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saraiva, d. joão antónio da silva

Nasceu a 20 de setembro de 1924, em Seia, e era filho de João dos Santos Saraiva e de Isabel Mendes da Silva. Do seu percurso académico destaca-se a licenciatura em filosofia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), em Roma, enquanto do seu percurso profissional se salientam os cargos de bispo titular de Mopta e auxiliar do arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro. Este conjunto de características fez dele um indivíduo pertencente à corrente que enforma a grande parte dos bispos do seu tempo. Assim, o facto de ter nascido em Seia coloca-o no ambiente que assistiu ao nascimento de boa parte dos bispos portugueses da altura, que eram, maioritariamente, originários dos distritos de Aveiro, Braga, Castelo Branco e Porto, ou seja, de localidades cuja religiosidade não se afasta da do seu distrito natal, a Guarda. A origem geográfica de D. João Saraiva é relevante na medida em que coincide com as zonas do país onde a catolicidade da população era mais intensa, o que se aferiu tendo em consideração o número de pessoas que frequentavam a missa. Uma nota discrepante encontra-se, porém, no facto de o prelado ser natural de uma zona urbana, por contraste com a esmagadora maioria dos bispos que exerceram funções entre 1910 e 1974 e que nasceram em localidades predominantemente rurais (88%). Outro fator a ter em conta na carreira de D. João Saraiva diz respeito à frequência da PUG, pela qual passaram 35% da totalidade dos 102 prelados que exerceram funções no período acima mencionado. Com efeito, ser aluno do dito estabelecimento de ensino, conhecido pelo seu “alto nível intelectual”, e entregue aos jesuítas, é um bom indicador no cursus honorum episcopal, tendo sido concebido como estratégia de “regeneração do clero português”, cujo estado de ignorância fora verberado por Leão XIII em encíclica que, a 14 de setembro de 1886, o papa dirigira ao clero nacional (MATOS, 1994, 333). Para remediar tal carência, o papa favoreceu a criação do Pontifício Colégio Português de Roma, a ser financiado em parte por bolsas de estudo, em parte pelas dioceses de onde os clérigos fossem oriundos. Este argumento, o económico, foi um dos vários apontados para justificar a pouca adesão dos jovens portugueses à saída do país para estudar, mas outros se lhe podem juntar. De entre estes, destaquem-se dois, sendo um o da carência de padres em território nacional, que impedia a licença para permanências longas no estrangeiro e outro a falta de vontade política, como aconteceu no caso do cardeal Cerejeira, que se mostrou relutante em autorizar as ausências de território nacional. Na realidade, esta postura era incentivada por Salazar, que temia os padres jovens “que vão a Roma estudar e de lá voltam com uma vontade louca de remexer na política” (Id., Ibid., 334). De qualquer modo, o convite para ser aluno da PUG ou de outra universidade eclesiástica pertencia sempre ao bispo da diocese de origem e era sempre sinal de distinção, correspondendo, igualmente, à indicação de que o estudante clérigo iria ser útil à igreja em Portugal. Entre os vários atributos importantes na ascensão ao estatuto episcopal conta-se o do exercício de cargos de direção em seminários, e este é um dos requisitos preenchidos por D. João Saraiva, que, ainda em Roma, se tornou vice-reitor do Pontifício Colégio Português, cumprindo, assim, aquele que era um elemento de peso no caminho para o episcopado. No que toca à interferência do governo do Estado Novo no processo de escolha dos bispos, sabe-se que, para Salazar “era importante ter uma palavra a dizer antes da nomeação dos bispos” (Id., Ibid., 359), pelo que o dito procedimento normalmente se inaugurava com uma nota do núncio apostólico em Lisboa, segundo as normas canónicas vigentes, a indagar a opinião do governo português sobre determinados nomes. Após essa notificação, dispunha o governo de um prazo de 30 dias para responder, sob pena de, não o fazendo, conceder o seu acordo tácito à proposta. A prova do interesse que o governo mantinha nesta questão é a que se conclui de o facto de nunca a indicação da nunciatura ter ficado por responder, sendo esta a confirmação de que os governantes portugueses não deixavam passar a oportunidade de se pronunciar. Obtida a concordância do governo, que se exprime pela utilização da fórmula de que não há “objeções” ou, segundo a versão expressa na concordata, de que não há “objeções de carater político geral”, o papa passa, então, a nomear o prelado em questão. Este procedimento é o que se tem de usar para prover lugares de bispo diocesano, mas já não é utilizado na nomeação de bispos auxiliares (embora fosse para os bispos coadjutores). De tudo isto se pode, pois, concluir que Roma se mantinha vigilante em relação ao que decorria nas dioceses portuguesas. Nesse lugar se encontrava o prelado quando, por determinação de Paulo VI, foi indigitado bispo da diocese do Funchal, tendo sido sagrado em Roma, na igreja de Santo António dos Portugueses, a 21 de novembro de 1965, mesmo no fim do Concílio Vaticano II (8/12/1965), e tomou posse do lugar, por procuração, a 23 do mesmo mês. A 16 de fevereiro de 1966, D. João Saraiva faz a entrada solene na diocese, sendo muito bem recebido não só por todas as autoridades, mas também por uma mole humana que enquadrou o cortejo episcopal desde a Pontinha até à igreja de S. João Evangelista, da qual passou à sé. No momento em que se dirigia aos seus diocesanos pela primeira vez, o bispo deixou claro que, apesar de estar ciente do interesse que todos teriam em conhecer o seu plano de trabalho, por enquanto, não podia ir além de “ver, observar e conhecer. O plano há-de nascer da própria vida” (PEREIRA, 1968, II, 459). Depois de algum tempo dedicado à perceção das grandes questões que o esperavam, meteu ombros à tarefa, que consistiu, sobretudo, na aplicação da doutrina e das orientações do muito recente Concílio Vaticano II à vida religiosa dos madeirenses. Sabendo-se que o concílio tinha insistido na renovação litúrgica, nomeadamente no uso do vernáculo a substituir o latim, e na renovação da catequese, muito havia a fazer nessa matéria, relativamente à qual é passível de se observar a intervenção episcopal, p. ex., nos cuidados prestados à formação sacerdotal. Neste âmbito, D. João Saraiva fez com que os alunos de teologia fossem para Lisboa frequentar a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, aberta em novembro de 1968, acompanhados pelo padre doutor Sidónio Gomes Peixe (Seminário). D. João teve uma grande ação na promoção das conferências eclesiásticas, destinadas aos sacerdotes de cada arciprestado, que se tornaram espaços de formação de um clero que urgia atualizar. Disto mesmo se regista testemunho em artigo da imprensa regional, que na passagem do primeiro ano do episcopado salientava que esse espaço de tempo tinha sido devotado, especialmente, às questões da formação de leigos e da formação sacerdotal. Através do Presbitério, órgão informativo da diocese que se publicou pela primeira vez em 1967, pode-se ficar a saber em que outras atividades se empregou D. João Saraiva, sempre com o intuito de adaptar a vida diocesana às novas exigências decorrentes do concílio: trabalhou na área da música e da arte sacras, pois a isso apelava o Vaticano II, quando reformava a liturgia; promoveu atividades extraescolares, para o que sensibilizou os professores primários dos diversos concelhos, através de encontros de pedagogia catequística; incentivou o escutismo, o desporto, a Ação Católica feminina e a Juventude Agrária feminina; regulamentou as novas possibilidades abertas pelo concílio e concernentes à transmissão radiofónica de cerimónias religiosas; e, finalmente, organizou o Secretariado diocesano da catequese, e reformulou a docência no seminário. Outra das vertentes em que D. João Saraiva investiu tempo e recursos foi a do início da construção de várias das igrejas paroquiais, que era mister edificar depois da profunda reforma operada pelo seu antecessor, o que redundara na criação de 51 novas circunscrições (Paróquias). Com todas estas múltiplas atividades se comprometeu D. João Saraiva durante o breve, mas intenso episcopado que protagonizou à frente dos destinos da diocese do Funchal, o qual terminou em 1972, ano em que foi nomeado bispo de Coimbra pelo papa Paulo VI, vindo a falecer subitamente aí, a 3 de abril de 1976.   Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 15.02.2018)

