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castro, inácio joaquim de

O final do séc. XVIII anunciava grandes alterações no quadro europeu, com a aliança da França revolucionária com a Espanha e a declaração de guerra ao Reino Unido, o que levou a corte de Lisboa a sentir a necessidade de reforçar as forças militares no continente. Foi nesse quadro que foi enviando para a Madeira, em janeiro de 1797, o Maj. Inácio Joaquim de Castro, encarregado do recrutamento de pessoal para o exército continental e, depois, de rever o sistema defensivo da ilha da Madeira. A morte do governador e a nomeação de um governo interino complicaram a atuação do major na Ilha, acabando por ser transferido para a ilha de S. Miguel, nos Açores. Palavras-chave: defesa; fortificação; governo interino; guerras napoleónicas. Nascido por volta de 1750, Inácio Joaquim de Castro foi um major e engenheiro militar que teve um papel central na problemática da defesa da ilha da Madeira entre os finais do séc. XVIII e o séc. XIX, tornando-se, depois, governador militar da ilha de São Miguel, nos Açores, e acabando os seus dias como comandante da fortaleza de S. Julião da Barra, em Oeiras. Face à emergência da França como potência militar, os finais do séc. XVIII anunciavam grandes alterações no quadro europeu, com incidência no território continental e nos domínios ultramarinos portugueses. Portugal tinha mantido a neutralidade no decurso da Guerra da Independência americana, mas, quando a França declarou guerra à Grã-Bretanha e à Espanha, foi arrastado para o conflito na sequência do tratado de 1778 assinado com a Espanha, que obrigava as partes a ajudarem-se uma à outra em caso de ataque por uma terceira potência. A 29 de janeiro de 1793, o Governo espanhol solicitou essa ajuda a Portugal e obteve-a. A partir de então, a França deixou de reconhecer a Portugal o estatuto de neutralidade, afirmando que, ao combater contra a república, se tornara uma potência beligerante e, por isso, em guerra. A posição portuguesa agravou-se com a assinatura, em 1795, do Tratado de Basileia entre Espanha e França, pelo qual os dois países firmaram a paz, constituindo uma aliança ofensiva e defensiva que foi depois cimentada pelo Tratado de Santo Ildefonso de 18 de agosto de 1796, e com a declaração de guerra da Espanha ao Reino Unido, em outubro do mesmo ano. Foi nesse quadro que, em janeiro de 1797, o Maj. Inácio Joaquim de Castro foi enviando para a Madeira, acompanhado de dois ajudantes: o Sarg. artífice de fogo Faustino José Lopes e o cabo artilheiro Manuel Joaquim de Sá. Note-se que o major já tinha sido abonado com uma tença de 12$000 réis num dos almoxarifados do reino e com o hábito da Ordem de Cristo, com data de 4 de dezembro de 1778. O seu envio para a Ilha teria sido algo precipitado, pois somente no ano seguinte, mais concretamente a 11 de junho de 1797, se especificavam os abonos de vencimentos, como veio a escrever na cartografia por si levantada levantada, não se conhecendo registos no arquivo do Governo do Funchal que atestem ter-lhe sido dada ordem para os estudos de defesa da ilha da Madeira. O principal móbil do envio do Maj. Inácio Joaquim de Castro teria sido o recrutamento de pessoal para o exército continental, tendo sido apenas alguns meses depois, em junho de 1797, que se acrescentou a reforma do sistema defensivo da ilha da Madeira. Saliente-se que, permanecendo na Ilha bastante mais tempo do que o inicialmente previsto, o major se veio a bater, mesmo contra a opinião geral dos quadros superiores locais, incluindo a do governador, pela reformulação total de toda a estrutura defensiva, incluindo pessoal, material e instalações, ainda que não tenha tido qualquer êxito nesse escopo. Ao longo dos sécs. XVII e XVIII, a Ilha tornara-se uma importante fonte de recrutamento da Coroa, fornecendo diversos contingentes militares para as guarnições ultramarinas de Angola (África), da Índia e do Brasil. Estes contingentes destinavam-se geralmente a acompanhar governadores em trânsito pela Ilha e com destino àqueles domínios, embora por vezes tenham seguido isoladamente. Da mesma forma, a Madeira enviou levas de casais para povoamento, como foi o caso do povoamento do Estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, em meados do séc. XVIII. A função de Inácio Joaquim de Castro era, assim, a de levantar um importante contingente insular para as forças continentais, que se estimava, em Lisboa, em cerca de 4000 homens. No entanto, como seria de esperar, o major encontrou os maiores entraves na Madeira, entre os quais se contou o próprio Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho. Logo nos primeiros contactos, o governador levantou as maiores dúvidas relativamente ao facto de se poderem levantar 1000 homens na Madeira, na medida em que isso seria muito prejudicial à defesa da Ilha, assim como “à sua cultura, tanto de terras de pão, como de vinhas”. Com alguma ironia, acrescentou mesmo que o prejuízo também se estenderia “por consequência aos rendimentos de Sua Majestade” (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 961-962). A Ilha possuía então pouco mais de 20.000 homens capazes de pegar em armas, como se veio a apurar algum tempo depois, num cômputo geral populacional que não chegou aos 80.000 habitantes, pelo que uma tal sangria seria prejudicial, não só à sua segurança, como até à sua subsistência. No entanto, nos meses seguintes do ano de 1797, conseguiu-se recrutar algumas centenas de homens, recorrendo-se algumas vezes à violência, como estava aliás previsto na diretiva de Lisboa, mas não se chegou sequer ao milhar apontado pelo governador e muito menos ao pedido de Lisboa de 4000 homens. Na segunda metade do séc. XVIII, com a estadia em Portugal do conde de Lippe (1724-1777), procedera-se a uma reforma geral da organização militar continental europeia, que não se estendeu totalmente à Madeira (Defesa). Assim, a organização militar insular continuava a assentar na antiga organização dos terços “pouco disciplinados”, porque recrutados entre os lavradores, mesmo entre “homens com negação para pegar em armas”, como mais tarde referiria Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) (CARITA, 1982, 26). A defesa do Funchal e das suas velhas fortificações assentava em duas companhias pagas, uma de artilharia e outra de infantaria, sendo o trabalho de artilharia ainda feito pelo velho quadro de bombardeiros, que somente por essa altura foi reconvertido no novo Corpo de Artilheiros Auxiliares. Desde 1566 que não se tinha consumado nenhuma ação ofensiva de envergadura contra o Funchal e, desde o saque ao Porto Santo em 1618, contra o arquipélago da Madeira, pelo que, com a supremacia do poder marítimo inglês durante o séc. XVIII, a defesa da Ilha acomodara-se à situação. Contudo, com os problemas surgidos neste final de século, tornava-se urgente proceder à reformulação de toda a defesa. É o próprio Sarg.-mor Inácio Joaquim de Castro que, a 22 de junho de 1797, em carta ao governador, informa estarem reunidas as circunstâncias para serem “atacados por qualquer força francesa”, reforçando essa ideia com a indicação “como Sua Majestade nos diz” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 975, n.º 6). Foi neste contexto que, ao longo dos três anos seguintes, Inácio Joaquim de Castro procedeu à elaboração de um vasto plano geral de defesa da Ilha, no qual se incluía a extinção dos antigos terços e a reforma dos regimentos de milícias, no sentido de aproximar a organização insular das determinações gerais e da legislação aprovada em 1796 para as forças de primeira linha. O major propôs ainda a criação de um novo corpo de artilharia e a reformulação da vasta rede de fortificações existente na Ilha, que era, na sua opinião, inoperacional na sua quase totalidade. As alterações nos quadros diretivos da Ilha que ocorreram entretanto, com o falecimento do governador, a 30 de março de 1798, e a formação de um governo interino, não ajudaram. Nessa sequência, a 4 de julho, o corregedor ausentava-se, sendo substituído pelo juiz de fora do Funchal, o desembargador José Filipe Ferreira Cabral. Ao longo desse ano, ainda se alteraria a constituição do governo interino com a chegada do novo corregedor, o desembargador José Maria Cardoso Soeiro, a chegada do novo bispo D. Luís Rodrigues de Vilares (c. 1740-1810), e a morte, a 10 de novembro, do Cor. Luís Vicente de Carvalhal (c. 1752-1798), então substituído pelo coronel das milícias de São Vicente, Anastácio Henriques Pereira. Nesse quadro de guerra interna entre os principais quadros insulares, já tanto o governador Diogo Pereira Forjaz como, depois, o governo interino tinham levantado as mais diversas questões contra o projeto de defesa de Inácio Joaquim de Castro, para não se alterar o status quo da Ilha. Assim, se, a 22 de maio de 1798, o governo interino registava a carta de confirmação para os trabalhos de fortificação da Ilha, de que se encontrava encarregado Inácio Joaquim de Castro, a 19 de julho seguinte eram suspensos tais trabalhos, com base num aviso régio sobre as despesas da fortificação. Entretanto, a 28 de setembro voltava-se a confirmar a necessidade de os continuar e registavam-se então os vários abonos que o sargento-mor e os seus ajudantes deveriam vencer. A título de exemplo, o novo corregedor e juiz de fora José Filipe Ferreira Cabral considerava que empregar o dinheiro da Fazenda na fortificação da Ilha seria “sempre inútil, pois é a natureza que a faz defensável, por rochedos imensos e inacessíveis”, como escreve pessoalmente para o ministro Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812), a 18 de agosto de 1798 (Ibid., doc. 1019). Nesse sentido, perto do final desse ano e, por certo, para se poderem opor às ideias de Inácio Joaquim de Castro, os membros do governo interino oficiavam ao Ten.-Cor. António Alberto de Andrade Perdigão, então no continente, ordenando-lhe que regressasse à Madeira no primeiro navio. Nos inícios do ano seguinte, seria a vez de Inácio Joaquim de Castro se queixar para Lisboa das intrigas que lhe movia o novo corregedor e juiz de fora, queixas que volta a referir em abril seguinte. António Alberto de Andrade Perdigão, ajudante de ordens do Governo, assim como o sargento-mor de milícias do Funchal, Francisco João Barreto, regressariam ao Funchal em 15 de setembro desse ano. A situação mudou, pelo menos aparentemente, com a chegada do novo prelado D. Luís Rodrigues de Vilares, figura de certo relevo oriunda dos quadros da Universidade de Coimbra, que a breve trecho se impôs e opôs decididamente aos restantes membros do Governo interino, passando inclusivamente a despachar os assuntos de Governo no paço episcopal, e não em São Lourenço. As posições do prelado tiveram, no início, o apoio de Inácio Joaquim de Castro, que não deixou de aplaudir a sua ação. Mas, em breve, movimentar-se-iam as forças vivas da Madeira contra o avanço das obras de fortificação e contra a reformulação e o aumento das forças militares. Em causa estava a cobrança da antiga contribuição, ou finto, de 9000 cruzados anuais para as obras da fortificação, que, “caída em desuso”, se não cobrava há 18 anos (Ibid., doc. 1100). Face à situação geral do país e da Ilha, teria havido ordem régia para a Junta da Fazenda proceder à sua cobrança, o que, devido aos 18 anos em falta, somaria uma quantia exorbitante de 162.000 cruzados. Em agosto de 1799, o bispo do Funchal enviava para Lisboa uma série de representações, dos membros da Casa dos 24 e do corpo de nobreza da cidade, solicitando que a contribuição não fosse cobrada na totalidade, pois arruinaria a maior parte dos contribuintes (Ibid., docs. 1100-1102). Com as várias opiniões nem sempre favoráveis em relação ao trabalho de Inácio Joaquim de Castro, o quadro geral da fortificação da Ilha não sofreu especiais melhorias. Em causa estavam, como sempre, os aspetos económicos que a ação requeria, assim como o desvio de braços dos trabalhos agrícolas. Mesmo o movimento contínuo de corsários franceses pelos mares da Madeira, em resposta ao comportamento idêntico da armada inglesa, não despertou na Madeira a consciência da necessidade de se alterar o caminho das coisas. Nos finais de 1799, Inácio Joaquim de Castro era transferido para os Açores, com o cargo de governador e capitão-general da ilha de São Miguel, o que por certo era abonatório do trabalho que desenvolvera na Madeira. Na altura da sua saída e nos inícios do ano seguinte, escrevia para Lisboa, ao ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, recordando mais uma vez que um “governo a 3 é de todo incompatível com o sistema que se deve seguir sobre a defensiva de uma ilha nas atuais circunstâncias”, porque a “segurança depende de um bom governo”, e acrescentando: “se os franceses aqui vierem” – como se temia – “nós não estamos na ordem governativa para os recebermos” (Ibid., docs. 1126, 1128, 1148). Forte do Gorgulho Do plano levantado, somente conhecemos seis elementos: um esquisso da planta da Ilha e outro da planta do Funchal, dois esquissos respeitantes aos arredores do Funchal, do Gorgulho e da Praia Formosa (Fortes da Praia Formosa) e outras duas plantas das vilas de Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz) e de Machico (Fortes de Machico), as mais antigas representações planimétricas que se conhecem dessas vilas, posteriores cidades. Para além do interesse destas duas últimas plantas, parece que o único trabalho do plano de defesa posto em prática foi a reformulação do forte do Gorgulho. O major contou com o apoio de António Rodrigues de Sá, ajudante de milícias do regimento do Funchal. No entanto, a dispersão destes documentos pelos arquivos nacionais são demostrativos da profunda crise vivida nos anos seguintes. Inácio Joaquim de Castro desenvolveu idêntico trabalho em Ponta Delgada, levantando toda a parte baixa da cidade, da fortificação e dos molhes do porto e chegando a defender a baía com o fogo das baterias de São Brás perante o assédio de um corsário inglês, em 1803. Machico. 1799   O major acabaria os seus dias a comandar a guarnição da torre de São Julião da Barra, conhecendo-se correspondência sua até 1818. Deverá ter falecido pouco tempo depois, por volta de 1820.           Santa Cruz. 1799     Rui Carita (atualizado a 29.12.2016)

