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bazenga, gil

O escultor Gil Bazenga formou-se em Artes Plásticas/Escultura no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, tendo frequentado antes Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto. Após uma estadia em Moçambique nos anos 60 e 70, regressou ao Funchal onde seguiria a carreira docente na Escola Secundária Francisco Franco como professor de Artes Visuais, desenvolvendo uma pesquisa e prática artística centrada na técnica da cerâmica. Participou em diversas exposições coletivas na Madeira, Continente e Açores, tendo deixado também obra pública no Funchal quer da sua autoria quer, em alguns casos, em pareceria com outros artistas. Uma retrospetiva inaugurada na Casa da Cultura de Santana, em 2011, constituiu-se como a mais completa mostra da sua produção artística. Palavras-Chave: Bazenga, escultura, cerâmica, arte pública, ensino das artes visuais. Gil França Bazenga nasceu em 1933, no Funchal, e faleceu em 2013. Nos anos 50, frequentou o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e nas décs. de 60 e 70 viveu em Moçambique, onde foi docente e onde dinamizou várias atividades culturais, destacando-se o desempenho na coordenação do Auditório e Galeria de Arte da Cidade da Beira e do Centro de Cultura e Arte da Beira. Em finais dos anos 70 regressa ao Funchal, onde conclui, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), o curso de Artes Plásticas, na sua variante de Escultura. Escultor de formação, Bazenga destacou-se também enquanto docente de Artes Visuais, tendo pertencido ao quadro de professores da Escola Secundária de Francisco Franco, no Funchal. Para além da sua atividade como docente, desenvolveu uma prática contínua especializada na área da cerâmica, explorando com rigor e criatividade diversas possibilidades técnicas desta linguagem. Neste contexto, foi um dos protagonistas da intensa movimentação cultural e artística ocorrida no Funchal nos anos 80, tendo participado em diversas exposições coletivas, das quais se destacam as mostras promovidas pelo ISAPM, a primeira das quais na própria galeria do ISAPM, em 1981; outra no Museu de Arte Sacra do Funchal, em 1983; e outras duas novamente na galeria do ISAPM, nos anos 1984 e 1989. Ainda em 1982, fez parte da Exposição de Artistas Madeirenses que teve lugar no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias; uma mostra de pintura, escultura e cerâmica onde Gil Bazenga partilhou o espaço com a pintora Alice Sousa e o escultor Franco Fernandes, colegas que o acompanharam ao longo da sua carreira, expondo em conjunto e realizando trabalhos em coautoria. São de salientar ainda outras coletivas desta década: a exposição na galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), com Alice Sousa e Luís Amado, em 1985; a coletiva itinerante ISAPM/85 – 30 Anos do Ensino Superior Artístico na Madeira, do mesmo ano; a Exposição Colectiva de Artes Plásticas patente na Escola Secundária Francisco Franco; e a I Mostra da Circul’Arte – Associação de Artistas Plásticos da Madeira, integrada na Feira de Arte Marca Madeira 87, no Teatro Municipal Baltazar Dias. Fora da Região, Gil Bazenga mostrou o seu trabalho na coletiva 24 Artistas Madeirenses nos Açores, na cidade de Ponta Delgada, em 1983; na coletiva Panorâmica – Arte & Cultura, na Galeria do Casino Estoril, em 1985; e na exposição Olhares Atlânticos – Mostra de artes da Madeira, realizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, em 1991. Para além da criação de objetos cerâmicos, quer numa versão mais experimental e escultórica, quer numa versão mais tradicional, de que são exemplos objetos como pratos ou potes, o escultor realizou também esculturas de parede e pequenos painéis cerâmicos. No que diz respeito a obras de maior envergadura, patentes em espaços públicos, destaca-se o painel cerâmico do Mercado da Penteada, no Funchal, realizado em coautoria com Celso Caires, em 1988. Este painel é composto por um conjunto de azulejos desenhados por Caires, acompanhados por um conjunto de peças quadrangulares em volume, texturizadas e sem figuração, da responsabilidade de Bazenga. Trata-se de uma composição dinâmica e ao mesmo tempo equilibrada, que 30 anos mais tarde se encontrava em bom estado de conservação. Outra peça de relevo, também criada em coautoria, desta vez com o escultor Franco Fernandes, é o painel de título Água Viva, realizado em 1993, que se encontra nas instalações do Clube Naval do Funchal. Neste caso, foi realizada uma composição à volta da representação do nu feminino de carácter mitológico, acompanhado por desenvolvimentos abstratizantes de rico colorido e inspiração orgânica, elementos característicos dos trabalhos do autor que assina a pintura deste painel (fig. 1). Podem ser encontradas outras intervenções do escultor em espaços visitáveis, nomeadamente no interior da Escola Secundária Francisco Franco, no Colégio de Santa Teresinha e no Hotel Éden Mar. Para espaços exteriores, Bazenga executou um painel para o antigo Complexo Balnear do Lido, o qual, após remodelação, foi retirado. Ainda nos anos 90, o autor participou em várias mostras no Funchal, expondo novamente com Alice Sousa, na Galeria da SRTC (1991); com Marcos Milewsky, no mesmo espaço (1995); na coletiva Marca Madeira/97; no Madeira Tecnopolo (1997); e na coletiva Na Torre do Tempo, na Galeria de Arte Francisco Franco (1999). Já entrado o novo século, voltou a expor com Alice Sousa numa mostra intitulada À Tarde, em Frente, na Galeria de Arte Francisco Franco (2002). Em 2012, foi organizada uma exposição retrospetiva intitulada Cerâmica. Magia do Fogo. Retrospetiva na Casa de Cultura de Santana. Nesta mostra, a única individual apurada por esta investigação, pôde ser vista a diversidade de experiências realizadas e os diferentes tipos de objetos criados por Gil Bazenga, destacando-se uma clara influência estética com raízes num modernismo de carácter orgânico e abstratizante, onde se salienta uma forte presença de um cromatismo brilhante e de fortes contrastes, compensado por algumas peças de pendor mais térreo e brutalista.   Carlos Valente (atualizado a 10.10.2016)

