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associação académica da universidade da madeira

A Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa) foi criada a 10 de dezembro de 1991 com o intuito de responder às necessidades dos estudantes, sendo a estrutura representativa e comunitária dos estudantes da Universidade da Madeira (UMa). É uma instituição privada, sem fins lucrativos, que foi reconhecida em 2006 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; está inscrita no Registo Nacional do Associativismo Jovem do Instituto Português do Desporto e Juventude e possui, desde 2010, o estatuto de instituição de utilidade pública. Os primeiros órgãos sociais – liderados por Jorge Carvalho como presidente da direção, por Deodato Rodrigues como presidente da mesa da assembleia geral e por António Cunha como presidente do conselho fiscal – foram eleitos por 416 estudantes, tomando posse a 9 de janeiro de 1992. Diversas atividades foram desenvolvidas no sentido de consolidar uma estrutura estudantil única na Madeira, que representasse os estudantes da UMa. O registo legal, a idealização do logotipo, a organização de festividades e de colóquios aquando do Dia Nacional do Estudante, a participação em provas desportivas regionais e nacionais são disso exemplo. Para fazer cumprir algumas das promessas eleitorais, foi necessário “adquirir uma máquina de encadernação, formar uma tuna, adquirir um computador, fomentar a participação dos estudantes no grupo de teatro, realizar um festival de tunas e participar nas competições desportivas interuniversitárias” (Livro de Actas da Direcção…, 16 jan. 1993, s.p.). A 14 de janeiro de 1994 foi eleita, para mais um mandato, a equipa liderada por Jorge Carvalho na direção, com Deodato Rodrigues na mesa da assembleia geral e Ricardo Félix no conselho fiscal, tomando posse a 2 de fevereiro do mesmo ano. O apoio ao estudante e a organização de colóquios, de conferências e de fóruns de discussão sobre assuntos relacionados com o ensino superior e com a UMa e a sua oferta formativa foram as principais preocupações da equipa. O segundo mandato da equipa liderada por Jorge Carvalho terminou com o I Encontro de Estudantes Madeirenses do Ensino Superior, no qual, durante dois dias, se discutiram questões sobre o ensino de qualidade e sobre a formação de profissionais de excelência em Portugal. A 19 de janeiro de 1996 tomavam posse os novos corpos sociais da AAUMa, liderados por Vítor Freitas como presidente da mesa da assembleia geral, por Orlando Oliveira como presidente do conselho fiscal e por Eduardo Marques como presidente da direção, cargo que manteve até 18 de dezembro do mesmo ano, data em que trocou de lugar com a vice-presidente, Natércia Silva. É com esta equipa que se institui, pela primeira vez, a Semana do Caruncho e o Corte das Fitas (até então, designados de Semana Académica e Queima das Fitas), o primeiro Código de Praxe e Comissão de Praxe, a primeira publicação do jornal (Parenthesis), a 14 de maio de 1996, e a aposta no desporto e na contratação de bandas nacionais e regionais para celebrar o adeus aos finalistas e a receção dos novos estudantes da UMa. A 6 de março de 1998 tomavam posse Sara André Serrado, como presidente da direção, Paulo Santos, como presidente da mesa da assembleia geral, e José Costa, como presidente do conselho fiscal. Uma das primeiras preocupações foi a alteração estatutária e a regulação da praxe na UMa, modificando para tal o Código de Praxe em vigor e criando a Comissão de Veteranos. Seria, contudo, na direção seguinte, liderada por Clara Freitas, que as questões da praxe ficariam desvinculadas da AAUMa, por deliberação da Reunião Geral de Alunos. Eleita por dois mandatos – a 19 de janeiro de 2001 e a 20 de fevereiro de 2003 –, Clara Freitas vê o último mandato terminar de forma abrupta. A direção acaba por ser exonerada, pois o pedido de demissão apresentado pela maioria dos membros dos órgãos sociais inviabiliza a continuidade da restante equipa na liderança da AAUMa. No entanto, e enquanto os corpos sociais desta direção estiveram ao serviço dos estudantes, as questões desportivas, as de ação social, as culturais e as recreativas foram as suas principais bandeiras. A 23 de abril de 2004 é eleita a equipa de Marcos Pestana, que encontra uma estrutura associativa com uma situação financeira instável, parca de recursos e com uma credibilidade reduzida, o que acabou por dificultar grande parte do trabalho a que se havia proposto. A aposta no desporto universitário e na tradição académica da UMa foi, contudo, concretizada. A 8 de março de 2006 aquela dá lugar à equipa de Luís Eduardo Nicolau, que viria a ser, pelo menos até 2016, o presidente com maior longevidade à frente dos destinos da AAUMa, com três mandatos (14 de março de 2006, 21 de abril de 2008 e 3 de novembro de 2010) e três equipas diferentes (lideradas por André Dória, Andreia Micaela Nascimento e Rúben Sousa como presidentes da mesa da Reunião Geral de Alunos e por Pedro Olim, Tiago Seixas e Gonçalo Camacho como presidentes do conselho fiscal). A implementação do processo de Bolonha e do regime de prescrições na UMa foi uma das primeiras preocupações desta equipa. Nestes anos são criados vários projetos, muitos dos quais se mantêm vários anos depois. Uma publicação mensal, a emissão de programas de rádio e de televisão, um projeto de solidariedade social, um grupo de fados de Coimbra, um centro de explicações para o ensino básico, secundário e superior, o acolhimento de estágios curriculares e pedagógicos diversos, as lojas Gaudeamus e os projetos de valorização e de preservação do património histórico regional são alguns exemplos. Deve ainda enfatizar-se a participação da AAUMa no primeiro conselho de leitores do Diário de Notícias da Madeira, no Conselho de Cultura da UMa e no Observatório do Emprego e Formação Profissional da UMa. É no último mandato de Luís Eduardo Nicolau que, por decisão dos estudantes presentes na assembleia geral de 4 de março de 2010, se decide laurear, com o título de associado honorário, D. António Carrilho, bispo da Diocese do Funchal, José Manuel Castanheira da Costa, então reitor, Jorge Carvalho, Marco Faria, Idalécio Antunes, Andreia Micaela Nascimento, Carlos Diogo Pereira e a Tuna Universitária da Madeira. Em outubro de 2012, João Francisco Baptista assume a presidência, formando equipa com Vitor Andrade, como presidente da mesa da Reunião Geral de Alunos, e com Nuno Rodrigues, como presidente do conselho fiscal; em outubro de 2014, é reeleito, tendo Ricardo Martins como presidente da mesa da Assembleia Geral de Alunos e Nuno Rodrigues como presidente do conselho fiscal. No decorrer dos seus mandatos, salientam-se a continuidade e o crescimento de alguns projetos já existentes, o início da Imprensa Académica, linha editorial da AAUMa, a criação de projetos de apoio social destinados aos estudantes da UMa (a bolsa de alimentação, a bolsa escolar e a bolsa LER), o apoio ao estudante, o ateliê de férias Doutorecos, a dinamização de projetos de interesse turístico e cultural e o reconhecimento, pela União Europeia, da AAUMa enquanto entidade de acolhimento e de envio de voluntários pelo Serviço Voluntário Europeu. A cultura, o desporto, o apoio ao estudante (presencial, telefónico e remoto), a tradição, a ciência, a investigação, a empregabilidade, a formação e a cidadania ativa e responsável voltam a ser as prioridades de uma estrutura que cresceu e que representa a UMa e todos os estudantes que nela são formados.     Andreia Micaela Nascimento (atualizado a 14.12.2016)