Religiões

provérbios e outros ditos populares

Não existindo nenhum dicionário de provérbios madeirenses, mas apenas algumas recolhas avulsas, este texto procura contribuir para um melhor conhecimento do património linguístico e cultural da Madeira. Pretende-se ainda participar na discussão sobre a questão colocada por Cabral do Nascimento, em 1950, acerca da “existência de palavras e locuções madeirenses”, através da análise de exemplos concretos de usos proverbiais atestados no arquipélago da Madeira e de reflexões provenientes de vários estudiosos madeirenses. Palavras-chave: Cabral do Nascimento; gentílicos; regionalismos; topónimos; variações madeirenses do português. Não havendo dicionários específicos sobre os provérbios e outros ditos populares em uso no arquipélago da Madeira, foram analisados vários dos trabalhos publicados sobre vocábulos madeirenses (v.g., monografias dialetais), alguns dos quais remontam a 1916, e também estudos de especialistas em linguística que se têm debruçado sobre os vocábulos regionais. Outros dados foram reunidos na ilha do Porto Santo, junto de fontes orais, após a seleção de pessoas de faixa etária muito avançada. Durante o processo de recolha, e por não haver conhecimento de qualquer registo proverbial referente a esta ilha, começou por se contactar Manuel Avelino Melim, cantor repentista de 90 anos, conhecido como “o peru”. Quando questionado, não sabia o significado do termo “provérbio”, mas posteriormente veio a dar dele a definição de “falar por tabela”, adiantando que aquilo que se pretendia saber poderia ser resumido naquela expressão, cuja referência também se encontra na obra Dizeres da Ilha da Madeira, de Luís de Sousa, que define “falar por tabela” como “referir-se indiretamente” a algo (SOUSA, 1950, 74). Foram igualmente realizadas recolhas orais em várias localidades da ilha da Madeira, junto de pessoas com idades superiores a 60 anos. Estas recolhas permitiram atestar o uso dos provérbios e dos ditos populares selecionados, muitos dos quais se encontram registados em monografias dialetais sobre o arquipélago. Na freguesia do Porto da Cruz, v.g., um ancião afirmou, com o sentido de dar tempo ao tempo ao assunto que ali nos tinha levado: Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe irá dar sono. Assim, aplica-se às recolhas orais realizadas no arquipélago da Madeira o que disse Raphael Bluteau: “Recolhi Palavras anticadas, como relíquias de Portugal o velho e acrescentei vozes modernas, como enfeites de Portugal o novo” (BLUTEAU, 1712, I, 33). Após esta fase preliminar de pesquisa, em que nos questionámos sobre a existência de provérbios madeirenses, seguiu-se um processo muito importante do ponto de vista metodológico: confrontar os dados coligidos com os que se encontram publicados em dicionários da especialidade, a fim de aferir, através do método da comparação, a sua especificidade madeirense (no caso de não se encontrar atestado o uso dos provérbios e dos ditos populares em outras partes do país). António Carvalho da Silva considera esta questão muito importante e refere que: “A grande questão é que trabalhos anteriores ao de Luís de Sousa (Emanuel Ribeiro, Antonino Pestana, Jaime Vieira dos Santos ou Urbano Canuto Soares) já consideravam madeirenses alguns termos usados em todo o território nacional” (SILVA, 2008, 65). Neste trabalho, foram excluídos muitos dos provérbios recolhidos, pelo facto de também se encontrarem citados em dicionários de provérbios nacionais, como estando em uso noutras regiões de Portugal. Sobre este critério de seleção – o vínculo do uso proverbial às comunidades insulares do arquipélago da Madeira –, já Cabral do Nascimento questionava, a propósito do referido trabalho de Luís de Sousa, a existência de palavras e locuções madeirenses. Relativamente às 140 páginas por ele analisadas, referia que o autor não teria tido o tempo suficiente para saber se os vocábulos por ele recolhidos seriam também utilizados no território nacional. O próprio Luís de Sousa o admitia: “Quero fazer sentir a enorme dificuldade com que se depara quem, tendo nascido na Madeira e sempre na Madeira vivendo, só em rápidas e trabalhosas digressões pelo continente português e pelos Açores, teve ensejo de entrar em contacto com os naturais dessas paragens, faltando-lhe, portanto, o tempo para averiguar se determinada palavra ou locução é original desta ilha ou só aqui empregada, pois a consulta dos nossos dicionaristas e a leitura dos nossos escritores, mesmo daqueles que, como Aquilino, mais se comprazem com os dizeres do povo, não são, em muitos passos, o suficiente para a elucidação de um curioso, às voltas com um trabalho deste género” (SOUSA, 1950, 7-8). Este é um trabalho do qual se irá encarregar o próprio Cabral do Nascimento, ao comparar alguns dos vocábulos de Sousa com outros semelhantes, usados em certas regiões de Portugal continental, muitas vezes, como o próprio afirma, com desvios semânticos. A amostra de provérbios e de ditos populares atestados na Madeira, que a seguir se apresenta, tem em conta esta questão central: a sua originalidade insular. Para além deste condicionamento metodológico, que leva a reter apenas o uso atestado de um provérbio ou de um dito popular numa comunidade linguística situada num determinado território, é de salientar a opção pela descrição linguística, indo de encontro ao que referem Gabriela Funk e Matthias Funk: “Após mais de um século de estudo sobre o Provérbio, seria de esperar que este género da Literatura Oral se encontrasse devidamente caracterizado. No entanto, nas publicações da especialidade, não encontramos nem uma definição global nem uma caracterização consensual de Texto Proverbial” (FUNK e FUNK, 2008, 15). No seu dicionário, Bluteau regista algumas obras que tratam da definição de “provérbio”; descreve o adágio como “sentença comum popular e breve com alusão a alguma coisa”, acrescentando que o licenciado António Delicado reduziu a lugares-comuns os adágios portugueses, e que “os adágios são as mais aprovadas sentenças, que a experiência achou nas ações humanas, ditas em breves e eloquentes palavras” (BLUTEAU, 1712, I, 237). O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Editora Objetiva, 2001) define “provérbio” como sendo uma “frase curta, ger. [geralmente] de origem popular, freq. [frequentemente] com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral (p. ex.: Deus ajuda a quem madruga) […] na Bíblia, pequena frase que visa aconselhar, educar, edificar; exortação, pensamento, máxima”. Em Adagios, Proverbios, Rifãos e Anexins da Lingua Portugueza… encontramos a seguinte definição: “Ora todas as Nações têm ajuizado, que os Provérbios ou Adágios, são de grande utilidade para os Homens […]. Muitas cerimónias, e costumes antigos se encerram nos Provérbios. Eles são o depósito de toda a Antiguidade” (ROLLAND, 1780, 6). Este trabalho visou essencialmente selecionar os provérbios e os ditos populares usados na Região Autónoma da Madeira (RAM), registados ou não, que são verdadeiramente insulanos, ou seja, que mencionam características do arquipélago ou que a ele se referem, bem como às suas gentes e aos seus costumes. Na opinião de Manuel Nóbrega, “a cultura popular nunca pode competir com a erudita. Desaparecendo a atividade agrícola, desaparece a eira, o forno, a matança dos porcos, a lareira de aquecimento, a lenha, bem como o serão que se concentra em volta da televisão em vez de ser em volta da lareira. Por isso mesmo, a preservação da riqueza e cultura popular perde-se de modo irreversível. Perde-se a cultura popular dos provérbios, sobrepondo-se a cultura escrita à oral” (NÓBREGA, 2005-2006, 74). Esta observação leva-nos a pensar se – dado que não existe nenhum dicionário específico de provérbios e ditos populares insulanos, como inicialmente referido – será possível assegurar que determinado provérbio ou dito usado na ilha da Madeira ou de Porto Santo tem efetivamente aí a sua origem, apesar de existirem obras, exclusivamente dedicadas a adágios, ditos e provérbios nacionais, que não o afirmem. Trata-se de uma tarefa muito difícil e complexa. Relativamente a esta exigência metodológica, vale a pena referir de novo o clérigo Bluteau, que, em 1712, escreveu que estava há 30 anos a recolher vocábulos portugueses e lhe disseram que a língua portuguesa não merecia tanto trabalho, pois a maioria dos estrangeiros considerava-a como uma corruptela do castelhano, mas que ele próprio considerava isso um disparate: “Também houve, quem com rústica simplicidade me disse, que não merecia a língua Portuguesa tanto trabalho. A razão desse disparate é, que na opinião da maior parte dos estrangeiros, a língua Portuguesa não é língua de per si, como é o francês, o italiano e Cia mas língua enxacoca e corrupção do castelhano, como os dialetos, ou linguagens particulares das províncias, que são corrupções da língua” (BLUTEAU, 1712, I, 35). Na crítica publicada no Arquivo Histórico da Madeira, em 1950, Nascimento comunga da opinião de Sousa, ao referir a importância de “não nos fiarmos nos dicionários, porque atualmente alguns deles registam (como o de Cândido de Figueiredo) certos termos colhidos por estes monografistas, sem lhes aditar o pormenor da sua origem, o que determina ainda maior confusão” (NASCIMENTO, 1950, 207). V.g., são de salientar termos como “vilão”, vocábulo tipicamente madeirense, e “balalau”, tipicamente porto-santense, ambos em uso nas duas ilhas, mas porventura com diferentes conotações consoante os dicionários. Emanuel Ribeiro dizia: “Desde o primeiro dia em que desembarquei na Madeira resolvi tomar nota dos diversos e variadíssimos vocábulos que têm o uso aqui e para mim, forasteiro, formavam uma linguagem estranha e extravagante” (RIBEIRO, 1929, 10). A classificação da amostra selecionada a partir do corpus de provérbios e ditos populares recolhidos fez-se de acordo com o critério “marcador de regionalidade”, ou de “madeirensidade” (RODRIGUES, 2010, 210-226), o que permitiu formar dois conjuntos. De um primeiro conjunto, de forte grau de regionalidade, fazem parte os dois subconjuntos a seguir especificados: os provérbios e ditos populares que contêm um topónimo (Toponímia) ou um gentílico (Gentílicos), cujo nome de lugar e nome de origem sejam identificados como existentes no espaço do arquipélago, e aqueles provérbios e ditos que recorrem a regionalismos e que, a nível semântico, estão relacionados, direta ou indiretamente, com usos e costumes, com diversos aspetos culturais e sociais insulanos (alguns deles já se encontram registados desde 1950). Neste conjunto, é de salientar, v.g., o uso dos termos “vilão” e “palheiro”. Um segundo conjunto, com grau de regionalidade mais fraco, cuja classificação (autenticidade local) se prende com o facto de ter sido registado, nas obras consultadas, como sendo de carácter regional, ou de estar atestado como estando em uso na região, decorre de recolhas orais efetuadas em 2013. Este grupo contém provérbios ou ditos populares – por vezes carregados de ironia, ou com o intuito de admoestação ou de conselho – ligados a vários aspetos da condição humana e insular (meteorologia, festividades e costumes religiosos, etc.). Na mostra, os provérbios e ditos populares são apresentados com indicação da sua fonte e do seu sentido. Nem sempre a sua significação foi retirada da respetiva fonte, como é o caso das expressões que constam dos trabalhos de João da Cruz Nunes (Os Falares da Calheta…, de 1965), de Horácio Bento de Gouveia (A Canga, de 1976) e de Gabriel de Jesus Pita (A Freguesia dos Canhas, de 2003), uma vez que estes autores não fornecem os significados das expressões por si registadas. Provérbios Provérbios com topónimos e gentílicos regionais De São Vicente, nem bois nem gente (MOREIRA, 1996; RIBEIRO, 2007): antigo, em desuso; nem uma coisa nem outra. De São Vicente, nem bom vento nem bom casamento (MOREIRA, 1996): conselho; o vento de Norte significa mau tempo (São Vicente localiza-se no Norte da Madeira, sendo outrora dificilmente acessível); aplicado ao matrimónio contraído com naturais de São Vicente e à necessidade de prudência a esse respeito. Deserta descoberta, chuva certa (fonte oral, Madeira): referência a uma das ilhas que faz parte do conjunto de ilhas desabitadas que são área de reserva natural do arquipélago; quando a ilha Deserta está extremamente visível e o mar calmo, pode ser sinal de chuva. Onde está um machiqueiro, está um engenheiro (fonte oral, Madeira): capacidade de vencer obstáculos, atribuída aos habitantes de Machico. Porto Santo alerta, bonança certa (SANTOS, 1995): referência à segunda ilha do arquipélago; calmaria no mar, boa viagem marítima, sinal de bom tempo. Provérbios com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira Do Leste à chuva vai um salto de pulga (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; PITA, 2003): indica que o tempo é imprevisível; do vento Leste (que está associado ao tempo quente e seco) à chuva pode ser uma mudança brusca. É como o vilão, que dá o pé e toma a mão (NUNES, 1965): João da Cruz Nunes não regista a definição; no entanto, poderá exprimir o facto de alguém que tenta vincar a sua importância; exprime o facto de o vilão (o colono, o trabalhador) não respeitar o seu senhor (o dono da terra). Ao vilão dá-se o pé para ele dar a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando alguém se impõe na troca de cumprimentos, para evitar que o vilão abuse; neste uso, parece existir um sentido de superioridade, uma tentativa de demonstrar ao vilão quem é mais importante. Filho de balalau, balalau é! (fonte oral, Porto Santo): o vocábulo “balalau” é tradicional da ilha do Porto Santo; este adjetivo avalia ou qualifica alguém com menos capacidade, alguém com dificuldades, que não é rápido nem eficaz nas decisões que toma; v.g., “Ah, rapaz! Tás ficando balalau?”; “Bem disse que filho de balalau, balalau é!”. Variante: Filho de balalau é balalau em cheio! (fonte oral, Porto Santo). O Leste nunca morreu à sede (CALDEIRA, 1961): diz-se quando há estiagem e, a certa altura, sopra vento de Leste; v.g., “Isto é que é um Leste para queimar as plantas! Mas, como se costuma dizer, o Leste nunca morreu à sede”. As primeiras chuvas de verão são para enganar o vilão (fonte oral, Madeira): o vocábulo “vilão” tem uma conotação específica na RAM, sendo tanto o vilão que baila (sentido etnográfico), como aquele que usa de esperteza em determinadas alturas, que trabalha na agricultura ou ainda aquele que usa o tradicional barrete de orelhas, feito de lã de ovelha; no passado, o termo “vilão” servia para diferenciar socialmente o camponês do habitante da cidade; significa que as primeiras chuvas de verão não regam nada, servem apenas para enganar o agricultor. Quem quer ver vilão, ponha-lhe o mando na mão (NUNES, 1965): exibir-se; determinadas situações revelam a natureza das pessoas. Com o mesmo sentido, Bluteau regista: Se queres saber quem é o vilão, mete-lhe a vara na mão (BLUTEAU, 1720, VII, 541). Relativamente ao termo “vilão”, Bluteau tem ainda vários provérbios, e.g.: Se o vilão soubesse o sabor da galinha em janeiro, nenhuma deixaria no poleiro (BLUTEAU, 1721, VIII, 512). O vocábulo “vilão”, em Bluteau (BLUTEAU, 1721, VIII, 512), apresenta a seguinte definição: “Homem do campo, dedicado aos mais humildes ofícios da agricultura”. Quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete (CALDEIRA, 1961): diz-se das pessoas que, sem motivo, se tornam petulantes; v.g., “Ah! Ele fala assim agora… pois é… quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete”. Provérbios sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Existem outros provérbios relacionados com várias realidades e atividades do quotidiano, muitas delas interligadas, como é o caso da meteorologia e da agricultura, ou ainda da alimentação e da agricultura. Da lista a seguir apresentada, apenas alguns provérbios se encontram registados. Agricultura Alqueire muito cheio é mexer no que é alheio (fonte oral, Porto Santo): alguém tirou mais do que devia. Ciúmes a sudoeste, se lavraste bem no cedo, bem fizeste (fonte oral, Porto Santo): indícios de que irá chover, o que será bom para a agricultura, se a terra tiver sido cultivada a tempo. Enquanto há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que enquanto se tem o artigo na mão é que se deve aproveitá-lo. O trabalho faz cansar, mas o descanso não faz alterar (fonte oral, Porto Santo): sobre a relação trabalho-descanso; o descanso não é suficiente para recuperar do cansaço. Quando ameaça mijar, o campo vai regar (fonte oral, Porto Santo): emprega-se quando a previsão é de chuva. Quando há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que quando há ocasião é que se faz, ou se diz. Vermelho ao nascente, é picar os bois e andar sempre (NUNES, 1965): com o nascer do sol, é andar depressa para a lavoura. Outros provérbios, de estrutura semelhante, fazem referência à vida no campo e à ocupação do dia, desde a aurora até ao entardecer, com diversas atividades: Vermelho ao nascente, é amassar e trazer gente (PITA, 2003): quando está a nascer o sol, é hora de começar a trabalhar. Vermelho ao poente, é amassar e trazer gente (NUNES, 1965): quando está a anoitecer, é hora de fazer o pão. Vermelho ao poente, é picar os bois e andar sempre (PITA, 2003): quando está a anoitecer, é hora de guardar os bois. Existe uma particularidade em cada um destes provérbios. Alimentação Nem sempre é pão com fel, nem sempre é pão com mel (CALDEIRA, 1961): nem sempre mau, nem sempre bom. Pão e vinho fazem o velho menino (PITA, 2003): expressão popular que manifesta dois fatores de satisfação na vida – o pão alimenta e o vinho dá alegria e rejuvenesce. Para a serra leva pão e gabão (PITA, 2003): espécie de alerta; recomendação de que para a serra se leve comida e agasalho. Uns comem os figos, outros arregalam os beiços (NUNES, 1965): uns comem, outros não; aplicada quando, na mesma circunstância, uns saem beneficiados e outros prejudicados; v.g., “Ah! Então é assim? Uns comem ui figues, outros arregalam ui beiços”. Aviso/ameaça Alto vareta, quem não quer dar não prometa (SANTOS, 1995): advertência a quem promete e não cumpre. Burro velho é melhor matar que ensinar (fonte oral, Camacha): diz-se de quem não consegue aprender nada. Variante: Burro velho não aprende línguas. Cachorro macho só é capado uma vez (CALDEIRA, 1961): refere-se à pessoa que nem se deixa levar por intrigas nem permite ser vigarizada; o mesmo que dizer: “Enganado, só uma vez”. Há muita maneira de matar pulgas (CALDEIRA, 1961): diz-se a alguém que duvida da forma como aconteceu ou se fez alguma coisa; v.g., “Ah! Não acreditas nisso? Olha que há muita maneira de matar pulgas”. Homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz (fonte oral, Madeira): incitação a desconfiar de quem muito se queixa; v.g., “Não acredites nele nem nas suas cantigas [falas/queixumes], porque homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz”. Os piores venenos guardam-se nos frascos mais pequenos (SANTOS, 1995): as pessoas são capazes de atitudes inesperadas e drásticas; a maldade revela-se, muitas vezes, onde menos se espera. Pragas sem razão nem sequer ao maior cão (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem roga pragas. Variante: Praga sem razão não se pede nem ao maior cão. Quem dá e tira, quando morrer, nasce-lhe uma tira (NUNES, 1965; CALDEIRA, 1961): aviso a quem dá e depois se arrepende de o ter feito; servia como forma de assustar as crianças, para não pedirem a devolução daquilo que davam umas às outras; v.g., “Ah, menino! Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira”. Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira (CALDEIRA, 1961): aplica-se a quem dá e depois se arrepende. Quem diz o que quer ouve o que não quer (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre os que censuram outros; diz-se quando alguém dirige insultos ou palavras insinuadoras e se mostra melindrado se a outra pessoa retribui da mesma maneira; o mesmo que dizer: “Se não querias ouvir, não dissesses”. Quem fala no barco é que quer embarcar (CALDEIRA, 1961; PITA, 2003): sobre a revelação implícita de um desejo; alguém fala num assunto que lhe interessa, mas de forma indireta; o mesmo que dizer: “Estás falando nisso, faz tu ou paga tu”. Quem não tem que fazer, descosa a saia e torne a coser (CALDEIRA, 1961): velho aforismo que se usa quando alguém maça ou perturba outra pessoa; diz-se da pessoa que nada faz e que incomoda, com insistência, os outros. Quem quiser empobrecer sem Deus querer, chame gente e não vá ver (PITA, 2003): aplica-se a quem perdeu os seus bens por não os saber administrar e que por isso poderá receber comentários negativos a seu respeito. Quem tem rabo não se assenta (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se pisa o rabo de um gato ou de um cão e eles emitem sons de dor; diz-se de quem foi castigado por ter prejudicado alguém; v.g., “Oh, diabo! Quem tem rabo não se assenta!”. Conselhos A rico não devas e a pobre não prometas (SANTOS, 1995): conselho para que se não fique a dever a pessoas abastadas, porque se ficará dependente delas, e para que se não prometam bens a um pobre, porque ele ficará dependente deles. Boca calada não entra moscas (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se aconselha alguém a estar calado; v.g., “O melhor que tens a fazer é ficar calado, porque boca calada não entra moscas”. Casa quanto caibas e bens que não saibas (PITA, 2003): conselho para se ser feliz – ter uma vida modesta e não pôr os bens materiais em primeiro lugar. Fala pouco e bem e ter-te-ão por alguém (PITA, 2003): estímulo à boa educação. No mesmo sentido: Fala pouco e bem e ter-te-ás por alguém (MILHANO, 2008; RIBEIRO, 2007). Mulher desconfiada vigia-se como gavião (fonte oral, Camacha): é necessário ter uma visão apurada; é necessário vigiar muito bem a reação de terceiros perante os próprios atos. Mulher santeira não queiras à tua beira (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância de se ter uma mulher honesta e sensata. Para quem tem boa ideia não há mulher feia (fonte oral, Madeira): expressão que exorta a ter apreço pelos valores e pelas qualidades humanas. Quem casa com mulher bonita tem o diabo à porta (fonte oral, Madeira): diz-se do facto de a beleza atrair pretendentes. Quem tem olhos, tem abrolhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer “quem tem olhos tem o direito de ver”; sobre o dever de observar as coisas tal como são. Se queres um bom conselho, toma com quem é mais velho (PITA, 2003): sobre a importância da experiência de vida. Sim ou não duas coisas são (CALDEIRA, 1961): incitamento à resolução imediata, afirmativa ou negativa, de algum assunto; v.g., “Então, vais ou não vais? Sim ou não, duas coisas são!”