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casas da madeira

A forma violenta como algumas pessoas se desapegam do seu local de origem e da sua casa conduz a um processo de desterritorialização, de perda das suas raízes e dos seus vínculos culturais e emocionais que as leva a buscar meios de retorno. Desta forma, a integração num novo local, concebida como um processo de reterritorialização, implica esse retorno à origem, que se torna fundamental para a construção de uma harmonia dentro da nova realidade. As casas regionais assumem-se, assim, como o espaço e o lugar onde isso acontece, seja dentro do território do país ou no estrangeiro. As casas da Madeira, que se constroem ou surgem em qualquer parte do mundo, regem-se pela ideia fundamental de recriação do espaço vivido, que se transplanta em termos físicos e mentais para outros territórios, estando a sua fruição ligada à sugestão de um retorno a casa ou de um hiato num mundo que não é sentido como o nosso. Desta forma, a casa em si é o retrato da Ilha e das origens, a insistência numa cultura e num território que, embora ilhado e, por isso, isolado, continua a ter um significado especial, sendo capaz de reunir todos aqueles que se encontram na mesma situação de afastamento. Contudo, nem todos manifestam esse espírito de pertença. Na verdade, muitos dos que se consideram enraizados no território de acolhimento preferem identificar-se com o novo espaço que os acolheu e perder, de forma intencional ou não, parte das suas raízes emocionais e culturais. O processo de aparecimento das casas regionais não é linear e nem sempre mereceu o mesmo entendimento por parte do poder político, que ora o acolhe ora encara com desconfiança. O discurso histórico mostra-nos diversos momentos deste processo evolutivo, que se coadunam com a situação política do país. O Estado Novo, entendido como o período que decorre com a afirmação do regime político saído da Constituição que vigorou entre 1933 e 1974, constituiu um momento favorável à criação e elaboração desta identidade regional, que ganha, fora da Ilha, alicerces nas casas regionais existentes na capital do país. Mas a atitude perante as casas regionais ou de Portugal que se constroem nos locais de acolhimento dos inúmeros emigrantes foi diferente, certamente porque aquelas acolhem os oposicionistas ao regime. No caso da Madeira, a maioria das casas nasce sob um signo fundamental para a vivência do arquipélago, definido pelo processo autonómico que ganhou forma a partir da Constituição de 1976 e da transformação do arquipélago numa região autónoma, com governo próprio. Há uma definição do território e um processo de construção da identidade madeirense que diferencia os cidadãos residentes na Madeira dos demais do território nacional. Desta forma, à exceção da Casa da Madeira de Lisboa, as casas que foram surgindo obedecem a esta lógica. Existe um jogo mútuo entre a Ilha e as diversas formas da sua representação configuradas por estas casas. O madeirense emigrante lança as raízes da sua madeirensidade no local de acolhimento e recria, conforme pode, o local de origem, que assume o papel de ponte com o seu mundo local. Por outro lado, os que ficaram na ínsula constroem, no quadro político da autonomia, uma ponte com estas ilhas da Ilha espalhadas pelo mundo. É a Ilha ou arquipélago a aumentar o seu território. O ideal que norteia a criação das casas da Madeira está sempre sinalizado no território da Ilha ou do arquipélago e nos elos de proximidade que existem no território atual de acolhimento dos madeirenses. Os que estão fora olham para a Ilha como uma recordação, com o objetivo do regresso, esperando ter o ânimo para cumprir o sonho de lá retornarem com aquilo que ambicionaram. É em torno desta realidade que se constroem as casas da Madeira em território nacional ou estrangeiro, tal como as diversas instituições que juntaram muitos madeirenses na diáspora. Em qualquer dos casos, estas são um lugar de criação identitária e de expressão de uma comunidade imaginada. Este associativismo emigrante não se resume à motivação do lugar, que acontece com maior acuidade no séc. XX, mas alarga-se a múltiplas motivações que podem levar à união de emigrantes de diversas proveniências, que não apenas a Madeira. Este associativismo do lugar/região é típico do séc. XX e reforça-se em Portugal, de forma evidente, a partir da afirmação do movimento autonómico gerada com a Constituição de 1976, em que se diferenciam, no todo nacional, as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A afirmação das autonomias regionais foi favorável ao desenvolvimento deste associativismo local, muitas vezes incentivado pelas autoridades madeirenses, através de múltiplas iniciativas que visaram congregar os emigrantes madeirenses em torno da sua Região, como foram, desde 1977, o Centro das Comunidades Madeirenses e, em 1984, o I Congresso das Comunidades Madeirenses. A partir de então, a casa da Madeira deixou de ser a casa regional para se afirmar como a casa da autonomia. A existência de uma associação ou casa da Madeira não deriva apenas da existência de uma comunidade de madeirenses, tendo mais que ver com o dinamismo por estes demonstrado em termos associativos. Vários são os motivos que os levam a reunir-se num momento determinado ou a associar-se, de forma permanente, para criar vínculos de solidariedade. O movimento regionalista foi um factor importante no quadro nacional para o aparecimento das casas regionais na capital portuguesa. Assim, em 1905, surge a Casa de Trás-os-Montes e, passados dois anos, a da Madeira. As demais casas da Madeira no território nacional seguem a sequência do dinamismo dos madeirenses no continente português, nomeadamente nas cidades do Porto, de Coimbra e de Faro. Este movimento alarga-se ao território ex-ultramar, com o aparecimento de uma casa da Madeira em Moçambique, em 1937, na então cidade de Lourenço Marques, e, depois, aos Açores, com a casa da Madeira que surge em Ponta Delgada, em 1986. Releve-se que a iniciativa da Casa da Madeira de Coimbra, que nasceu a 10 de maio de 1986, se deveu aos estudantes madeirenses que estudavam nessa cidade. A constituição da comunidade madeirense de Moçambique prende-se com a oportunidade que este país representava para os madeirenses de entrarem na África do Sul. No entanto, nem todos conseguiam atingir o fim ambicionado e acabavam por ficar em Moçambique, o que explica a importância de tal comunidade em Lourenço Marques. Lembremos, a propósito, que D. Teodósio Clemente de Gouveia (1889-1962), natural de São Jorge, foi arcebispo dessa cidade a partir de 1941. Nos diferentes destinos da emigração madeirense, o espírito associativo ganha uma diversidade de expressões, surgindo, assim, associações, sociedades, clubes e irmandades. A questão da origem pode ser um motivo aglutinador, mas muitas vezes estes organismos são manifestações de carácter religioso que marcam a religiosidade madeirense. É o caso das festividades em torno do Espírito Santo ou de alguns oragos das freguesias, ou de momentos especiais do calendário litúrgico. No Havai, destacam-se, e.g., as festas do Espírito Santo e as de N.ª Sr.ª do Monte. Para além disso, também o desporto e os clubes de futebol madeirenses ou nacionais são motivos que fazem reunir os madeirenses, sendo muitas vezes o que os leva a criar elos de união e espaços físicos de convívio em momentos determinados. Há também alguns elementos emblemáticos que acompanham estes momentos de vida associativa, como o folclore, a música e a gastronomia. Por outro lado, no decurso do séc. XIX, as sociedades beneficentes ou de socorros mútuos tiveram uma presença muito evidente na Ilha e fora dela, nas comunidades de emigrantes. Estas associações tinham como objetivo ajudar os pobres e necessitados da comunidade. Todavia, o que unia os seus associados era o ideal fraterno e não a origem geográfica. Vemos, e.g., em Honololu, na Sociedade Lusitana Beneficente de Havai (1882) e na Sociedade de São Martinho (1903), uma predominância de madeirenses. O mesmo espírito norteia a comunidade portuguesa emigrante na Guiana Inglesa, onde as associações assumem um carácter nacional, embora irmanadas no ideal de beneficência. Assim, surgiu, em 1913, a Associação Portuguesa de Auxílio Mútuo e Beneficência e, em 1924, o Portuguese Club. Em Trinidade e Tobago, encontramos o mesmo espírito nas associações criadas, destacando-se o surgimento, em 1905, da Associação Portuguesa Primeiro de Dezembro e, em 1927, do Portuguese Club. Entretanto, no Curaçau, o espírito associativo dos madeirenses surgiu em torno dos clubes de futebol, com o Madeira Futebol Clube, o Clube Futebol União Português e o Sport Clube Madeirense. Dentro do mesmo espírito, temos as associações de emigrantes nos Estados Unidos. Esta forma de reunião e união acontece por meio de associações recreativas e culturais, clubes desportivos e sociais, fundações para a educação, bibliotecas, grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, sociedades de beneficência e religiosas, e casas regionais. De entre estas, merece relevo a Associação Protetora da União Madeirense, criada em 1911, tendo como primeiro presidente o madeirense João Gouveia. Em Oakland, na Califórnia, surgiu, em 1913, a Associação Protetora Madeirense do Estado da Califórnia, por iniciativa do madeirense José Amaro de Pita, com uma sucursal em New Bedford. Esta Associação deu auxílio aos madeirenses carenciados residentes na Ilha com o envio de apoio monetário, tendo como seu representante, na Madeira, João da Conceição Teixeira. Já em New Bedford, surgiu, em 1915, o Clube Madeirense do Santíssimo Sacramento, que passou a contar, desde 1979, com um grupo folclórico. Este Clube surgiu em torno das festas do Santíssimo Sacramento, celebradas, pela primeira vez, na igreja da Imaculada Conceição no primeiro fim de semana de agosto de 1915. Esta festa, que era celebrada na paróquia do Estreito da Calheta, foi transplantada para os EUA por iniciativa de quatro emigrantes madeirenses: Manuel d’Agrela, Manuel d’Agrela Coutinho, Manuel Santana Duarte e Manuel Sebastião. No Canadá, a primeira associação relacionada com os madeirenses surgiu em 1953, na cidade de Montreal, mas foi em Toronto que, em 1963, nasceu a Casa da Madeira Community Center. A esta associação foram associados um rancho folclórico criado em 1983 e outro criado em 2011, sendo este último designado de Floristas da Madeira. Com ligação a esta Casa, temos o Canadian Madeira Park, onde habitualmente se realizavam todas as atividades desta associação de madeirenses. Destaca-se ainda a Associação Madeirense de Apoio das Festas de Câmara de Lobos em Toronto, uma associação cultural de oriundos de Câmara de Lobos com um objetivo específico. Por fim, é de mencionar o Grupo Folclórico da Madeira Vancouver, criado na cidade de Vancouver, que foi fundado no ano 2000 por Eleutério Rodrigues. No Brasil, um dos destinos tradicionais da emigração madeirense, a presença insular afirma-se a partir de um dos principais destinos desta emigração no séc. XX – o Estado de São Paulo. Em Santos, porto tradicional de chegada e local onde permaneceram muitos dos madeirenses, surgiu, a 14 de abril de 1934, a Casa da Madeira. Aí apareceu ainda, em 1975, o Rancho Folclórico Típico Madeirense do Morro São Bento. Em São Paulo, surgiu uma associação idêntica, que começou a dar os seus primeiros passos a 17 de outubro de 1967, por iniciativa de um grupo de madeirenses liderados por Jaime de Nóbrega e João da Cruz Nóbrega Correia. Em 15 de junho de 1969, ganhou estatuto institucional a Sociedade Amigos Ilha da Madeira, como o objetivo de divulgar os costumes, as tradições, a cultura e o folclore da Ilha, sendo conhecida como Casa Ilha da Madeira. Na Venezuela, país de forte emigração madeirense, ficou especialmente conhecido o Centro Português de Caracas, mas podemos assinalar associações específicas relacionadas com a Madeira. Assim, temos o Centro Social Madeirense de Valência, que surgiu em 1978, por iniciativa de César Andrade, Agostinho Henriques, Agostinho Nunes e Agostinho Pinto; o Grupo Folclórico Luso Venezolano Pérola do Atlântico, criado em 1982 por Ilídio Adriano Pita; a Academia da Espetada; o Marítimo da Venezuela, equipa de futebol criada em 1957 por António Firmino Barros e Artur Brandão Campos; o Grupo Folklorico Luso Venezolano Jardim da Madeira; a Asociación Centro Atlántico Madeira Club, fundada a 26 de agosto de 1984 por um grupo de portugueses radicados no Estado Lara. Na Austrália, a presença madeirense está assinalada também pelas associações. Em New South Wales, forma-se, a partir de 2002, o Grupo Folclórico Regional da Madeira INC e, ainda, o Portugal Madeira Sydney Social & Cultural Sports Club Ltd. Em Victoria, destaca-se o Madeira Folk Dancing Pérola do Atlântico e, na Austrália Ocidental, a Associação de Nossa Senhora do Monte. Na África do Sul, a presença madeirense acontece de forma especial em Durban, Cidade do Cabo, Joanesburgo e Pretória. Nesta última, temos a Casa Social da Madeira de Pretória, que acolhe um rancho folclórico. Em Inglaterra, a presença madeirense é mais notória em Londres, mas há também comunidades em Manchester e Bormouth. A organização madeirense torna-se visível através do Futebol Clube Santacruzense, criado em 1993, da Associação Empresarial Santana Madeira Londres, criada a 22 de janeiro de 2012, e do Grupo Folclórico Pérola do Atlântico. Em França, merece destaque o Grupo Folclórico Fleurs de Madère.   Alberto Vieira (atualizado a 22.12.2016)