Educação História da Educação Sociedade e Comunicação Social

arguim

A ilha de Arguim foi a primeira feitoria portuguesa fortificada, a partir da qual os Portugueses trocavam tecidos, cavalos e trigo, produtos essenciais para as populações locais, por goma-arábica, ouro e escravos, que levavam para a Europa. A ilha ficaria dependente da Diocese do Funchal, que para ali nomeava capelão e ouvidor, sendo depois sucessivamente ocupada por Holandeses, Ingleses, prussianos e Franceses, até ser por fim abandonada, dada a crescente aridez e as dificuldades de acesso de navios de grande calado, resultantes dos perigosos bancos de areia e dos extensos recifes que a rodeiam. Nos começos do séc. XXI, a ilha encontra-se quase deserta, sem quaisquer vestígios das antigas fortificações, com uma pequena povoação de pescadores-recoletores, sendo objeto de diversas lendas e narrativas. Palavras-chave: comércio; Descobrimentos; escravatura; feitorias fortificadas; tradição oral. Arguim é uma ilha na baía do mesmo nome, situada na extremidade norte da República Islâmica da Mauritânia, na costa ocidental de África. Com apenas 12 km² de área, a ilha é alongada, medindo cerca de 6 km de comprimento por 2 km de largura. Está situada a 12 km da costa, dela separada por canais arenosos repletos de recifes e de bancos de areia que se movem com as correntes. A ilha faz parte do Parque Nacional do Banco de Arguim, uma vasta zona protegida, classificada pela UNESCO como património mundial graças à sua importância como local de invernada de aves aquáticas. Vista aérea do Banco de Arguim. Arquivo Rui Carita. A ilha de Arguim foi a primeira feitoria portuguesa da costa ocidental de África (África Marrocos). Na sequência da passagem do cabo Bojador, em 1434, as embarcações portuguesas ao serviço do infante D. Henrique (1394-1460) prosseguiram para o Sul, passando ao largo da costa saariana e atingindo a costa da Mauritânia. Estas navegações, que de início se revelaram lucrativas, em virtude de atos de corso e de razias, chegaram ao golfo de Arguim na déc. de 1440; e.g., a caravela de Nuno Tristão (c. 1410-1446) tê-lo-á alcançado em 1441, embora outros navegadores ali tenham passado por esses anos, como Gonçalo de Sintra (c. 1400-1444) e Diniz Dias (há divergências entre os vários cronistas quanto à sua ordem de chegada). Em 1443, voltava àquela área Nuno Tristão, então já acompanhado de um mouro, dado como Sanhaja Berber, que servia de intérprete; aí, adquiriu 28 escravos, que levou para Lagos, no Algarve. É desse ano o pedido oficial de carta de corso do infante D. Henrique ao seu irmão D. Duarte (1391-1438), passando aquele a usufruir de 1/5 das capturas efetuadas – que, em princípio, pertenciam ao Rei –, pedido também posteriormente feito pelo infante D. Pedro (1392-1449). Banco de Arguim. Em 1444, a expedição de Lançarote de Lagos a Arguim, na qual participaram forças da Madeira e, provavelmente, o sobrinho de João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471), Álvaro Fernandes, conseguiria recolher 240 escravos. As relações da Madeira com estas navegações vão manter-se nos anos seguintes, tendo Álvaro Fernandes e Lançarote de Lagos, em 1446, a explorado a embocadura do rio Senegal e a área de Cabo Verde. Este navegador, que já comandara uma caravela de Zarco em 1444, dirigiu a expedição que em 1447 ultrapassou Cabo Verde e que se supõe ter atingido a ilha de Goreia. As relações da ilha da Madeira com este tipo de comércio e com esta área – Arguim, depois Cabo Verde, Guiné, Angola, etc. – vão manter-se nos anos seguintes. Na Furna de Arguim, como era por vezes chamada esta baía de recifes, ficava a ilha dos Coiros, principal centro de comércio de peles de toda a costa e, para o Sul, localizavam-se as ilhas das Garças, de Naar e de Tider. Serviram as mesmas, com mar bonançoso, para abrigo e repouso das naus. Por ali passaram madeirenses, como os da caravela enviada por Zarco até ao cabo dos Matos, com seu sobrinho Álvaro Fernandes, depois o genro do capitão do Funchal, Garcia Homem de Sousa, e Diogo Afonso, Denis Eanes da Grã, João do Porto e outros. Deve datar de cerca de 1445 a substituição da pirataria, com uma função simultaneamente económica e bélica, pelo comércio pacífico – ou, pelo menos, mais pacífico, dado não ser nessa altura possível fazê-lo sem armas na mão. Em 1444, já se procurava estabelecer o tráfico com os nómadas cameleiros do rio do Ouro, tendo cabido a João Fernandes, um colaborador próximo do infante D. Henrique, beneficiando das informações de Ahude Meimão sobre a localização das principais povoações e o interesse comercial da região, concretizar esses planos. Em 1445, aquele navegador foi responsável pela realização das primeiras operações comerciais com as populações muçulmanas daquela região, promovendo a aquisição de ouro, de goma-arábica e de escravos, em troca de tecidos e de trigo. Em 1447, iniciaram-se as relações com o Suz, em Marrocos – grande mercado de escravos, de ouro e de açúcar –, tentando o infante D. Pedro, ainda nesse ano, estabelecer a paz e manter relações comerciais com o Bori-Mali e com os jalofos, na área da Guiné. Poucos anos depois, por volta de 1454-1455, o italiano Luís de Cadamosto (1432-1488) (Cadamosto, Luís de) explica, nas suas memórias, a propósito do contrato da feitoria de Arguim, que, quando esteve ao serviço do infante D. Henrique, as caravelas costumavam ir armadas de Portugal ao golfo de Arguim, umas vezes quatro, outras mais, “e de noite desembarcavam” e saíam sobre as aldeias costeiras de pescadores, “e faziam correria pela terra”, de modo que prendiam esses “árabes, tanto machos como fêmeas e os traziam a vender em Portugal” (GODINHO, 1956, III, 125-126). Pontão. Antigo embarcadouro. A ilha de Arguim veio a configurar-se como um local privilegiado para o estabelecimento de um posto comercial fixo, dado situar-se numa região esparsamente povoada, mas próxima dos circuitos comerciais percorridos pelas caravanas mercantis que atravessavam o Saara, as quais frequentemente se aproximavam da costa, devido à abundância de sal na região. Sendo um território dotado de um bom porto e de água potável, era facilmente defensável pela vantagem que a sua situação insular oferecia face à previsível hostilidade das populações autóctones, sendo por isso escolhido para centralizar o comércio da costa africana. Entre 1454 e 1455, já se tinha efetuado um contrato por 10 anos, explicando Cadamosto que ninguém podia entrar no golfo para traficar com os locais, “salvo aqueles que entrassem no contrato” celebrado com a Coroa para esse comércio, no qual se incluía a “feitoria na dita ilha, e feitores, que compram e vendem àqueles árabes, que vêm à marinha, dando-lhes diversas mercadorias, como são panos tecidos, prata e alquicéis, que são uma espécie de túnicas, tapetes e sobretudo trigo, do qual estão sempre famintos, e recebem em troca negros, que os ditos alarves trazem da Negraria, e ouro Tiber” (Id., Ibid.). Acrescenta o navegador italiano que o infante fazia então levantar “uma fortaleza na dita ilha, para conservar este comércio para sempre; e por esta razão todos os anos vão e vêm caravelas de Portugal à ilha de Arguim” (Id., Ibid.). O castelo só seria terminado após o falecimento do infante, em 1461, sendo a capitania entregue a Soeiro Mendes de Évora, o vedor da construção, que viria a ter carta de 26 de julho de 1464, de D. Afonso V (1432-1481), a conferir-lhe, a si e aos seus descendentes, a capitania-mor da ilha. Saliente-se, no entanto, que o estatuto comercial de Arguim conheceu variantes. Assim, por volta de 1455, aquando da visita de Cadamosto, a feitoria era administrada por uma sociedade privada, que tinha obtido do infante D. Henrique esse monopólio por um período de 10 anos, provavelmente entre 1450 e 1460. Mais tarde, segundo o cronista João de Barros (1469-1570), Fernão Gomes da Mina (c. 1425-c. 1485), após ter assumido o mercado de exploração do comércio da Guiné, que dominou entre 1468 e 1474, conseguiu também obter o de Arguim, ao preço de uma renda anual de 100$000 réis. A área em torno de Arguim era habitada por berberes e negros islamizados, chamados “mouros” pelos Portugueses, sendo uma importante zona de pesca. Da parte portuguesa, esperava-se intercetar o tráfego do ouro que as caravanas transportavam de Tombuctu para o Norte de África; contudo, foi o comércio de escravos que mais prosperou, recebendo Portugal de Arguim, aproximadamente a partir de 1455, cerca de 800 escravos por ano, na sua maioria jovens negros, feitos prisioneiros durante razias conduzidas no interior do continente pelos líderes tribais da região costeira vizinha. No decurso do mandato de Fernão Soares como capitão e feitor, entre maio de 1499 e dezembro de 1501, obtiveram-se 668 escravos e 12.558 dobras e meia de ouro – moeda que, em 1472, valia 327 reais brancos, na razão 1$896 reais brancos por marco (cerca de 235 g de prata) –, sendo parte deste convertida em escravos, totalizando 840 indivíduos. O feitor seguinte, Gonçalo Fonseca, conseguiria somente 406 escravos em dois anos e meio, mas o que se lhe seguiu, Francisco de Almada, entre 1508 e 1511, ultrapassaria a cifra de 1500 escravos. Em segundo plano estava o importante comércio da goma-arábica, produto que a região produzia em quantidade significativa e com qualidade superior, que se adquiria em Arguim a preços muito atrativos. O território conquistado em Arguim passou então a assumir-se como um centro de comércio, estabelecendo ligações comerciais com os portos de Meça, Mogador e Safim (Safim), em Marrocos. Destes lugares provinham os tecidos, o trigo e outros produtos que, na feitoria de Arguim, eram trocados por ouro e escravos; as mercadorias eram transportadas pela rota que ia de Tombuctu até Hoden. A criação desta feitoria representou um ponto de viragem na expansão portuguesa, assinalando o início da política de construção de feitorias fortificadas, dotadas de uma guarnição militar capaz de as defender contra os ataques dos povos autóctones. Em 1487, foi fundada uma feitoria no interior do continente africano, na localidade de Ouadane (ou Wadan), e, na mesma área, foram feitas outras tentativas de fixação de feitorias, e.g., na região de Cofia e junto à foz do rio Senegal, todas goradas face à hostilidade das populações locais e à dureza do clima. Nos anos de 1505 a 1508, a guarnição do castelo de Arguim era composta de 41 