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alterações climáticas

As alterações climáticas apresentam-se nos alvores do séc. XXI como um dos temas que mais atenção tem recebido por parte da comunidade científica, decisores políticos e económicos. Esta importância advém não só da magnitude dos impactes negativos que lhes têm sido associados ao nível dos ecossistemas e atividades económicas, como também da magnitude dos impactes potenciais previstos em função de projeções climáticas produzidas. As mudanças climáticas são um processo comum ao longo da história geológica da Terra, sendo mesmo interpretado como uma norma e não como a exceção. Vários registos fósseis permitem inferir mudanças profundas nas condições paleoambientais, onde se identificam oscilações climáticas que contemplam tanto períodos quentes e húmidos, aos quais se associa a expansão das massas florestais, como períodos frios, caracterizados pela expansão das massas de gelo continentais e calotes polares. Esta oscilação climática bastante pronunciada é evidente em escalas temporais da ordem dos milhares ou milhões de anos. Se a escala temporal for reduzida para a ordem das centenas de anos, então essas variações assumem uma oscilação muito menos significativa, como é possível inferir a partir da análise de registos históricos, onde apenas é possível identificar, no caso das plantas, mudanças fenológicas com base nos registos da época das colheitas, induzir impactes associados através da arte, como no caso da pintura durante a Pequena Idade do Gelo na Europa (séc. XV a séc. XVIII), ou através dos anéis de crescimento de árvores (dendrocronologia). Mas foi o registo contínuo do comportamento dos elementos climáticos  (v.g.: temperatura, precipitação, humidade relativa, etc.) que permitiu identificar mudanças climáticas a escalas ainda mais finas que o século. Foi com base nos registos efetuados (séries climáticas), numa parte significativa do globo terrestre durante o séc. XX, que foi possível confirmar as tendências de aquecimento climático na segunda metade deste século, determinado por um aumento da temperatura média. Identificado como “aquecimento global”, vários são os impactes que lhe são associados, nomeadamente a fusão dos gelos dos glaciares continentais e calotes polares, maior intensidade e frequência dos paroxismos climáticos (ciclones tropicais, precipitações intensas, secas prolongadas), alterações nas rotas de espécies migratórias, modificações na distribuição de animais e plantas, redução do número de dias com cobertura nivosa, bem como a antecipação da fusão da cobertura nivosa, entre outros. Esta tendência climática, evidente a partir dos anos 70 nas análises de tendências climáticas, tem sido relacionada com o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, uma consequência da intensificação e expansão de atividades humanas que dependem energeticamente do consumo de combustíveis fósseis, cuja combustão é responsável pela libertação de grande quantidade de gases com efeito de estufa para a atmosfera (v.g.: dióxido de carbono). Além de ter sido considerada estatisticamente significativa, esta tendência climática teve já reflexos, nomeadamente em termos fenológicos, promovendo uma antecipação da época de floração e frutificação nas plantas. O impacte das mudanças climáticas nas ilhas da Macaronésia Apesar das diferenças em termos de magnitude e direção nas mudanças climáticas projetadas, é expectável que os impactes associados às mudanças climáticas sejam inflacionados por sinergias entre fatores em pequenas ilhas habitadas, nomeadamente devido às consequências do uso do território pelas atividades humanas. O grau de vulnerabilidade destes territórios depende muito dos respetivos atributos geográficos e do domínio em análise. No caso de alguns arquipélagos da Macaronésia (Madeira, Canárias), o seu caráter insular e posicionamento foi determinante para explicar o seu papel como refúgios para elementos florísticos relacionados com a flora paleotropical, que aqui sobreviveram às crises climáticas plio-pleistocénicas, responsáveis pela sua extinção nos territórios continentais próximos, uma dinâmica confirmada por estudos filogenéticos e registos fósseis. Estes arquipélagos mantiveram condições ambientais adequadas à permanência de vegetação perenifólia de folhas largas, já extinta no território europeu desde o final do Pliocénico (Piacenziano – 3,6-2,6 Ma), devido a um processo de degradação climática iniciada no final do Miocénico. Na verdade, um clima quente, húmido e sem estações bem definidas, que permitiu a presença de flora paleotropical na Europa ocidental até ao Miocénico (23-5,3 Ma), deverá ter persistido até ao Pliocénico médio (4,1 Ma) nos arquipélagos atlânticos, uma inferência suportada na presença de registos fósseis em depósitos marinhos mio-pliocénicos nas Canárias orientais, nomeadamente gastrópodes marinhos de águas pouco profundas atualmente associadas a latitudes tropicais. O arrefecimento climático associado aos reajustes na circulação oceânica e atmosférica decorrentes do encerramento definitivo do istmo do Panamá (2,5 Ma) deverá ter implicado algumas mudanças espaciais, e talvez florísticas, na organização dos tipos de vegetação neste grupo de arquipélagos atlânticos, sem que no entanto possam ser comparadas com as alterações que ocorreram nesse período nos territórios continentais Europeu e Norte Africano. É precisamente neste período, marcado pela formação de calotes polares no hemisfério Norte, que se define a influência da cintura de altas pressões subtropicais, reforçando a estacionalidade das condições climáticas no sentido da mediterranização do clima devido a uma redução e concentração dos totais pluviométricos, suportando a definição de um regime climático estruturado em função de uma estação seca. O vigor desta estação seca terá sido menor nas ilhas oceânicas, principalmente nos arquipélagos mais setentrionais, onde a posição latitudinal (arquipélago dos Açores), o predomínio de massas de ar húmido, e as condições orográficas (ilha da Madeira) garantiram valores de precipitação anual mais elevados comparativamente aos territórios continentais. As condições orográficas terão sido mesmo determinantes no caso dos arquipélagos da Madeira e Canárias, pela presença de barreiras montanhosas perpendiculares aos ventos dominantes de nordeste. As massas de ar húmido, impelidas contra as ilhas durante a estação mais seca pelo impulso gerado pelos ventos Alísios, deveriam garantir valores de humidade relativa elevados, principalmente nas vertentes a barlavento, onde, à semelhança do padrão climático registado ao longo do séc. XX, seria muito frequente a formação de nevoeiros. Aliás, é neste enquadramento topográfico que se encontram as manchas mais significativas de laurissilva na ilha da Madeira e algumas ilhas do arquipélago das Canárias (Tenerife, La Gomera, La Palma). A favorecer a permanência desta flora esteve ainda o facto de o rigor do inverno, traduzido no registo de temperaturas negativas que promovem a formação de geada ou a ocorrência de precipitação no estado sólido, apenas tocar ligeiramente os picos mais elevados das ilhas (ilha do Pico nos Açores, maciço central na ilha da Madeira, pico Teide na ilha de Tenerife e maciço do Roque de los Muchachos na ilha de La Palma – Canárias). Poderá, no entanto, ter sido mais importante nos períodos mais frios, como na Pequena Idade do Gelo, provocando mesmo uma significativa contração da floresta de planifólios e formações termófilas de caráter mediterrâneo durante o último máximo glaciário (18-11,6 Ka), em paralelo com a expansão de comunidades dominadas por urzes, zimbro e teixo (nas Canárias verifica-se a expansão de Pinus canariensis), um cenário suportado pela análise de sequências sedimentares de fundos marinhos. Esta variação das condições climáticas pode ainda ser inferida a partir de depósitos costeiros, onde a alternância de fácies permite diferenciar: i) períodos mais frios e secos, caracterizados pela acumulação de areias eólicas de origem marinha, disponibilizadas num contexto de nível do mar mais baixo; ii) períodos mais quentes com alguma humidade, onde se identificam processos de pedogénese (construção de solo), embora muitas vezes incipientes, e restos vegetais, indicando condições ecológicas adequadas à colonização vegetal; iii) períodos de grande aridez, identificados por níveis de calcretos (precipitação de carbonatos). Todas estas variações climáticas permitiram, no entanto, que nestes arquipélagos atlânticos tivessem subsistido elementos florísticos com afinidade à flora paleotropical, como sejam alguns taxa associados à laurissilva, como fanerófitos perenifólios de folha larga, e pteridófitos, os quais estão incluídos no registo fóssil do território europeu, principalmente na Península Ibérica, onde terão permanecido até mais tarde, comparativamente à restante Europa. Um dos últimos momentos em que as mudanças climáticas implicaram significativas alterações ao nível dos ecossistemas ocorreu há cerca de 18.000 anos, e ficou conhecido por último máximo glaciário, tendo-se caracterizado por um período de arrefecimento muito pronunciado. Neste período, o território continental europeu registou um aumento significativo de glaciares de montanha, e registou uma redução significativa das florestas caducifólias temperadas, ao passo que se verificou um aumento significativo de vegetação associada a ambientes frios. Os arquipélagos atlânticos, dada a sua condição insular, beneficiaram do efeito suavizante do oceano, pelo que o processo de arrefecimento não terá sido tão pronunciado. No entanto, é expectável que tivessem ocorrido ajustes espaciais na representatividade dos tipos de vegetação presentes nas ilhas, no sentido de uma expansão dos tipos de vegetação mais tolerantes ao frio, como sejam os dominados por espécies como as urzes, o teixo, o zimbro e a sorveira. Mudanças climáticas na ilha da Madeira Nos registos históricos produzidos após a ocupação das ilhas no séc. XV é possível detetar o reflexo atenuado de mudanças climáticas, que no território continental europeu produzem impactes significativos. Na ilha da Madeira, a um avanço registado no período das colheitas nos sécs. XV e XVI, associado a um período mais quente, sucede um período mais frio e húmido nos sécs. XVII e XVIII, com o consequente atraso no período das colheitas. Esta oscilação corresponde à transição entre o período quente da Alta Idade Média e o período identificado como Pequena Idade do Gelo, sendo este último período caracterizado pela frequência de invernos muito rigorosos e longos, bem como verões muito curtos. Em termos de tendências climáticas no séc. XX, a análise das séries climáticas do Funchal, uma das estações com registo mais longo no arquipélago da Madeira, permite verificar alguma coincidência temporal ao nível das tendências climáticas identificadas para territórios europeus para o mesmo período. O padrão identificado mostra um aumento mais significativo da temperatura média a partir de 1975, suportado principalmente por uma diminuição da amplitude térmica diária, já que a temperatura mínima sofre um aumento superior ao registado pela temperatura