Artes e Design História da Arte História da Educação Personalidades

azevedo, carlos olavo correia de

Filho de Carlos Olavo Correia de Azevedo e de Maria Adelaide Ferreira Cabral, nasceu no Funchal a 7 de julho de 1881. Foi casado com Vera de Vasconcelos Bettencourt. Em 1900, fundou a Liga Académica Republicana e os diários A Liberdade e A Marselhesa, suprimidos pelo Juiz de Instrução Criminal. Na Universidade de Coimbra, participou na greve académica de 1907, tendo, como consequência, sido expulso da Universidade por dois anos, mas amnistiado meses depois, o que lhe permitiu concluir o curso de Direito no ano letivo de 1907-1908. Com a proclamação da República, foi nomeado secretário-geral do Governo Civil de Lisboa (1910-1911). Foi também secretário-geral do Tribunal Arbitral das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa. Em 1911, foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte pelo círculo da Madeira, sendo reeleito ao Congresso da República – entre 1911 e 1915, 1915 e 1917, 1919 e 1921, 1921 e 1922 e 1922 e 1925 – deputado parlamentar por aquele círculo. Foi membro ativo do Partido Republicano Português. Ofereceu-se como oficial miliciano de artilharia na I Grande Guerra (1914-1918), ganhando na Flandres a Cruz de Guerra, pelo combate a 9 de abril de 1918, conhecido como a batalha de La Lys, no qual ficou durante alguns meses prisioneiro dos Alemães. Esta experiência de prisioneiro de guerra foi registada no Jornal de um Prisioneiro de Guerra na Alemanha, publicado em Lisboa (1938). A sua vertente de historiador levou-o a escrever sobre a crise de 1383-1385 e o papel determinante do letrado Dr. João das Regras na aclamação do Mestre de Avis como novo rei, D. João I, figura que inaugura uma nova dinastia. Numa época de crise nacional e internacional, o autor madeirense procurava na História o exemplo capaz de iluminar o presente e contribuir com a adequada solução para essa crise. Foi o que procurou fazer com o livro João das Regras, publicado em Lisboa (1941). A literatura também não é indiferente a este autor. Por isso, encontra na Vida Atribulada de Filinto Elísio, que publica também em Lisboa (1945), o interesse cultural capaz de atrair a sua atenção e de o fazer comunicá-la aos seus leitores. Ainda no âmbito político, serviu-se da pena jornalística para exprimir as suas ideias democráticas e republicanas. Neste sentido, foi diretor do jornal A Vitória, órgão do Partido Republicano Português, sob a liderança de Álvaro de Castro. Foi também colaborador d’ O Primeiro de Janeiro, bem como de outros periódicos. Foi membro da Ordem dos Advogados desde a sua fundação, fazendo parte dos seus órgãos diretivos. Pelo seu mérito literário e histórico, foi condecorado com o Grau de Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. Faleceu em Lisboa, a 16 de novembro de 1958. Obras de Carlos Olavo Correia de Azevedo: Jornal de um Prisioneiro de Guerra na Alemanha (1938); João das Regras (1941); Vida Atribulada de Filinto Elísio (1945).   António Moniz (atualizado a 10.10.2016)