Madeira Global

calçada madeirense: bordados de pedra a preto e branco

No séc. XVI, Gaspar Frutuoso, na sua obra Saudades da Terra, trata com admiração e elogio as “calçadas de pedra miúda” (FRUTUOSO, 1968, II, 117). De acordo com Sainz-Trueva, a utilização de seixos pretos e brancos na calçada madeirense atingiria o apogeu nos sécs. XVIII e XIX. Todavia, a partir de 1950, a atividade sofrerá um grande declínio motivado, essencialmente, pelos seguintes fatores: desinteresse por essa tradição, falta de mão de obra e de motivação da existente, pouco apreço pelo ofício, baixos salários, menor disponibilidade da pedra natural local e utilização de novos tipos de materiais para pavimentação. Ainda segundo Sainz-Trueva, “as severas mudanças no ‘rosto’ da cidade e arredores ajudaram a apagar os traços mais característicos da Madeira antiga, cada vez mais confrontada com ventos do progresso, que nem sempre contemplam da melhor forma os testemunhos de uma herança secular” (SAINZ-TRUEVA, 1991, 132 e 133). A calçada madeirense é muito anterior à chamada calçada portuguesa, dela distinta, a qual utiliza pedra facetada, de morfologia aproximadamente cúbica ou paralelepipédica, de cores preta (identificada como sendo basalto) e cinzenta-escura, branca ou rosada (identificada como sendo calcário). A calçada portuguesa, nacional e internacionalmente prestigiada, foi criada em 1842 pelo Ten.-Cor. e Eng.º Eusébio Pinheiro Furtado, quando no comando do Batalhão de Caçadores 5, que, querendo combater o ócio dos seus soldados, os pôs a revestir a parada do quartel com pedrinhas pretas e brancas. A calçada madeirense constitui uma autêntica referência histórica e patrimonial do arquipélago e é um símbolo da geodiversidade litológica local, sendo por vezes confundida com a calçada portuguesa propriamente dita. Em 2004, João Baptista Pereira Silva e Celso de Sousa Figueiredo Gomes desenvolveram um conjunto de investigações com os seguintes objetivos: caracterizar a pedra natural aplicada na calçada madeirense dos pontos de vista textural, petrográfico, químico, mineralógico e físico-mecânico; identificar os locais de proveniência da pedra natural; homenagear os profissionais com um papel ativo na preservação do secular trabalho que envolve a aplicação de pedra de seixo ou de calhau rolado, contribuindo desta forma para a preservação dos ofícios tradicionais; desenvolver uma ação pedagógica de divulgação da calçada madeirense junto da população e das entidades competentes, sensibilizando-as para a importância da preservação desta técnica, em vez de se proceder à substituição da pedra natural por outros materiais; valorizar o património edificado e dignificar a arte dos trabalhos concebidos com pedra natural, pequena e rolada. Materiais e amostragem A pedra natural local, de origem vulcânica e sedimentar, potencialmente adequada à aplicação na calçada madeirense, e que foi objeto da referida investigação, foi amostrada em depósitos de praia, em pequenos afloramentos de rocha carbonatada e em obras de recuperação de calçadas sitas nos concelhos do Funchal, de Câmara de Lobos, da Ponta do Sol, de Santa Cruz, de São Vicente e também na ilha do Porto Santo. Nos textos consultados e nos diálogos mantidos com alguns estudiosos e profissionais do sector é frequente referir-se serem os seixos brancos feitos de calcário originário de Portugal continental, tendo provavelmente servido de lastro em navios que outrora aportavam ao Funchal. Foi propósito da já mencionada investigação referir os locais de proveniência da pedra natural utilizada nas calçadas; tendo em conta, quer o levantamento já efetuado, quer a extensão da sua aplicação em todo o arquipélago, admite-se que a pedra aplicada foi recolhida em vários depósitos de praia das costas sul e norte da Madeira e do Porto Santo. Atualmente, a recolha dos materiais está restringida a depósitos de algumas praias (figs. 1 e 2) – Formosa (Funchal), Porto Novo (Santa Cruz), Madalena do Mar (Ponta de Sol) e Calhau da Serra de Fora e Calhau da Serra de Dentro (Porto Santo) –, devidamente autorizada pelas autoridades regionais competentes (Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus da Região Autónoma da Madeira e capitania do Porto do Funchal). A amostragem dos materiais nas praias foi feita na baixa-mar, por duas razões (fig. 1): a primeira, porque a secção da praia é mais ampla; a segunda, porque a recolha de material é feita em maior segurança durante a maré baixa.   Na ilha do Porto Santo, os calcários ocorrem entre as cotas 0-165 m, correspondendo-lhes idades compreendidas entre os 13,5 e os 18 milhões de anos (Miocénico Inferior), tendo sido neles identificados foraminíferos, celentrados, briozoários, equinodermes, crustáceos, anelídeos e grande variedade de espécies de lamelibrânquios e de gastrópodes – isto é, nos calcários figuram quase todos os grandes grupos de invertebrados, bem como restos de seláceos e algas coralinas. O paleontólogo Gumerzindo Silva atribui aos calcários da ilha do Porto Santo e dos seus ilhéus uma fácies recifal edificada sob clima tropical a profundidade que não devia exceder os 40 m; normalmente, este tipo de calcários pode exibir cor branca leitosa e/ou cor branca amarelada.No que diz respeito às rochas carbonatadas, identificadas como sendo calcários recifais marinhos, elas apresentam as cores seguintes: castanha-avermelhada, branca leitosa, branca amarelada ou branca avermelhada. Trata-se de materiais com origem no concelho de São Vicente, na ilha da Madeira (fig. 3), no ilhéu da Cal ou de Baixo e no vale da Ribeira da Serra de Dentro, ilha do Porto Santo (fig. 4). No caso dos calcários que ocorrem no afloramento do sítio dos Lameiros (à cota de 475 m), em São Vicente, eles são, essencialmente, recifais, associados a tufos de cor castanha-avermelhada, e aglomerados, cujos fósseis marinhos identificados correspondem a várias espécies de lamelibrânquios, gastrópodes, equinodermes, coraliários, crustáceos e foraminíferos. Dados de geocronologia isotópica apontam a idade de sete milhões de anos (Miocénico Superior) para os calcários fossilíferos. Na segunda déc. do séc. XXI, puderam ser observados alguns dos antigos depósitos de calcário recifal no sítio do Furtado da Achada do Barrinho, Lameiros, ao percorrer o itinerário turístico-geológico denominado Rota da Cal (fig. 3).   No Museu de História Natural do Jardim Botânico da Madeira pode ser observado um rico e diversificado espólio de exemplares de fósseis marinhos originários das ilhas da Madeira e do Porto Santo. No conjunto, destacam-se, entre os fósseis mais representativos, lamelibrânquios, gastrópodes, equinodermes e algas coralinas, fósseis que apresentam, na generalidade, um elevado grau de preservação, situação que permite a fácil identificação das respetivas espécies. Nos seixos e calhaus de rocha carbonatada aplicada na calçada madeirense observam-se os exo-esqueletos de várias espécies de fósseis marinhos (fig. 5). Aspetos texturais A população designa vulgarmente a pedra aplicada na calçada madeirense por seixo, calhau ou cascalho rolado – mas, em termos técnicos e científicos, as denominações seixo e calhau não têm o mesmo significado. Efetivamente, em termos técnicos e científicos, os referidos nomes correspondem a designações que estão intimamente relacionadas com aspetos texturais, isto é, com a dimensão e a forma das peças individuais do material pétreo. A escala granulométrica de Chester K. Wentworth, utilizada em sedimentologia, estabelece designações e limites dimensionais para as partículas constituintes dos sedimentos. Nesta escala, a designação calhau é aplicada à classe granulométrica cujos limites são 256 mm e 64 mm, e a designação seixo é aplicada à classe granulométrica cujos limites são 64 mm e 4 mm (fig. 6). Por outro lado, o estudo morfométrico dos materiais pétreos – isto é, o estudo das diferentes geometrias dos calhaus e seixos aplicados na calçada – permite, de acordo com a classificação de Theodor Zingg, definir que eles apresentam, normalmente, forma oblata ou discoidal. Os seixos e calhaus de rocha vulcânica apresentam-se lisos, polidos, entre arredondados e bem arredondados, e a cor escura que exibem é normalmente devida à patine que vão adquirindo ao longo do tempo, efeito da poluição e da sujidade acumulada. Tipologias e propriedades No âmbito da referida investigação, a caracterização petrográfica, mineralógica e química dos materiais pétreos (calhaus e seixos) amostrados nas calçadas madeirenses foi realizada no departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, tendo permitido o estabelecimento das tipologias relevantes. No que diz respeito às rochas vulcânicas, utilizando a relação entre a percentagem de sílica (SiO2) e a percentagem de alcalis (Na2O + K2O) adotada no sistema classificativo das rochas vulcânicas proposto por Peter Francis, foi possível definir as litologias seguintes: traquibasalto, traquiandesito e traquito, que apresentam tonalidades que vão desde o cinzento-escuro até ao cinzento-claro (fig. 6); basalto, hawaiíto e representantes do grupo minor varieties, que inclui diversos tipos de rochas vulcânicas menos comuns; normalmente, estes tipos litológicos apresentam cor preta. Os resultados da análise química obtidos por fluorescência de raios X indicam que as amostras estudadas de seixos ou calhaus de calcário do arquipélago da Madeira apresentam teores muito baixos de sílica (SiO2) e de alumina (Al2O3), sempre inferiores a 200 ppm. Diferentemente, no caso das amostras de calcário utilizado em calçada portuguesa (técnica também presente no arquipélago da Madeira), provenientes das localidades de Porto de Mós, Alcanena, Albufeira e Lagoa, em Portugal continental, os teores de sílica (SiO2) e alumina (Al2O3) variam entre 0,40 % e 3,19 %. Assim sendo, os resultados analíticos obtidos permitem identificar a origem do seixo e do calhau de calcário aplicado na calçada madeirense, a qual está relacionada com rochas carbonatadas locais (calcário recifal muito puro). De facto, as investigações realizadas mostram que a pedra calcária aplicada foi recolhida em vários depósitos de praia das costas sul e norte das ilhas da Madeira e do Porto Santo (figs. 3, 4 e 5). Por sua vez, as propriedades físico-mecânicas dos principais tipos de pedra natural utilizados na calçada madeirense foram avaliadas no Laboratório de São Mamede de Infesta (Porto), afeto ao antigo Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (posteriormente, Laboratório Nacional de Energia e Geologia). A determinação da resistência ao desgaste por abrasão em vários provetes de pedra natural foi realizada através do método de desgaste de Capon. Os resultados obtidos permitem concluir que a rocha traquibasáltica é a que apresenta menor desgaste (0,6 mm), e que o calcário recifal é a rocha que apresenta maior desgaste (4,2 mm). Se observarmos alguns pavimentos pelos quais há grande circulação de pessoas, verificamos facilmente que a superfície superior e exposta da pedra calcária se apresenta plana, ou seja, com maior grau de desgaste, quando comparada com a superfície superior e exposta da pedra vulcânica contiguamente aplicada, que se apresenta abaulada ou convexa (fig. 7). Aplicação da calçada madeirense A calçada madeirense é uma manifestação do património insular madeirense, sendo também testemunho da atividade desenvolvida por trabalhadores de ofícios tradicionais. Feita na maior parte das vezes por mãos anónimas, revela a sensibilidade naïve dos seus autores (e.g., fig. 20) e é um testemunho cultural que merece ser divulgado e preservado. Na feitura da calçada madeirense, a aplicação dos materiais pétreos no terreno poderá realizar-se diretamente sobre uma camada de solo silto-argiloso (designado localmente por cerro). Caso contrário, a aplicação dos materiais passa por diversas etapas: preparação do fundo de caixa com aplicação de tout venant sobre o terreno e colocação de pó de pedra sobre o tout venant e tirada de pontos (fig. 8); colocação da pedra segundo o seu eixo maior (isto é, para um sistema de eixos XYZ, em que X representa o comprimento máximo, Y a largura máxima e Z a espessura máxima) (fig. 9); betonagem das juntas entre as pedras, com uma mistura líquida de calda de areia e cimento, numa proporção de três partes de areia para cinco de cimento (fig. 10); calcamento e nivelamento do pavimento com calcão mecânico e acabamento com maço de madeira de plátano (fig. 11); colocação de areia fina sobre o pavimento, com o objetivo de remover o excedente da calda de cimento e, finalmente, a lavagem, a escovagem e o varrimento (fig. 12). Para se ter noção do grau de exigência que esta arte de pavimentação implica, marcou-se no chão, com motivo em espinha, a área de 1 m2. Verificou-se que em cada metro quadrado foram aplicados, em média, 1023 seixos. Este valor é elucidativo dos milhares de seixos que foram utilizados para fazer o pavimento de calçada madeirense que existe no jardim municipal do Funchal (fig. 13). Tendo em conta a proveniência dos materiais, pode dizer-se que se assemelham a praias que foram transferidas para o espaço urbano e rural. Na déc. de 1960, o Arqt. Fernando Santos Pessoa introduziu uma alteração à calçada madeirense tradicional – a variante de calçada madeirense com pedra partida; trata-se de um pavimento menos escorregadio e que oferece maior atrito ao calçado, permitindo melhor andamento e mais conforto (fig. 14).   Motivos A calçada madeirense pode ser construída utilizando unicamente calhaus e seixos de rochas vulcânicas, de tonalidade cinzenta mais ou menos escura, cuja monocromia é quebrada devido às diferentes orientações conferidas pela disposição dos materiais (figs. 14 e 17). Quando são utilizadas rochas vulcânicas e sedimentares, a policromia a preto e branco apresenta uma grande diversidade de padrões e temas geométricos e florais estilizados que ornamentam e embelezam ruas, átrios, igrejas, palácios, casas, quintais e jardins (figs. 15-22). Muitos dos motivos dos pontos do bordado da Madeira – tais como oficial, bastido, chão, corda, granitos e richelieu – foram aproveitados pelos calceteiros para serem representados na decoração da calçada madeirense. O adro da igreja de S. Martinho, no Funchal, é talvez o local que reúne a maior diversidade de padrões e de motivos geométricos e florais estilizados, com vários pontos de bordado da Madeira.   No pavimento, predomina geralmente o material mais abundante, isto é, calhaus e seixos de rochas vulcânicas, sendo apenas utilizadas rochas sedimentares para realçar alguns aspetos florais, brasões de armas, monogramas, datas e a cruz de Cristo (figs. 23 e 24). Os pavimentos de calçada madeirense apresentam pouca reflexão da luz e são facilmente limpos utilizando a tradicional vassoura de urze.   Preservação Em meados da segunda déc. do séc. XXI, a calçada foi modificada e adulterada em alguns espaços, com a aplicação de materiais estranhos a esta técnica e com a remoção de motivos. A pedra rolada foi substituída por cubos e paralelepípedos de mármore e coberta por argamassas de areia, cimento e material betuminoso, ou por alcatrão (figs. 25 e 26).   Na requalificação urbana que ocorreu no núcleo histórico de Câmara de Lobos, o antigo brasão do concelho – que estava colocado no adro da igreja de S. Sebastião, fazendo parte de um tapete de pedra rolada – deu lugar a um pavimento de “calçada madeirense” de blocos e calhaus partidos; perdeu-se, assim, o único exemplo de heráldica municipal em calçada madeirense construída no arquipélago, restando dela apenas registos fotográficos (fig. 27).Também nesta altura, na rua D. Carlos I, na zona velha do Funchal, foi observada a existência de diferenças cromáticas entre as argamassas em algumas obras de recuperação, viu-se serem muito diferentes as dimensões dos seixos utilizados e serem os espaços entre pedras roladas – porque grandes – preenchidos por argamassa.  Nas travessas da Malta e do Redondo, o pavimento de calçada madeirense foi coberto por tapete betuminoso. Noutros locais, verificou-se ser total o abandono da calçada, como no caso dos passeios na estrada do João Abel de Freitas e na estrada da Boa Nova, e advir grande perigo – tanto para peões como para utilizadores de viaturas motorizadas – das pedras, encontrando-se estas soltas entre a estrada e o passeio (fig. 28).   O desenvolvimento das raízes das árvores de grande porte destruiu e só ergueu por vezes o pavimento – como aconteceu na capela de N.ª Sr.ª da Graça, no Instituto do Vinho da Madeira e no Hospício Princesa Dona Maria Amélia –, carente de trabalhos de manutenção regulares.No adro da capela de N.ª Sr.ª da Graça, na ilha do Porto Santo, observou-se a presença de grandes manchas de cera, com origem no pagamento de promessas feito por alguns fiéis (com velas) e na ausência da sua posterior remoção. Durante a referida investigação, teve-se oportunidade de acompanhar diversas obras de recuperação de antigas calçadas e de construção de novas pavimentações. Exemplos disso mesmo são o antigo palacete dos Zinos, posteriormente palacete do Lugar de Baixo, recuperado em 2004 pelo Governo Regional da Madeira (GRM) (fig. 29); os jardins de Santa Luzia, recuperados em 2004 pela Câmara Municipal do Funchal e pelo GRM (ao projeto, da autoria do Arqt. Luís Paulo Ribeiro, foi atribuída uma menção honrosa na categoria de espaços exteriores de uso público, no quadro do Prémio Nacional de Arquitectura Paisagista, em 2005) (fig. 30); o pavimento onde está representado o cronograma dos vários Batalhões de Infantaria e dos Caçadores na Universidade da Madeira, recuperado por calceteiros da Câmara Municipal do Funchal, em 2008 (figs. 31 e 32).   A preservação da calçada madeirense, nas antigas quintas e jardins públicos e privados, casas particulares, ruas, estradas, etc., reveste-se de uma importância crucial, especialmente para os núcleos e zonas históricas das ilhas da Madeira e do Porto Santo. Deste modo, a profissão e a formação do calceteiro é imprescindível para a manutenção dos referidos espaços. Além disso, o património material da calçada madeirense constitui um legado de grande valor, sob os vários aspetos da sua composição, da diversidade dos materiais geológicos utilizados, com presença de fósseis marinhos, e da diversidade de padrões construídos e desenhados.   João Baptista Pereira Silva Celso de Sousa Figueiredo Gomes (atualizado a 14.12.2016)