máxima. Verifica-se mesmo um aumento do número de dias com temperaturas superiores a 25 °C no verão, bem como um aumento do número de noites tropicais (temperatura mínima superior a 20 °C). Ainda que não se identifique uma tendência clara em termos de precipitação, é identificado um aumento do número de verões sem registo de precipitação. Estas tendências climáticas, nomeadamente as associadas ao comportamento da temperatura média, que parecem configurar uma situação de tropicalização do clima, podem ter reflexos ao nível da saúde pública, nomeadamente pela ocorrência de doenças associadas aos ambientes tropicais, como é o caso de registos de dengue, cuja ocorrência no início do séc. XXI é consistente com esta suposição. Projeções climáticas para a ilha da Madeira feitas no começo do séc. XXI As projeções climáticas criadas para a ilha da Madeira estão baseadas no modelo Clima Insular à Escala Local (CIELO), um modelo climático construído para regionalizar (downscaling) parâmetros climáticos para o contexto de pequenas ilhas montanhosas, a partir dos resultados produzidos por modelos oceano-atmosfera de larga escala, como os modelos Hadley Centre Coupled Model, versão 3 (HadCM3) ou CSIRO Atmospheric Research, Australia (CSIRO_MK3.6), os quais suportam as projeções climáticas em cenários de emissão de gases com efeito de estufa (Special Reports on Emission Scenarios – SRES). Dadas as incertezas que subsistem em termos de comportamento futuro dos vários parâmetros que servem de base à criação destas projeções, são consideradas várias situações, identificadas como cenários possíveis: A1B, A1T, A1Fl, A2, B1 e B2. Cada cenário climático está associado a um determinado cenário de emissão de gases com efeito de estufa, que por sua vez está ancorado em parâmetros sócio-demográficos, económicos e tecnológicos precisos. Isto porque a dinâmica de emissão de gases com efeito de estufa está muito associada à variação em termos de consumo de combustíveis fósseis, o qual é condicionado pela dinâmica ao nível dos referidos parâmetros. Esta relação é a base da teoria que apresenta o aumento da concentração de gases com efeito de estufa como fator determinante para o fenómeno de aquecimento global identificado no final do séc. XX e início do séc. XXI, sendo este aumento o reflexo da dinâmica económica e demográfica, das condições sociais e do desenvolvimento tecnológico pós-Revolução Industrial. No caso da ilha da Madeira, as projeções climáticas, regionalizadas pelo modelo CIELO, baseiam-se no modelo de larga escala HadCM3. Em termos de precipitação, os cenários projetam um decréscimo dos valores anuais na ordem dos 20 a 35%, com perdas mais acentuadas na face Sul da Ilha. Em termos absolutos, as perdas mais elevadas são projetadas para os topos da Ilha, e podem atingir os 800 mm. Estes valores médios escondem, no entanto, tendências contraditórias ao nível estacional. Os cenários projetam um aumento dos valores de precipitação no período de verão, particularmente importantes na face Norte da Ilha no âmbito do cenário A2. Apesar de este aumento projetado para o verão não permitir superar o decréscimo previsto para o inverno, outono e primavera, revela-se como importante do ponto de vista ecológico, pois ocorre no período em que a disponibilidade de água representa uma limitação importante para as funções dos ecossistemas da Ilha. Ao nível da temperatura projeta-se um aumento em todos os cenários (v.g.: A2: 2,4-3 °C; B2: 1,6-2.2 °C), um aumento que se prevê mais pronunciado nas áreas costeiras da face Norte da Ilha. No inverno o aumento projetado para a temperatura média está estruturado principalmente pelo aumento mais significativo da temperatura mínima, promovendo uma redução das amplitudes térmicas diárias, sendo este aumento previsto mais significativo nos topos da Ilha. Estas projeções desencadearão um processo de reajuste dos sistemas naturais, o que certamente terá reflexos nos recursos naturais, principalmente em pequenas ilhas, como é o caso da ilha da Madeira, com reflexos importantes nas sociedades cujas atividades dependem da exploração destes recursos. No caso da ilha da Madeira, os reflexos podem ocorrer em vários domínios, de forma direta ou indireta: i) na disponibilidade de recursos hídricos, fortemente dependente das condições climáticas; ii) no aumento da vulnerabilidade à ocorrência de paroxismos climáticos, como o aumento da frequência e intensidade de eventos de precipitação intensa, favorecendo um aumento da suscetibilidade à ocorrência de episódios de aluvião; iii) pela subida do nível do mar, com importantes reflexos na área costeira, principalmente devido à concentração das áreas urbanas e infraestruturas ligadas ao turismo em áreas de baixa altitude junto mar; iv) o aumento da vulnerabilidade à proliferação de doenças tropicais (dengue, malária, febre do Nilo Ocidental), pela possibilidade de ocorrer a instalação de vetores, com implicações na saúde pública e na atratividade do destino turístico; v) devido a mudanças nas florestas nativas da Ilha, não só por fatores internos, associados às exigências ambientais das espécies que as constituem, como por fatores externos, como o aumento do risco meteorológico de incêndio florestal; vi) a extinção/extirpação de espécies endémicas por alterações nos habitats. Todas estas alterações, com múltiplas relações com diferentes sectores, podem promover um “efeito cascata”, provocando um impacte muito forte no equilíbrio da Ilha. Ao nível dos recursos naturais, os recursos hídricos, as florestas nativas e a biodiversidade mereceram já especial atenção ao nível da definição de medidas de mitigação de impactes e adaptação a novas condições, dadas as vulnerabilidades identificadas. Impactes previstos nos recursos hídricos Tendo em conta a redução prevista dos totais pluviométricos anuais e o possível reforço da irregularidade ao nível do regime pluviométrico, é de esperar uma redução dos recursos hídricos disponíveis. Esta previsão é reforçada pelo facto de a redução prevista de totais pluviométricos ocorrer principalmente nos sectores de maior altitude, sectores onde ocorre preferencialmente o processo de recarga do sistema aquífero da Ilha. Esta previsão, com potenciais problemas no abastecimento, desencadeou a necessidade de definir planos de adaptação. Estes impactes poderão ser mais significativos se for considerado o importante contributo da precipitação oculta para o balanço hídrico da Ilha, o qual pode sofrer uma redução devido a uma alteração na posição e intensidade dos centros barométricos que determinam o padrão climático da Ilha. Refira-se a ação do anticiclone dos Açores, motor responsável pela frequência dos ventos Alísios, e um fator determinante para a formação de nevoeiros de origem orográfica na face a barlavento da Ilha, responsáveis pela ocorrência do tipo de precipitação mencionada. Impactes previstos na distribuição da flora endémica A flora endémica, nomeadamente as espécies exclusivas de distribuição mais restrita, pode apresentar maior suscetibilidade às mudanças climáticas projetadas, sofrendo alterações mais significativas na sua distribuição. Além de estarem associados a condições ecológicas específicas, a elevada suscetibilidade é reforçada pela elevada fragmentação e perturbação dos seus habitats, resultantes do padrão de uso do solo vigente durante séculos nas suas áreas de distribuição potencial. É expectável que as espécies endémicas, cuja distribuição atual está resumida a um reduzido número de populações constituídas por poucos efetivos nos topos das ilhas, figurem como o tipo de endemismo que apresenta susceptibilidade mais elevada aos impactes das mudanças climáticas, podendo verificar-se a extinção de condições adequadas à sua ocorrência. Entre os endemismos que mais se associam a esta descrição está o ameixieiro de espinho (Berberis maderensis Lowe), a sorveira (Sorbus maderensis (Lowe) Dode), a arméria da Madeira (Armeria maderensis Lowe) ou a urze da Madeira (Erica maderensis (Benth.) Bornm). [caption id="attachment_11692" align="aligncenter" width="807"] Fig. 1 – Área de ocorrência potencial, para as condições climáticas dos começos do séc. XXI, dos endemismos Berberis maderensis (A) e Sorbus maderensis (B).Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] São espécies que apresentam uma reduzida área de ocorrência potencial nos começos do séc. XXI (fig. 1), e os modelos preveem que em cenários climáticos futuros deixem de estar reunidas as condições adequadas à sua presença na Ilha, o que, aliado à sua atual restrição geográfica nos cumes da Ilha e reduzido número de populações de poucos indivíduos, pode configurar uma combinação deletéria de fatores, favoráveis à sua extinção. Impactes previstos nas florestas nativas Os impactes das alterações climáticas podem acarretar mudanças ao nível da área ocupada e composição florística das comunidades vegetais, pois os diferentes organismos, árvores ou arbustos, terão respostas diferenciadas perante as alterações das condições ecológicas derivadas. Dada a resiliência que massas florestais adultas apresentam em relação a mudanças ao nível das condições ambientais, é possível que os impactes das mudanças climáticas projetadas se manifestem primeiro em termos de vulnerabilidade a pragas e doenças, e só depois sejam percetíveis em termos de alterações de distribuição de algumas plantas, sem que a estrutura seja de imediato especialmente afetada. Segundo A. Figueiredo, e considerando apenas as projeções para dois cenários climáticos (A2 e B2), as alterações na área de distribuição potencial dos diferentes tipos de florestas presentes na Ilha (florestas e micro-florestas) variam conforme o cenário considerado, podendo mesmo apresentar tendências opostas. [caption id="attachment_11698" align="aligncenter" width="673"] Fig. 2 – Área de ocorrência potencial da laurissilva do til para as condições climáticas e começos do séc. XXI (A) e para o cenário A2 (B). Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] Segundo o autor, os modelos prevêem um aumento da área adequada à ocorrência do zambujal, principalmente na face Sul da Ilha, e da área adequada à ocorrência da laurissilva mediterrânea (laurissilva do barbusano), resultado de uma expansão em altitude na face Norte, superando a perda prevista para os sectores de menor altitude no lado Sul da Ilha. Apesar de os resultados dos modelos apontarem para um aumento da área potencial de ocorrência destes bosques, a verdade é que vários fatores podem condicionar esta previsão. Ambos os tipos de bosque estão na atualidade reduzidos a pequenas manchas limitadas a enclaves, o que limitará certamente a possibilidade de se reinstalarem nas áreas envolventes, a maior parte associadas a uso agrícola ao longo de séculos. Ou mesmo colonizarem novas áreas, dado o reduzido número de áreas-fonte de propágulos disponíveis. Mesmo considerando a importância da área agrícola afetada pelo abandono, o que poderia ser um fator favorável, desconhece-se a capacidade que as espécies estruturantes destes bosques apresentam em termos de competição com espécies exóticas invasoras, com algumas das quais apresentam uma sobreposição muito significativa em termos de áreas previstas como adequadas à sua ocorrência. No caso da laurissilva do til, também designada por laurissilva temperada, a floresta nativa que ocupa maior área no começo do séc. XXI, as alterações na sua distribuição, nomeadamente uma redução da área potencial, podem significar perdas importantes, dado o papel relevante ao nível do fornecimento de serviços (turismo, biodiversidade, proteção dos solos, balanço hídrico). A perda significativa da área adequada à ocorrência deste tipo de bosque, no âmbito dos resultados obtidos para o cenário A2 (fig. 2), está prevista para os sectores de menor altitude, enquanto se verifica uma expansão da área adequada a esta floresta nos sectores de maior altitude da Ilha, nomeadamente nas cabeceiras dos vales que se instalam nos maciços montanhosos e na bordadura norte do Paul da Serra. Esta expansão para sectores de maior altitude determinará certamente uma redução da área potencial dos urzais de altitude, reduzidos a pequenas manchas no início do séc. XXI. A avaliação dos impactes das mudanças climáticas na distribuição dos organismos na ilha da Madeira, nomeadamente das plantas, deve ter em conta o facto de que grande parte dos habitats foi de alguma forma perturbado pelas atividades humanas. Assim, a distribuição das espécies está certamente enviesada pela fragmentação de habitats, uso do solo, etc., o que favorece um aumento da incerteza nos resultados dos modelos. Como a área profundamente alterada pelas atividades humanas constituirá um obstáculo à ocupação de novas áreas pela vegetação nativa, ajustando-se a um novo padrão climático, será benéfico considerar possíveis cenários de mudança no uso do solo, tendo em conta tendências observadas no final do séc. XX e início do séc. XXI, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados dos modelos, considerando a sua importância para a definição de medidas de mitigação e adaptação a novas condições climáticas.   Albano Figueiredo Miguel Sequeira (atualizado a 14.09.2016)

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adelaide de inglaterra

Adelaide foi a rainha consorte do Reino Unido e de Hanover pelo seu casamento com Guilherme IV de Inglaterra em 1818, do qual enviuvou em 1837. Nasceu a 13 de agosto de 1792 em Meiningen, na Turíngia, Alemanha, filha de Jorge I, duque de Saxe-Meiningen, e de Luísa Leonor de Hohenlohe-Langenburg. A 11 de julho de 1818, casou-se com Guilherme, duque de Clarence, filho de Jorge II de Inglaterra, tornando-se rainha consorte após a ascensão de Guilherme ao trono em 1830, sucedendo a seu irmão mais velho, Jorge IV. As tentativas de Adelaide produzir um herdeiro ao trono foram sempre complicadas, culminando em abortos ou crianças que pouco sobreviveram depois do parto. Ao contrário do marido, que desprezava as cerimónias religiosas, Adelaide levava-as muito a sério, sendo louvada pela dignidade, a serenidade e a graciosidade com que participava nelas. Era amada pelo povo britânico pela sua piedade, modéstia, caridade e pelo seu trágico historial de gravidez. Apesar da sua própria incapacidade de gerar um herdeiro, e da manifesta hostilidade entre o rei e a cunhada, a duquesa viúva de Kent, Adelaide foi sempre bondosa e gentil para com a sobrinha, a futura rainha Vitória. Adelaide era também descrita como puritana e moralista, recusando-se a ter na corte mulheres de duvidosa virtude, e proibindo os decotes, que haviam estado muito em voga nos tempos de Jorge IV. Embora em público fosse discreta e não se manifestasse politicamente, tentou por vezes influenciar o marido, sendo declaradamente conservadora. Com a morte de Guilherme IV, a 20 de junho de 1837, Adelaide tornou-se a primeira rainha viúva desde Catarina de Bragança, sobrevivendo ao marido durante 12 anos. Em 1847, em atenção ao seu precário estado de saúde, foi aconselhada pelos médicos, como último recurso, a passar o inverno num clima temperado, e escolheu a Madeira. Era então governador civil do distrito do Funchal José Silvestre Ribeiro, que preparou à visitante uma brilhante receção. A fragata da marinha de guerra britânica Howe ancorou no porto do Funchal na tarde do dia 1 de novembro de 1847, sendo recebida por salvas de canhão do forte e da cidade, assim como de um brigue português que se encontrava ao largo. A comitiva real, composta por sua irmã, a duquesa Ida, pelo príncipe Eduardo e pelas princesas de Saxe-Weimar, seus sobrinhos, foi recebida na praia, pelas 14.00 h, por cerca de 4000 pessoas em ambiente festivo. O caminho por onde passariam foi coberto de flores e ramos de mirtilo, sendo cumprimentados pela população com o maior respeito. Após visitar o aposento que lhe havia sido preparado, a cerca de meia milha da praia, a rainha voltou para o Howe, jantando e dormindo a bordo. No dia seguinte, desembarcou na Pontinha, e ali recebeu a homenagem de todas as autoridades locais, que a acompanharam à sua residência, para onde foi de liteira e as outras senhoras em palanquins. A comitiva compunha-se da dama de honor Miss Seymour, dos camaristas Cor. Cornawall e esposa, do capelão, o Rev. G. F. Hudson, do médico, o Dr. David Davis, do secretário e esmoler, T. T. Bedford, do secretário do duque, M. Hartey, e de 32 criados. O seu cunhado Bernardo, duque de Saxe-Weimar, e o sobrinho Gustavo juntar-se-lhe-iam em meados desse mês. A rainha instalou-se na Qt. das Angústias, então propriedade da família Monteiro, transformada temporariamente em paço real. Apesar de se encontrar num estado de total invalidez, levando uma vida de absoluto retiro, a sua caridade não cessou. A 4 de janeiro de 1848, ofereceu ao governador civil do Funchal um cheque de 100 libras para ajudar os pobres, sendo por várias vezes contactada durante a sua estadia com vista à obtenção de contributos monetários e doações. José Silvestre Ribeiro alertou-a, com sucesso, para a importância da ponte do Ribeiro Seco, que então se encontrava em construção na Estrada Monumental. A rainha pretendeu mesmo custear a conclusão da ponte, mas a importância era tão grande, que acabou por renunciar ao seu primitivo desejo, limitando-se a conceder um subsídio avultado por intermédio do cônsul britânico, Henry Veitch. Foi igualmente contactada pela comunidade presbiteriana da Ilha, com vista à obtenção de fundos para a construção da sua igreja, vendo-se, neste caso, impedida de ajudar devido à adesão desta comunidade à Igreja Livre Escocesa em 1843. A rainha e a real comitiva contam-se ainda entre os beneméritos da escola Lancasteriana de Raparigas, fundada no Funchal pela família Phelps. Após cinco meses de permanência na Ilha, embarcou no dia 11 de abril de 1848 no mesmo navio que a conduzira à Madeira, conservando as mais gratas recordações dos dias que passara, como atesta a peça de prata em forma de serpentina, primorosamente lavrada, que enviou ao conselheiro José Silvestre em 1849, tendo gravada a inscrição: “Presented to his Excellency Senhor José Silvestre Ribeiro H. M. Majesty's Counsellor and Civil Governor of the Province of Madeira. In grateful recollection of his civility and kind attention during her residence in Madeira by A. R..” [Oferecida a S. Ex.cia o Sr. José Silvestre Ribeiro, conselheiro de Sua Majestade e governador civil da província da Madeira, em grata recordação da sua cordialidade e amabilidades durante a sua residência na Madeira, por A. R.]. A peça apresenta, num dos lados, a coroa real inglesa e, no outro, o nome da rainha Adelaide. A estadia na Madeira não parece ter surtido qualquer efeito na saúde de Adelaide e, no outono de 1849, era evidente que a rainha estava a morrer, nunca abandonando o seu quarto do priorado de Bentley, num estado de saúde extremamente debilitado. Adelaide expirou a 2 de dezembro desse mesmo ano, sendo sepultada na capela de São Jorge em Windsor. A cidade de Adelaide, capital da Austrália do Sul, foi nomeada em sua honra aquando da sua fundação em 1836.   Paulo Perneta (atualizado a 14.09.2016)

Madeira Global Personalidades

alçadas

Infante D. Henrique Leopoldo de Almeida   A justiça era o atributo máximo dos reis; em relação à Madeira, logicamente, e dada a distância e descontinuidade territorial, foi de início delegada, mas parcialmente, nos representantes dos monarcas. Primeiro, no donatário, o infante D. Henrique (1395-1460), e nos seus capitães, pois o Rei D. João I, na doação do arquipélago ao infante, a 26 de setembro de 1433, reservara para a coroa o princípio da maioria da justiça e da cunhagem da moeda. Depois, nos capitães do donatário e, logo, também nas vereações camarárias, que eram ainda um tribunal; mais tarde, igualmente nos ouvidores e corregedores, eles próprios “com alçada”, ou seja, com determinado âmbito de jurisdição. Denominavam-se alçadas, antigamente, os tribunais coletivos e ambulantes que, percorrendo o território, administravam a justiça em nome do rei. Escreve António de Morais Silva, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, a partir de Vida do Arcebispo de frei Luís de Sousa, que “chamamos alçada a uns tribunais ou casa de justiça, que constam de presidente e companhia, e autoridade de ministros, os quais em forma de ‘Relação’ discorrem por todos os povos com poderes reais, como em visita geral, a desfazer agravos, castigar insultos, tolher forças e humilhar poderosos, que mal usam do seu poder” (SILVA, 1949, I, 568). O termo é, ainda, sinónimo de competência, jurisdição, limite de ação e influência, e aplica-se igualmente à Igreja (Auditório eclesiástico, Jurisdição eclesiástica). Certamente, não com a frequência com que ocorreu com a jurisdição real e não-alçadas eclesiásticas vindas do reino, cuja competência canónica era muito restrita na diocese do Funchal, nem de Roma, cuja distância colocava a Ilha a coberto de uma intervenção desse género através do prelado diocesano, que, face a queixas recebidas e a informações transmitidas pelos seus visitadores, e encontrando-se por vezes em Lisboa, determinava o envio de alçadas a várias freguesias da Madeira. Assim aconteceu com a maioria dos prelados, primeiro, pessoalmente e, depois, por delegados, com especial relevância no caso de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742) (Jacobeia). Inclusivamente, o bispo possuía prisão própria para os chamados delitos de foro misto, o aljube, sendo os eclesiásticos presos na torre da Sé, embora também tenha havido não eclesiásticos aí detidos. Nos meados do séc. XV, aparecem de imediato na Ilha elementos com determinadas alçadas ou jurisdições enviados pelo donatário como ouvidores, surgindo os primeiros a pedido dos moradores, para uma mais eficaz e correta aplicação da justiça. O primeiro ouvidor do duque D. Fernando (1433-1470), sobrinho e herdeiro do infante D. Henrique, foi Dinis Anes da Grã, nomeado a 10 de maio de 1466 e enviado a pedido dos procuradores da Ilha, então Mem Rodrigues de Vasconcelos, fidalgo da casa do duque, e Gonçalo Anes de Velosa, escudeiro, que o solicitaram por entenderem ser necessário “mandar prover sobre a justiça e boa governação” da Madeira (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 1, fls. 134-135). A jurisdição ou alçada de Dinis Anes da Grã, sob a forma de regimento ou de carta, com competência em ambas as capitanias, Funchal