indivíduos, 18 dos quais eram soldados e 5 marinheiros. O comércio da feitoria estava sob o controlo da Coroa, sendo os capitães nomeados pelo Rei, habitualmente para comissões de três anos. Tinham direito a arrecadar 25 % dos lucros do comércio realizado na feitoria, sendo assistidos por um feitor, que arrecadava 12,5 % daqueles, e por um escrivão assalariado, que recebia 20.000 réis na fase inicial dos trabalhos. Em finais de 1555, ou em princípios de 1556, a feitoria de Arguim foi atacada pelo pirata português Brás Lourenço e, em 1569, a guarnição tinha-se reduzido a 30 pessoas. A manutenção da guarnição de Arguim não era fácil, tendo de recorrer-se às vizinhas ilhas Canárias ou à Madeira, como aconteceu em 1513, quando era capitão de Arguim Fernão Pinto (que deve ter sucedido a Francisco de Almada, capitão entre 1508 e 1511, embora o seu nome não conste das listagens geralmente divulgadas, que referem apenas o Cap. Pero Vaz de Almada, em 1514-1515). O mestre do navio enviado às Canárias pelo capitão de Arguim acabou por aportar a Machico, tendo requerido ao almoxarife Antão Álvares a compra de diversos mantimentos – 30 moios de trigo, 20 quintais de biscoito e uma parte de remel (possivelmente o açúcar local) –, deixando como pagamento a João de Freitas (c. 1470-1533), executor das dívidas à Fazenda, seis escravos, marco e meio de ouro, e meia onça de ouro em pó e em pedaços, e tendo sido lavrada quitação com data de 3 de maio de 1513. Três dias depois, o mestre do navio São Miguel Fadigas entregava mais 78 dobras de ouro, em pó e em pedaços, para pagamento de novos mantimentos. Não se conhece qualquer descrição do castelo henriquino de Arguim, nem da sua reformulação na época de D. Afonso V, embora a carta de alcaidaria-mor refira ter havido então obras, nem também das remodelações da déc. de 80 do séc. XV, se bem que se saiba que, ao passar, em 1481, a monopólio régio, sob D. João II (1455-1495), o castelo foi aumentado. Arguim foi perdendo a sua importância ao longo dos anos seguintes, à medida que os interesses comerciais portugueses se transferiam para regiões localizadas a sul (e, depois, para a Índia). Desconhece-se a data em que Arguim passou a estar na dependência da Diocese do Funchal, mas julga-se ter isso ocorrido com o abandono de Safim, em 1541, de cuja Diocese deveria depender, embora não houvesse uma clara definição dos seus limites. A referência a Arguim como pertencente à Diocese do Funchal parece datar da bula do Papa Júlio III, de 1550, que separou da antiga Arquidiocese (Diocese e arquidiocese do Funchal) os territórios das novas dioceses dos Açores, de Cabo Verde, etc., que passaram à jurisdição eclesiástica de Lisboa. A referência à integração da ilha de Arguim na jurisdição do Funchal dá-se com o bispo D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), que recebeu a doação de Arguim, do seu castelo e do produto das pescas na costa de Atouguia e que, em 1601, nas Extravagantes que adicionou às anteriores Constituições Sinodais, refere que “dispondo os casos da sua jurisdição nela colocava Ouvidor Eclesiástico” (LEMOS, 1601, título 16, const. 2). Aliás, antes de ser meio-cónego da Sé, o cronista Jerónimo Dias Leite (c. 1537-c. 1593) foi vigário de Arguim, em 1567, na ausência do P.e António Fernandes, sinal de que a freguesia já existia e dependia do Funchal (embora pouco tempo ali estivesse, passando rapidamente a Lisboa e aí conseguindo a indigitação para uma futura eleição como meio-cónego da Sé do Funchal).   Voyages en Afrique- Asie-Indes orientales et occidentales-Jean Mocquet-1617 Arguim seria visitada por Jean Mocquet (1575-1617) (Mocquet, Jean), aventureiro francês, em 1601, na sua primeira viagem de recolha de objetos exóticos e curiosos, que lhe permitiu ocupar o boticário régio de Henrique IV (1553-1610) e organizar um gabinete de curiosidades (Colecionismo) nas Tulherias para o seu sucessor, Luís XIII (1601-1643). Jean Mocquet conta nas suas memórias que, na sua primeira viagem, em que visitou o Funchal, seguiu “o desejo que tinha há muito tempo de viajar pelo mundo: quis começar pela África”. Partira de Saint Malo a 9 de outubro de 1601, em La Syréne, que se destinava à Líbia (nome pelo qual se designava a costa marroquina à época e, assim parece, também as ilhas atlânticas e da Mauritânia), e que era um “navio carregado de sal e bem equipado de víveres e munições para a guerra” (MOCQUET, 1830, 27). A embarcação passou por diversas peripécias, chegando a ter de combater com vários corsários; passado o cabo de São Vicente, dirigiu-se ao Norte de África, e depois de dobrar o cabo Branco visitou a velha feitoria de Arguim. Conforme se usava à época (como referido), Jean Mocquet refere-se à região como “Líbia”, contando que “de toda a Líbia vão buscar água ao porto de Arguim”, que se situa sobre uma pequena ponta relevada, a seis léguas de cabo Branco. A fortaleza tinha então alguns soldados portugueses e um capitão. Mocquet menciona que os Portugueses eram amigos dos chefes da região, que não eram todos negros, havendo chefes brancos, mas que eram todos muçulmanos. Faziam comércio de plumas de avestruz e de peixe, “que aqui usam como moeda de troca” (Id., Ibid., 34). Mocquet já não refere o rendoso comércio de escravos e de ouro.     Arguim estava a entrar em franca decadência; embora periodicamente visitada pelos pescadores da Madeira e sob a jurisdição do bispo do Funchal, a sua situação militar era muito precária e a guarnição insustentável. A fortaleza de Arguim teve, em 1612, um projeto de reconstrução, a cargo do arquiteto-mor Leonardo Turriano (1559-1628), e elaborado com base nos dados que este recolhera quando estivera em idêntica função nas Canárias, entre 1588 e 1590, sendo muito provável que se tenha deslocado a Arguim. O projeto, no entanto, não passou do papel: não há registo de qualquer despesa ou movimentação de pessoal nesses anos.     A pequena fortaleza de Arguim acabaria por ser conquistada, em 1638, por forças holandesas e, alguns anos mais tarde, por forças inglesas, sendo posteriormente recuperada pelos Holandeses, até que, em setembro de 1678, foi arrasada por forças francesas, embora depois tenha sido pontualmente reconstruída pelos Franceses. Devem datar de meados do séc. XVII (de cerca de 1665) os dois desenhos flamengos de Johannes Vingboons (1616/1617-1670) que sobreviveram e que parecem representar já a remodelação de Arguim pelos Holandeses. Em 1685, estava quase abandonada, sendo então ocupada por tropas brandeburguesas, transformando-se Arguim na primeira colónia do principado de Brandeburgo. Em 1701, com a incorporação do principado no reino da Prússia, Arguim transitou para o controlo prussiano. Em 1721, perante o desinteresse da Prússia pelas suas colónias africanas, o território voltou à posse da França, momento a partir do qual se fazem muitas representações cartográficas e, inclusivamente, um levantamento planimétrico de Arguim, com Perrier de Salvert, a 8 de março de 1721.   Mapa de Arguim de Gerard van Keulen-1720   A praça seria novamente perdida para os Holandeses no ano subsequente, voltando todavia à posse dos Franceses em 1724, que ali permaneceram até 1728, ano em que abandonaram a ilha ao controlo dos líderes tribais mauritanos. Fez-se explodir a fortificação por ocasião da retirada, pouco devendo ter restado dela. A ilha regressou ao controlo francês nos princípios do séc. XX, quando foi incorporada no então protetorado da Mauritânia; em 1960, com a independência da Mauritânia, Arguim passou a fazer parte do território do novo Estado.       Teatro. A Ilha de Arguim, de Francisco Pestana Durante a sua conturbada história, a ilha foi sempre um dos centros do comércio de goma-arábica e, durante muitos anos, um importante local de caça de tartarugas marinhas e de outras atividades mais ou menos artesanais, em que estavam inclusivamente envolvidos pescadores madeirenses – isso justifica a existência de várias pequenas embarcações, quer no Funchal, quer em Câmara de Lobos, com o nome de Arguim. Embora alguns dos seus proprietários não saibam onde fica, e se tenham limitado a repetir os nomes que já os pais e avós tinham utilizado para as embarcações, subsistem lendas e narrativas populares sobre a ilha – que aparecia e desaparecia, que era o local para onde teria ido viver D. Sebastião, etc. –, que foram inclusivamente objeto de peças de teatro. Na época moderna, a dificuldade de navegação dos navios de algum calado nesta área, em razão dos bancos de areia e dos afloramentos rochosos, é patente no desastre ocorrido em julho de 1816 com a fragata francesa La Méduse, que transportava pessoal para a colónia do Senegal e que encalhou na região, sendo abandonada com grande perda de vidas. O acontecimento ficou imortalizado na obra Le Radeau de la Méduse (A Jangada da Medusa), do pintor francês Théodore Géricault (1781-1824), de 1818-1819. Arguim encontra-se ainda na base da fundação do Convento franciscano da cidade da Baía, no Brasil, como resultado da influência da lenda de S.to António de Arguim: nos inícios do séc. XVII, terá aparecido na costa brasileira, roubada por corsários franceses, uma imagem de S.to António, proveniente da antiga praça africana, pelo que o santo foi eleito padroeiro da cidade (padroado que perderia por proposta dos padres jesuítas, em 1686, passando para S. Francisco Xavier). Em suma: foi em Arguim que se localizou a primeira feitoria portuguesa fortificada, a partir da qual os Portugueses trocavam tecidos, cavalos e trigo, produtos essenciais para as populações locais, por goma-arábica, ouro e escravos, que levavam para a Europa. A ilha foi sucessivamente ocupada por Portugueses, Holandeses, Ingleses, Prussianos e Franceses, até ser abandonada, dada a crescente aridez e as dificuldades de acesso de navios de grande calado, resultantes dos perigosos bancos de areia e dos extensos recifes que a rodeiam. Nos começos do séc. XXI, a ilha encontra-se quase deserta, sem quaisquer vestígios da antiga fortificação, tendo uma pequena povoação, na sua costa oriental, habitada por cerca de uma centena de pescadores-recoletores da etnia imraguen, sendo, para os madeirenses, provavelmente até aos inícios ou meados do séc. XX, um destino de pesca, e permanecendo no seu imaginário como uma antiga lenda. Pesacadores. Arguim. 2006   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017) Imagens: Arquivo Rui Carita