Personalidades

capitanias

A instituição do regime de capitanias-donatarias (Donatário), ensaiado no povoamento da Madeira e depois exportado para os Açores, Cabo Verde, São Tomé e Brasil, marcou profundamente a gesta dos Descobrimentos portugueses. No entanto, em meados do séc. XVI, este modelo parece ter atingido o limite do seu período de duração. Assim, as tentativas da sua reimplantação, nomeadamente por D. Sebastião (1554-1578), com a criação da capitania de Angola, em 1571, e por Filipe III (1578-1621), com a criação da capitania da Serra Leoa, em 1606, mostraram que este modelo estava já fora da sua época. O processo de centralização do Estado empreendido ao longo do séc. XVII, embora se compadecesse com a sua existência, dificilmente tolerava a sua proliferação.   Com a integração das donatarias na Coroa, os capitães donatários ficaram responsáveis perante a mesma pela manutenção das capitanias “em justiça e em direito”, como referem as respetivas cartas de doação (BNP, cód. 8391, fls. 1v.-2v.ss., 119v.-120v.ss., 403-405ss.), sendo os aspetos de justiça, em princípio, os mais importantes (Ouvidorias). Saliente-se que os capitães donatários não eram verdadeiramente proprietários das terras das mesmas, que pertenciam à Coroa, embora aí pudessem ter, pontualmente, propriedades. Com o tempo, as iniciais funções militares tornaram-se meramente honoríficas, restringindo-se à apresentação dos alcaides pequenos, com função de policiamento (Polícia de segurança pública), o mesmo acontecendo em relação aos assuntos da Fazenda régia, pois, embora os capitães donatários em Lisboa usassem o título de vedor-mor da Fazenda, essa função há muito que passara a estar cometida a um provedor. As cartas de doação dos sécs. XVI e XVII eram, geralmente, omissas relativamente à atribuição dos ofícios, mas essa mercê foi algumas vezes atribuída e confirmada, em documentos próprios, como recompensa por certos serviços ou pelo mérito e linhagem dos capitães donatários. Essa prorrogativa de “data dos ofícios”, como se designava, era geralmente concedida em uma ou duas vidas, ou seja, na vigência do donatário e do seu sucessor, embora fosse posteriormente confirmada nos sucessores. Era este o caso da apresentação de ofícios, essencialmente na área da justiça, como de alcaides, carcereiros, escrivães vários, tabeliães, meirinhos, inquiridores, contadores e distribuidores. A condessa da Calheta, D. Maria de Vasconcelos, por exemplo, conseguiu obter para o filho e para o neto, a 18 de agosto de 1624, a data dos ofícios concedidos ao seu marido, 5.º capitão e 3.º conde da Calheta, Simão Gonçalves da Câmara (c. 1565-c. 1620), somente em uma vida. Tratava-se, assim, da apresentação dos ofícios de escrivão dos órfãos do Funchal, da almotaçaria, alcaidaria e imposição da cidade, de meirinho da serra, de tabeliães do público e do judicial dos lugares da sua jurisdição, de meirinho da cidade, de inquiridores, contadores e distribuidores da vila da Calheta e lugares da capitania, assim como de juízes e oficiais da vila da Calheta. Na Madeira, as capitanias sofreram um rude golpe nos finais do séc. XVI com a nomeação de um superintendente das coisas da guerra ou encarregado dos negócios da guerra, que tinha a função de capitão-general das capitanias do Funchal e de Machico. O Rei Filipe II (1527-1598) teve um especialíssimo cuidado nessas nomeações, começando por escolher um descendente de João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471), a quem tinha já feito mercê da capitania de Machico: Tristão Vaz da Veiga (1537-1604) (Veiga, Tristão Vaz da). Saliente-se ainda que, logo na altura da nomeação, escreveu à jovem capitoa viúva do Funchal, mostrando a urgência do preenchimento do lugar e informando que não esqueceria os direitos do jovem capitão donatário, seu filho. Face à incapacidade dos descendentes dos primeiros capitães, muito especialmente do 4.º capitão, Diogo Teixeira (c. 1500-1540), dado como incapaz em 1538, a capitania de Machico foi entretanto entregue a João Simão de Sousa, vagando depois para a Coroa na sequência da morte do 4.º capitão, em 1540, dado que não tinha descendência legal. Em 1541, D. João III fez mercê da mesma a António da Silveira, que tinha sido capitão de Diu. No entanto, este vendeu-a num curto espaço de tempo, em 1549, com licença e faculdade de D. João III, a Francisco de Gusmão, mordomo da infanta D. Maria, para dote da sua filha, D. Luísa de Gusmão. Esta veio a casar com D. Afonso de Portugal (1519-1579), 2.º conde de Vimioso, que incorporou na Casa dos Vimioso a capitania de Machico. O 2.º conde viria a falecer em Alcácer Quibir, passando então a usar o título o seu filho mais velho, D. Francisco de Portugal (1550-1582), que viria a aderir à causa de D. António e a falecer em combate ao largo de Vila Franca do Campo, nos Açores. Ficando a capitania de Machico uma vez mais nas mãos da Coroa, esta foi entregue por Filipe II a Tristão Vaz da Veiga. O irmão mais novo dos Vimioso, D. Nuno Álvares de Portugal (c. 1555-c. 1625), move, ainda em vida de Filipe II, um processo à Coroa, alegando que o pai teria ficado vivo em Alcácer Quibir, pelo que o irmão assumira ilegalmente o título e a capitania de Machico. Assim, tendo falecido o assumido 3.º conde, D. Francisco de Portugal, em 1582, o irmão considera que a capitania não deveria ter vagado para a Coroa, pois o pai ainda poderia estar vivo algures em Marrocos. Falecido Filipe II, este longo e algo bizarro processo teve seguimento, conseguindo a Casa dos Vimioso (Condes de Vimioso), falecido Tristão Vaz da Veiga, em 1604, reaver a capitania. Ao longo do séc. XVII, as capitanias da Madeira encontravam-se, assim, na posse dos seus anteriores donatários. Dada a estadia na corte dos capitães do Funchal e de Machico – os condes de Castelo Melhor (Castelo Melhor, marqueses de) e os de Vimioso, e, depois, os marqueses de Valença (Valença, marqueses de) –, as funções de comando de tropas propriamente ditas continuaram no governador e no capitão-general, mas a capitania ficou como título, mantendo as rendas, uma certa intervenção camarária e as funções judiciais. O donatário passou a fazer-se representar na sede da capitania por um ouvidor (Ouvidorias) e lugar-tenente, que, em Machico, podia estar ligado, de alguma forma, a um certo ascendente militar, daí se justificando um certo alheamento, ou afastamento, do governador da Madeira em relação a Machico. Registam-se presenças várias dos governadores da primeira metade do séc. XVIII nas vilas da capitania do Funchal, mas não nos ocorre nenhuma nas vilas de Machico e Santa Cruz. Os ouvidores das capitanias regiam-se pelas Ordenações de Filipe II, especialmente pelo título LX, “Corregedores das Comarcas e Ouvidores dos Mestrados e de Senhores de Terras”. A situação das capitanias do Funchal e de Machico, com os capitães a residirem na corte e as mesmas a serem regidas por ouvidores, nunca foi extensível à capitania do Porto Santo, dada a presença física, no arquipélago, do respetivo capitão donatário. As coisas alteraram-se algumas vezes nos sécs. XVII e XVIII, nas ocasiões em que o donatário, por motivos vários, abandonou o arquipélago. Nesses casos, o próprio capitão do Porto Santo nomeou um governador durante a sua ausência e, quando tal se deu compulsivamente, a nomeação foi efetuada pelo governador e capitão-general da Madeira, antes da extinção das capitanias. A capitania do Funchal A evolução desta instituição não foi de forma alguma linear, até pela diferença nos seus rendimentos, provindos das rendas territoriais, de terras e foros, da redizima e do selo, bem como de moinhos, serras de água, sabão e sal. Para uma comparação, veja-se que, em 1653, por exemplo, o conde-capitão do Funchal pagou a importância de 100$000 réis respeitantes ao donativo (Donativo) para as despesas de guerra. Em 1662, as décimas dos dois primeiros quartéis foram orçadas em 130$000 réis para a condessa da Calheta e capitoa do Funchal, enquanto para o conde de Vimioso, donatário de Machico, foram orçados em 20$000 réis. A situação económica da capitania do Porto Santo era pior. Em 1693, por exemplo, a redízima, no valor de 76$800 réis, somente conseguia pagar o ordenado do capitão-mor Jorge Moniz de Meneses, nomeado a 31 de outubro de 1653, e o mesmo já havia acontecido com o anterior governador, Martim Mendes de Vasconcelos, nomeado em 1564. A sucessão por varonia da capitania do Funchal foi interrompida em meados do séc. XVII. O 8.º capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara (c. 1600-1656), faleceu sem descendência, pelo que assumiu a capitania a sua irmã, D. Mariana de Alencastre Vasconcelos e Câmara (c. 1605-1689), condessa de Castelo Melhor pelo seu casamento com o conde João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa (1593-1658). Já viúva, D. Mariana passou a utilizar também o título de condessa da Calheta e, ocupando o cargo de camareira-mor da Rainha D. Francisca Isabel de Saboia (1646-1683), o de marquesa de Castelo Melhor (Câmara, D. Mariana de Alencastre Vasconcelos e), título que só viria a entrar nos seus descendentes muito mais tarde, em 1766. A futura condessa da Calheta defrontou em tribunal os seus parentes mais próximos, pois, tendo a capitania a natureza de bem da Coroa, havia cabimento na sucessão para a aplicação da Lei Mental (que permitia a reversão de tal bem para a Coroa). Por alvará de 2 de outubro de 1539, o Rei D. João III concedera dispensa dessa lei, para efeitos de sucessão, ao 5.º capitão da capitania do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara (1512-1580), por duas vidas: uma por morte do dito capitão, sem filho nem outro descendente varão legítimo, e, outra, quando um qualquer donatário morresse sem filho nem descendente varão lídimo. O processo movido por D. Mariana conheceu, assim, sentença a seu favor em 1660 e, ainda, sobressentença em 1677, confirmando a entrada da capitania na Casa de Castelo Melhor. Com a extensão à Madeira do regimento dos corregedores das ilhas dos Açores, deu-se o primeiro passo para a reforma da organização da justiça, à qual, no entanto, se opõe, na corte de Lisboa, a Casa de Castelo Melhor. Em 1747, foi nomeado um novo juiz de fora de origem açoriana, Miguel de Arriaga Brum da Silveira (c. 1690-1755). Incumbido do lugar de juiz de 1.ª instância “com predicado de correição por 3 anos”, acumulou, sucessivamente, os lugares de mamposteiro-mor dos cativos e de provedor da Fazenda dos defuntos e ausentes (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 9, fls. 95v.-99). No entanto, quase imediatamente, voltam a registar-se as doações do conde de Castelo Melhor, “confirmadas por carta assinada pela Real Mão” (Ibid., Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 9, fls. 116-131v.), e as anteriores questões entre o corregedor e o ouvidor, então levantadas pela Casa do conde. Abria-se, assim, caminho para a centralização da justiça e para a posterior extinção das capitanias e das ouvidorias. A capitania de Machico As primeiras especificidades que se destacam relativamente à capitania de Machico são o incumprimento da determinação de obrigatoriedade da nomeação de um letrado para este lugar, como existia no Funchal, e, ao mesmo tempo, a nomeação quase preferencial de um militar, acrescida da indicação diferenciada dos cargos de ouvidor e de locotenente. Este aspeto é de tal forma ressalvado que a nomeação é quase sempre primeiramente relativa a ouvidor e só depois, em alvará separado, a locotenente, diferenciando-se assim perfeitamente as duas. Pode, pois, depreender-se a sobrevivência, em Machico, das obrigações político-militares do capitão donatário. Este aspeto parece igualmente explicar, até certo ponto, o quase não provimento, na primeira metade do séc. XVII, do posto de sargento-mor das ordenanças desta capitania. Parece ter havido algumas dificuldades na Casa dos condes de Vimioso na apresentação dos seus ouvidores, locotenentes e outros oficiais nos inícios do séc. XVIII, como o juiz dos órfãos da capitania de Machico, associado ainda às rivalidades entre as Câmaras de Santa Cruz e de Machico. Houve também uma franca descoordenação entre as nomeações do marquês de Valença (título de que os Vimioso passaram a usufruir) e as apresentações dos ouvidores nestas décadas, acabando o governador da Madeira por ter de interferir nas ouvidorias, nomeando ouvidores interinos. Teria sido, provavelmente, o problema das ouvidorias que levou a mais uma alçada, desta feita de Manuel Vieira Pedrosa da Veiga, “corregedor com alçada por Sua Majestade, que Deus guarde, com especial ordem do dito Senhor em toda a ilha da Madeira”, que, no final de 1735, se apresentava em Machico como juiz de fora. Conforme se registou, não se faziam correições na Madeira desde 1684, pelo que o corregedor assumiu também as funções de ouvidor de Machico, dada a “ordem de correição às ouvidorias” que possuía, com “uma carta de D. João V sobre os excessos que se cometiam em várias vilas da Madeira”, vindo igualmente com ordem para investigar as “arrecadações dos bens dos concelhos” (ARM, Câmara Municipal de Machico, liv. 81, fls. 472v.-480), o que também ocorreu no Funchal. A Casa dos Vimioso e Valença deparou-se, entretanto, com algumas dificuldades económicas logo no início do século, abdicando do pleito sobre a capitania de Pernambuco para poder manter o título de marquês. A situação económica não se teria equilibrado e, tal como o marquês de Valença não conseguiu fazer valer os seus direitos à capitania de Machico na chancelaria régia ao longo do séc. XVIII, ainda que fosse presidente da mesa da consciência e ordens, também a vereação camarária mostrou francas reservas em aceitar a nomeação de ouvidores e locotenentes para a capitania, mesmo antes da sua extinção pelo gabinete pombalino. Assim, a 1 de janeiro de 1765, quando o ouvidor se apresentou em Machico para assistir à distribuição dos pelouros para o triénio seguinte, a Câmara recusou a sua presença, o que levou à intervenção do juiz de fora do Funchal no mês seguinte. O Rei D. José I despacharia favoravelmente o processo, comunicando à Câmara de Machico: “Tenho por bem dizer-vos, que tendes obrado bem em não consentirdes, que o suplicante servisse de ouvidor findo o seu tempo”. Na sequência destes acontecimentos, em setembro do mesmo ano, era admoestado o Gov. José Correia de Sá (Sá, José Correia de) devido à “falta de seriedade e reverência com que tratara o caso do ouvidor de Machico”, admoestação que seria transmitida à Câmara (Ibid., liv. 86, fls. 69v.-70). Não mais voltou a haver ouvidor em Machico, apesar dos pedidos do governador. A capitania do Porto Santo A situação desta capitania foi ainda mais nebulosa, não só pela pobreza das suas condições e habitantes, situação que piorou consideravelmente ao longo do séc. XVIII, como pelo consequente abandono a que, até certo ponto, foi votada pelos seus capitães donatários. Em face disso, desde o séc. XVII que o governador da Madeira nomeava governadores para o Porto Santo sempre que se verificava vazio de poder na ilha, visto que a mesma tinha governo próprio, na pessoa do seu capitão donatário. Assim, toda a documentação oficial produzida em Lisboa em relação ao Governo da Madeira foi sempre omissa em relação à ilha do Porto Santo, embora alguns governadores tenham proposto a Lisboa o alargamento das suas competências àquela capitania. Casa Colombo (exterior) Porto Santo. Arquivo Rui Carita.   Casa Colombo, Porto Santo. Arquivo Rui Carita.     