Personalidades

arquitetura militar

A consciência da necessidade de fortificação das ilhas atlânticas com vista às alterações do quadro estratégico do Atlântico Norte foi tardia, ao contrário do que sucedeu no Norte de África, onde uma população islamizada nunca aceitou de bom grado a presença portuguesa, obrigando à rápida construção de estruturas defensivas. No entanto, o termo arquitetura militar envolve outros pressupostos, inclusivamente teóricos, pelo que a sua incipiente instalação na Ilha, ao longo do séc. XV e perante a inexistência de um inimigo imediato, dificulta a escrita sobre o tema. Claro que se construíram estruturas defensivas, como a torre do Capitão, em Santo Amaro, no Funchal ou a torre dos Esmeraldos, na Lombada da Ponta do Sol, mas foi principalmente por questões de prestígio (Arquitetura senhorial). Mesmo o pedido de construção de uma fortaleza feito à infanta D. Beatriz, em 1475 e a construção do chamado baluarte do Funchal (a fortaleza e palácio de São Lourenço), em 1540, resultaram mais em edificações senhoriais do que militares, numa época em que já se começava a equacionar outro tipo de construções, mas não a entendê-las totalmente. Nos meados do séc. XV, começou a ser introduzido em Portugal armamento de fogo, o que, a par das novas bestas com tração mecânica, por exemplo, alterou os pressupostos das construções defensivas. A utilização de armamento de fogo pesado obrigou ao reforço das antigas muralhas com sapatas e, progressivamente, foram desaparecendo as altas torres de menagem, alvos facilmente reconhecíveis à distância e também facilmente derrubáveis. A primeira fortificação construída na Madeira, pedida em 1528, determinada em 1529, mas só levantada entre 1540 e 1541, dirigindo a obra o pedreiro Estêvão Gomes, era uma fortificação de transição, não sendo ainda aquilo que se denominaria posteriormente “fortificação moderna”, “regular”, divulgada pelos novos tratados internacionais. O baluarte do Funchal implicou a construção de uma torre semioval, assente nos afloramentos rochosos da praia, ostentando os emblemas e as armas reais, articulada com uma muralha a correr sobre o chamado altinho das fontes de João Dinis, que envolvia as casas do capitão. Ao lado das fontes, o baluarte ou fortaleza tinha um torreão-cisterna que, flanqueando a muralha, protegia a aguada dos navios e a população na praia do Funchal. A fortaleza do Funchal e a organização geral defensiva militar mostrou-se assim totalmente incapaz perante o ataque corsário francês de outubro de 1566. A fortaleza foi atacada por terra, onde não possuía qualquer proteção e, não sendo possível movimentar as pesadas bocas de fogo em direção ao mar, não resistiu ao ataque, sofrendo a cidade um pesado saque de cerca de 15 dias a que quase nada escapou. A partir de então, a atenção da corte de Lisboa virou-se para as ilhas atlânticas e, logo na armada de socorro enviada à Madeira, terá viajado um arquiteto militar altamente habilitado, o mestre das obras reais Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), ligado à família dos arquitetos do mosteiro da Batalha, alguns militares continentais para reverem a organização das companhias de ordenanças e das vigias, ainda vindo alguns meses depois, dois técnicos militares italianos para o apoiarem. Data desta época a instalação em Lisboa de uma provedoria das obras reais, que passou a controlar a documentação expedida para o vasto império ultramarino português e à qual ficaria depois ligado o arquiteto mor do reino. O novo mestre das obras reais da Madeira, Mateus Fernandes, recebeu, nos primeiros dias de 1567, ordens várias, enviadas pela provedoria das obras, em Lisboa, entre as quais o Regimento das Vigias, datado de 22 de abril de 1567. Este documento serviu de ensaio ao regimento geral promulgado em todo o reino a 10 de dezembro de 1570. O Regimento das Vigias de 1567, dirigido ao capitão do Funchal, mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ARM, Câmara Municipal..., Registo Geral, tomo 2, fl. 142v.). Este regimento avança ainda com outras diretivas respeitante à artilharia, tendo sido a base de muitos dos pequenos fortes ou fortins depois levantados pela Ilha. Assim, no reconhecimento que o capitão e os restantes elementos deveriam fazer dos lugares para “guarda do mar”, “surgidouros e desembarcadouros”, também deveriam ser contemplados os lugares “para guarda da terra” (Id., Ibid., fls. 109-112v.). Nesses lugares, deveriam ser levantadas estâncias para colocar artilharia, cuja praça deveria ser “chã e calçada como convém”, para que o pessoal depois ali em serviço se pudesse movimentar bem e as “rodas dos reparos estarem sempre enxutas, sem humidade de água ou lama” (Id., Ibid.). Deveria ainda ser montada uma casa sobradada para a pólvora, tal como uma guarita para observação e vigia. Em março de 1567, Mateus Fernandes recebeu a visita e o apoio de dois arquitetos italianos, Pompeo Arditi (c. 1520-1571) e Tomás Benedito (c. 1520-1567), ambos de Pézaro, que lhe entregaram um primeiro regimento de fortificação para o Funchal, datado de 14 de março desse ano. Estes italianos, com quem o mestre das obras reais já teria contactado no Norte de África, ficaram na Ilha cerca de um mês e seguiram depois para os Açores, onde aquele último reformulou e dirigiu a nova fortaleza de S. Brás, em Ponta Delgada. Com esta colaboração, o mestre das obras do Funchal levantou uma planta da cidade, algo que poderá também ter feito antes, hoje na Biblioteca Nacional do Brasil e imaginou uma enorme fortaleza para o morro da Pena, a descer até à praia do Funchal, ocupando toda a zona velha, conforme a entendemos no começo do séc. XXI, ou bairro de Santa Maria Maior. Fortaleza da Pena-1567. Arquivo Rui Carita.   