História Militar História Política e Institucional Madeira Global

zona franca ou centro internacional de negócios da madeira

A criação da Zona Franca da Madeira (ZFM), que veio também a ser designada por Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), resultou de um conjunto de circunstâncias e causas de natureza diversa, sendo umas remotas e outras próximas: por um lado, as aspirações ancestrais dos madeirenses, fundadas na existência de um porto franco de consumo existente nas ilhas Canárias, e, por outro, o movimento que, sob a égide da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), conduziu, face à situação da economia da Madeira na década de 70 do séc. XX, à reflexão do modelo de zona franca mais adequado e consentâneo com as características geográficas, geológicas, morfológicas, económicas e sociais da Madeira. Este desiderato havia já sido ensaiado através da lei n.º 265, de 24 de julho de 1914, que autorizou o Governo a adjudicar a construção e a exploração duma zona franca na Madeira que seria instalada no local julgado mais conveniente por uma comissão técnica, durante 60 anos. Na zona franca, seriam permitidas todas as operações de beneficiação, empacotamento e transformação dos géneros do arquipélago da Madeira em outros produtos comerciáveis, com a exceção do vinho, beneficiando de isenção de direitos para embarcar, desembarcar e depositar aqueles géneros, isenção que não abrangia o cacau e o azeite não destinado a conservas. A zona franca ficava sujeita ao regime fiscal dos armazéns gerais francos, aprovado pelo dec. de 27 de maio de 1911, e a sociedade adjudicatária garantia as suas obrigações legais e contratuais nos termos previstos pela lei de 13 de junho de 1913, que havia autorizado a construção e a exploração de um porto franco em Lisboa. Esta iniciativa legislativa não foi prosseguida e, na déc. de 1970, a ACIF levou a cabo as providências necessárias ao apuramento e à definição do modelo da zona franca mais adequado à Madeira com base nesta dicotomia: uma zona franca comercial ou de consumo, como a das Canárias, ou uma zona franca empresarial, como na Irlanda e nas ilhas do Canal. Para esse efeito, a ACIF promoveu, em 1974, a realização de um estudo da viabilidade e oportunidade da criação de uma zona franca, sustentado em inquérito destinado a recolher a opinião de largos sectores da população sobre o projeto, tendo sido consultados todos os organismos oficiais, os representantes dos vários sectores da vida económica da Região, bem como outros profissionais de diversas atividades. Neste inquérito, a área abrangida pela zona franca admitia três hipóteses: um porto franco, uma zona franca extensiva a toda a ilha da Madeira, ou uma zona abrangendo todo o arquipélago da Madeira. Assente em participação ativa e relevante das entidades consultadas e nos resultados desse inquérito, a ACIF assegurou a elaboração de um estudo prévio, cujo texto provisório foi colocado à apreciação e discussão em 1975, através da consulta às entidades e aos profissionais já auscultados no inquérito anteriormente realizado. O texto preliminar e provisório desse estudo foi publicado na íntegra na imprensa diária, tendo, assim, o debate sido alargado a toda a população. O texto definitivo do estudo prévio resultou da inserção dos contributos obtidos através das diligências efetuadas, contendo uma análise das vantagens advenientes da criação da zona franca – então referenciada como regime de franquia aduaneira –, bem como um projeto de diploma legal e respetivo regulamento atinentes ao correlato regime. Este estudo foi apresentado, em 1975, à então Junta de Planeamento da Madeira, a qual entendeu que, dada a natureza e a importância de que o projeto se revestia, devia o mesmo ser objeto de aprofundamento através de uma entidade internacional especializada na matéria. A ACIF, tendo em consideração que o estudo em causa devia abranger uma perspetiva global, integrada e de longo prazo da economia regional, obteve propostas de três empresas especializadas: a americana International Finance Consultants, a britânica M. L. H. Consultants Ltd e a alemã Agrar und Hydrotechnik, cujos representantes se deslocaram à Madeira para a prestação de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, em reuniões em que também participaram os vogais para o Planeamento e Finanças e para a Indústria, Agricultura e Pescas da então Junta Regional da Madeira. Em 1976, a realização do estudo foi adjudicada à sociedade International Finance Consultants, a qual apresentou o estudo em 1977, tendo o mesmo sido objeto de ajustamentos face ao pedido formulado em 1978 pelo Governo da República de adesão do país à então Comunidade Económica Europeia. Com base neste estudo e nas diligências efetuadas junto do Governo da República, foi, em 1980, criada a Zona Franca da Madeira visando satisfazer uma velha aspiração dos Madeirenses e tendo como pressupostos a especial situação geoestratégica da Madeira, onde se conjugam as características específicas da economia regional com a sua peculiar configuração sócio-política, de molde a facultar o aparecimento de novos sectores voltados para o desenvolvimento económico e social da Região. Na iminência da criação da zona franca, o conselho do Governo regional procedeu à definição da localização e demarcação da área onde a mesma seria instalada, tendo a escolha recaído na freguesia do Caniçal, em território que se delimitava, devido aos princípios e orientações do ordenamento territorial da zona litoral, entre o Garajau e a Ponta de São Lourenço, pela pertença de imóveis afetáveis da Região na referida freguesia, pela localização do aeroporto, pela melhoria do eixo rodoviário que o liga ao Funchal, e pela previsível construção de viadutos previstos sobre as ribeiras em Santa Cruz e no Porto Novo. Em 1988, o Governo regional voltou a pronunciar-se sobre os critérios de implementação da Zona Franca Industrial, tendo em consideração os interesses legítimos do agregado populacional do Caniçal, a localização definitiva das instalações escolares e desportivas, a existência de um porto de pesca e os campos agrícolas experimentais do Governo. Nessa primeira data, ficou assente que seriam definidos posteriormente o regime jurídico-fiscal aplicável, a natureza, o âmbito territorial e as características da zona franca, bem como a regulamentação da atividade nela desenvolvida, tendo em consideração os condicionalismos resultantes das negociações encetadas para a adesão de Portugal à então CEE. Essa definição foi efetuada em 1982, ficando determinado que poderiam ser autorizadas, na zona franca, todas as atividades de natureza industrial, comercial ou financeira, sendo os pedidos de instalação das empresas apreciados e decididos com base em dois parâmetros fundamentais: a idoneidade da firma impetrante e o interesse económico da atividade a desenvolver. Nessa mesma data, ficou a zona franca industrial definida como um enclave territorial onde as mercadorias que nele se encontram são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeito de aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e de mais imposições ou medidas de efeito equivalente. A zona franca deveria ser exteriormente resguardada por uma vedação, de harmonia com o disposto no Código da Reforma Aduaneira, e disporia de uma estância aduaneira e de um posto fiscal próprios, que vieram a ser criados em 1990. A regulamentação operada teve em atenção as normas comunitárias concernentes ao funcionamento de zonas francas e ao denominado regime de aperfeiçoamento ativo, em subordinação ao princípio de conformação das disposições legais aplicáveis à zona franca ao ordenamento jurídico comunitário. Nesse mesmo ano, foi constituída a comissão instaladora da ZFM, composta por dois representantes do Governo regional da Madeira e dois representantes – um efetivo e um suplente – da ACIF. O período compreendido entre 1982 e 1985 foi dedicado à conceção e definição do regime fiscal da zona franca e da sua administração e exploração em regime de concessão. Assim, em 1985, foi aprovado um regime fiscal que se traduziria num sistema contratual de usufruição dos benefícios fiscais, fortemente inspirado pelo regime constante do Código de Investimento Estrangeiro então vigente, mas, que, por não corresponder à proposta apresentada pelo Governo regional ao Governo da República, foi substituído, seis meses depois, por novo decreto-lei, que consagrou o princípio da usufruição automática dos benefícios e incentivos fiscais e financeiros pelas empresas, logo após o seu licenciamento no âmbito da zona franca. Na conceção do regime de incentivos foi tido em consideração o disposto no Tratado de Roma relativamente ao desenvolvimento regional e as regras de salvaguarda da distorção da concorrência no seio da Comunidade Económica Europeia. Paralelamente, a Assembleia Regional da Madeira aprovou o regime de administração e exploração da ZFM, autorizando o Governo a adjudicar, em regime de concessão e com dispensa da realização de concurso, a sua gestão a uma entidade privada nacional ou estrangeira, na qual a Região Autónoma da Madeira (RAM) viesse a participar ou à qual viesse a associar-se. A previsão da existência de uma comissão para assegurar uma simplificação dos procedimentos administrativos, bem como um desburocratizado acompanhamento e fiscalização das atividades licenciadas, foi uma antevisão do gabinete da Zona Franca criado no ano seguinte com esse escopo e essa missão funcional, com a concomitante extinção da comissão instaladora da Zona Franca. O prazo da concessão foi estabelecido em 30 anos, sem prejuízo da sua eventual renovação ou prorrogação, ficando o Governo regional autorizado a regular as condições de exercício das atividades, quer da concessionária quer dos utentes da zona franca. Nesse mesmo ano de 1986, foi regulado o exercício de atividades financeiras através das denominadas sucursais financeiras exteriores, tendo o Governo regional procedido, em 1987, à regulamentação das condições de instalação e funcionamento daquelas sucursais. O exercício destas atividades foi alargado, em 1994, quer às instituições constituídas de raiz quer às sucursais financeiras internacionais, as quais podiam realizar operações com residentes, faculdade que se encontrava vedada às sucursais financeiras exteriores. Em 1987, o Governo regional da Madeira adjudicou a administração e a exploração da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A., e aprovou o Regulamento das Atividades Industriais, Comerciais e de Serviços Internacionais no âmbito institucional da ZFM. No reconhecimento da proeminência económica e social, contributiva do desenvolvimento da Região, e da concomitante necessidade de uma gestão célere, proficiente e atempada, considerada como pressuposto e condição essencial para uma maior simplicidade e eficiência do processo decisório, o Governo regional não só rejeitava e removia os processos de antanho, os quais recorriam a desnecessárias complexidades e delongas processuais, desencorajadoras do investimento prosseguido por entidades caldeadas em regimes mais simplificados, como também fundamentava a opção por uma gestão empresarial em termos privados da zona franca. O diploma em causa estabeleceu o regime de licenciamento das atividades em consideração, as competências da concessionária nesse licenciamento, na aprovação dos projetos de instalação e funcionamento das empresas industriais e na fiscalização das obras com base em licença emitida pela concessionária, assim como o regime de uso dos imóveis por via da subconcessão do domínio público em autoconstrução ou de direito de uso em pavilhões construídos pela concessionária, os quais, finda a concessão, revertem gratuitamente para a RAM. Em 1988, os princípios de simplificação, desburocratização e de celeridade fundamentaram a criação da Conservatória do Registo Comercial Privativa da Zona Franca da Madeira e do Cartório Notarial também privativo da zona franca, cujo início de funcionamento foi fixado para o dia 1 de abril de 1989, tendo sido estabelecido que os atos praticados por aqueles serviços privativos se encontravam isentos de qualquer taxa ou emolumento. Os mesmos princípios determinaram, em 1989, a criação da IV Série do Jornal Oficial, destinada exclusivamente às empresas licenciadas na zona franca – cujas publicações, não exigidas em regimes europeus congéneres, foram também isentas de pagamento de taxas –, a autorização da constituição, em 1994, das sociedades comerciais por quotas e anónimas unipessoais e, em 1995, o reconhecimento da faculdade de as sociedades licenciadas usarem palavras ou parte de palavras estrangeiras ou de feição estrangeira na composição das suas firmas ou denominações. Estes princípios, pioneiros no país quer em relação à autorização das sociedades unipessoais, mais tarde autorizadas só para o tipo por quotas, quer em relação à simplificação administrativa e à prática e objetivos empresariais, permitiram que, na sua conceção, a ZFM constituísse o primeiro exercício unitário, integrado e coerente de internacionalização da economia portuguesa. Nesse mesmo sentido, em 1988, tendo em consideração que muitos dos investidores seriam oriundos de países com ordenamentos jurídicos diversos do sistema português, designadamente dos países da common law, e reconhecendo a necessidade de dotar a ZFM de instrumentos mais eficazes na captação do investimento direto estrangeiro, foi autorizada a instituição de instrumentos de trust, instituto jurídico até à data inexistente no ordenamento jurídico português. Este regime de propriedade fiduciária, envolvendo uma relação tripartida entre o settlor ou instituidor, o trustee e os beneficiários ou a causa específica por eles prosseguida, que nos regimes romano-germânicos encontram fronteiras com as fundações, o usufruto, o mandato sem representação e o fideicomisso ou a fidúcia, permitiu à zona franca disponibilizar aos seus utentes um meio jurídico que lhes era facultado noutros regimes e jurisdições congéneres. Em 1989, foi criado o quarto sector de atividades, acrescentando-se à Zona Franca Industrial, aos serviços financeiros e aos serviços internacionais o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), o qual foi criado visando a prossecução de dois fins: em primeiro lugar, estancar os processos de saída de navios do registo convencional português para registos de conveniência (flagging-out) e, em segundo lugar, atrair novos armadores e navios, oferecendo condições de custos semelhantes às apresentadas pelos registos mais competitivos. Nesse sentido, o MAR foi dotado de uma somissão técnica, composta por um representante do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes, um representante da RAM e um representante da Inspeção Geral de Navios. Adentro das condições indispensáveis à atratividade do MAR, a Lei do Orçamento do Estado para 1989 procedeu à consagração da isenção do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) para os tripulantes embarcados nos navios matriculados no MAR e o próprio diploma que procedeu à sua criação não só aplicou aos navios o regime fiscal da zona franca, como também permitiu às partes que designassem a lei que regula a constituição das hipotecas, tendo o aprofundamento do regime de graduação dos privilégios creditórios determinado o recesso da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, assinada em Bruxelas em 10 de abril de 1926, que se havia tornado um impedimento à adesão dos armadores devido às objeções colocadas pelos credores hipotecários em relação à graduação dos seus créditos. Paralelamente, foi facultado aos tripulantes dos navios o acesso ao regime do seguro social voluntário. A reforma fiscal operada em 1989, com a extinção da contribuição predial e industrial, da sisa e do imposto profissional, e a concomitante criação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT), determinou que o regime fiscal da ZFM ficasse, em grande parte, plasmado no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), então aprovado. Nesse sentido, o primeiro regime fiscal (regime i) da zona franca, que vigorava desde 1986, passou a constar do EBF e permitiu o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2000, usufruindo as empresas que as desenvolvessem da isenção de IRC até 31 de dezembro de 2011. O regime ii, com uma taxa de tributação em IRC de 1 %, 2 % e 3 %, respetivamente nos anos de 2003-2004, 2005-2006 e de 2007 a 2011, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2006, com o usufruto desse benefício pelas entidades que as prosseguissem até 31 de dezembro de 2011. O regime iii, com uma taxa de tributação em IRC de 3 %, 4 % e 5 %, respetivamente nos anos de 2007-2009, 2010-2012 e de 2013 a 2020, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2007, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2013, prazo que, de acordo com a legislação comunitária adrede posta em vigor, foi prorrogado, por duas vezes, até 31 de dezembro de 2014, com usufruição dos benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2020. As empresas licenciadas no CINM são contribuintes fiscais portugueses para todos os efeitos, pendendo sobre elas as obrigações gerais a que se encontram adstritos os contribuintes em geral, e pagam uma taxa de instalação aquando do licenciamento, e uma taxa anual de funcionamento, através de depósito nos cofres da concessionária nos termos previstos na lei e no contrato de concessão. Os resultados obtidos pela aplicação destes regimes são de natureza qualitativa e quantitativa. Os primeiros, já referidos, permitiram que o CINM constituísse o primeiro exercício político-económico de internacionalização da economia portuguesa, rasgando novos rumos para o ordenamento jurídico português, introduzindo princípios e regras de simplificação administrativa e desburocratização do processo decisório e de licenciamento e exercício de atividades no âmbito do CINM. Do ponto de vista quantitativo, pela aplicação do regime i, constata-se que, em 2000, se encontravam licenciadas cerca de 5900 entidades, congregando 2900 empregos diretos e indiretos, e com o registo de 264 embarcações no MAR. A remuneração média dos quadros qualificados que trabalhavam no CINM era superior em cerca de 60 % à média da Região. Os capitais sociais agregados das sociedades ascendiam ao equivalente a 8600 milhões de euros e os investimentos efetuados pela concessionária na construção e manutenção das infraestruturas internas da ZFI eram de cerca de 18,7 milhões de euros, tendo os utentes investido mais de 143 milhões de euros nas suas unidades industriais. Nesta data, o CINM erigia-se já como um dos pilares fundamentais da economia da Região com um contributo de cerca de 20 % para a formação do respetivo PIB. Em 2000, com o procedimento formal de investigação instaurado pela Comissão Europeia, por força da entrada em vigor das Orientações sobre os Auxílios de Fiscalidade Regional, cujo início de prazo não coincidia com o fim da vigência do regime i, e com a aprovação do regime ii, que só entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003 e que introduziu limites máximos (plafonds) ao benefício fiscal usufruído em IRC pelas entidades licenciadas no CINM, verificou-se não só um hiato de dois anos sem licenciamento de atividades, como um retrocesso na atratividade do regime e na adesão dos investidores. Esse retrocesso foi acelerado pela interrupção, em 2010, do processo negocial para revisão e aumento dos plafonds, que havia sido iniciado em 2009, junto da Comissão Europeia, o qual veio a ser retomado em 2011, com conclusão favorável em 2013. Também contribuiu para o agravamento desse retrocesso a revogação do benefício da isenção de dividendos aos sócios e acionistas das empresas licenciadas, benefício que, de acordo com a Comissão Europeia, não se encontrava sujeito a limitação temporal. O referido retrocesso foi reconhecido em 2012 pela Assembleia Legislativa da Madeira que, tomando as suas questões como causas e fundamentos, solicitou ao Governo da República a reabertura do processo negocial dos plafonds, no cumprimento dos deveres para-constitucionais que impendem sobre os órgãos de soberania para assegurarem a rentabilidade e competitividade internacional do CINM. Desse modo, em finais de 2014, encontravam-se licenciadas 1868 entidades, com a criação de cerca de 3000 empregos diretos, estando matriculadas 323 embarcações no MAR. Os capitais sociais agregados das entidades licenciadas ascendiam a 6,4 mil milhões de euros e os investimentos em infraestruturas e equipamentos na ZFI eram de 24 milhões de euros pela concessionária e de 200 milhões pelos utentes. José António Câmara (atualizado a 11.10.2016)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

