lobos, entre 1459 e 1460, em lugar ermo e solitário, a certa distância da igreja matriz, a norte do Pico da Torre, ainda restando grande parte dos seus edifícios, embora das campanhas de obras dos sécs. XVIII, XIX e XX. O convento teve uma humilde e obscura origem, mas tornou-se célebre e afamado em toda a Ilha, e até no continente, por ter ali vivido e falecido Fr. Pedro da Guarda (1435-1505), a que o povo chama “santo servo de Deus” (VERÍSSIMO, 2002, 79-91). A fundação é atribuída a Fr. Gil de Carvalho, um humilde frade franciscano que veio do continente do reino para a Madeira, quando os Franciscanos que ocupavam o hospício de S. João da Ribeira acabavam de sair da Ilha para irem estabelecer uma comunidade nas proximidades de Lisboa, em Xabregas, que fundaram em 1456, sobre as ruínas do antigo paço de Xabregas e a invocação de S.ta Maria de Jesus, mas que ficou mais conhecido por Convento de S. Francisco. Desejando Fr. Gil viver em lugar desértico como eremita, como escreveu depois o deão, António Gonçalves de Andrade (1795-1868), anotador da História Insular do P.e António Cordeiro (1641-1722) a partir da História Seráfica, levantou um pequeno cenóbio com dois cubículos “em dois pés de terra semeada entre rochas”, num dos quais habitava o fundador e no outro João Afonso e Martinho Afonso, os quais esmolavam pelo povoado para a sustentação dos três (SOLEDADE, 1705, III, 170-171). Crescendo o número de religiosos, trataram de levantar um pequeno convento em terreno que lhes foi doado por João Afonso Correia (c. 1435-1490), escudeiro do infante D. Henrique, e sua mulher, Inês Lopes, que na Ilha foram o tronco da casa Torre Bela. A nova casa religiosa erguia-se num sítio afastado da povoação, cercado de um lado pela ribeira e do outro, por uma rocha, sendo bem própria para o género de vida a que se dedicavam. Passados alguns anos reuniram-se outros religiosos, que formaram a comunidade inicial, mas uma enchente da ribeira, pelos anos de 1480, haveria de destruir a pequena ermida e os primeiros cubículos, o que desgostou irremediavelmente Fr. Gil de Carvalho, que se retirou para o continente, entregando a direção a Fr. Jorge de Sousa. Foi Fr. Jorge de Sousa que reconstruiu o convento, um pouco mais acima, ao abrigo das correntes caudalosas da ribeira, tendo sido levantada nova e mais vasta igreja, com novas celas, “que logo foram habitadas”, tendo ficado o espaço inferior do inicial ermitério para “algumas oficinas de menor importância” (SOLEDADE, Ibid., 173). Data dos finais do séc. XV aos inícios do XVI a organização canónica do convento como uma verdadeira casa monástica, depois de ter melhorado consideravelmente as condições materiais através de doações, contratos de arrendamento, etc., como era hábito, pois estes mosteiros funcionavam também como empresas agrícolas. A fama e o desenvolvimento da comunidade encontram-se decididamente ligados à presença ali de Fr. Pedro da Guarda que, nascido na Guarda, em 1435 e que, tendo professado por 1455, “querendo subtrair-se à admiração que causavam as suas virtudes” (SILVA e MENESES, 1998, II, 103), se refugiou em S. Bernardino por 1485. Falecido em 1505, logo a sua fama se espalhou pela Ilha e pelo continente, sendo referido por Fr. Marcos de Lisboa (1510-1591), depois bispo do Porto, na terceira parte das suas Crónicas de los Frayles Menores, editadas em Salamanca, em 1570, não tendo nunca cessado o culto popular que lhe tem sido devotado. A comunidade de S. Bernardino foi crescendo ao longo do séc. XVI e, por 1584, Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) refere que ali viviam permanentemente 7 a 8 religiosos, sendo o Convento “abastado de toda a fruta e vinhos” (FRUTUOSO, 1968, 122). Em 1598, no Recenseamento dos Fogos, Almas, Freguesia, e Mais Igrejas, registavam-se 10 a 12 religiosos, sinal de continuar a crescer a população residente do Convento e, por certo, pela devoção suscitada com a ocorrência, no ano anterior, da localização da sepultura de Fr. Pedro da Guarda. No início do ano anterior, a 9 de janeiro de 1597, registam as vereações do Funchal não se ter realizado sessão da parte da manhã, por falta de comparência dos oficiais do concelho, que haviam sido informados de que os franciscanos tinham descoberto os restos mortais de Fr. Pedro da Guarda (ABM, Câmara Municipal do Funchal, 1313, 3 v.). A exumação oficial deve ter ocorrido depois, a 28 de janeiro desse ano, na presença, de novo do bispo D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), do reitor do colégio do Funchal, P.e Cristóvão João “e outras pessoas qualificadas”, como regista a História Seráfica (SOLEDADE, Ibid., 173). O certificado de transladação de Fr. Ambrósio de Jesus, à época definidor-geral e comissário dos conventos franciscanos da Madeira, datado de 23 de maio de 1624, regista somente tal ter ocorrido em janeiro de 1597 e reivindica para si o ter encontrado, nos claustros, os restos do corpo de Fr. Pedro da Guarda (Girão, 1992, 8, 396-397). A capela-mor da nova igreja foi fundada por Rui Mendes de Vasconcelos (c. 1460-c. 1520), filho mais novo de Martim Mendes de Vasconcelos e de Helena Gonçalves, filha de Zarco, e a sua mulher Isabel Correia, que era filha dos doadores do terreno em que se tinha levantado o primitivo convento. Pajem da rainha D. Leonor e um dos homens-bons do concelho do Funchal, onde serviu de vereador, guarda-mor da saúde e procurador do concelho, Rui Mendes de Vasconcelos mandou redigir cédula de testamento a 15 de setembro de 1515, antes de seguir para o reino, onde determina vir a ser enterrado no meio da capela-mor, junto dos seus filhos já falecidos. A capela teria sido reconstruída por 1533 e a lápide em causa, nessas ou nas obras seguintes, transferida para o adro da igreja, onde se encontra. Mais tarde, o neto homónimo Rui Mendes de Vasconcelos deixou ainda em testamento, de 16 de abril de 1569, 160$000 réis da sua terça para sufrágios por sua alma. Com essa importância deveriam ainda ser compradas várias alfaias e paramentos, como um cálice de prata