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dívida

Historicamente, o ato ou o contrato do empréstimo esteve sempre presente em momentos de adversidades e foi um meio usado não só por parte da Coroa, como também por parte do Estado, uma vez que as receitas dificilmente cobriam as despesas. Desta forma, desenvolveu-se o caminho para o recurso a empréstimos, a sisas e a pedidos. O processo de ocupação e de organização do sistema de senhorio surgiu também incluído numa situação de dívida, quando, em 1460, a Coroa ficou endividada ao infante D. Fernando. Desta forma, a doação será entendida como uma forma de saldar essa dívida. Esta situação foi muito importante, pois materializou uma condição de dívida não quantificada, implicando um compromisso entre os envolvidos que, no caso da Coroa, era sempre pago com mercês, com doações e com títulos. São muitos os casos de famílias, ou de madeirenses isolados, que atuavam de livre vontade, esperando receber por parte da Coroa a merecida contrapartida. Estabelecia-se, assim, uma cadeia de dependências com o poder instituído, que depois se repercutia nas despesas ordinárias da Fazenda Real. A partir do séc. XV, começaram a surgir vários documentos de conventos, de misericórdias e de confrarias que atestam casos de dívidas. Os registos notariais também foram repositórios importantes para o conhecimento de tais realidades; no entanto, no que diz respeito às épocas anteriores ao séc. XVIII, esses registos desapareceram na sua quase totalidade. Além do mais, teriam acontecido muitos mais casos na vida quotidiana entre indivíduos em que a palavra e uma qualquer testemunha seriam suficientes para firmar uma dívida. A dívida entre os cidadãos afetava a sociedade como um todo, por força de uma gestão inadequada dos recursos e da riqueza. Atente-se que Simão Gonçalves da Câmara, capitão do Funchal, deixou aos herdeiros uma dívida de 50.000 cruzados. Para além disso, é necessário considerar as dívidas dos cidadãos em tributos e em impostos à Coroa ou ao Estado, que conduziam a inúmeras penhoras e a vendas em hasta pública. A dívida dos impostos era sinónimo de decadência das famílias e era uma marca de tempos em que o direito à terra não era suficiente como sinónimo de riqueza. Existiram várias casas e famílias importantes que foram alvo de penhora, durante os sécs. XVIII e XIX, e cujo património foi arrecadado por mercadores estrangeiros, fundamentalmente ingleses. Em 4 de fevereiro de 1786, foi executada, e.g., a dívida de Manuel da Silva Carvalho no valor de 17.486$428. Noutros casos, verificou-se o pedido de perdão da dívida: assim sucedeu com o caso de Ignácio Gonçalves de Abreu, em 27 de julho de 1820, que teve um parecer favorável, e o requerimento do Maj. José Pedro de Vasconcellos para saldar a sua própria dívida em prestações anuais, de 22 de outubro de 1825. De entre estes, destaca-se também o caso de Guiomar de Sá e de Pedro Jorge Monteiro. Guiomar de Sá morreu em 1796, deixando um património falido pelos seus administradores que seria depois hipotecado por dívidas à Fazenda Real, nomeadamente direitos alfandegários do período de 1788 a 1790. A dívida à Fazenda Real era de 65.975$655, tendo-se usado como penhora as joias de ouro e prata, os títulos de propriedades e as escrituras de dívida. Um decreto de D. Maria I, de 7 de julho de 1791, determinou a forma de pagamento da dívida em prestações anuais de 10.000$000. O P.e Manuel de Jesus, atuou, como testamenteiro, de forma desastrosa nesta situação, levando a que a Fazenda Real determinasse a arrematação dos bens arrestados pela dívida, a 21 de abril de 1796. Em 1824, John Blandy (1783-1855) comprou à Junta da Fazenda do Funchal a quinta de João Bruno Acciaoly, em Santa Luzia, que havia sido penhorada. As adegas de São Francisco, no Funchal, onde, no princípio do séc. XX, se encontravam as Blandy Wine Lodges, foram adquiridas à Câmara do Funchal depois de 1836, altura em que foram expropriadas à família madeirense de Pedro Jorge Monteiro e do cônsul francês Nicolau de La Tuelliére, casado com uma filha do primeiro, uma família historicamente ligada aos vinhos e com grande poder neste comércio, durante a segunda metade do séc. XVIII, embora se encontrasse então falida. Em 1855, a Qt. do Palheiro Ferreiro, a propriedade do Conde Carvalhal que havia sido penhorada por dívidas à Fazenda Real, foi comprada por Charles Ridpath Blandy (1812-1879). A par disso, é necessário ponderar que a inexistência de regras no crédito privado conduzia a uma exploração usurária que penalizava as populações com poucos recursos e criava situações de dependência relativamente ao grupo de prestamistas e de usurários nacionais e estrangeiros, que funcionavam como mecanismo de afirmação e de favorecimento desta minoria detentora de recursos financeiros. Os juros chegavam a valores de 25 %, gerando situações de rutura, com a hipoteca dos poucos recursos da população. Penhorava-se tudo, inclusive as benfeitorias dos colonos nas terras de senhoria. Esta situação tornava-se ainda mais perniciosa quando se sujeitava a população a empréstimos ou a adiantamentos com hipoteca da colheita do vinho, a ser entregue na altura da vindima. Os percalços evidentes do ciclo agrícola favoreciam esta usual dependência dos viticultores, acabando os mercadores estrangeiros, nomeadamente os ingleses, por usar tal situação a seu favor. Perante isto, as autoridades clamavam por melhores medidas e a Igreja apontava o dedo acusador aos usuários e aos prestamistas: porém, a situação continuaria. Em 1800, o governador insistia na necessidade da criação de uma caixa de crédito público, como forma de disciplinar as situações abusivas e de travar o endividamento das populações. Contudo, esta situação só seria contemplada a partir da década de 70 do séc. XIX, intervindo a Misericórdia do Funchal, a partir de 1873, com o Banco de Crédito Agrícola e Industrial. Não se deverá esquecer o papel da Misericórdia e das diversas confrarias, que existiam nas diversas freguesias da Ilha, na concessão de créditos à população a um juro de 5 % durante aqueles tempos, um fator apaziguador da opressiva usura que existia sobre as populações. O primeiro empréstimo das autoridades públicas de que temos referência reporta-se a D. Afonso III, que se socorreu de tal meio para preparar uma expedição de apoio ao Rei de Castela, na sua luta contra os mouros. Por norma, estes pedidos faziam-se em situações ocasionais de guerra ou de casamento dos príncipes. No entanto, em 1478, D. Afonso V lançou um tributo extraordinário para as guerras com Castela, aprovado nas Cortes. Da despesa de 36.000 dobras, caberia à Madeira 1.200$00 rs, mas os madeirenses escusaram-se ao pagamento deste imposto, insistindo nas 4000 arrobas de açúcar que haviam dado de empréstimo, que só ficou saldado em 5 de agosto de 1497. A 12 de julho de 1480, o Rei reduziu o tributo para 800.000 reais, mediante o pagamento imediato de 600.000, ao seu enviado especial, Diogo Afonso (o que só veio a acontecer em 1482). Atente-se que o senhorio era muito cauteloso na questão do pagamento das dívidas, no sentido de uma correta administração financeira, evitando perdas na arrecadação dos direitos e demoras nos pagamentos das despesas. Em 1489, em face de uma dívida acumulada do município relacionada com sacos e com lojas para o armazenamento do trigo (tendo o objetivo de acautelar a falta daquele na vila), o duque ordenou o pagamento pela dízima, admoestando os vereadores que “daqui adiante tende melhor cuidado de arrecadar essas rendas de guisa; que o concelho não caia em dívidas e necessidades, pois tem renda que o pode suprir” (AHM, XVI, 1973, 221). A celeridade no pagamento dos compromissos financeiros, no sentido de evitar dívidas, nunca foi constante. O pagamento destes soldos era, muitas vezes, feito a partir da consignação da receita de alguns direitos cobrados nos almoxarifados ou nas freguesias. A quebra dos compromissos de pagamento acontecia quando surgiam problemas na sua arrecadação ou quando a coleta não era capaz de suprir a despesa que lhes estava consignada; daí as reclamações e as ordens no sentido de serem saldadas. Em 25 de agosto de 1659, ordenou-se o pagamento da comenda em dívida no valor de 867$440 réis, de António de Albuquerque; em 21 de julho de 1690, estavam em dívida 373$333 réis da tença de 1687-88 pertencente a Alexandre de Moura, que a viúva, Ana Luísa de Moura, então reivindicava; em 2 de janeiro de 1691, Luís de Bern Salinas atribuiu a Salvador Sauvaire e a Pedro de Faria, mercadores, a cobrança das dívidas de uma tença, quer as de um procurador que as não pagou antes de falecer, quer as do almoxarife. Em 1682, o Sarg.-mor de Machico não recebeu o seu soldo de 28$000 réis, porque a renda da imposição para o mesmo ano chegou apenas a 22$000 réis. A ordem para saldar esta dívida aconteceu a 20 de outubro de 1684. No entanto, foi mais difícil a cobrança de pedidos e de empréstimos para as guerras contra Espanha, nomeadamente em épocas de dificuldade económica. Os madeirenses sempre se manifestaram desfavoráveis à cobrança deste tipo de donativo, talvez devido à distância a que se encontravam do conflito; e, quando esta reivindicação régia aparecia, sempre se levantavam vozes que reclamavam sobre a insuficiente defesa da Ilha. No caso do donativo, a dívida acumulada dos anos de 1649-1650 e as queixas de que os ricos eram favorecidos em detrimento dos pobres levaram a Coroa a isentar deste encargo os mendicantes e aqueles que não tinham posses. Mesmo assim, não foi fácil demover os devedores ao seu pagamento, uma vez que, em 1651, a Coroa apelava à Junta da Fazenda no sentido de uma maior celeridade na arrecadação do donativo e da décima de guerra da cidade do Funchal, pela necessidade que havia deste dinheiro para a guerra de fronteiras. Entretanto, por carta régia de 10 dezembro de 1656, determinou-se o lançamento de uma contribuição anual no valor de 20.000 cruzados para a defesa do reino. De novo, surgiram várias reações dos madeirenses, com manifestações em 1658, certamente contra a presença do licenciado António Freire Cardoso, que havia sido enviado pela Coroa com alçada para superintender os serviços de administração e os negócios do donativo. O mau ano agrícola justificava esta reação dos madeirenses e obrigava a uma conciliação das partes, face à manifestação de força do poder régio. Assim, a Coroa assumiu uma atitude conciliatória, afirmando: “vos hajais de novo que eu fique bem servido, e os povos sem queixas” (VIEIRA, 2014, 321). No entanto, da parte dos madeirenses, a intenção seria protelar o pagamento da dívida, de forma que, em 1662, esta atingiu os 54.745$000 réis. São insistentes as recomendações para a cobrança (em 1676, 1677, 1683, 1688 e 1691), demonstrando que os madeirenses teriam conseguido levar a melhor nesta situação. A solicitação do esforço nacional para a guerra não terminou com as pazes de 1668, uma vez que se tornava necessário reparar as fortalezas e cobrir as despesas em atraso, no valor de 100.000 cruzados. Para este esforço nacional, por um período de três anos, a Madeira deveria contribuir com 3.232$500 rs. Contudo, os madeirenses persistiam na resistência a esta tributação, de forma que, em 1711, o governador Duarte Sodré Pereira se queixava da falta de cobrança e de um motim que se tinha levantado por esse motivo. Os madeirenses tinham motivos para se manifestar contra este esforço financeiro extraordinário, uma vez que existiam na Ilha instituições em estado de rutura financeira. Estavam neste caso também as finanças municipais, que nunca foram folgadas, gerando, por diversas vezes, situações de rutura financeira que impediam o cumprimento dos compromissos estabelecidos. Em 1687, o município de Machico tinha uma dívida acumulada à Coroa de 140$000 da meia-maquia, e, em 1690, uma de 146$000 réis, referente à rubrica de usuais, obrigando-a lançar um finto entre os seus