bazenga, gil

O escultor Gil Bazenga formou-se em Artes Plásticas/Escultura no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, tendo frequentado antes Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto. Após uma estadia em Moçambique nos anos 60 e 70, regressou ao Funchal onde seguiria a carreira docente na Escola Secundária Francisco Franco como professor de Artes Visuais, desenvolvendo uma pesquisa e prática artística centrada na técnica da cerâmica. Participou em diversas exposições coletivas na Madeira, Continente e Açores, tendo deixado também obra pública no Funchal quer da sua autoria quer, em alguns casos, em pareceria com outros artistas. Uma retrospetiva inaugurada na Casa da Cultura de Santana, em 2011, constituiu-se como a mais completa mostra da sua produção artística. Palavras-Chave: Bazenga, escultura, cerâmica, arte pública, ensino das artes visuais. Gil França Bazenga nasceu em 1933, no Funchal, e faleceu em 2013. Nos anos 50, frequentou o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e nas décs. de 60 e 70 viveu em Moçambique, onde foi docente e onde dinamizou várias atividades culturais, destacando-se o desempenho na coordenação do Auditório e Galeria de Arte da Cidade da Beira e do Centro de Cultura e Arte da Beira. Em finais dos anos 70 regressa ao Funchal, onde conclui, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), o curso de Artes Plásticas, na sua variante de Escultura. Escultor de formação, Bazenga destacou-se também enquanto docente de Artes Visuais, tendo pertencido ao quadro de professores da Escola Secundária de Francisco Franco, no Funchal. Para além da sua atividade como docente, desenvolveu uma prática contínua especializada na área da cerâmica, explorando com rigor e criatividade diversas possibilidades técnicas desta linguagem. Neste contexto, foi um dos protagonistas da intensa movimentação cultural e artística ocorrida no Funchal nos anos 80, tendo participado em diversas exposições coletivas, das quais se destacam as mostras promovidas pelo ISAPM, a primeira das quais na própria galeria do ISAPM, em 1981; outra no Museu de Arte Sacra do Funchal, em 1983; e outras duas novamente na galeria do ISAPM, nos anos 1984 e 1989. Ainda em 1982, fez parte da Exposição de Artistas Madeirenses que teve lugar no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias; uma mostra de pintura, escultura e cerâmica onde Gil Bazenga partilhou o espaço com a pintora Alice Sousa e o escultor Franco Fernandes, colegas que o acompanharam ao longo da sua carreira, expondo em conjunto e realizando trabalhos em coautoria. São de salientar ainda outras coletivas desta década: a exposição na galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), com Alice Sousa e Luís Amado, em 1985; a coletiva itinerante ISAPM/85 – 30 Anos do Ensino Superior Artístico na Madeira, do mesmo ano; a Exposição Colectiva de Artes Plásticas patente na Escola Secundária Francisco Franco; e a I Mostra da Circul’Arte – Associação de Artistas Plásticos da Madeira, integrada na Feira de Arte Marca Madeira 87, no Teatro Municipal Baltazar Dias. Fora da Região, Gil Bazenga mostrou o seu trabalho na coletiva 24 Artistas Madeirenses nos Açores, na cidade de Ponta Delgada, em 1983; na coletiva Panorâmica – Arte & Cultura, na Galeria do Casino Estoril, em 1985; e na exposição Olhares Atlânticos – Mostra de artes da Madeira, realizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, em 1991. Para além da criação de objetos cerâmicos, quer numa versão mais experimental e escultórica, quer numa versão mais tradicional, de que são exemplos objetos como pratos ou potes, o escultor realizou também esculturas de parede e pequenos painéis cerâmicos. No que diz respeito a obras de maior envergadura, patentes em espaços públicos, destaca-se o painel cerâmico do Mercado da Penteada, no Funchal, realizado em coautoria com Celso Caires, em 1988. Este painel é composto por um conjunto de azulejos desenhados por Caires, acompanhados por um conjunto de peças quadrangulares em volume, texturizadas e sem figuração, da responsabilidade de Bazenga. Trata-se de uma composição dinâmica e ao mesmo tempo equilibrada, que 30 anos mais tarde se encontrava em bom estado de conservação. Outra peça de relevo, também criada em coautoria, desta vez com o escultor Franco Fernandes, é o painel de título Água Viva, realizado em 1993, que se encontra nas instalações do Clube Naval do Funchal. Neste caso, foi realizada uma composição à volta da representação do nu feminino de carácter mitológico, acompanhado por desenvolvimentos abstratizantes de rico colorido e inspiração orgânica, elementos característicos dos trabalhos do autor que assina a pintura deste painel (fig. 1). Podem ser encontradas outras intervenções do escultor em espaços visitáveis, nomeadamente no interior da Escola Secundária Francisco Franco, no Colégio de Santa Teresinha e no Hotel Éden Mar. Para espaços exteriores, Bazenga executou um painel para o antigo Complexo Balnear do Lido, o qual, após remodelação, foi retirado. Ainda nos anos 90, o autor participou em várias mostras no Funchal, expondo novamente com Alice Sousa, na Galeria da SRTC (1991); com Marcos Milewsky, no mesmo espaço (1995); na coletiva Marca Madeira/97; no Madeira Tecnopolo (1997); e na coletiva Na Torre do Tempo, na Galeria de Arte Francisco Franco (1999). Já entrado o novo século, voltou a expor com Alice Sousa numa mostra intitulada À Tarde, em Frente, na Galeria de Arte Francisco Franco (2002). Em 2012, foi organizada uma exposição retrospetiva intitulada Cerâmica. Magia do Fogo. Retrospetiva na Casa de Cultura de Santana. Nesta mostra, a única individual apurada por esta investigação, pôde ser vista a diversidade de experiências realizadas e os diferentes tipos de objetos criados por Gil Bazenga, destacando-se uma clara influência estética com raízes num modernismo de carácter orgânico e abstratizante, onde se salienta uma forte presença de um cromatismo brilhante e de fortes contrastes, compensado por algumas peças de pendor mais térreo e brutalista.   Carlos Valente (atualizado a 10.10.2016)