dourada, de três marcos, uma vestimenta, uma capa e um frontal de seda de damasco. O remanescente seria aplicado em bens de raiz, “em boa terra, em Câmara de Lobos, e em água” para subsistência dos frades, tudo ficando enfeudado, “enquanto o mundo durar” (VERÍSSIMO, 2002, 33), a duas missas semanais rezadas, às quartas e às sextas, pela sua alma e as dos seus filhos. O seu testamento não veio a ser aprovado, fazendo-se inventário e partilhas, de forma a assegurar o legado. Os bens destinados a esse efeito, embora ligeiramente inferiores aos inicialmente destinados, à época, cumpriam suficientemente o determinado, mas o mesmo não viria a ocorrer alguns anos depois. O neto do segundo Rui Mendes de Vasconcelos, por via materna, também padroeiro da mesma capela-mor, João de Bettencourt de Vasconcelos (1535-1615), nos finais do século, requeria ao bispo do Funchal a redução das missas em questão. O bispo D. Luís Figueiredo de Lemos já tinha exposto a situação para Roma e havia recebido uma carta da Sagrada Congregação dos Cardeais, de 4 de outubro de 1589, concedendo-lhe o poder para reduzir as capelas e missa dos administradores do seu bispado “que se sentissem carregados com grande número de missas e encargos, ao justo e razoável, conforme as propriedades e rendimentos” (ABM, Juízo da Provedoria de Resíduos e Capelas, tombo 3, 608-608 v.). O despacho do pedido do administrador da capela-mor de S. Bernardino teve a data de 19 de dezembro de 1593, reduzindo o bispo o número de missas de duas semanais para uma por mês, mas mantendo as demais obrigações dos padroeiros, que eram o pagamento de azeite, pão, peixe ou carne e vinho para a subsistência dos frades. João de Bettencourt de Vasconcelos, a quem, regista Henriques de Noronha (1667-1730) (Noronha, Henrique Henriques de) no seu Nobiliário Genealógico, chamavam “o Cavaleiro, de alcunha”, tendo passado à Índia por capitão da nau São Gregório, sucedeu, entretanto na terça dos seus avós, por morte de seu irmão Rui Mendes de Vasconcelos, homónimo dos vários avós e que falecera sem descendência. Por testamento aprovado em 12 de dezembro de 1607, como administrador dos bens do irmão, refere que a terça do mesmo ainda tinha como obrigação para o Convento de S. Bernardino uma pipa de vinho novo, quatro arrobas de azeite e 3$500 réis de missas rezadas e cantadas, pelo que deve ter havido ainda outras alterações a estes legados. No seu testamento, João de Bettencourt de Vasconcelos deixou vinculada a sua terça nas fazendas por cima de Câmara de Lobos e abaixo da quinta da Torre, deixando-a aos frades de S. Bernardino. Determinou que a administração desta capela, depois conhecida como “Terça dos Frades”, deveria passar à sua filha Helena de Vasconcelos (c. 1572-1625), instituidora da capela-mor da igreja do Colégio do Funchal, dado o filho Henrique de Bettencourt não ter descendência e falecer pouco depois, em 1620, e Guiomar de Bettencourt (c. 1571-1607), a irmã mais velha, já ter falecido. Data de cerca de 1633 a construção de três pequenas capelas na cerca, para além de outros melhoramentos nos edifícios do Convento. As capelas de homenagem a Fr. Pedro da Guarda ficavam, uma junto à sepultura do “santo”, identificada nos finais do século anterior, outra junto da cozinha, onde a tradição contava ter havido anjos a ajudá-lo nos seus trabalhos e a última, junto à pequena lapa onde costumava meditar, isolado de tudo e de todos. Por esses anos igualmente se fizeram obras nos claustros e na casa do capítulo, para o que Rui Mendes de Vasconcelos (II) deixara os materiais, como madeira de cedro e que a mandara colocar na loja do mosteiro. Saliente-se, no entanto, que nem sempre estas determinações testamentárias eram cumpridas, pois que no documento em questão se refere a importação de uma laje da Flandres, que não temos informação de alguma vez ter existido, tal como determina que se fizessem grades de ferro, de varões grossos, lavrados e dourados para a capela-mor, de modelo idêntico aos da capela do Santíssimo da sé do Funchal, a fim de substituir os de madeira que já estavam velhos, que também mais ninguém volta a referir. Alguns anos depois Henrique Henriques de Noronha descreve pormenorizadamente o Convento, a “uma légua da cidade do Funchal, para poente”, por cima do lugar de Câmara de Lobos, que com os anos fora aumentando o número de edifícios, especialmente graças à contínua romagem do “Servo de Deus”, constituindo-se numa das melhores casas franciscanas e a segunda da Custódia de S. Tiago Menor da Madeira. Tinham então boas oficinas e “excelentes cómodos” para os 18 religiosos que habitavam no Convento. Compreendia três dormitórios, que com a igreja formavam um “perfeito quadro”, com um claustro rodeado de varandas sobre pilares de “cantaria fina” e no meio uma fonte de “perene água” (NORONHA, 1996, 250-251). O cronista descreve as várias capelas, uma das quais no claustro, dedicada a Fr. Pedro da Guarda, “onde misteriosamente foram achadas as relíquias na sua sepultura, pelo bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos, em oito de janeiro de 1597”, o que, se de algum modo pode ser confirmado pelas vereações camarárias do Funchal, que no dia seguinte não tiveram sessão por todos terem acorrido a Câmara de Lobos, embora esteja em desacordo com o que escreveu Fr. Fernando da Soledade, que regista o dia 28 de janeiro, e, logicamente, omite ter sido o bispo do Funchal a fazer o achado. Refere-se ainda à capela construída na antiga cozinha, também dedicada ao “santo”, onde “vinham os anjos beneficiar o comer, enquanto ele se ocupava em outra maior contemplação”, figurando aí a sua imagem de joelhos, em oração, dentro da antiga chaminé “e os anjos ocupados no ofício do Santo” (Id., Ibid.). Nos claustros havia outra capela, que servia de capítulo aos religiosos, dedicada a N.ª Sr.