A fortaleza do morro da Pena previa a construção de um importante complexo fortificado sobre esse morro, descendo parcialmente sobre o bairro de Santa Maria com dois núcleos defensivos abaluartados, sendo a fortaleza parcialmente rodeada por fosso e tendo o total do conjunto uma dimensão que só veio a ter paralelo em Portugal durante o séc. XVII e com as guerras da aclamação de D. João IV. Mateus Fernandes ultrapassou francamente a sua época com um planeamento desta envergadura, o mais antigo que conhecemos em Portugal e que poderia recolher no seu interior toda a população da cidade do Funchal em caso de perigo. A existirem algumas semelhanças, somente com a fortaleza de S. Filipe, planeada dez anos depois para Setúbal pelo italiano Jacomo Palearo, el Fratin (c. 1520-1586) e levantada sob a direção de Filipe Terzi (1520-1597), ou com a congénere da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, em princípio, projetada pelo mesmo Filipe Terzi, sendo que nenhuma delas tinha a dimensão da delineada para a do Funchal. O planeamento compreendia dois núcleos abaluartados: um sobre o morro da Pena e outro na baixa do bairro de Santa Maria, que desapareceu totalmente com a construção da monumental fortaleza. O núcleo mais alto, sobre o morro, era dotado com dois terraplenos, tendo o de cima quatro baluartes pentagonais e o de baixo dois baluartes retangulares, com canhoneiras a flanquearem as muralhas de união dos dois terraplenos. Indicam-se no projeto as diferenças de altura das várias áreas para o leito da ribeira de João Gomes, que chegavam aos 140 palmos, ou seja, quase 30 m. Um corredor murado sobre a ribeira ligava os dois núcleos, com canhoneiras a flanquearem os muros a norte e a sul, utilizando-se a ribeira ainda como fosso. O núcleo inferior possuía uma enorme esplanada, delimitada por um baluarte pentagonal e dois meios baluartes. Mas o planeamento não foi aceite em Lisboa, optando-se por um esquema mais tradicional e reduzido para a futura fortaleza de S. Lourenço, articulado com panos de muralhas (Muralhas do Funchal). D. Sebastião enviou, assim, um novo regimento de fortificação, em 1572, no qual a cidade era envolvida, na frente mar e ao longo das ribeiras de João Gomes e de São João, por panos de muralhas que fechariam nos morros da Pena e de São João com pequenas posições fortificadas. A fortaleza central da cidade foi ampliada com o planeamento feito por Mateus Fernandes para o núcleo superior do morro da Pena, mas reduzida a menos de um terço das dimensões iniciais. Ficou com dois baluartes pentagonais gémeos virados a norte e um quadrangular, a proteger a zona ocidental, mantendo a nascente o baluarte joanino de 1541. Mais tarde, por volta de 1600, veio a ser dotada de um novo baluarte pentagonal, projeto de Jerónimo Jorge (c. 1570-1617), para proteger a porta. Como apoio da fortaleza principal, foi executada uma pequena estância fortificada, a ocupar a foz das ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes, a futura fortaleza de S. Filipe da Pç. do Pelourinho, havendo um pano de muralha a unir ambas, mas do qual quase nada ficou. A cidade considerada por D. Sebastião era já um pouco maior do que a de D. Manuel, isto é, o limite oriental passou da ribeira de Santa Luzia para a de João Gomes. No entanto, o primitivo bairro de Santa Maria do Calhau continuou a não ser considerado cidade, só vindo a possuir o seu troço amuralhado alguns anos depois e num outro enquadramento histórico. No verão de 1582, face à ameaça das armadas de D. António, prior do Crato, com base no arquipélago dos Açores, Filipe II mandou avançar, das Canárias, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). As primeiras preocupações do conde de Lançarote foram para a segurança interna e externa da Ilha, começando por visitar as duas fortalezas com o mestre das obras reais Mateus Fernandes, inteirando-se do seu estado e das suas necessidades. Conforme informa a 18 e 26 de junho, a fortaleza velha era essencialmente um bom palácio residencial, mas encontrava-se cercada de edificações muito próximas e mais altas, pouco valendo, assim, como defesa. A nova ainda se encontrava em piores circunstâncias, pouco havendo a fazer para melhorar as suas condições, pois não só estava mal