Armas dos Perestrello. Arquivo Rui Carita Nos inícios do séc. XVII, o Porto Santo foi alvo de duas alçadas dos corregedores – primeiro de António Ferreira, em 1606, e, depois, de Simão Cardoso Cabral, em 1610 –, que visavam averiguar as queixas dos moradores contra o comportamento de Diogo Perestrelo Bisforte (c. 1560-1616), donatário da ilha. Na primeira vez, o governador foi afastado da ilha e teve ordem para se apresentar em Lisboa, regressando, no entanto, em 1610, altura em que a situação piora. Assim, nesse mesmo ano, teve nova ordem para se apresentar em Lisboa, onde ficaria seis anos, sendo perdoado a 15 de outubro de 1616. Desta feita, não terá regressado ao Porto Santo, pois faleceu no Funchal a 20 de dezembro desse ano. Afastado o Cap. Diogo Perestrelo Bisforte do Porto Santo, somente em abril de 1654 tomaria conta da capitania o herdeiro Diogo de Bettencourt Perestrelo (c. 1684), até porque, logo em 1617, a ilha foi devastada por piratas argelinos, quase não tendo ficado habitantes no seu território. Em 1606, após o primeiro afastamento do capitão, foi nomeado João de Ornelas Rolim como locotenente, com ordenado pago pelo donatário. Aquando do segundo afastamento do Cap. Diogo Perestrelo Bisforte, o governador da Madeira nomeou, em 1619, Martim Mendes de Vasconcelos como governador e capitão-mor do Porto Santo, a que se seguiram Roque Ferreira de Vasconcelos e Jorge Moniz de Meneses. Nos inícios do séc. XVIII, a capitania era governada pelo 9.º donatário, o Cap. Estêvão de Bettencourt Perestrelo, que presidiu, por exemplo, às eleições para a Câmara no dia 1 de janeiro de 1705 e às sessões seguintes para eleição dos vários agentes camarários, como o alcaide e os almotacés. O 9.º capitão surge em funções em 1674, embora o seu pai, Diogo Perestrelo, ainda fosse vivo em 1684, data em que mandou lavrar testamento. Após 12 anos de suspensão, por ter deixado “entrar na dita Ilha duas embarcações francesas” (Anais do Município do Porto Santo, 1989, 16), este capitão foi restituído à sua capitania em fevereiro de 1703. Em 1707, ainda se encontra no Porto Santo, tendo sido “nas suas mãos” que o novo Sarg.-mor Duarte Pestana de Velosa prestou menagem (ABM, Câmara Municipal do Porto Santo, liv. 165, fl. 31). No entanto, perante novo desastre do assalto corsário de 1709, no qual, mais uma vez, a população não mostrou qualquer sinal de resistência, D. João V mandou-o apresentar-se, sob pena de prisão, em Lisboa, não voltando à sua capitania. O incidente encontra-se registado como ocorrido a 27 de junho de 1709, tendo desembarcado na ilha várias pessoas que, transitando numa barca proveniente da freguesia de São Vicente e com destino ao Porto Santo, haviam sido aprisionadas por um navio corsário francês. Mais uma vez, a população não reagiu, tendo o corsário francês feito o seu desembarque normalmente (Anais do Município do Porto Santo, 1989, 30). A capitania ainda foi revalidada no 10.º donatário, Vitoriano Bettencourt Perestrelo, a 5 de setembro de 1722, mas não há qualquer informação sobre a sua presença no arquipélago. No entanto, como este donatário não vem referido no Índice da Antiga Junta e Provedoria, partimos do princípio que não se apresentou como donatário do Porto Santo no arquipélago, pois que, para efeitos de abono, a sua apresentação constaria dos registos da Fazenda. A capitania ainda voltou a ser revalidada, em 1747, em Estêvão de Bettencourt Perestrelo, filho de Vitoriano de Bettencourt e Vasconcelos, anterior “proprietário e senhor donatário da ilha do Porto Santo e governador dela” (ANTT, Junta e Provedoria da Real Fazenda..., liv. 972, fl. 217v.), então falecido, e confirmada em 1749. A mercê do novo capitão donatário era citada como “do senhorio e governo” da ilha do Porto Santo, “em que sucedeu a seu pai, por ser de juro e herdade” (Ibid., Junta e Provedoria da Real Fazenda..., liv. 972, fl. 230v.). Cita-se, no alvará, que era até então governador da ilha Jorge Correia de Miranda, efetivando-se, ao mesmo tempo, a colocação do tio do novo capitão donatário, Nicolau Bettencourt Perestrelo de Noronha, como sargento-mor do Porto Santo. O governador e capitão donatário não se deslocou de imediato para a ilha, mas conseguiu logo ter acesso às redízimas. Estêvão de Bettencourt Perestrelo tomou ainda menagem das mãos de D. José I, a 11 de março de 1755, e posse no Funchal, a 4 de junho de 1757, perante o governador da Madeira, o que foi até certo ponto uma originalidade, pois marcou a subordinação do lugar de capitão donatário do Porto Santo ao governador da Madeira. Aliás, a distância entre as datas da carta da donatária (1747), da menagem (1755) e da posse no Funchal (1757) revela bem as dificuldades experimentadas pelo capitão donatário para alcançar, na altura, os “seus direitos” (Ibid., Junta e Provedoria da Real Fazenda..., liv. 974, fl. 1). É muito provável que não tenha sequer fixado residência no Porto Santo, pois, no ano seguinte, a 15 de junho de 1756, em carta enviada do Funchal, apresenta uma representação ao secretário de Estado Diogo Corte Real sobre a difícil situação da ilha do Porto Santo, marcada pela esterilidade dos últimos anos, pedindo milho e farinha para acudir à fome dos habitantes. Na sequência do relatório elaborado pelo Eng.º Francisco de Alincourt (1733-1816) (Descrições militares), de abril de 1769, e do edital do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), citando “o ócio e a indigência dos moradores do Porto Santo” (AHU, Madeira, docs. 355, 356, 360-363), a situação catastrófica do Porto Santo teve de ser encarada de outra forma. As reformas pombalinas Com a criação, a 2 de agosto de 1766, de um governo centralizado para os Açores cometido a um governador e capitão-general e a consequente extinção das capitanias-donatarias naquelas ilhas, o gabinete do marquês de Pombal nomeou dois juristas práticos nestes assuntos, os desembargadores José Francisco Alagoa e Bartolomeu Geraldes de Andrade, para reverem toda a situação dos donatários insulares e “dos títulos dos sobreditos [...] que tiverem direito para serem conservados” (BNP, cód. 341, fls. 339-341). Logo a 4 de setembro do mesmo ano, foi elaborado, no palácio da Ajuda, um contrato de compensação ao conde de Castelo Melhor, que o conde registou, a 9 de setembro, no tabelião António da Silva Freire. Do processo completo, seria solicitada, mais tarde, em 1785 e 1788, confirmação a D. Maria I e enviada documentação à Câmara do Funchal para respetivo registo, em 1790 e 1792. Desta forma, a 4 de setembro de 1766, eram incorporadas na Coroa as capitanias da Casa de Castelo Melhor – a de Santa Maria, nos Açores, e a do Funchal, na ilha da Madeira –, alegando o Rei D. José a existência de “motivos justíssimos” e o “benefício da utilidade pública e do bem público e comum” dos seus vassalos. Revertiam, assim, para a Coroa as antigas “datas das sesmarias” e as jurisdições e nomeações dos ouvidores, dos oficiais de justiça, da Câmara, dos órfãos, das almotaçarias e dos tabeliães. Para além disso, as capitanias ficavam reduzidas às alcaidarias-mores, sendo também reduzidos os privilégios exclusivos “dos fornos de pão de poia, moendas e serrarias aos termos em que menos ofenderem ao direito divino, natural e das gentes, e fizessem calar aos atendíveis clamores dos habitantes das referidas duas ilhas” de Santa Maria e da Madeira (Ibid.). O antigo capitão do Funchal ficava, essencialmente, com o título da alcaidaria-mor e a redízima de todos os rendimentos reais da antiga capitania, praticamente sem encargos, o que significava que o que perdia em prerrogativas sociais ganhava em dinheiro. Ficavam francamente reduzidos os antigos privilégios de venda de sal, que não podiam exceder o preço taxado pelas antigas doações, já citadas, assim como o monopólio dos fornos de “pão de poia”, podendo os habitantes ter fornos particulares para o seu consumo doméstico e para “padejarem”. Viam-se igualmente reduzidos os antigos monopólios das moendas de água e das serrarias. Em contrapartida, o antigo capitão ficava com o título de marquês de juro e herdade, duas dispensas da Lei Mental e o título de conde da Calheta para o primogénito. Ficavam, igualmente, para a Coroa as fábricas de sabão branco de Lisboa e de Almada, mas eram cedidos ao futuro marquês a Qt. da Labruja, na Golegã, e parte dos terrenos da cerca de São Roque, em Lisboa, na base dos quais se veio a levantar o magnífico e célebre palácio no qual viveu o conde da Foz, que lhe deu nome, e onde estiveram outras entidades e instituições, como o Secretariado Nacional de Informação. Ainda no que respeita a bens patrimoniais, o marquês ficava com 10.000 cruzados anuais de juro, para constituir um vínculo. Nesta sequência se compreende a ordem do Conselho da Fazenda, de 20 de outubro do seguinte ano, 1767, dada ao provedor do Funchal para tomar posse “da capitania das vilas de Machico e Santa Cruz”. O ofício da Fazenda especifica que a capitania se achava vaga “desde o óbito do 5.º conde de Vimioso, D. Luís de Portugal (1656), sem sucessão, em que depois sem título se introduziu seu irmão, o 6.º conde de Vimioso, D. Miguel de Portugal (falecido em 1680), e depois muito menos, o filho natural deste, o marquês de Valença, Dom Francisco de Portugal (1679-1749), e o atual seu neto, Dom José Miguel de Portugal (e Castro) (1709-1775), os quais todos, não tirarão cartas, nem mercê têm para a poderem requerer”. Este ofício aproveitava ainda para solicitar que fossem revistos os demais bens da Coroa, não fossem encontrar-se em idênticas situações. Pedia-se que fossem enviadas ao Conselho as listagens desses bens com a indicação da respetiva situação, para se refazer o arquivo “que se incendiou pelo terramoto do primeiro de novembro de mil setecentos cinquenta, e cinco” (ANTT, Junta e Provedoria da Real Fazenda..., liv. 975, fls. 184-184v.). Em 1772, regista-se na Alfândega toda a documentação respeitante à capitania de Machico, parecendo o assunto ficar encerrado. Tentando acompanhar o que fizera o marquês de Castelo Melhor, os antigos capitães de Machico iniciam também a reivindicação das antigas rendas. Em 1783, conseguiu D. Afonso Miguel de Portugal e Castro (1748-1802), marquês de Valença, como tutor do seu filho, conde de Vimioso (1780-1840), receber 1443$330 réis da sua antiga capitania. Saliente-se que, entre 17 de junho de 1779 e 28 de outubro de 1782, a redízima tinha rendido 11.990$522. D. Afonso Miguel, sendo nomeado governador-geral do Estado da Baía em 1775, conseguiu, antes de partir, que D. Maria I o nomeasse marquês de Valença e o confirmasse donatário da “extinta capitania de Machico”, com o título de conde para o herdeiro e direito aos “bens, rendimentos e direitos da extinta capitania de Machico no mesmo Estado”, como especifica a Rainha (ANTT, Junta e Provedoria da Real Fazenda..., liv. 977, fls. 97-99). O novo marquês vice-rei ficou, assim, com mais um título e, tal como o marquês de Castelo Melhor em relação ao Funchal, com os rendimentos da alcaidaria da antiga capitania de Machico, que, em 1825, viriam a ser penhorados pelos seus descendentes.   Marquês de Valença. Brasil. Arquivo Rui Carita.     Armas do Marquês de Castelo Melhor. Arquivo Rui Carita Muito diferente foi a situação da capitania do Porto Santo, que, nestes meados do séc. XVIII, conheceu um dos piores momentos da sua existência, ao ponto de se tentar transferir toda a sua população para a Madeira. Desde os inícios do séc. XVIII que se vivia na ilha uma situação catastrófica marcada por inúmeros períodos de fome, o que tinha levado a população a um completo imobilismo. Quase todos os governadores alertaram Lisboa para esta situação, mas só se vieram a tomar medidas efetivas com Manuel de Saldanha de Albuquerque (1712-1771) e, sobretudo, com João António de Sá Pereira. A capitania foi extinta por diploma de 13 de outubro de 1770 após a morte do donatário em Lisboa, não se coibindo o próprio Rei D. José I de apelidar os portossantenses de vadios, referindo que “os sobreditos moradores cuidam em alegar genealogias para fugirem ao trabalho” (Anais do Município do Porto Santo, 1989, 16). Com a extinção da capitania em 1770, foram liquidados de imediato os rendimentos em atraso dos donatários, e, em maio do ano seguinte, o próprio governador da Madeira, António de Sá Pereira, deslocou-se à ilha, acompanhado do corregedor Francisco Moreira de Matos e do oficial Eng.º Francisco Salustiano da Costa (c. 1745-c. 1820) (Costa, Francisco Salustiano da), do seu médico, o Dr. João Joaquim Curado Calhau, e de 25 soldados. A provedoria recebeu ordens para fretar o iate de Francisco Teodoro e Manuel da Silva Carvalho, assim como para preparar provisões de biscoito e uma lista de remédios fornecida pelo médico do governador. João António de Sá Pereira procedeu a nomeações várias no Porto Santo, a primeira das quais foi a do Cap. Pedro Teles de Meneses como inspetor da agricultura, recebendo as primeiras instruções em 1770. A nomeação foi depois comunicada à Câmara do Porto Santo e ao marquês de Pombal, que a levou ao “Real Arbítrio”, recebendo a aprovação de D. José I (AHTC, Erário Régio, liv. 395, fls. 306-309). Na ilha, o governador Sá Pereira procedeu ao emparcelamento dos terrenos e à reorganização geral da população, assunto entregue ao corregedor. Como alguns ofícios tinham desaparecido por completo, nos finais do ano de 1770 já vários rapazes tinham sido transferidos para o Funchal e entregues a vários oficiais, que ficaram encarregados de os ensinarem. O Governo acabou por tomar a seu cargo a sua manutenção – alimentação, vestuário, alojamento e instrução –, nomeando, inclusivamente, um médico-cirurgião para os acompanhar, ao qual também foi entregue um dos rapazes. Entre os ofícios que estes jovens aprenderam, estavam os de sapateiro, alfaiate, oleiro, carpinteiro, pedreiro, ferreiro, cirurgião e sangrador. A nomeação e o trabalho do novo inspetor da agricultura não foram, como já era habitual neste domínio, pacíficos, pois, interferindo com muitos interesses, principalmente os dos proprietários madeirenses, o inspetor foi acusado de inúmeras irregularidades. Assim, ainda que a ilha do Porto Santo tenha sido de imediato dotada de regimento da agricultura, datado de 13 de junho de 1771, os resultados não foram muito animadores. Em finais de 1774, deslocava-se ao Porto Santo o mestre das obras reais, Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1781) (Martins, Domingos Rodrigues), para inspecionar as fortificações, transformando-se, por sua decisão, o pequeno reduto de São José no forte que viríamos a conhecer (Fortes do Porto Santo). Entretanto, devem ter sido executadas obras na Câmara Municipal – também elas, certamente, orientadas e dirigidas pelo mestre Domingos Rodrigues Martins –, a ajuizar pelas armas que passou a ostentar, talvez ligeiramente anteriores às do forte de São José. Também por essa altura se devem ter iniciado outras obras, como as da Casa nobre que posteriormente seria ocupada pelo tribunal, ostentando tal edifício, no lintel da entrada, a data de 1788. O cargo de governador da ilha continuou a ser desempenhado pelo sargento-mor Nicolau Bettencourt de Noronha, tio do antigo Cap. Nicolau Bettencourt Perestrelo, entretanto falecido a 9 de abril de 1768. Nessa altura, o governador escreveu para Lisboa a alvitrar a nomeação do ajudante do sargento-mor de Machico, Matias Moniz de Bettencourt, que servia igualmente na sala do Governo do Funchal. Explica, então, que, encontrando-se o donatário “há anos nessa corte” (ARM, Governo Civil, liv. 530, fls. 17-18v.), com a morte do sargento-mor e governador, ficava a ilha a ser governada pela Câmara e pelo capitão mais antigo. Ora, como a ilha ainda tinha 300 homens de ordenanças, deveria ter um sargento-mor e governador para o controlo geral dessa gente. No entanto, só após a morte do donatário e a extinção da capitania tal pedido teve despacho de Lisboa. A proposta da nomeação do filho do falecido sargento-mor, Manuel da Câmara Perestrelo de Noronha, foi de 15 de maio de 1782, sendo confirmada apenas a 23 de setembro de 1785. Este ramo da família foi sendo todo nobilitado, devendo ter movido influências para não perder tal lugar. Este lugar passou, entretanto, a ser subordinado ao governador da ilha da Madeira, como consta das nomeações de Manuel Ferreira Nobre Figueira, sargento-mor do regimento de milícias de Vila Real, nomeado em 1797. Efetivamente, este sargento prestou menagem de tal lugar em São Lourenço, nas mãos do governador da Madeira, a 27 de setembro desse ano, e o mesmo viria a acontecer com João Baptista Rofle, capitão-tenente da Armada, nomeado em 1800.         Rui Carita (atualizado a 20.12.2016)