ª da Piedade, “cuja imagem é de maravilhosa pintura”, capela fundada por André Afonso Drumond e sua mulher Branca de Atouguia. Fora do claustro, junto à portaria e à igreja ainda havia outra capela, dedicada às almas, com uma confraria e, a “poucos passos adiante”, ainda a capela de S. Lourenço, dentro da qual, do lado da epístola, ficava uma “lapa fechada com grades de ferro” (Id., Ibid., 252), que ainda subsiste, onde era tradição que Fr. Pedro da Guarda se retirava para oração. A igreja era “proporcionada ao convento”, de uma só nave, com capela-mor e dois altares colaterais: o do lado do evangelho dedicado ao Senhor Jesus, com irmandade e, o da parte da epístola, à Conceição de N.ª Sr.ª. O retábulo-mor possuía três nichos, sendo o central ocupado pela imagem de S. Bernardino de Sena e os laterais, pelas imagens de S. Francisco e de S.to António. Na parede do lado da epístola figuravam as armas dos Vasconcelos e, no lado oposto, havia uma tribuna. Na porta lateral que saía para os claustros havia uma laje com as letras A e D, indicação de que ali havia sido enterrado Fr. António Descalço, “religioso leigo cuja virtude e largas penitências lhe adquiriram larga veneração” (Id., Ibid.), mas na lápide aí existente no começo do séc. XXI figura o nome por extenso do frade leigo, por certo bem anterior aos anos de 1722, em que foram escritas as memórias do cronista Noronha. Fr. António Descalço havia sido canavieiro de açúcar de António Correia, o Grande (1457-1572), filho dos doadores do terreno inicial do Convento, tendo entrado como donato, ou seja “consagrado ao Senhor”, em referência a alguém mais novo e que estaria a preparar-se para seguir a vida religiosa, professando depois, mas como leigo. Passou a usar o nome de Descalço, “porque jamais calçou alparcatas” e quando se “faziam gretas nos pés, do exercício, as cozia com fio de sapateiro”. Faleceu em 27 de maio de 1590, o que parece corresponder à lápide depois colocada, tendo escrito Noronha que foi contemporâneo de Fr. Pedro da Guarda, “que sem dúvida seria o modelo do seu espírito”. No entanto, tendo o “santo” falecido em 1505, não podem ter sido contemporâneos, pois embora o antigo amo, António Correia, tenha falecido com 115 anos, um canavieiro que sempre andou descalço dificilmente teria passado dos 70 anos. Escreveu também Noronha que sobre a sua sepultura “se viam algumas vezes luzes” e ouviam cânticos amenos, com “um suavíssimo cheiro, que saindo dela se fundia por toda a igreja” (Id., Ibid., 251-253). Na descrição de Noronha do então oratório de S. Sebastião da Calheta, refere-se que no Convento de S. Bernardino se havia homiziado Pedro Bettencourt de Atouguia (1622-c. 1680), o qual tinha assassinado, por problemas de coleta de impostos, o corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, a 29 de dezembro de 1642. O corregedor viera à Madeira para investigar uma série de tumultos ocorridos no ano anterior e, tomando conta da fazenda real, passou a tratar dos vários pagamentos em atraso. Entre esses pagamentos encontravam-se os de Pedro de Bettencourt, Manuel Homem da Câmara e outros, pelo que dirigindo-se à Câmara do Funchal, então nas traseiras da sé, para prender o último, foi assassinado às portas da mesma por Pedro de Bettencourt. Conta então Noronha, que foi depois preso, em princípio, pelo seguinte corregedor Jorge de Castro Osório, por sua vez, morto por envenenamento poucos meses depois (Aclamação de D. João IV). O morgado Pedro de Bettencourt teria, entretanto “arrombado a prisão” e passou a viver homiziado, de início, no Convento de Câmara de Lobos, “mas com tal mudança de vida”, que despendia a maior parte dos rendimentos do morgado em benefício da caridade, tendo feito “à sua custa as varandas do claustro de S. Bernardino”. Aí permaneceu até 1670, data em que comprou o terreno para o oratório de S. Sebastião da Calheta, cuja construção se iniciou por essa data, professando ali como Fr. José da Encarnação, onde “andou sempre descalço” e foi depois sepultado na capela-mor daquele oratório (Id., Ibid., 257). O Convento de S. Bernardino beneficiava, entretanto do púlpito da colegiada de S. Sebastião da Câmara de Lobos, pelo menos, desde o alvará de D. Filipe II, de 20 de outubro de 1612, que atribuiu ao guardião um ordenado anual de 15$000 réis e a obrigação de pregar na colegiada no Advento e na Quaresma, o mesmo acontecendo com os restantes conventos franciscanos, em relação às colegiadas das matrizes das freguesias próximas. Mais tarde, com a dinastia dos Bragança, as porções e esmolas dos sermões auferidas pelos religiosos estariam isentas do pagamento da décima, por provisão régia de maio de 1650. Os frades de S. Bernardino, e o Convento em geral, a partir dos inícios e meados do séc. XVII, vieram a beneficiar com o recrudescimento da devoção de Fr. Pedro da Guarda, tendo sido contínuas as tentativas de beatificação e os processos enviados para Roma. O Papa Urbano VIII, a 30 de agosto de 1625 ordenou, inclusivamente ao bispo do Funchal, D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), que, com dois dignatários da Sé, fizesse nova inquirição por autoridade apostólica. O processo foi concluído em 1628, sendo enviado para Roma, mas não tendo conhecido despacho. Novas tentativas foram feitas pelo P.e Fr. Baptista de Jesus, que se deslocou a Roma para negociar a causa, ainda sendo conduzida outra tentativa pelo deão, vigário-geral e provisor do bispado em sé vacante, Pedro Moreira (c. 1600-1674), em 1652, igualmente sem resultados. O erário público, entretanto concorreu igualmente para os processos de beatificação, determinando o rei D. João IV, por alvará de 3 de setembro de 1653, que os ministros da justiça aplicassem na Ilha metade das condenações pecuniárias para ajuda das despesas. A determinação de D. João IV foi confirmada cem anos depois, pelo bisneto D. José, por novo alvará, em 27 de fevereiro de 1753, para que se mantivesse a ajuda das despesas ao processo de beatificação do “Santo Servo de Deus” (BNP, Índice Geral do Registo da Antiga Provedoria da Real Fazenda, 118 v.), assunto cumprido ao longo dos séculos seguintes, mas sem resultado, ainda se arrastando o processo por Roma. O Convento de S. Bernardino veio a ser totalmente