localizada como também se encontrava mal construída. Perante o conflito que opunha as forças de Filipe II às de D. António, prior do Crato, com franceses e ingleses, envolvendo muitas centenas de homens de parte a parte, a pequena estância “nova” da Pç. do Pelourinho do Funchal era mínima para as necessidades e a de S. Lourenço também oferecia muitas reservas face ao seu envolvimento. As fortalezas e o seu autor, o mestre das obras reais Mateus Fernandes, receberam as mais duras críticas dos governadores e técnicos desses finais de século, dado não estarem previstas para fazer frente a um conflito como o que se desenrolava. O problema de ampliação da muralha do Funchal à frente mar foi resolvido por Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), quando, em 1585, tomou posse da capitania do Funchal, determinando o prolongamento da muralha para nascente. Este troço de muralha ao longo do calhau chegou parcialmente ao séc. XXI, confrontando com o que é, no começo do segundo milénio, a entrada do hotel levantado no antigo arsenal de Santiago ou de S.ta Maria Maior. As obras do novo troço de muralha confinavam com os arrifes por de baixo da antiga igreja de Santiago Menor, justificando a construção de uma fortaleza nessa baixa. A fortaleza de Santiago deve ter tido projeto de Mateus Fernandes, mas terá sido reformulado depois por Jerónimo Jorge, enviado de Lisboa em 1595, até então a trabalhar nas obras de S. Julião da Barra e do forte do Bugio.   Penha de França. Arquivo Rui Carita.   Desde a união das duas coroas que se discutia no Funchal a muralha poente e a edificação de uma fortaleza no Pico dos Frias, “padrasto”, ou seja, mais alto que toda a cidade e, inclusivamente, com comandamento sobre a fortaleza de S. Lourenço, tendo sido elaborado, de imediato, um projeto da autoria de Mateus Fernandes (Fortaleza do Pico). A situação foi ultrapassada pelo governador Cristóvão Falcão de Sousa, que após tomar consciência das necessidades da defesa do Funchal, em finais de 1601, enviou a Lisboa o sargento-mor da cidade, Roque Borges de Sousa, com uma planta da nova fortificação, por certo, a que fora executada por Mateus Fernandes, pois só nessa altura voltou à Ilha o fortificador Jerónimo Jorge. Regressado o sargento-mor ao Funchal, logo a fortaleza foi levantada, mas somente em madeira, encontrando-se já guarnecida nos inícios de 1602 e sendo passada a pedra e cal ao longo do século. Durante a mesma centúria, ainda seria levantada a bateria da Alfândega (Reduto da Alfândega), constituída por um baluarte triangular avançado ao mar, construído sobre a cortina da cidade e a fortaleza do Ilhéu, no meio do porto do Funchal, ambas com projeto e direção do mestre das obras reais Bartolomeu João, (João, Bartolomeu). Consolidava-se, assim, uma rede de fortalezas modernas, constituídas por conjuntos de baluartes pentagonais, de paredes inclinadas e reforçados nos cunhais, como a fortaleza do Pico, quase de traçado regular, sendo a artilharia colocada nas esplanadas dos mesmos. As novas fortificações adaptavam-se ao terreno e às restantes estruturas defensivas, como os muros da cidade, podendo ser apenas quase estâncias de tiro e formando um conjunto articulado, cruzando fogos obrigatoriamente entre si. O centro de comando era a fortaleza de S. Lourenço e, dada a sua localização, a do Pico funcionava como cidadela ou seja, de recurso e refúgio para o caso de invasão da baixa da cidade. A defesa e a fortificação da Madeira foram revistas várias vezes no séc. XVII, mas os elementos produzidos não chegaram até nós. Nos finais da centúria, por exemplo, deslocaram-se à Madeira o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e o engenheiro Manuel Gomes Ferreira, mas apenas sabemos que teria sido então executado o portão dos Varadouros, datado de 1689. Mais tarde, em 1705, Manuel Gomes Ferreira, citaria que haviam feito um levantamento quase total das costas da Ilha, mas do qual nada conhecemos. Tudo leva a crer que estes trabalhos tivessem ido com os seus autores para Lisboa e aguardassem aí despacho favorável, perdendo-se no curso do tempo. A primeira grande campanha de obras de fortificação do séc. XVIII decorreu no governo de Duarte Sodré Pereira, um fidalgo mercador que tomou posse a 29 de abril de 1704. Como ficou exarado no demolido forte novo de S. Pedro (Forte novo de S. Pedro), na praia do Funchal e onde se construiu mais tarde o campo do Almirante Reis, o governador mandou levantar esse forte, juntamente com os de Machico (Fortes de Machico), Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz) e Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), que se guarneceram de artilharia, tendo-se concluído todos os trabalhos em 1707. A data é referente ao forte novo de S. Pedro, pois a campanha geral de obras só foi terminada entre 1708, data limite das lápides e 1711, ano das últimas nomeações para os mesmos fortes. As estruturas levantadas não se afastam especialmente das do século anterior, embora tenham definido