Artes e Design História da Arte História da Educação Personalidades

azevedo, antónio bon de sousa schiappa de

Regente florestal de formação, desempenhou importantes funções silvícolas no distrito do Funchal nos finais do séc. XIX e início do séc. XX. Nasceu em Lisboa em 1870, no seio de uma família distinta, sendo o seu avô materno o Ten.-Gen. Pedro Paulo Ferreira de Sousa, primeiro barão de Pernes. Foi para a ilha da Madeira em finais do séc. XIX, onde casou com uma madeirense, filha de José António de Almada, passando a viver no Funchal. Desempenhou um importante papel na área florestal, tanto na ilha da Madeira como na ilha do Porto Santo. Na primeira, foi responsável pela preservação das manchas de floresta natural que se encontravam ameaçadas na época; na segunda, foi responsável pelos primeiros trabalhos de reflorestação daquele espaço, que estava há séculos desprovido de um coberto florestal. Fruto da riqueza existente na floresta indígena da Madeira e do Porto Santo, iniciou-se, após a descoberta destas ilhas, um processo de delapidação do coberto florestal existente com os objetivos de exploração de madeira e carvão, implementação de áreas agrícolas e constituição de pasto para os animais que, de forma asselvajada e desregrada, se alimentavam em zonas serranas. Deste modo, o coberto florestal indígena foi bastante afetado e delapidado na ilha da Madeira, chegando mesmo a desaparecer na ilha do Porto Santo. A falta de técnicos e de pessoas conhecedoras da flora e da floresta madeirense, bem como das consequências da sua devastação, fez com que esta situação se perpetuasse e agravasse durante séculos. A situação na ilha do Porto Santo ainda era mais grave, piorando consideravelmente em meados do séc. XVIII e levando quase à completa desertificação da Ilha. O conhecimento e os principais estudos sobre a floresta madeirense pertenciam, nessa época, a naturalistas estrangeiros que, por diversos motivos, passavam na Madeira ou iam até esse arquipélago atraídos pela riqueza da sua flora e fauna e dos inúmeros endemismos existentes. Segundo Rui Carita, os naturalistas estrangeiros que mais se evidenciaram na época com trabalhos de divulgação da fauna e flora desse território foram o reverendo inglês Thomas Lowe, que preparou os álbuns com que a Madeira participou na célebre exposição internacional de Londres, em 1851, e que forneceu as informações a Charles Darwin, e o padre alemão Ernesto Schmitz, que, tendo-se radicado no Funchal em 1874, depois se naturalizou português e foi o fundador do primeiro museu de história natural da Madeira. A crescente importância que a floresta ia adquirindo, assente no seu papel imprescindível na captação da água, quer de regra, quer de consumo, e na sustentação dos solos, levou, desde os meados do séc. XIX, à criação de departamentos governamentais que se debruçaram sobre os trabalhos de reflorestação e preservação da floresta das ilhas da Madeira e Porto Santo. Nos finais desse século, a Madeira passou a possuir técnicos portugueses habilitados nessa área, sendo o mais notável o regente florestal António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo, que focou a sua ação principalmente na ilha do Porto Santo. A erosão e desertificação nesta ilha era de tal forma grave que Schiappa de Azedo, escolhendo o cume do pico Castelo para iniciar, em 1921, o seu trabalho de reflorestação, teve que armar o terreno e constituir muretes em pedra para suporte e sustentação da pouca terra que existia na encosta, conseguindo assim solo e condições para plantar árvores. Tratou-se de uma obra notável, visível no terço superior da encosta do pico. Para este trabalho, Schiappa de Azevedo utilizou nas suas plantações essencialmente o Cupressus macrocarpa e o Pinus radiata. Após a sua morte, o seu trabalho foi continuado, tendo-se arborizado a parte alta do pico Castelo utilizando a metodologia de plantação por si desenvolvida. Na ilha da Madeira, os frondosos Cupressus macrocarpa que se encontram na ribeira das Cales junto àquela que se tornaria a estrada regional n.º 103 foram mandados plantar também por Schiappa de Azevedo, tendo infelizmente algumas destas árvores sido afetadas de forma irreversível pelo grande incêndio de 2010, que devastou toda aquela zona. António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo possui uma estátua com o seu busto no pico Castelo em homenagem ao trabalho efetuado no combate à desertificação e à reflorestação naquela ilha. A estátua foi inaugurada em julho de 1957. Fig. 1 – Fotografia do busto de Schiappa de Azevedo existente no cimo do pico Castelo no Porto Santo. Fotografia de Manuel António Filipe.   António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo faleceu no Funchal a 17 de dezembro de 1926.   Manuel António Marques Madama de Sousa Filipe (atualizado a 10.10.2016)