reconstruído nos inícios e meados do séc. XVIII, quase que somente se tendo preservado a lapa e a sepultura de Fr. Pedro da Guarda, assim como algumas das lápides sepulcrais. As obras devem ter-se iniciado por 1735, como atesta a data inscrita na base da cruz do frontispício da igreja e prolongaram-se, pelo menos para além de 1747, como se inscreveu no lintel de uma das janelas próximo da torre. A igreja ficou então dotada de três portas com molduras assentes em colunas oitavadas e conjunto rematado por cornija relevada sobre a qual assenta um pequeno nicho de cantaria aparente. O conjunto das portas parece ter tido o risco de um mestre das obras reais anterior, talvez Manuel de Vasconcelos, mas toda a fachada deve ter sido reformulada nos inícios do XIX, depois da aluvião de 1803 e ainda nas obras de 1924 a 1928, não sendo fácil deduzir o que ficou das campanhas de obras mais antigas e, inclusivamente, se não se aproveitaram cantarias de outros locais do Convento. Para estas obras, em princípio, o guardião e demais frades tiveram autorização da Câmara do Funchal, por alvará de 13 de janeiro de 1742, licença para cortar vinte e cinco paus nas serras do concelho. Entre 1730 e 1740 também se encomendaram vários painéis de azulejos para os claustros a uma das boas oficinas de Lisboa, de que chegaram aos nossos dias dois muito bons e grandes arcanjos, podendo ter sido mais. De 1740 a 1750 também deve ser o lavabo da sacristia, dos mais interessantes existentes na Região e que, contra o que seria de esperar, recupera o trigrama de S. Bernardino de Sena, de que se haviam apropriado os Jesuítas para a sua emblemática oficial, o que à época teria sido uma atitude corajosa. O Convento voltou a ter obras após o terramoto de 1748, que afetou bastante toda esta área e, então quase uma nova reconstrução, após a terrível aluvião de 9 de outubro de 1803. A descrição da aluvião de João Pedro de Freitas Drumond (1760-1825), o célebre “Dr. Piolho”, dada a fraca estatura, feita a pedido da Câmara do Funchal, refere que a ribeira da Saraiva ou ribeiro dos Frades levara “a cerca, claustros, cozinha, refeitório e adega” do Convento, de que só ficara a igreja e a casa dos romeiros. Uma testemunha ocular, a 15 de outubro seguinte, refere mesmo que “o convento do Servo de Deus também foi ao mar” e “dizem que escapou parte do refeitório e um pequeno celeiro” (VERÍSSIMO, 2002, 65). No livro de Receita e Despesa dessa época registam-se “o gasto que se fez depois do dia 10 deste mês de outubro, quando amanheceu a triste cena do aluvião, que levou este nosso convento com as alfaias que nele se achavam, etc.”. Os frades tiveram assim que adquirir quatro panelas, um tacho, uma frigideira, duas peneiras, seis copos, um cutelo, dois quartos, balança e pesos, tendo tudo custado 16$350 réis. Tiveram também de contratar um carpinteiro, por dois dias, “para consertos”, como regista o escrivão Fr. João de Santa Rosa (ANTT, Conventos, Convento de São Bernardino de Câmara de Lobos, liv. 2, fl. 87). No pedido depois feito pelo guardião Fr. Matias de São Boaventura para se fazer uma vistoria, refere-se que os frades tiveram de trepar pela rocha vizinha do lado nascente, pois a água havia tomado a saída do Convento, demolido a portaria e entrado na igreja. Os frades tiveram que se recolher nas instalações dos Terceiros e na casa dos romeiros, pois haviam ficado sem os dormitórios e mais instalações, solicitando poder utilizar o rendimento da capela instituída por João de Bettencourt de Vasconcelos para a reedificação do Convento. A vistoria determinada pelo provedor dos resíduos e capelas só veio a ocorrer a oito de julho de 1805, levada a cabo pelo então mestre das obras reais e antigo mestre entalhador Estêvão Teixeira de Nóbrega (1746-1833), assessorado pelo mestre António José Barreto, que lhe haveria de suceder. Os prejuízos tinham sido muito grandes, perdendo-se na totalidade o muro da cerca, as latrinas, o dormitório que estava ao lado do ribeiro, a cozinha e loja anexa, a casa de profundis, o refeitório, a adega, metade do claustro, a capela da cozinha do servo de Deus, a da cova do “santo”, a sacristia e a varanda que lhe ficava em cima, tal como as celas junto da mesma varanda. Na igreja, encontrava-se perdido o teto sextavado, o altar teria de ser refeito, e os azulejos, porque em mau estado, teriam de ser retirados. A ribeira dos Frades alterara o seu leito, passando então junto à porta travessa da igreja, que ia para a capela-mor, tudo necessitando de ser assim corrigido. As obras tiveram autorização do provedor-proprietário das capelas, Pedro Nicolau Bettencourt de Freitas e Meneses, devendo ser colocados em praça “os frutos” do morgadio instituído por João de Bettencourt de Vasconcelos, para se liquidarem pela melhor oferta. Satisfeitos os legados pios, deveria aplicar-se o remanescente na reconstrução do Convento e da capela-mor, de acordo com as diretivas deixadas no auto de vistoria. Ao longo dos anos seguintes as obras arrastaram-se, ainda havendo pagamentos em julho de 1822 e, em 1827, o síndico do Convento queixava-se que a vistoria às obras se achava por completar, em relação à capela-mor, oficinas do Convento e outras instalações. Estes anos foram muito complexos em Portugal com a implantação do primeiro liberalismo e com a contrarrevolução do infante D. Miguel, seguindo-se a guerra civil que, não tendo afetado fisicamente a Madeira, levou à emigração dos principais quadros eclesiásticos insulares, como grande parte dos cónegos da sé e dos vigários das freguesias. As obras do Convento nunca teriam sido completadas. A vida quotidiana da comunidade de S. Bernardino entre os finais do séc. XVIII e os inícios do XIX pode ser analisada pelos quatro livros de receita e despesa que sobreviveram. A documentação do Convento parece ter-se perdido parcialmente com a aluvião de 1803, tendo ficado alguns livros de despesas de obras no conjunto proveniente da provedoria do Funchal; os quatro livros de receita e despesa foram depositados na Torre do