um novo modelo de fortificação triangular de uma só bateria, em que o lado virado a terra, em algumas, aparece dotado de torreão de gola, como no de S. Bento da Ribeira Brava, datado de 1708, ou no de S. João Batista do Porto Moniz, mais tardio, datado de 1758 (Forte do Porto Moniz). Nos finais do séc. XVIII procedeu-se a novo estudo de defesa da Ilha, determinado por D. Maria I, com data de 11 de junho de 1797, como vem referido na cartografia então levantada, pois não conhecemos registos no governo local. Para cumprir o plano determinado por D. Maria I, deslocou-se no ano seguinte para a Ilha o major do regimento de artilharia da corte, Inácio Joaquim de Castro, nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo a 4 de dezembro de 1778, depois governador da ilha de São Miguel, nos Açores e da torre de S. Julião da Barra, em Lisboa. A instabilidade política dos anos seguintes não permitiu qualquer obra de fortificação e o que fora proposto em nada alterava o que estava feito. Os acontecimentos dos inícios do século seguinte, com a saída da corte para o Brasil, as ocupações inglesas do Funchal e mesmo a terrível aluvião de 1803, não só alteraram profundamente estes estudos como os levaram a outras resoluções, onde houve que equacionar não apenas a defesa imediata contra um ataque exterior. Com a referida aluvião, ocorrida a 9 de outubro, foi destacada para o Funchal uma equipa de engenheiros militares chefiada pelo brigadeiro, de origem francesa, Reinaldo Oudinot (1747-1807) e da qual fazia parte o então tenente Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), cujo primeiro trabalho foi o levantamento da planta do Funchal e dos estragos causados pela aluvião, porventura a melhor peça cartográfica efetuada na Madeira até essa data. A equipa foi para a Madeira, essencialmente, para colmatar os estragos da aluvião de 1803, mas num curto espaço de tempo alargou o trabalho à reforma da carta topográfica da Ilha e à defesa do Funchal, não só das intempéries, mas também numa perspetiva militar propriamente dita. Ao longo do ano de 1805, em abril, por exemplo, o brigadeiro Oudinot e Paulo Dias de Almeida ainda executaram as plantas da nova bateria das Fontes, que representa toda uma outra forma de entender a defesa e a arquitetura militares. A ideia já não era construir fortificações adaptadas ao terreno, mas grandes esplanadas capazes de receber as novas bocas de fogo, muito maiores do que as anteriores, necessitando assim de todo um outro campo de manobra. A bateria das Fontes veio a receber grande parte da guarnição da fortaleza e palácio de S. Lourenço, que a partir dos últimos anos do século anterior passara, essencialmente a palácio. Mais tarde, em 1824, sob a direção do brigadeiro engenheiro Raposo, o então tenente-coronel Paulo Dias de Almeida planeou uma estrutura idêntica de bateria rasante para a frente da velha fortaleza de Santiago, integrada então no novo molhe do cais do Funchal e que o mar rapidamente destruiu. Nos anos seguintes, Paulo Dias de Almeida dirigiu uma ampla campanha de obras militares nos pequenos fortes e vigias, desde o Funchal até Machico, motivada pela possibilidade de desembarque dos absolutistas, o que veio a acontecer a 22 de agosto de 1828, na baía daquela vila. A mais importante estrutura defensiva desta área era o forte novo do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), reforçado com forças mercenárias inglesas, porém, a explosão do paiol do mesmo levou à debandada das forças liberais, entrando os absolutistas no Funchal sem qualquer resistência. Os meados do séc. XIX assistiram à emergência dos engenheiros militares, aliás, e ao longo de décadas, à frente do governo português, verificando-se o mesmo, embora apenas pontualmente, na Madeira. Mas o seu domínio revelou-se essencialmente nas obras públicas, sendo necessário esperar pelos alvores da Primeira Grande Guerra para se fazerem obras especificamente militares no Funchal, de certa forma improvisadas, com as novas baterias de costa da antiga Q.ta Vigia e a bateria da Cancela, que dotadas com material do século anterior, pouco efeito tiveram nos dois bombardeamentos alemães sofridos pela cidade. Os trabalhos levados a efeito, tal como os seguintes, de 1940, com o deflagrar da Segunda Grande Guerra, no entanto, não se enquadram já bem na área da arquitetura militar, mas sim na da defesa. Nos finais do séc. XX houve um especial interesse pela arquitetura militar na ilha da Madeira, dadas as caraterísticas, de certa forma inovadoras, que a mesma possuía. Assim, foi objeto de uma exposição, efetuada nas comemorações nacionais do Dia de Portugal no Funchal, em 1981 e, no ano seguinte, remontada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa e, ainda depois, na Casa do Infante, no Porto e em Vila Viçosa. Em sequência e dentro do processo autonómico, muitas dessas edificações, já então sem específico interesse militar, vieram a transitar para a tutela da RAM.       Rui Carita (atualizado a 10.10.2016)