e Machico, permitia-lhe realizar a eleição dos juízes e oficiais do concelho, encarregar-se de “todos os feitos crime que a mim pertencer livrar, e cíveis, que forem sobre dívidas e contratos, e outros feitos semelhantes, ora sejam começados ou por começar”, como escreveu o duque, determinando ainda que “os despacheis”, para “livres, sem mais, virem a mim” (Id., Ibid.). Competia-lhe também decidir conjuntamente com o capitão e o almoxarife sobre “os feitos e demandas” relativos às águas e “doações de terras”, e quando estivesse em desacordo com o capitão nessas matérias, deveria fazer registo de tudo para ser presente ao duque-donatário (Id., Ibid.). Não sabemos quanto tempo Dinis da Grã esteve na Ilha. Ainda aí se encontrava a 4 setembro desse ano de 1466, quando o duque enviou uma carta ao mesmo ouvidor sobre a coutada a estabelecer no Funchal para “os bois de arado e bestas de servidão”, dado que para o trabalho das sementeiras não havia “bois que os possam servir” e que seria situada acima da praia Formosa (Ib., Ibid., fls. 136-136v.). O ouvidor faleceu, entretanto, mas não sabemos se na Madeira. Com efeito, em carta de 6 de agosto de 1468, sobre a jurisdição do Funchal em relação ao lugar de Câmara de Lobos, já o duque refere que “umas posturas que Dinis Anes da Grã, meu ouvidor que Deus perdoe”, tinha dado aos moradores daquele lugar atribuía-lhes determinadas prerrogativas sobre “penas e coimas”, pelo que os mesmos moradores entendiam não ter de participar na procissão de Corpo de Deus da vila do Funchal, determinando-se então que eram parte integrante da mesma vila, devendo obediência à dita (Id., Ibid., fls. 270-271). Simão Gonçalves da Câmara_1527-1531   Com o falecimento do infante e duque D. Fernando, em 1470, assumiu a administração da Ordem de Cristo a infanta D. Beatriz (1430-1506). Na menoridade dos seus filhos, enviou também logo ouvidores com idêntica alçada, designadamente Luís Godinho, em 1478, que serviria depois sob a administração do duque D. Manuel (1469-1521). Seguiu-se, em 1485, Brás Afonso Correia e, em 1493, Fernão de Parada. Nos anos sequentes, subindo D. Manuel ao trono e integrando a Madeira na coroa “para sempre”, a 27 de abril de 1497 (Id., Ibid., fls. 272-273v.), face ao protagonismo excessivo assumido pelo Cap. Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530) (Câmara, Simão Gonçalves da) e a arbitrariedades várias, houve que proceder de uma outra forma, enviando especificamente um corregedor, que veio a suspender aquele capitão e os seus ouvidores. Já antes, o rei D. Manuel, logo após o falecimento do segundo capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1414-1501), fizera partilhar a capitania do Funchal, criando mais duas câmaras: Ponta do Sol, em 1501 e Calheta, em 1502. Depois, em 1508, estando a “igreja grande” do Funchal quase pronta e sagradas as suas paredes, elevou a antiga vila a cidade e ainda, em 1514, conseguiu de Roma a elevação a sede de diocese para a mesma, medidas que fizeram diminuir progressivamente o referido protagonismo local do terceiro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, que veio a ter o cognome de O Magnífico. Porém, tendo chegado a Lisboa queixas da sua atuação, o rei despachou para a Ilha, a 20 de fevereiro de 1516, Diogo Taveira, em correição, que suspendeu o dito capitão do Funchal. As queixas não eram recentes e já o anterior corregedor, Álvaro Fernandes, enviara ao rei, a pedido do mesmo, a 8 de julho 1504, um auto com o rol das dívidas do capitão. Mais tarde, em carta de 25 de outubro de 1515, também a Câmara do Funchal se queixava da intromissão do capitão nos seus assuntos e na jurisdição dos seus ministros. Simão Gonçalves da Câmara tomou a chegada do corregedor como uma afronta e ingerência nos assuntos da sua capitania, queixando-se às instâncias superiores do reino, invocando estar na posse da jurisdição do cível e do crime, sem dar apelação nem agravo, exceto nas sentenças de morte e talhamento de membro, como constava da sua confirmação à frente da capitania, pelo que não via razão para a sua suspensão e dos seus ouvidores. A 8 de outubro de 1516, o corregedor escreveu ao rei, dando conta das diversas irregularidades, nomeadamente fraudes à Fazenda cometidas pelos rendeiros, falta de administração da justiça e demoras nas demandas. Entretanto, também a Câmara se queixava do aumento da tabela dos selos determinada pelo capitão, que subira o imposto de 9 para $036 réis, provocando assim um substancial aumento das suas receitas, pelo que D. Manuel, a 6 de abril de 1517, ordenou ao corregedor que inquirisse dessa ocorrência e não consentisse o aumento. O Cap. Simão Gonçalves da Câmara, logo em 1516, perante a gravidade das acusações recolhidas pelo corregedor, saiu da Ilha com intenções de passar a Castela. No Algarve, terá tido conhecimento de que os reis de Fez e de Mequinez apertavam o cerco a Arzila, mandando organizar um socorro, após o que se instalou em Sevilha, onde ficou a aguardar notícias de D. Manuel. O rei pareceu sensibilizar-se com este rasgo imprevisto e até grandioso e, para não o ver ao serviço de Castela, “escreveu-lhe uma carta com grandes promessas e esperanças de lhe fazer as honras e mercês que tais serviços mereciam, mandando-lhe que viesse logo e tornasse para o reino que ele o despacharia conforme os seus merecimentos” (FRUTUOSO, 1968, 246-247). Mas isso escreveu Jerónimo Dias Leite e transcreveu, depois, Gaspar Frutuoso, assim tentando justificar a conduta do capitão do Funchal, pois o mesmo, em princípio, não voltou à Madeira, tentou vender a capitania e veio a falecer em Matosinhos, em 1530. Nas décadas seguintes, e no âmbito da história da Madeira, o termo “alçada” indica, especialmente, a chegada de um corregedor do desembargo régio com pessoal ao seu serviço, em resposta a um desmando grave ocorrido na Ilha e que alcançara ao conhecimento da corte. A partir dos finais do séc. XVI, o governador passou a ir à Madeira acompanhado de um corregedor; e, em 1681, o Rei começou a nomear também um juiz-de-fora para a Câmara com funções de correição, similar ao provedor que atuava na esfera da Fazenda. Mas a opção foi para desfasar temporalmente os períodos de estadia dos governadores e dos corregedores, que passaram a responder autonomamente à corte de Lisboa e, durante a União Ibérica, também à de Madrid; assim, estes dois elementos passaram a encarnar os lugares cimeiros da administração periférica da Coroa, vindo a ser designados, amiúde, ministros do Rei, tal como consta em muita documentação coeva. Nos finais do séc. XVI, em 1597, o vice-rei bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho, que fora bispo de Angra, enviou o corregedor André Lobo, “do desembargo de S. Majestade, el-rei e com alçada nestas ilhas”, à Madeira. André Lobo tomou posse a 26 janeiro de 1598 e compareceu no Funchal nos últimos dias do ano, tendo-se apresentado na Câmara a 1 de janeiro de 1599. Com este corregedor produziu-se um dos acontecimentos mais marcantes da organização governativa insular, ocorrido com a saída da Ilha do governador Diogo de Azambuja de Melo, em meados de outubro de 1599.   Membros do senado camarário_1821   Assim, a 31 de outubro, reuniram-se os vereadores na sede da Câmara, então nas traseiras da sé, com o bispo do Funchal, D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), o desembargador André Lobo, os vereadores camarários, “fidalgos, gente da governança e capitães” do presídio, “e saiu o bispo”, por 21 votos contra os 9 que teve o desembargador (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações 1599-1600, liv. 1314, fls. 45-47). A eleição faria jurisprudência na administração madeirense e, nos casos seguintes, não houve sequer votação, sendo o governo entregue, de imediato, ao prelado; esta situação do prelado como governador foi, depois, confirmada pela corte de Lisboa.     Vereadores da Câmara do Funchal em uniforme de gala-1816-1821   A primeira alçada do séc. XVII ocorreu em 1606, com o envio do desembargador António Ferreira, face às informações chegadas a Lisboa de que o governador João Fogaça d’Eça, descendente de Zarco, se recusara a expulsar quatro holandeses que viviam na Ilha, acusados de serem “correspondentes de rebeldes” (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1476, fl. 41). A indicação fora dada por Filipe III de Castela e configura um certo desnorte do governo, entre Madrid e Lisboa, com ordens e contraordens, acabando o governador por não ser suspenso, mas vindo a ser indiciado, em seguida, o do Porto Santo, Diogo Perestrelo Bisforte, a de 31 de outubro do mesmo ano, sendo impedido de continuar o exercício do cargo somente na alçada seguinte e tendo tido então ordem para se fazer apresentar na corte. Ao longo da primeira metade do séc. XVII e na vigência do governo filipino, foram, ainda, enviadas para a Ilha as alçadas do desembargador Simão Cardoso Cabral, em 1610; do desembargador da Casa da Suplicação, Gonçalo de Sousa, em 1614; do desembargador da Relação do Porto, Estêvão Leitão de Meireles, em 1627; e do desembargador da Casa da Suplicação, Ambrósio de Sequeira, em 1634. Estavam em causa, essencialmente, questões gerais de justiça que iam sendo notícia nas cortes de Lisboa e de Madrid, como queixas de assassinatos e, também, queixas relacionadas com o desvio de dinheiros da Fazenda, aspeto a que essas cortes estavam bastante mais atentas. A última alçada visou a cobrança do “donativo” ou “empréstimo” para o socorro do Brasil no valor de 30.000 cruzados (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1527, fl. 112v.; ANTT, Corpo Cronológico, parte 1, mç. 119, doc. 43; ARM, Câmara. Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1327, fl. 31v) e revela já alguns aspetos do levantamento geral que ocorria em Portugal contra o governo filipino. Face àquele pedido, a 18 de fevereiro de 1637, os representantes dos vinte e quatro mesteres do Funchal (Casa dos 24) apresentaram mesmo em Câmara uma contestação à nova contribuição; ela começa com a declaração seguinte: “A mais natural obrigação que têm os senhores reis e príncipes católicos é não usurparem aos seus povos e vassalos, etc., aqueles privilégios, leis e isenções que os seus” antecessores haviam dado (ARM, Registo geral, tombo 3, fls. 19v.