Tombo, indo integrar o núcleo dos conventos, tendo a documentação avulsa ficado no núcleo do Ministério das Finanças do mesmo arquivo. O estado de conservação dos cadernos iniciais do Livro de Contas de setembro de 1792 a 1798, quando era guardião o P.e Fr. António do Amor Divino, é testemunho da dificuldade por que deve ter passado toda a documentação do Convento. As receitas do Convento provinham essencialmente de foros e de missas, inclusive nos altares das confrarias, capelas e oratório do síndico, sermões na Quaresma e no Advento na colegiada de Câmara de Lobos, tal como da venda de túnicas, hábitos de saial e de burel para mortalhas, aspeto que era igualmente praticado nos restantes conventos franciscanos masculinos da Ilha. Um hábito de burel e o acompanhamento de um funeral registados, e.g., na primeira semana de setembro de 1792, custaram 2$500 réis, embora um outro enviado para o campanário na mesma semana tivesse custado somente $8000 réis. Os hábitos para mortalha eram feitos no Convento, comprando-se periodicamente uma vara de burel, como nos inícios de fevereiro do ano seguinte, que custou 6$000 réis. As túnicas também ali deviam ser feitas, vindo o linho sedado ou em rama, da Ponta do Pargo e da Fajã da Ovelha, em princípio, como esmola. Na última semana de maio de 1798, e.g., entre os inúmeros envios de hábitos de burel e de saial, registam-se verbas de 4$000 réis, para o do burel enviado para o funeral de Manuel de Sousa, das Eiras, acompanhado por dois religiosos “a 500 réis cada um” e 9$000 réis, para o hábito de saial enviado para Rita dos Santos, da Várzea, cujo funeral foi acompanhado por seis religiosos. Nessa semana também se receberam 3$000 réis pelo “caminho e assistência” ao ofício das exéquias do governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, falecido no Funchal, a 30 de março desse ano, determinadas pelo Cap.-mor Filipe Esmeraldo e nas quais participaram cinco religiosos “a 600 rs.” (ANTT, Conventos, Convento de São Bernardino de Câmara de Lobos, liv. 2, f. 1v.). As verbas auferidas pelas missas eram também variáveis, registando-se, e.g., na primeira semana de fevereiro de 1793, 35 missas, que renderam 2$800 réis; na segunda semana, 25 missas, 2$000; na terceira, 33 missas, 2$050; e na quarta, 35 missas, 1$800, dependendo assim de onde eram celebradas e dos acordos anteriormente estabelecidos. Havia uma série de missas que eram obrigação do Convento, outras de outras obrigações, tal como as das capelas e das confrarias, nem todas pagas. Na última semana de abril de 1798, no livro de contas de quando era guardião o P.e pregador Fr. Manuel da Piedade, especifica-se que se “disseram” 23 missas, 7 do Convento, 3 de obrigações, 3 das confrarias e 4 de “ofícios de frades”, somente tendo sido pagas quatro, a 200$000 réis, pelo que houve de receita 800$000 réis (Ibid., liv. 2, fl. s/n.ºv.). Nas semanas seguintes variam os quantitativos, havendo missas pagas a $200, a $300 e, inclusivamente, a 1$550 réis, como ocorreu na terceira semana de maio desse ano de 1798 e que parece corresponder à missa que antecedeu ou finalizou o “Noturno da confraria de Jesus” (Ibid., liv. 2, fl. 1) As festas dos padroeiros das confrarias sedeadas no Convento eram igualmente fontes de receita, principalmente se tivessem sermão, podendo chegar aos 3$000 réis. Os foros representavam ainda maiores fontes de receita, como os provenientes da antiga Terça dos Frades, que a célebre morgada Guiomar Madalena de Sá Vilhena (1705-1789) chegou a colocar em tribunal, em 1771, face à aplicação da lei pombalina de 4 de julho de 1768 e do alvará de 12 de maio do ano seguinte sobre os bens vinculados, mas que veio a ter despacho da Relação de 14 de dezembro de 1776, favorável ao Convento e condenando a morgada ao pagamento das custas do processo. Os seus sucessores acabaram por continuar a pagar a célebre “terça”, como o seu sobrinho-neto João de Carvalhal (1778-1837), futuro conde de Carvalhal, que em janeiro de 1811 pagou pela “sua capela”, 16$440 réis, para além de ter rendido ao Convento, “do merecido da Capela da Terça”, mais 49$400 réis (Ibid., liv. 3, fl. 3). Outra fonte de rendimento eram os peditórios, que extravasavam, em princípio as áreas estabelecidas, pois concorriam com o pequeno Convento de S. Sebastião da Calheta e mesmo com o oratório da Porciúncula da Ribeira Brava. Os peditórios decorriam em determinados períodos, consoante as festas em causa e os produtos a recolher, como era o caso do vinho, do trigo e do pão, para o que o Convento adquiria o vasilhame para a recolha e pagava a determinados “moços” ou donatos para fazerem o peditório, tal como depois pagava pontualmente os transportes, quando excediam as quantidades transportáveis pelo homem. Uma vez recolhidos no Convento, uma parte dos mesmos era vendido. As despesas do Convento eram essencialmente na alimentação, feita à base de peixe de aquisição local, ao contrário dos conventos do Funchal onde a aquisição de peixe era mais difícil, mas também de bacalhau, de salmão fumado, de carne e legumes. Na última semana de março de 1793, e.g., uma das principais despesas foi a do peixe fresco, quase 7$000 réis, mas sendo ultrapassada pela do bacalhau, em que se gastou 7$200 réis. Compraram-se ainda feijão “fradinho”, legumes vários e fruta, vários tipos de azeite, inclusivamente “de peixe”, e lenha para cozinhar, uma despesa sempre corrente; nessa semana, foram 23 feixes, 15 a $150 réis e 8 a $100, num total de 3$050 réis (Ibid., liv. 1, f. 11v.). Os frades cultivavam ainda terrenos na sua cerca e em outras propriedades, inclusivamente, contratando pessoal em épocas de maior trabalho. Tinham vinhas e produziam vinho em adega própria e aguardente, tal como criavam animais. Pontualmente compravam um porco “para o chiqueiro”, que depois deviam matar pelo Natal, tal como também compravam galinhas e tinham ovos, pois, pontualmente, aparece o envio de ovos para o Convento de S.ta Clara, de onde depois recebiam doces. No dia de Jesus, ou seja 1 de janeiro, havia cavacas, tal