. Destino Boa romaria faz quem em casa fica em paz (PITA, 2003; MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): é melhor ficar em casa que envolver-se em confusões; v.g., “Ah, rapaz! O que é aquela romaria? Vão todos para a tasca?! Aquilo vai acabar mal. Boa romaria faz quem em casa fica em paz”. Cada um rega com a água que tem (NUNES, 1965): cada um sabe de si. Casa acrescentada, morte chegada (PITA, 2003): expressão que se usa quando os idosos investem na recuperação das suas habitações. Variante: Casa nova, velho para a cova. Esta vida é mais larga que comprida (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se comentam factos da vida de outras pessoas, quando as coisas não correm bem. Meninos feitos à pressa saem cabeçudos (CALDEIRA, 1961): diz-se das coisas que são realizadas de forma precipitada e não se concluem com perfeição. Nem sempre o que diz a boca o coração sente (GOUVEIA, 1976): não revelar o que se sente ou pensa; esconder a verdade; ser precipitado nas observações. Quem caçoa também morre (SANTOS, 1995): expressão dirigida a quem ri de algo que se passou com outrem, sem perceber que lhe pode acontecer a mesma coisa. Quem chora menos urina (SANTOS, 1995): forma popular de se endereçar às crianças quando choram. Quem dá o que tem fica no caminho do concelho (CALDEIRA, 1961): sobre a necessidade de prudência para não se ficar pobre; não se deve doar os bens antes de morrer. Quem morre nã volta a este mundo (GOUVEIA, 1976): acerca do destino e da importância da vida. Quem nasce prove nunca espera sê rico (GOUVEIA, 1976): sobre a fatalidade. Quem o seu cu aluga não se senta quando quer (fonte oral, Porto da Cruz): sobre a situação de dependência de algo ou de alguém. Ter uma no coiro, outra no lavadoiro (fonte oral, Madeira): sobre aquele que tem poucas posses; v.g., “Ah! Aquele só tem uma no coiro e outra no lavadoiro”. Esperteza Bezerrinho manso mama a sua e mama a alheia (SANTOS, 1995): sobre aqueles que usam do silêncio e da calma quando querem lucrar com alguma situação. Bezerro manso mama a sua e mama a alheia (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre o jeito para negociar; v.g., “Olha p’ra ele, já viste o que tem? Sempre caladinho, é assim mesmo, bezerro manso mama a sua e mama a alheia”. O mesmo que: Bezerro manso mama o seu e o alheio; Boi manso mama o seu e o alheio (PITA, 2003). Burro dado não se olha para os dentes (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): coisa dada aceita-se prontamente. O mesmo que: Burro dado não se olha para as orelhas (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965). O cão ladra, é a porta do dono (CALDEIRA, 1961): quando alguém provoca outrem, estando protegido. Outros temas A noivos e a batizados só vai quem é convidado (PITA, 2003): sobre as formalidades; v.g., “Então, não vais c’a gente? – Não fui convidado e, ademais, a noivos e a batizados só vai quem é convidado”. Atrás de maio vem S. João (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): depois de uma coisa, vem outra. Cachorro que aveza a sangue de ovelhas nunca mais larga (fonte oral, Madeira): sobre os indivíduos que têm vícios; pode ser também aplicado a homem mulherengo. Comer e coçar, o mais é começar (NUNES, 1965): equiparação entre a fome e a comichão. Dia de S. Tomé, quem mata o porco amarra a mulher pelo pé (CALDEIRA, 1961): aforismo caído em desuso; dizia-se quando havia discussões por ocasião da matança do porco. Dum poço sujo não se tira água limpa (CALDEIRA, 1961): ditado de uso comum; define as qualidades de alguém; v.g., “Não devia meter-me contigo; dum poço sujo não se tira água limpa”. Mijo e urina são a mesma coisa (NUNES, 1965): forma de se referir depreciativamente a alguém; duas coisas iguais. Muita festa para a festa e nada para a véspera (CALDEIRA, 1961): sobre quem ostenta ser melhor do que, na realidade, é. Ouve-se cantar o galo, mas não se sabe aonde ou adonde (CALDEIRA, 1961): sobre quem não é frontal, não tendo a coragem de assumir o que diz, não se conseguindo saber dessa pessoa a verdade dos factos. Para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): expressão que manifesta uma forma de apreciação das pessoas indiscretas e atrevidas. As primeiras mulheres são trapos, as segundas guardanapos (CALDEIRA, 1961): provérbio antigo, aplicado a algum tipo de doença que vitimava as mulheres. Quando os porcos bailam adivinham chuva (CALDEIRA, 1961): expressão muito usada no caso de crianças que estão eufóricas e têm gestos chamativos, maliciosos ou travessos; muito utilizado também no caso dos adultos, quando há grande entusiasmo numa determinada situação de natureza pouco clara. Santos que cagam e mijam não são santos, ou não merecem devoção (SANTOS, 1995): classificação, de sentido pejorativo, de determinado comportamento. Tu não sabes da missa metade (fonte oral, Madeira): diz-se quando determinada pessoa julga saber tudo sobre determinado assunto, mas, na realidade, não sabe. Meteorologia e tempo Abril chuvoso, maio ventoso, S. João calmoso faz o ano bondoso (CALDEIRA, 1961): sobre o estado do tempo nos meses do ano. Cerco na Lua, sinal de chuva (NUNES, 1965): previsão popular do tempo. Céu pedrado, mau tempo e mar bravo (fonte oral, Madeira): diz-se quando as nuvens se apresentam fragmentadas, sendo isso sinal de tempestade. Chovendo dia de S. Braz, chove quarenta dias e mais (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Chuva de maio nem sequer no rabo de um gato (CALDEIRA, 1961): menção do facto de que a chuva deste mês estraga as culturas. Chuva que no mar faz alvarinho com bom vento de terra se avizinha (fonte oral, Porto Santo): referência aos chuviscos que, do mar, serão arrastados até à costa pelo vento. Chuvinha de Ascensão, até das pedras se faz pão (SANTOS, 1995): sobre a importância da chuva pela Páscoa no fortalecimento das culturas. Conceição enxuta, Festa molhada (NUNES, 1965): previsão popular do tempo, segundo a qual, quando não chove pela festa da Imaculada Conceição, irá chover no Natal. Diferente de: Senhora da Conceição, dai-me sol e chuva não. Dia de Santa Luzia, minga a noite e cresce o dia (CALDEIRA, 1961): indica a data em que os dias começam a crescer. Dos Santos ao Natal, é inverno natural (PITA, 2003; RIBEIRO, 2007; MILHANO, 2008): diz-se para indicar que, entre o dia de Todos os Santos (1 de novembro) e o Natal, sendo fim de outono e início de inverno, é normal que chova. Em abril vai a velha aonde tem de ir e volta ao seu covil (fonte oral, Madeira): significa que em abril ainda está muito frio para sair de casa a não ser para coisas mesmo necessárias. Em abril, a velha queima o canzil (fonte oral, Madeira) e Em março, a velha está no espinhaço (fonte oral, Porto Santo): sobre a doença e a idade; exprimem o presságio de que alguma coisa grave irá acontecer. Fevereirinho quente traz o diabo no ventre (SANTOS, 1995): expressão regional definindo o clima, possivelmente também usada noutras paragens. Fevereirinho é garotinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de se tratar do mês com menor número de dias. Gaivotas na serra é sinal de mau tempo (CALDEIRA, 1961): expressão de presságio usada pelo povo, quando vê gaivotas voarem em direção à serra. Janeiro, mete ombreiro (NUNES, 1965): sobre a necessidade andar bem agasalhado. O Leste de S. Braz, não vindo adiante, vem sempre atrás (PITA, 2003): mais tarde ou mais cedo, chega o calor. Março é cachorrinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de que neste mês há, por vezes, grande variação de temperaturas. Natal com chuva, Páscoa com sol (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Profano e religioso Ave-marias em casa, meia-noite na rua (CALDEIRA, 1961): diz-se de alguém que encobre o hábito de chegar a casa tarde; antigamente, ao anoitecer, os sinos da torre das igrejas tocavam as ave-marias, indicando que eram horas de recolher. Bem com Deus, mal com o diabo (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que devemos estar bem com quem mais nos interessa; devemos estar voltados para o bem e de costas para o mal. Deus não castiga nem com pau nem com pedra (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando acontece alguma infelicidade a alguém, depois de ter praticado uma má ação. Deus não fecha uma fonte que não abra outra (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer: vai uma coisa mas vem outra; apelo a que se não perca a fé e se tenha esperança. Deus o deu, o diabo o levou (CALDEIRA, 1961): alusão ao carácter mutável da existência; tão depressa se ganha como se perde. Em dia de S. João toda a água é benta (fonte oral, Madeira): existe a crença de que as águas são purificadas no dia deste santo popular. Variante: Em noite de S. João, a água é lampa: nesta ocasião, há o costume de as pessoas se deslocarem até ao mar, ou para se banharem, ou para tocarem na água. Outra variante: Em noite de S. João, todas as ervas são bentas (SANTOS, 1995): sobre a fé sanjoanina; as ervas são purificadas, ficam benzidas pelo santo popular. Não há romaria sem cambado (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando, em qualquer festa, reunião ou ocasião social, aparece uma pessoa a cambalear. Nunca se é velho para pagar pecados (NUNES, 1965): o castigo pelo mal cometido tarda, mas sempre chega. Quem pela murta passou, o seu raminho não apanhou, de Nossa Senhora não se lembrou (FREITAS e MATEUS, 2013): alusão ao sentido do gesto de apanhar um ramo de murta para oferecer a Nossa Senhora na igreja. Quem se emenda agrada a Deus (GOUVEIA, 1976): sobre a importância do arrependimento de coisa mal feita. Rata de sacristia, difícil ficar na ratoeira (fonte oral, Madeira): diz-se de mulher experiente e discreta. Santo da casa não faz milagres (NUNES, 1965): sobre quem, apesar dos seus esforços, nada consegue fazer para modificar a conduta e os costumes dos que lhe são próximos. Santo que não conheço, não lhe rezo nem ofereço (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se quer mostrar que não se tem interesse em falar com pessoa a quem não se conhece ou deve atenções. Saúde e doença Chá de alfavaca, se não morrer escapa (FREITAS e MATEUS, 2013): o chá de alfavaca é aconselhado em determinado tipo de doenças. Quem está doente vai ao médico (NUNES, 1965): sobre quem se queixa mas não procura solução para o seu problema. Sorte Dar sem proveito faz mal ao peito (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): diz-se quando alguém oferece com algo com boa intenção e não lhe é dado o devido valor. Debaixo dos pés se levantam os trabalhos (SANTOS, 1995): os problemas aparecem quando menos se espera. Donde menos se espera é que saem os coelhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que conseguiu obter-se algo de forma inesperada; outro sentido será: alguém assume a culpa de alguma coisa, causando espanto. Filho de aselha não dá carreira certa (fonte oral, Porto Santo): prenúncio de insucesso na vida por falta de formação. Fui de balde e vim de celha (fonte oral, Porto Santo): Celha significa a bandeja que os vendedores de peixe usavam antigamente à cabeça, por cima da molhelha, para transportar o peixe (mais tarde, surgiu a canastra); refere-se a quem fez algo inutilmente, ou de que não obteve proveito. Furtar a quem tem não é pecado (CALDEIRA, 1961): diz-se como resposta a alguém que lamenta furtos feitos a pessoas com haveres. Nem todos os dias são dias de festa (CALDEIRA, 1961): não se faz sempre a mesma coisa. Nem todos têm sorte longe da sua terra (GOUVEIA, 1976): sobre a emigração. Quem espera, mais tarde ou mais cedo sempre alcança (GOUVEIA, 1976): sobre a importância de se ser paciente. Quem mata um gato ladrão tem sete anos de perdão (CALDEIRA, 1961): em desuso; aplicado a quem mexe no que é alheio. Quem não pode queixa-se da molhelha (NUNES, 1965): sobre o servir-se de desculpas; diz-se de quem fala muito, mas depois nada faz, arranjando para isso muitas justificações. Quem não sabe vender fecha a loja (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre a arte de ser comerciante. Trabalho Barco parado (varado) não ganha frete (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; MOREIRA, 1996; PITA, 2003; MILHANO, 2008): o mesmo que: “Quem não trabalha não ganha”. Contas feitas, barco lavado (PITA, 2003): acabado o trabalho, é hora de fazer a limpeza; aplica-se também aos negócios concretizados. Moleiro que carrega na maquia não tem freguesia amiga (fonte oral, Madeira): sobre o valor a cobrar; quem cobra montantes excessivos, perde a clientela. O mesmo que: “É muito caro, não volto lá para comprar”. Quem faz um cesto faz um cento (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): quem aprende a fazer um trabalho pode voltar a fazê-lo; provérbio que evoca o artesanato regional, em particular a obra de vimes, com forte ligação à Camacha. Quem lava um prato, lava dois (CALDEIRA, 1961): quem lava um prato, facilmente lava dois, dispensando ajuda; a expressão tem também um sentido não literal. Trabalhas como um preto e gastas como um fidalgo. O provérbio remonta ao tempo da escravatura no arquipélago, pode ter dois sentidos: trabalhas muito e não poupas, ou trabalhas pouco e gastas muito. O vendeiro tem de beber para o cliente não desconfiar (fonte oral, Madeira): conselho sobre como vender; quando o vendeiro bebe, demonstra que o produto é bom, é genuíno, não está adulterado, de modo que gera a confiança dos clientes. Outros ditos Outros ditos com topónimos e gentílicos regionais Boa para pregar no Pilar de Banger (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): expressão que se empregava quando uma história não era completamente verdadeira e, por esse motivo, deveria ser afixada no Pilar de Banger, de forma a ser conhecida por toda a gente. O Pilar de Banger, com 30 m de altura e 3 de diâmetro, foi mandado construir por John Light Banger. Concluído em 1798 na marginal da cidade do Funchal, servia essencialmente para ajudar a transportar carga do mar para terra e vice-versa. Mais tarde, tornou-se um posto de vigia e de sinais. Em 1939, foi demolido. Em 1990, a base foi reposta. Os ceguinhos morreram no Caniçal (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): não se deixar intrujar; não ir no logro; modismo que exprime “não ir nessa”. Enxergar um mosquito nas Desertas, Ser capaz de (PITA, 2003): diz-se de alguém que tem a capacidade de ver a grande distância. Também pode ser dito com ironia, nesta variante: És capaz de enxergar um mosquito nas Desertas. Justiça da Ponta do Sol (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): ficar sem os haveres e sem apelo; com sentido de expressão idiomática, é uma referência a uma forma de justiça popular referenciada como sendo daquela localidade da Madeira. Na freguesia da Ponta Delgada, sê colono é sê digraçado (GOUVEIA, 1976): alude à situação de dependência de algo; referência à Lei da Colonia, segundo a qual o colono teria de entregar parte da produção ao senhorio; segundo Fernando Augusto da Silva, colonia é um regime agrícola de propriedade em que as terras pertencem ao chamado “senhorio e as benfeitorias ao colono, fazendo este toda a cultura com direito à dimidia da produção” (SILVA, 1950). Peru velho da Calheta quer casar não tem jaqueta (CALDEIRA, 1961): expressão antiga, utilizada nos tempos em que se vendiam perus pelas ruas da cidade, podendo referir-se a alguém que, tendo uma certa idade, quer contrair matrimónio mas não tem bens nem dinheiro. Variante: Peru velho do ilhéu quer casar não tem chapéu (CALDEIRA, 1961). Ribeira Tem-Te Não Caias (fonte oral, Madeira): nome, em forma de apelo, atribuído a uma ribeira existente no Porto da Cruz; consoante o seu caudal, é necessário ter atenção ao atravessar (“Tem-te”) e manter o equilíbrio (“Não Caias”); este nome foi atribuído à estrada que circunda a montanha onde está situada a ribeira; espécie de alerta. São Braz do Arco (Calheta) matou sete e afogou quatro (CALDEIRA, 1961): rifão popular de origem desconhecida; usado como gracejo. São Vicente, boa gente (fonte oral, Madeira): alude à existência de boas pessoas em São Vicente, com as quais vale a pena fazer amizade. O Senhor dos Milagres aceita a brincadeira (CALDEIRA, 1961): referente a Machico; a propósito de promessa não cumprida. Valha-me São Braz do Arco (Calheta) (SANTOS, 1995): vocativo implorando a ajuda divina. Valha-me o Senhor dos Milagres (SANTOS, 1995): referente a Machico; vocativo implorando a ajuda divina. Outros ditos com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira As camacheiras estão abanando as saias (CALDEIRA, 1961): diz-se quando o vento, vindo da direção nordeste, é bastante agreste; as camacheiras são na realidade as habitantes da freguesia da Camacha, na ilha da Madeira, apesar de haver também um sítio denominado Camacha na ilha do Porto Santo; a população do Funchal proferia este provérbio sempre que soprava o vento de Nordeste; de realçar que as saias das camacheiras, aqui referidas, são as saias coloridas das floristas e das bailarinas, de cariz etnográfico. Camacheiro (SIMÕES, 1984; SILVA, 1950): é um regionalismo pelo qual se designa o vento de Leste, vento frio e agreste que sopra dos lados da freguesia da Camacha; apesar de este vocábulo identificar também o habitante da freguesia da Camacha, o seu sentido proverbial atribui-lhe a referência ao vento; Guilherme Augusto Simões, em Expressões Populares Portuguesas…, texto publicado em 1984, regista este provérbio, referindo que Artur Bivar já o tinha mencionado no Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, em 1948; estamos perante um vocábulo da RAM registado fora da Ilha. És como o vilão, não vê nada sem tocar com a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando uma pessoa toca numa coisa em que outra não quer que se mexa; v.g.: “Não toques nisso! És como o vilão, que não pode ver nada sem tocar com a mão?”. Estar como o vilão na casa do sogro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se do indivíduo que está comodamente recostado, refastelado, à-vontade. Caldeira regista o seu sentido: aplica-se “quando um indivíduo está à vontade, bem encostado de perna estendida” (CALDEIRA, 1961, 59). Março marçagão, de manhã dente de cão, ao meio-dia sol de alegria e à tarde escapa vilão (NUNES, 1965): sobre a esperteza; comer bem, apanhar sol e passear. Ser galo do palheiro ou galinho do palheiro (CALDEIRA, 1961): pessoa esperta, atrevida; pessoa que fala muito. As canelas de João Blandy ou do senhor Blandy (SOUSA, 1950): no jogo do loto, aquele a quem sai o 77 grita, em vez do número, “as canelas de João Blandy” ou “as canelas do senhor Blandy” (de forma semelhante, quando se diz “boca da peça” os jogadores sabem imediatamente que se trata do número 1, e quando se profere “duas irmãzinhas” identificam logo ter saído o número 66); a família Blandy reside na Madeira há centenas de anos, onde se dedica ao comércio e serviços. Outros ditos sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Agricultura É mais fácil o céu produzir abóboras, e a terra estrelas, do que virar o nosso feitor (“Provérbios populares”, 1969): forma de se expressar por meio da qual os agricultores se referiam ao modo de ser do feitor da quinta. Mijai, senhor, que a terra está seca (SANTOS, 1995): não é certo que esta expressão seja do arquipélago; de cariz jocoso, é um comentário perante uma situação inesperada; referência à necessidade de chuva. Santa Isabel está a abanar as saias (fonte oral, Camacha): diz-se sobre o vento no verão; em tempos, o povo queria que houvesse vento em julho, mês de S.ta Isabel, para ajudar a ajoeirar o trigo, depois de passar pelo mangual e antes de o guardar; v.g., “Parece que Santa Isabel já está a abanar as saias”. São Pedro bem-disposto, campo regado com gosto (fonte oral, Porto Santo): referência à chuva pelo mês deste santo popular. Alimentação Casca fora, inhame dentro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): comer com grande apetite, com sofreguidão; v.g., “Isto cá é assim. Casca fora, inhame dentro”. Castanhas com carepa faz o cú tocar rebeca (fonte oral, Camacha): alusão à flatulência provocada pela ingestão de castanhas cruas. Comer formigas faz bem à vista (CALDEIRA, 1961): velho adágio que se pronuncia quando alguém se queixa de ter engolido uma formiga; v.g., “Estava a comer uma maçã e engoli uma formiga! Não faz mal, fez bem à vista”. Meio-dia, panela cheia, barriga vazia (SANTOS, 1995): diz-se para referir a hora da refeição. Aviso/ameaça O diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher (fonte popular, Porto Santo): diz-se a mulher que fala muito e continuamente; o mesmo que: “Vai lá p’Argel, o diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher”. Do coiro te sai as correias (CALDEIRA, 1961): sobre sofrer as consequências dos próprios atos. Ele com uma mão, eu com duas (CALDEIRA, 1961): usado para se alegar que, na celebração de um negócio, se foi mais sério do que a outra parte nele envolvida. Também se pode dizer: “Ele com duas mãos e eu com uma”. Fecha o aparelho que a burrinha espanta (fonte oral, Porto Santo): incitamento a fechar o guarda-chuva; v.g., “Ah, rapaz! Fecha o aparelho que a burrinha espanta”. Guarda o rir para quando chorares (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem ri de escárnio; v.g., “Olha, tás a rir? Guarda para quando chorares!”. A madeira onde o diabo se sujou (SANTOS, 1995): referência ao mau cheiro da madeira de til; era uma expressão muito usada pelos carpinteiros. Não dar cópia nem mandado (SOUSA, 1950): não dar notícia; estar em parte incerta. Não me venhas tirar o inhame da porta (SOUSA, 1950): aviso; frase que indica não ter medo de qualquer ameaça que vise os próprios bens ou bem-estar. Nem que te mates, nem que te esfoles (CALDEIRA, 1961): menção de algo de irreversível ou relativamente ao qual é inútil insistir; v.g., “Olha, eu já te disse que não te dou isso, nem que te mates e esfoles”. Variante: Nem que me mate nem que me esfole. Olho vivo, Santa Luzia (CALDEIRA, 1961; SOUSA, 1950): locução que indica ser preciso ter cautela. Quem me pica num dedo veja em que dedo me pica (CALDEIRA, 1961): admoestação, em tom de ameaça, no sentido de evitar qualquer ofensa; v.g., “Olha, toma cuidado, porque quem me pica no dedo veja em que dedo me pica, ouviste?”. Variante: Quem me pica num dedo, pica-me em dois: forma de alguém fazer sentir que não admite ofensas, que fica melindrado; v.g., “Já sabes. Quem me pica num dedo, pica-me em dois. Então vê lá como me tratas, ouviste?”. Se isso tem veneno, não me mata (CALDEIRA, 1961): sobre ser fiel; não tocar; expressão que supõe a recusa em contactar com algo que se deve evitar; o mesmo que: “Se isso tinha veneno, não me matou”. Vai pr’ Argel (fonte oral, Madeira): expressão usada desde os tempos remotos da pirataria e dos saques, em que a população do arquipélago era levada como refém para a Argélia e mais tarde pedido o seu resgate; alguns idosos costumam usar esta expressão quando se sentem importunados por alguém ou por coisa que querem que vá para longe. Conselhos Amarrem as filhas que os cabritos andam à solta (CALDEIRA, 1961): expressão que se ouvia algumas vezes quando as raparigas eram imprudentes e queriam sair com rapazes (“cabritos”). Come o que te dão e não sejas refilão (PITA, 2003): exortação a aceitar com humildade o que se recebe. Destino A cara não pode esconder o qu’a gente sente cá dentro (GOUVEIA, 1976): a face espelha o sofrimento, a angústia. A terra alheia nunca foi má madrasta p’ra quem quer andar à boa vida (GOUVEIA, 1976): sobre aquele que quer andar na boa vida nos terrenos de terceiros. Esperteza Olho atrás, olho adiante (CALDEIRA, 1961): ter cautela, estar precavido; v.g., “Lá com aquele tipo é preciso ter olho atrás, olho adiante”. Inveja Que d’inveja se comia: a expressão perpetua-se no romanceiro e nos dizeres populares. Na literatura que faz o retrato do mundo rural, como acontece em Horácio Bento de Gouveia, diz-se que entre os madeirenses havia “muita imveja im riba do lombo”, e que a gente “arrepelava-se de inveja” (VIEIRA, 2016). Como refere Alberto Vieira, “na ilha, a inveja diz-se e a invejidade vive-se”: trata-se de uma maneira de ser e de estar; segundo o autor, é uma característica comportamental, também conhecida como “dor de cotovelo”, que se torna mais notada nos espaços pequenos, onde ninguém larga os seus hábitos, usos e costumes, atitudes e sentimentos (VIEIRA, 2016, 26). Este autor cita ainda o Re-nhau-nhau (10 abr. 1952): Se a inveja fosse tinha toda a gente andava tinhosa (VIEIRA, 2016). Outros temas Andas vestida como uma rainha e descalça como uma galinha (fonte oral, Porto Santo): andar bem vestida, não tendo grandes posses. De rir e mijar gravetos (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se daquilo que desperta hilaridade; v.g., “Aquele estuporzinho diz coisas de rir e mijar gravetos”. Deixa-te de cramar (fonte oral, Madeira): expressão idiomática endereçada a quem está sempre a reclamar ou a queixar-se. Está um burro para cair pela rocha abaixo (CALDEIRA, 1961): diz-se quando acontece uma coisa boa de forma inesperada. Estar como o Belchior, cada vez pior (MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): expressão muito usada em Porto Santo, que faz alusão a Belchior Baião. “Belchior Baião, de linhagem nobre, foi o primeiro deste apelido que se estabeleceu na Madeira. Esta família teve um morgadio no Porto Santo e era padroeira duma capela na igreja paroquial, que ainda é conhecida pela capela da morgada” (SILVA e MENESES, 1998, 115). Maria, a “Atalaia”, tem o vestido mais comprido que a saia (CALDEIRA, 1961): diz-se à laia de crítica; quando se vê a roupa interior de alguém; v.g., “Olha-me pr’aquilo! Parece a Maria d’Atalaia!”. Para quem é, bacalhau basta (CALDEIRA, 1961): expressão que reflete menosprezo por alguém; diz-se quando não se quer dar a alguém mais do que aquilo que se julga que essa pessoa merece. O relógio da Sé é que se repete (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961), diz-se quando não se está disposto a voltar a dizer ou a fazer a mesma coisa. O mesmo que: O relógio da Sé é que dobra (CALDEIRA, 1961). A vida de João p’ra rua é comer, dormir e andar na rua (CALDEIRA, 1961): aplicado às pessoas que são mandrionas. Meteorologia e tempo Abril, manguil, canzil, maio, mamaio, marangaio, São João, São Joanás é o mês que nasce o nosso rapaz (PITA, 2003): dito de mulher grávida a explicar o estado adiantado da sua gravidez. Chuva em abril é a salvação da ilha (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância da chuva para a subsistência. Sol e chuva, feiticeiras a se pentear (NUNES, 1965): diz-se quando simultaneamente ocorrem chuviscos, faz sol e aparece o arco-íris. Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe vai dar o sono (fonte oral, Porto da Cruz): dar tempo ao tempo; não ter pressa. Profano e religioso Assim se canta na Sé. Uns assentados, outros de pé (SOUSA, 1950): sobre a ordem das coisas; o mesmo que dizer: “Ah! Assim, sim, está correto”. Dia de varrer os armários (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): referência ao dia 15 de janeiro, dia de S.to Amaro, Santa Cruz, Madeira, em cujos festejos, no mês de janeiro, se encerra o tempo natalício; e.g., “Venha a minha casa no dia de Santo Amaro, que é o dia de varrer os armários”. O mesmo que: Dia de S.to Amaro, varre os armários (fonte oral, Madeira). Sorte Criou fama e deitou-se na cama (fonte oral, Madeira): sobre quem teve êxito em alguma coisa e, depois disso, começou a levar uma vida ociosa. Desde que o mundo é mundo sempre houve ricos e pobres (GOUVEIA, 1976): sobre o destino. Livres de semear, prisioneiros das consequências (fonte oral, Madeira): sobre o uso da liberdade e as responsabilidades dele decorrentes. Não vejo moita por onde saia coelho (CALDEIRA, 1961): diz-se quando não há – ou não se vislumbra – qualquer possibilidade de se conseguir o que se quer. Quem falou pagou (NUNES, 1965): quem fala para desacreditar outrem, acaba por sofrer as consequências disso. Muitos dos provérbios e ditos populares apresentados, e atestados pelas recolhas orais realizadas, foram extraídos de obras publicadas, que constituem um património de grande valor. Convém salientar também que, no plano da linguística, esta amostra tem em consideração aquilo que especialistas de diversas épocas referiram. Em 1950, Cabral do Nascimento afirmava que, relativamente à língua, existia um “antepassado comum” (NASCIMENTO, 1950, 205), o que, anos mais tarde, foi aferido de igual modo por Lindley Cintra e Celso Cunha, que acrescentam: “os dialetos falados nas ilhas atlânticas […] são um prolongamento dos dialetos portugueses continentais” (CINTRA e CUNHA, 2005, 19). Muito antes, no séc. XVIII, Raphael Bluteau descrevera da seguinte forma a sua admiração pela língua portuguesa: “Da tua impaciência conheço, que és Português; como tal não podes deixar de estranhar, que se arrojasse um estranho a compor o teu idioma, o Dicionário. Entendamo-nos Amigo, e entende, que isto, que te parece arrojo, é veneração” (BLUTEAU, 1712, I, 33).   Manuel Justino de Freitas Rodrigues (atualizado a 15.02.2018)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