-20v.). Pediam, assim, que as suas “razões de justa escusa” fossem levadas ao conhecimento do rei, pois, “por particulares erros, não por ofensas públicas, que nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, tinham sido castigados, desde 1615, “com três rigorosíssimas alçadas, com cujos custos não têm ficado aos moradores cabedal algum para acudirem às suas notórias e extremas necessidades” (Id., Ibid.). Os custos das alçadas caiam, logicamente, sobre os moradores, incluindo a residência do desembargador e do seu pessoal. Desta realidade já se havia queixado o governador D. Francisco de Sousa, em 1628, pedindo que fosse abreviado o tempo das alçadas, geralmente de três anos, mas, por consulta de 30 de janeiro de 1629, o seu requerimento não teve despacho favorável. A provisão régia de nomeação do desembargador Leitão de Meireles, p. ex., estipulava 1$000 réis por dia para o desembargador, $500 para o escrivão, $600 para o meirinho e mais $160 para cada homem armado, tudo ao dia, montantes que deveriam ser pagos pelos culpados, podendo-se fazer execução das suas fazendas. Mais tarde, em 1653, ao corregedor Dionísio Soares de Albergaria, determinava-se um salário de 1$200 réis por dia à custa da fazenda dos culpados executados; não havendo culpados ou não os podendo executar, seriam pagos 1$000 pela Fazenda Real. Grande parte destas averiguações corriam por denúncia, sendo os indiciados imediatamente espoliados dos seus bens e, não se confirmado depois as acusações, dificilmente os recuperavam, havendo inúmeras queixas a este respeito. A opinião dos representantes dos mesteres na Câmara do Funchal, alegando que “ofensas públicas” “nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, está muito longe de corresponder à realidade, pois sempre existiram e continuariam a existir. Nos finais do séc. XVI, p. ex., organizou-se no Funchal, durante a noite, uma “matraca” contra o desembargador André Lobo (ANTT, Chancelaria de Filipe II, Perdões e legitimações, liv. 3, fl. 108), na qual terá estado envolvido o poeta e novelista Tristão Gomes de Castro (1539-1611) (Alferes-mor), que veio a ter carta de perdão pela acusação a 30 de março de 1605. Mais tarde, o desembargador Gonçalo de Sousa, temendo um atentado, deixou a cidade do Funchal para se refugiar em Machico, como refere, posteriormente, o provedor da Fazenda Francisco de Andrade, em carta de 30 de agosto de 1646, acrescentando que, depois, dois meirinhos e quatro homens da alçada do corregedor Ambrósio de Sequeira tinham sido violentamente atacados e ficado feridos. A 21 de outubro de 1628, os mercadores da cidade também tinham organizado “duas mangas de gente armada com cevadeiros de pedras e fundas” contra o desembargador Leitão de Meireles, ação que culminou com uma surriada e lançamento de imundices à porta deste e que incluiu a colocação de papéis “difamatórios” em vários locais da cidade (VERÍSSIMO, 1995, 262). Nos tumultos tinham estado envolvidos Francisco do Couto e Almeida, perdoado a 11 de outubro de 1640, e Manuel de Atouguia da Costa, que chegara a estar preso em Lisboa. A partir do final desse ano de 1640, a situação da ordem pública no Funchal piorou, não só em relação às questões da Fazenda, que motivaram a carta do provedor, mas também em relação a quase todos os poderes instituídos e, muito especialmente, aos “ministros do rei”. Após a aclamação de D. João IV, na organização dos festejos determinados pela Câmara, a 25 de janeiro de 1641, ocorreram uma série de tumultos graves. O edifício da Câmara foi invadido e foi eleita uma nova vereação; ocupou-se o edifício da Alfândega e foi demitido o provedor Manuel Vieira Cardoso, que teve de se refugiar no paço episcopal, sendo nomeando, por aclamação dita popular, um outro, João Rodrigues Teive. Registam-se, igualmente, tumultos contra o governador Luís de Miranda Henriques, acabando por ser nomeado, um ano depois dos acontecimentos, por provisão régia de 9 de fevereiro de 1642, o corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, que se fez acompanhar pelo oficial Amaro Godinho Borges, apresentando-se ambos na Câmara do Funchal a 22 de março seguinte. Logo nesta apresentação, e perante o novo governador Nuno Pereira Freire, o juiz do povo Francisco Gomes solicitou que não se iniciasse a devassa antes de o governador cessante partir, para se poder apurar a verdade do que se passara. O corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, no entanto, vinha também indigitado como provedor da Fazenda, com provisão datada de 6 de março de 1642, demitindo o provedor nomeado durante os tumultos de janeiro do ano anterior e iniciando uma série de averiguações que levaram a apurar diversas dívidas à Fazenda, especialmente, respeitantes ao comércio com o Brasil e de que conseguiu ainda recuperar algum dinheiro, em agosto. Deste mês em diante, continuaram a ser detetados outros atrasos nos pagamentos à Fazenda e, no final de dezembro, os vereadores Manuel Homem e Luís Manuel Leme da Câmara foram indiciados como tendo também dívidas e, inclusivamente, como tendo estado envolvidos nas nomeações populares para a Câmara e para a Fazenda realizadas em janeiro de 1641. Dada não apresentação de ambos ao corregedor e uma vez que tentaram refugiar-se na Câmara, aquele foi aos paços do concelho com o governador nos últimos dias de dezembro, interpondo-se Pedro Bettencourt de Atouguia, que, após curtas palavras, puxou da espada e atingiu o corregedor. Gaspar Mouzinho de Barba veio a falecer na sé do Funchal, ao lado da Câmara, para onde fora recolhido, registando o assento de óbito, de 29 de dezembro de 1642, ter sido aí “onde morreu e o ilustríssimo e reverendíssimo D. Jerónimo Fernando o mandou sepultar, e tudo se lhe fez grátis” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73, fl. 163). Em nota à margem, ainda se regista que “levantou-se o povo que andava desenfreado e lhe deram uma estocada. Não se confessou” (Id., Ibid.). Pedro de Bettencourt de Atouguia veio a ser preso no castelo do Pico, mas fugiu com a ajuda do pai, acolhendo-se no convento de S. Bernardino (Convento de S. Bernardino), em Câmara de Lobos, de que a família era padroeira, acabando por ali ficar como leigo e ao abrigo da justiça, passando depois ao oratório de S. Sebastião da Calheta, que ajudou a fundar, vindo a professar como frei José da Encarnação, falecendo no local. O bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), conhecido como O Bravo, que ocupara por três vezes o lugar de governador, perante o caso e, acrescente-se, dado ter já uma certa idade, retirou-se para Lisboa, em finais de 1643, vindo aí a falecer; a diocese haveria de ficar em “sé vacante” durante mais de 20 anos. O rei D. João IV, numa primeira fase, condescendeu com a situação e, a 26 de janeiro de 1644, em carta ao governador, transcrita pelas câmaras do Funchal e de Machico e enviada ao cabido, recomendava que “se evitassem os efeitos de inimizades e ódios, ordenando-se às justiças que não procedessem contra pessoa alguma por coisas que sucedessem no tempo da sua feliz aclamação” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fl. 53; Id., Câmara Municipal de Machico, tombo 2, fls. 92-94; ANTT, Cabido da Sé do Funchal, mç. 4, doc. 17). À data, porém, não teria ainda conhecimento do assassinato do corregedor e, seis meses depois, a 28 de julho de 1644, como era hábito, enviou o juiz desembargador da Relação do Porto, Jorge de Castro Osório, com indicações especiais e ordem para investigar a morte do juiz corregedor anterior. Jorge de Castro Osório recebeu, na Madeira, o apoio do escrivão da alçada Amaro Godinho Borges, que, por uns tempos, chegara a servir como provedor da Fazenda. Faleceriam ambos num curto espaço de tempo, em princípio, envenenados: “mortos com peçonha”, como refere a mercê régia de D. João IV para a viúva do oficial de justiça e da Fazenda, concedendo dois lugares de freira para as filhas (Inventário dos Livros..., 1909, 110 e 213). Na Ilha, no entanto, refere-se apenas que morreram, como indicam os registos de óbitos da sé, de 17 de janeiro de 1646 e de 5 de maio seguinte, lendo-se, no primeiro: “Morre o Dr. Jorge Osório que andava em correição” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73). O rei não tomou, de imediato, medidas especiais, limitando-se a mudar o governador. Escolheu um fidalgo com fortes ligações familiares à Ilha e com propriedade na mesma, Manuel de Sousa Mascarenhas, esperando assim sanar os ânimos, mas tal não veio a acontecer. O governador Manuel de Sousa Mascarenhas teve patente a 22 de fevereiro de 1645 e compareceu na Madeira a 11 de abril, com ordens para inquirir sobre a ação do governador anterior, tal como viria a acontecer consigo e com os governadores seguintes. Em 1647, foi despachado para a Ilha Gaspar Machado de Barros, servindo de provedor da Fazenda; em 1653, Dionísio Soares de Albergaria, juiz com alçada e superintendendo também sobre os assuntos da Fazenda; e, em 1662, João Cordeiro Leitão, igualmente com alçada e ordens secretas. A situação de sé vacante e o início da monarquia absoluta, com questões específicas em relação à Madeira, colocaram o novo governador, D. Francisco de Mascarenhas, numa situação insólita. Com efeito, foi preso por um conjunto de fidalgos locais, a 18 de setembro de 1668, e encarcerado na fortaleza do Pico, tendo os revoltosos eleito um governador e enviado o deposto para o continente, o que nunca tinha acontecido na Madeira (Sedição de 1668). Pouco tempo depois, em 29 de março de 1669, aportou no Funchal o desembargador com alçada João de Moura Coutinho, com regimento especial para tirar residência ao governador-geral deposto. Seguiu-se Manuel Dourado Soares, a 1 de fevereiro de 1677, com regimento especial para tirar residência ao novo governador-general; depois, a 15 de janeiro de 1683, o desembargador com alçada Domingos de Matos Cerveira, superintendendo principalmente sobre assuntos da Fazenda. Nos inícios do séc. XVIII, em 1703, terá havido uma sedição contra o governador João da Costa de Ataíde e Azevedo Coutinho, “no salão da Índia da fortaleza de S. Lourenço”, “e uma conspiração que intentaram fazer os soldados”, “tentando tirar a vida” ao governador e ao juiz de fora da Câmara (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 7, fl. 254v.ss.). No atentado ao governador, terá estado envolvido o velho capitão de artilharia António Nunes, que se ausentou do Funchal, imediatamente a seguir aos acontecimentos. Por causa da sedição, o doutor desembargador Diogo Salter de Machado deslocou-se ao Funchal com poderes excecionais. Assim, para proceder às averiguações, fez sair da cidade o governador, “em distância de dez léguas, para que não fosse, com a sua presença e poder, assistindo” às mesmas e interferindo nelas (Id., Ibid.). Nas ordens do desembargador, vinha expresso: “e na mesma embarcação em que fores tirar esta devassa, voltará o provedor da Fazenda Manuel Mexia, por não ser conveniente que fique na Ilha depois da vossa chegada, para se não dar tempo a negociações, e por ser o dito provedor da Fazenda em mais suspeições” (Id., Ibid.). As questões terão sido muito graves e terão envolvido também o prelado da diocese, D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740), pois ficou escrito no regimento do desembargador: “E a queixa contra o bispo deverá ser queimada, para dela não ficar nada, nem memória, e disso deverá ser dado conhecimento ao bispo, para o mesmo saber como o rei e as suas justiças tratam semelhantes casos” (Id., Ibid.), aspeto que passou ao lado dos autores do Elucidário Madeirense. As ordens para o desembargador e corregedor Salter de Machado foram passadas em janeiro de 1703, mas o mesmo só se apresentou na Ilha em junho. Entretanto, já tinha falecido, no Funchal, a 8 de março, o governador João da Costa Ataíde e já tinha tomado posse o novo governador, Duarte Sodré Pereira. Com o dito confronto, fora também designado um juiz-de-fora em Lisboa, em 1703, Francisco Torres Pinheiro, “que acabou de servir em Torres Vedras”, como se refere na nomeação e que tomou posse no Funchal, a 5 de maio de 1704, dado aquela comarca ser da repartição