contribuintes para poder saldar a dívida. Em 21 de abril de 1799, o comerciante Carlos Alder Saldanha também reclamou uma dívida da Fazenda Real, por venda de pano azul, para fardamento. Em 1824, a Câmara do Funchal traçava o quadro aflitivo do seu cofre e a necessidade de encontrar fontes de receita, uma vez que, segundo se afirmava, “as rendas, não têm sido poderosas a contrastar [com] as grandes e indispensáveis despesas a que é obrigada” (VIEIRA, 2014, 461). Para além de uma despesa de mais de 8000$00, refere-se ainda o pagamento mensal de 100$000 rs para uma dívida contraída nos cofres da Real Fazenda. A isto, acresce outra dívida de quase 2000$00 a João Carvalhal Esmeraldo para a construção do mercado público. Idêntica situação aconteceria com a Junta Geral. A partir de 1856, esta deixou de poder contar com o imposto das estufas, que fora extinto. Assim, em 1846, a dívida era superior a 3000$00 rs. Por outro lado, a Comissão tinha quase só a capacidade de proceder a pequenos reparos, devendo socorrer-se de subscrições públicas para a realização de grandes obras, como a ponte do Ribeiro Seco e a estrada monumental até Câmara de Lobos. O finto foi, assim, sinónimo de encargos suplementares para as dívidas ou para as despesas extraordinárias, não tendo nunca merecido a aceitação dos madeirenses, talvez por se sentirem por demais agravados com os diversos tributos a que estavam sujeitos. As populações insistiam nesta manifestação adversa e não se deixaram intimidar, obrigando a Coroa, por alvará de 1749, a perdoar o finto para as obras de fortificação e os vencidos desde 1739 a 1745, em razão dos prejuízos causados à Ilha pelo terramoto de 1748. Vencida esta etapa, as manifestações continuaram de forma permanente contra estas tributações extraordinárias: pois, em 1799, o povo devia à Junta da Fazenda a importância de 162.000 cruzados, proveniente de 18 anos da mesma contribuição, que o Governo insistia em arrecadar. A partir de finais do séc. XVIII, a opção para estas necessidades monetárias passa por ações de contração de dívida pública no próprio país e no estrangeiro. Em 1796, foi feito um empréstimo, no valor de 10.000 cruzados, a que se juntaram, no ano seguinte, mais 12.000, em papel-moeda. Foi o primeiro título de dívida pública com o intuito de custear despesas bélicas. A garantia apresentada foi o lançamento de uma nova décima eclesiástica, cobrada pelo quinto dos bens da Coroa, e um tributo sobre as comendas das Ordens Militares. Por alvará de 7 de março de 1801, procedeu-se a um segundo empréstimo de dívida pública, no valor de 12.000.000 de cruzados. Para isso, consignou-se um novo imposto sobre os prédios de Lisboa e do Porto, no valor de 3 % sobre as rendas urbanas, bem como um aumento nos direitos do açúcar e do algodão. Por alvará de 2 de setembro, o empréstimo foi aumentado, de forma a poder custear-se as despesas do hospital da Marinha. Em 29 de julho, a Junta Provisional do Porto emitiu um empréstimo, no valor de 2.000.000 de cruzados, dando, como garantia, os direitos a cobrar sobre o vinho e o azeite exportados pela barra e pelos portos das outras três províncias nortenhas. A 8 de julho de 1817, houve outro empréstimo de 4.000.000 de cruzados, dando-se como garantia um imposto de 15 % ad valorem sobre os géneros estrangeiros importados, como o arenque, a bolacha, a carne salgada, a manteiga de vaca, o presunto, o queijo e o toucinho. Entre 1796 e 1827, surgiram seis empréstimos que totalizaram o valor de 15.701contos. Durante o mesmo período, ocorreram seis operações de consolidação da dívida, no valor de 4718contos. A dívida pública era uma questão constante e incontornável, obrigando à criação de infraestruturas para a sua administração. Por alvará de 13 de março de 1797, foi criada a Junta da Administração das Rendas aplicadas aos juros do empréstimo feito ao Real Erário com o objetivo de gerir o empréstimo feito. Por ordem de 20 de julho de 1810, tinham sido criadas as Juntas de Melhoramento da Agricultura, que só surgiram na Madeira, nos Açores, em Cabo Verde e em São Tomé por alvará de 18 de setembro de 1811. A função desta estrutura era promover o melhor aproveitamento da agricultura. Eram compostas pelo governador, pelo capitão general, que a elas presidia, pelo ouvidor, pelo juiz ordinário, e pelos escrivães da Câmara e da Fazenda, na qualidade de deputados. Tinham uma só caixa, com o equivalente aos juros da dívida consolidada, mais 1 % da amortização que deveria ser aprovada em Cortes para a promoção da agricultura e do arroteamento dos baldios: estava assim aberta a porta para a presença do Estado no financiamento da agricultura. A 27 de outubro de 1820, a Junta Provisional do Porto criou uma comissão para apurar a existência de papel selado e a sua liquidação, que, pelas Cortes de 1821, teria poderes sobre a amortização da dívida, associando novos rendimentos. A Constituição de 1822 reconheceu a dívida pública e estabeleceu a necessidade de agregar os fundos necessários para a saldar, que seriam também administrados de forma separada. Uma carta de lei, de 15 de abril de 1835, autorizou a venda dos bens nacionais (na Madeira, em 1841, referenciou-se o apuramento do valor de 27.427$465 da venda destes bens), incluindo os das ordens religiosas que haviam sido extintas, uma decisão justificada pela necessidade de amortização da dívida pública. A 23 de abril de 1835, na Junta do Crédito Público, estabeleceu-se o Grande Livro da dívida geral inscrita do Estado, para o registo da referida dívida pública. O Estado liberal transformou a atitude de pedinte, manifestada através de pedidos e empréstimos, numa atitude impositiva de tributos e impostos capazes de cobrir os empréstimos ainda em dívida. Surgiu assim a décima de juros, que era um imposto sobre os empréstimos e outros atos, pago pelos credores, que proporcionava um benefício de capital para a dívida interna consolidada. Foi criado a 6 de maio de 1841, passando a fazer parte das receitas da Junta de Crédito Público, por carta de lei de 9 de novembro de 1841, como meio de pagamento da dívida. Existe ainda uma referência ao imposto de sisa das vendas e das trocas dos bens de raiz que, por carta de lei de 9 de novembro de 1841, passou a pertencer às receitas da Junta de Crédito Público, como meio de pagamento da dívida. Mesmo assim, a atitude dos madeirenses será de devedores às Finanças. As condições económicas da Ilha eram desfavoráveis e impediam os contribuintes de manter em dia o pagamento dos impostos. Desta forma, a partir da segunda metade do séc. XIX, era notório o valor em dívida dos contribuintes. Em maio de 1840, os porto-santenses deviam à Fazenda Real o valor de 12.230$211 réis. A partir de meados dessa centúria, a dívida dos madeirenses à Fazenda continuou a subir: em 1850, o valor era de 512.839$640; em 1860-1861, de 5.712$044; em 1861-1862, de 29.221$654; em 1871-1872, de 79.113$044; e em 1875-1876, de 8.420$117. Perante isto, foram definidas medidas que favoreciam o pagamento sem penalização por decreto de 31 de dezembro de 1887, que autorizou o pagamento da contribuição de repartição em dívida no distrito do Funchal sem qualquer acréscimo de juro, pago em 60 prestações mensais. Depois, uma lei de 8 de maio de 1888 permitiu o pagamento em prestações mensais das contribuições de repartição e de lançamento em dívida no distrito do Funchal até dezembro de 1887, e também o abono de 3 % aos devedores que não aproveitassem esta faculdade. Mas muitos arrestos de bens aconteceram no decurso do séc. XIX, por força de inúmeras adversidades da economia da Ilha, que impediram muitos madeirenses de pagar os tributos ou os impostos de que eram devedores, acabando por ver os seus bens penhorados e arrematados em praça pública por estrangeiros, nomeadamente os Ingleses, que, a partir de então, passaram a assumir um papel dominante no sistema fundiário, por força deste processo. A partir da Revolução Liberal, a instabilidade política condicionou a contabilidade pública e o sistema de arrecadação de impostos, bem como o quadro da receita e da despesa, tendo-se lançado vários empréstimos para cobrir a elevada despesa. Na Regeneração, em 1852, ocorreu a primeira tentativa de disciplina financeira com a consolidação da dívida. Todavia, o deficit orçamental manteve-se até ao governo da Ditadura, com o recurso permanente à dívida externa, que, a partir de 1902, passou a assentar em empréstimos quase exclusivamente internos. A situação da Madeira arrastava-se, de igual modo, na condição de devedora, por força da crise económica resultante da decadência da produção do vinho. O texto A Winter in Madeira and a Summer in Spain and Florence, de autor desconhecido e publicado em 1850 na cidade de Nova Iorque, informa sobre a situação desastrosa das finanças portuguesas e da terrível situação do arquipélago, com uma dívida de 100.000$000 que não tinha cobertura nos rendimentos tributários. Contudo, nada disto seria novidade para o escritor anónimo, uma vez que situações semelhantes aconteciam em alguns estados americanos do Oeste. O regime republicano conseguiu estabelecer, nos seus primeiros anos, de 1912 a 1914, algum equilíbrio entre a receita e a despesa, mas a Primeira Guerra Mundial gerou novos desequilíbrios, por força da inflação galopante, tendo-se as dívidas mantido, em crescendo. A ordem e a disciplina financeira só aconteceriam em 1929, com a chegada de Oliveira Salazar ao Ministério das Finanças. Assim, a dívida flutuante externa foi paga em junho de 1929 e a interna foi amortizada em junho de 1934. A situação, no entanto, piorou na déc. de 60, com o aumento da despesa que causou o aumento dos recursos ao crédito. Na década seguinte, houve os agravamentos provocados pela crise do petróleo (1973-1979) e a instabilidade do período revolucionário (1974-1976), que conduziram a um acentuado desequilíbrio orçamental, por força de um aumento significativo da despesa, tendo obrigado, de novo, ao crescimento da dívida pública. Dívida pública regional – Madeira  A partir de 1974, agravou-se a situação de dependência financeira das instituições existentes na Região e também daquelas que foram criadas pelo processo da autonomia de 1976. A necessidade de contração de empréstimos, no sentido de resolver problemas momentâneos de tesouraria e de financiamento dos projetos de investimento, conduziu, ao longo dos tempos, ao aumento da dívida pública regional. Com o decreto legislativo que os aprovava, os orçamentos anuais expressavam esta situação através da definição das diversas formas de gestão e de negociação junto dos credores. O Estatuto Provisório da Região, aprovado pelo dec.-lei n.º 318-D/76, de 30 de abril, estabeleceu no artigo n.º 58 que o financiamento do deficit deveria ser definido por um diploma do Governo. Por seu lado, o estatuto definitivo, da lei n.º 130/99, de 21 de agosto, determinava que as autorizações para os empréstimos competiam à Assembleia Legislativa (art. n.º 36, alínea d), referindo ainda que apenas os empréstimos com prazo superior a um ano careceriam desta autorização (art. n.º 113). A Lei das Finanças Regionais (lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, com a alteração introduzida pela lei orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro) ocupava-se de forma especial da dívida pública regional (arts. n.os 26 a 36), definindo que a dívida pública flutuante deveria ser usada para suprir as necessidades da tesouraria, não podendo ultrapassar os 35 % da receita do ano económico anterior (art. n.º 30). A dívida pública fundada para acudir a necessidades de investimento só pode acontecer com a autorização da Assembleia Legislativa (art. n.º 27, n.º 1), situação já determinada na lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro. Entretanto, os limites a este endividamento seriam estabelecidos anualmente na lei do orçamento (art. n.