como também nesse mês, a abertura da arca do servo de Deus era assinalada com um jantar de galinha. Pelo Entrudo consumiam carne de vaca e sonhos, antes do jejum e abstinência da Quaresma. Na Quinta-feira Santa não faltava o arroz-doce e em toda a Semana Santa tinham biscoitos, havendo cavacas do dia de S. João Batista, tal como carneiro e cerejas, aparecendo para outras datas festivas aquisições de especiarias, presunto, queijos e outros doces. As despesas gerais incluíam ainda nesses dias festivos o pagamento de músicos, tal como o do transporte de determinadas entidades que visitavam o Convento, vindas, geralmente, do Funchal, que incluíam, não só o barco como o de rede até S. Bernardino. Uma das contínuas despesas era ainda o tabaco, por certo para consumo do Convento, mas também para pagamento de “mimos” a visitantes, funcionários e simples trabalhadores. Contínua era também a despesa com os irmãos doentes, que obrigava à alteração da alimentação, que passava, essencialmente, a dieta de frango e canja, tal como exigia o pagamento dos medicamentos. Em 1834, no âmbito da reforma geral eclesiástica empreendida pelo ministro e secretário de Estado Joaquim António de Aguiar, que ficou conhecido pelo “mata-frades”, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo decreto de 30 de maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas. A execução do decreto na Madeira foi determinada pelo prefeito da província da Madeira, Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1846), que a 27 de agosto desse ano enviava ao provedor do concelho do Funchal, Manuel de Santana e Vasconcelos (1798-1851) instruções precisas a esse respeito, embora somente cumpridas quase um ano depois. As primeiras diligências ocorreram assim a 7 de abril de 1835, na presença do provedor do concelho, do tabelião Domingos João de Gouveia e do fiscal da fazenda Manuel Joaquim Lopes. Elaborado o inventário do Convento, registaram-se como objetos sagrados, uma custódia, uma âmbula, quatro cálices e um relicário de prata dourada, assim como nas capelas se inventariaram quatro lampadários de prata, um turíbulo, um naveta e três castiçais. Os objetos sagrados foram entregues ao P.e Alexandrino Salgado, vigário capitular da Diocese, e os não sagrados recolheram à provedoria da Fazenda, tendo seguido, a 28 de maio de 1836, no brigue de guerra Tejo, para a Casa da Moeda de Lisboa, de que o prefeito da Madeira havia sido provedor. Todo o conjunto de paramentos e vestiária foi entregue à Diocese e inventariou-se ainda os adornos de prata das diversas imagens. Foram ainda inventariados os livros de coro: um saltério, um antifonário, um livro de missas e um livro de calendário, conjunto entregue à Diocese. No entanto, o conjunto dos 35 livros da biblioteca, os manuscritos de contas do Convento, e um maço de 78 papéis avulsos de escrituras, títulos, provisões e outros documentos, recolheram ao governo civil, sendo depois entregues na provedoria da fazenda. Inventariou-se também todo o mobiliário do Convento, como mesas, cadeiras e, inclusivamente, vidros, loiças, cobres e demais objetos de cozinha, posteriormente vendidos em hasta pública. No mesmo dia do inventário os funcionários da provedoria da fazenda tomaram posse oficial do conjunto dos imóveis, tal como dos bens do Convento, que depois de inventariados e avaliados, previa-se também colocar em hasta pública. Tal aconteceu pouco depois com as diversas propriedades, mas o mesmo não veio a acontecer de imediato com o imóvel. Uma parte do recheio do Convento, a cargo da colegiada da matriz de S. Sebastião de Câmara de Lobos e do vigário-geral da Diocese, foi sendo distribuído pelas matrizes limítrofes, como já havia acontecido com o património dos Jesuítas e aconteceu então com os conventos franciscanos. Na altura do inventário, tal como a paramentaria foi entregue à Diocese, alguns móveis, como os cinco confessionários, duas cadeiras e duas escadas para armações, foram de imediato transferidos para a matriz de Câmara de Lobos. Em abril de 1835, o vigário da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos recebeu o sino maior do Convento e o menor foi entregue à matriz da Santíssima Trindade da Tabua. Refere o P.e Pita Ferreira que a imagem de N.ª Sr.ª da Conceição seguiu para a matriz, o sacrário foi oferecido à igreja da Piedade do Curral das Freiras, em 1850, e a imagem do Senhor Jesus foi oferecida à capela da Vera Cruz, na Quinta Grande, em 1866. Com a implantação do Governo liberal foi nomeado para o Funchal um novo vigário capitular e governador do bispado, o Cón. António Alfredo de Santa Catarina Braga (c. 1795-c.1845), que se havia refugiado em Cabo Verde e depois no Brasil, em razão das suas ideias liberais. Tendo já publicado no Porto um folheto contra o culto do “santo”, uma vez na Madeira, a 2 de junho de 1835, fez uma visita extraordinária à capela e lapa de Fr. Pedro da Guarda no extinto convento de Câmara de Lobos. Tendo examinado o monumento onde se guardavam os restos mortais do Franciscano, junto do altar-mor da igreja, mandou-os destruir, o mesmo mandando fazer à pintura existente na capela do “santo” e demais imagens que encontrou, tudo sendo queimado em novo “auto de fé” ao sabor do antigo regime. Entendia assim cumprir o seu “rigoroso dever, para desagravar a verdadeira e sã doutrina do cristianismo”, pois que nunca havia sido canonicamente autorizado o culto de Fr. Pedro da Guarda (A Flor do Oceano, 21 jun. 1835, 30). Se esfriaram e diminuíram momentaneamente estes preitos de devoção e piedade, mas não se extinguiram de todo, tendo-se transformado na sede da paróquia de S.ta Cecília, um número considerável de indivíduos procura a sepultura, onde foram depostos os restos mortais de Fr. Pedro da Guarda. As imagens só se retiraram da igreja de S. Bernardino a 18 de junho de 1837, umas para a igreja paroquial e outras para a posse de algumas famílias que as conservaram, passando a incorporá-las na procissão anual das Cinzas. Entre estas, encontra-se o busto relicário de Fr. Pedro