História Política e Institucional

conde da calçada (diogo de ornelas de frança carvalhal frazão e figueiroa)

Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa era filho de Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa e de Ana Emília de França Dória e Andrade. Casou com uma prima, Carlota Augusta de Freitas Albuquerque, sobrinha de Daniel de Ornelas e Vasconcelos, futuro barão de S. Pedro, que o deve ter encaminhado para a carreira política. Em junho de 1851 já era membro do concelho do distrito e, embora lhe não conheçamos filiação partidária, a 4 de outubro de 1882, teve carta de governador civil substituto do Funchal, lugar que ocupou inúmeras vezes. Foi agraciado entretanto com o título de visconde da Calçada, em 1871, e, com o de conde, em 1882, em homenagem à casa em que vivia na Calçada de Santa Clara, hoje casa-museu Dr. Frederico de Freitas. Palavras-chave: eleições; governador civil; visconde da Calçada; Heráldica; Morgados e titulares; Museus; partidos políticos; casa-museu Dr. Frederico de Freitas. Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa era filho de Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa e de Ana Emília de França Dória e Andrade. Seu pai era proprietário da chamada Casa da Calçada, abaixo do convento de Santa Clara, e também do morgado de Gaula e de outros nos Açores. Sua mãe era filha do morgado Bartolomeu de França Dória da Conceição, proprietário do morgado da Conceição, no Estreito da Calheta, que o neto haveria de herdar. O conde nasceu a 29 de agosto de 1812, na freguesia de Santa Luzia, no Funchal, e casou-se na Sé, a 14 de maio de 1831, com sua prima Carlota Augusta de Freitas Albuquerque (1817-?). Esta era filha do Cor. de milícias João Agostinho de Brito Figueiroa de Freitas Albuquerque (1793-1862), que também usava o nome de João Agostinho de Figueiroa Albuquerque e Freitas – nome segundo o qual se mandou pintar por volta de 1822, “em uniforme rigoroso” (SAINZ-TRUEVA, 1999, 62), por João José do Nascimento (1784-c. 1850) – e de sua mulher, Carlota Amália de Ornelas e Vasconcelos, irmã do futuro barão de S. Pedro, Daniel de Ornelas e Vasconcelos (1800-1878) (S. Pedro, barão de). A entrada de Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa para a vida política deve ter sido feita pelo tio de sua mulher, o advogado e futuro barão de S. Pedro, senador pela Madeira na legislatura de 1838 a 1840, lugar para que foi eleito numa vaga, em abril de 1839, e depois par do reino, etc. (Eleições). Na sua residência do Funchal, na rua dos Ferreiros, onde se instalou depois a Direção Regional dos Assuntos Culturais, faziam-se reuniões de carácter político, pois Daniel de Ornelas passava então mais tempo em Lisboa que no Funchal. As primeiras informações recolhidas sobre o mesmo são sobre a sua presença no concelho do distrito em junho de 1851, quando com os membros do senado camarário assina uma petição, solicitando a D. Maria II (1819-1853) a manutenção como governador do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) (Ribeiro, José Silvestre). Não se lhe conhece especial filiação partidária, embora nas eleições de maio de 1870 pareça ter apoiado o morgado Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) (Ornelas e Vasconcelos, Agostinho de); este era membro destacado do então Partido Popular, que se opunha ao Fusionista (Partidos políticos). Nas contas dessas eleições, há documentos que comprovam pagamentos de despesas feitas por Diogo de Ornelas, documentos que se encontram nos arquivos da família Ornelas e Vasconcelos. Não terá sido assim por acaso que, por decreto de 17 de janeiro e carta de 25 de fevereiro de 1871, foi agraciado com o título de visconde da Calçada, em homenagem à casa secular em que vivia na calçada de Santa Clara, onde depois se instalou a casa-museu Dr. Frederico de Freitas (Freitas, Dr. Frederico de, e Museus). Por essa altura, em 5 de março de 1871, o deputado Agostinho de Ornelas refere numa carta enviada ao irmão, D. Aires de Ornelas (1837-1880), bispo do Funchal em maio desse ano, mas já administrador apostólico (Ornelas e Vasconcelos, D. Aires de), estar em Lisboa a tratar de um título para o morgado Diogo Berenguer de Freitas Neto (1812-1875), depois visconde de S. João (S. João, visconde de). O visconde da Calçada foi agraciado com o título de conde a 4 de outubro desse ano, data em que também foi oficialmente nomeado governador civil substituto, situação não muito comum. Tomou posse desse lugar a 10 do mesmo mês. Era governador civil substituto na altura das célebres eleições suplementares de 1882. Nestas eleições concorreram o advogado açoriano e republicano Manuel de Arriaga (1840-1917) (Arriaga, Dr. Manuel de), que se apresentou na Madeira, e, por indicação do líder do Partido Regenerador e presidente do conselho de ministros, António Maria de Fontes Pereira de Melo (1819-1887), o líder da oposição, o conselheiro Anselmo José Braamcamp (1819-1885), à frente do Partido Progressista, depois de já ter sido líder do Partido Histórico. A estranha imposição das cúpulas partidárias continentais levou a que a maior parte dos eleitores madeirenses, inclusivamente monárquicos e ligados ao Partido Regenerador, colocasse abertamente a hipótese de apoiar o candidato republicano. Efetivamente, estava em causa o funcionamento do sistema parlamentar e o conselheiro Braamcamp havia perdido as eleições pelo seu círculo, sendo importante para o parlamento a sua presença no mesmo como deputado; mas tal era um problema de Lisboa, e não da Madeira. Na primeira volta adivinhava-se já o desastre e o Diário de Notícias, que indiciava o visconde da Calçada como apoiante da situação, escreveu o seguinte: “Os regedores de paróquia que trabalham ostensiva e declaradamente contra a monarquia e pelo candidato republicano ainda não foram demitidos. Parece que o sr. administrador do concelho ficou muito satisfeito com este serviço e que o sr. governador civil substituto também ficou muito contente” (DN, 8 nov. 1882). Os resultados dessa primeira volta foram comunicados a Lisboa a 13 de novembro pelo governador substituto, que continua a assinar visconde da Calçada, do que se pode pensar que a informação da atribuição do título de conde só foi conhecida depois, embora Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa continuasse a utilizar, mesmo nos anos seguintes, somente o título de visconde. O governo de Lisboa enviou ao Funchal o governador efetivo, o juiz conselheiro António de Gouveia Osório (1825-1915), visconde de Vila Mendo (Vila Mendo, visconde de), que voltou a tomar posse do lugar temporariamente; o que não impediu a vitória final de Manuel de Arriaga, retirando-se de novo o governador civil para Lisboa, onde então era conselheiro do Tribunal de Contas, e entregando outra vez o governo ao visconde da Calçada. Foi este que depois suspendeu os direitos dos cereais importados, assunto que atravessou a política dos anos 1883 e 1884. O visconde continuaria a ocupar o lugar na vigência do governador, uma vez que o juiz conselheiro Tomás Nunes de Serra e Moura (c. 1840-1917) (Moura, Dr. Tomás Nunes de Serra e), nomeado em finais de dezembro de 1883 e que tomou posse nos primeiros dias de janeiro seguinte, após ter organizado a coligação monárquica que fez frente aos candidatos republicanos nas eleições desse ano, também se retirou para o continente. Foi, por isso, o visconde da Calçada, já velho, a ver-se na contingência de ter de requisitar o vapor de fiscalização da Alfândega, em agosto de 1884, para transportar para a Ribeira Brava uma força de 20 praças que tinha como objetivo reforçar o destacamento militar local face ao tumulto ali ocorrido e que tivera como resultado 7 mortos. Nos anos seguintes a política madeirense foi varrida pela figura contundente e truculenta do visconde do Canavial (1829-1902) (Canavial, conde e visconde do), que levou ao levantamento popular da Parreca; talvez o mais importante levantamento ocorrido no séc. XIX. Perante a contestação geral, o visconde do Canavial veio a apresentar a sua demissão a 26 de março de 1888, tendo o governo sido entregue, uma vez mais, ao visconde da Calçada, pois o governador civil seguinte, João de Alarcão (c. 1850-1917), embora nomeado a 5 de abril, só tomaria posse a 8 de maio seguinte. Nos anos seguintes pouco sabemos da atuação política do conde da Calçada, que parece ter-se retirado para a sua residência, de onde pouco teria saído. Na visita régia de 1901 (Visita régia), por exemplo, não é mencionado. O interessante edifício da calçada de Santa Clara teve obras em 1851, conforme consta no empedrado da entrada, logo a seguir ao portão gradeado com as suas armas de conde, que usam brasão esquartelado de Ornelas (moderno), Carvalhal (Benfeito), Frazão e Franqui (por França?), com timbre de Ornelas, tendo-se escrito ser de uso muito antigo nesta família, mas ignorando-se a quem foi concedido (CLODE, 1983, 87). Pensa-se que o projeto de reforma da casa foi do arquiteto e egiptólogo George Somers Clarke (1841-1926), que trabalhava em parceria com John Thomas Micklethwaite (1843-1906), e que passou pela Madeira em 1890. Os trabalhos deste arquiteto seguiam os modelos revivalistas em uso na época, mas com abundante utilização de estruturas de ferro fundido e pintado, tendo sido da sua autoria a reformulação e ampliação do Reid’s Palace Hotel e da nova residência da quinta do Palheiro Ferreiro, já então propriedade da família Blandy, atribuindo-se-lhe também a antiga residência do Santo da Serra, depois Estalagem Serra Golf. O conde da Calçada faleceria na sua residência, a 18 de setembro de 1906, não tendo o título, dado que concedido em sua vida, sido revalidado.   Rui Carita (atualizado a 14.12.2016)