º 30) e deveriam ter expressão no orçamento regional, através do decreto legislativo regional que o aprovaria, onde se estabeleceriam os limites do endividamento e a possibilidade de a Secretaria Regional do Plano e Finanças (SRPF) realizar diversas operações de gestão da mesma dívida. Desta forma, os pedidos de empréstimo eram estabelecidos por resolução do Governo e aprovados pela Assembleia. A lei de 2007 determinou ainda mecanismos de controlo da dívida pública regional, com a obrigatoriedade de a Região fornecer informações semestralmente (art. n.º 13), existindo sanções para o incumprimento das regras. Os anos de 1985 e 1986 foram de particular significado para esta conjuntura de difícil execução orçamental, originando a negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República, que assumiu a dívida interna, no valor de 66 milhões de contos. Desta forma, pela resolução n.º 9/86, de 16 de janeiro, o Governo mandatou o ministro da República e o ministro das Finanças para estabelecerem com o Governo Regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, que foi assinado a 26 de fevereiro de 1986. Em 22 de setembro de 1989, houve um novo programa de recuperação financeira, que duraria até 31 de dezembro de 1997 e que se repercutiu logo no orçamento regional do ano de 1990. Nesta data, a Região tinha uma dívida consolidada de 44,2 milhões de contos. Em 1999, o governo da República assumiu a dívida de 550 milhões de contos das duas regiões autónomas e, no ano imediato, assumiu outros 60 milhões do Serviço Regional de Saúde. Com o Estatuto de 1999 (lei n.º 1/99, de 21 de agosto), a dívida pública regional ficou definida no artigo n.º 113. A partir de 2007, a Região encontrou-se obrigada a apresentar semestralmente uma estimativa da dívida regional. Nesse ano, ao abrigo do disposto no artigo n.º 8 do dec. leg. regional n.º 3A/2007/M, de 9 de janeiro (Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2007), e no artigo n.º 28 da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas), que concedeu ao Governo regional a faculdade de contrair empréstimos para amortizar outros empréstimos anteriormente contraídos, procedeu-se, em 29 junho, à 2.ª emissão do empréstimo obrigacionista a que se reportou a resolução n.º 677/2006 do Conselho do Governo de 25 de maio, cujo produto, como se referiu, se destinou à amortização total do empréstimo RAM 97-1.ª às 3.ª séries. Nesta lei de 2007, estabeleceram-se as normas sobre as formas de realização da dívida fundada (art. n.º 28) e flutuante (art. n.º 29), sendo determinado, para esta última, um limite de 35 % do orçamento corrente do ano anterior, enquanto os da primeira eram determinados anualmente pela lei do orçamento. Também pelo dec. leg. regional n.º 32/2009/M, de 30 de dezembro, procedeu-se à alteração do artigo n.º 5, do dec. leg. regional n.º 45/2008/M, respeitante ao endividamento líquido regional. Em 2005, a dívida madeirense situava-se nos 478 milhões de euros, e em 2010, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, era de 963 milhões. A 30 de junho de 2011, o Governo regional assumia uma dívida de 5800 milhões de euros, mas em outubro os dados de um estudo encomendado pelo mesmo Governo revelavam que a dívida se situava nos 333.800 milhões. A 27 de setembro, outro relatório da Inspeção Geral de Finanças reportava uma dívida total da região em 6328 milhões de euros, incluindo neste valor a referente dívida às autarquias e ao sector empresarial da RAM. Neste ano de 2011, com a intervenção do Banco Central Europeu, do Fundo Monetário Internacional e da Comissão Europeia a nível nacional, iniciou-se um processo de mudança no esquema da dívida; esta intervenção obrigou ao estabelecimento de condições específicas para a Madeira poder negociar e resolver a sua dívida, situação que acarretava um retrocesso na autonomia financeira e tributária e estabelecia uma elevada penalização para os contribuintes. Assim, de acordo com um memorandum de intenções, aquela passaria a ser gerida pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, tutelado pelo Ministério das Finanças. A dívida da RAM, fruto do elevado nível de desenvolvimento, baseado no intenso investimento que a Região fez na sua autonomia, aumentou consideravelmente ao longo dos anos, sendo os dados referentes ao período iniciado no ano 2008 os mais expressivos. Nas contas regionais foi feita uma referência ao montante no qual se cifra a dívida direta, sendo também referido o valor da dívida indireta. Segundo os dados da Direção Regional de Orçamento e Contabilidade, a 31 de dezembro de 2011, a dívida direta da RAM aumentou consideravelmente no espaço de cerca de duas décadas: no ano de 1994, era de 578,227 milhões de euros, tendo aumentado cerca de 12,1 % no ano seguinte, para 648,310 milhões de euros. O aumento da dívida direta também se verificou nos anos de 1996 e 1997, durante os quais aquela assumiu os valores de 727,310 e 771,398 milhões de euros, respetivamente. O ano de 1998 foi marcado por uma diminuição na ordem dos 31,6 %, originando que a dívida direta diminuísse para 527,699 milhões de euros. De igual forma, no ano seguinte, o valor baixou para 388,267 milhões de euros, o que constituiu um decréscimo de 26,4 %. Seguidamente, a evolução da dívida direta assumiu uma tendência de crescimento, sendo de destacar a variação anual de 53,7 % constatada no ano 2008, o que correspondeu a um valor absoluto de 734,919 milhões de euros. No ano 2011, a dívida direta da RAM era de 1009,955 milhões de euros. Entre o ano 1994 e o ano 2011, destacaram-se os empréstimos contraídos pela Região que foram concedidos pelo Banco Europeu de Investimento, e.g., o empréstimo contraído no ano de 1994, orientado para as infraestruturas, de 69,831 milhões de euros, e o empréstimo de longo prazo com o valor de 50,0 milhões de euros, contraído em 2008. Os empréstimos de valor mais elevado registados neste período foram de natureza obrigacionista. No que concerne à dívida indireta, constituída pelas garantias e pelos vales prestados pela RAM (tomando a informação patente nos pareceres sobre a conta da RAM, da responsabilidade do Tribunal de Contas, e nos dados publicados pela SRPF), constatamos que se verificou um aumento muito significativo. Embora, no ano de 1995, o valor fosse de 70,7 milhões de euros, aquele aumentaria, no ano de 2011, para 1467,9 milhões de euros, o que significa um aumento de cerca de 20,76 vezes. Neste intervalo de tempo, só se verificaram taxas de variação anuais negativas em duas oportunidades: no ano de 1996, quando a dívida era de 67,4 milhões de euros, e no ano de 2010, momento em que o total de avales era de 1193,3 milhões de euros. São de ressaltar os dados verificados nos seguintes anos: em 2003, durante o qual a dívida indireta aumentou em cerca de 72,3 %, em relação ao ano anterior, tomando o valor de 341,6 milhões de euros; e em 2004, quando as garantias e os avales assumidos até à data atingiram o valor de 551,4 milhões de euros, revelando um aumento de 61,4 % face ao ano anterior. Todavia, e não obstante a informação apresentada pelas entidades até 2011, o Tribunal de Contas constatou (na sua auditoria de 2009, orientada para os encargos assumidos e não pagos da Administração Regional Direta da Madeira) que parte dos encargos que careciam de pagamento e tinham sido assumidos pela RAM não tinha sido reportada pelas entidades governamentais. Perante tal realidade, a dívida total e oficialmente comunicada foi sujeita a novas verificações que originaram um aumento significativo da variável, revelando a principal causa pela qual a Região teve de recorrer ao Plano de Ajustamento Económico e Financeiro. Em setembro de 2011, a SRPF informou que as responsabilidades da Região, a 30 de junho de 2011,eram de 5,8 mil milhões de euros, dos quais 3 mil milhões do Governo regional e 2,8 mil milhões de euros do sector público empresarial, estando aqui incluídos 1,2 mil milhões de euros de avales concedidos a empresas públicas, detidas ou participadas pela Região. Assim sendo, a informação disponibilizada até àquela data teve de ser reformulada, tendo em consideração a dívida não comunicada. Vários dados do Banco de Portugal situavam a dívida bruta da administração regional no ano de 2000 em 428 milhões de euros; no entanto, no ano seguinte, o valor aumentou para 470 milhões de euros. No ano de 2004, a dívida da administração regional ascendeu a 1109 milhões, tendo sido verificados aumentos nos anos seguintes que originaram o aumento do valor, no ano de 2009, para 2674 milhões de euros e, no ano de 2010, para um novo máximo de 3642 milhões de euros. No início da segunda década do novo milénio, a dívida bruta da administração regional escalou para valores nunca antes verificados, tendo sido, no ano de 2011, igual a 4058 milhões de euros. Os dados provisórios relativos aos anos 2012 e 2013 colocaram a dívida bruta em 4118 e 4291 milhões de euros, respetivamente. Em relação aos montantes verificados no quadriénio de 2010-2013, foi notória a importância relativa que a dívida do subsector Governo regional e serviços e fundos autónomos assumiu, em contrapartida da dívida respeitante às empresas públicas. Se bem que, no ano de 2010, a dívida do Governo regional representasse 64.2 % do total da dívida bruta, no ano de 2013, o valor provisório apresentaria um aumento do peso relativo deste subsector, de cerca de 74,3 %, representando a dívida afeta ao sector que engloba as empresas públicas incluídas na administração pública regional 25,7 %, quando a proporção em 2010 era de 35,8 %. A acumulação de deficits orçamentais, que contribuíram para o incremento da dívida da RAM, foi um alvo de reparo por parte do Tribunal de Contas. No parecer das contas da RAM relativo ao ano de 2011, o Tribunal constatava que “o orçamento da Região tem revelado pouca aderência à realidade, o que permitiu assumir despesa durante a execução orçamental muito para além da efetiva capacidade de suportar a realização dessa despesa, e levou, com crescente frequência, à acumulação de pagamentos em atraso” (TRIBUNAL DE CONTAS, 2012). Legislação: dec.-lei n.º 75/87, de 13 de fevereiro; portaria n.º 672/81, de 6 de agosto; portaria n.º 1028/81, de 30 de novembro; portaria n.º 663/82, de 3 de julho; portaria n.º 1146/82, de 14 de dezembro; portaria n.º 38-A/83, de 12 de janeiro; portaria n.º 687/83, de 20 de junho; portaria n.º 883/83, de 17 de setembro; portaria n.º 1054-B/83, de 23 de dezembro; portaria n.º 518/84, de 27 de julho; portaria n.º 783/85, de 16 de outubro; portaria n.º 186/86, de 8 de maio; portaria n.º 698-A/94, de 26 de julho; resolução n.º 171/81, de 6 de agosto; resolução n.º 243/81, de novembro; resolução n.º 72/82, de 24 de abril; resolução n.º 204-A/82, de 16 de novembro; resolução do Conselho de Ministros n.º 59-A/83, de 23 de dezembro; resolução n.º 1/85/M, de 17 de maio; resolução da Assembleia Regional n.º 3/85/M, de 27 de julho; resolução da Assembleia Regional n.º 4/85/M, de 18 de outubro; resolução do Conselho de Ministros n.º 4/86, de 9 de janeiro; resolução da Assembleia Regional n.º 1/86/M, de 18 de abril; resolução da Assembleia Regional n.º 2/86/M, de 20 de junho; resolução da Assembleia Regional n.º 3/87/M, de 7 de fevereiro; resolução da Assembleia Regional n.º 4/87/M, de 7 de fevereiro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 8/90/M, de 6 de dezembro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 9/90/M, de 6 de dezembro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 11/94/M, de 5 de setembro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 14/98/M, de 7 de julho; resolução do Conselho de Ministros n.º 105/98, de 14 de agosto; resolução do Conselho de Ministros n.º 137/98, de 4 de dezembro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/99/M, de 16 de janeiro; resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 14/99/M, de 6 de julho.   Alberto Vieira (atualizado a 03.01.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