Estremadura e Ilhas (Id., Ibid.., fls. 252-252v.). A nomeação de um juiz-de-fora permanente para o Funchal obviou a necessidade de alçadas, embora, para Duarte Sodré Pereira, o principal problema residisse no Desembargo do Paço, sobre o que escreveu: “Deus me livre que ao Desembargo do Paço vão queixas, porque ou falsas ou verdadeiras, lá se não enjeitam” (ARM, Arquivos particulares, Copiador de cartas de Duarte Sodré Pereira). Com a crescente centralização do poder régio, a figura do juiz desembargador com alçada deixou de fazer muito sentido, vindo o gabinete pombalino a montar, progressivamente, as corregedorias e a suprimir as antigas ouvidorias (Ouvidorias), com a extinção das capitanias, entre outras. No entanto, a sua memória não se extinguiu no Desembargo do Paço, tal como alertou o governador Duarte Sodré Pereira, nos inícios do séc. XVIII. Assim, mais de 100 anos depois, dissolvidas as cortes e derrogada a constituição de 1822, sendo restabelecido o governo absoluto, em julho de 1823, a Madeira foi de novo alvo de uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos partidos políticos emergentes e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses pretendiam subtrair-se à coroa portuguesa e ligar-se a Inglaterra. Num breve espaço de tempo, houve mais de uma centena de presos; embora só uma dezena deles viessem a ser condenados, os indiciados eram imensos, tendo muitos saído da Madeira. Deste modo, a Ilha foi decapitada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores e militares de todas as patentes, entre outros. Infelizmente, essa não foi a última alçada na Madeira, pois, com a tomada do poder pelo infante D. Miguel, em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, uma nova alçada foi enviada. Os trabalhos dela ficaram a cargo do ministro sindicante Manuel Luciano Magalhães Abreu e Figueiredo. O processo existente na Câmara do Funchal mostra um conjunto verdadeiramente desonroso de 250 depoimentos, quase todos feitos por convocação do ministro sindicante, lendo-se neles acusações bastante vagas e com base nas quais chegaram a estar envolvidas e presas perto de 2000 indivíduos, acusados de “malhados” e maçons (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fls. 305v.-327). Num curto espaço de tempo, a Ilha perdeu, novamente, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos, não tendo muitos dos envolvidos regressado à Madeira, optando antes por ficar em Londres e depois no continente, havendo uma parte, de certa forma importante, que preferiu emigrar para o Brasil. A relação dos réus foi elaborada já em Lisboa, por ordem alfabética, e incluía 101 elementos, sendo o termo assinado a 18 de setembro de 1829. A ele juntou-se uma segunda relação, com data anterior, 19 de agosto, e com mais 216 elementos. As sentenças finais foram, assim, dadas em Lisboa, a 18 de setembro de 1829, sendo juízes João Manuel Guerreiro de Amorim, José Pereira Paula de Faria Garção e Romão Luís de Figueiredo e Sousa. Todavia, muitos mais madeirenses vieram a ser indiciados na mesma alçada ao longo daquele ano e do seguinte e a ser deportados para Cabo Verde, Angola e Moçambique.   Rui Carita (atualizado a 17.08.2016)

Direito e Política História Política e Institucional

áfrica do sul

A Madeira singrou, a partir de meados do séc. XV, pela sua vocação atlântica, abraçando ambas as margens do oceano e estabelecendo pontes com os diversos portos atlânticos. A rota de aproximação à costa africana, que culmina no cabo da Boa Esperança, começou desde o início da ocupação do arquipélago e prolongou-se até a atualidade, porque a Ilha e as suas populações se embrenharam, de forma direta, neste processo de descoberta dos portos e litoral atlânticos. Sulcámos o oceano à busca do desconhecido e firmámos uma posição de relevo nas rotas oceânicas que ajudámos a criar. Desta forma, desde muito cedo, o cabo da Boa Esperança esteve presente nas aspirações dos ilhéus, na mira do Índico e do Pacífico e das suas riquezas no mar e em terra. Por força disso, foram-se estabelecendo laços entre a Cidade do Cabo e esse cabo. Desta forma, construiu-se o mundo e as rotas do Atlântico, apostando na importância destes dois pilares, já no séc. XVI. Esta ancestral ligação permaneceu quase até ao séc. XX, com a chamada rota do Cabo e a sempre presente visibilidade dos chamados vapores do Cabo, no porto do Funchal.   Do Funchal ao cabo da Boa Esperança O relacionamento da Madeira com a África do Sul vem dos tempos do descobrimento da costa africana até ao cabo, que implicou um envolvimento direto da Ilha e dos madeirenses, servindo o Funchal, muitas vezes, de base de apoio a essas viagens. Em 1488, Bartolomeu Dias abriu um caminho para o chamado cabo e, desde então, tornou-se notada a presença portuguesa nestas paragens. Todavia, o primeiro português documentado como emigrante no cabo surge apenas em 1722, não havendo, porém, qualquer referência à data da sua chegada. Apenas podemos afirmar com segurança que, nos princípios do séc. XX, a comunidade portuguesa era significativa e que, em 1904, os madeirenses assumiam uma posição maioritária. O facto de os Ingleses ocuparem a Cidade do Cabo aos Holandeses, em 1795, abriu ainda mais as portas a este novo destino para os madeirenses emigrantes e às ligações que se seguiram com o Funchal. Tenha-se em atenção que, entre 1652 e 1784, se desencadeou uma guerra marítima entre Ingleses e Holandeses pela posse dos mares e que esta incluiu a Cidade do Cabo, porto para a entrada no Índico e no Pacífico. Daí o Ato de Navegação de Oliver Cromwell, de 1651, o primeiro testemunho dessa estratégia imperial inglesa, que também amarrou a Madeira à Cidade do Cabo. Para os britânicos, a perda da América do Norte, em 1776, levou a buscar alternativas no Índico e no Pacífico e, para que elas se concretizassem, era preciso controlar a porta de acesso a esse mundo que estava em poder dos Holandeses. A conquista da Cidade do Cabo foi, assim, o início da afirmação de uma nova rota comercial que marcou a vida dos britânicos e da Ilha por muito tempo. Até à déc. de 60, na Ilha, era usual a designação “vapores do cabo” para identificar os navios da Royal Mail Steam Packet Company que, frequentemente, escalavam a Madeira. Estas escalas são uma referência no quotidiano dos madeirenses e eram também a possibilidade de muitos deles encontrarem outros destinos de emigração ou um caminho mais fácil em direção à Inglaterra. Esta rota comercial foi a ponte para a afirmação da comunidade madeirense na África do Sul, nomeadamente, na Cidade do Cabo, em Pretória e Joanesburgo. Os britânicos fizeram do porto madeirense uma peça estratégica na navegação atlântica e no domínio da colónia. O Funchal era quase escala obrigatória para as embarcações do Cabo, Índia e Antilhas, relacionada com a disponibilidade do vinho para o abastecimento dos navios e do comércio nas praças de destino. A rota do Cabo era, assim, uma rota consolidada na história da Madeira que só a plena aviação comercial destronou. Para além desta rede de rotas oceânicas, que estabelecem um vértice importante na Madeira, com a plena afirmação da máquina a vapor, outros vínculos importantes amarram a Madeira à África do Sul. Com o advento das comunicações por cabo submarino, a Ilha voltou a cumprir uma missão importante nesta ponte atlântica. Assim, em 1901, tivemos o cabo submarino da Eastern Telegraph Company, que ligava a Inglaterra ao cabo, com pontos de amarração na Madeira e em Cabo Verde. Tenha-se em conta que a conjuntura da primeira metade do séc. XX é favorável ao rápido desenvolvimento da telegrafia sem fios (TSF). A Primeira Guerra Mundial (1914-1919), os conflitos militares isolados, como os que aconteceram com os boers na África do Sul, criaram a necessidade de um rápido e eficaz sistema de comunicações, só possível com a TSF. A utilização, a partir de 1905, do rádio nas comunicações militares e a acuidade destes conflitos, nos primeiros decénios do séc. XX, traçaram o caminho para a plena afirmação das comunicações via rádio. Foi Marconi quem, durante a guerra, divulgou, no seu país, o serviço de telegrafia e telefonia e, no que diz respeito à Madeira, impulsionou a propagação dos serviços de TSF no espaço atlântico, prestando um inestimável serviço às colónias inglesas e à África do Sul. Não obstante, o serviço do cabo submarino persistiu até a atualidade. A 16 de outubro de 1927, a Western Telegraph Company encerrou o seu Hotel e escola em Santa Clara. O cabo submarino precisava, contudo, de ser substituído, dada a sua idade e os constantes reparos a que fora sujeito em 1928, 1931, 1933, 1934, 1936. O seu desaparecimento foi protelado em 1929, com o estabelecimento de um pacto de colaboração entre as duas companhias. Mas, aos poucos, a companhia do cabo submarino foi perdendo o controlo da exploração no espaço português: em 1943, era estabelecido um acordo telegráfico com o Brasil que dava uma posição privilegiada à Marconi, enquanto no acordo celebrado entre o governo português, a The Western Telegraph Company e a Cable and Wireless Limited, em 4 de abril de 1969, não lhe é concedido qualquer exclusivo. Portugal reservava-se o direito de estabelecer e explorar, diretamente ou mediante concessão, outro cabo submarino ou quaisquer outros sistemas de telecomunicações. Vingou a última situação com a concessão daquele direito à Marconi, a 11 de agosto de 1966, de que resultou a inauguração da estação de cabo submarino de Sesimbra, que estabelecia a ligação entre Londres e a África do Sul. A segunda fase de concessão, iniciada em 1956, é definida pelo recurso a novos e mais adequados meios de comunicação. Este serviço (Sat-1), inaugurado a 18 de fevereiro de 1969, divergia para uma ligação de Londres a Portugal e à África do Sul, num comprimento total de 10.787 km e com capacidade para 360 circuitos, atingido o limite da sua utilização em 1978. Ao longo do percurso, estabeleceram-se três amarrações (Tenerife, Sal e Ascensão). Seguiram-se outros que estabeleceram a ligação com a Madeira (1971), França (1979), Portugal/Senegal/Brasil (1982), Marrocos (1982) e África do Sul (1992). A 8 de março de 1990, foi assinado um acordo de intenção, subscrito pela Companhia Portuguesa Rádio Marconi, Correios e Telecomunicações de África do Sul, France Telecom, Telefónica de Espanha, British Telecom, Bundespost Telekom. O cabo de fibra ótica Sat-2, cuja inauguração teve lugar a 28 de abril de 1993, surge em substituição do Sat-1. O Sat-2 vai ligar o continente à Madeira, Canárias e África do Sul, numa extensão de 9000 km e com capacidade para 15.000 circuitos bidirecionais e 30 canais de televisão, sendo avaliado em 30.000 contos. Este meio veio propiciar, ainda, aos 20.000 assinantes da rede telefónica da Madeira o acesso telefónico direto à Europa e a alguns países da África e da América, uma maior aproximação entre os madeirenses residentes na Ilha e aqueles que se encontram emigrados nos mais diversos destinos. Neste contexto, merece referência um acontecimento prévio, a inauguração, a 20 de fevereiro de 1984, das ligações telefónicas diretas com a Venezuela e África do Sul. Esta ligação direta abrangeu mais de 70 países, graças ao Centro de