Personalidades

exílio

“Exílio” (lat. exilium) significa banimento, desterro ou degredo, sendo o estado de ter sido expulso e estar longe da própria casa, cidade ou nação, podendo assim ser definido também como a expatriação, voluntária ou forçada, de um indivíduo. Alguns autores utilizam o termo “exilado” no sentido de refugiado, embora esta última situação se enquadre somente no quadro de autoexílio ou exílio voluntário, como aconteceu na Madeira no período do absolutismo miguelista. No contexto da Madeira, a situação de exílio, ao contrário da situação de asilo, que pressupõe a ida de elementos nessa situação para a Ilha, aponta para a expulsão de elementos madeirenses da sua casa ou da sua terra. Além de pessoas, pode haver também governos em exílio, como o do Tibete face à invasão do seu território pela China, ou mesmo nações em exílio, como foi o caso dos judeus, exilados na Babilónia no séc. IV a.C. e, depois, após a destruição de Jerusalém, noutros locais, no que ficou conhecido como diáspora. Tal foi também, entre 1078 e 1375, o caso da Arménia, que, depois da invasão do seu território por tribos seljúcidas, se exilou na baixa da Anatólia, na posterior Turquia, formando um novo reino. O termo não tem sido extensivo à deslocação da corte portuguesa para o Estado do Brasil, até então vice-reino, por se entender que se manteve em território nacional. Tal território foi inclusivamente elevado a reino, passando D. João VI, a partir de 16 de dezembro de 1815, a intitular-se Rei de Portugal, Brasil e Algarves, reino que, a partir de 13 de maio do ano seguinte, passou a ter armas próprias. Alguns indivíduos, sentindo-se ameaçados ou vítimas de perseguição política, racial ou religiosa, podem igualmente procurar exílio por iniciativa própria em outros locais ou países, sem que tenha havido qualquer ato legal ou jurídico para tal. Costuma chamar-se a essa atitude autoexílio ou exílio voluntário, embora essa posição seja, na generalidade, desvalorizada pelas autoridades no poder por não configurar um exílio imposto, ou seja, oficial, não sendo assim facilmente detetada na documentação. Somente em meados do séc. XVIII se pode escrever concretamente sobre situações de exílio na Madeira, pois que até então não havia uma concreta consciencialização política que permitisse equacionar tais casos. Porém, já nessa altura ocorreram inúmeras situações de degredo, mas por processos judiciais e não políticos ou religiosos, como na contemporaneidade. Ao analisarmos, e.g., a documentação da Inquisição, constatamos que, nos finais do séc. XVI, terá havido uma forte corrente de autoexílio por parte da comunidade de cristãos-novos madeirenses, quer para Amesterdão, quer para o Brasil. Tal não se terá devido a motivos especificamente religiosos, mas ao medo de futuras denúncias relativas à sua situação, pelo que, instalando-se na Holanda, logicamente acabariam por professar o judaísmo. A ilha da Madeira foi visitada, nos finais do séc. XVI, entre 1591 e 1592, pelo inquisidor Jerónimo Teixeira Cabral (c. 1550-1614), que, entre 1600 e 1614, foi bispo de Angra, tendo sido denunciadas quase 200 pessoas e organizados quase 100 processos, na base dos quais se viria a organizar depois o “Rol dos Judeus e seus Descendentes”. Em 1618, voltou a haver nova visitação, então a cargo de Francisco Cardoso de Torneo, deputado do Tribunal de Coimbra, que terá ficado surpreendido com a escassez de denúncias por judaísmo na Madeira. Assim, a 23 de outubro de 1623, foi à Inquisição de Lisboa Francisco Gomes Simões, cristão-velho, piloto de nau e morador na Madeira, para informar que, tendo partido da Madeira para a Flandres cerca de 5 anos antes, vira ali muitos portugueses fugidos do reino, que lá viviam como judeus. Francisco Simões denuncia cerca de uma dezena de pessoas, entre as quais três que tinham vivido na Madeira: “porquanto ele denunciante partindo das ilhas para a dita cidade de Amesterdão, o senhor Francisco Cardoso, inquisidor, que então visitava as ditas ilhas, lhe encomendou que fizesse na dita cidade diligências sobre as pessoas de nação que para ali eram fugidas, de que ele, denunciante, as fez muito largas e lhas mandou das ditas ilhas” (ANTT, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, n.º 202, fl. 301). O autoexílio em questão dos três cristãos-novos detetado nos inícios do séc. XVII era, assim, perfeitamente residual, o mesmo se passando nos dois séculos seguintes, ainda que existissem sempre informações pontuais sobre o autoexílio da chamada gente de nação. Nos meados do séc. XVIII, com a centralização do poder régio e a ação do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), existem casos de exílio por razões políticas, embora à data não fossem naturalmente assim apresentados. O referido governador, e.g., mandou prender e degredar para o norte da Ilha o P.e João José Bettencourt de Sá Machado (1707-1781), que, embora mulato e filho de uma escrava, frequentara a Universidade de Coimbra, fazendo-se inclusivamente acompanhar de um criado branco. O padre afrontara, em várias reuniões, as despóticas diretivas do governador, alvitrando que, como capitão-general, a sua ação se deveria restringir à organização militar e pouco mais. Estas opiniões valeram-lhe o desterro do Funchal, não se cansando o governador de repetir que o “soberbo, arrogante e dissoluto clérigo”, “pardo por nascimento, como filho que é de uma preta”, afrontava as suas ordens (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 4804 e 4805). O clérigo em causa era meio tio-avô de Guiomar Madalena de Vilhena (1705-1786), levando a família a intervir a seu favor na corte de Lisboa. O Gov. João António de Sá Pereira tomou idêntica atitude com o Cón. Pedro Nicolau Acciauoli e com o Cón. António Acciauoli, assim como com o P.e Luís Spínola, todos enviados para Lisboa sob escolta do sargento-mor, o que levou o intendente Pina Manique (1733-1805) a investigar a atitude do governador, ouvindo o sargento-mor a esse respeito. O clero madeirense nem sempre se pautou pela contenção devida ao seu ministério. Note-se, e.g., que, tendo-se reformado o P.e António Maria do Sacramento, capelão da infantaria de guarnição da Madeira, propôs-se a nomeação do P.e Francisco José da Silva. No entanto, como expôs para Lisboa o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1798) (Coutinho, D. Diogo Pereira Forjaz), “algum tempo depois da expedição desta proposta, ele se ausentou fugitivamente desta ilha, por se lhe imputar o crime de esperar traiçoeiramente um homem” e o tentar assassinar à espadeirada (ABM, Governo Civil, liv. 519, fls. 141v.-142). O padre, entretanto, não voltou à Madeira, acabando o governador por ter de apresentar outro para o lugar. O referido exílio do P.e Bettencourt de Sá Machado para o norte da Ilha não foi caso único. Na complexa situação da ocupação inglesa de 1801 a 1802, o Gov. José Manuel da Câmara (c. 1760-c. 1825), em 1803, chegou a exilar o bispo D. Luís Rodrigues de Vilares (c. 1740-1810) para o Santo da Serra. O bispo teria tido reuniões secretas com o cônsul inglês e com outros elementos dados como maçons, pelo que, em junho de 1803, o governador comunicou tal situação para Lisboa, fixando-lhe residência no Santo da Serra e proibindo-o de entrar no Funchal. A decisão foi revogada pelo Governo de Lisboa num curto prazo de meses, a 22 de agosto, mas a situação de conflito entre as duas autoridades não deixou de piorar, pelo que acabaram por ser obrigados a regressar a Lisboa em navios separados. Na Madeira, a situação complicou-se nos finais do séc. XVIII com a verdadeira guerra levada a efeito pelo bispo do Funchal, D. José da Costa Torres (1741-1813), contra as lojas maçónicas (Maçonaria). O bispo arvorou-se em defensor dos interesses da Coroa e do Estado, posição que, prudentemente, não quis assumir o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, perseguindo o prelado, feroz e primariamente, os elementos que entendia ligados à Maçonaria. O bispo perseguiu a tal ponto os presumíveis maçons do Funchal, em princípio com o tácito acordo do governador e até com ordens emanadas de Lisboa, que famílias inteiras tiveram de abandonar a Madeira. D. José da Costa Torres exorbitou, assim, a tal ponto as ordens recebidas, que o próprio Governo central teve que intervir nos excessos praticados pelo prelado, ordenando-lhe que soltasse grande parte dos acusados e “recomendando-lhe a maior moderação no castigo dos delinquentes” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 918). A perseguição envolveu civis, militares e eclesiásticos, citando-se em documento oficial que, inclusivamente, “demitira, suspendera e prendera, por castigo alguns eclesiásticos” (SILVA e MENESES, 1998, I, 326), pelo que, tendo já sido transferido para Elvas, foi violentamente levado da sua residência privada, então na Penha de França, para o embarcarem para o continente. A memória das lojas maçónicas madeirenses manter-se-ia na corte de Lisboa. Dissolvidas as Cortes, derrogada a Constituição de 1822 e restabelecido o Governo absoluto em julho de 1823, a Madeira era de novo assolada por uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos vagos mas emergentes partidos políticos (Partidos políticos) e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses queriam subtrair-se à Coroa portuguesa e ligar-se à Inglaterra. Num breve espaço de tempo, havia mais de uma centena de presos, embora só viesse a ser condenada uma dezena deles. De qualquer forma, eram muitos os indiciados e vários saíram da Madeira. A Ilha veio, assim, a ser desapropriada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores, militares de todas as patentes, etc. Tal alçada não seria, infelizmente, a última, pois, com a tomada de poder pelo infante D. Miguel (1802-1866), em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, nova alçada era enviada à Madeira, levando à prisão quase duas mil pessoas acusadas de “malhados” e maçons. Num curto espaço de tempo, a Ilha perdia, de novo, exilados para Cabo Verde (Cabo Verde), Angola e Moçambique, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos. Muitos deles não voltariam à Madeira, optando por ficar em Londres e, depois, no continente, havendo uma parte que optou por emigrar para o Brasil. Ao longo dos sécs. XIX e XX, a Madeira foi um dos principais locais de exílio das várias revoltas políticas ocorridas no continente. Na sequência, e.g., da Revolta de Torres Vedras, a 4 de fevereiro de 1844, foram enviados para a Madeira 23 dos insurgentes, entre advogados, eclesiásticos e militares. Os primeiros deram entrada na fortaleza do Ilhéu a 20 de abril, e os seguintes na do Pico, mas todos vieram a ser colocados em liberdade após o malogro da Revolta. Também ao Funchal chegavam, a 8 de maio de 1919, os prisioneiros políticos da Revolta de Monsanto, a bordo do vapor África, da Empresa Nacional de Navegação, o qual fora arvorado em transporte de guerra. Os deportados monárquicos, em número de 289, foram acompanhados de uma força da Marinha, desembarcando três dias depois e sendo instalados no Lazareto de Gonçalo Aires. Não obstante as precauções, no dia 3 de junho deu-se pelo desaparecimento de oito prisioneiros, sabendo-se depois que tinham chegado a Las Palmas, na lancha rápida Glafiberta, pertencente ao sportsman Humberto dos Passos Freitas (1893-1926) (Freitas, Humberto dos Passos), que preparara a evasão. A situação mais complicada veio a ocorrer com a Revolta do Porto, de 1927, na sequência da qual uma série de militares foi para a Madeira. Embora deportados, estes gozavam de uma certa liberdade de movimentos e de contactos, podendo alguns estar por detrás do movimento popular conhecido como Revolta das Farinhas, entre 4 e 9 de fevereiro de 1931 (Revolta das Farinhas). A ditadura destacou então para a Madeira uma força especial, sendo os oficiais subalternos da mesma quem desencadeou, a 4 de abril de 1931, a chamada Revolta da Madeira (Revolta da Madeira). Na sequência deste acontecimento, constituiu-se um Governo autónomo com os principais militares deportados na Ilha, mas também civis, como Manuel Gregório Pestana Júnior (1886-1969), que fora ministro das Finanças do Governo de José Domingos dos Santos (1885-1958), nos finais de 1924 e inícios de 1925. A ditadura responderia um mês depois, quase com todas as forças disponíveis no continente, inclusivamente hidroaviões, recuperando a situação, tendo então os principais revoltosos sido deportados para Cabo Verde e Moçambique. O Ten. Manuel Ferreira Camões (1898-1968) e o Ten. Manuel Silvio Pelico de Oliveira Neto (c. 1888-1953) haviam de se radicar na ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, lugar onde continuaram a ser recordados (Cabo Verde). Deportados da Revolta da Madeira em Cabo Verde. 1932. Arquivo Rui Carita Pela Madeira tinham, entretanto, passado exilados internacionais de grande destaque, como, em 1921, o ex-Imperador da Áustria, posteriormente designado por beato Carlos de Habsburgo (1887-1922), acompanhado da família. Depois de breves dias na Vila Vitória, anexa ao Reid’s Palace Hotel, instalou-se na Qt. do Monte (Quinta do Monte), onde viria a falecer de pneumonia dupla a 1 de abril de 1922, sendo os seus restos depositados na igreja de N.ª Sr.ª do Monte, onde permaneceram. Estaria também alguns dias no Reid’s Palace Hotel, nos finais de 1959, o Gen. Fulgêncio Batista (1901-1973), que havia sido derrotado pela Revolução Cubana em janeiro desse ano. Mais tarde, o Funchal ainda seria local de exílio dos principais governantes portugueses afastados com o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974: o ex-Presidente da República Américo de Deus Rodrigues dos Reis Thomaz (1894-1987), o ex-presidente do Conselho José das Neves Alves Marcello Caetano (1906-1980) e os ex-ministros Joaquim Moreira da Silva Cunha (1920-2014) e César Moreira Baptista (1915-1982).   Marcello Caetano e Américo Thomaz na Madeira. Comércio do Funchal.01.05.1974. Arquivo Rui Carita   Declaração de Entrega dos Ex-membros do Governo. 26.05.1974. Arquivo Rui Carita           Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