comunidades madeirenses

A Constituição da República Portuguesa (CRP), na sua versão originária, definia as regiões autónomas como pessoas coletivas de direito público (art.º 229.º); não continha, assim, qualquer preceito que legitimasse o intérprete para eleger o território como seu elemento definidor. Entretanto, a consideração dos condicionalismos geográficos, como elementos que dão fundamento à autonomia, a evidência da individualidade territorial e a sua qualificação como pessoa coletiva de direito público – aproximando-a das outras pessoas coletivas de direito administrativo de base territorial, como a freguesia e o município – fizeram com que rapidamente se vulgarizasse, na doutrina, a ideia de que as regiões autónomas eram entes coletivos de base territorial, isto é, definidas e estruturadas, essencialmente, em função do respetivo território. Quando da revisão constitucional de 1982, tentou-se proceder a uma caracterização correta das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, i.e., conforme à realidade das mesmas. Essa tentativa consistiu fundamentalmente em duas propostas: uma tinha em vista substituir, no n.º 1 do art. 227.º, “condicionalismos” por “características”, e incluir nestas, também como fundamento da autonomia, “as características culturais”; outra tinha como fim eliminar no corpo do art. 229.º a referência a “pessoas coletivas de direito público”. A primeira foi aprovada, mas a segunda não passou. Poder-se-á pensar que se está perante um mero jogo de palavras. Mas não é assim. Com efeito, fundar a autonomia nas características dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em vez de a fundar nos condicionalismos, tem o objetivo de a desconjunturalizar, transformando-a numa imanência da realidade insular. A referência às características culturais insere nos fundamentos da autonomia o elemento que decisivamente define um povo, que é a sua cultura, e que permanentemente o identifica. E que não se trata de uma mera questão de palavras, prova-o a resistência demonstrada pelos membros da respetiva comissão eventual para a revisão constitucional à introdução daquelas alterações. Numa correta caracterização das regiões autónomas, torna-se claro que, se a Constituição fundamenta a autonomia nas características geográficas, económicas, sociais e culturais dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, é porque as regiões autónomas não são apenas o território, mas sobretudo as pessoas, que são o agente ativo ou passivo daquelas características. Esta consideração permite dar um salto qualitativo, que ultrapassa o território como elemento definidor e contempla o povo madeirense na sua plenitude. Desta forma, a autonomia deixa de ser uma questão que apenas diz respeito às pessoas residentes no território das regiões autónomas para passar a estar intimamente ligada a todos os madeirenses, onde quer que se encontrem. E, se a população emigrante é o dobro ou o triplo da população residente no arquipélago da Madeira, esta ideia nada tem de lírico, antes se insere profundamente na realidade do povo madeirense. Só a esta luz se consegue explicar a expectativa com que os madeirenses espalhados pelo mundo vivem a experiência autonómica e o empenho com que participam nela, bem como as tentativas que têm sido feitas para institucionalizar a participação dos madeirenses não residentes nas instituições autonómicas e de criar mecanismos de ligação e apoio às comunidades que, pelo mundo fora, esses madeirenses constituíram e mantêm. A este respeito, tornou-se conhecida a querela acerca da existência de círculos eleitorais de não residentes que, por via dos mesmos, passariam a ter assento nos Parlamentos regionais. A matéria recebeu consagração legislativa no Estatuto Político-Administrativo dos Açores, e foi declarada inconstitucional em relação ao Estatuto Político-Administrativo da Madeira, matéria que será retomada em passo ulterior do presente texto. Alguns receiam que o reforço da autonomia regional afete a unidade do Estado. E não é por acaso que a base territorial das regiões autónomas é veementemente afirmada pelos constitucionalistas de pendor centralista; como não é por acaso que os responsáveis políticos com uma visão centralista da estrutura do Estado português rejeitam energicamente a conceção institucional de região autónoma. Uns e outros ter-se-ão apercebido de que se está perante uma questão de importância fundamental para a adequada caracterização do sistema autonómico português. É importante reter que, no estado atual do direito português nos começos do séc. XXI, há base formal e legitimidade política para defender que a região autónoma é uma pessoa coletiva de base institucional, que diz respeito a todos os madeirenses e seus descendentes, quer residam na Madeira, no Porto Santo, no continente, nos Açores ou no estrangeiro. Erigir o território como elemento definidor da região  autónoma é uma atitude reducionista da própria autonomia, cuja consequência mais imediata é subtrair à jurisdição das instituições políticas regionais os madeirenses não residentes para, de modo centralista, os colocar sob tutela do Governo central. Na realidade, está-se perante pessoas coletivas de base institucional, já que o que é relevante na caracterização da Região Autónoma da Madeira (RAM) não é o território, mas o seu povo, que está disperso pelos cinco continentes. Não há um censo específico que permita quantificar com rigor este universo de Portugueses, mas calcula-se que só no continente português vivam, no começo do séc. XXI, cerca de 300.000  madeirenses, e nas comunidades radicadas no estrangeiro à volta de 600.000. Nesta “madeirofonia” deverão integrar-se também os “madeirodescendentes”, em número elevado, embora impossível de determinar. É este valioso potencial humano que reclama dos órgãos de Governo próprio da RAM uma política para as comunidades madeirenses no exterior. Trata-se de um universo caracterizado pela dispersão, pela dimensão planetária e pela diferenciação. Com efeito, as comunidades madeirenses encontram-se dispersas por vários países, estão presentes nos cinco continentes e cada comunidade tem características próprias que a diferenciam das demais. As centenas de milhares de madeirenses não residentes e as suas comunidades constituem um elemento estrutural e estruturante da RAM. O espírito empreendedor, a abertura a outros povos e culturas e uma fácil integração nas sociedades de acolhimento, sem prejuízo da sua ligação à terra de origem, são características peculiares da maneira de ser dos madeirenses. É, em grande parte, através dos madeirenses residentes no continente português e no estrangeiro que a RAM se afirma no exterior e que se concretiza a vocação universalista e humanista do povo madeirense. O elo mais forte que liga todos os madeirenses entre si, e à sua terra de origem, é a língua portuguesa, a cultura e as tradições madeirenses. No plano jurídico, é preciso respeitar a igualdade de direitos e deveres entre madeirenses residentes e madeirenses não residentes, bem como defender os direitos e legítimos interesses dos madeirenses não residentes face aos ordenamentos jurídicos e às autoridades dos países de acolhimento, e pugnar pela igualdade de tratamento em relação a todos os não residentes, dando uma especial atenção aos jovens, aos idosos, aos hospitalizados e aos detidos. Ao nível da manutenção e reforço dos laços afetivos e culturais com a Região de origem, deve, em todas as circunstâncias, ser aprofundado o amor à pátria madeirense e cultivado o orgulho em se ser madeirense. Os madeirenses não residentes devem ser defendidos junto dos órgãos de soberania, combatendo todo o tipo de discriminação em relação aos outros Portugueses e assegurando a participação das comunidades madeirenses, através das suas estruturas representativas, na definição das políticas a levar a cabo pelos órgãos de Governo próprio, nomeadamente, na política para as comunidades madeirenses no exterior. Do ponto de vista prático, uma política só é eficaz quando dispõe dos instrumentos e meios adequados à sua concretização. A política direcionada às comunidades madeirenses no começo do terceiro milénio carece, antes de mais, de meios financeiros suficientes e de apoios logísticos idóneos. No domínio deste tipo de políticas, é recorrente a exiguidade das dotações orçamentais, pelo que se torna necessário procurar formas de financiamento para além dos apoios oficiais. Quanto aos apoios logísticos e aos instrumentos adequados para levar a cabo esta política, é preciso ter presente o princípio da universalidade: tais apoios e instrumentos devem permitir que as medidas e ações de política sejam acessíveis a todos, esbatendo ao máximo a tentação natural de privilegiar as comunidades que se encontram mais próximas da região de origem. De entre os meios a utilizar, são de privilegiar uma cobertura consular adequada, uma informação atualizada e o mais ampla possível, e um apoio estratégico ao associativismo, tão vulgarizado e atuante no seio das comunidades madeirenses. A cobertura consular é da competência do Governo da República, cabendo aos órgãos de Governo próprio da Região tirar partido dos consulados, que existem em cada país de acolhimento, beneficiando assim as comunidades madeirenses radicadas nas respetivas áreas consulares. Na déc. de 80 do séc. XX, na Venezuela, cujo território é nove vezes maior que o território de Portugal continental, para uma comunidade de cerca de meio milhão de Portugueses, só existia um consulado de carreira em Caracas, com jurisdição sobre a totalidade do território venezuelano e dos territórios autónomos de Curaçau e Aruba. A maior parte dos Portugueses residentes naquela vasta área consular era de origem madeirense e foi devido ao empenho de um secretário de estados das comunidades portuguesas natural da Madeira que se procedeu à abertura de um novo consulado em Valência e à ampliação e modernização das instalações do consulado em Caracas, melhorando-se substancialmente a cobertura consular naquele país, com benefício para todos os Portugueses lá residentes. A informação a fornecer aos madeirenses residentes fora da Madeira não pode ser só de carácter utilitário, mas também de cariz cultural, social, recreativo, desportivo, o mais ampla e atualizada possível. A informação adequada às comunidades madeirenses terá de ser tridirecional, isto é, da RAM para as comunidades, das comunidades para a RAM e para o país em geral, e das comunidades entre si. Só assim se alcança um conhecimento recíproco, que é o suporte indispensável de qualquer universo que se pretenda coeso e solidário. Trata-se de um desiderato facilmente alcançável graças aos múltiplos meios de comunicação proporcionados pela tecnologia. Não será exagerado considerar que este é o instrumento mais eficaz de política junto das comunidades madeirenses no exterior. O apoio ao associativismo, baseado em uma visão estratégica da presença dos madeirenses no mundo, também é relevante. Tal visão consiste em, para além do apoio prestado ao associativismo tradicional, de cunho saudosista e folclórico, promover o associativismo de jovens e de empresários. É neste ponto que reside, em grande parte, o que permitirá dar o salto qualitativo em matéria de política para as comunidades madeirenses. Ao privilegiar o associativismo jovem e empresarial, contribui-se para uma melhor integração dos madeirenses e dos seus descendentes nas sociedades de acolhimento, o que aumentará a importância política, cultural, económica e social das comunidades portuguesas no seio dos países que as acolhem, e garantirá a sua perenidade no futuro. De facto, só os descendentes da primeira geração de emigrantes poderão perpetuar a sobrevivência das comunidades madeirenses nos países de acolhimento. Para isso é necessário que se mantenham ligados à Região dos seus antepassados e vejam permanentemente vivificada a herança cultural e afetiva que os antepassados lhes legaram. O papel da internet, como já se disse, é fundamental, bem como a existência de programas de rádio e televisão nacionais e regionais especialmente dirigidos a jovens. O recurso às tecnologias de comunicação não dispensa, porém, o conhecimento presencial de lugares e pessoas, através da criação e manutenção de mecanismos que permitam intensificar o intercâmbio de conhecimentos e experiências, através da celebração de protocolos ou parcerias, e da obtenção de apoios públicos e privados que o propiciem. Deve realçar-se, neste contexto, a importância que assume o intercâmbio ao nível do ensino superior, dada a sua repercussão em termos de um maior protagonismo dos jovens descendentes de madeirenses nas sociedades de acolhimento, e a organização de iniciativas específicas que permeiem os jovens participantes por razões de mérito, dando-lhes a conhecer a terra dos seus antepassados. Outro instrumento fundamental a ter em conta é o ensino à distância, tirando partido das plataformas comunicacionais para criar salas de aula virtuais para esse efeito. Ponto fulcral desta política dirigida aos jovens é a preservação e divulgação da língua portuguesa. O português é uma língua estratégica, pelo número de pessoas que a falam em vários países de diferentes continentes. Além disso, é o meio de comunicação privilegiado no seio do chamado mundo lusófono, e constitui o mais poderoso meio de ligação à pátria portuguesa e à região de origem dos portugueses que vivem no estrangeiro, e dos seus descendentes. Daí que a aprendizagem do português deva estar entre as prioridades da política para as comunidades madeirenses. Além do associativismo juvenil, deve estimular-se o associativismo empresarial, não só pela importância de que se reveste o poder económico dos empresários madeirenses nas economias das sociedades de acolhimento e pelas vantagens que daí podem resultar para o desenvolvimento económico da RAM, mas também pelo apoio financeiro que podem dar às iniciativas culturais, sociais e filantrópicas das comunidades de madeirenses, e às candidaturas de madeirenses e seus descendentes a cargos de responsabilidade política nos diferentes níveis da organização do poder político dos Estados onde residem. É conhecido o sucesso empresarial de muitos madeirenses nos países de acolhimento e a repercussão que isso tem na internacionalização da economia portuguesa e no desenvolvimento da sua Região de origem. Foi com o objetivo de reconhecer e aproveitar esse potencial económico que, no início da déc. de 90 do séc. XX, foi criada a Confederação Mundial dos Empresários das Comunidades Portuguesas, e que, durante as décadas que se seguiram, os órgãos de Governo próprio da RAM criaram e mantiveram condições atrativas para que os empresários madeirenses dispersos pelo mundo investissem na sua terra natal. Em termos estratégicos, os empresários, graças ao seu poder económico, também podem desempenhar um papel decisivo na afirmação da presença cultural das comunidades madeirenses no estrangeiro, reforçando a importância global dessas comunidades nos países de acolhimento, quer sob a forma de mecenato, quer sob a forma de simples ajudas financeiras avulsas. O quadro jurídico-constitucional exclui dos poderes das regiões autónomas os chamados atributos da soberania ou poderes soberanos: política externa, defesa, segurança interna e justiça. Mas não em absoluto, já que, para além do direito de audição junto dos órgãos de soberania sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito, bem como em matérias do seu interesse específico (art. 227.º, n.º 1, alínea v), da CRP), e do direito de participar no processo de construção europeia (alínea x) do mesmo artigo), os órgãos de Governo próprio têm o poder de participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes (alínea t) do n.º 1 do art. 227.º da CRP). No âmbito da política para as comunidades madeirenses, estes poderes revestem-se de particular importância, quer no que toca à proteção consular, quer na negociação de tratados e convenções internacionais com interesse para a situação dos madeirenses residentes no estrangeiro, quer no que respeita, em geral, à política do Governo central para as comunidades portuguesas. Trata-se, assim, de um raro domínio em que a RAM participa na execução da política externa do Estado português. O regresso definitivo dos madeirenses que residem no estrangeiro é outro aspeto que não pode ser descurado numa política direcionada às comunidades madeirenses. Trata-se de um fenómeno incontornável, cuja dimensão varia consoante a situação interna dos países de acolhimento. O regresso definitivo de tais cidadãos confronta os poderes autonómicos com problemas específicos, nomeadamente no que toca à inserção escolar de crianças e jovens, à integração no mercado de trabalho, a apoios de natureza social e à aplicação de poupanças. Isto significa que os responsáveis aos níveis político, social e económico devem contribuir para a criação de condições adequadas de reinserção, sob pena de o regresso à terra natal se configurar como uma segunda emigração. A participação dos madeirenses não residentes na vida política, cultural, social e económica da RAM é desejável e deve ter maior expressão. Para o efeito, devem ser legalmente reconhecidas as estruturas representativas das comunidades madeirenses e regulado o modo de participação na conceção e execução dos programas de governação regional e autárquica. A forma como se constituem as estruturas representativas no seio das comunidades madeirenses é outro assunto que não pode ser descurado. A este respeito, a lei deve assegurar que a representação seja genuína, democrática e interclassista. Além das estruturas representativas dos madeirenses residentes fora da Região, devem ser criadas e mantidas instituições, de natureza pública ou privada, que constituam uma presença permanente e visível das comunidades madeirenses no seio da sociedade madeirense, sediadas na cidade capital da Região. A título de exemplo, refira-se a necessidade de existência de um fórum das comunidades madeirenses e de uma fundação das comunidades madeirenses, inexistentes no começo do séc. XXI. O fórum disporia dos seguintes espaços: um núcleo museológico, onde estaria presente a memória da saga das migrações madeirenses ao longo dos tempos e o espólio de individualidades madeirenses com responsabilidades políticas na área das comunidades portuguesas e/ou madeirenses; um núcleo cultural, onde estariam patentes obras relacionadas com a temática das comunidades, resultantes da produção intelectual e artística de madeirenses residentes no estrangeiro, ou até residentes na Região, e onde se levariam a cabo iniciativas de natureza cultural; e um núcleo de apoio aos Madeirenses residentes fora da Região, que compreenderia um universo de serviços de resposta às múltiplas necessidades dos não residentes, e dos regressados definitivamente, perante as entidades e serviços da administração pública autónoma, os municípios da Região e as entidades privadas. O outro exemplo consiste em criar uma entidade que seria a fiel depositária e a gestora dos donativos (feitos a título de mecenato ou outro), das doações e das deixas testamentárias de madeirenses que perecem fora da Região ou de residentes – ajudas e patrimónios que seriam administrados de acordo com o interesse dos madeirenses regressados em situação de emergência social, em obras de solidariedade social e em iniciativas de dignificação da presença dos madeirenses no mundo. A participação política nas eleições regionais, legislativas e autárquicas é recomendável. Os madeirenses não residentes, dada a sua dupla cidadania, portuguesa e europeia, têm o direito de participar nas eleições de âmbito europeu e de âmbito nacional, nos termos da respetiva legislação. A este respeito, merecem especial destaque a eleição do Presidente da República e a eleição dos deputados à Assembleia da República. Por tudo quanto fica exposto, é imperativo concluir que a existência de comunidades madeirenses radicadas fora do território da Região, com a importância que assumem, na Região e nos países que as acolhem, exige dos responsáveis políticos a definição de uma política específica, que abranja as múltiplas vertentes em que tal realidade se desdobra, adequada às especificidades de todas e de cada uma dessas comunidades e com visão estratégica e sentido de responsabilidade face aos interesses vitais da RAM.   Manuel Filipe Correia de Jesus (atualizado a 30.12.2016)