avifauna

As aves são animais vertebrados com o corpo coberto de penas; possuem bico e membros anteriores transformados em asas. Tem sido grande o interesse manifestado por numerosos naturalistas e investigadores pela avifauna do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens. No entanto, tendo em conta esse facto, a bibliografia existente tem ficado um pouco aquém do esperado. Na realidade, faltam estudos de ecologia, de sistemática e de outros aspetos biológicos. As primeiras referências às aves da Madeira são de Ca’ da Mosto (1455) e de Frutuoso (1590), às quais se acrescentam, bastantes anos mais tarde, as de Sloane (1707), em que são apresentadas pequenas listas de aves observadas. Em 1851, surge a primeira lista, propriamente dita, de aves do arquipélago da Madeira, elaborada por Harcourt. Do séc. XIX, há ainda a referir o trabalho de Hartwig, “Die Voegel der Madeira Inselgruppe” (1891). Na transição do séc. XIX para o séc. XX, surgem vários trabalhos do P.e Ernesto Schmitz, provavelmente um dos estudiosos que mais contribuiu para o conhecimento da avifauna madeirense (Zoólogos e Naturalistas Zoólogos). Já em pleno séc. XX, foram vários os trabalhos publicados, entre os quais se destaca o livro, em quatro volumes, escrito por David Bannerman e Winifred Mary Bannerman, intitulado Birds of the Atlantic Islands; esta obra, dedicada à avifauna da Macaronésia, aborda as aves das ilhas Selvagens no primeiro volume (do ano de 1963 e da autoria de David Bannerman apenas) e as aves das ilhas da Madeira, Desertas e do Porto Santo no segundo volume (do ano de 1965); ultrapassa, de longe, em termos de conteúdo, os trabalhos anteriores, que consistiam essencialmente em listas de aves e em referências a locais de observação; nela, além da listagem das espécies nidificantes e visitantes ocasionais, são incluídos aspetos relevantes referentes à distribuição, à taxonomia e à ecologia. Após este trabalho de referência, aumentou o número de publicações sobre aves (e de autores nesta área), os quais abordam vários aspetos da biologia, do comportamento, da distribuição, da taxonomia e da conservação das aves no arquipélago da Madeira (e.g., o Guia de Campo das Aves do Parque Ecológico do Funchal e do Arquipélago da Madeira, publicado em 1997 pela Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, da autoria de Duarte Câmara, e A Conservação e Gestão das Aves do Arquipélago da Madeira, publicado pelo Parque Natural da Madeira (PNM) em 1999, da autoria de Paulo Oliveira). Vários outros trabalhos foram publicados na segunda metade do séc. XX e nos inícios do séc. XXI (v.g., o artigo “Birds of the Archipelago of Madeira and the Selvagens. New Records and Checklist”, publicado por Francis Zino, Manuel Biscoito e Paul Alexander Zino e pelos seus colaboradores, em 1995, que veio atualizar a lista das aves nidificantes de Bernstrom, de 1957). Esta lista, por sua vez, é atualizada, em 2010, num trabalho de Hugo Romano, Catarina Correia-Fagundes, Francis Zino e Manuel Biscoito. Importante é também o livro Aves do Arquipélago da Madeira, de Manuel Biscoito e Francis Zino, publicado em 2002. The EBCC Atlas of European Breeding Birds (Atlas das Aves Nidificantes na Europa), publicado em 1997 pelo European Bird Census Council, referia as aves dos arquipélagos da Madeira e Selvagens. Em 2011, o ornitólogo Garcia-del-Rey publicou o livro Field Guide to the Birds of Macaronesia. Azores, Madeira, Canary Islands, Cape Verde, relevante para o conhecimento e a divulgação da avifauna macaronésica. Outro livro a referir é o da autoria de Tony Clarke, intitulado Birds of the Atlantic Islands, publicado em 2006. Existe uma página na Internet, Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, que é mantida pelo Serviço do PNM e pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. O número de espécies de aves nidificantes nos arquipélagos da Madeira e Selvagens ronda as quatro dezenas, mas, se considerarmos as espécies migradoras e as ocasionais, o número ultrapassa as 300 espécies. Destacam-se quatro espécies pelo seu carácter endémico: Pterodroma madeira, Pterodroma deserta, Columba trocaz e Regulus madeirensis. As aves marinhas são, nalguns casos, difíceis de observar junto à costa durante o dia. Geralmente, aproximam-se da costa ao anoitecer e durante a nidificação, sendo que pelo menos um dos progenitores está escondido no ninho durante este período. Durante a sua evolução, estas aves escolheram ilhas como locais de nidificação por não existirem predadores nelas. Com a chegada do Homem a muitas destas ilhas, chegaram também com ele vários predadores, entre os quais se destacam as ratazanas e os murganhos. Desde então, são inúmeras as espécies e populações de aves marinhas que enfrentam o perigo de extinção. As aves marinhas mais comuns nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens são: Freira-da-madeira (Pterodroma madeira (Mathews, 1934)), também conhecida como alma-penada do-cidrão, devido aos sons que emite, semelhantes a uivos, inclui-se na família Procellariidae, ordem Procellariiformes. É muito parecida com a freira-do-bugio e com o gongon das ilhas de Cabo Verde. É uma ave endémica da ilha da Madeira e encontra-se em perigo de extinção. Já o P.e Ernesto Schmitz referia a sua presença na Ilha em 1903; no entanto, posteriormente, e durante muito tempo, foi dada como extinta, sendo “redescoberta” em meados do séc. XX. Vários aspetos da sua biologia são ainda pouco conhecidos. Com um comprimento total entre 32 e 34 cm e envergadura entre 80 e 86 cm, é mais pequena, mais leve, e possui bico e asas menores do que a freira-do-bugio. É uma ave com bico curto, grosso e escuro. É cinzento-escura no dorso e mais clara na fronte. Em voo, nota-se que a região ventral é clara e os bordos da cauda são escuros. A cauda é clara. As asas formam um V pronunciado e a parte inferior e interna das asas é escura. Isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-do-bugio (Pterodroma deserta). Nidifica essencialmente no maciço montanhoso central da Madeira, uma zona de proteção especial (ZPE) integrada na Rede Natura 2000. Chega a esta zona normalmente em fevereiro ou março; entre março e abril, limpa o ninho, volta em seguida ao mar, e só depois retorna para fazer a postura – este fenómeno é designado por êxodo pré-postura. Um único ovo é posto em maio, em túneis geralmente não retilíneos com mais de 1 m de comprimento, construídos em solo fofo nas encostas escarpadas dos picos mais altos. Nesta espécie, os machos e as fêmeas alternam na incubação. Deixa o ninho em setembro ou outubro. As crias nascidas nesse ano só atingem a maturidade ao fim de seis anos. O efetivo é muito baixo – 60 a 75 casais reprodutores (de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira) –, tendo eventualmente ocorrido alguma redução do mesmo aquando dos incêndios de 2012. É uma das aves mais ameaçadas de extinção, tendo o estatuto de conservação “em perigo” (nos termos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), de setembro de 2012). Têm sido realizados vários esforços com vista à proteção da ave – Alexander Zino e João Gouveia, juntamente com Gunther Maul e Francis Zino, deram os primeiros passos neste sentido com o Freira Conservation Project. Programas LIFE e outros projetos têm decorrido e envolvido a recuperação do habitat, a eliminação de vertebrados exóticos (gatos, ratos, coelhos) e a compra de terrenos nos picos mais altos. As principais ameaças à sobrevivência da freira-da-madeira são a predação de ovos e de juvenis pelos gatos e ratos e a destruição do coberto vegetal pelos herbívoros introduzidos (que leva à erosão dos solos e, consequentemente, à redução da área potencialmente apropriada à construção dos ninhos). No passado, os colecionadores de ovos e de aves constituíam uma ameaça de peso. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. O seu habitat consta do anexo I da diretiva “Habitats”. O local onde nidifica está inserido no PNM e é uma zona da Rede Natura 2000. Apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por conhecer, nomeadamente sobre a distribuição espacial da ave ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno. Freira-do-bugio (Pterodroma deserta (Mathews, 1934)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Nidifica apenas nas Desertas (na ilha do Bugio e, possivelmente, na extremidade sul da Deserta Grande). É muito semelhante à freira-da-madeira. Tem entre 33 e 36 cm de comprimento total e entre 86 e 94 cm de envergadura. É cinzento-escura no dorso e mais clara na região ventral e na fronte. Em voo, as asas formam um V pronunciado e nota-se que a parte inferior e interna das asas é escura – isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-da-madeira. Nidifica entre junho e dezembro, em ninhos escavados no solo, formando túneis não retilíneos, alguns com mais de 2 m; ocasionalmente, pode nidificar em cavidades nas rochas ou em zonas com pedras soltas. Outrora, as populações nidificantes da ilha do Bugio e de algumas ilhas de Cabo Verde (Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo) eram incluídas na mesma espécie (Pterodroma feae); durante anos, considerou-se existirem duas subespécies, a Pterodroma feae feae, nidificando em Cabo Verde, e a Pterodroma feae deserta, no Bugio. Em 2009, no âmbito do Projeto LIFE SOS Freira-do-Bugio, foram realizados estudos, utilizando marcadores genéticos moleculares, que demonstraram não haver indícios de cruzamento entre as formas do Bugio e de Cabo Verde e que a distância genética conseguia ser maior do que a existente entre alguns pares de outras espécies definidas. Por isto, as duas formas passaram a ser consideradas espécies distintas, Pterodroma feae e Pterodroma deserta. Segundo o Atlas das Aves das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 160 e 180 casais reprodutores e a população é aparentemente estável. Este número é muito baixo. Tendo em conta a área muito reduzida de nidificação (<20 km2 numa única localização), esta ave é, provavelmente, tal como a freira-da-madeira, uma das espécies que apresenta maior risco de extinção na Macaronésia e na Europa. O estatuto de conservação é “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são, além da reduzida área de nidificação, a degradação do habitat e a perturbação das aves por animais introduzidos (como os murganhos, as cabras e os coelhos). O aumento da população de cagarra poderá constituir um perigo (dado que esta espécie poderá competir com a freira-do-bugio pelos lugares de nidificação), bem como a poluição em alto mar. Até à criação da Reserva Natural das Desertas em 1990, a captura ilegal constituía um risco significativo. Após esta data, as ameaças a esta espécie têm sido progressivamente debeladas pelo Serviço do PNM por meio de programas específicos focados na conservação da espécie e do seu habitat. Em 2006, foi iniciado o Projeto SOS Freira-do-Bugio, do Programa LIFE-Natureza, que envolveu, entre outras tarefas, a retirada dos herbívoros introduzidos e a colocação de ninhos artificiais. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna e do anexo I da diretiva “Aves”. O local onde nidifica é reserva integral e é uma zona da Rede Natura 2000. Tal como acontece no caso da freira-da-madeira, apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por saber acerca dela (designadamente sobre a sua distribuição espacial ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno). Cagarra ou pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea borealis (Cory, 1881)). Em algumas obras, como no já mencionado Field Guide to the Birds of Macaronesia, de Eduardo Garcia-del-Rey, e na base de dados Avibase, disponível online, há uma alteração de nome, sendo considerada como Calonectris borealis. Inclui-se na família Procellariidae e na ordem Procellariiformes. É a ave marinha mais avistada entre março e novembro nos mares do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, nidificando em todas as suas ilhas. Tem cerca de 50 cm de comprimento total, sendo a ave marinha de maior porte dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e é facilmente identificável pelo seu voo rápido e planado, rente às ondas. As asas longas diferenciam-na da gaivota; outra característica que a diferencia de outras aves marinhas que nidificam nestes arquipélagos é a cor amarela do seu bico. Esta ave é branca nas superfícies inferiores e acastanhada nas superiores. Nidifica em cavidades de rochas e por baixo de grandes pedras, nas falésias rochosas ou nos planaltos; nas ilhas Selvagens, nidifica também no solo, entre a vegetação rasteira. A postura compreende apenas um ovo, do qual eclode uma ave que só atingirá a maturidade ao fim de nove anos. Entre dezembro e fevereiro encontra-se no hemisfério Sul, perto da costa nordeste do Brasil. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira existem, no mínimo, 40.000 indivíduos, amplamente concentrados nas ilhas Selvagens (38.000 indivíduos). Embora não seja considerada uma ave ameaçada, a captura ilegal, a destruição do habitat e a predação por gatos e ratos constituem fatores limitantes da espécie. De acordo com o Livro Vermelho e a IUCN, o seu estatuto é “pouco preocupante”. Na Madeira, alguns locais de nidificação da cagarra estão em áreas do PNM e são zonas da Rede Natura 2000. Esta ave faz parte do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Durante muito tempo, a cagarra foi caçada, principalmente nas ilhas Desertas e nas Selvagens; segundo o Elucidário Madeirense, eram capturados, por homens de São Gonçalo e do Caniço, cerca de 18.000 indivíduos por ano nas Selvagens. A cagarra era salgada e levada para a Madeira para ser vendida às classes mais desfavorecidas; as suas penas eram utilizadas sobretudo no fabrico de colchões. A última expedição para a captura de cagarra nas ilhas Selvagens partiu do Funchal a 15 de setembro de 1967. A caça à cagarra foi proibida. Patagarro (Puffinus puffinus puffinus (Brunnich, 1764), ou simplesmente Puffinus puffinus (Brunnich, 1764)). Também conhecido como fura-bucho, pardela-sombria, estapagado, papagarro e boieiro; alguns destes nomes são designações onomatopeicas, que imitam os sons característicos desta ave. Pertence à família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Distribui-se pelos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores, ilhas Britânicas, costa da Bretanha, Islândia e ilhas Faroé. No arquipélago da Madeira, o patagarro nidifica apenas na ilha da Madeira, em particular nas encostas da ribeira de Santa Luzia, mas também noutras regiões do interior, em vales profundos, em zonas húmidas e cobertas de vegetação, podendo atingir altitudes muito elevadas. O patagarro é negro no dorso e branco nas partes ventrais; o seu bico é longo, preto e direito. O patagarro é frequentemente confundido com o pintainho (Puffinus baroli), diferindo dele pela plumagem preta da cabeça, que desce até abaixo dos olhos (a pelagem que rodeia os olhos do pintainho é branca). Normalmente, o patagarro chega à ilha da Madeira em fevereiro ou março, altura em que começa a escavar e a limpar as tocas (chegando estas a ter mais de 1 m de comprimento). Às vezes, mal chega, parte novamente (êxodo pré-postura). Julga-se que o principal objetivo deste comportamento é a acumulação de reservas para os períodos de incubação do ovo, alternados, entre macho e fêmea, de quatro ou cinco dias de jejum. Por regra, parte em agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 2500 e 10.000 indivíduos. Um dos perigos para o patagarro é a predação por ratos e gatos. No passado, a captura e a perseguição ilegais representavam uma ameaça importante. Segundo a crença popular, era uma ave de mau agoiro: haveria uma morte entre os moradores de uma habitação sempre que um patagarro pousasse sobre ela. Alguns locais onde esta subespécie ocorre fazem parte de zonas da Rede Natura 2000 e do PNM. Alguns dos habitats constam do anexo i da diretiva “Habitats”; a ave está no anexo II da Convenção de Berna. Fig. 1 – Fotografia de patagarro (Puffinus puffinus puffinus). Funchal. Fonte: © José Jesus Pintainho (Puffinus baroli (Bonaparte, 1857)). Considerado por alguns cientistas como a subespécie Puffinus assimilis baroli, é uma ave da familia Procellariidae, ordem Procellariiformes. É uma ave endémica da Macaronésia, sendo que nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens nidifica nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas e Selvagens. Tem patas azuis, dorso muito escuro e ventre claro. O pintainho poderá ser confundido com o patagarro; no entanto, diferencia-se dele pelo facto de a plumagem preta da cabeça não rodear os olhos e por estes serem no pintainho mais pequenos. O voo caracteriza-se por batimentos frequentes das asas. Nidifica entre janeiro e junho em cavidades de rochas ou por baixo de pedras soltas, nas falésias de pequenas ilhas e ilhéus. Geralmente, está presente na área durante quase todo o ano, não se afastando muito dos locais de nidificação. Ocorre em maior número nas ilhas Selvagens (estima-se que haja mais de 2000 casais) e em muito menor número nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. O seu estatuto de conservação é “vulnerável” no arquipélago da Madeira. A predação por espécies introduzidas pelo Homem poderá representar a principal ameaça à sua sobrevivência; no entanto, em alguns dos locais onde existe (e.g., nas Selvagens) essa ameaça foi debelada pela erradicação de vertebrados introduzidos. A proteção do pintainho é garantida pelo facto de ocorrer em áreas de reserva integral e da Rede Natura 2000 e por estar sob vigilância permanente nas ilhas Desertas e Selvagens. Esta ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Alma-negra (Bulweria bulwerii (Jardine & Selby, 1828)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes, apresenta uma ampla distribuição mundial, ocorrendo desde a Macaronésia ao Havai. Na Macaronésia, nidifica nos arquipélagos da Madeira, das Selvagens, dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde. Trata-se da ave marinha de menor porte do arquipélago da Madeira. Completamente negra e com asas pontiagudas (de grande envergadura em relação ao tamanho do corpo), apresenta um voo rápido e planado. Entre abril e setembro nidifica em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras. A postura consiste em apenas num ovo, que é posto no chão, em buracos no solo ou em cavidades nas rochas, por baixo de grandes pedras e em muros artificiais. Nas ilhas Desertas e Selvagens, existem mais de 10.000 casais, sendo provavelmente as Desertas o lugar com a maior concentração mundial de indivíduos (no entanto, pouco se sabe sobre o número de aves que poderá ocorrer na Madeira e em Porto Santo). Antes dos programas de recuperação de habitats das Desertas e Selvagens, os ratos constituíam um sério perigo para a sobrevivência da espécie, assim como a captura de juvenis para servirem como isco (prática entretanto extinta). Os ratos, os gatos e as gaivotas constituem ameaças em algumas áreas não sujeitas a programas de recuperação. Já em finais do séc. XX, inícios do séc. XXI, uma ameaça, a formiga-argentina, cresceu e começou a tornar-se preocupante, principalmente nas Desertas. A elevada pressão turística, a degradação do habitat e a erosão dos solos constituem também importantes fatores de risco. O maior número de aves que ocorre e nidifica no arquipélago da Madeira concentra-se em zonas de reserva integral e da Rede Natura 2000. Esta espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Roque-de-castro, paínho-da-madeira, roquinho ou angelito (Hydrobates castro (Harcout, 1851)). Ave da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes. A nível mundial, distribui-se entre as regiões tropicais do Pacífico e do Atlântico, ocupando áreas como o arquipélago da Madeira, o arquipélago das Selvagens e outros arquipélagos da Macaronésia, as ilhas de Ascensão e de Santa Helena, os arquipélagos das Galápagos e do Havai. Trata-se de uma ave de pequeno porte, de coloração negra e com uma faixa branca no uropígio, sendo a cauda ligeiramente bifurcada. No arquipélago da Madeira, existem duas populações com tempos de nidificação diferentes (verão e inverno) e este facto poderá corresponder à coexistência de duas espécies, a exemplo do que acontece nos Açores. No arquipélago dos Açores, o grupo que nidifica no verão tem a designação de Hydrobates monteiroi (Bolton et al., 2008), sendo que o outro se denomina Hydrobates castro. A população total nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens poderá ser superior a 10.000 indivíduos. A postura (de um ovo), em ninhos, é efetuada em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras e muros de pedra artificiais; nas Selvagens, o roque-de-castro utiliza também ninhos de calcamar abandonados. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são a iluminação artificial existente ao longo a costa (principalmente na ilha da Madeira), a predação por animais exóticos (como os ratos) e a perda do habitat em algumas áreas da sua ocorrência. Boa parte da área em que ocorre é reserva integral e corresponde a zonas da Rede Natura 2000. A espécie está incluída no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Calcamar (Pelagodroma marina hypoleuca (Webb, Berthelot & Mouquin-Tandon, 1841)). Esta ave, da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia e ocorre no arquipélago das Canárias e no arquipélago das Selvagens (as ilhas Selvagens constituem o extremo norte da sua distribuição geográfica). É a ave que nidifica em maior número no arquipélago das Selvagens, fazendo-o na primavera, em ninhos profundos escavados no solo. Chega geralmente após o fim do inverno, abandonando as ilhas entre junho e agosto. A postura é constituída por um ovo apenas. Trata-se de uma ave de pequeno porte com o dorso muito escuro e ventre claro. A plumagem do topo superior da cabeça é escura; já as penas em redor dos olhos são brancas, apresentando uma marca linear escura “transversal” ao olho. As patas são amarelas e longas. O seu nome deve-se ao seu voo característico (a ave parece calcar o mar). O efetivo populacional deverá ser superior a 36.000 indivíduos na Selvagem Grande e a 25.000 na Selvagem Pequena, o que representa a quase totalidade da população europeia da espécie. No passado, antes da recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande, que incluiu a erradicação dos murganhos e coelhos, a predação pelos ratinhos constituía uma ameaça muito importante à sobrevivência da espécie. As áreas de nidificação no arquipélago são reservas integrais e constituem zonas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Apesar da sua abundância e da sua importância, as aves marinhas são muito menos observadas durante o dia do que as aves terrestres. Efetivamente, quem está nas ilhas da Madeira e do Porto Santo observa muito mais aves terrestres do que marinhas. Entre as aves terrestres, destacam-se as seguintes: Pombo-trocaz ou pombo-da-madeira (Columba trocaz Heineken, 1829). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes, endémica da Madeira. De aspeto corpulento, tem entre 38 e 45 cm de comprimento, sendo maior do que pombo-das-rochas. É facilmente identificável pela cor cinzento-azulada, tendo o peito tons de cor de vinho, bico vermelho-vivo, patas de cor carmim (com dedos bastante compridos) e barra clara na cauda (visível à distância). As penas do pescoço apresentam um brilho metálico esverdeado. A fêmea é ligeiramente mais pequena e menos corpulenta do que o macho. Tem como espécies próximas a Columba junoniae, a Columba bollii (ambas das ilhas Canárias) e a Columba palumbus (Europa). Habita essencialmente a laurissilva, mas desce com frequência até aos campos agrícolas, onde provoca grandes danos. Fósseis encontrados na Ponta de São Lourenço sugerem que tinha maior área de distribuição no passado. A sua dieta é muito variada, consistindo em partes de pelo menos 40 espécies de plantas (v.g., bagas de loureiro e de til, agrião selvagem) e ainda em várias plantas cultivadas (e.g., couves). O facto de várias sementes se manterem viáveis, i.e., com capacidade germinativa, após passarem pelo trato digestivo sugere uma ação importante do pombo na dispersão de plantas. Esta espécie nidifica durante todo o ano, sobretudo em alturas em que há alimento suficiente no período entre março e junho. No ninho, camuflado ou escondido numa laje de uma rocha ou numa árvore, é posto geralmente um ovo por casal. Em 2009, existiam entre 8500 e 10.000 indivíduos. Em 2005, o estatuto de conservação desta espécie era “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal; no entanto, como em 2011 foi confirmada a diminuição do grau de ameaça, o estatuto de conservação passou a “pouco preocupante”. O envenenamento, a captura ilegal e a destruição do habitat da laurissilva constituem riscos para a sua sobrevivência. Esta espécie foi caçada legalmente até 1989, ano a partir do qual passou a ter proteção integral. De acordo com o relato da obra Ilhas de Zargo, a espécie era, no passado, vendida no mercado, sendo a sua carne de excelente qualidade. O Instituto das Florestas e Conservação da Natureza realiza sessões de abate com o objetivo do controle populacional, pois de vez em quando a população aumenta de tal forma que se torna uma praga nos campos agrícolas. Do ponto de vista da proteção, a espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” (ao abrigo desta diretiva, o seu habitat, a laurissilva, foi proposto para zona de proteção especial (ZPE)). Grande parte da sua área de distribuição está incluída nas reservas naturais integrais e parciais do PNM e abrange sítios da Rede Natura 2000. O pombo-trocaz foi espécie-alvo de dois projetos LIFE: “Medidas para a Gestão e Conservação da Floresta Laurissilva da Madeira” e “Recuperação de Espécies e Habitats Prioritários da Madeira”. Fig. 2 – Fotografia de pombo-trocaz (Columba trocaz). Espécie endémica da ilha da Madeira. Ribeiro Frio. Fonte: © Carlos Góis-Marques Pombo-claro ou pombo-torcaz (Columba palumbus maderensis, Tschusi, 1904). É uma subespécie endémica que é dada como extinta. Ainda existia no início do séc. XX, tendo o P.e Ernst Schmitz capturado alguns indivíduos. Habitava as montanhas da Madeira, onde fazia ninho nas árvores. Era semelhante às populações europeias da espécie, Columba palumbus, mas um pouco mais escura dorsalmente e com a mancha púrpura do peito maior. Uma das causas de extinção terá sido a caça intensa. Pombo-bravo (Columba livia atlantis, (Bannermann, 1931)). (Espécies cinegéticas e caça). Galinhola (Scolopax rusticola, (Linnaeus, 1758)). (Espécies cinegéticas e caça). Codorniz (Coturnix coturnix confisa, (Hartert, 1917)). (Espécies cinegéticas e caça). Bis-bis (Regulus madeirensis, (Harcourt, 1851)). Trata-se de uma ave da família Regulidae, ordem Passeriformes. É endémica da ilha da Madeira. Existem dúvidas sobre a sua presença e nidificação no Porto Santo. É a ave nidificante mais pequena do arquipélago da Madeira, medindo aproximadamente 8,5 cm de comprimento total. É facilmente identificável pelo tamanho, mas também por ter cabeça listada e pelo seu trino característico (nota aguda e curta, repetida várias vezes). O macho tem a lista da cabeça alaranjada, ao passo que a da fêmea é amarela. Habita essencialmente áreas de maior altitude. Na costa Norte, onde parece ser mais abundante, pode ser encontrada a altitudes menores; aparece com frequência em zonas de floresta indígena, mista e exótica, por vezes em terrenos agrícolas ou áreas rurais; mas é mais comum em zonas de urzais. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá exceder os 10.000 indivíduos. Nidifica em arbustos, em ninhos formados por musgo e líquenes, geralmente nos meses de maio e junho. É essencialmente insectívora. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna; algumas das áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e/ou do PNM. Fig. 3 – Fotografia de bis-bis (Regulus madeirensi). Espécie endémica da ilha da Madeira. Bica da Cana, Paúl da Serra, dez. 2011. Fonte: © José Jesus Pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis (Erlanger, 1899)). É uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. Petronia petronia petronia é a designação atribuída por alguns cientistas à subespécie na Madeira. Em razão desta indefinição de nomes, discute-se o seu estatuto de subespécie endémica da Macaronésia (Madeira, Porto Santo e Canárias). Tendo entre 15 e 17 cm de comprimento, esta ave apresenta cabeça larga e bico relativamente grosso. É de plumagem pardo-acastanhada, com regiões de castanho e branco-sujo no corpo, exibindo uma mancha amarela debaixo da garganta (observável em especial nos machos). Observam-se também listas escuras na zona da cabeça e manchas brancas nas penas exteriores da cauda, bem visíveis durante o voo, as quais lhe são características. Outrora abundante, nos começos do séc. XXI está representada por uma população muito reduzida (entre 250 e 2500 aves, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira). Mesmo em pequeno número, avistam-se alguns bandos, nomeadamente nas freguesias dos Prazeres e da Ponta do Pargo e na ilha do Porto Santo. Distribui-se por áreas abertas com vegetação rasteira, zonas rochosas, falésias sobre o mar e áreas cultivadas, sendo mais frequente nas regiões costeiras e nalguns pontos mais altos das ilhas. Nidifica entre os meses de fevereiro e junho. Alimenta-se essencialmente de sementes e insetos. Devido à sua dieta, esta ave poderá ter tido um impacto negativo sobre os campos agrícolas (ao nível dos grãos) – foi por este motivo que algumas câmaras tentaram combater a espécie. Assim, todos os anos, a Câmara Municipal do Porto Santo obrigava cada chefe de família a apresentar 25 cabeças de pardal durante o mês de junho. Estima-se que as principais ameaças sobre esta subespécie sejam a competição com outras espécies (como o pardal-espanhol) e a predação. O estatuto de conservação é “vulnerável”, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Lamentavelmente, desconhece-se o seu verdadeiro estatuto taxonómico, assim como vários aspetos da sua biologia, e não existe um plano de conservação dirigido a esta ave. A sua proteção é garantida pelo facto de algumas das áreas onde ocorre estarem incluídas no PNM e em áreas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 4 – Fotografia de pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis). Porto Santo. Fonte: © José Jesus Pardal-espanhol (Passer hispaniolensis hipaniolensis (Temminck 1820)). Trata-se de uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. A subespécie ocorre no Sul da Europa, no Norte de África, nas Canárias e em Cabo Verde. Nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, tem uma distribuição descontínua, vivendo em grupos. Prefere os habitats humanizados (jardins, praças urbanas, zonas agrícolas) e as áreas onde se misturam campos abandonados com vegetação rasteira. Esta ave apresenta dimorfismo sexual: o macho tem cabeça castanha, com partes laterais inferiores brancas e com a parte anterior do pescoço e peito negros, enquanto a fêmea é de coloração mais discreta, mais ou menos uniforme e castanha. O seu comprimento total situa-se entre os 14 e os 16 cm. Entre o final do séc. XX e os começos do séc. XXI, a população de pardal-espanhol decresceu significativamente na ilha da Madeira; no entanto, o Porto Santo manteve uma população numerosa, que deve superar largamente a estimativa de 250 a 2500 indivíduos do Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis, (Hartert, 1905)). De acordo com o Elucidário Madeirense, é também chamado carreiró, carreirote, melrinho de Nosso Senhor, melrinho de Nossa Senhora, em certos locais da Madeira, e pode ser conhecido por bica, no Porto Santo. É uma subespécie da família Motacillidae, ordem Passeriformes, endémica das ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. Nas Selvagens, ocorre a subespécie Anthus berthelotii bertheloti (Bolle, 1962), que também se encontra nas Canárias. A subespécie Anthus berthelotii maderensis tem um bico mais longo do que a subespécie típica das Canárias e Selvagens; no entanto, a sua plumagem é muito semelhante à daquela. Na Madeira, é mais frequente na Ponta de São Lourenço, no Pico do Arieiro e na Ponta do Pargo, facto que se deve à sua preferência por terrenos secos e por zonas com vegetação rasteira, desde a costa às cotas mais elevadas. Nas Selvagens, a subespécie Anthus berthelotii bertheloti ocorre essencialmente nos locais de planalto, e menos nas falésias. O corre-caminhos nidifica no chão, no outono e na primavera, e é facilmente identificável pelo seu comportamento. Costuma correr e faz voos curtos, facto que está na origem do seu nome vulgar. Em voo notam-se as retrizes externas brancas. A população de Anthus berthelotii madeirensis situa-se entre as 2500 e as 10.000 aves e parece estável. Faz ninho no solo, entre fevereiro e agosto, pondo cerca de quatro ovos. A população existente nas Selvagens é considerada “vulnerável” devido ao número reduzido de indivíduos que a constitui. Ambas as subespécies podem ocorrer em áreas de reserva integral e parcial do PNM e em zonas da Rede Natura 2000. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 5 – Fotografia de corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis). Ponta de São Lourenço, abr. 2011. Fonte: © José Jesus Lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi (Tschusi, 1900)). De acordo com a obra Elucidário Madeirense, era chamada papamoscas em certos locais do Porto da Cruz. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, da família Motacillidae, ordem Passeriformes. Ocorre na Madeira e no Porto Santo. Esta ave é facilmente identificável pela sua forma “esguia”, pelo peito amarelo e pelo movimento característico, vertical e cadenciado, da cauda, quando a ave está assente no solo. Apresenta um voo ondulado acompanhado de chamamento agudo e metálico. Tem entre 17 e 20 cm de comprimento total e encontra-se sobretudo na proximidade de cursos de água e de poços, desde cotas mais baixas até zonas de maior altitude. Põe entre três e cinco ovos em ninho construído em cavidades de paredes ou barrancos. Diferencia-se das outras formas da espécie por ter o dorso mais escuro. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Boa parte da população ocorre em sítios da Rede Natura 2000 e do PNM, o que lhe confere alguma proteção. A espécie consta do anexo ii da Convenção de Berna. Fig. 6 – Fotografia de lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi). Subespécie endémica do arquipélago da Madeira. Ribeira Brava. Fonte: © José Jesus Papinho (Erithacus rubecula rubecula (Linnaeus, 1758)). É uma subespécie da família Muscicapidae, ordem Passeriformes, que se distribui por Marrocos, pelos Açores, pelo Oeste das Canárias, pela ilha da Madeira e pela ilha do Porto Santo (onde é rara). Na Madeira, pode ocorrer desde a beira-mar até aos 1700 m de altitude. É facilmente identificável pelo seu peito ruivo. O adulto é castanho no dorso e castanho-claro no abdómen e nos flancos; os juvenis são claros com peito manchado. Mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total. A ave tem um canto melodioso. Ocorre essencialmente em zonas de floresta indígena, floresta exótica, floresta de transição, urzais, áreas agrícolas e jardins urbanos. Alimenta-se de insetos, caracóis e minhocas. Nidifica em arbustos, entre março e julho, pondo dois ou três ovos (raramente quatro ou cinco). O efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Algumas zonas onde ocorre são áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. Consta do anexo II da Convenção de Berna. Melro-preto (Turdus merula cabrerae Hartert, 1901). Subespécie endémica da Macaronésia da família Turdidae, ordem Passeriformes. Distribui-se pela Madeira, pelo Porto Santo (onde é rara) e pelas Canárias (existe em algumas ilhas). É facilmente identificável pelo seu tamanho – é o maior passeriforme nidificante (tendo entre 19 e 23,5 cm de comprimento total) –, pelo seu bico (amarelo no macho e acastanhado na fêmea) e pela sua coloração (o macho é uniformemente preto e a fêmea é castanho-escura com algumas manchas). Encontra-se por toda a ilha da Madeira, numa grande variedade de habitats, desde áreas de floresta indígena, floresta exótica, até zonas urbanas e áreas de cultivo. É muito rara nas áreas secas com vegetação rasteira do litoral. Nidifica em pequenas árvores, bananeiras, jardins e campos agrícolas. A postura ocorre geralmente em maio e junho; a época de reprodução pode estender-se entre janeiro e agosto. Alimenta-se de minhocas, insetos, bagas e sementes. O efetivo populacional da Madeira poderá exceder as 10.000 aves. Algumas áreas do seu habitat estão incluídas em zonas de reserva integral e parcial do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. O melro-preto da Madeira consta do anexo II da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. Cigarrinho (Sylvia conspicillata orbitalis (Wahlberg 1854)). Sylvia conspicillata bella (Tschusi, 1901) é outro nome científico dado à subespécie (caído em desuso). Alguns cientistas atribuíram-lhe o nome de Curruca conspicillata orbitalis. Há dúvidas sobre se constitui uma subespécie endémica da Macaronésia. Ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, nas Canárias e em Cabo Verde. É uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. Mede cerca de 12 a 13 cm de comprimento total e tem dimorfismo sexual (a fêmea tem, em geral, uma tonalidade mais acastanhada, sendo efetivamente castanha na cabeça e no dorso, e o macho tem cabeça cinzenta, garganta esbranquiçada, abdómen claro e rosado e dorso castanho). As formas da subespécie da ilha Madeira são mais escuras do que as das Canárias. O cigarrinho ocorre em núcleos espalhados pela ilha da Madeira, em zonas arbustivas densas com pouca perturbação humana. No Porto Santo, é frequente em áreas com alguma vegetação arbustiva, mas também em terreno aberto. O efetivo desta subespécie “tímida” ou pouco conspícua rondará os 2500 indivíduos (no entanto, esta estimativa deve ser considerada com alguma reserva por faltarem estudos sobre esta ave). A população de cigarrinhos do arquipélago da Madeira, embora apresente um estatuto de conservação “vulnerável”, não é alvo de medidas de conservação. Alguns dos locais em que ocorre são sítios da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Toutinegra (Sylvia atricapilla heinecken (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. É uma subespécie que ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Canárias e em algumas zonas da península Ibérica (principalmente no Sudoeste). Possui um típico barrete – preto nos machos e vermelho-escuro (ou acastanhado) nas fêmeas –, sendo também possível encontrar algumas aves melânicas em que a cor preta do barrete do macho desce abaixo da nuca (pelo que recebem, em alguns locais, a denominação de toutinegras de capelo). O comprimento total no adulto varia entre 13,5 e 15 cm. Pode ser observada em vários habitats (áreas com arbustos densos, clareiras, zonas florestais de transição e jardins), sendo rara na laurissilva. Não ultrapassa os 1400 m de altitude, sendo pouco frequente a partir dos 800 m. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélagos do Madeira, deverão existir mais de 10.000 indivíduos. Entre março e junho, constrói o seu ninho nos ramos das árvores e nos arbustos e põe até cinco ovos. No passado, devido aos seus dotes canoros (o típico “tac-tac”), eram capturadas e aprisionadas em gaiolas; nos começos do séc. XXI, esta prática está proibida. Algumas áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e do PNM, o que confere alguma proteção à subespécie. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Tentilhão (Fringilla coelebs maderensis (Sharpe, 1888)). Trata-se de uma subespécie pertencente à família Fringillidae, ordem Passeriformes, endémica da ilha da Madeira. Tendo entre 14 e 16 cm, possui faixas alares e parte externa da cauda brancas. O dimorfismo sexual é evidente: os machos são mais vistosos, têm tonalidades mais vivas (o peito é rosado ou cor de tijolo, o dorso verde-acastanhado e a cabeça azulada); a fêmea é menos colorida, tendo geralmente tonalidade verde-acastanhada e sendo castanho-clara no peito e na região ventral. Existe apenas na ilha da Madeira, sendo observada em toda a sua extensão, exceto a mais baixa altitude. É frequente em zonas arborizadas, com vegetação indígena ou exótica, em áreas agrícolas e rurais habitadas e em regiões com vegetação arbustiva ou mesmo rasteira; também se observa com regularidade em zonas de merenda (onde “petisca” os restos de comida deixados pelas pessoas). Alimenta-se de sementes e insetos. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é numerosa (superior a 100.000 indivíduos). Algumas das áreas em que ocorre pertencem à Rede Natura 2000 e ao PNM. Faz parte do anexo III da Convenção de Berna. Tal como acontece relativamente a outras aves do arquipélago da Madeira, são necessários estudos para conhecê-la melhor. Fig. 7 – Fotografia de tentilhão (Fringilla coelebs maderensis). Subespécie endémica da ilha da Madeira. Macho. Ribeiro Frio, abr. 2016. Fonte: © José Jesus Canário-da-terra ou canário (Serinus canaria (Linnaeus, 1758)). É um endemismo macaronésico da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Tem entre 12,5 e 13,5 cm de comprimento. Apresenta dimorfismo sexual: os machos são mais coloridos e têm cores mais vivas – são mais amarelados – e definidas do que as fêmeas, que são mais discretas (têm cores menos vivas e mais acastanhadas). Distribui-se pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É também encontrada nos arquipélagos dos Açores e das Canárias. O habitat da espécie é variado, compreendendo zonas rurais agrícolas, jardins, áreas urbanas, zonas com vegetação rasteira ou arbustiva. Pode ser observada desde o nível do mar, nas proximidades da zona entremarés, como é frequente nas Desertas, até aos picos mais elevados da ilha da Madeira. É frequente observar-se bandos de canários; de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos. A nidificação inicia-se em janeiro (ou fevereiro) e a época prolonga-se provavelmente até junho. Num ano, pode fazer duas ou três posturas. O seu canto é melodioso e muito variado. Algumas áreas de ocorrência e de nidificação estão incluídas em zonas da Rede Natura e do PNM. A espécie consta do anexo III da Convenção de Berna. Aparentemente, desloca-se entre as várias regiões de uma mesma ilha, o que leva à ocorrência de flutuações locais. Fig. 8 – Fotografia de canário (Serinus canaria) fêmea. Deserta Grande, jun. 2011. Fonte: © José Jesus Pintassilgo (Carduelis carduelis parva (Tschusi, 1901)). Esta ave, da família Fringillidae, ordem Passeriformes, distribui-se pelas ilhas da Madeira e do Porto Santo, pelos Açores, pelas Canárias, pela península Ibérica, pela região ocidental do Mediterrâneo e pelo Noroeste de África. É inconfundível pela sua coloração, tendo cabeça vermelha (ao redor dos olhos e do bico), negra e branca. Possui uma barra alar amarela e larga nas asas pretas. A cauda é preta com manchas brancas. Não tem dimorfismo sexual e o seu comprimento total varia entre os 12 e os 13,5 cm. Os juvenis são mais discretos, sem mancha facial. Pode ser encontrada desde a beira-mar até às grandes altitudes, em áreas cultivadas, abertas ou com vegetação rasteira, com gramíneas e compostas, em jardins, na floresta exótica e indígena degradada. Devido à forma como usa o habitat, sofre grandes flutuações a nível local, verificando-se uma forte sazonalidade. Pode formar bandos e a sua população na Região Autónoma da Madeira situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. No passado, esta ave era capturada e mantida em gaiolas; no entanto, nos começos do séc. xxi esta prática está proibida. Alguns habitats onde ocorre estão incluídos em sítios da Rede Natura 2000 e em áreas do PNM. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Pintarroxo (Carduelis cannabina guentheri (Wolters, 1953)). Na base de dados Avibase, o pintarroxo tem o nome científico de Linaria cannabina guentheri. Subespécie endémica do arquipélago da Madeira, pertence à família Fringillidae, ordem Passeriformes. Esta ave mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total e tem uma cauda relativamente comprida e bico curto, cinzento. Nesta subespécie, ocorre dimorfismo sexual: o macho apresenta peito e fronte avermelhados, nuca cinza e dorso de um castanho homogéneo; a fêmea é de coloração mais discreta, tendo uma tonalidade mais acastanhada do que o macho. Habita em áreas com vegetação rasteira ou com poucos arbustos (onde predominam as gramíneas e as compostas), em terrenos cultivados, jardins e outras áreas humanizadas, tanto em zonas de baixa como de elevada altitude. Pode ser observada em bandos igualmente formados por canários e pintassilgos. As estimativas indicam a existência de 2500 a 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Boa parte dos indivíduos desta subespécie relativamente pouco conhecida ocorre em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave faz parte do anexo II da Convenção de Berna. Verdilhão (Chloris chloris (Linnaeus, 1758)). Tem sido muitas vezes referido que o verdilhão da Madeira pertence à subespécie Chloris chloris aurantiiventri (Cabanis, 1850). Trata-se de uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. A espécie distribui-se pelo Sul da Europa e pelo Norte de África, tendo sido introduzida em vários outros locais (e.g., Açores, Nova Zelândia, Sul da Austrália e Argentina). Não se sabe se terá sido introduzida no arquipélago da Madeira, tendo-se conhecimento de que aí nidifica a partir da déc. de 60 do séc. XX, exclusivamente na ilha da Madeira. Aparece em áreas de floresta exótica pouco densa, em regiões marginais de floresta, perto de áreas de cultivo, ou em zonas abertas com arbustos, eventualmente em áreas urbanas, em parques e jardins. Esta ave amarelo-esverdeada tem entre 14 e 16 cm de comprimento total; o corpo, a cabeça e o bico são mais robustos do que os de espécies que lhe são próximas. Há dimorfismo sexual: a fêmea tem uma coloração bastante mais discreta do que o macho. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá ser superior a 2500 indivíduos. Tem-se pouco conhecimento do modo como a espécie ocorre no arquipélago da Madeira. Lugre (Carduelis spinus (Linnaeus, 1758)). É-lhe também atribuído o nome científico de Spinus spinus (Linnaeus, 1758). É uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Encontra-se na região paleártica, nomeadamente entre a Europa Ocidental e a Rússia Meridional, até à costa do Oceano Pacífico. Só em 2002 foi confirmada a sua nidificação na Madeira, e desde então tem-se assistido a um incremento do efetivo populacional, sendo frequente observá-la na região do Poiso e na dos Estanquinhos (Paúl da Serra), entre outras. Este fringilídeo, que mede entre 11 e 12,5 cm de comprimento total, distingue-se pelas suas asas escuras, com marcas branco-amareladas, e pelos lados da cauda, amarelos essencialmente na base (como no verdilhão). A coroa e o babete são pretos. Tem cabeça pequena e cauda curta. Poupa (Upupa epops (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Upupa epops epops. É uma ave da família Upupidae, ordem Upupiformes. No arquipélago da Madeira, é frequente no Porto Santo e ocasional na ilha da Madeira (onde ocorre principalmente na Ponta de São Lourenço) e nas ilhas Desertas. A espécie distribui-se pela Europa, pelo Noroeste de África e pela Ásia. Vive em áreas secas, com vegetação rasteira herbácea ou arbustiva pouco densa, e em zonas agrícolas. É inconfundível pela sua silhueta e pelo padrão preto e branco das asas, pelo bico comprido e curvo e pela crista bastante evidente, mesmo quando em voo. Tem um comprimento total que varia entre os 25 e os 29 cm. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 250 e 2500 indivíduos. Alimenta-se de invertebrados, como insetos e minhocas. Ocorre em algumas áreas da Rede Natura 2000. Andorinhão-da-serra, andorinha-da-serra ou andorinha (Apus unicolor (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, endémica da Macaronésia, ocorrendo na ilha do Porto Santo, na ilha da Madeira e nas ilhas Canárias. Nidifica em falésias, a qualquer altitude. É observada sobretudo no verão. A maioria dos indivíduos parece migrar, no inverno, para o Norte de África. Esta ave, medindo entre 14 e 15 cm de comprimento total e tendo coloração negra, apresenta um voo rápido bastante característico e uma silhueta em meia-lua (por analogia com fases da lua, parece um quarto crescente ou um quarto minguante). Come essencialmente insetos, pelo que o uso de inseticidas pode constituir uma ameaça para a espécie. Distingue-se de Apus pallidus por ter uma coloração mais homogénea e escura. Ocorre em vários locais, incluindo em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 2500 e 10.000 indivíduos. Andorinhão ou andorinha-do-mar (Apus pallidus brehmorum (Hartert, 1901)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, que ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo e também em algumas ilhas das Canárias, podendo ser igualmente observada nas costas da Europa Meridional (entre a península Ibérica e a Turquia) e no Norte de África. Com um comprimento total que varia entre os 16 e os 18 cm, distingue-se do andorinhão-da-serra (Apus unicolor) por ser um pouco maior do que ele, pela mancha clara na garganta e pela sua coloração menos homogénea. No inverno, parece migrar para regiões situadas a sul do Saara. Embora haja algum desconhecimento quanto à sua distribuição e abundância, sabe-se que esta ave ocorre em vários habitats, desde falésias e ilhéus (onde nidifica) a zonas de interior, entre as quais as regiões de montanha, áreas rurais ou áreas suburbanas. É menos abundante do que a Apus unicolor. A exemplo do que acontece noutras ilhas oceânicas, as aves de rapina estão representadas por um baixo número de espécies, quando comparado com o existente em áreas continentais com características semelhantes. No arquipélago da Madeira e no arquipélago das Selvagens nidificam a manta, o francelho, o fura-bardos e a coruja-das-torres. Manta. Alguns madeirenses conhecem-na como milhafre. Trata-se de uma ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. Durante muito tempo, foi considerada como a subespécie Buteo buteo harterti (Swan, 1919); no entanto, é considerada por alguns cientistas como Buteo buteo buteo (Linnaeus, 1758). Se considerarmos esta ave de rapina como Buteo buteo harterti, podemos afirmar que a subespécie ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas, sendo endémica do arquipélago da Madeira. No entanto, se considerarmos a ave como Buteo buteo buteo, então a população do arquipélago deixa de ser tida como endémica, havendo que considerar as populações ocidentais da região paleártica e da África Ocidental como constituintes da mesma subespécie (Buteo buteo buteo). Independentemente das dúvidas taxonómicas quanto ao estatuto da manta, esta é a maior das aves de rapina que nidificam no arquipélago da Madeira, tendo um comprimento total que poderá superar os 50 cm e uma envergadura que poderá chegar aos 130 cm. É frequente observá-la voando, com batimentos de asa lentos, ou planando em círculos, aproveitando as correntes matinais de ar ascendente (pode também efetuar voos curtos e picados). Ocorre em vários habitats: falésias costeiras e interiores, zonas com pouca vegetação rasteira, áreas florestais indígenas e exóticas, áreas agrícolas e suburbanas. A parte superior do corpo é geralmente castanho-escura; o peito é uniformemente castanho-escuro, listado ou manchado de creme-amarelado. Em voo, as asas mostram cinco rémiges primárias soltas (que parecem dedos) e manchas claras e orlas escuras na parte inferior. A cauda é relativamente curta e a cabeça de pequena dimensão. Esta ave alimenta-se de roedores, coelhos, algumas aves (como a perdiz), lagartixas e insetos. Nidifica a média ou elevada altitude, em precipícios e em árvores de grande porte. A construção do ninho começa em fevereiro ou março. Os pintos deixam o ninho nos meses de julho e agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é superior a 2500 indivíduos, essencialmente localizados na ilha da Madeira. No entanto, em 2006 a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tinha uma estimativa distinta (cerca de 300 aves nas ilhas da Madeira e do Porto Santo). As ameaças que pairam sobre a manta são o envenenamento secundário por pesticidas, a captura e o abate ilegais. No passado, era perseguida e caçada, pelo facto de predar galinhas (e outras aves domésticas) e coelhos. Parte da sua área de ocorrência está incluída em zonas da Rede Natura 2000 e em algumas regiões com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. A manta desapareceu das Desertas em 1996, provavelmente vítima de envenenamento secundário, por predação de coelhos envenenados. De facto, nessa altura decorria o projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, que envolvia a erradicação de coelhos através do envenenamento. No entanto, posteriormente foram feitos alguns avistamentos da manta nas Desertas. Francelho (Falco tinnunculus canariensis (Koenig, 1980)). Na Madeira, há pessoas que os chamam de milhafres. Ave da família Falconidae, ordem Falconiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia que ocorre sobretudo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Canárias. Na Madeira e no Porto Santo, podemos observar francelhos desde o nível do mar até às altas montanhas, em diversos habitats (como falésias, espaços urbanos e suburbanos, zonas florestais, superfícies com pouca vegetação ou com vegetação rasteira, e áreas agrícolas). É a ave de rapina nidificante mais abundante e a mais pequena do arquipélago da Madeira, facilmente identificável em voo pelas suas longas asas, pontiagudas e arqueadas em forma de foice, e pela sua longa cauda, assim como pelo seu típico “peneirar”, ou seja, pelo bater de asas em voo sem deslocamento (o chamado “parado no ar”). No geral, possui dorso e região ventral malhados; porém, as fêmeas, de maior porte, são castanhas na parte superior e têm listas escuras na cabeça, possuindo cauda listada e dorso mais malhado do que o do macho; o macho tem cabeça e cauda cinzentas, uma barra preta subterminal na cauda, parte inferior de tonalidade acastanhada e clara e asas escuras nas extremidades. O comprimento total dos indivíduos da espécie varia entre 31 e 37 cm e a envergadura entre 68 e 78 cm. O francelho é mais pequeno e mais escuro do que os seus congéneres europeus. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, e a exemplo do que aconteceu com a manta, o francelho desapareceu da Deserta Grande em 1996, mas voltou a ser posteriormente detetado na Deserta Grande e no Bugio. A sua dieta é variada e condicionada pela disponibilidade das presas principais (a qual, por sua vez, depende do habitat). Come essencialmente roedores, lagartixas, insetos e pequenas aves. Põe quatro a seis ovos em buracos ou fendas de escarpas rochosas. A estimativa do efetivo varia entre 2500 e 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. As principais ameaças à sobrevivência do francelho são o envenenamento secundário por pesticidas e a perseguição humana (e.g., por meio da captura ilegal). Parte da região da ocorrência da espécie está incluída em zonas que integram a Rede Natura 2000 e em algumas áreas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo i da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. No passado, a caça a estas aves era uma realidade habitual: o povo temia-as, pois predavam os pintos de galinha que andavam à solta. Fura-bardos (Accipiter nisus granti (Sharpe, 1890)). Ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. No arquipélago da Madeira, ocorre apenas na ilha da Madeira, com uma distribuição dispersa. Esta subespécie macaronésica também ocorre nas Canárias. A espécie a que pertence, Accipiter nisus, é conhecida como gavião no continente português e tem vasta distribuição europeia. Por ter hábitos discretos, é difícil de observar. Esta ave habita áreas florestais densas (exóticas ou indígenas), mas também pode ser observada em campos agrícolas. Nidifica nas árvores. Apresenta um porte intermédio entre o do francelho e o da manta e asas arredondadas e relativamente curtas. A fêmea é maior e mais acinzentada do que o macho, tendo o peito e abdómen listados; o macho apresenta tons rosa no peito e no abdómen, cor cinza-azulada no dorso e barras finas e avermelhadas na parte inferior do corpo; ambos os sexos têm corpo estreito, pernas longas e cauda comprida. É a ave de rapina menos conhecida do arquipélago madeirense, pelo que qualquer apreciação a seu respeito deve ser considerada com o devido cuidado. O Elucidário Madeirense refere que é “indígena mas pouco frequente, não tendo sido mencionada na lista de Harcourt” (SILVA e MENESES, 1978, II, 158). Contudo, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 1000 e 2500 fura-bardos. As principais ameaças à sobrevivência da subespécie são a caça (o abate ilegal) e a destruição do habitat por incêndios e corte de árvores. Parte da área de ocorrência da subespécie está incluída em sítios da Rede Natura 2000 e em algumas zonas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. O projeto LIFE Fura-Bardos, compreendendo os anos de 2013 a 2017, tem como fito a conservação da espécie e dos habitats em que ocorre. Coruja ou coruja-das-torres (Tyto alba schmitzi (Hartert, 1900)). Trata-se de uma ave da família Tytonidae, ordem Strigiformes. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, ocorrendo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É a única ave de rapina noturna que nidifica no arquipélago da Madeira, sendo facilmente identificada pela sua silhueta durante o voo, pelo disco facial conspícuo e pelo chamamento agudo e estridente. Mede entre 33 e 39 cm de comprimento e tem entre 80 e 95 cm de envergadura. Apresenta um corpo relativamente delgado, asas para o longo e patas compridas. Embora seja mais escura do que as outras formas da espécie, apresenta uma significativa variação na sua coloração, sendo mais invulgar ter aparência clara. A face é pálida, em forma de coração, e os olhos são rodeados de penas escuras. Ocorre em vários tipos de habitat, desde zonas urbanas a áreas de floresta com clareiras, desde o litoral aos vales profundos do interior. Nidifica essencialmente entre abril e junho, em falésias costeiras e interiores. A coruja alimenta-se essencialmente de roedores, insetos e, eventualmente, de algumas pequenas aves. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o seu efetivo situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Embora esta subespécie não conheça sérias ameaças à sua sobrevivência, a poluição do ambiente por pesticidas, a perseguição e o abate ilegal, bem como as crenças e as superstições em torno dela (são consideradas por muita gente como aves de mau agoiro – segundo a crença, sempre que uma delas passa por cima de uma casa, algo de mau irá acontecer, v.g., o falecimento de uma pessoa) constituem sem dúvida potenciais riscos para ela. No passado, o maior perigo era a perseguição pelas pessoas que as consideravam animais de mau agoiro. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna e ocorre em muitas áreas do PNM e da Rede Natura 2000. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, a coruja desapareceu da Deserta Grande em 1996 (tal como aconteceu com a Manta e o francelho). Posteriormente, voltou, porém, a ser detetada. Gaivota ou gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis michahellis (Naumann, 184)0). “Gaio” ou “gaivoto” são os nomes atribuídos aos indivíduos juvenis, que se distinguem dos adultos pela plumagem escura. Trata-se de uma ave da família Laridae, ordem Charadriiformes. A atribuição de nome científico a estas gaivotas tem sido polémica, e a sua classificação tem variado ao longo do tempo. De todo o modo, vamos considerar que as gaivotas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens pertencem à subespécie Larus michahellis michahellis. Esta ave ocorre nas várias ilhas dos dois arquipélagos, em todo o tipo de terreno próximo do mar, em locais desabitados, falésias costeiras, zonas de lixeiras e de despejos de resíduos orgânicos e perto de áreas de descarregamento de peixe (lotas). As áreas preferenciais de nidificação são o ilhéu dos Desembarcadouros e o ilhéu de Fora. A postura, até três ovos, dá-se nos meses de abril e maio. Esta gaivota caracteriza-se por ser branca. O dorso e a parte superior da asa são cinzentos (com um pouco de cor branca na extremidade da asa). As patas são amarelas. O anel orbital é vermelho e há uma mancha vermelha no bico. Esta ave alimenta-se de grande variedade de presas, como peixes (muitos obtidos nos desperdícios da pesca, pelo que é considerada oportunista em termos de dieta), micromamíferos, aves marinhas, passeriformes, e de lixo orgânico, etc. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas o número de casais é superior a 3900; nas Selvagens, não ultrapassa os 30. As populações desta gaivota têm crescido devido à sua associação com o Homem. Excetuando nas Selvagens, não está ameaçada. Garajau ou garajau-rosado ou gaivina-rosada (Sterna dougallii dougallii (Montagu, 1813)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Selvagens, no arquipélago dos Açores, na Europa, na América do Norte, nas Índias Ocidentais e em África. O seu habitat preferido são as falésias localizadas a baixa altitude e os ilhéus situados em zonas remotas. Esta ave possui o peito ligeiramente rosado na primavera, bico de ponta preta; quando pousada, as penas da cauda ultrapassam as asas estendidas para trás. Nidifica essencialmente na Ponta de São Lourenço, nas Selvagens, nos ilhéus rochosos ou arenosos dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e longe da perturbação humana. Provavelmente, as principais ameaças à sua sobrevivência são a destruição do seu habitat e os predadores introduzidos. Quanto ao estatuto de conservação, a população regional desta subespécie é “vulnerável”; apesar desta classificação, não há qualquer programa de conservação dirigido à espécie. A sua proteção é conferida pelo facto de algumas zonas em que ocorre constarem de áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Garajau ou gaivina (Sterna hirundo hirundo (Linnaeus, 1758)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre em todas as ilhas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, com maior incidência nas zonas costeiras, a baixa altitude, e em pequenos ilhéus, onde nidifica. Na Selvagem Pequena e no ilhéu de Fora nidifica em praias de areia. Nestes arquipélagos, ocorre essencialmente entre os meses de março e setembro, em colónias de dimensão reduzida. Com um comprimento total entre os 34 e os 37 cm e uma envergadura entre os 70 e os 80 cm, o bico é vermelho e robusto e o peito é branco. Distingue-se do garajau-rosado, entre outros aspetos, pelo facto de, quando pousada, a sua cauda não ultrapassar a ponta das asas compridas e estreitas. Esta ave de patas curtas alimenta-se essencialmente de pequenos peixes, crustáceos e insetos. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 250 e 2500 aves. As principais ameaças à sua sobrevivência são a ocupação, a alteração e a destruição do litoral. Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal do ano de 2005 tem o estatuto de conservação “vulnerável”. Esta ave ocorre e nidifica em áreas do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. Encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e no anexo II da Convenção de Berna. Galinha-de-água (Gallinula chloropus (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Gallinula chloropus chloropus. É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. Esta espécie ocorre na Europa, na Ásia, na África e na América. Na Macaronésia, podemos observá-la nos Açores, na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde. No arquipélago da Madeira, a ave nidifica nas ilhas da Madeira e do Porto Santo. O habitat desta ave inclui charcos e lagoas com vegetação densa nas margens, e ela pode ser ocasionalmente vista na foz de algumas ribeiras. Podemos observá-la na lagoa do Lugar de Baixo (ilha da Madeira), na lagoa do Dragoal e na lagoa da Serra de Dentro (ilha do Porto Santo). Também poderá ser observada noutras massas de água com características semelhantes às anteriores. Ave de médio porte, com cerca de 37 cm de comprimento total, facilmente identificável pela plumagem em tons de castanho, azulado e preto, fronte vermelha – tal como o bico, de ponta amarela – e patas claras e esverdeadas. A parte inferior da cauda é branca. Os dedos são bastante compridos. É omnívora, tendo uma dieta à base de plantas aquáticas e suplementada com pequenos animais e ovos de outras aves. Existem poucos indivíduos na Madeira e no Porto Santo, provavelmente menos de 50. Essencialmente pelo reduzido efetivo, mas também pelo baixo número de potenciais locais de nidificação no arquipélago da Madeira, a espécie apresenta o estatuto “em perigo”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal na sua edição de 2005. Galeirão-comum (Fulica atra (Linnaeus, 1758)). É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. A espécie distribui-se pelas regiões paleártica, indo-malaia e australo-asiática. No arquipélago da Madeira, nidifica, pelo menos, na lagoa do Lugar de Baixo, na Foz da Ribeira do Faial e no Porto Santo. É uma ave de 36 a 42 cm de comprimento total e é facilmente identificável pelo bico e placa da fronte brancos e pelo corpo largo de cor cinzenta fuliginosa (parece preta). A cauda é curta e pequena e a cabeça arredondada e preta. No arquipélago da Madeira, o habitat disponível escasseia e é geralmente intervencionado pelo homem, pelo que o efetivo populacional deverá ser muito reduzido. Há ainda a referir a nidificação frequente da rolinha-da-praia ou borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus (Linnaeus, 1758)) no Porto Santo, onde a espécie tem o estatuto “em perigo”. As construções sobre dunas e a circulação de veículos sobre elas constituem as principais ameaças. Outra ave nidificante do arquipélago da Madeira, não referida acima, considerada na listagem de Romano e colegas do ano de 2010 (mas não considerada noutras fontes, como o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira), é o pato-real (Anas platyrhynchus (Linnaeus, 1758)). Há algumas espécies nidificantes ocasionais, como é o caso do garajau-escuro (Onychoprion fuscatus (Linnaeus, 1766)) e do pato mandarim (Aix galericulata (Linnaeus, 1758)). Fig. 9 – Fotografia de galeirão-comum (Fulica atra). Espécie com uma população reduzida na Madeira e Porto Santo e com distribuição restrita a pequenas massas de água. Lagoa do Lugar de Baixo, jan. 2014. Fonte: © José Jesus   Rola-turca (Streptopelia decaocto (Frivaldszky, 1838)). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes. Provavelmente introduzida no arquipélago da Madeira, a espécie é originária do subcontinente indiano. Ocorre nas regiões paleárticas ocidental e oriental. O primeiro registo de nidificação na ilha da Madeira (na Ponta de São Lourenço) data de 2009. É uma ave de média dimensão, de 31 a 34 cm de comprimento total, e elegante. A cauda é longa. A plumagem é pálida; no entanto, existe uma barra preta estreita, delineada a branco, nos lados do pescoço. Alimenta-se essencialmente de matéria vegetal, como grãos. Foram já registados casos de nidificação de outra espécie do género, a rola-comum (Streptopelia turtur), possivelmente também introduzida pelo Homem. Não se conhecem os efeitos da introdução destas duas espécies de rolas. Para prevenir possíveis impactos graves, seria necessário o controlo destas aves e, eventualmente, a sua erradicação. Outras aves nidificantes, presumivelmente introduzidas pelo Homem, são o bico-de-lacre (Estrilda astrild (Linnaeus, 1758)), o pato-mudo (Cairina moschata (Linnaeus, 1758)) e o periquito-de-colar (Psittacula krameri (Scopoli, 1769)). Há ainda outras espécies, possivelmente introduzidas, cuja nidificação na ilha da Madeira não está confirmada, como a caturra (Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792)) e o papagaio-do-senegal (Poicephalus senegalus (Linnaeus, 1766)). Fig. 10 – Fotografia de pato-mudo (Cairina moschata). Espécie provavelmente exótica e em plena expansão da área de distribuição. Lagoa do lugar de Baixo, dez. 2011. Fonte: © José Jesus   Muitas espécies de aves foram introduzidas para a caça, mas algumas foram depois dadas como extintas, como é o caso da galinha-d’Angola (Numida meleagris (Linnaeus, 1758)), da perdiz-moura (Alectoris barbara (Bonnaterre, 1792)), do faisão (Phasianus colchicus (Linnaeus, 1758)) e do pavão (Pavo cristatus (Linnaeus, 1758)). Outras espécies, de que existem referências, encontram-se extintas no meio selvagem do arquipélago da Madeira. Têm sido encontradas e descritas espécies fósseis, especialmente encontradas nas dunas da Piedade e no Porto Santo, tais como o mocho (Otus mauli (Rando et al., 2012)), o ralídeo, (Rallus lowei (Alcover et al., 2015)), uma espécie robusta que possuía asas pequenas e não voava, ambas encontradas na ilha da Madeira, e o Rallus adolfocaesaris (Alcover et al., 2015), uma espécie menos robusta do que a anterior e encontrada na ilha do Porto Santo. Muitas outras espécies fósseis das dunas da Piedade e do Porto Santo poderão estar por descobrir ou descrever. A organização BirdLife International tem um programa cujo objetivo é identificar, proteger e gerir uma rede de áreas relevantes para a viabilidade, a longo prazo, de populações naturais de aves, mediante critérios estabelecidos internacionalmente. Estas áreas recebem a designação de Important Bird and Biodiversity Areas [Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade] (IBAs). As IBAs do arquipélago da Madeira e as principais espécies em cada uma delas encontram-se a seguir referidas: Laurissilva (código: PT083, área: 15.242 ha): alma-negra, cagarra, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e canário-da-terra. Maciço montanhoso oriental (código: PT084, área: 3411 ha): freira-da-madeira, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e corre-caminhos. Ilhas Desertas (código: PT085, área: 1384 ha): freira-do-bugio, alma-negra, cagarra, pintainho, roquinho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhas Selvagens (código: PT086, área: 265 ha): alma-negra, cagarra, pintainho, calcamar, roquinho, corre-caminhos. Ponta de São Lourenço (código: PT087, área: 321 ha): alma-negra, pintainho, roquinho, gaivina-rosada, gaivina, andorinhão-da-serra, canário-da-terra e corre-caminhos. Ponta do Pargo (código: PT088, área: 1161 ha): roquinho, fura-bardos, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhéus do Porto Santo (código: PT089, área: 204 ha): pintainho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. Porto Santo-Oeste (código: PT090, área: 929 ha): roquinho, gaivina, gaivina-rosada, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. [table id=101 /] [table id=102 /]   *Registos dúbios ou não confirmados **Possibilidade/indícios de nidificação   José Jesus (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre

rodrigues, manuel

Manuel Rodrigues nasceu no Funchal a 25 de Novembro de 1697, filho de Francisco Maria dos Ramos e Josefa Maria Pereira, sobrinho do Cap. Manuel Neto Barreto. É referido no Elucidário Madeirense que, com a tenra idade de 15 anos, parte para o Rio de Janeiro, no Brasil. Manuel Rodrigues teve uma vida repleta de aventuras, tendo frequentado o Seminário da Cachoeira, no Brasil, onde foi um aluno brilhante. Já no ano de 1715, alistou-se como soldado no regimento de Manuel de Almeida Castelo em Sacramento. Ainda assim, entra em 1719 para a Ordem de São Francisco em Córdova, na Argentina, onde se torna versado em filosofia e teologia. Manuel Rodrigues acompanha Fr. José de Cardena nas suas viagens. Neste seu percurso como franciscano, passa pelos mais variados países. A morte de seu pai precipita o seu retorno a Portugal, uma vez que as irmãs não tinham meios de subsistência. É em Lisboa, cidade onde finalmente se fixa, que Manuel Rodrigues fica conhecido pelos seus sermões. Diogo Barbosa Machado, em particular, menciona a qualidade da sua oratória aquando das cerimónias fúnebres de D. João V. Manuel Rodrigues morre em Lisboa, muito provavelmente na segunda metade do séc. XVIII.   Amanda Coelho (atualizado a 17.12.2017)  

Religiões

raddi, guiseppe

Giuseppe Raddi, um dos maiores botânicos italianos, nasceu em Florença, a 9 de julho de 1770. Devido à precária situação económica da sua família, começou a trabalhar muito jovem como empregado numa farmácia. Ottaviano Targioni Tozzetti, médico, botânico e mineralogista, foi seu protetor, proporcionando-lhe as primeiras lições de botânica, disciplina na qual Raddi se destacou rapidamente. Em 1785, começou a trabalhar no Orto Botanico em Florença, onde permaneceu até 1795, como assistente de outro ilustre médico e botânico, Attilio Zuccagni. Em seguida, foi diretor e cossecretário do Museu de História Natural em Florença. Os primeiros escritos de Raddi foram publicados em 1806. Em 1817, fez uma expedição exploratória ao Brasil, organizada conjuntamente pelo Grão-Ducado da Toscana e por França. O material recolhido durante a viagem foi catalogado e colocado em herbários que tornaram famoso o seu nome. A sua última viagem, em 1827, foi ao Egito, onde contraiu disenteria; ao tentar voltar para a Itália, morreu em Rhodes, a 6 de setembro de 1829. Raddi esteve na Madeira de 11 a 13 de setembro de 1817. Tendo partido a 13 de agosto de Livorno, “a bordo do navio português S. Sebastião”, passou brevemente pela Ilha, e prosseguiu depois para o Brasil. Aí teve origem a memória Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio-Janeiro [Breve Observação da Ilha da Madeira Feita no Trajeto de Livorno para o Rio de Janeiro], inicialmente publicada em Florença, no n.º 5, de maio de 1821, da revista Antologia. “Uma visita tão curta e passageira àquela Ilha não pode, como é da natureza das coisas, permitir dar informações completas da mesma, especialmente no que diz respeito aos seus produtos, ao solo e ao clima, ou à indústria dos seus habitantes […]” (RADDI, 1821, 4) – declara com toda a honestidade; no entanto, as notícias que dá na sua obra são diversas e precisas, acabando por revelar mais do que o típico relatório objetivo de um botânico. O seu estilo é rápido, direto, literário, de uma forma moderna, e aproxima-se da escrita apropriada às reportagens. Através dele, Raddi relata as particularidades históricas (“diz-se que a Madeira foi descoberta pelos Portugueses em 1420 e por eles mesmos assim chamada Madeira por a terem encontrado inteiramente coberta de árvores” (Id., Ibid., 5)), geográficas e económicas, descrevendo a Ilha como um lugar fértil, mas não muito habitado. À semelhança de outros visitantes, admira-se com o facto de as árvores “quase” formarem “uma única e mesma floresta” – daí o nome do lugar – e de as águas, caindo das montanhas, causarem “inundações, as quais deitam abaixo e transportam pontes, e casas”. Apesar de a estadia na Madeira ter durado apenas dois dias, Raddi concluiu, com base na análise do solo, que este era “inteiramente vulcânico” e rico em rochas basálticas derivadas de uma “verdadeira erupção de lama vulcânica-subaquática”. Admirou-se, em particular, com o seguinte facto: “As montanhas próximas são tão férteis como parece pela visão que se consegue ter, sendo cultivadas como as planícies” (Id., Ibid., 5). Depois de descrever o território, trata do vinho, produto em que se baseava uma grande parte da economia local, descrevendo as pérgulas de videiras, os tempos de poda e os métodos de cultivo e de colheita das uvas: “A vindima geralmente é feita por aqueles ilhéus na primeira quinzena de setembro, a altura em que as uvas estão bem maduras” (Id., Ibid., 8). Seguidamente, concentra-se noutros produtos cultivados como, por exemplo, a batata e o inhame egípcio, e procede à minuciosa, e mais técnica, descrição botânica das flores e plantas da Madeira.   Obras de Giuseppe Raddi: Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio de Janeiro (1821).     Chiara Tommasi (atualizado a 17.12.2017)