Madeira Global

palácio e fortaleza de são lourenço

A fortaleza de S. Lourenço constituiu-se como uma das primeiras fortificações da extensa rede de feitorias portuguesas, base da expansão europeia do séc. XVI; depois, tornou-se num dos mais importantes conjuntos edificados do território nacional. Foi, assim, palco dos inúmeros combates travados entre as principais potências mundiais da Época Moderna, chegando a ser ocupada por franceses, canários e castelhanos e, ainda, por ingleses, que ali estabeleceram os seus governos pontuais. Crescendo como afirmação emblemática de um poder precário, fechou-se à cidade e abriu-se ao mar, num esquema militar que antecede, como paradigma na função, a cidadela de Cascais e a fortaleza de S. Julião da Barra, na área de Lisboa, mas também certas residências fortificadas, eleitas simbolicamente, ainda hoje, para afirmação de poder. Primeiro, residência dos capitães do Funchal (Capitães), S. Lourenço passou, em seguida, aos encarregados dos negócios da guerra e aos governadores e capitães-generais (Governadores), ultrapassando as suas simples funções iniciais de defesa e enquadrando-se nas novas necessidades de representatividade do poder. Com efeito, construído um palácio no seu interior, não deixou, no entanto, de manter as suas linhas originais de fortaleza para o exterior, exemplares do melhor que o engenho português dos sécs. XVI e XVII ergueu pelo mundo. Nos inícios do séc. XX, quando da visita dos Reis de Portugal à Madeira, foi também residência régia. Nos meados do mesmo século, o imóvel foi dotado com um importante acervo dos palácios e museus nacionais, instituindo-se assim como “Palácio Nacional”, entroncando a sua história na história do país e da região de que tem sido palco. É, igualmente, uma das mais importantes referências da arquitetura militar e civil portuguesas; além disso, possui um dos bons recheios de artes decorativas existentes no território nacional. A fortaleza de S. Lourenço nasceu de um pedido efetuado pelos moradores em 1528; a construção foi determinada em 1529, mas só foi levantada entre 1540 e 1541, dirigindo a obra o pedreiro Estêvão Gomes, a quem se conhecem os pagamentos atribuídos pelo trabalho. Era uma fortificação de transição, como a Torre de Belém, em Lisboa, ou as inúmeras torres então levantadas nos domínios ultramarinos portugueses. O conjunto do baluarte do Funchal envolvia uma torre semioval, assente nos afloramentos rochosos da praia, ostentando os emblemas e as armas reais, articulada com uma muralha que corria sobre o chamado “altinho das fontes” de João Dinis (Fontes de João Dinis), que envolvia as casas do capitão. Ao lado das fontes, possuía um torreão-cisterna que, flanqueando a muralha, protegia a aguada dos navios e a população na praia do Funchal. Todos estes elementos, com alguns melhoramentos, chegaram aos nossos dias. A fortaleza, a 20 de outubro de 1553, não se apresentava ainda concluída, como indica a queixa de Diogo Cabral, neto de Zarco, a declarar que não estava “acabada pela parte da cidade; está baixa e nem tem baluarte que a cubra” (ANTT, Corpo Cronológico, parte i, mç. 91, n.º 31). Também não se encontrava montada a organização geral defensiva militar (Ordenanças), pelo que a obra se mostrou totalmente incapaz perante o ataque corsário francês de outubro de 1566. A fortaleza foi então acometida por terra, onde quase não possuía proteção; existindo residências com torres mais altas muito próximas e não sendo possível movimentar as pesadas bocas-de-fogo apontadas para o mar, não resistiu ao ataque, sofrendo a cidade um pesado saque que durou cerca de 15 dias e a que praticamente nada escapou. Logo na armada de socorro à Madeira, juntaram-se ao capitão do Funchal e futuro herdeiro da capitania alguns padres da Companhia (Colégio dos Jesuítas e Jesuítas). Em princípio, também integrou a mesma armada um arquiteto militar altamente habilitado, Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), ligado à família dos principais arquitetos do mosteiro da Batalha. Em março de 1567, Mateus Fernandes (III), recebeu na Ilha a visita e o apoio de dois arquitetos italianos que lhe entregaram um primeiro regimento de fortificação para o Funchal, datado de 14 de março do mesmo ano. Com esta colaboração, o designado fortificador e mestre das obras da ilha da Madeira levantou uma planta do Funchal, hoje na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e imaginou uma enorme fortaleza para o morro da Pena, construção que desceria até à praia do Funchal, ocupando toda a atual zona velha ou bairro de S.ta Maria Maior. Porém, o seu projeto não foi aceite em Lisboa. As primeiras obras na fortaleza do Funchal foram para ampliar as casas do capitão, intervenção de que conhecemos auto datado de 15 de março de 1571, embora não se entenda bem que obras se estavam a fazer. Cerca de 10 anos depois, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), queixava-se de que a fortaleza era essencialmente um bom palácio residencial, infelizmente cercado de edificações muito próximas e mais altas, pouco valendo, assim, como construção de defesa. A opção determinada pela provedoria das obras de Lisboa, em 1572, foi de reduzir a um terço a fortaleza projetada para o morro da Pena e repô-la sobre a fortificação inicial, joanina. Com efeito, a fortaleza manteve o torreão joanino, datado de 1540 a 1542, e viu aumentada para poente a parada da frente mar, incorporando o baluarte-cisterna primitivo e as fontes de João Dinis, e rematando com um baluarte quadrangular. Para o lado da cidade, foi dilatada com dois baluartes pentagonais gémeos, virados a norte, no meio dos quais ficava a porta. Mais tarde, por volta de 1600, veio a ser ampliada com um novo baluarte pentagonal e cavaleiro, ou seja, mais alto do que os baluartes gémeos laterais, conforme projeto do novo mestre das obras reais, Jerónimo Jorge (c. 1555-1617), para proteger a porta. Data desses primeiros anos do séc. XVII a atribuição da designação “S. Lourenço” à construção, sendo este santo da especial veneração dos Filipes de Castela e então também de Portugal. Assim, e antes de estar terminado o baluarte-cavaleiro de S. Lourenço, o governador mandou adquirir uma grande pedra de moinho a João Berte de Almeida para serem lavradas as armas com que seria encimada a obra. A “pedra que lhe foi tomada do seu engenho para as armas que se lavraram para a fortaleza” foi paga em setembro de 1601, por 4$000 réis (ARM, Câmara..., Livro da Receita e Despesa da Fortificação, 1600-1611, fl. 38v.). Este grande brasão de armas que encima o cordão do primeiro baluarte de S. Lourenço e hoje do Castanheiro é uma peça inédita no espaço nacional, pois os reis de Castela sempre usaram o escudo de Portugal neste reino. Provavelmente, alguém terá trazido de Castela um desenho das armas castelhanas e, num esmero exagerado, comprou-se uma mó de moinho para melhor entalhar o conjunto envolvido pela ordem do Tosão de Ouro. Mais tarde, depois de 1640, picaram-se essas armas e colaram-se em cima as nacionais, executadas em cantaria do Porto Santo. No entanto, ficou o colar do Tosão de Ouro e a coroa imperial de Castela a lembrar o escudo anterior. Este baluarte foi ligeiramente amputado, em 1916, para a abertura da Av. Arriaga, apeando-se então o brasão, que viria a ser recolocado no lugar, em junho de 1993. Para além destas obras, devem ter ocorrido trabalhos na capela da fortaleza de S. Lourenço, em 1635, conforme atesta a lápide ainda hoje existente no local, no canto da parede sobre o balcão da residência, frente à parada interior, ostentando a inscrição “DVND. 1635”, que deve significar “Deo Vota Nostro Domino”, ou seja, que a construção fora consagrada a Deus Nosso Senhor naquele ano. No entanto, a capela é, por certo, anterior, pois o governador, segundo cremos, não deixaria de ter ali um templo para uso pessoal e privado. Pelo menos, desde 1623 que haveria um capelão no local, pois quando algumas testemunhas depuseram, perante a câmara, sobre as necessidades dos soldados da fortaleza (que estariam a passar fome na altura), surgiu a depor o padre capelão Bento Doussim, no dia 9 de fevereiro. Nesses anos teria havido um certo movimento de obras, uma vez que a imagem de S. Lourenço que encimava a porta, e que hoje está do Museu Militar da Madeira (Museu Militar da Madeira), se encontra datada, na base, de 1639. A capela da fortaleza de S. Lourenço ficava, no séc. XVII, no piso médio da residência do governador, no canto oriental da parada interior, dando para esta mesma área, onde se mantém a inscrição de 1635 antes referida. O templo tinha acesso interior para o governador e família, e acesso exterior para possível uso do pessoal da fortaleza, pelo balcão corrido no sentido norte/sul e também por um lanço de escadas voltadas para a parada. O portal da capela, por certo bastante mais tardio, foi transferido, em princípio, nos inícios do séc. XIX, para o centro do edifício principal, onde está virado a norte, para a parada interior, construindo-se então uma larga escadaria em madeira, substituída por uma de pedra, nos anos 40 do séc. XX. Este portal é hoje a porta principal de acesso ao palácio, dando entrada para a chamada sala dos retratos.  O “Livro da fortificação” de 1642 (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 37v.) permite entender as preocupações e a ação do primeiro governador em funções no novo quadro político da Restauração: Nuno Pereira Freire. O novo governador começou logo por pagar as obras realizadas em março desse ano, quando se desentulharam as bombardeiras de S. Lourenço, pouco depois, mandou fazer obras na residência da fortaleza. Foi então comprada meia-dúzia de tabuado de pinho ao mercador flamengo Martim Filter, por 3$000; foram remunerados os dois negros que trouxeram esta madeira para a fortificação e os carpinteiros que fizeram “o frontal na varanda das casas grandes da fortaleza” (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 37v.); e foram pagos 1$570 réis ao serralheiro Gaspar Gonçalves, por um ferrolho, que, embora não se mencione se era para a residência, pelo preço, deve ter sido. Em meados de dezembro, aparece a informação de se ter pago a Brás Rodrigues da Silva, entre outras coisas, pregos para três adufas das frestas da igreja da fortaleza de S. Lourenço: $430 réis. Infelizmente, não há qualquer outra notícia que permita saber se se tratava da pequena capela interior, fundada em 1635, se de uma outra capela maior, para então ter a designação de igreja da fortaleza. Ao mesmo tempo, deu-se $320 réis a Benito Catalão, por uma fechadura e ferrolho que vendeu para a casa da fortaleza de S. Lourenço. Embora, em 1632, se falasse num capelão e, em 1635, se lavrasse a lápide evocativa da capela, a instituição do cargo de capelão da fortaleza e dos soldados do presídio, bem como de outros cargos, com os respetivos mandados do Conselho da Fazenda, alvarás ou ordens reais, só começou a verificar-se a partir dos finais de 1641. Foi nessa altura que se emanou a ordem a favor do P.e José da Costa de Lima, capelão de S. Lourenço, para ter de ordenado o que “montasse uma praça de soldado” (BNP, Índice..., cód. 8391, fl. 9v.). No ano seguinte, um novo alvará especificava que se deveria pagar ao capelão “os 4$000 que se costumam dar a qualquer soldado quando assenta praça, sobre o seu ordenado; com obrigação de dizer missa aos domingos e [dias] santos aos da fortaleza” (Id., Ibid.). Este capelão deve ter falecido em 1644, ano em que foi emitido um novo alvará, visando agora o licenciado P.e João de Saldanha e especificando que teria de ordenado $080 por dia; falecido em 1689, foi substituído pelo P.e António da Silva, no ano seguinte. Em junho de 1642, o governador mandou elaborar uma planta da Ilha “para enviar a Sua Majestade” (ANTT, Provedoria..., liv. 837, fl. 51), encarregando para o efeito, certamente, o mestre das obras Bartolomeu João (c. 1590-1658) (João, Bartolomeu); pagou-se então $960 réis a Inocêncio Fortes por quatro pergaminhos, um montante nada módico. Saliente-se que essa seria uma primeira versão da planta integrada na coleção dos herdeiros de Paul Alexander Zino (1916-2004), no Funchal, e executada mais de 10 anos depois, em papel. Esta planta da Ilha, de 1654, apresenta ainda as principais fortalezas do Funchal em traços um tanto ingénuos. A descrição geral da fortificação da cidade começa com a seguinte informação: “Tem a fortaleza de S. Lourenço, aonde residem os governadores e soldados do presídio, a qual tem 12 peças de bronze de 12 até 24 libras de bala, e outras tantas de ferro; tem uma companhia de soldados e as fontes da cidade estão debaixo da dita força”, isto é, da fortificação (CHPAZ, 1654). Deve ter ficado uma cópia desta planta em S. Lourenço, pois temos a indicação de ali se encontrar um exemplar em 1799, data em que é referida como “um mapa geográfico, seis vezes maior que o de William Johnston” (AHU, Madeira..., n.º 1089). As dimensões correspondem sensivelmente às da planta de Bartolomeu João, que terá sido levada para Londres pelo Cor. William Henry Clinton (1769-1846), quando da sua permanência em S. Lourenço, entre 1801 e 1802 (Cartografia). O desenho de S. Lourenço, sob a designação de “Fortaleza de São Lourenço aonde está o presídio”, ou seja, a guarnição militar “& governador” da ilha da Madeira, apresenta já a fortaleza contendo um palácio dentro, com fachada de três pisos virada para o mar, um jardim para poente e uma parada interna (CHPAZ, 1654). A fachada virada para o mar mostra o torreão joanino também como atualmente se vê, possuindo um corpo articulado com o torreão, parecendo destinar-se a “privadas”, como então se designavam as latrinas. O corpo em apreço apresenta o último piso com varandas à face, o que não acontece com os corpos seguintes, com embasamento de cantaria à vista, como ainda aparece nas fotografias dos finais do séc. XIX. O último piso articula-se, por um passadiço, com o torreão cisterna, avançado ao mar, tal como chegou aos nossos dias, embora hoje com telhado. Para poente, o edifício apresenta uma janela geminada, desaparecida com as obras dos finais do séc. XVIII. Na gola do baluarte noroeste há o pormenor curioso de figurar uma alta torre, assente em embasamento de cantaria aparente, com quatro pisos e telhado cónico. Tudo leva a crer que esta é uma edificação mais antiga, contemporânea do baluarte joanino e depois incorporada no baluarte executado por Mateus Fernandes, em 1572. Nesse caso, podemos estar perante a torre das Gamas, que Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) refere ter uma altura superior à primitiva fortaleza e ter sido o local de onde os franceses, no assalto de outubro de 1566, alvejaram o interior da mesma fortificação. Pela dimensão em altura que possuía, a torre dificultava o tiro dos baluartes adjacentes, não se percebendo como a deixaram chegar aos meados do séc. XVII.   A torre das Gamas deve ter sido derrubada pouco tempo depois da execução da planta, mas subsistiu, no entanto, o seu piso térreo, depois denominado Casa do Fresco, tal como o vemos representado no desenho de 1654, com a porta de acesso no jardim interior da residência. As antigas janelas, ao gosto dos meados do séc. XVI, parecem subsistir no desenho de Bartolomeu João, talvez entaipadas, a marcar as escadas interiores e os pisos, apontando no sentido de ser essa uma estrutura anterior ao baluarte onde se insere. A referida casa teve obras de reabilitação entre 1999 e 2000, período em que foram recolocados alguns restos de painéis de azulejos dos inícios e meados do séc. XVII que existiam no palácio.  No ano de 1672, tomou posse como governador João de Saldanha de Albuquerque, filho do mestre de campo Aires de Saldanha, falecido na batalha de Montijo, em 1644. Considerando que João de Saldanha de Albuquerque era um fidalgo de certa estripe, que veio a ser governador de Mazagão, vedor da Casa Real e presidente do Senado de Lisboa, não espantam as várias obras, determinadas em 1689, que mandou executar. Como novidade, registe-se que apareceram, a partir desta época, as despesas respeitantes ao bergantim em que se deslocava o governador e que também fazia outros serviços, sendo necessário calafetá-lo, deslocá-lo para o calhau da praia e depois voltar a rebocá-lo para dentro das muralhas. Nos finais do século, em 1689, após diversos pedidos de vários governadores, o Conselho da Fazenda deu autorização ao governador D. Rodrigo da Costa para que se fizessem “as obras das casas do castelo de S. Lourenço, em que vivem os governadores que vêm a esta Ilha” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 62). As obras acabaram por ser arrematadas por um dos militares da guarnição, o Cap. António Nunes, então condestável dos bombardeiros do Funchal e, pouco tempo depois, capitão da artilharia da ilha da Madeira.  Foi durante a vigência de D. Rodrigo da Costa que foi ampliada a sala de armas da fortaleza, que, entretanto, recebera 100 espingardas de pederneira francesas, 100 quintais de pólvora e mais apetrechos de guerra, tendo o Conselho da Fazenda atribuído mais verbas para a ampliação da sala e para outras instalações. Neste quadro, foi igualmente necessário proceder a um reforço de pessoal para controlo do material em causa, surgindo então a nomeação de Pascoal Lopes para ajudante do condestável de S. Lourenço e o referido Cap. António Nunes, que veio a ser o novo mestre das obras reais, assumindo o controlo e a direção dos trabalhos que decorreram durante o mandato dos governadores seguintes. Na noite de 14 de maio de 1699, um incêndio devorou o que tinha sido feito sob orientação de António Nunes, sendo então voz corrente que se tratara de fogo posto. Entretanto, já se encontrava na Madeira o novo governador, D. António Jorge de Melo (c. 1640-1704) e a situação de S. Lourenço teve de ser totalmente repensada. António Jorge de Melo tinha tomado determinadas precauções em Lisboa, solicitando informações detalhadas sobre a vida militar, social e económica na Ilha. Deve ter recorrido ao madeirense e desembargador António de Freitas Branco (1639-c. 1700), figura da confiança de D. Pedro II, cujo casamento com D. Maria Sofia Isabel da Baviera, em 1687, tratara. Acresce ainda que esta possível fonte era membro do Conselho de Estado, logo, tinha acesso a uma vasta informação, imprescindível para a execução das “Instruções” dadas a D. António Jorge de Melo (BNP, reservados, Col. Pombalina, cód. 526, fl. 275). Parece que o novo governador teve em consideração estas instruções, pelo menos parte. Nesse sentido, na sequência do incêndio que consumiu uma porção das casas da guarnição da fortaleza de S. Lourenço, logo em novembro de 1698, mandou lavrar um auto para que o armazém da pólvora da fortificação fosse transferido para a fortaleza de S. João do Pico, mais isolada e afastada da cidade (Paiol geral). Mais tarde, foi a vez do forno e da casa da cal se deslocarem para S.ta Catarina; ao longo do séc. XVIII, foram mesmo os soldados que saíram da fortaleza com as suas bocas-de-fogo para o reduto de S. Lázaro, depois reformulado e designado Bateria das Fontes (Muralhas da cidade). A partir dessa época, começou a falar-se em palácio, palavra que até então quase não tivera uso (Palácios). Durante o séc. XVIII, as obras de engrandecimento não pararam, sendo a obra de S. Lourenço cada vez mais referida como palácio, e menos como fortaleza. Com efeito, em Setecentos, aumentou o número de armadas internacionais a passar pelo Funchal, pelo que se acentuou a necessidade de o governador receber condignamente os altos comandos das mesmas (Hearne, Thomas). Nas informações dos finais do séc. XVII não existem referências especiais a estas cerimónias, mas, a partir do governo de João António de Sá Pereira (1730-1804), que assumiu funções entre 1767 e 1777, são contínuas as informações sobre a passagem de armadas e sobre as respetivas receções em S. Lourenço, com aquele governador aos comandos das mesmas. Destaque-se que o ministro de França, duque de Choiseul (1719-1785), escreveu de Paris a João António de Sá Pereira, em 1768, a agradecer a forma como recebera a tripulação e os passageiros da fragata Balança, procedente da Martinica e naufragada nos mares da Madeira, referindo “a urbanidade do acolhimento” e tratando o governador como “Senhor conde de Sá” (ARM, Governo Civil, liv. 526, fl. 27). A historiografia regional regista também, a partir dos meados do séc. XVIII, as festas realizadas por ocasião dos aniversários régios, indicando que compreendiam geralmente jantar e baile e que eram antecedidas por um ato de vassalagem aos monarcas, prestado diante dos retratos dos mesmos, devidamente apeados das paredes e colocados sob um dossel para o efeito. Na realidade, somente temos ecos deste cerimonial no século seguinte e apenas em relação a D. João VI. Até então, não existiriam retratos régios em S. Lourenço; mesmo as efígies dos governadores são trabalhos dos finais do séc. XVIII e inícios do XIX. De facto, os retratos de João Gonçalves Zarco e do seu filho, segundo capitão do Funchal, embora figurem trajados ao gosto dos finais de Quinhentos e dos meados de Seiscentos, salvo melhor opinião, são trabalhos muito mais recentes, sendo que não lhe conhecemos referências diretas ao longo do séc. XIX. No último quartel do séc. XVIII e durante a vigência de D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (c. 1781-1798) como governador, ter-se-á tentado novamente reparar a fortaleza e palácio, encontrando-se o imóvel quase a ameaçar ruína. A coroa foi sensível aos pedidos do governador em relação suas às necessidades de representação; inclusivamente, a rainha D. Maria I aumentou-lhe o ordenado, citando que tomara em consideração “que o soldo que venceis nesse governo não é suficiente para o trato da vossa pessoa, e decência que deveis conservar nele”, pelo que, “do primeiro de janeiro do presente ano” de 1790, passaria a receber, a cada ano, um vencimento de quatro contos de réis, tal como “os mais governadores e capitães-generais que vos sucederem” (ANTT, Provedoria..., liv. 977, fl. 185). Foi por iniciativa deste governador que se alterou o conjunto de salas viradas ao mar, então dotadas de grande pé direito e feitas à custa dos dois pisos superiores anteriormente existentes. Para compensar o espaço perdido, ter-se-á optado por fazer avançar o então denominado palácio para cima do torreão oeste, composto por Mateus Fernandes, por volta de 1575. Construiu-se assim uma ala ao gosto neoclássico do final do séc. XVIII, debruada por varanda corrida de sacada, tendo a intervenção sido dirigida, certamente, pelo então mestre das obras reais, António Vila Vicêncio (c. 1730-1796); verifica-se que existe, aliás, um certo paralelo com outros trabalhos que orientou pela Ilha, em concreto, a reforma de algumas igrejas. O tipo de janelas e a varanda corrida vieram a servir de modelo a toda a fachada virada para o mar, nos meados do séc. XIX, na parte civil do imóvel, e também na campanha de obras de 1936 a 1939, na parte militar do mesmo. O governador e Cap.