Madeira Global

contas

Em termos de contabilidade, devemos considerar a Conta do Ano Económico, a Conta de Gerência e a Conta Geral de Administração Financeira do Estado (CGAFE), que engloba as duas. Ao nível das diversas operações orçamentais, podemos, ainda, definir as contas ordinária, extraordinária, dos serviços autónomos e uma exceção, a chamada “conta excecional”, resultante da guerra, que existiu nos períodos de 1914-15 e de 1927-28, tendo sido criada pela Lei n.º 372, de 31 de agosto de 1915. A CGAFE é o resultado da execução do orçamento. De acordo com a constituição de 1822, estas deveriam ser apresentadas para aprovação em Cortes, juntamente com o orçamento do ano seguinte. Na Carta Constitucional de 1926 e na Constituição de 1838, alude-se ao mesmo, sendo referido como o balanço geral da receita e despesa do tesouro público. Por lei de 18 de setembro de 1844, foi determinado que a Conta deveria ser submetida a parecer do Tribunal do Conselho Fiscal de Contas. A partir do ato adicional à Carta de 1852, ficou definida a separação entre a Conta e o orçamento. Durante a República, não tivemos qualquer alteração, o que só veio a ocorrer com a Constituição de 1933, que determinou que a sua submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma exarados pelo Tribunal de Contas (TCo). A CGAFE foi substituída, a 21 de novembro de 1936, pela Conta Geral do Estado. De acordo com a lei de 20 de março de 1907, existiam dois tipos de conta: a Conta do Ano Económico e a Conta de Gerência do mesmo. Enquanto a primeira ficava aberta por um período de cinco anos, a segunda deveria ser encerrada a cada ano e ser o registo de todas as operações financeiras realizadas. Esta segunda conta deveria igualmente ser publicada no prazo de quatro meses após o final do ano, enquadrada na CGAFE, que englobava as duas. Como já referido, a partir de 1936, esta Conta passou a designar-se Conta Geral do Estado (CGE). Com o Dec. n.º 3519, de 8 de maio de 1919, somos confrontados com a falta de cumprimento desta determinação que estabeleceu normas, no sentido de simplificar o processo, reduzindo para dois anos o período em que as contas dos anos económicos estariam abertas e o alargamento do prazo de publicação da conta para sete meses. Mesmo assim, não foi solução, e, em novo decreto, com força de lei, n.º 18381, de 24 de maio de 1930, estabeleceram-se novas regras, no sentido de obviar esta situação. Assim, o ano económico ficaria aberto apenas por 45 dias e acabava-se com as duas contas, passando a figurar apenas a Conta de Gerência. Em 1935, alargou-se o prazo da sua publicação para 12 meses e, no ano seguinte, insistiu-se na prioridade que deveria ser dada à publicação da CGE. A publicação regular das contas iniciou-se com as do ano económico de 1833-34, mas a agitação política levou, por vezes, ao não cumprimento desta ordem, como sucedeu nos anos económicos de 1845-46 a 1859-1950. Antes disso, deveremos assinalar a apresentação de três contas à Câmara dos Deputados juntamente com o orçamento respeitante aos anos económicos de 1926, 1832 e 1832-33. A partir de 1850, juntaram-se à Conta do Tesouro as contas dos Exercícios, as dos Ministérios e a da Junta de Crédito Público. Como já referido, a CGE surgiu, a 21 de novembro de 1936, para substituir a CGAFE, sendo o resultado da execução financeira do orçamento. A conta é preparada pela Direção-Geral de Contabilidade, que deveria apresentar, até 15 de março de cada ano, os mapas de execução e publicar a conta até 31 de dezembro do ano seguinte. Esta, depois de parecer do TCo, é apresentada à Assembleia para votação. A Constituição de 1976 refere, a exemplo da de 1933, que a submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma, exarados pelo TCo, e acrescenta o prazo de 31 de dezembro para a sua apresentação à Assembleia. A partir de 1977, a lei determinou a publicação mensal de contas provisórias, o que, em 1991, passou a ter uma periodicidade trimestral. A Conta da Região é a conta das regiões autónomas, tendo surgido para o ano fiscal de 1976. De acordo com a Lei n.º 98/97, de 27 de agosto, o Governo Regional é obrigado a submeter, à Secção Regional do TCo, esta Conta, que, depois de julgada, é submetida à aprovação da Assembleia Legislativa Regional, conforme lei n.º 28/92, de 1 de setembro. A Conta da Região assinala a execução orçamental da Região Autónoma da Madeira (RAM) e apresenta, detalhadamente, os valores constatados em agrupamentos como as Receitas e as Despesas do Arquipélago. Dados da Direção Regional de Orçamento e Contabilidade permitem identificar a evolução favorável das receitas, tanto as correntes como as de capital. Em 1977, o total de receitas correntes era de 8932 milhões de euros, sendo que o total de receitas de capital cifrava-se em 232 mil euros, fazendo com que a receita total se quantificasse em 9374 milhões de euros. Em 1981, o total de receitas de capital aumentou para 44.348 milhões de euros, um crescimento de cerca de 191 vezes quando comparado com o valor verificado em 1977. Ainda no mesmo ano, foi igualmente notória a evolução das receitas correntes, já que no seu total somaram o valor de 26.325 milhões de euros. Em 1985, a receita total atingiu o valor de 139.023 milhões de euros, e, no ano seguinte, o valor quase duplicou, passando para 252.542 milhões de euros, muito por conta de as receitas de capital terem passado de 32.955 milhões de euros, em 1985, para 130.162 milhões de euros, em 1986, quase igualando o valor da receita total do ano anterior. Todavia, cabe destacar que as receitas correntes aumentaram, neste período, em 14.211 milhões de euros. Para a déc. de 90, os montantes verificados foram reflexo de um aumento das receitas da RAM, tendo especial destaque o ano de 1990, em que a receita total assumiu o valor de 733.975 milhões de euros. Este valor justifica-se pelo montante assumido pelas receitas de capital, que no seu total foi de 500.346 milhões de euros, valor que atingiu tais proporções devido a um passivo financeiro assumido pela RAM de 439.473 milhões de euros. Em 1991, embora inferior à do ano anterior, que não constitui um bom elemento de comparação por conta da excecionalidade verificada, a receita total foi superior à de 1989, devido ao aumento das receitas correntes, impulsionado pelo incremento das receitas fiscais. A partir de 1995, a receita total da RAM superou os 700 milhões de euros, assumindo, nesse ano, o valor de 703.678 milhões de euros, sendo que o valor das receitas correntes foi de 337.777 milhões de euros e o das receitas de capital de 214.729 milhões de euros. Em 1996, a receita total foi de 822.373 milhões de euros, sendo que no ano seguinte o valor diminuiu para 765.446 milhões de euros, voltando a aumentar, em 1998, para 782.498 milhões de euros. No início do novo século, as receitas da RAM atingiram valores nunca antes verificados. Em 2001, a receita total da RAM foi de 1105.302 milhões de euros, aumentando no ano seguinte para 1129.110 milhões de euros e tomando o valor de 1167.048 milhões de euros em 2003. As receitas correntes em 2001 foram de 545.424 milhões de euros, tendo-se verificado um aumento das mesmas em 2002 e 2003 para 671.637 e 672.472 milhões de euros, respetivamente. As receitas de capital, pelo contrário, reduziram de 2001 para 2002, na medida em que no primeiro ano as mesmas somavam o valor de 364.151 milhões de euros e no segundo diminuíram para 271.664 milhões de euros. 2008 marca a primeira década do século no que concerne à receita total, que se cifrou em 1317.770 milhões de euros, ano em que as receitas correntes foram de 931.883 milhões de euros e as receitas de capital de 385.887 milhões de euros. Os anos seguintes foram marcados por diminuições constantes. A partir de 2009, inicia-se uma tendência que é caracterizada pelo decréscimo das receitas totais, sendo que, para esse ano, o valor das mesmas foi de 1074.878 milhões de euros. Em 2010, com uma receita total de 1201.411 milhões, é claro o aumento em relação ao ano anterior, situação que não se verificou em 2011, com uma diminuição para 1076.962 milhões de euros. Em 2012, a receita total cifrou-se em 1597.936 milhões de euros, um aumento significativo relativamente ao do ano anterior, ocasionado pelo valor assumido pela rubrica das receitas advindas de passivos financeiros, de 635.070 milhões de euros. Em 2013, os dados provisórios apontavam para um valor das receitas totais de 2492.607 milhões de euros. Para o mesmo ano, as receitas correntes eram de 1091.643 milhões de euros e as receitas de capital de 1400.964 milhões de euros. No que diz respeito à estrutura da receita, cabe destacar o peso que as receitas fiscais foram assumindo ao longo do tempo. Para 1977, as receitas fiscais eram de 6721 milhões de euros, representando 75,2 % das receitas correntes e 71, 7% das receitas totais. O ano seguinte deu início a um período que se prolongou até 1981, caracterizado pela diminuição da proporção das receitas fiscais nas receitas totais. Note-se que, em 1981, as receitas fiscais representaram 21,6 % do total das receitas e 67,7 % das receitas correntes, sendo que as mesmas mantiveram uma percentagem relativamente baixa no que concerne à receita total em 1982 e 1983, com 28,7 % e 31,0 %, respetivamente. 1989 é um ano de destaque para as receitas fiscais, já que as mesmas ascenderam aos 155.862 milhões de euros, o que se traduziu em 92,3 % das receitas correntes e 55,4 % das receitas totais. A déc. de 90 apresentou receitas orçamentais com um peso superior a 40 % das receitas totais, com exceção de 1990, ano em que a receita fiscal representou apenas 23,8 % das receitas totais. De destacar o ano de 1992, em que as receitas fiscais foram de 293.702 milhões de euros, cerca de 61,0 % da receita total desse ano. No novo século, a proporção das receitas fiscais nas receitas totais aumentou significativamente. Esta situação é identificada com maior realce no período compreendido entre 2008 e 2013. Em 2008, as receitas fiscais foram de 786.249 milhões de euros, e, embora nos anos seguintes o valor absoluto das mesmas tenha sido inferior, tomando os valores de 643.499, 682.954, 666.690 e 651.970 milhões de euros em 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente, o impacto nas receitas totais foi superior em algumas ocasiões. Isto porque, se em 2008 as receitas fiscais representavam 59,7 % das receitas totais, em 2009 a proporção aumentava para 59,9 %. Em 2010, a proporção diminuía para 56,8 %, voltando a aumentar no ano seguinte, representando 61,9 %. As previsões para 2013 deixavam antever um aumento do valor absoluto das receitas fiscais, já que a estimativa apontava para um valor a rondar os 847.255 milhões de euros, substancialmente superior ao verificado no ano anterior. Todavia, e apesar do aumento do valor da mesma, a sua influência na receita total decresceu para 33,99 %. Cabe destacar que, desde 1977 até 2012, para cada um dos anos em apreço a receita fiscal apresentou-se sempre superior à receita fiscal do ano imediatamente anterior, com exceção de 1994, 2003, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. Nesse espaço temporal, o valor mais elevado da receita fiscal, considerando os dados definitivos, foi constatado em 2008, ano em que foi verificada, de igual forma, a maior receita total, que ascendeu aos 1317.770 milhões de euros. No que concerne à componente de capital, as receitas associadas à mesma ganharam uma importância relativa bastante significativa, já que, enquanto em 1977 representavam aproximadamente 2,5 % da receita total e assumiam o valor de 232.000 mil euros, em 2012, o valor absoluto ascendia aos 703.562 milhões de euros, com um peso de 44,0 %. Não obstante, é de ressaltar que a conjuntura com a qual a RAM se viu confrontada a partir de 2008, com a crise financeira, e especialmente desde 2012, ano em que foi assinado o PAEF-RAM – Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da RAM, deturpou, em certa medida, os pesos das receitas de capital nas receitas totais verificados em anos anteriores. Se foi notável o aumento das receitas da RAM, a evolução das despesas foi semelhante. Em 1977, a despesa total da RAM rondava os 7490 milhões de euros, passando no ano seguinte a ser de 16.827 milhões de euros, ultrapassando o dobro do ano anterior. O total da despesa aumentou anualmente até ao fim da déc. de 80, com exceção de 1984, ano em que tomou o valor de 106.213 milhões de euros, e de 1987, ano no qual a despesa total foi de 224.099 milhões de euros. Na déc. de 90, sobressai o valor verificado em 1990, em que a despesa ascendeu aos 728.808 milhões de euros. Contudo, e apesar de em 1991 se ter verificado uma diminuição do total da despesa para 392.018 milhões de euros, o período entre 1991 e 1996 apresentou um crescimento anual da mesma, tomando o valor de 816.206 milhões de euros no último ano considerado. No início do séc. XXI, a despesa total assumiu um valor nunca antes verificado, de 1100.651 milhões de euros. Não obstante o facto de em 2001 se ter atingido tal patamar, nos três anos seguintes foram constatados aumentos de tal variável, chegando, em 2004, a ser de 1306.510 milhões de euros. Os anos seguintes são caracterizados por uma diminuição da despesa total, quando comparada com a constatada em 2004, salvo em 2008, em que foi atingido um novo máximo de 1317.102 milhões de euros. 2012 marca um novo máximo da variável de 1533.094 milhões de euros, sendo que os dados provisórios de 2013 permitem vislumbrar um aumento significativo, que situa a despesa total em 2368.748 milhões de euros. A estrutura da despesa total modificou-se parcialmente ao longo dos anos em apreço, embora continue a ser maior o peso das despesas correntes, comparativamente com o das despesas de capital. Em 1983, as despesas correntes representavam, aproximadamente, 52,55 % da despesa total, sendo de cerca de 62,12 % em 2012, enquanto o peso das despesas de capital variou de 33,33 % para 37,79 % no mesmo período. Analisando as componentes que conformam cada um dos agregados da despesa, é possível constatar o peso significativo das despesas afetas ao pessoal. As mesmas cresceram cerca de 24,43 vezes entre 1983 e 2012, chegando a tomar o valor de 375.070 milhões de euros, o seu valor mais elevado, em 2009. Relativamente às despesas de capital, a rubrica que se apresenta com maior relevância é aquela que diz respeito às aquisições de bens de capital, embora em 2012 se tenha verificado uma situação na qual a despesa referente aos ativos financeiros, e que em si engloba as operações financeiras com a aquisição de títulos de crédito e com a concessão de empréstimos e subsídios reembolsáveis, foi superior à referente às aquisições de bens de capital. Não obstante, não é possível subestimar a evolução desta última rubrica, já que em 1983 a mesma tomava o valor de 2.422 milhões de euros, enquanto em 2012 o mesmo era de 217.947 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 89,99 vezes. Em 1983, representava 2,18 % da despesa total, e em 2012, 14,22 %. Para efeitos da análise efetuada anteriormente, foram consideradas as despesas e as receitas orçamentais executadas afetas ao subsector do Governo Regional da Madeira, por permitir uma análise temporal mais ampla. O saldo efetivo, que reflete a diferença entre as receitas e as despesas efetivas, permite verificar a relação entre ambas as variáveis. Entre 1977 e 2012, o saldo foi negativo, com exceção dos anos: 1977, com 1896 milhões de euros; 1989, com 167 mil euros; 1992, com 1694 milhões de euros; e 2005, 2006 e 2007, com um saldo de 1302, 1070 e 1105 milhões de euros, respetivamente. Os valores deficitários mais importantes, pela expressividade que assumiram, foram os constatados nos anos: 2012, com as despesas a superarem em 491.703 milhões de euros as receitas; 2008, quando o saldo efetivo foi de -255.113 milhões de euros; e 1990, em que o diferencial entre as receitas efetivas e as despesas efetivas foi de -220.349 milhões de euros. O saldo efetivo calculado não inclui a utilização do produto da emissão de empréstimos, nem os encargos com a amortização da dívida pública.   Alberto Vieira  Sérgio Rodrigues (atualizado a 30.12.2016)