Arquitetura História Militar Património

atouguia, antónio aloísio jervis de

Nascido no Funchal, o visconde de Atougia desempenhou um papel importante na guerra civil que opôs liberais e absolutistas, combatendo ao lado dos primeiros, e teve uma carreira brilhante no território continental, como deputado, par do Reino e ministro. Recebeu várias comendas e foi agraciado com o título de visconde. Palavras-chave: guerra civil; deputado; par do Reino; ministro.   António Aloísio Jervis de Atougia nasceu no Funchal, a 7 de julho de 1797, filho do morgado Manuel de Atouguia Jervis e de Antónia Joana de Carvalhal Esmeraldo. Em 1811, iniciou os estudos secundários no colégio inglês Old Hall Green, nos arredores de Londres, matriculando-se depois em Matemática, na Universidade de Coimbra. Terminado o curso, em 1822, foi nomeado lente substituto da Academia da Marinha, mais tarde denominada Escola Naval, tornando-se professor catedrático em 1834. Fig. 1 – Retrato a óleo de António de Atouguia, de 1852.Fonte: CHAGAS, 1895, X.   Fugindo à perseguição contra os liberais, emigrou para Inglaterra, em junho de 1828, mas logo em agosto regressou ao Funchal para se juntar ao governador da Madeira, Cap.-Gen. José Lúcio Travassos Valdez, na luta contra as tropas absolutistas de D. Miguel. Perante a vitória destas, refugiou-se no navio inglês Alligator, com outros madeirenses, e rumou novamente a Inglaterra, daqui partindo, em 1831, para a ilha Terceira, nos Açores, onde foi organizada a resistência dos liberais. Em 1832, participou na tentativa falhada de conquista da Madeira, dominada pelas forças absolutistas, regressando de seguida aos Açores e indo finalmente juntar-se às tropas de D. Pedro IV, no Porto. Com a vitória liberal, em 1834, foi nomeado governador civil do Porto e condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada. De 25 de julho a 25 de novembro de 1835, fez parte do Governo presidido pelo duque de Saldanha, como ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. Foi deputado pela Madeira, em 1834-1836, 1837-1838, 1838-1840, 1840-1842, e, mais tarde, por Oliveira de Azeméis, em 1851-1852, tendo feito parte das comissões da Marinha, Ultramar e Guerra. Em 1841, presidiu à Câmara de Deputados e, entre 1858 e 1861, presidiu algumas vezes, interinamente, à Câmara dos Pares. Em 1842, foi nomeado ministro da Marinha e Ultramar, no Governo presidido pelo duque de Palmela, de 7 a 9 de fevereiro de 1842, num ministério conhecido como Governo do Entrudo. Fez parte do ministério presidido pelo duque de Saldanha (22/05/1851-06/06/1856), como ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, de 4 de março de 1852 a 6 de junho de 1856, acumulando com a pasta de ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, a partir de 31 de dezembro de 1852. Foi ainda diretor da Escola Politécnica de Lisboa e conselheiro do Tribunal de Contas. Foi nomeado par do Reino a 5 de janeiro de 1853 e agraciado com o título de visconde de Atouguia, por duas vidas, a 15 de março de 1853, tendo também recebido várias comendas nacionais e estrangeiras. Em 1832, iniciou-se na maçonaria, em Angra do Heroísmo. Faleceu em Lisboa, a 17 de maio de 1861.     Gabriel Pita (atualizado a 07.10.2016)