-Gen. Florêncio José de Melo e o bispo de Meliapor, D. Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828), administrador apostólico do Funchal, receberam na cidade a futura princesa do Reino Unido de Portugal e do Brasil, a arquiduquesa D. Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), em 1817, que rumava em direção ao Rio de Janeiro para se casar com o infante D. Pedro (1789-1834). Deve ter sido com base nas dificuldades sentidas durante essa visita, com a princesa a ser quase sempre recebida fora do palácio e em condições por certo superiores às que ali teria, que o governador seguinte, Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), promoveu novas obras em S. Lourenço. As obras constam de uma carta que este enviou, a 25 de maio de 1820, ao conde dos Arcos, que se encontrava no Rio de Janeiro, referindo ter construído “uma barraca de pau, com madeira bruta, e que cortava o pátio em dois” (AHU, Madeira..., n.º 97). A construção nasceria na atual sala de entrada do palácio, hoje com escadaria e balaustrada de pedra, que sabemos terem sido levantadas depois, em 1940. Ao nível do andar nobre haveria “um passadiço” (Id., Ibid.) que uniria esses edifícios, através do pátio, com os edifícios em frente, hoje ocupados com repartições do quartel-general e então com as repartições do trem, e que serviria de sala de jantar em grandes receções; por baixo, ficavam arrecadações várias para apetrechos militares. O governador Sebastião Xavier Botelho enviava a planta, por certo feita por Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), explicando que o pátio ocupado já não era preciso, porque a fortaleza estava “desguarnecida de artilharia, e o batalhão aquartelado no colégio, que fora dos jesuítas” (Id., Ibid.). Assim, pedia a aprovação expressa do rei para a obra e indicações sobre se deveria conservar “o passadiço no mesmo estado” ou “se o devia abater e empregar os barrotes e tábuas nos usos e aplicações, que sobrevierem”, embora entendesse que a melhor opção era “mandar emboçar de cal e fechar pela parte de baixo” (Id., Ibid.). Pensamos que a ordem foi no sentido de demolir o barracão, decisão que foi executada depois, por D. Manuel de Portugal e Castro (1787-1854) e em resultado da qual só deve ter restado a base de apoio do passadiço, sobre a qual se vieram a montar os lanços de escadas hoje existentes para aceder à sala dos retratos. Deve ter sido também durante esta campanha de obras que se procedeu à mudança do portal, que Paulo Dias de Almeida desenhou, em 1804, na entrada do piso térreo dos edifícios, a poente do pátio e que hoje vemos na atual entrada para o palácio, no espaço que depois conhecido como sala dos retratos. Com a instauração da república (República) alteraram-se as armas que encimavam o portal, em princípio, concernentes ao Reino Unido de Portugal e do Brasil, perdendo-se a coroa, mas mantendo-se a esfera armilar. A antiga parte superior das mesmas deve ser a que se conserva hoje no parque arqueológico do Museu da Quinta das Cruzes. Nesse caso, também serão dessa época os estuques da antiga sala de baile ou sala dourada, a cujo escudo aconteceu o mesmo. Com a implantação do governo liberal, a 6 de fevereiro de 1836, publicaram-se umas “Instruções” que dividiam as funções dos antigos governadores e capitães-generais por duas novas autoridades, uma civil e uma militar, e o palácio de S. Lourenço entre elas. Por razões de ordem vária, relacionadas com a precariedade de instalação de ambas as entidades durante esses anos, passando a civil de prefeito a administrador-geral, e a militar de comandante a governador, e sendo os cargos, por vezes, desempenhados pelas mesmas pessoas, a divisão do palácio e a especificação concreta das funções governativas só aconteceu verdadeiramente em 1846, com a tomada de posse do governo do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891). Deve-se assim ao governo de José Silvestre Ribeiro a separação efetiva entre a parte civil e a parte militar, assinalando-se várias obras na civil, designadamente, a construção em cantaria da escada central do pátio de acesso ao palácio (embora sem a balaustrada que hoje vemos) e o alpendre no andar superior, desaparecendo a entrada lateral para o balcão poente e com ela a capela de N.ª S.ª do Faial. As imagens foram então entregues à igreja de S. João Evangelista, que o governador mandara restaurar e abrir ao público, e as pratas recolheram ao cofre central do Governo, a 3 de outubro de 1846, tendo-se procedido ao seu inventário, que foi repetido a 3 de dezembro de 1856, ano em que os paramentos da antiga capela foram oferecidos à capela das Achadas da Cruz, devendo o cálice de prata dourada dos primeiros anos do séc. XVI ter pertencido a S. Lourenço. Também deverá datar destes anos a progressiva abertura do palácio à cidade, iniciada um pouco antes, com a construção do cais de madeira em que tinha desembarcado a futura imperatriz Leopoldina do Brasil e depois, em 1838, com a demolição das casas da saúde. Ganhava forma a progressiva transformação da área de implantação do palácio de S. Lourenço em entrada da cidade (Entrada da cidade), embora tal levasse quase 100 anos até se concretizar completamente, com a construção em pedra do cais regional e, depois, com a abertura da Av. Zarco e da Av. do Mar (Urbanismo). Nos meados de Oitocentos, várias visitas importantes concorreram para melhorar a fisionomia do palácio, mas, a avaliar pela descrição de Isabella de França (1795-1880), exteriormente, pelo menos, o aspecto não era o melhor. Embora existam algumas referências no Funchal com elogios ao edifício, essa atenta inglesa teria razão. Opiniões como a de Paulo Perestrelo da Câmara, em 1841, afirmando que “o palácio de São Lourenço tem salões maiores que os paços reais das Necessidades, Queluz, ou Sintra, mobilados e construídos à moderna moda inglesa” (MONTEIRO, 1950, 51), não são para levar em linha de conta, conforme demonstra o relato de Isabella de França. A observadora e bem informada mulher do morgado José Henrique de França (1802-1886), no relato da sua visita à Madeira, em 1853, descreveu a visita que fez ao palácio de S. Lourenço quando ali decorria a exposição agrícola e industrial, destinada a angariar fundos para o Asilo de Mendicidade do Funchal. Isabella terá entrado no palácio por um túnel escuro, que pensamos ser a antiga casa da guarda, onde hoje se encontra o Museu Militar (Museu Militar da Madeira), acedendo assim ao pátio. Explica a inglesa que, subindo as escadas, “a primeira porta abre-se para uma sala quadrada com pinturas em toda a volta” (FRANÇA, 1970, 57), das quais nenhuma terá chegado até nós. Refere ainda que a “sala seguinte, outrora de baile, mostrava em toda a volta os retratos dos antigos governadores, de corpo inteiro – e que grandes patuscos que eles eram! Estes retratos, e o de D. João VI, que está na sala de visitas, e ainda as pinturas que descrevi, da antecâmara, são todos de um estilo que desacreditaria uma tabuleta” (Id., Ibid., 58). Nos meados do mesmo século foi determinado colocar o edifício à disposição de duas figuras importantes da aristocracia europeia: o príncipe Maximiliano de Leuchtenberg (1817-1852) e a imperatriz Isabel da Áustria (1837-1898), rainha da Hungria, mulher do imperador Francisco José da Áustria, popularizada como Sissi, tendo-se autorizado as respetivas obras. As respeitantes à visita de Maximiliano decorreram em 1848, tendo o príncipe aportado à Madeira no ano seguinte, com uma importante comitiva (Briullov, Karl); a visita da imperatriz Isabel ocorreu mais tarde, em 1860. Contudo, nenhum dos dois chegou a ocupar o palácio. Daquela última estadia na Ilha chegaram-nos mesmo as contas das obras executadas em S. Lourenço, aparecendo, entre as referências a caiações e arranjos interiores, uma menção ao arranjo do toldo e dos varões da escadaria principal, que chegaria com a mesma figuração aos inícios do século seguinte. Neste quadro, revelador de uma certa penúria do palácio, em 1861, o conde de Farrobo, então governador civil do Funchal, pediu autorização a Lisboa para realizar várias obras no imóvel, na sequência dos pequenos reparos que tinham sido executados para receber a imperatriz Isabel. A intervenção solicitada incluía a uniformização da fachada do palácio virada para o mar. A autorização só chegaria em 1878, altura em que foram iniciadas as obras, tomando como modelo a sala construída sobre o baluarte sudeste nos finais do séc. XVIII e passando a varanda corrida a marcar todo o andar nobre da dita fachada virada para o mar. No entanto, e porque a tal se opôs o então governador militar, o Cor. António Augusto Macedo e Couto, a parte do palácio sob o seu comando manteve-se ao gosto dos anos anteriores, dos períodos em que fora edificada, só se vindo a uniformizar no século seguinte. É possível que o gosto neoclássico não agradasse aos comandos militares, mais virados para outros revivalismos então em moda. Entre 1894 e 1896, p. ex., esteve na Madeira o jovem tenente de engenharia Carlos Roma Machado de Faria e Maia (c. 1870-c. 1942), que deixou nos arquivos do Funchal vários trabalhos gráficos sobre as propriedades do Ministério da Guerra. Já em Lisboa, em 1897, executou uma proposta revivalista de reabilitação da fortaleza e palácio de S. Lourenço, em neomanuelino. O seu projeto não foi aceite e, pouco depois, seguiu para Moçambique, onde ficou alguns anos, tendo levantado, nesse estilo, o célebre Museu de História Natural; deslocou-se ainda para Angola, onde veio a tornar-se um dos autores mais prolíferos da literatura ultramarina portuguesa. No início do séc. XX, o palácio de S. Lourenço foi objeto de atenção especial, visando o acolhimento do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia, a primeira visita de soberanos portugueses à Madeira em quatro séculos de história. Pela primeira vez, S. Lourenço foi oficialmente palácio real, embora por ele já tivessem passado príncipes de vários países e, inclusivamente, o infante D. Luís, por duas vezes, mas antes de ser rei de Portugal. Os soberanos chegaram a 23 de junho e, no dia seguinte, os fotógrafos da Madeira tiveram autorização para fotografá-los na varanda do palácio. Não temos notícias de terem sido feitas obras de vulto nessa altura, apenas pequenas reparações e, sobretudo, arranjos de interiores, de que ficaram, inclusivamente, amplos registos fotográficos, tendo-se a recorrido a mobiliário particular, pertencente às principais famílias do Funchal, para montar os quartos do rei e da rainha, devidamente afastados, tal como era hábito. A proclamação da República teve lugar em S. Lourenço, a 6 de outubro de 1910. A notícia tinha chegado à Madeira na tarde do dia 5, mas só no dia seguinte tomou posse como autoridade do distrito o Dr. Manuel Augusto Martins (1867-1936). Após a sua investidura como novo governador civil, sem especiais complicações, foi hasteada a bandeira republicana em S. Lourenço, com honras militares. Mais tarde, o palácio sofreu alguns atropelos, mas de forma alguma aqueles que foram depois alardeados pelos monárquicos. Em 1911, foram apeadas as armas reais e foi igualmente apeada, e lançada ao mar, por um grupo de marinheiros, a imagem de S. Lourenço que existia sobre a porta principal. A imagem só voltou ao seu lugar em 1940, embora sem a cabeça original, que não se conseguiu localizar, tendo sido refeita. No ambiente de certa euforia que então se vivia, a Câmara Municipal do Funchal encomendou um projeto de urbanização da cidade ao gabinete do arquiteto Ventura Terra (1866-1919). Dentro dos conceitos da época, o plano praticamente não respeitava qualquer preexistência. S. Lourenço era parcialmente cortada, assim como um dos braços do transepto da sé, criando-se grandes avenidas e um casino no antigo cais da cidade. Ao que se saiba, não foi dada qualquer publicidade ao projeto, embora, em linhas gerais e sem os exageros enunciados, o mesmo se viesse a concretizar ao longo das décadas seguintes. A única recomendação que conheceu implantação à época, logo em 1915, foi a construção da então Pç. da República, que, depois de ter sido ampliada para oeste, deu origem à Av. Dr. Manuel de Arriaga. Para esse efeito, foi amputado o cunhal do baluarte do Castanheiro, cortado na perpendicular da base da guarita, que nos desenhos que chegaram até nós já não apresenta o interessante brasão de armas, recolocado, entretanto, em junho de 1993. Com a consolidação do Estado Novo foram nomeados para a Madeira figuras da inteira confiança do regime, sendo designado, em 1935, presidente da Câmara do Funchal, o Dr. Fernão de Ornelas Gonçalves (1908-1978) e, em 1938, governador civil, o Dr. José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão. Já em 1935, tinha assumido a presidência da comissão administrativa da Junta Geral um amigo pessoal do Prof. António de Oliveira Salazar, o Dr. João Abel de Freitas (1893-1948), presidente da comissão distrital da União Nacional que, mais tarde, em 1947, seria nomeado governador civil, acabando por falecer no exercício dessas funções, no palácio de S. Lourenço. Neste quadro, a Madeira, especialmente a cidade do Funchal, foi palco de uma ampla campanha de obras a que o palácio e fortaleza de S. Lourenço, como emblema paradigmático do poder central do Estado Novo, não poderia escapar. As obras tiveram início em 1939, na parte militar do imóvel, que foi objeto de um reforço de verba por parte da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Foi então executada a uniformização da fachada virada para o mar, que não fora completada nos finais do século anterior. Assim, embora mantendo os dois pisos no interior, salvo na primeira sala, reservada ao gabinete do comandante militar e contígua à sala de entrada do palácio, exteriormente, esta fachada passou a apresentar-se toda uniforme, ao gosto dos finais do séc. XVIII. No entanto, para a parada interior, manteve a sua antiga fenestração, inclusivamente com molduras de janela dos finais do séc. XVI. Nesta campanha de obras foi também passada a cantaria rija regional a antiga balaustrada de ferro das escadas de acesso à entrada do palácio, tomando por modelo a balaustrada embutida da varanda poente, em cantaria vermelha de Cabo Girão. Com idêntico modelo de balaustrada foram também dotadas as janelas do governador militar e das salas de receção do governo civil para a parada interior. Dessa época data também a recolocação dos merlões e ameias na muralha da bateria baixa, elementos que tinham sido eliminados entre 1860 e 1863, assim como o alargamento da entrada pela atual Av. Zarco, que terá perdido o muro e o gradeamento, ficando aberto o acesso a viaturas ao pátio interior de S. Lourenço. Nas obras de 1878 terá sido aberto um arco de entrada na muralha, que já aparece nas fotografias de 1880, mas que não permitia a entrada a viaturas no pátio, pois tinha-se mantido uma estreita passadeira de comunicação à entrada da cidade. Na sequência dessas obras, pela ação do governador civil do Funchal, Dr. José Nosolini, foi o palácio dotado com um bom acervo de mobiliário, pintura e vários objetos decorativos, vindos dos palácios nacionais, como atrás se disse, designadamente de Queluz e de Belém, e também das reservas do Museu Nacional de Arte Antiga, tendo as salas de receção sido retocadas e pintadas por Max Römer (1878-1960). Com estas alterações, o palácio de S. Lourenço, em atenção a ter sido residência dos governadores e capitães-generais, foi classificado como Monumento Nacional, por Decreto-lei de 24 de setembro de 1940. Nos anos seguintes, na sequência das grandes obras do Estado Novo, a fortaleza ganhou, a norte, um chafariz, no antigo Lg. da Restauração, inaugurado em 1941, mas acabou por perder grande parte da sua imponência na marinha do Funchal devido à construção da Av. do Mar. As obras desta nova avenida, subindo cerca de dois a três metros à sua frente, relegaram para um pequeno fosso ajardinado a velha R. das Fontes, deixando ainda encobertas as antigas fontes de João de Dinis, que serviram de aguada às armadas que fundearam no Funchal durante quase 500 anos. É dessa época a demolição dos alpendres e de outras construções levantadas entre os baluartes norte e noroeste, como parques de artilharia e, inclusivamente, o antigo estúdio dos Prestrellos Photographos, local onde, depois, a 28 de dezembro de 1954, veio a ser inaugurado o busto do governador civil Dr. João Abel de Freitas, falecido em S. Lourenço. Nos anos seguintes, com a vigência como governador do comandante Inocêncio Camacho de Freitas (1899-1969), o palácio ainda adquiriu, pontualmente, mobiliário proveniente do espólio de famílias madeirenses e de diversas instituições, p. ex., o antigo Casino Vitória. Igualmente nesta época, ou alguns anos antes, incorporou o mobiliário dos sécs. XVIII e XIX da antiga alfândega do Funchal. Ao longo do séc. XX o palácio foi visitado pelo presidente da República Dr. António José de Almeida, em outubro de 1922, pelo marechal Óscar Fragoso Carmona, em 1942 e pelo almirante Américo de Deus Tomás, várias vezes, tal como pelo presidente do conselho, o Prof. Doutor Marcello Caetano. Com o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974, os dois últimos, bem como outros membros do último governo do Estado Novo, vieram a ser deportados para a Madeira, sendo-lhe fixada residência em S. Lourenço, o que projetou então o palácio na comunicação social internacional. Na transição do séc. XX para o XXI o palácio foi alvo de obras especiais para se adequar ao funcionamento do Ministério da República e, depois, do Representante. Veio a ser nomeada uma conservadora para o palácio e a estabelecer-se uma colaboração mais estreita com a então Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, procedendo-se ao restauro sistemático do importante acervo de pintura e de mobiliário das salas nobres, que, praticamente, desde a sua vinda para o Funchal, em 1940, não tinham tido qualquer manutenção. Procedeu-se igualmente à consolidação geral de outras estruturas, como o importante painel de azulejos com a imagem de S. Lourenço, no jardim interior e a já referida Casa do Fresco, provável base da torre noroeste levantada nos meados do séc. XVI e que havia sido incorporada no baluarte virado ao convento de S. Francisco, em 1572-1575. Para proteção da Casa do Fresco e do painel citado, foram também realizadas obras no baluarte de S. Francisco, visando evitar as infiltrações, tendo-se adotado o mesmo procedimento no baluarte do Castanheiro. Durante os trabalhos de consolidação do baluarte do Castanheiro, em 1998, descobriram-se pinturas a fresco no interior da antiga guarita sobre a Av. Arriaga, de certa forma simples, procedendo-se à sua consolidação preventiva e restauro pontual. Dentro de um novo espírito, a partir de 1995, o palácio de S. Lourenço passou a estar aberto ao público, mediante marcação, editando-se alguns prospetos informativos; a partir de 2001, começaram a realizar-se visitas diárias sem marcação, a horas previamente determinadas, embora se tenha mantido a marcação antecipada para grupos ou para visitas especialmente orientadas.    Rui Carita (atualizado a 01.01.2017)