da Guarda, aparentemente datável dos meados ou finais do séc. XVII, que pertenceu à família de Jorge Sabino de Castro, que em outubro de 2002 a doou ao antigo Convento de S. Bernardino. O edifício do Convento foi vendido em hasta pública, a 12 de março de 1872, por 811$000 réis, a Manuel Joaquim Lopes, sendo registado como Convento Velho, e não integrando a capela dos Terceiros e a casa dos romeiros, então registadas como Convento Novo. A venda já se enquadrava num outro contexto político e religioso, pois desde 1857 já funcionava no antigo convento uma escola feminina e, pelo menos desde 1867, se pretendia reedificar o convento e retomar o processo de beatificação do santo, editando-se folhetos sobre a vida do mesmo e reativando-se a devoção através da Ordem Terceira e dos Salesianos, que ali instalaram uma escola. Fig. 1 – Luís Bernes, Desenho do Convento de São Bernardino em Câmara de Lobos, Luís Bernes. Fonte: Semana Ilustrada, 9 out. 1898, 217. O edifício do velho convento, entretanto, arruinava-se decididamente, como comprova o desenho editado pelo pintor Luís António Bernes (1864-1936) na Semana Ilustrada de 9 de outubro de 1898, assim como algumas fotografias da época, mas que ao mesmo tempo demonstram o interesse que passara a haver pelo imóvel. Efetivamente, a 6 de julho desse ano de 1898, os proprietários tinham vendido o convento velho por 60$000 réis ao prelado diocesano D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), mas que era mais uma doação do que uma venda, pois foi vendido muito abaixo do preço pelo qual o haviam adquirido. As ruinas do velho convento vieram a ser pontualmente recuperadas por iniciativa da M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). O projeto de recuperação do edifício teve início por volta de 1911, mas só foi concretizado em meados de 1916 para funcionamento do curso preparatório para o seminário diocesano. Foi neste edifício que a M.e Mary veio a falecer, em 18 de outubro desse ano, não tendo assistido à chegada dos alunos. O edifício voltaria a ter obras de reabilitação, por iniciativa do pároco de Câmara de Lobos, P.e João Joaquim de Carvalho (1865-1942), entre janeiro de 1924 e meados de 1928. A igreja sofreria uma total remodelação, eliminou-se grande parte das preexistências, como a antiga tribuna e as armas dos Vasconcelos nas paredes norte e sul da capela-mor, removeram-se igualmente as lápides sepulcrais e encomendou-se em Braga um retábulo-mor com amplo camarim, executado naquela cidade pela antiga oficina do entalhador Leandro de Sousa Braga (1837-1897), que ainda usava o seu nome. O retábulo custou 12$000 réis e chegou ao Funchal a 24 de setembro de 1926, procedendo à montagem um dos mestres entalhadores da mesma oficina. No ano seguinte ainda haveriam de chegar os altares colaterais, em abril de 1927. A igreja seria de novo benzida pelo bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro (1879-1957), a 24 de outubro de 1926, durante as festas de S. Francisco, nesse ano ligeiramente adaptadas para coincidirem com as celebrações do 7.º centenário da morte do patriarca dos Franciscanos. Até 1933, continuou ali a funcionar o curso preparatório do Seminário Diocesano, que nessa data foi integrado no Seminário da Encarnação. O conjunto voltaria a sofrer reabilitação em 1960, para a instalação da paróquia de S.ta Cecília, tendo decorrido, em 2014 e 2016, novas obras de reabilitação geral do conjunto, a cargo da mesma paróquia e com o apoio da Ordem de S. Francisco, segundo projeto de 2006 do ateliê dos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo.     Rui Carita (atualizado a 20.02.2017)

Arquitetura Património Religiões Madeira Cultural

archais, associação de arqueologia e defesa do património da madeira

A ARCHAIS nasceu a 15 de abril de 1998. A sua atuação engloba a área da arqueologia e luta pela defesa do património cultural. Como obra fundamental de arranque, realizou o projeto cultural do Solar do Ribeirinho, em Machico, distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Realizou inúmeros encontros, seminários e publicações diversas. Palavras-chave: arqueologia; associações culturais; defesa do património; inventários; recriações históricas.   A ARCHAIS, acrónimo da Associação de Arqueologia e Defesa do Património da Madeira, inspirado na palavra grega Arkhais que significa “antigo”, nasceu a 15 de abril de 1998, data em que formalmente registou os seus estatutos, então com sede no Sítio do Povo, em Gaula, Santa Cruz. A ARCHAIS surgiu na sequência de uma série de associações deste âmbito que proliferaram em Portugal continental e na ilha da Madeira durante as décs. de 80 e de 90, mas quase sempre, por razões de ordem vária, quer políticas quer sociais, de duração efémera. Os sócios fundadores foram Arlindo Quintal Rodrigues, Richard da Mata e Élvio Sousa. A associação assumiu-se desde logo como sociedade sem fins lucrativos, apartidária e não religiosa, visando desenvolver na RAM uma série de atividades de forma a defender os valores relacionados com a arqueologia e com o património, e a enriquecer o espírito de grupo e a cidadania. Os elementos fundadores já se encontravam a trabalhar desde 1997 pelo menos, procurando fazer um diagnóstico da situação do património cultural a nível regional. Foi com base nesse diagnóstico que vieram a assumir intervenções em várias frentes, especialmente na promoção de campanhas e de trabalhos na área da arqueologia, criando, inclusivamente, não só uma escola de arqueologia para o ensino, a formação e a promoção das campanhas a efetuar, e a promoção de cursos técnicos de introdução e de iniciação à arqueologia, à conservação e ao restauro, mas também visitas de alerta para a preservação geral do património cultural material do passado. No final da primeira década do séc. XXI, foi lançado o Portal do Arqueólogo, dedicado a todos os profissionais da área da arqueologia. Este serviço pretendia facilitar e agilizar os procedimentos decorrentes da prática profissional da arqueologia no território continental e promover a dinâmica entre a tutela do património arqueológico e o trabalhador/investigador. A obra fundamental de arranque do projeto cultural da ARCHAIS foi o trabalho de arqueologia desenvolvido a partir do Solar do Ribeirinho, em Machico, coordenado pelo Prof. Arlindo Rodrigues, que se estendeu a outros locais da cidade, tendo depois o solar sido transformado em museu, com projeto do arquiteto Vítor Mestre, que, em 2016, foi distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Solar do Ribeirinho. Tapete.     