História Política e Institucional Personalidades

araújo, joão

Nasceu na freguesia de Santa Cruz, no sítio do Gil, a 29 de julho de 1878, filho de José de Araújo e de Carlota Joaquina. A sua atividade profissional desenvolveu-se sobretudo no comércio e na indústria. Era proprietário da agência de viagens João de Araújo, ou Agência de Passagens e Passaportes, como era então designada, situada na Calçada do Cidrão, e através dela organizou diversas viagens turísticas aos Açores e às Canárias e adquiriu os vapores costeiros Bútio e Falcão, destinados a viagens ao norte da Madeira. Foi ainda sócio gerente da Empresa do Cabrestante, também propriedade de José Carvalho, tendo este posteriormente, em 1937, vendido a sua quota à firma João de Freitas Martins, Lda. Esta empresa era proprietária dos rebocadores São Telmo e São José, que transportavam mercadorias para os navios, e, sob a direção técnica de Luís Basílio, empreendeu a construção dos lugres Gonçalves Zarco e Fernando, destinados à firma Baganho, de Lisboa, que asseguravam a ligação entre a Madeira e a capital do país. Na esfera social, desempenhou o cargo de presidente da Banda Distrital do Funchal e fez parte, entre novembro de 1917 e dezembro de 1921, da direção do Club Sport Marítimo liderada por Pedro Augusto de Gouveia, sendo mais tarde Vice-presidente da Assembleia-Geral do mesmo clube. Era sócio da Associação de Inhabilidade Gonçalves Zarco, de que foi dirigente, e acabou por gastar a fortuna que adquirira no apoio a atividades desportivas e musicais e ainda a associações de socorros mútuos. Possuía a comenda de Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo e a Medalha de Socorros a Náufragos. Faleceu no Funchal, na R. Dr. Juvenal, onde residia, a 14 de maio de 1945.   Gabriel Pita (atualizado a 23.09.2016)  

Personalidades

andrade júnior, francisco de

Francisco de Andrade Júnior nasceu em 1806, no dia 6 de junho, no Funchal, cidade onde recebeu a sua instrução inicial, cursando os estudos que então aí existiam, e onde morreria a 23 de fevereiro de 1881. Após a criação, em 1836, do ensino liceal, por decreto de 17 de novembro desse ano, que determinava a existência de um liceu na capital de cada distrito do continente e das ilhas, terminando assim a dispersão da lecionação das aulas pelo país, Francisco de Andrade Júnior foi nomeado, por decreto de 4 de setembro de 1838, professor de Gramática Portuguesa e Latina e de Clássicos Portugueses e Latinos no Liceu Nacional do Funchal (fundado em setembro de 1837 no edifício das antigas Aulas do Pátio), cargo que exercia já interinamente, por carta do Conselho Provincial de Instrução Pública de 23 de março do mesmo ano. Professor respeitado, considerado um dos mais distintos do Liceu do Funchal (posteriormente, a Escola Secundária Jaime Moniz), aí desempenhou também a função de reitor, de 1866 – sucedendo a Marceliano Ribeiro de Mendonça, autor da obra Principios da Grammatica Applicada á Lingua Latina (1835) – até ao ano da sua morte, sendo também, e por inerência do cargo de reitor que exercia, comissário dos estudos do distrito do Funchal, com responsabilidades de vigilância e direção das escolas do ensino primário e secundário com subordinação ao Conselho Superior de Instrução Pública. Neste âmbito, é da sua autoria o Relatorio sôbre as Escholas Municipaes de Instrucção Primaria do Concelho do Funchal, Seguido de um Projecto de Lei ácerca da Creação e Frequência das Escholas (1849). Além de desempenhar estes cargos, Francisco de Andrade Júnior, que foi também vereador na Câmara Municipal do Funchal, dedicou-se ao estudo da gramática da língua portuguesa, sendo autor das obras Principios de Grammatica Portuguesa, editada em 1844, Grammatica Portuguesa das Escholas Primarias, cuja primeira edição data de 1849, sendo reeditada cinco vezes até 1879, e Grammatica das Grammaticas da Lingua Portuguesa…, publicada em 1850.   Aida Sampaio Lemos (atualizado a 22.09.2016)

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