Biologia Terrestre Botânica Ecologia

associações católicas

O direito de associação é um direito próprio do ser humano, reconhecido desde sempre. O facto de o homem se poder associar com outros para alcançar determinados objetivos ou finalidades em vista da sua realização pessoal e comunitária é algo inalienável, que não pode ser eliminado por nenhuma entidade humana. Tanto os filósofos como os teólogos e os juristas têm defendido esse direito da pessoa humana. O magistério pontifício sempre reivindicou para o cidadão o direito de fundar e pertencer a associações no campo civil, social, profissional e religioso. Assim o fizeram Leão XIII (na Rerum Novarum, de 15/05/1891), Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI, e Francisco. Na Exortação Apostólica Christifideles Laici, o Papa João Paulo II refere-se “às formas agregativas de participação”, falando de “uma nova era agregativa” dos fiéis leigos: “ao lado do associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicado” (n.º 29). Muitas outras intervenções deste Papa (em particular no congresso mundial dos movimentos eclesiais, em 1998) demonstram o seu interesse pela promoção da vocação laical e das associações de fiéis. O Papa Francisco, ao receber os participantes de um congresso, afirmou: “Caros irmãos e irmãs, vós trouxestes já muitos frutos à Igreja e ao mundo inteiro, mas trareis outros ainda maiores com a ajuda do Espírito Santo, que sempre suscita e renova dons e carismas, e com a intercessão de Maria, que não cessa de socorrer e acompanhar os seus filhos. Ide para a frente: sempre em movimento. […] Não pareis! Sempre em movimento!” (FRANCISCO, 2014). A formulação jurídica do direito de associação como fundamental não existe no Catecismo da Igreja Católica (CIC) de 1917. Só a encontramos no Código de Direito Canónico (CDC) de 1983, por influência da doutrina e do Concílio Vaticano II, com o contributo anterior de numerosos estudiosos canonistas e teólogos. A limitação do primeiro Código não é tanto a falta de reconhecimento do direito de associação, mas sobretudo a sua não explícita afirmação e o não encorajamento do fenómeno associativo. A nível eclesial, sempre houve movimentos e associações, como comprova a vida e a evangelização da Igreja. Na Constituição da República Portuguesa encontramos vários artigos que caracterizam o fenómeno associativo como um direito fundamental do cidadão português: 46.º, 51.º, 247.º, 253.º, 270.º. O n.º 1 do artigo 46.º é explícito na proteção e defesa do direito de associação: “Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respetivos fins não sejam contrários à lei penal”. Depois dos cânones sobre as associações de fiéis em geral (cc. 684-699), o título ´XIX do CDC de 1917 regulamenta as associações de fiéis em particular (cc. 700-725) com estes tipos: Ordens Terceiras Seculares (cc. 702-706), que são associações approbatae; Confrarias (cc. 707-719), que podem ser constituídas só por formal ereção de decreto (can. 708); Pias Uniões, para as quais é suficiente a aprovação e que também podem ser eretas (can. 708); e ainda Arquiconfrarias e Uniões Primárias. (cc. 720-725). Quanto à aprovação, o CDC de 1917 prevê dois tipos de associações: as associações eclesiásticas, eretas e dirigidas pela autoridade eclesiástica e que adquirem personalidade jurídica; e as associações laicais, dirigidas por leigos, as quais podem ser probatae ou laudatae pela autoridade eclesiástica. Estas não têm o seu ser da autoridade eclesiástica, não são governadas por ela, e portanto não podem chamar-se erectae com personalidade jurídica. Nem sequer têm os seus estatutos e a sua organização interna aprovados por tal autoridade. São dirigidas por leigos, segundo os estatutos; são laicais, não eclesiásticas. Assim, ser associação “laical” não significava que os seus membros fossem só leigos, mas sim que a mesma não tinha sido ereta pela autoridade eclesiástica ou que não tinha sido aprovada juridicamente por esta. Tratava-se de associações constituídas por fiéis por sua própria iniciativa, e por eles governadas para fins espirituais ou caritativos. Mas estas associações não estavam fora da vigilância do Bispo: embora ele não as pudesse governar, olhava pela fé e bons costumes das mesmas. O CDC de 1917 considerava só as associações eclesiásticas, enquanto sujeito típico de direitos e de deveres no ordenamento jurídico eclesiástico, não se ocupando das associações laicais enquanto tal. Eram elas: as associações louvadas, de natureza privada (a autoridade eclesiástica limitava-se a louvar o fim da associação); as associações aprovadas, que entravam na estrutura organizativa da Igreja, mas sem possuir a personalidade jurídica; e as associações eretas, que entravam na estrutura organizativa da Igreja com a atribuição da personalidade jurídica depois da ereção formal. O fenómeno associativo na Igreja foi referido em alguns documentos do Concílio Vaticano II. Veja-se, por exemplo Apostolicam Actuositatem para o direito de associação dos leigos, e Presbyterorum ordinis para o direito de associação dos presbíteros. “A liberdade associativa dos fiéis não é uma espécie de concessão da autoridade, mas brota do Batismo, sacramento que convoca os fiéis leigos à comunhão e missão na Igreja” (Lumen Gentium, n.º 37). O Vaticano II delineou o contexto onde se deve situar o fenómeno associativo e apresentou o seu fundamento eclesiológico: o direito de associação dos fiéis, como modalidade típica de participação na única missão da Igreja. “Na Igreja, a diversidade de ministérios, mas unidade de missão” (Apostolicam ctuositatem, n.º 2); a distinção de ministérios, na única missão, em razão da sua condição ontológico-sacramental. O Concílio não emite uma qualificação jurídica das associações, pois essa não era a sua intenção e função. Descrevendo as várias relações das associações com a hierarquia, oferece uma interessante catalogação das associações nascidas da livre iniciativa dos fiéis: associações simplesmente constituídas por leigos, associações louvadas ou recomendadas, associações explicitamente reconhecidas, associações electas et particulari modo promotae. No fenómeno associativo e nas suas várias manifestações (grupos, agregações, movimentos, comunidades, pias uniões, confrarias, ordens terceiras, institutos, etc.), manifesta-se uma peculiar realização da comunhão eclesial: “Portanto, o apostolado em associação responde com fidelidade à exigência humana e cristã dos fiéis e é, ao mesmo tempo, sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo. [...] O apostolado associativo é de grande importância também porque, nas comunidades eclesiais e nos vários meios, o apostolado exige com frequência ser realizado mediante a ação comum. As associações criadas para a ação apostólica comum fortalecem os seus membros e formam-nos para o apostolado. [...] É absolutamente necessário que se robusteça a forma associada e organizada do apostolado no campo de atividades dos leigos” (Apostolicam Actuositatem, n.º 18). Analisando esta problemática à luz do CDC de 1983, pode-se concluir que o can. 215 é fundamental para a formulação jurídica do direito de associação e do direito de reunião na Igreja. Este cânon, que provém do esquema da Lex Ecclesiae Fundamentalis, entretanto não promulgado, configura este direito e confere-lhe uma grande relevância. “Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou para fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos fins” (can. 215). O texto latino não emprega o termo “ius”, mas a expressão “integrum est” (SISTACH, 2012, 509). A liberdade dos fiéis no governo das associações privadas é muito ampla, enquanto nas associações públicas é mais limitada. O can. 299 estabelece que os fiéis têm direito, mediante um acordo privado entre eles, de constituir associações privadas. A causa eficiente desta realidade associativa é a vontade dos fiéis que se associam. O legislador começa por ressalvar que os institutos de vida consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica são de outro género, não sendo consideradas associações. Estes Institutos e Sociedades têm normas próprias (cc. 573-746). As normas consagradas às Associações estão legisladas nos cc. 298-329, na seguinte ordem: can. 298, §1 – associações no interior da Igreja para promoverem finalidades próprias da Igreja; cc. 298-312 – normas comuns para todos os tipos de associações; cc. 312-320: normas sobre as associações públicas de fiéis; cc. 321-326 – normas sobre as associações privadas; cc. 327-329 – normas para as associações de leigos. As finalidades das associações são: fomentar uma vida mais perfeita, promover o culto público ou a doutrina cristã, ou outras obras de apostolado, promover o trabalho da evangelização, exercício de obras de piedade ou de caridade, informar a ordem temporal com o espírito cristão. Podem ser membros destas associações todos os fiéis, clérigos, ou leigos, ou clérigos e leigos. Consoante o tipo dos seus membros, podem ser distinguidas: as associações clericais que, sob a direção de clérigos, assumem o exercício da ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente (can. 302); as associações religiosas, que vivem a espiritualidade de um Instituto Religioso e tendem à perfeição cristã, tomando o nome de Ordens Terceiras ou de Associações (can. 303; e ainda as associações laicais, que são formadas por leigos, com as finalidades do can. 298. Devem cooperar com outras associações de fiéis na pastoral, e preparar devidamente os leigos (cc. 327-329). As associações não clericais podem ser presididas por leigos (can. 317, §3). Quando o Bispo dá o seu consentimento por escrito para a ereção de uma casa religiosa, o mesmo vale para a ereção, na mesma casa ou na igreja a esta anexa, de uma associação própria do Instituto (cc. 317, §2; 312, §2). As associações que foram constituídas por privilégio apostólico podem entrar numa Diocese, desde que recebam o consentimento escrito do Bispo diocesano (can.312 §2). Estas associações devem cooperar com as obras de apostolado existentes na diocese, sob a vigilância Ordinário do Lugar (can. 311). Qualquer associação pública ou privada tem de possuir os seus estatutos (can. 94) nos quais se determinam: o nome da associação; o fim ou objetivo da associação; a sede; o governo; o património; as condições de ingresso e pertença; o modo de agir, tendo em conta o meio em que trabalham (can. 304). Todas estas associações devem ser acompanhadas espiritualmente por um Assistente, normalmente presbítero, nomeado pela autoridade eclesiástica competente (cc. 317, §§1-3; 324, §2). A capacidade jurídica das associações está definida no CDC, nos respetivos Estatutos, e nas normas de direito particular e direito próprio. Elas podem intervir eclesial e socialmente, e administrar bens (cc. 319; 325). A supressão das associações deve realizar-se de acordo com o CDC (cc. 320, 326), os Estatutos, e as normas de direito particular e direito próprio. O CDC usa a distinção entre associações públicas e associações privadas, embora na linguagem corrente tenhamos outras denominações: confraria, irmandade, ordem terceira, fraternidade, grupo, movimento, etc. As associações públicas são eretas pela autoridade eclesiástica, para conseguir alguns fins reservados natura sua à hierarquia e outros fins que não tenham sido conseguidos pela iniciativa privada; são constituídas ipso iure pessoas jurídicas públicas e agem nomine Ecclesiae, sob a superior direção da autoridade eclesiástica (can. 116). Todas as suas ações abrangem a autoridade eclesiástica, supondo uma relação de quase identificação com ela. Uma associação não é pública porque tem um fim geral eclesial, porque teve um reconhecimento da autoridade eclesiástica, porque tem um carácter de internacionalidade, mas porque entra a fazer parte da estrutura Hierárquica da Igreja, conseguindo fins propriamente institucionais, como estabelece o can. 301, §1. As relações com a hierarquia – Santa Sé, conferência episcopal, bispo diocesano –estão definidas nos cc. 322 e 312, §1. As associações privadas são constituídas por fiéis mediante acordos privados para conseguir fins espirituais, e no can. 298 prevê-se que a sua atividade se desenvolva sob a sua direção e moderação; podem adquirir personalidade jurídica privada. O conceito “privado” não significa, portanto, “sem importância eclesial”. O critério que distingue associações públicas e associações privadas é dado pelo concurso do critério subjetivo e do critério objetivo: o sujeito da constituição das associações e a sua finalidade específica. As associações e os movimentos não podem descurar a comunhão eclesial: “É sempre na perspetival da comunhão e da missão da Igreja e não em contraste com a liberdade associativa, que se compreende a necessidade de claros e precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das associações laicais, também chamados ‘critérios de eclesialidade’” (JOÃO PAULO II, 1988, n.º 30). Os movimentos e associações devem assim seguir critérios de eclesialidade que os introduzam na esfera da comunhão eclesial. Devem ter, pois, a responsabilidade em professar a fé católica. Com efeito, uma clara adesão à doutrina da fé católica e ao magistério da Igreja, que a interpreta e a proclama, é sem dúvida condição indispensável para que uma realidade possa existir como tal na Igreja. Também é necessário encontrar um equilíbrio entre dimensão pessoal e comunitária, entre a pertença à Igreja e a pertença ao grupo, entre empenho de oração e coerência de vida, entre valorização da vocação específica dos leigos e reconhecimento da função eclesial da hierarquia, entre autonomia de vida e atividade de grupo. Outro ponto a ter em conta é a conformidade com as finalidades da Igreja. De facto, desempenham atividades conforme à finalidade da Igreja – ou seja à evangelização – todas aquelas associações que se propõem fins espirituais, religiosos, formativos, pastorais, obras de piedade, de caridade, de misericórdia. A comunhão com os Pastores também é importante. A vontade de uma plena comunhão com o Papa, centro perpétuo e visível da unidade da Igreja universal, e com o bispo, “princípio visível e fundamento da unidade da Igreja particular” (Lumen Gentium 22) traduz-se concretamente na disponibilidade em acolher: os princípios doutrinais e orientações pastorais do bispo da diocese; a sua ação de coordenação pastoral que tem em vista harmonizar a atividade dos fiéis e a conjugá-la com o bem comum da Igreja; a sua presença através de um presbítero; o reconhecimento da legítima pluralidade das formas associativas na Igreja. Pede-se de cada associação uma atitude de respeito, de estima e de abertura em relação aos outros grupos e movimentos; e tal atitude demonstra-se verdadeira se se traduz numa disponibilidade real, no respeito pelos outros, sem constituir uma “capelinha” ou um grupo fechado, e na disponibilidade em colaborar com outras associações. Por último refira-se que o direito canónico de 1983 também prevê os “frutos espirituais” como objetivo a atingir pelas associações e os movimentos. Frutos espirituais são aqueles elementos de relevo sobrenatural que acompanham, a uma certa distância de tempo, a obra de uma associação, movimento, grupo, etc. e representam, em certo sentido, a contraprova dos autênticos dinamismos espirituais que neles e através deles se exprimem: a oração, o estilo de pobreza, a caridade, o florescimento de vocações, a coragem da evangelização (catequese, programas de pastoral) e a identificação com o carisma instituto de vida consagrada. De acordo com o can. 312, as associações eclesiais em Portugal são eretas e/ou aprovadas pelo bispo diocesano ou pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), de acordo com a sua natureza. Isto não impede que associações portuguesas possam pedir à Santa Sé a sua aprovação como internacionais e/ou mundiais. Nesse caso, terá de haver documentação e pareceres que apoiem a solicitação. A CEP publicou alguns decretos sobre as normas gerais das associações de fiéis e sobre o estatuto canónico das Misericórdias. A Comissão Episcopal do Laicado e da Família assume responsabilidades pastorais na promoção e coordenação do apostolado das associações e movimentos. A nível diocesano, há também os secretariados e/ou comissões, conforme a decisão do respetivo Bispo.  