Telecomunicações, capaz de corresponder a esta realidade. Aberto em 25 de setembro de 1992, o Centro passou a coordenar toda a atividade da empresa em termos do tráfego dos cabos submarinos de fibra ótica e transmissão digital (Euráfrica, Sat-2, Columbus-2, Inland), rede móvel e satélites. Esta infraestrutura concentra todos os serviços que estavam dispersos pelo Porto Novo, Garajau e Funchal. Aí está instalada a nova estação de cabos submarinos dos sistemas Euráfrica e Sat-2. A inauguração do Centro foi feita em simultâneo com a do cabo submarino internacional Euráfrica, à qual se seguiria a do cabo Sat-2. Este último é o maior cabo submarino do Atlântico e o terceiro no mundo. Deste modo, a Ilha continua a ser, por diversas formas, um pilar importante no mundo atlântico. Navegação e comércio Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse, a partir do séc. XVIII, como centro das transformações sociopolíticas operadas de ambos os lados do oceano. O arquipélago da Madeira não podia alhear-se das mudanças políticas geradas pela difusão de novas ideias, na segunda metade de Setecentos. O seu protagonismo deve-se a vários fatores: a vinculação ao império britânico, que é evidente no quotidiano e devir histórico madeirenses dos sécs. XVIII e XIX, o fogo cruzado que se ateou entre o velho e novo mundo e o papel ativo da Madeira no relacionamento com a comunidade inglesa. No decurso do séc. XVII, o arquipélago firmou a vocação atlântica, contribuindo para isso o facto de os Ingleses não dispensarem os portos e os vinhos insulares na sua estratégia colonial. Os atos de navegação de 1660 e 1665, corroborados por tratados de amizade como o de Methuen (1703), abriram caminho para que as ilhas entrassem na órbita da influência inglesa. Aos poucos, a comunidade ganhou uma posição, por vezes incómoda, na sociedade madeirense. A feitoria inglesa é uma realidade insofismável no séc. XVIII e contribuirá para firmar a vocação e protagonismo atlântico do porto do Funchal. A partir da déc. de 70 do séc. XVIII e até aos princípios do século seguinte, os conflitos que tiveram como palco os continentes europeu e americano alargaram-se ao Atlântico. Aliás, o oceano é um ativo protagonista das disputas entre os três principais beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Era permanente a preocupação com a organização militar e a defesa da costa, porque o perigo espreitava no mar a qualquer momento. A conjuntura de afrontamento levou à presença dos corsários, com forte incidência em dois momentos: o período que decorre entre 1744 a 1736, marcado pelo afrontamento de Inglaterra com a França e Espanha; a época das grandes transformações do século, com a proclamação da independência das colónias inglesas da América do Norte (e a consequente Guerra de Independência, até 1783) e a Revolução Francesa em 1779, com as convulsões que se seguiram até 1815. A dimensão assumida pela guerra de represália está bem patente nas presas. Perante o perigo da investida francesa, os Ingleses ocuparam a Madeira por duas vezes, sendo esta atitude entendida como uma forma de preservar os interesses dos “súbditos de sua majestade” e de estabelecer uma barreira ao avanço francês além oceano. O corso, que incidia preferencialmente sobre as embarcações espanholas e francesas, motivou uma resposta violenta das partes molestadas, como sucedeu com a investida francesa contra os Ingleses em 1793, 1797, 1814. A afirmação e controlo vital da vida económica e das relações externas levaram à conquista de novas regalias e a afirmação no plano político, por meio de tratados ou de uma interessada ligação, às autoridades da Ilha e do país. A feitoria, ao nível local, as autoridades consulares, no reino e na ilha, conjugavam-se para o mesmo objetivo. A situação dos Ingleses era especial. Desde o séc. XVII, a feitoria inglesa definiu um estatuto à parte para a comunidade, que lhe permitia ter conservatória e juiz privativo. O espírito de união da feitoria, que persistiu até 1842, favoreceu a posição na sociedade madeirense e demarcou o fosso com os naturais da Ilha. Com o tratado de 1661, abriram-se, de novo, as portas para o domínio inglês do mercado insular, mercê de medidas de privilégio e da isenção dos direitos de exportação do vinho. Em 1689, foi-lhes concedida a faculdade de se fixarem com casas comerciais de vinho, comestíveis e manufaturas, fazendo entrar na Ilha os artigos de luxo. Com o Tratado de Methuen, em 1703, pôs-se cobro à situação criada em 1684, ao mesmo tempo que se afirmou a dependência do mercado local ao mercado inglês. Os portugueses tornaram-se consumidores dos panos ingleses e fornecedores de vinho ao mercado inglês. Segundo A. R. de Azevedo, o Tratado trouxe para a Madeira a mais apertada vassalagem ao mercantilismo britânico. Daí que a entrada da África do Sul na órbita colonial inglesa se assuma como algo importante para a Madeira. Desde as últimas décadas do séc. XVIII que temos notícia da exportação do vinho para o Cabo da Boa Esperança: em 1792, são 6 pipas e, em 1796, tivemos 18 pipas. Depois, entre 1823 e 1847, apenas 41 pipas de vinho foram carregadas por João Cairns, Diogo Bean, João Caetano Jardim, Scott Pringle With & Ca., Richard Dover, Newton Gordon Murdoch & Scott, Grouth & Holway. Outra informação avulsa aparece no séc. XX (nos anos de 1904, 1905, 1907 e 1912), destacando a solicitação de vinho para Durban, entre 1904 e 1907, num total de 1 quartola, 32 quartos e 36 caixas de vinho Madeira. Como se pode verificar, não era um mercado muito significativo em termos do consumo do vinho Madeira, tanto mais que, a partir do séc. XVII, com os huguenotes franceses, esta cultura chegou ao cabo da Boa Esperança. E, no decurso do séc. XIX, teve um incremento significativo com os Ingleses. Mesmo assim, parece-nos que esta situação não foi concorrencial com o vinho Madeira. É provável que as ligações entre a vinha e o vinho da África do Sul e da Madeira, tendo em conta as constantes e permanentes ligações que existem entre os portos do Funchal e do Cabo, a partir de finais do séc. XIX. Várias famílias inglesas, como os Blandy, com ligações à Ilha, mantêm ligações frequentes com a Cidade do Cabo. Por outro lado, sabemos que, em 1906, seguiram duas grades de bananeiras para o Natal. O mesmo poderia ter sucedido com as parreiras. Esta atividade comercial com o cabo da Boa Esperança não se limita ao vinho e alarga-se a uma diversidade de produtos, alguns apenas com destino a este porto. Disto nos fala Michael Comport Grabham (1840-1935), casado com Mary Anne Blandy (1834-1914): “Exportam hortaliças verdes em grande quantidade, as bananas formam um negócio importante; e é tal procura de ovos para o cabo de Boa Esperança, que esta pequena mas admiravelmente fértil Ilha, chega a produzir e empacar, em cesto indígenas, muito bem feitos, e exportar mais de 200.000 ovos por semana, para povos distantes inúmeras léguas” (GRABHAM, 1901, 29). Sobre os ovos, situação excecional nas exportações madeirenses, temos testemunho nas exportações da Alfândega entre 1904 e 1907, com a saída de 9321 cestos com ovos, o que deverá corresponder a cerca de 225.000 ovos. Note-se que este mercado da África do Sul foi ainda abastecido com fruta, figos e peros. Dos primeiros, temos a saída, em 5 de janeiro de 1905, de cinco caixas de figos, que, nesta altura, só podem ser secos. Surge ainda a fruta madura da Ilha, fundamentalmente pêros – tivemos, em 1904, 1905, 1906 e 1912, 1029 caixas e 139 cestos. São referidas, em 1904, 1905, 1906 e 1912, 1431 cestos e 4116 caixas de fruta. Para a alimentação, temos, em 1904, a saída de 1210 caixas e 100 grades de cebola e 52 caixas de alhos, que, pela informação que temos de Demerara, deveria ser para a alimentação dos madeirenses, que atribuíam grande valor a estes ingredientes na sua dieta alimentar nesta época. A partir do séc. XIX, a navegação oceânica ganha um estatuto distinto, através da afirmação das companhias de navegação, que passaram a assegurar um serviço regular de passageiros e carga entre diversos destinos europeus e o espaço colonial. Para garantir esta regularidade dos serviços, surgiram os agentes que, nos diversos portos, funcionavam como intermediários e prestavam todo o apoio necessário às embarcações. É por parte da Inglaterra que vamos ter o maior número de companhias a navegar com regularidade entre os portos ingleses (Southampton, Bristol, Liverpool, Manchester, Edimburgo, Glasgow, Dublin) para o cabo da Boa Esperança, Natal, e África Oriental. A partir de 1943, os vapores da Union Castle servem os portos de Southampton e Durban, com escalas em ambos os percursos no Funchal. Com a guerra, perdeu 6 dos 26 vapores, mas, em 1953, aparece com 6 novos vapores, com peso superior a 20.000 t. Quase todos os vapores provenientes destes portos faziam escala obrigatória na Madeira e, para alguns, acontecia uma segunda nas Canárias. Desde meados do séc. XIX, é de assinalar o serviço regular dos navios da Royal Mail Steam Packet, conhecidos na Ilha como “mala real”, que permitiam não só o serviço regular com a Grã-Bretanha, mas também com Portugal, fazendo escala em Lisboa. Nos finais do séc. XIX, temos várias companhias de navegação com um serviço regular de embarcações entre os diversos portos da Europa. O movimento destas embarcações entre a Madeira e o cabo é uma grande oportunidade para os madeirenses. A imprensa regozijava-se com esta presença, de forma que, a 4 de novembro de 1897, o Diario de Noticias afirmava, com a passagem do Hawrden Castle, que “uns foram até ao Monte e outros andaram em carros ou a pé visitando diversos pontos da cidade e fornecendo-se d’artigos da nossa indústria” (DN, 4 nov. 1897). Assim, para a Ilha e para os madeirenses, esta era uma nova via que se abria, da qual a Madeira tirava grandes vantagens. Primeiro, com a abertura de mais um destino fácil de emigração, depois, pelas oportunidades de negócio, nomeadamente com os passageiros em trânsito que adquiriam bordados e obras de vimes. Havia, inclusive, muitos passageiros em trânsito que permaneciam alguns dias no Funchal. No dia 21 de abril de 1906, houve 570 passageiros em trânsito, no vapor Walmor Castle e, a 10 de maio de 1910, foram outros 602 passageiros, do Balmoral Castle, na mesma situação. Muitas das principais famílias britânicas residentes na Ilha tiveram ligações à África do Sul, como foi o caso dos Blandy, dos Hinton e dos Phelps. Entre finais do séc. XIX e princípios da centúria seguinte, a economia foi muito valorizada com esta nova demanda de produtos pelos forasteiros, mercadoria muitas vezes oferecida a bordo, através dos chamados bomboteiros, que tiveram um papel muito importante no acolhimento a estes forasteiros. Pelas suas mãos saíram todo o tipo de bordados e obras de vimes, produtos que acabaram por estar limitados pelas barreiras alfandegárias nos portos de destino. Em 1928, passou a existir uma taxa portuária, no valor de 3 a 7 xelins, para produtos saídos, como cadeiras ou sofás de vime, provocando uma reação veemente da Câmara de Comércio e Indústria da Madeira (ACIF/CCIM), em 23 de janeiro. Este comércio de obras de vime era frequente com a África do Sul desde finais do séc. XX, registando-se a saída de 96 t no