Economia e Finanças História Económica e Social

centro de química da madeira

O Centro de Química da Madeira (CQM) foi criado em 2004, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este projeto nasceu da vontade de um punhado de investigadores que aceitaram o desafio de criar, na Universidade da Madeira e para a Região, um centro de investigação de qualidade internacional nas áreas da química e da bioquímica. O CQM foi, desde a sua criação, o CQM auditado regularmente por painéis internacionais de avaliação, sendo os seus relatórios de atividades públicos e os resultados mensuráveis através de critérios internacionalmente aceites. Os órgãos de governo emanam da vontade dos investigadores que constituem o Centro, sendo o respetivo coordenador eleito por voto secreto dos seus membros seniores, e os resultados do domínio público. Para além disso, o Centro cumpre as regras de contratação pública e as leis em vigor. O financiamento do CQM, que tem sido obtido através de concursos altamente competitivos, provém, fundamentalmente, da FCT e de fundos europeus. Graças ao trabalho efetuado nas vertentes de investigação, desenvolvimento, inovação, formação de recursos humanos, e apoio e serviços às empresas, bem como na divulgação da ciência, o CQM é, no início do séc. XXI, uma referência para a Madeira e para o país. Tendo por base a experiência e o conhecimento do pequeno grupo de investigadores doutorados que estiveram na sua génese, o CQM cedo definiu como estratégia de desenvolvimento uma forte ligação às necessidades científicas e de formação da Região, procurando sempre, nas parcerias e na internacionalização, a janela de oportunidade para o reconhecimento e para a complementaridade do trabalho produzido. Assentando em dois grupos de investigação interdisciplinares: “Produtos Naturais” e “Materiais”, o CQM é o elemento central de promoção e dinamização da investigação, do desenvolvimento e da inovação em química e bioquímica na Região Autónoma da Madeira, desenvolvendo a sua atividade nas seguintes áreas: Química Analítica, Química Alimentar, Saúde, Materiais, Modelação Molecular, Nanoquímica e Fitoquímica. No final de 2014, o CQM era constituído por 57 investigadores, 15 dos quais eram doutorados; outros 15 investigadores tinham o mestrado, 11 eram estudantes de doutoramento e 14 estudantes de mestrado; do total, 22 % eram investigadores estrangeiros e 54 % do sexo feminino. De acordo com o estudo bibliométrico realizado pela FCT a todas as unidades de investigação nacionais, no período de 2008-2012, a produtividade do CQM foi uma das mais altas do país; além disso, nos critérios: número de citações por investigador a tempo inteiro (full-time equivalent researcher), impacto, e publicações mais citadas, o CQM destaca-se entre todos os centros de investigação portugueses. Nos seus primeiros 10 anos de existência, o CQM estabeleceu e fortaleceu parcerias, não só no espaço português e da Macaronésia, como na China, Índia e Brasil, destacando-se a constituição de protocolos ou colaborações com várias instituições científicas e laboratórios. Tendo por unidade de acolhimento o CQM, foi criada na Universidade da Madeira a primeira cátedra em Nanotecnologia do país. Em resultado deste projeto, a Universidade da Madeira assinou o primeiro protocolo com uma Universidade Chinesa (Universidade de Donghua – Xangai), começou a receber alunos chineses de doutoramento e mestrado para realizarem estágios no CQM, e os investigadores do CQM passaram a visitar regularmente a China para desenvolverem trabalho de investigação. Desta intensa atividade científica conjunta resultou a publicação de vários trabalhos em revistas de elevado fator de impacto, e ainda um aumento do número de alunos estrangeiros, quer no Mestrado em Nanoquímica e Nanomateriais, quer no Doutoramento em Química da Universidade da Madeira. A localização específica do Centro de Química da Madeira na Região é uma característica inerente de apresentação do próprio Centro. A investigação desenvolvida no CQM está, por isso, prioritariamente ligada à comunidade que integra. Desta forma, há uma forte relação entre o CQM e as entidades regionais, como o hospital, o governo e várias empresas locais. As atividades educativas, como o “Ciência Viva nas Férias”, “A Química é Divertida” e os “Estágios de Verão”, têm sido ao longo de vários anos um importante ponto de contacto com as escolas da região e com a população, a que se juntou em 2015 o projeto “Bridging the Gap”. As atividades do CQM permitiram a formação de vários jovens investigadores madeirenses, tendo muitos deles permanecido a trabalhar em empresas da Região. As atividades de investigação e de inovação, além da participação em projetos internacionais, contribuíram para colocar a Madeira e o Porto Santo numa posição de destaque, seja pela divulgação e valorização dos produtos da região, seja pela atração de investigadores e estudantes internacionais, seja ainda pela obtenção de fundos nacionais e internacionais que fomentam a economia regional. No que concerne à internacionalização, o Centro de Química da Madeira tem procurado a excelência e o profissionalismo em todos os domínios da sua atuação, captando conhecimento externo e dinamizando atividades que levam ao enriquecimento dos seus investigadores. O estabelecimento de protocolos e intercâmbios com diferentes universidades – como a Universidade de Nova Delhi (Índia) e a já referida Universidade de Donghua (China) –, a existência da Cátedra em Nanotecnologia, a visita frequente de conferencistas e professores estrangeiros (com a consequente troca de experiências com os investigadores do Centro), a captação de estudantes e investigadores de outros países, e a possibilidade de o Centro oferecer condições para que os investigadores nacionais tenham experiências noutros países e conheçam outra realidade, são pontos fortes que apoiam a contínua internacionalização do trabalho realizado no CQM. A possibilidade de desenvolver colaborações cada vez mais estreitas com entidades internacionais enriquece e revitaliza a investigação no Centro, permitindo aconselhamento científico externo, e fazendo com que a oferta formativa que o CQM disponibiliza seja mais abrangente e a investigação mais competitiva. Após os primeiros 10 anos de existência e passada a fase da criação, o CQM foi colocado perante o desafio de crescer e se sustentar, reforçando o forte compromisso social através da investigação e dos programas educacionais, aumentando a massa crítica do Centro com um maior número de investigadores seniores, dando continuidade ao programa de internacionalização com colaborações capazes de exponenciar o impacto do CQM. No domínio educacional, o objetivo é garantir um ambiente inovador, preparando os estudantes para se tornarem investigadores e empreendedores de excelência, proporcionando-lhes as melhores condições para poderem ter sucesso no mundo empresarial e académico. Ao nível da investigação, o plano estratégico do CQM para o período de consolidação assentou no desenvolvimento de novas abordagens analíticas para aplicação no ramo alimentar e no controlo de qualidade, na identificação precoce de biomarcadores característicos de diferentes doenças, na identificação de compostos moleculares com potencial atividade biológica, no desenvolvimento de novos nanomateriais e sensores para aplicações biomédicas, com especial relevo para as doenças emergentes e para as doenças ressurgentes (malária e dengue). O Centro de Química da Madeira tem a missão de servir a comunidade investigando, desenvolvendo a Região e o país, formando e criando emprego para o mundo e, por isso mesmo, o conhecimento acumulado no CQM destina-se a todos e encontra-se ao serviço de todos.   João Rodrigues (atualizado a 29.12.2016)

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