A nível nacional existe uma estrutura de comunhão e de unidade das diversas associações de fiéis, movimentos eclesiais e novas comunidades de apostolado dos leigos, com a designação de Conferência Nacional das Associações de Apostolado dos Leigos. Trata-se de uma pessoa coletiva privada canónica, com estatutos próprios, aprovados pela CEP a 5 de maio de 2011. As suas finalidades principais são: comunhão entre os seus membros, discernimento cristão das realidades contemporâneas, maior unidade de espírito e de ação. Uma lista pormenorizada das associações existentes em cada Diocese encontra-se no Anuário Católico de Portugal. Focando a atenção na Diocese do Funchal, pode dizer-se que, ao longo da sua história de 500 anos, há inúmeras páginas recheadas de labor apostólico das suas associações: confrarias, irmandades, associações de diverso tipo e movimentos. Sobretudo após o Concílio Vaticano II, os Bispos diocesanos incentivaram o apostolado laical organizado, de modo que os leigos pudessem corresponder à sua vocação e missão. Neste contexto, serão feitas algumas notas sobre o pontificado de D. Francisco Santana, Bispo diocesano de 1974 a 1982, cuja ação foi muito relevante no incentivo e na promoção das associações de fiéis leigos na Madeira, destacando os principais momentos e acontecimentos deste processo. Poucos meses depois da sua entrada solene na Diocese, D. Francisco convocou o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos, “constituído por quantos, acedendo ao Decreto conciliar sobre o apostolado dos leigos (v. nº 26) e aos apelos do Santo Padre Paulo VI (v. motu proprio de 6 janeiro 1967) receberam e aceitem o convite para colaborarem por esta forma, na dinamização e trabalho pastoral da Igreja diocesana” (CDAL, 1.ª reunião). Seguiu-se o decreto de criação do Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos. As três primeiras páginas contêm uma reflexão sobre o mistério da Igreja, em que o bispo discorre sobre os carismas: “O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvadora da Igreja e são especialmente chamados a torná-la presente e ativa, para que seja o ‘sal da terra’. Deste modo, todo e qualquer leigo é, ao mesmo tempo, testemunha e instrumento vivo da missão própria da Igreja” (CDAL, 1.ª reunião, dec., p. 2). E prossegue: “Os leigos da Igreja devem ter consciência, da função utópica (cf. Ernst Bloch) da fé cristã que nada tem de alienante do homem e da atividade humana, mesmo quando intimamente e conscientemente unidos à hierarquia estabelecida pelos Apóstolos segundo a vontade de Cristo e seguindo as práticas religiosas por Cristo instituídas” (Id., Ibid., p. 3). Considera o prelado diocesano que, após vários meses de estudo da comissão preparatória dos documentos conciliares e da situação real da Igreja diocesana, e com base no motu proprio de Paulo VI de 6 de janeiro de 1967 (I e III, 9), e na carta enviada à Diocese pelo Santo Padre em 14 de junho de 1974, é altura de declarar instituído o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos. Determina ainda “nomear para este Conselho, e por um período de dois anos, se antes nada for determinado em contrário, os leigos adultos e jovens, apresentados pelas diversas Associações e Movimentos católicos e ainda pelas Paróquias, cujos nomes constam de um elenco anexo a este decreto” […] e entende “Determinar que todas as Obras, Movimentos, Associações ou Grupos de leigos, quer sejam de âmbito diocesano, ou mesmo nacional ou internacional enquanto atuarem na Diocese, ou regional, paroquial ou de área menor, reconheçam o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos como superior na escala hierárquica e como elo de ligação entre si e com o Conselho de Pastoral (a instituir-se), com o Conselho Presbiteral e com o Bispo da Diocese”, bem como “recomendar a urgência de serem convenientemente instituídos, em todas as Paróquias da Diocese, com a colaboração dos respetivos Vigários, os Conselhos paroquiais (CoPar), cujo financiamento se deve articular com este Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos” (Id., Ibid., p. 4). A 24 novembro 1974, tem lugar uma reunião com vários pontos de relevo, como: o decreto de criação do Conselho, apresentação dos membros do Conselho, comentário à alocução do Santo Padre de 02/10/1974, relativa ao papel dos leigos, discussão sobre o funcionamento do Conselho, escolha dos membros do Secretariado, síntese e discussão das respostas ao questionário enviado. Nos apontamentos redigidos à mão por D. Francisco Santana, podemos ler: “Não é uma simples reunião de alguns leigos, não é uma organização ou uma associação que se pretende criar, mas é um Conselho diocesano. Chamo a atenção, desde já, para esta palavra ‘Conselho’ que deve orientar todos os nossos pontos de vista e todo o nosso trabalho. É um Conselho da Diocese” (CDAL, 1.ª reunião, s.p.). A documentação da Comissão Preparatória do Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos, cuja primeira reunião teve lugar nos dias 15 e 16 de junho de 1974, menciona que os seus membros são sete. “Foi uma Assembleia de cristãos da Diocese, no Seminário Maior, que teve como tema de reflexão: ‘As carências de apostolado e a oportunidade de ereção do Conselho diocesano do apostolado dos leigos’. Estiveram presentes cerca de 180 católicos responsáveis, integrados ou não em organizações e movimentos católicos. Concluiu ser oportuna e necessária a criação do ‘Conselho’, tendo eleito uma Comissão preparatória de 7 pessoas. Neste encontro, o médico Dr. Luciano Castanheira fez uma intervenção sobre o decreto Apostolicam Actuositatem do Concílio Vaticano II.” Esta Comissão passou a reunir-se mensalmente. A 8 de agosto de 1974, fez circular o primeiro documento, contendo as bases para a constituição do Conselho diocesano do apostolado dos leigos e pedindo sugestões. O segundo documento é escrito com base nessas críticas e sugestões, que não foram tantas como se esperava (reunião da C.P., 24 novembro 1974, CDAL, 1.ª reunião). Os leigos são envolvidos na organização da Jornada Eucarística Diocesana de 17 junho 1976, com procissão desde o Estádio dos Barreiros até à Sé. Nos anos seguintes repete-se esta efeméride, assim como outras iniciativas do apostolado dos leigos. Destaque-se ainda o documento-base sobre os CoPar, que representou outro impulso para o envolvimento dos leigos na vida eclesial. “Os Conselhos paroquiais são um órgão de pastoral, ordenado para despertar o espírito missionário da Paróquia, por forma a que todos se sintam membros corresponsáveis na comunidade paroquial». Possíveis atividades para estes Conselhos: liturgia, catequese, cultura religiosa, recoleções e retiros, formação humana e cristã da família, entreajuda fraterna, emigrantes, sentido do trabalho humano e condições da sua prestação, formação política social, meios de comunicação social, atividades recreativas e culturais, execução de trabalhos burocráticos” (CDAL, 1.ª reunião). A 22 de junho de 1975, tem lugar uma reunião do CDAL, destinada à análise do documento-base dos CoPar. Na ocasião, o bispo profere uma alocução acerca da missão da Igreja e do papel dos leigos. Entre 1975 e 1978, realizaram-se várias reuniões e assembleias do CDAL, que manifestam o dinamismo do apostolado laical; destaque-se a assembleia realizada em 1978, em que foram abordados os temas evangelização das paróquias madeirenses e a doutrina social da Igreja no contexto madeirense. De notar que, em várias ocasiões, houve jornadas de formação com oradores vindos de Lisboa, que discursaram sobre o papel dos leigos: Mário Pinto, Luís Marinho Antunes, outros (in CDAL, 1ª reunião). De 6 a 8 de dezembro de 1975, o CDAL organizou um Curso de preparação para os monitores dos CoPar. Daqui por diante irão suceder-se diversos encontros em vários lugares da Diocese, a fim de lançar os CoPar. Arciprestado do Porto Moniz (março e abril de 1976); Arciprestado do Funchal-suburbano (julho de 1976); Arciprestado do Funchal-centro e do Funchal-suburbano (julho de 1976; Paróquia da Nazaré (abril de 1976). Os novos CoPar foram constituídos, com aprovação dos nomes, sob proposta dos Párocos (anos 1976, 1977, ss). Existem atas das reuniões dos padres dos Arciprestados acerca do documento “Conselhos Paroquiais”. Para concluir esta nota sobre o papel de D. Francisco Santana na promoção do associativismo laical, refira-se a criação do Movimento Jovens Cristãos da Madeira, que dará um grande impulso à pastoral juvenil, orientando os jovens para a vida cristã, no meio de uma sociedade em grande alvoroço social e político, pouco tempo depois da revolução de 25 de Abril de 1974. No pontificado de D. Teodoro de Faria, o empenhamento dos leigos em vida associativa prosseguiu, pautando-se por caraterísticas próprias. Saliente-se, por exemplo, o congresso de pastoral juvenil de 1986. Um texto de D. Teodoro de Faria, “Os jovens e o futuro da nossa terra” (s.d.), analisa as diversas gerações de fiéis, a fé, a Igreja, a família, a escola, o ensino na UCP, afirmando o primado dos valores espirituais. O congresso foi preparado em diversas fases; a terceira realização foi de 17 a 20 de julho, estando os primeiros dias reservados aos delegados e o último aberto à participação de todos os jovens e familiares. António Carrilho, Bispo diocesano desde 2007, procurou fomentar o apostolado laical, na continuidade dos seus predecessores, com as suas visitas pastorais, agendamento de jornadas diocesanas do apostolado dos leigos, apoio a diversas atividades. As associações na Igreja não se justificam só pela inúmeras vantagens que comporta a ação associada pelo apostolado, mas porque sublinham uma exigência conatural à Igreja e ao ser cristão, a de ser comunhão a todos os níveis e aproveitar todas as oportunidades para construir comunidade. O fenómeno associativo na Igreja só tem sentido quando, consciente dos seus carismas, contribui para o anúncio do Evangelho, incrementa a unidade e a reconciliação e é capaz de ver a Igreja numa perspetiva católica. Os movimentos e associações eclesiais são formas privilegiadas de realizar uma vocação na Igreja, revitalizando a consciência batismal, aprofundando o apelo à santidade que a todos é dirigido e ajudando a configurar caminhos de vida e espiritualidades ao serviço de uma identidade cristã e do crescimento do Reino de Deus. Mas não são a única forma de concretizar a vocação cristã. Por outro lado, há aspetos negativos da experiência das associações e dos movimentos. Os movimentos colhem geralmente um aspeto do Evangelho com a sua espiritualidade. O risco reside nas leituras parciais do Evangelho, na fixação numa mentalidade teológica fechada, na não aceitação dos membros da hierarquia consoante as sensibilidades, na absolutização da própria experiência, entre outros. Evolução histórica das associações e movimentos da Diocese do Funchal (1989-2015): - 1989 (PEREIRA, 1989, II, 412): Ação Católica, Jovens Cristãos da Madeira, Movimento dos Estudantes Católicos Madeirenses, Corpo Nacional de Escutas, Movimento Esperança e Vida, Movimento de Educadores Católicos, Associação Católica Internacional a serviço da Juventude Feminina, Legião de Maria, Associação Católica de Enfermagem e Profissionais de Saúde, Cursos de Cristandade, Obra de Santa Zita, Equipas de Casais de Nossa Senhora, Centro de Preparação para o Matrimónio, Escola de Pais, Movimento de Defesa da Vida, Congregação de Nossa Senhora e Filhas de Santa Maria, Ordem Terceira de S. Francisco de Assis, Conferências de S. Vicente de Paulo, Obra de S. Francisco de Sales, Damas da Caridade, Lactário de Assistência a Crianças fracas, Escola-Creche de Santa Clara, Patronato de Nossa Senhora das Dores, Abrigo de Nossa Senhora de Fátima, Casa do Gaiato do Padre Américo, Associação dos Cooperadores Salesianos. - 2007 (elenco da Agência Ecclesia): Ação Católica dos Meios Independentes (ACI); Ação Católica Rural; Ação Católica dos Enfermeiros e Profissionais de Saúde; Associação dos Cooperadores Salesianos; Associação Portuguesa dos Centros de Preparação para o Matrimónio; Associação de Professores Católicos; Convívios Fraternos; Corpo Nacional de Escutas; Cursos de Cristandade; Equipas de Nossa Senhora; Legião de Maria; Liga Eucarística; Liga Operária Católica; Movimento de Apoio à Grávida; Movimento de Apostolado das Crianças (MAC); Movimento dos Jovens Cristãos da Madeira; Movimento dos Estudantes Católicos Madeirenses; Movimento da Mensagem de Fátima; Movimento dos Educadores Católicos; Movimento Esperança e Vida (MEV); Caminho Neocatecumenal; Obra de Santa Zita; Renovamento Carismático; Sociedade de São Vicente de Paulo; Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina; Equipas Jovens de Nossa Senhora; Filhas de Maria; Movimento de Defesa da Vida; Movimento dos Trabalhadores Cristãos; Oficinas de Oração e Vida; Movimento dos Focolares e Movimento Apostólico de Schoenstatt. Há ainda os Institutos Seculares, a Companhia Missionária do Coração de Jesus, os Cooperadoras da Família (Obra de Santa Zita) e as Servas do Apostolado. - 2015 (informação facultada pela Diocese do Funchal): Movimentos ligados à vida consagrada: Maria Rivier (Irmãs da Apresentação de Maria), Amigos da Irmã Wilson (Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias), Associação dos Cooperadores Salesianos, Damas da Caridade de S. Vicente de Paulo, Associação de São Vicente de Paulo, Ordem Franciscana Secular, Ordem Terceira do Carmo, Movimento por um Lar cristão (Obra de Santa Zita), Movimento de Apoio à Grávida, Juventude Dehoniana, Juventude Hospitaleira, Juventude Mariana Vicentina, Juventude Salesiana, Casais da Verbum Dei. Movimentos de Leigos: Associação Católica Independente, Ação Católica Rural, Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina, Equipas Jovens de Nossa Senhora, Equipas de Nossa Senhora, Legião de Maria, Liga Operária Católica, Filhas de Maria, Movimento Esperança e Vida, Cursos de Cristandade, Renovamento carismático, Oficinas de Oração, Jovens Cristãos da Madeira, Convívios fraternos, Corpo Nacional de Escutas (CNE), Movimento de Estudantes Católicos Madeirenses (MECM), Movimento Apostólico de de Schoenstat, Movimento Mensagem de Fátima.    M. Saturino da Costa Gomes (atualizado a 04.10.2016)

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