Biologia Terrestre

pastoral

“Pastoral” é um termo cujo uso se tem deslocado da ação dos pastores na cura de almas de toda a sociedade para a ação de diversos agentes em campos cada vez mais especializados. “Se a expressão ‘cura de almas’ apontava para o específico, este não era entendido como separação do viver quotidiano; pelo contrário. A partir do Iluminismo e da Revolução Francesa, o progressivo afirmar-se da secularização e da laicidade do Estado estabelecia fronteiras e proibições de acesso crescente. O contributo eclesial específico no interior tornava-se separação, quando não contraposição, marco de fronteira... Tratava-se então de determinar as formas do agir eclesial” (LANZA, 2012, 296). Na enciclopédia dos saberes, a teologia pastoral assumiu um aspeto cognoscitivo geral, enquanto teoria da práxis, e outro especificamente teológico: o horizonte da fé da Igreja. Fundamento da conotação teológica é o princípio da encarnação, já enunciado por Franz Xaver Arnold (1898-1969) como “divino-humano” e pela constituição dogmática Dei Verbum com a expressão gestis verbisque: “por ações e palavras”, Deus revela-nos que está connosco para nos libertar do pecado e da morte. De acordo com tal princípio e com a natureza e estrutura sacramental da Igreja, Sergio Lanza (1945-2012) definiu o objeto e o método da teologia pastoral: o seu objeto material é a pastoral como ação eclesial orgânica nas suas dimensões antropológica global, sociopolítica, cósmico-universal e escatológica; o objeto formal, por seu lado, descobre-se “aqui e agora”, de forma analítica e crítica, no horizonte hermenêutico da fé e no dinamismo do espírito. O adjetivo “teológico-pastoral” refere-se, não a uma realidade em parte teológica e em parte pastoral, mas à teologia pastoral. O método teológico-pastoral é constituído pelas dimensões kairológica (do grego “kairós”, com o significado de “ocasião”, “tempo oportuno”), criteriológica e operativa, presentes em toda esta sequência de fases: 1.ª) análise e avaliação; 2.ª) decisão e projeto; 3.ª) atuação e verificação. Assim, na primeira fase está presente, não só uma dimensão kairológica, mas também uma ativação de critérios idóneos de leitura da realidade, os quais, por sua vez, estão atentos à dimensão operativa, para a qual a fase de avaliação está orientada. Fases e dimensões relacionam-se entre si em termos de prevalência, por um lado, e de presença simultânea, por outro. Na fase de análise e avaliação, e.g., prevalece a dimensão kairológica, mas estão presentes também a criteriológica e a operativa. Entre a fase analítico-avaliativa e a projetual aprofundam-se os critérios (sem esquecer o kairós nem a ação), podendo voltar à leitura da situação para melhor a avaliar, de modo a entrar capazmente na fase projetual. O presente estudo está dividido precisamente segundo estas três fases. Edificação e missão são os dois grandes campos da ação pastoral, ambos movidos pelo impulso da nova evangelização e centrados na vivência das pessoas. No horizonte da nova evangelização, ponto central é a passagem do paradigma do cuidado das almas (centrípeto) ao da evangelização (dinâmico). Tarefa relevante da missão é chegar ao Homem onde ele nasce, estuda, trabalha, sofre, restaura as forças; não só em sentido físico-topográfico, mas também e sobretudo em sentido psicológico e cultural. Sem pretender ser exaustivo, o anúncio e o ensinamento da palavra de Deus, a oração, a liturgia, e o testemunho da caridade não são compartimentos estanques da pastoral, mas indicam um caminho ainda a percorrer, cujos âmbitos principais são a vida afetiva, o trabalho, o tempo livre, a fragilidade humana, a tradição, a educação, a cidadania, etc. “As áreas de exploração temática articulam-se segundo uma figura que vê no entrelaçamento entre o sujeito, a comunidade cristã e a sociedade, por um lado, e, por outro, a perspetiva ‘ad intra’ (comunhão) e ‘ad extra’ (missão) – a infraestrutura epistemológica adequada ao saber teológico pastoral. Como se nota, é praticamente impossível reduzir a um esquema rígido o campo multiforme da ação eclesial, guiado pelo Espírito Santo e interrogado pelos sinais dos tempos. É, todavia, possível identificar alguns âmbitos que a especificidade da fé cristã põe em particular evidência; tais âmbitos assumem carácter não passageiro, e podem, com razão, ser consideradas articulação normativa no campo disciplinar” (Ordo Anni Academici 1998-1999,1998, 244). A evangelização contempla âmbitos como a “primeira” e a “nova” evangelização, a missão ad fideles e a missão ad gentes, a evangelização e as culturas, o ministério pastoral, a procura religiosa, a evangelização da afetividade, a pastoral juvenil, a caridade da moral cristã, a família, a prática litúrgica, a paróquia, etc. Descrita a pastoral como ação eclesial orgânica nas suas diversas dimensões, advertimos a impossibilidade de este trabalho contemplar a maioria dos seus setores específicos. Superadas expressões como “catequese missionária” ou “de diáspora” nos países de antiga cristandade, posteriormente descristianizados, a atividade missionária (missionação) liga-se à catequese, à liturgia, ao exercício da caridade e da diaconia, à renovação da comunidade, etc., mas respeitando a especificidade destas. Não há esse respeito em expressões como “catequese kerygmática”, “catequese evangelizadora”, “pré-evangelização” ou “pré-catequese”, que pretendem preencher com formas espúrias o campo primeira evangelização. É neste campo da primeira evangelização (e designadamente de primeiro anúncio) que se situa a missão ad fideles, considerada como ação eclesial extraordinária de implantatio evangélica e eclesial. Desta colocação resulta que “a primeira evangelização, tem, por conseguinte, caráter kerygmático, mas não se reduz de modo nenhum à simples proclamação verbal do kérygma” (LANZA, 1994, 34). Enquanto primeira evangelização, a renovada missão ad fideles tem constituído uma forma apta ao almejado ardor missionário, que não deve ser confundido com os processos do tornar-se cristão (catecumenado ou educação cristã). A escansão teológico-pastoral daquele teólogo de Latrão prevê uma estrutura “em unidade de perspetiva sob a denominação de primeira evangelização, nas suas duas fases salientes: primeira evangelização ad extra, de carácter distintamente missionário; primeira evangelização na comunidade, com carácter de aprofundamento e de avaliação das motivações, em clima de acolhimento em vista da decisão de fé que conduz à entrada no catecumenado” (LANZA, 1994, 36) ou ao completá-lo, uma vez interrompido a certo ponto do itinerário por o “catecúmeno” se ter daí “afastado”, conforme prevê o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (Ritual…, 1995, § 295). A missão entre fiéis (ad fideles, por oposição a ad gentes), embora se dirija a maior parte das vezes a batizados, tem a caraterística de primeira evangelização ad extra, uma vez que a referida oposição não é taxativa. Requer-se, pois, em cada época, competência, parrêsia (i.e., franqueza, coragem), iluminação e capacidade, seja de atrair, seja de lançar pontes. E tal não pode ser deixando à mera iniciativa individual dos cristãos, mas propondo estruturas dinâmicas e formas aptas aos que se encontram afastados da comunhão do povo de Deus. O panorama teológico-pastoral pós-moderno, tanto a nível de identidade e método como das estruturas e formas de primeira evangelização, é nota dominante nos países de antiga evangelização como Portugal. O mesmo se diga da cristandade transplantada do território continental português para o que viria a constituir, desde 1514, a Diocese do Funchal. Forma de pastoral extraordinária, originalmente implantada pelos Jesuítas portugueses, a missão ad fideles poderia ter chegado, depois de 1566, por mão dos discípulos de Inácio de Loiola à Diocese que Leão X criara para o arquipélago povoado havia menos de um século e todos os territórios descobertos e por descobrir pelos Portugueses. Eduardo Nunes Pereira, porém, considera que, graças à sua preparação intelectual e espiritual, os Franciscanos se dedicavam à pregação, no que eram secundados pelo clero diocesano, mas não pelos Jesuítas, mesmo se “pelo seu estatuto e carta de dotação tinham obrigação da prédica [...]. Todos estes factos levam-nos a supor que a Companhia não atingiu o nível que alcançou em outras terras do Continente e Ultramar, porque veio a encontrar na Madeira, em pleno e seguro desenvolvimento, a Ordem Seráfica” (PEREIRA, 1968, II, 294), que, apesar da doação espiritual à Ordem de Cristo, em 1433, já “descobrira” espiritualmente o arquipélago. Graças a tal preponderância dos Franciscanos, a Diocese do Funchal continuou a celebrar com especial empenho o final do Advento, cantando antes da aurora as missas à Virgem do Parto. O Corpo de Deus, celebrado em clima diocesano, é prolongado ao longo do ano nas diversas paróquias e na sua diáspora. As visitas do Divino Espírito Santo, cada domingo em diferentes sítios de uma paróquia, dão à cinquentena pascal uma conotação pneumatológica.   Análise e avaliação Na sequência da renovação da Igreja em Portugal e do Sínodo dos Leigos que teve lugar em Roma em 1987, os bispos portugueses puseram em marcha um trabalho, realizado quer na área das dioceses e das paróquias, quer no seio dos movimentos e das associações para preparar um congresso nacional de leigos. O trabalho dos 2000 delegados nos dias 2 a 5 de junho de 1988 representa, por conseguinte, o culminar de um movimento mais amplo que gerou justas expectativas na nossa Igreja: no mínimo, uma sondagem global dos seus recursos humanos e da sua própria visão. É por esta capacidade de análise – devida tanto à qualidade dos métodos sociológicos como à larga participação eclesial – que nos debruçamos sobre este acontecimento. Neste âmbito, realizou‑se em cada Diocese um congresso de leigos, cujas conclusões seriam levadas ao congresso nacional, em Fátima. Foi o caso do primeiro congresso de leigos da Diocese do Funchal, de 5 a 7 de fevereiro de 1988, precedido de um estudo sociológico. O congresso do Funchal encomendou a uma empresa especializada em análises sociológicas um estudo de “interesse” teológico-pastoral de oito paróquias representativas da Diocese, cujos dados se apresentam a seguir. O congresso diocesano constatou que a generalidade dos madeirenses – quase todos católicos – procurava a Igreja para o batismo, a catequese, a primeira comunhão e o matrimónio, apesar de a frequência da eucaristia e da reconciliação revelar uma grande diferença entre as várias zonas da Diocese. Esta diferença era evidente do ponto de vista de uma religiosidade genérica, admitida pela quase totalidade dos inquiridos das paróquias rurais e por uma parte dos das paróquias suburbanas; menos evidente, à medida que os centros urbanos cresciam. Declarava-se católica a quase totalidade da população madeirense, excetuadas as paróquias mais populosas do arquipélago, como S. Pedro e S.to António. Também a prática era menor, aumentado à medida que nos aproximamos do meio rural. O congresso funchalense falava, em conjunto, da frequência dos sacramentos da eucaristia (prática dominical) e da reconciliação. Quanto ao primeiro, o estudo feito revelou que as razões do abandono da prática dominical na Diocese do Funchal não se prendiam com a consciência de ter perdido a fé, nem com a deficiência da assistência religiosa nem com preconceitos classistas; a privatização do facto religioso prevalecia sobre a indisponibilidade. Quanto à reconciliação, prevaleciam os que se confessam 1 ou 2 vezes por ano (paróquias de S.to António, Achada de Gaula, S. Vicente e Santana), logo seguidos daqueles que o faziam entre 3 e 11 vezes no mesmo ano (paróquias de Machico, S.ta Cruz, Loreto e Porto Santo). A alguns pontos percentuais estavam os que raramente ou nunca se confessavam; na paróquia de S. Pedro, na capital madeirense, quase metade dos inquiridos nunca se confessava. Dentro do universo dos inquiridos, indiferentemente do seu estatuto religioso, na capital quase metade dos inquiridos rezava diariamente, contra 11 % que nunca o faziam. Nas restantes paróquias, a percentagem dos que oravam diariamente oscilava entre os 70 % de S.ta Cecília e os 60 % de Machico, enquanto os que nunca o faziam representavam valores na ordem de 1 % (Achadas de Gaula e Loreto) a 9,1 % (Porto Santo). Quem mais ia à missa em 1989 eram os habitantes do Loreto (86 %), nomeadamente os jovens dos 15 aos 24 anos (81,5 %), os adultos dos 45 aos 54 anos (93,3 %) e todos os inquiridos com mais de 65 anos. Esta paróquia rural só era ultrapassada pela também rural Achada de Gaula, na faixa dos 25 aos 34 anos (75 %) e dos 55 aos 64 (95,3 %), e pela paróquia suburbana de S.ta Cecília, na faixa dos 35 aos 44 anos (100 %). Os mínimos da prática dominical em todas as faixas etárias registavam-se na paróquia de S. Pedro, no maior centro urbano da Diocese do Funchal. Concluiu-se que a prática dominical era percentualmente menor nos grandes aglomerados, salvo nas idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos, em que algumas paróquias urbanas e suburbanas tinham mais prática que as rurais. Não é legítimo comparar as médias percentuais de um inquérito como o de 1989 com os resultados de recenseamentos da prática dominical em 1977 e 1991, uma vez que se trata de métodos sociológicos diferentes. Contudo, é possível comparar as tendências entre as faixas etárias em cada um dos anos. Os estudos eram unânimes em apresentar como menos praticantes os indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, em comparação com os mais velhos. Contudo, entre estes, os recenseamentos da prática dominical concordavam quanto à menor prática dos sexagenários, enquanto o inquérito de 1989 os considerava mais praticantes que os de meia-idade (25-54 anos). Acrescente-se ainda que os sucessivos recenseamentos revelaram uma diminuição da prática dominical das crianças e dos adolescentes. A descida dessa prática entre os adultos dos 40 aos 54 anos (-0,4 %) era compensada pela subida dos jovens adultos (25-39 anos). Quanto aos mais velhos, a subida foi maior entre os 55 e os 69 anos do que a partir dos septuagenários. O Boletim Diocesano do Funchal acusava, globalmente, a subida de presenças de homens com mais de 70 anos e das senhoras a partir dos 55, a diminuição dos lugares de culto, do número de celebrações e de presenças, e um ligeiro aumento do número de comunhões. As presenças diminuíram em todos os concelhos, exceto no Porto Santo e na Ribeira Brava. As comunhões, nestes dois concelhos, aumentaram 197,6 % e 59,55 % respetivamente. O concelho da Calheta manteve-se, quanto ao número de comunhões, na ordem dos 20,55 %. O concelho de Câmara de Lobos teve uma baixa de 750 presenças e um aumento de 1561 comunhões (27,35 %). O concelho do Funchal viu diminuído o número de presenças em 7500, com um aumento de 500 comunhões. Nos concelhos de Machico, Ponta de Sol, Porto Moniz e Santana (com uma diminuição acentuada), baixaram as presenças e comunhões. No concelho de São Vicente, baixou o número de presenças em mais de 1300 e aumentaram as comunhões em cerca de 200. As faixas etárias que mais diminuíram foram as de 7-14 e 15-24 anos. Estes números exigiam, no entender da Diocese, uma reflexão pastoral. A pastoral da juventude e da família, os cursos bíblicos, a animação litúrgica, uma atenção particular à população académica deveriam ser prioritários. Fazer uma análise da iniciação cristã dos madeirenses significa indagar o modo como se tornam cristãos, através da catequese, do exercício da vida cristã, da liturgia, da evangelização e edificação da Igreja. Além da prática dominical e do sacramento da reconciliação, o inquérito versou a iniciação cristã, na sua vertente tanto sacramental como catequética. Além disso, embora o matrimónio não faça parte da iniciação cristã, uma vez que na Diocese do Funchal era prática generalizada (no cumprimento da lei canónica) exigir a confirmação aos nubentes, importa analisar a relação entre ambos os sacramentos. Segundo a sondagem de 1988, os madeirenses eram batizados quase todos antes da “idade da razão”, não chegando a 1 % os que o faziam depois dos 15 anos. A relação entre a educação cristã, designadamente a catequese, e os sacramentos da iniciação cristã estava patente na proximidade percentual entre os que frequentaram a catequese (97,4 %) e os que fizeram a primeira comunhão (90,0 %). A diminuição dos catequizandos à medida que ia aumentando a sua idade explicava o menor número total de crismados (92,1 %). E o facto de 49,7 % dos inquiridos terem frequentado a catequese até aos 12 anos explicava que 50,3 % tivessem feito o crisma entre os 12 e os 14 anos. De facto, a catequese na Diocese do Funchal terminava por norma com a celebração da confirmação e – segundo os inquiridos – não havia catequese depois disso. Era a diretiva canónica um dos motivos que levava os jovens que se queriam casar catolicamente a receberem aquele sacramento, geralmente depois de concluído o itinerário catequético normal ou, por vezes, através de uma preparação ad hoc na iminência do matrimónio. O 1.º congresso de leigos da Diocese do Funchal concluiu que a paróquia era uma referência forte, sobretudo no meio rural, e que muitos cristãos afluíam a ela, mas poucos pertenciam a associações e obras religiosas. Na Madeira, a tradição associativa não parecia enraizada na população, a avaliar pela média de 22,2 % de associados nas mais diversas instituições. O dinamismo destas, de resto, não parecia depender da tipologia demográfica; os habitantes das paróquias de Santana (rural, 32 %) e de S.to António (suburbana, 29,5 %) eram os que mais se associavam. Idêntico fenómeno se registava entre os católicos dessas mesmas paróquias, cujos 21 %, sensivelmente, se situavam acima da média de associativismo, dos 960 católicos inquiridos: 14,6 %. Tal fenómeno invertia-se em zonas rurais como as Achadas da Cruz e o Loreto, onde as associações católicas contavam com maior percentagem de membros do que as suas congéneres não-católicas. Sobre as razões por que os católicos não se associam não se debruçou a comissão permanente de coordenação pastoral, pois o estudo de que dispunha não era conclusivo: 74,1 % dos inquiridos disse não ter razões e 58,9 % invocou falta de tempo. Por outro lado, só 12,4 % sabiam da existência ou não de um boletim paroquial e só uma média de 46 % o liam. No campo da informação, eram os meios regionais e nacionais que suscitavam maior interesse (20,2 % de assinaturas, 54,4 % de audiência radiofónica e 71,9 % de audiência televisiva), apesar das discrepâncias entre paróquias bem informadas como S.ta Cecília, e paróquias com défice de informação como o Loreto. A participação monetária (84,7 % dos 997 inquiridos) era, sem dúvida, superior ao interesse pela informação. Estava ligada, contudo, a um segmento bem determinado da vida eclesial, o culto, uma vez que a maioria contribuía através do ofertório da missa. Além disso, só em quatro paróquias havia uma maioria de inquiridos cuja segunda forma de participação não era meramente esporádica, uma vez que pagava quotas. O congresso funchalense avaliou ainda os baixos índices de participação na vida social, política, cultural e sindical e a pouca sensibilidade aos problemas sociais como: o alcoolismo, as drogas, o analfabetismo, a degradação moral, a corrupção, a desintegração da família, o papel subalterno da mulher, o conformismo face às desigualdades sociais, a habitação, os problemas dos jovens e dos deficientes. Os baixos índices de participação em associações de carácter genérico influíam, como se afirmou, no específico associativismo eclesial, mas, por outro lado, constituíam indício das preocupações e interesses dos cidadãos e, por reflexo, também dos cristãos. 12,6 % dos inquiridos não tinham nenhuma preocupação pelo mundo que os rodeava. Dos que as tinham, a maioria preocupava-se com a guerra ou com a saúde, prevalecendo esta preocupação nos meios rurais. Outras preocupações apontadas foram a fome e sobretudo as finanças. Tal elenco denota que os problemas são captados de um ponto de vista individualista, por um lado, e genérico, por outro, não se tendo em conta, por conseguinte, as situações concretas do próximo em sentido evangélico. Os trabalhos do congresso encerraram sob a nota da “participação corresponsável [...] nas tarefas de renovação da Igreja e da construção do mundo segundo o Evangelho” (CONGRESSO NACIONAL DE LEIGOS, 1988, 379). Analisando os “sinais dos tempos” presentes no mundo, os congressistas notaram que a inovação tecnológica, a internacionalização da economia, a integração europeia, o surgimento de novas realidades culturais tinham dado lugar a processos de mudança que, a par de muitos aspetos positivos, geravam tensões, conflitos e risco de agravamento de desigualdades e injustiças, e grande insegurança em relação a valores e modelos de vida. O congresso não dava, no entanto, a estes factos valor de determinismos cegos, contrapondo a um estilo de vida marcado pelo hedonismo e pelo individualismo e um modelo económico e social excessivamente competitivo escolhas conformes com a dignidade do homem e com o projeto do evangelho. O congresso discerniu, na Igreja, como bons “sinais dos tempos”: a comunhão, designadamente pela maior participação e abertura ao diálogo, e a corresponsabilidade traduzida na consciência de que há uma missão comum a toda a Igreja. Mas a ausência do espírito conciliar e a dificuldade de se comprometer na sociedade eram maus “sinais dos tempos” entre os cristãos portugueses do final de milénio. Esta auscultação dos leigos mereceu uma carta pastoral do episcopado, que pretendia ser, ao mesmo tempo, incentivo e programa para o esforço evangelizador em Portugal. A análise do quartel pós-conciliar (1965-1989) foi muito positiva quanto à evolução da Igreja, secundando o que já dissera o congresso do ano anterior. Mas os bispos foram mais concretos, enumerando como sinais positivos a renovação ou o surgimento de movimentos e associações laicais, nomeando a Ação Católica, a renascer de uma profunda crise, bem como a participação dos leigos na catequese e na vida litúrgica, organizativa e apostólica. Contudo, chamavam a atenção para a tentação individualista que atentava contra a dinâmica comunitária da missão da Igreja, uma vez que a participação tinha frequentemente a forma de poder e não de serviço, e havia gosto em participar, mas não profundidade na formação da fé, exigida pela missão. Eis a razão por que a missão da Igreja, inclusive as missões ad fideles, no pós‑congresso viria a fazer parte da instrução pastoral dos bispos portugueses intitulada A Formação Cristã de Base dos Adultos, de 1994. Decisão e projeto Os cristãos, e em particular os leigos, requeriam formação profunda e permanente para se empenharem na edificação da Igreja e na realização da sua missão. Muitos dos batizados não praticantes teriam chegado a essa atitude por falta de formação adequada. Por outro lado, num mundo caraterizado pelo princípio da competência na realização das tarefas profanas, a missão exigia cada vez mais competências específicas que só uma sólida formação cristã podia proporcionar. Por isso, a formação cristã era uma das mais urgentes prioridades pastorais. Esta prioridade seria apontada como prioridade da ação pastoral por vários congressos diocesanos, articulados com o congresso nacional dos leigos de 1998. De facto, a carta de 1989 quedava‑se pelas “grandes coordenadas da formação cristã”, remetendo para a instrução que só viria a lume em 1994 “o ritmo e o plano de formação permanente para os cristãos leigos” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, 1989, § 23). Passamos à sua análise. Urgência da formação cristã dos adultos A catequese na infância de grande parte dos leigos adultos revelou-se insuficiente para interpretar as experiências da idade adulta, as questões sociais e morais, e para dar razões da própria da fé. A fé cristã é um dinamismo de vida sociológico, psicológico (idades evolutivas), razoável (não meramente racional), teológico e especificamente missionário (de alteridade). Cada concretização autêntica da fidelidade à vocação projeta para a missão; as exigências desta proporcionam a descoberta e vivência mais profunda daquela. Referindo‑se à exortação apostólica pós‑sinodal sobre os leigos, os bispos de Portugal consideravam decisivo o modelo comunional de Igreja, aqui incluída a missão dos cristãos leigos no mundo, a qual deve convergir para a experiência comunitária da fé. Da constatação de que se vivia um cristianismo passivo, sem identificação eclesial nem compromisso cristão, surgiu a necessidade de incrementar a consciência de que a missão da Igreja é obra de todos os seus membros e de realizar aquela eclesiologia de comunhão através de uma opção pastoral fundamental: edificar comunidades vivas de fé, de amor, de dinamismo missionário; só elas podem garantir a cada um dos fiéis a sua plenitude cristã e a toda a Igreja a fidelidade à missão. Entendida negativamente, a secularização foi considerada pela carta de 1989 como secularismo, i.e., perda da inspiração cristã dos comportamentos e dos critérios de discernimento da realidade: rutura entre a cultura e a fé, indiferença religiosa, pluralismo religioso, confusão moral, “ataque” de seitas, em suma, descristianização ou negação da dimensão transcendente de uma ordem secular justamente autónoma. Note-se que, vista positivamente, a secularidade sadia é um processo de autonomia da cidade secular que gera uma cultura em que germinam valores de matriz cristã – como a justiça, a paz, o respeito pela pessoa humana, a solidariedade, a participação, a dignificação do trabalho – e mesmo o regresso do sagrado como ambiente favorável ao despontar de tais valores. Os adultos são o alicerce da comunidade, que é, por sua vez, matriz da catequese e de toda a educação e formação cristã. É interessante notar que “fortalecer o alicerce da vida cristã” foi também a expressão usada em sede de “formação na perspetiva da nova evangelização”, como forma desta, que incluísse uma “iniciação cristã integral aberta a todas as componentes da vida cristã” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTGUESA, 1994, § 4). Aludia-se à exortação apostólica Catechesi Tradendæ, de João Paulo II, adotando o seu sentido inclusivo de catequese enquanto ensino (ou educação) feito de forma sistemática, essencial e suficientemente completa, diferente de kerygma: “uma enunciação cristã integral, aberta a todas as outras componentes da vida cristã” (JOÃO PAULO II, 1979, § 21).   Missão ad fideles Um certo número de elementos da missão pastoral da Igreja tem um aspeto catequético, prepara a catequese ou desenvolve-a: o primeiro anúncio do evangelho ou pregação missionária pelo kerygma para suscitar a fé. Fazendo uma breve resenha histórica dos vários modos de formação, os bispos consideravam as missões ad fideles uma forma privilegiada de promover, após o Concílio de Trento, a conversão e o crescimento da fé dos adultos. Como se depreende, a Conferência Episcopal portuguesa reconheceu o multissecular valor das missões ad fideles em Portugal no âmbito da evangelização, aliás na linha das exortações apostólicas Evangelii Nuntiandi e Catechesi tradendæ, do discurso papal ao primeiro convénio nacional para as missões ad fideles e do Código de Direito Canónico. A pastoral da fé identificada pelos bispos portugueses como prioritária concretizava-se na formação cristã de base, em todos os seus âmbitos e níveis. O nível médio teria em vista a formação de líderes e o aprofundamento dos elementos fundamentais da fé cristã: Sagrada Escritura, mistério de Deus, Jesus Cristo, Igreja e história da Igreja, liturgia, antropologia, moral e doutrina social da Igreja. O nível superior formaria cristãos mais esclarecidos, capazes de orientar atividades pastorais, nomeadamente a formação de nível básico e médio. A formação permanente e a especializada teria por objetivo a preparação específica para o exercício de ministérios laicais ou serviços eclesiais. Dada a constatação de que era necessário cuidar do alicerce da vida cristã, i.e., da primeira evangelização, seria de esperar que fosse prioridade para Portugal o seguinte: a) nível de introdução, sensibilização ou kerygma, que tem em vista fazer o anúncio de Jesus Cristo como o único em quem encontramos a salvação, procurando despertar a fé e a conversão iniciais; àqueles que andam afastados ou não tiveram qualquer iniciação catequética é necessário apresentar os elementos primários e essenciais da fé de forma simples, acessível e testemunhal; b) nível básico, que tem em vista proporcionar uma visão de conjunto e atualizada da fé nos seus elementos integrantes (a história da salvação resumida no credo, os sacramentos, os mandamentos e a oração, conforme a genuína tradição catequética recolhida pelo Catecismo da Igreja Católica), abrangendo as várias dimensões da vida cristã. Torna‑se desde já claro que uma missão ad fideles que abranja o nível de introdução ou sensibilização enquanto visão básica de conjunto da vida cristã não pode ser um acontecimento limitado no tempo; deve incluir tempos prévios e subsequentes. Fernando Taccone recolheu as formulações que melhor caraterizam as missões ad fideles: anúncio extraordinário da palavra de Deus, proclamada por uma comunidade profética que, pela força do Espírito Santo e por mandato da Igreja, chama todo o homem à conversão, para tornar evangelizadora a comunidade evangelizada. É importante sublinhar o carácter extraordinário desta forma de ação eclesial, como fez Marciano Morra: não apresentar nenhuma novidade no contexto da vida sacramental, no exercício da caridade, mas pôr em movimento um conjunto de energias naturais e sobrenaturais que na pastoral ordinária dificilmente se libertam. Na missão ad fideles, ad populum, o povo é entendido enquanto realidade sociológica, religiosa e teológica, ao passo que a missão tem uma vertente social e outra religiosa. O povo é constituído sociologicamente ao longo dos tempos e das culturas como união de pessoas; o facto de estas exprimirem o transcendente torna‑o realidade religiosa e especificamente teológica ao haver uma especial convocação de Deus para uma missão de testemunho. A missão é apanágio de todo e qualquer povo, se bem que segundo tempos e modos diversos, mas é também a missão do povo de Deus, já indicada no êxodo e confirmada por Jesus Cristo que, enviado pelo Pai, manda os seus apóstolos para o meio do povo. Reza a tradição viva da Igreja nascente: “Assim, todo o apóstolo que vier ao vosso encontro seja recebido como o Senhor; mas não ficará senão um só dia; e, se houver necessidade, também o seguinte; se ficar três dias, é um falso profeta” (Didakhé, 1965, 4).   Atuação e verificação Quando o kairós é de nova evangelização, a perspetiva ad intra (comunhão) está ao serviço da perspetiva ad extra (missão), a edificação é campo de ação aberto à missão pastoral; o paradigma do cuidado das almas (centrípeto) cede ao da evangelização (dinâmico). Além disso, o objeto material da teologia pastoral é a ação eclesial orgânica; não apenas dos pastores. Daí evidenciarmos, seguidamente, alguns aspetos da ação do conjunto da Igreja do Funchal durante os episcopados posteriores ao Estado Novo.   O episcopado de D. Francisco Santana Nomeado e ordenado bispo em março, em maio de 1974 entrava D. Francisco Antunes Santana na Diocese do Funchal, onde permaneceria até morrer, em março de 1982. Na senda do Concílio do Vaticano II e do apelo do Papa Paulo VI, D. Francisco suscitou a colaboração da Diocese na dinamização e ação eclesial, pretendendo “ouvir mais do que falar” (CONSELHO DIOCESANO DO APOSTOLADO DOS LEIGOS, 1974, 22), atitude que muitos lhe reconheciam. “Sentindo a responsabilidade que pesa sobre todos nós neste momento [pós-conciliar e, em Portugal, revolucionário], num momento, por um lado, muito rico de valores humanos e cristãos, mas por outro lado também um momento de desafio à Igreja, vindo de dentro e de fora […] momento concreto da vida nacional” (Id., Ibid., 22), foi constituído o conselho diocesano do apostolado dos leigos com 76 membros de paróquias, associações e movimentos de âmbito diocesano, nacional e internacional atuantes na Diocese; estaria em articulação com os conselhos presbiteral, pastoral diocesano e pastoral paroquial. Pretendia-se atento às carências de apostolado da Diocese, promovendo a colaboração de todas as associações de fiéis, apoiando e dinamizando as iniciativas que melhor servissem os fins da Diocese, organizando uma estrutura de base, por paróquias e arciprestados, que assegurasse, em termos geográficos, uma real representatividade dos leigos na constituição dos futuros conselhos e, simultaneamente, facilitasse a rápida circulação de ideias e experiências. O dito conselho dispunha-se, em 1974, a ajudar, concretamente na paróquia, no arquipélago, no meio ambiente e na Diocese, à solução dos problemas principais da Igreja: as supostas desunião, desatualização e carência de clero; a deficiência da catequese e da educação moral e religiosa; a separação entre a vida e a fé; a inadequação da pastoral às realidades diocesanas; a falta de integração dos leigos. Tal ajuda concretizar-se-ia colaborando os presbíteros na evangelização dos demais fiéis, menos esclarecidos, a fim de se juntarem e poderem descobrir como atuar e desempenhar o seu papel de autênticos cristãos, organizando reuniões a fim de promoverem palestras, filmes, conferências, diálogos; de prepararem os conselhos das paróquias; de fazerem uma profunda reflexão e a transmitirem aos outros leigos e ao conselho presbiteral, e estimularem ações que, no conjunto da pastoral, permitissem dar à face da Igreja um aspeto de maior autenticidade. Em 1975, reunia-se o mesmo conselho de leigos, sendo objetivo principal desta assembleia debruçar-se sobre a criação de uma estrutura diocesana de base paroquial que respondesse à crise religiosa daquele tempo, a saber, os conselhos (pastorais) paroquiais. Antes, porém, questionados os grupos acerca de como encaravam o ateísmo ou o simples indiferentismo religioso existente no próprio meio, suas causas, e possíveis formas de, nesses ambientes, se dar uma resposta cristã, responderam que uma forma de reagir cristãmente é ter coerência, dando testemunho de fé e de vida inseridos no mundo, descobrir novas experiências de fé, fomentar uma catequese mais organizada e equipas paroquiais de entreajuda, não dividir a paróquia entre uma elite e os outros, estimular a disponibilidade dos leigos e a colaboração dos padres; criar cursos bíblicos; multiplicar experiências litúrgicas com participação mais direta em pequenos grupos, estar atento às atuações de certos padres progressistas, criticar o tradicionalismo do pároco, ajudando-o a ultrapassar os seus aspetos negativos; pôr em prática a doutrina social da Igreja; procurar que todos possuam independência económica, promovendo paralelamente um esclarecimento, reunir em conselhos as forças vivas da paróquia em espírito de Igreja; fomentar o aparecimento de grupos ativos nas paróquias, como o escutismo, os jovens cristãos, etc. (Id., Ibid., 19-26)   O longo episcopado de D. Teodoro de Faria Do múnus de D. Teodoro de Faria – segundo bispo do Funchal (entre maio de 1982 e maio de 2007) proveniente desta Diocese – podem destacar-se a organização das seguintes realidades: a Ação Católica; os acólitos; o arquivo documental e, especificamente, musical, da Diocese; a beatificação do Imperador Carlos da Áustria, na parte do processo que coube à Diocese; a biblioteca da Cúria Diocesana; a Cáritas diocesana; os cursos de cristandade; os conselhos económico, pastoral e de consultores da Diocese; a educação moral e religiosa católica nas escolas públicas, além das católicas; a formação de agentes culturais e pastorais pela Universidade Católica Portuguesa no Funchal; os jovens cristãos; a liturgia, mormente na Catedral; os meios de comunicação social, como o Jornal da Madeira, a Rádio Jornal da Madeira e o Posto Emissor do Funchal; as Misericórdias; o Museu Diocesano de Arte Sacra; a oração pelas vocações e a promoção vocacional; o Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima, sua escola teológica, formação dos diáconos e presbíteros, no país e no estrangeiro, desocupação do Seminário da Encarnação; visitas pastorais de maneira “pessoal e direta, exercida com humildade, paciência e caridade do Bom Pastor” (FARIA, 2010, 169); a visita do Papa João Paulo II à Diocese do Funchal. Este bispo velou pela conservação do património móvel e imóvel da Igreja, e impulsionou a construção duma casa de retiros, do edifício destinado à Cúria Diocesana, e de diversas igrejas e centros sociais paroquiais. Evoque-se ainda o papel dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica masculinos: Congregação da Missão (junto do Hospício Dona Maria Amélia, paróquia da Sé, no ensino, nas missões ad fideles, na direção espiritual do Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima); Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos (paróquias dos Romeiros, de S. João, de S. Paulo e da Ribeira Brava, Colégio Missionário, casa de formação dos próprios candidatos na paróquia de S.ta Luzia, Colégio do Infante D. Henrique na paróquia do Monte, Escola da Associação Promotora do Ensino Livre na paróquia do Imaculado Coração de Maria, pastoral juvenil e animação missionária, associação de leigos voluntários dehonianos); Ordem dos Carmelitas Descalços (Ordem do Carmelo Secular, ensino, catequese na igreja do Carmo, paróquia da Sé); Ordem dos Frades Menores franciscanos (paróquia da Sagrada Família, capela da Penha de França, na paróquia da Sé, Ordem Franciscana Secular); Ordem Hospitaleira de S. João de Deus (saúde mental no sítio do Trapiche, paróquia da Graça); Sociedade Salesiana de S. João Bosco (paróquia de Fátima com a Escola Salesiana de Artes e Ofícios, o Lar da Paz na paróquia de Água de Pena, cooperadores salesianos, movimento juvenil salesiano). E ainda a atividade dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica femininos: Companhia das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo (Externato da Princesa D. Maria Amélia e Lar do Hospício Princesa D. Maria Amélia, ambos na paróquia da Sé, Casa da Sagrada Família e Refúgio de S. Vicente de Paulo, ambas na paróquia de Gaula); Congregação da Apresentação de Maria (Casa da Ave Maria na paróquia da Ribeira Brava, Externato de S. Francisco de Sales na paróquia de Gaula, Escola de S. Francisco de Sales na paróquia dos Prazeres, Colégio da Apresentação de Maria e Escola de D. Maria Eugénia de Canavial, ambos na paróquia de São Pedro, catequese e catecumenado, comunicação); Congregação das Irmãs Franciscanas de N.ª Sr.ª das Vitórias, Vitorianas (Abrigo de N.ª Sr.ª da Conceição na paróquia da Sé, Associação dos Amigos da Irmã Wilson, Colégio de S.ta Teresinha na paróquia de S.ta Luzia, enfermagem, catequese, Escola Arendrup na paróquia do Santo da Serra, Escola da Sagrada Família na paróquia de Santana, Escola de N.ª Sr.ª da Conceição na paróquia da Piedade (Porto Santo), Escola de S.ta Maria Madalena na paróquia da Santa, Escola de Sant’Ana na paróquia do Piquinho, Escola do Espírito Santo e Calçada na paróquia de Câmara de Lobos, Escola do S.to Condestável na paróquia da Camacha, Externato de S. João da Ribeira na paróquia de S. Pedro, Fundação de N.ª Sr.ª da Piedade na paróquia do mesmo nome (Porto Santo), Lar N.ª Sr.ª da Assunção na paróquia de São Gonçalo, Patronato de N.ª Sr.ª das Dores na paróquia de S.ta Maria Maior, Seminário Maior de N.ª Sr.ª de Fátima e Qt. das Rosas, ambos na paróquia da Sé); Congregação de S. José de Cluny (Escola da Fundação D. Jacinta Ornelas Pereira na paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, Escola Superior de Enfermagem de S. José de Cluny na paróquia do Livramento); Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas de S.ta Catarina de Sena (Abrigo de N.ª Sr.ª de Fátima na paróquia de S.to Amaro, Fundação Cecília Zino na paróquia da Nazaré); Fraternidade Missionária Verbum Dei (pastoral juvenil e universitária); Instituto das Franciscanas Missionárias de Maria (infantário e semi-internato de S.ta Clara, acolhimento aos turistas no Convento de S.ta Clara na paróquia de S. Pedro); Instituto Missionário das Filhas de S. Paulo (Paulinas Multimédia na paróquia da Sé, semanas bíblicas, comunicação radiofónica); Irmãs do Bom Pastor (casa paroquial da Ponta Delgada); Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus (Casa de Saúde Câmara Pestana na paróquia de São Gonçalo, Centro de Reabilitação Psicopedagógica da Sagrada Família na paróquia dos Álamos); Ordem de S.ta Clara (Mosteiro de N.ª Sr.ª da Piedade na paróquia do Carmo, Mosteiro de S.to António na paróquia da Visitação). Ao tempo de D. Teodoro de Faria, estavam ainda presentes na Diocese do Funchal os institutos seculares: Companhia Missionária do Coração de Jesus, Instituto Secular das Cooperadoras da Família e Servas do Apostolado.   D. António Carrilho e os quinhentos anos da Diocese Nomeado bispo do Funchal em março, em maio de 2007 D. António José Cavaco Carrilho entrou naquela Diocese, sobre a qual afirmou: “a Diocese pode parecer pequena, mas é grande a exigência apostólica [...] em saber acolher os valores e as tradições das gerações passadas, mas também olhar em frente no diálogo fé-cultura-vida […] no realismo da vida concreta e com o conhecimento, entretanto adquirido, das necessidades das pessoas e dos seus problemas, como também dos recursos, possibilidades e limitações que a Diocese tem para lhes responder da forma mais adequada” (CARRILHO, 2009, 283ss.,). As comemorações do quinto centenário da criação da Diocese do Funchal procuraram realizar um projeto pastoral trianual marcado por três dimensões: o kairós, os critérios e a ação. Tais dimensões estiveram presentes em cada um dos três anos. Por kairós entendeu-se a situação da Diocese e as mudanças em curso, mas também as caraterísticas permanentes que têm distinguido a vivência da fé naquela Igreja particular. O ano de 2011-2012 foi dedicado à Pessoa divina do Pai. O critério que regeu aquele primeiro ano encontra-se na real e íntima ligação da Igreja à história do Homem. Pretendeu-se uma comunidade alimentada pela palavra, com o objetivo de a edificar e de potenciar cristãmente coletividades, famílias e indivíduos à luz da Escritura, através de ações de âmbito geral relacionadas com o acolhimento; a palavra como alimento; a família, enquanto comunidade de vida e de amor; as estruturas de comunhão na paróquia e a valorização e divulgação, em cada comunidade, de histórias de vida que a edifiquem. Houve ações de âmbito paroquial, arciprestal e diocesano. A 12 de junho de 2011, abriu-se o triénio celebrativo com a presença do núncio apostólico em Portugal e a 3 de junho de 2012 realizou-se a festa diocesana das famílias. 2012-2013 centrou-se na Pessoa divina do Filho, a quem são devotadas as confrarias e as festas celebradas, sucessivamente em cada paróquia, após a solenidade de Corpus Christi, devoção que valeu ao arquipélago o epíteto de “ilhas do Santíssimo Sacramento”. Deste critério brotou o objetivo de renovar festas e tradições e passar de uma devoção cultural para a eucaristia, que é um verdadeiro culto espiritual. As ações de âmbito geral incidiram sobre os batizados e confirmados em Cristo, e a eucaristia ocupou o centro da ini­ciação e da vida cristãs. Pretendeu-se potenciar as festas do Santíssimo Sacra­mento, bem como convocar confrarias a ele devotadas e aos padroei­ros, no arquipélago e fora dele, refletir sobre o específico delas e dos diver­sos organismos e minis­térios, e ainda revalorizar a adoração eucarística. De entre as ações nos diversos âmbitos, destacou-se um congresso eucarístico diocesano e a solenidade do Corpo de Deus. 2013-2014 foi especialmente animado pela Pessoa divina do Espírito Santo na Igreja que está nestas “ilhas missionárias”, como muitos lhes têm chamado. Tal caraterística cumpriu o critério duma Igreja enriquecida com diversos dons do Espírito, que desceu sobre ela e suscitou testemunhas até aos confins do mundo. Foi objetivo daquele último ano de comemorações valorizar a presença do Divino Espírito Santo no chamamento, compromisso e envio dos crentes, e ir ao encontro de todos em ações de âmbito geral: potenciar as visitas das insígnias (não só pascais mas) do Divino Espírito Santo, como primeira evangelização para os não iniciados à fé; renovar a evangelização para os afastados; reforçar a comunidade dos praticantes, suscitando novos ministérios e vocações para a missão; atender à caridade, tradicionalmente praticada no bodo ou copa do Espírito Santo, quando se completam os dias de Pentecostes; e contactar as instituições locais e a emigração, como lugares missionários e ecuménicos. Entre 8 e 15 de junho de 2014, celebrou-se o 500.º aniversário da Igreja funchalense através da liturgia, da catequese e da cultura. Nesta semana jubilar, apresentaram-se: uma carteira de selos dos CTT; concertos; exposições de fotografia e arte sacra; o livro Diocese do Funchal: Oragos e Paróquias; uma medalha comemorativa; restauros na Sé do Funchal. Honrou esta Diocese a presença das igrejas de onde provém e daquelas que gerou, na pessoa dos seus bispos, mormente o cardeal Fernando Filoni, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos e enviado especial do Papa Francisco. De 17 a 20 de setembro de 2014, na cidade do Funchal, um congresso internacional versou a história, a cultura e a espiritualidades daquela que foi a primeira Diocese global.   Héctor Figueira

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