Arquitetura Património

cais regional

O cais regional, também designado por cais da entrada da cidade, nasceu da passagem pelo Funchal da princesa D. Leopoldina de Áustria, em setembro de 1817, quando se fez uma ponte para o seu desembarque junto ao palácio de S. Lourenço, tendo o espaço envolvente sido arranjado nos anos seguintes. A construção de um cais de pedra ensaiou-se em 1843, mas a breve trecho estava arruinado, e somente em 1879 se voltou a estudar o assunto, sendo as obras do cais iniciadas em 1889 e terminadas em 1892. O cais ainda foi ampliado entre 1932 e 1933, e a sua importância é patente na imensa documentação fotográfica existente. O seu interesse como cais perdeu-se com o aumento da capacidade de acostagem do molhe do porto do Funchal e o advento dos transportes aéreos, no entanto, mantém-se como importante zona de lazer da cidade, tanto para visitantes como para residentes. Palavras-chave: Entrada da cidade; Molhe de acostagem; Porto; Transportes marítimos; Turismo. O cais regional, também designado por cais da entrada da cidade, nasceu da determinação feita, quando da passagem pelo Funchal da princesa D. Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), em setembro de 1817, de que deveria ser feita “uma ponte para o cómodo e decente desembarque da mesma Augusta Senhora”, assim como preparar-se com o devido “asseio e arranjo na Casa do Governo” instalações para a princesa (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 33-34v.; AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3965). Configurou-se, assim, o arranjo do espaço frente ao palácio e fortaleza de S. Lourenço para a entrada solene da arquiduquesa de Áustria no Funchal, então perene, mas a partir de 1839, demolidas as portas e casa da Saúde, onde até então a Câmara procedia ao controlo sanitário, foi a área transformada em entrada de honra da cidade (Entrada da Cidade). O cais de desembarque do porto do Funchal fora feito na base do ilhéu do forte de S. José, em 1756, pelo Eng. Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770), mas não só era então muito distante do centro da cidade, como muito acanhado. Em 1824, ensaiou-se um novo cais de desembarque, então nas baixas frente à fortaleza de S. Tiago, projeto da autoria do Brig. Francisco António Raposo e execução do Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em cujos trabalhos se gastaram então 37 contos de réis, tendo tudo sido levado pelo mar. A 17 de fevereiro de 1829, inclusivamente, mandava-se retirar de S. Tiago os degraus de cantaria “que se destinavam ao cais que se projetara construir” para se utilizarem no molhe de cais da Pontinha (ARM, Governo Civil, liv. 798, fl. 51v.). A oportunidade da construção de um cais frente à entrada da cidade veio a surgir após a aluvião de 24 de outubro de 1842. Um mês depois, a 26 de novembro, foi despachado para o Funchal o então Maj. Manuel José Júlio Guerra (1801-1869), experiente militar liberal com larga folha de serviço nos Açores, Porto, Algarve e Setúbal, mas, em princípio, sem as capacidades científicas dos outros dois engenheiros na altura também presentes na ilha: António Pedro de Azevedo (1812-1889)  e Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875), mas um somente capitão e o outro tenente. O mais importante e inglório trabalho de obras públicas desenvolvido nestes anos pelo novo diretor das obras públicas, Maj. Manuel José Júlio Guerra, foi o cais em frente à entrada da cidade, mas a breve trecho viria a perder-se, como o ensaiado nos baixios de S. Tiago. A Câmara Municipal do Funchal, por resolução de 23 de abril de 1843, por certo após acordo com o Maj. Guerra, propunha a construção de um cais de pedra em frente à entrada da cidade, votando, para isso, a verba de 1200$000 réis. O assunto foi presente ao conselho do distrito em 6 de maio seguinte, ficando encarregado de dirigir a obra o Maj. de engenharia Manuel José Júlio Guerra, que a 24 do mesmo mês solicitava um reforço de mais um conto de réis para colocar depois as obras a coberto do inverno. O custo da obra não parava de aumentar, tendo-se já gasto em fevereiro de 1844 mais de quatro contos de réis, pedindo ainda o Maj. Guerra mais um reforço de 18 contos de réis, quantia que a Câmara não via maneira de poder satisfazer. Em sessão camarária de 6 de março de 1844, foi colocado o assunto, surgindo uma proposta de criação de uma comissão para dirigir as obras do cais, entregando-se a presidência ao Maj. Guerra, mas constituindo um corpo com um delegado camarário, o Dr. Manuel Joaquim Moniz, os engenheiros militares Cap. António Pedro de Azevedo e Ten. Tibério Augusto Blanc e o Eng. camarário Vicente de Paula Teixeira (1785-1855). A proposta acabou por não ser aprovada superiormente, continuando as obras sob a desastrosa direção do Maj. Guerra. Entretanto, assumindo a direção dos destinos da Ilha a Junta de Governo (Regeneração e Partido Regenerador), na sequência das revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, que afastou o Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891) e chegou a ter por presidente o já então Ten.-Cor. Eng. Manuel José Júlio Guerra, ainda viriam a ser desbloqueadas importantes verbas para as obras do cais da entrada da cidade. Com o regresso do governador ao palácio de S. Lourenço, as obras pararam e o Ten.-Cor. Guerra seria transferido para o continente, não voltando à Madeira. Mais tarde, em 1853, Isabella de França (1797-1880) descreveria que, “perto do sítio onde desembarcámos, notam-se vestígios de um cais, planeado há já alguns anos. Nele se gastaram quantias importantes e se desperdiçaram materiais e trabalho que bem poderiam ter sido úteis”. A autora cita ainda que as obras, não devidamente acauteladas, haviam sido praticamente desfeitas por um temporal. Acrescenta ainda que “em Portugal, como na maioria das nações, a utilidade pública é a razão que se alega para todas as obras; infelizmente trata-se só de um pretexto; o primeiro objetivo reside na glorificação pessoal, se não nos emolumentos que os funcionários auferem. Nestas condições iniciam-se obras de vulto; os que as projetaram deixam os seus cargos antes que elas terminem – e ei-las abandonadas, para darem lugar a outras, do mesmo modo superiores aos recursos do país”. As obras haviam sido planeadas pelo Maj. Guerra, acrescentando a autora que, “numa das efémeras revoluções que então desvairaram Portugal, colocou-se ele à frente de um movimento para destituir o governador e estabelecer uma junta, de que seria, é claro, presidente”. Reconduzido o governador, o Maj. Guerra fora “enviado para o continente e posto a meia-ração. Noutro país teria sido fuzilado!”. Com a sua saída, tinham paralisado “e ninguém se incomodou em garantir o que estava feito, pois as honras reverteriam para ele” (FRANÇA, 1970, 51-52). Desconhecia a atenta inglesa que o Maj. Guerra, colocado no polígono de Tancos, conseguiria ainda candidatar-se a deputado por Vila Nova da Barquinha e ser eleito, acabando os seus dias como general. O desenvolvimento do turismo, especialmente o terapêutico, começou a condicionar, a partir dos inícios e meados do séc. XIX, de uma forma cada vez mais determinante, a situação geral da ilha da Madeira, quer económica quer social. Esse caminho encontrava-se já perfeitamente definido na época da governação do Cons. José Silvestre Ribeiro, que a todo o momento evocava para as suas determinações “a presença de inúmeros estrangeiros que nos visitam” (Anais municipais), etc. Na época da sua governação, especialmente, encontram-se na Ilha três das mais altas figuras da aristocracia europeia: a rainha viúva Adelaide de Inglaterra (1792-1849), de origem alemã, nascida Saxe-Meiningen, o príncipe Maximiliano de Beauharnais, duque de Leuchtenberg (1817-1852), que seria pintado na Madeira por Karl Briullov (1799-1852) (Briullov, Karl), e a sua irmã, a imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Bragança (1812-1873), tendo todas essas visitas sido cuidadosamente preparadas e, também, aproveitadas para melhoramentos vários na Madeira. Quando da preparação da visita da imperatriz viúva D. Amélia e da sua filha, a princesa D. Maria Amélia (1831-1853), em agosto de 1851, por exemplo, um ano antes da chegada dessas senhoras, determinou de imediato o governador ao Eng. Tibério Blanc “o maior desembaraço na construção do cais da Pontinha”, ou seja, na remodelação do mesmo, “para desembarque de Sua Majestade Imperial, a Senhora Duquesa de Bragança e filha”, recomendando que “a obra seja executada de forma a ficar para sempre”. Aproveitou ainda para determinar ao mesmo engenheiro que mandasse “os moradores da zona caiarem as casas e limparem os entulhos”, assim como determinou que fossem feitos alguns “trabalhos na estrada nova do Ribeiro Seco, de modo a ficar perfeita e que S. M. I., possa ir até à Praia Formosa”, determinações que de imediato foram publicadas nos jornais da época (A Época, 31 ago. 1851). Os portos e os cais de desembarque eram assim uma constante preocupação das autoridades locais. Na fase final da sua estadia na Madeira, ainda o encarregou José Silvestre Ribeiro, mais uma vez, da revisão de todos os cais da ilha da Madeira. O Eng. Tibério Blanc elaborou assim uma extensa lista dos cais que necessitavam de obras de melhoramento e reformulação, como eram os casos do cais do Pesqueiro, na Ponta do Pargo; Paul do Mar; Ponta da Galé; Ponta do Sol; Câmara de Lobos; Ponta da Cruz; Gorgulho; Ponta da Oliveira; Ponta do Guindaste e Ponta Delgada, assim como um novo ancoradouro na baía de Machico. As décs. de 80 e 90 do séc. XIX apresentaram o progressivo aumento do turismo, já não especificamente terapêutico, mas essencialmente de lazer, que já começava a representar algum peso na economia nacional, pelo que passou a despertar um certo interesse nas secretarias do Governo de Lisboa. A repartição das obras públicas distritais conheceu mesmo algum incremento, por ela passando os Caps. Júlio Augusto de Leiria (c. 1838-1878) e Henrique de Lima e Cunha (1843-1915), tendo cabido a este último os primeiros trabalhos conducentes à execução do novo cais da entrada da cidade. Com o aumento da circulação de passageiros no porto do Funchal, por portaria de 17 de setembro de 1879, voltava a estudar-se, finalmente, o que fazer do amontoado de ruínas em que se transformara o cais da entrada da cidade. Foi então encarregado do estudo o Cap. de artilharia Henrique de Lima e Cunha, voltando a propor-se a execução de um cais idêntico e no mesmo local, com toda uma outra solidez, claro, à frente da Entrada da Cidade, proposta aprovada em Lisboa, em 17 de julho de 1881, mas que só avançaria em 1886, quando já se encontrava aprovado a prolongamento do molhe da Pontinha através da união dos dois ilhéus. O projeto teve ainda alterações, pelo Eng. José Bernardo Lopes de Andrade, em 1887, e veio a ser adjudicado pelos Engs. franceses Fréderic Combemale, Jules Michelon e Arthur Mury, que já em 1885 haviam conseguido a execução das obras do molhe da Pontinha (Molhe da Pontinha). As obras do cais regional iniciaram-se a 18 de janeiro de 1889, envolvendo um montante de 87.000$000 réis e – vindo a ser depois reconhecido a estes empreiteiros, na ocasião do ajuste de contas, vários trabalhos executados fora do projeto inicial ajustado, ainda receberam mais 92.005$485 réis – demonstrando a complexidade do projeto. A obra ficou concluída a 27 de abril de 1892, sendo recebida provisoriamente nessa data, mas a receção definitiva só teve lugar a 27 de abril de 1895. Por parecer da Junta Consultiva das Obras Públicas, de 30 de maio do mesmo ano, foram os empreiteiros julgados quites para com o Estado de todas as obrigações que haviam contraído, o que consta da portaria de 10 de julho de 1895. Ao longo destes anos, decorreram assim igualmente as obras do molhe do porto do Funchal, cuja iniciativa se ficou a dever ao governador civil, António de Gouveia Osório (1825-c. 1905), visconde de Vila Mendo (Vila Mendo, Visconde de), que, no seu ofício de 15 de outubro de 1881, voltara a chamar a atenção para as vantagens que a baía do Funchal ganharia com a construção de um cais e porto de abrigo, ação saudada pelos comerciantes do Funchal. O molhe proposto, no entanto, era insatisfatório, sendo “apenas um ponto de partida para a futura construção de uma doca regular” e que devia completar-se pelo seu prolongamento em direção a leste, como refere a direção da Associação Comercial do Funchal (Ibid., 25 abr. 1884, 16 jun. e 19 out. 1885), chegando, inclusivamente, a colapsar com o grande temporal ocorrido no último dia de fevereiro e nos primeiros dias de março de 1892, que arruinou de forma drástica uma grande parte da obra já feita e a destrui quase por completo. As obras seriam recomeçadas em 1893, estando prontas em 1895, porém, as condições de acostagem dos grandes navios sempre foram deficientes nesta fase do molhe, acabando os paquetes por ficar ao largo e os passageiros a ser transferidos por lancha para o cais da entrada da cidade. Assim que, até à ampliação do molhe de acostagem, nos meados do séc. XX, para leste da fortaleza do Ilhéu, o movimento de passageiros do porto do Funchal foi feito pelo cais frente à entrada da cidade, ou cais regional. Com o aumento do movimento de passageiros, impôs-se o aumento deste cais, tendo a Junta Autónoma das Obras do Porto aberto concurso para essa realização, que terminou a 30 de outubro de 1930, sendo a construção adjudicada à casa Nederlandsche Maatschappij Voor Havenwerken pela importância de 4763.000$00 escudos. O acrescentamento do cais seria feito pela colocação de cinco grandes módulos de 3337 m3, tendo o primeiro sido colocado a 25 de junho de 1932 e o quinto e último em janeiro de 1933. A inauguração oficial ocorreu a 28 de maio desse ano, data especialmente comemorada pelo Governo da Ditadura. A importância deste cais é patente na imensa documentação fotográfica existente, que, graças aos novos meios de comunicação, não deixa de aumentar. O aumento da capacidade de acostagem do molhe do porto do Funchal e, muito especialmente, o advento e a democratização dos transportes aéreos roubaram protagonismo e interesse ao cais em frente à entrada da cidade, como aliás também à mesma. No entanto, todo este espaço se mantém como importante zona de lazer da cidade até aos dias de hoje, tanto para visitantes como residentes.   Rui Carita (atualizado a 14.12.2016)

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