Escavação Junta de Freguesia de Machico   Foi no projeto de escavação da área do solar que se alicerçaram, de imediato, outras iniciativas, tal como a realização do I Encontro Regional de Arqueologia e Património, no Funchal, a 26 e 27 de abril de 2000, cujos conteúdos foram depois publicados no Livro Branco do Património (2003). Outros encontros seguiram-se, e.g.: Legislação e Património, Arqueologia e História e Mesa-Redonda sobre a Nova-Lei de Bases do Património. Partindo da premissa de que publicar seria a melhor forma de defender e de valorizar o património e o trabalho desenvolvido, foram sendo dados à estampa não só vários estudos temáticos, tais como A Propósito do Solar do Ribeirinho (2000) e Iluminação Pública em Machico (2001), mas também inventários gerais de património de cidades e de freguesias da Região, com o apoio fundamental das Câmaras Municipais e de outras instituições.   As atividades de defesa do património da ARCHAIS estenderam-se ainda ao património cultural e ao imaterial, tendo-se tais ações integrado especialmente nos chamados mercados quinhentistas (recriações históricas muito divulgadas por toda a Europa desde os finais do séc. XX, de que o mercado de Machico se tornou paradigmático na Região). Estes eventos começaram com vários elementos ligados à Associação, com o apoio da Câmara de Machico e da Escola Básica e Secundária de Machico, quer na orientação dos professores quer na participação dos alunos, tendo-se alargado progressivamente. Naqueles mercados quinhentistas organizaram-se também colóquios sobre o património cultural imaterial que, embora não surgissem com a chancela da ARCHAIS, tinham a sua marca de origem. A atividade da ARCHAIS é indissociável da revista Ilharq, cujo n.º 0 apareceu em 2000 e o n.º 1, em 2001,e que abarca um amplo leque de temas, especialmente na área do património arqueológico. A partir do seu n.º 8, a revista começou a apresentar uma periodicidade bianual com o apoio da Câmara Municipal de Machico, e a ARCHAIS começou a ter a sua sede na antiga escola do Sítio dos Maroços, em Machico. O n.º 11 foi apresentado no Solar do Ribeirinho, a 11 de dezembro de 2015, reunindo um conjunto de artigos sobre o concelho de Machico, e revelando temáticas tais como a história regional e local, o património arquitetónico, a arte, a azulejaria, a etnografia, as tradições e as vivências quotidianas. Desde o nascimento da ARCHAIS, em 1998, foram sendo publicados também boletins informativos, acompanhados de imagens das atividades da Associação, tendo os primeiros boletins começado com uma periodicidade quadrimestral, evoluindo para uma periocidade semestral, e acabando, finalmente por se tornar anuais. A atividade da Associação, embora gozando do apoio de inúmeras personalidades nacionais ligadas à arqueologia, pretendendo intervir em toda a Ilha e arvorando-se de valores da cidadania participativa, encontrou alguma dificuldade no Funchal, devido a também existirem naquele local outras estruturas regionais e concelhias relacionadas com a área da arqueologia. Acresce que, embora assumindo-se como não partidária pelos seus estatutos, teria sido no seio desta associação, ou pelo menos com elementos ligados à mesma, que surgiu a formação partidária Juntos pelo Povo (Partidos políticos), que conquistou rapidamente representação autárquica e regional. Nesse sentido e torneando essas dificuldades, a ARCHAIS e os elementos ligados à mesma apostaram na diversificação de polos de desenvolvimento, fundando, por exemplo, o Centro de Estudos em Arqueologia Moderna e Contemporânea (CEAM), que, em união com outras entidades, desenvolveram projetos alternativos e apostaram em interessantes iniciativas vocacionadas para as camadas mais jovens (e.g., os chamados Giro de Património e os roteiros juvenis), com bastante sucesso. Estas ações, que pretendiam divulgar a realidade patrimonial local numa perspetiva de sensibilização para a necessidade de proteger, de preservar e de valorizar a mesma, conseguiram assim estender-se a quase toda a Ilha, inclusivamente às várias freguesias do Funchal, com o apoio das respetivas juntas de freguesia. O primeiro Giro, intitulado Património Histórico de Machico, editado com o apoio da Câmara Municipal de Machico, com textos de Isabel Gouveia e de Virgínia Nóia, e com design de Ricardo Caldeira, teve edição em abril de 2000; seguiu-se-lhe o Giro pelo Património Edificado de Santa Cruz, em 2001, com o mesmo design, texto de João Lino Pereira Moreira e fotografias de Élvio Duarte Martins Sousa. O sucesso da iniciativa levou a que ambos estes giros tivessem nova edição, seguindo-se, ainda em 2001, o Giro pelo Património Edificado da Ponta do Sol, com texto de Emanuel Gaspar e com o apoio da respetiva Câmara. Seguiram-se o Giro pelo Património Cultural de Santana, em 2002, e o Património Edificado da Ribeira Brava e Histórico-Arquitetónico da Calheta, em 2004, tendo sido depois promovidos, nas freguesias do Funchal, o Histórico de Santa Maria Maior, em 2005, o Histórico da Sé, em 2006, o Histórico de São Pedro, também em 2006, e o Histórico do Monte, em 2007. A ARCHAIS lançou ainda, em formato de livros de bolso, facilmente consultáveis em caminhadas, vários roteiros culturais das freguesias da zona leste da Madeira: o do Caniçal, o do Santo da Serra, o da Água de Pena, o do Porto da Cruz, o de São Jorge, e o de Gaula e de Caniço, entre outras.   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

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