ano 1896. Depois disso, entre 1904 e 1912, aparecem registos sobre a exportação de vime e obras de vime. Assim, temos 111 molhos de vime, em 1411 atados de obras de vime e 3050 volumes em obra de vime. Este movimento, nomeadamente com a Cidade do Cabo, transformava a vida do Funchal, que vivia quase exclusivamente para o porto. Os jornais anunciavam diariamente tudo o que deveria acontecer, relativamente ao movimento de navios na baía e todos os madeirenses estavam avisados do movimento dos vapores do cabo. O Funchal assumiu o papel de antecâmara das colónias europeias, recebendo todos os que circulavam nos dois sentidos. Dizia-se até que todos os que estavam de regresso à metrópole não dispensavam esta paragem de alguns dias para se habituarem ao clima europeu. E a Madeira é exímia na arte de bem receber, de forma especial, aristocratas e políticos. Em 1906, o Gen. Louis Botha; o príncipe Alberto, que depois foi rei da Bélgica, em viagem ao cabo da Boa Esperança e ao Estado Livre do Congo, em 30 de abril de 1909. São inúmeros os casos dos britânicos que transitaram entre os dois portos e que aproveitaram o intervalo da paragem dos vapores para visitar o Funchal e serem mimoseados pela população e autoridades. Não devemos esquecer que o Funchal tinha uma função importante de apoio e abastecimento à navegação com o fornecimento de água, víveres frescos, vinho e carvão, a partir de meados do séc. XIX. Segundo Biddle, o Funchal era “uma importante estação de abastecimento de carvão para a maior parte das linhas dos navios de Inglaterra e do continente europeu para a África do Sul” (BIDDLE, 1896, 101). Sabemos que alguns madeirenses participaram como fogueiros a bordo destes vapores. Em agosto de 1915, regressaram à Ilha 14 fogueiros do vapor Walmer Castle, sendo rendidos no Funchal por outros 14. Os primeiros vapores a sulcarem os mares da Madeira com serviço regular organizado foram os da referida Mala Real Inglesa, como indicámos, a Royal Mail Steam Packet Company, com destino às Índias Ocidentais, e os da Union Castle Mail Steamship Company. O primeiro serviço de abastecimento de carvão no Funchal foi montado, em 1838, pelos Ingleses Jacob Ryffy e Diogo Taylor. A partir da déc. de 70 do séc. XIX, consolidou-se o predomínio da navegação a vapor nas rotas transatlânticas, sendo imprescindível o serviço de abastecimento de carvão. Assim, surgiram empresas apostadas neste serviço, primeiro, a firma Blandy Brothers, depois, em 1898, a Cory Brothers Co. Limited e, em 1901, a firma Wilson Sons C. Limited. Mas, a partir de princípios do séc. XX, os barcos da África do Sul passam a abastecer-se, no Natal, de carvão das minas sul-africanas, não precisando escalar o Funchal no retorno, o que se refletiu, de forma negativa, na Madeira. Mesmo assim, isto não se espelhou no movimento de passageiros em escala, tendo-se mesmo atingido, no período de 1902 a 1909, o maior valor de escalas, com 126.000 passageiros contabilizados entre 1906 e 1909. Emigração e retorno A emigração madeirense orienta-se de acordo com os laços comerciais e de navegação definidos para a Ilha. O facto de a Madeira ser uma base de apoio de grande importância para o império colonial inglês, desde o séc. XVII, dita que seja nesse sentido que se orientam muitos dos destinos dos emigrantes madeirenses. As portas estão abertas e os aliciadores da emigração clandestina atuam de acordo com estes destinos, que são os mais proveitosos. Por outro lado, há uma política favorável e incentivadora por parte das autoridades inglesas. Mesmo assim, continua a existir emigração clandestina e a utilização de Lourenço Marques como passagem com destino a África do Sul. Em janeiro de 1897, foram detidos, no vapor Trojan, seis madeirenses, todos naturais do Estreito da Calheta. Em setembro de 1903, um outro indivíduo da Ponta do Pargo e dois da Calheta foram repatriados pelo vapor Norman por terem embarcado de forma clandestina. Depois, em julho de 1904, há notícia de que um madeirense, cabo de polícia em Lourenço Marques, arranjava, por 5 a 30 libras, passaportes falsos para a saída de madeirenses para o Transval, tendo-se descoberto a situação. Em julho de 1911, um outro madeirense, com 12 anos de idade, foi expulso do Cabo por aí estar estabelecido com “casa suspeita”. O recrutamento de emigrantes contou com o apoio do Governo Civil e dos consulados no Funchal, que atuavam como angariadores de potenciais emigrantes, sendo uma constante no séc. XIX. A presença madeirense alargou-se também a outros quadrantes, sendo de salientar a África do Sul e Austrália. No primeiro caso, a vinculação portuguesa é muito antiga, remontando à viagem de Vasco da Gama, mas foi a partir do séc. XVIII que tivemos notícia dos primeiros portugueses na Cidade do Cabo. No séc. XIX, a rota regular dos vapores do cabo que escalavam o Funchal permitiu a definição de um novo rumo para a emigração madeirense. Esta presença torna-se mais notada a partir de 1904, no sector da pesca, mas foi nos anos 50 que este destino ganhou dimensão significativa. Entretanto, de janeiro a junho de 1977, temos a informação de um pedido de pescadores madeirenses para a safra do atum. Os livros de passaporte, de que temos registo desde 1872 até 1915, testemunham os pedidos de passaporte por parte de 962 madeirenses (362 entre 1872 e 1900 e de 600 entre 1901 e 1915), o que revela ter havido uma forte incidência de pedidos nos primeiros anos do séc. XX. As solicitações são feitas a partir do Estreito da Calheta, Calheta, Prazeres, Fajã da Ovelha, Jardim do Mar, Canhas, Paul do Mar, Ponta do Sol, Ponta do Pargo, R. Janela, Porto Moniz, Machico, Gaula, Estreito de Câmara de Lobos, Caniço, Boaventura, Camacha e das diversas freguesias do Funchal (Monte, São Gonçalo, São Pedro, Santa Maria Maior). A partir de 1878, houve diversos cidadãos sul-africanos que pediram o passaporte, por razão da sua estância temporária, em escala, na Ilha. O primeiro que temos registado é “Mrs. Duncan”. No séc. XIX, a maioria dos registos é para o cabo da Boa Esperança; apenas em 1896 há registos de outros locais, em concreto, Natal e, em 1900, Durban. A partir de 1901, passa a definir-se o destino como África do Sul, surgindo ainda outros: Transval (1910-1916), novamente Natal (1902-1915) e Durban (1900, 1912). Em 1901, saíram Agostinho de Agrela Helena, Francisco Gomes, Agostinho Ferreira Neto, Domingos Teixeira, Francisco Gonçalves Cabeleira, João da Câmara, João Rodrigues Faias, João de Sousa Júnior, João Sardinha Branquinho, Manuel Afonso Jardim, João Fernandes Camacho, António de Agrela, João Rodrigues Faias, Agostinho Ponte Santo António, João Rodrigues Jardim, João Nunes e outro com o mesmo nome, também do Paul do Mar, Manuel de Agrela, Manuel Ferreira Gomes, Manuel de Agrela Rei Júnior, Manuel Correia e sua mulher Philley Correia, Manuel Ferreira Ferro, Manuel Gonçalves Borrageiro, Manuel Gonçalves da Costa, Manuel Gonçalves Guerra, Manuel Rodrigues Sequeira, Manuel de Sousa Alegria, António de Abreu Pestana, Maria Elisa Figueiroa Silvado, Ilda, sobrinha de D. Maria Elisa Rodrigues, Tomé António de Abreu, Maria da Conceição de Sousa, Olímpia Fernandes, Manuel dos Santos da Câmara, Agostinho Joaquim com sua mulher Narcisa Joaquina, António de Abreu Pestana, António de Agrela, António Fernandes Pateta. O maior número destes é da Calheta e Estreito da Calheta, o que parece indiciar uma emigração em grupo, que poderá ter, na origem, algum angariador. Temos informações de que o mesmo nome Agostinho de Agrela Helena, denominação pouco vulgar, surge, em 1903, a pedir autorização para embarcar, de novo, com destino ao cabo da Boa Esperança e, em 1907 e 1912, para os EUA e, em 1909, para o Brasil. Por outro lado, assinala-se o número dos oriundos do Jardim do Mar e Paul do Mar, o que poderá ser indiciar o facto de se terem dedicado à atividade piscatória, contribuindo para a importância dos madeirenses neste sector. Surgem ainda informações de que, neste grupo, se inclui gente da Ponta do Sol, Ponta do Pargo, Prazeres, Caniço e Fajã da Ovelha. Para o período de 1872 a 1915, temos uma emigração madeirense de origem diversificada, não obstante com forte incidência no Estreito da Calheta, com 178 pedidos, seguido de Prazeres, com 79 e Fajã da Ovelha, com 74. Para o período de 1872 a 1900, este movimento parece ter apenas como destino o cabo da Boa Esperança, pois, dos 260 pedidos de passaportes, só 2 foram para Durban, em 1900. Já no novo século, foram pedidos passaporte para a República Sul-Africana: o destino do Cabo continua a ser maioritário, mas temos 27 pedidos para Natal (1902, 1906, 1911, 1913, 1914 e 1915), 4 para Joanesburgo/Transval (1911 e 1913), 29 para Transval (1906, 1911, 1912, 1913 e 1914) e 1 para Durban (1912). Alguns episódios marcaram esta emigração entre finais do séc. XIX e princípios do seguinte. A 17 de outubro, saiu do Funchal, a bordo do vapor Scott, Maria Júlia Rodrigues, para se juntar ao marido no Cabo, mas, um dia antes da chegada, atirou-se ao mar e morreu. No mesmo sentido, a 27 de dezembro de 1905, António Baptista, após sete anos na África do Sul, decidiu fazer uma surpresa à família, mas, ao chegar a casa, encontrou a esposa morta, tendo o falecimento ocorrido momentos antes. Desde princípios do séc. XX que se tornou notória a presença da comunidade madeirense na África do Sul, nomeadamente em Pretória e Joanesburgo. Os madeirenses tiveram uma função importante na pesca e na agricultura. No primeiro caso, dominaram o mercado de tunídeos e de lagosta, enquanto no segundo detiveram o controlo dos produtos hortícolas. Sempre foram a comunidade mais representativa dos portugueses, constituindo mais de metade dos emigrantes, o que lhes permitiu antes e ainda no começo do séc. XXI uma posição importante na sociedade. O P.e Mário José Lobo de Matos, natural da Contenda e falecido em 1988, foi secretário de D. Teodósio Clemente de Gouveia, arcebispo-bispo da Arquidiocese de Lourenço Marques, teve um papel importante no apoio aos gauleses que pretendiam emigrar para a África do Sul, conseguindo os vistos e os contratos de trabalho necessários. Foi ainda administrador da igreja de S.to António dos Portugueses em Benoni, Joanesburgo. Os dados oficiais disponíveis atestam a evolução destes rumos da emigração madeirense após a Segunda Guerra Mundial e evidenciam que os destinos se diversificaram, de acordo com a demanda de mão de obra e as oportunidades oferecidas pelos principais mercados de trabalho. No caso da África do Sul, tivemos 2526 saídas entre 1945 e 1949; 5118, entre 1950 e 1959; 579, entre 1960 e 1969; 683, entre 1970 e 1979.   Casa da Madeira em Pretoria com Miss Comunidades A presença madeirense fica assim mais clara no período posterior à Segunda Guerra Mundial. A déc. de 50 do séc. XX foi o momento de consolidação desta comunidade. A atestar a importância da mesma, evoca-se a digressão do Grupo Folclórico da Camacha, em 1965, junto das comunidades. A grande concentração de madeirenses, e também de continentais, acontece em Joanesburgo, Benoni, Boksburg, Brakpan, Germiston, Kempton Park, Krugersdorp, Randburg, Randfontein, Roodepoort, Springs, mas também na Cidade do Cabo, Pretória, Durban, Vanderbijlpark, Welkom, Vereeniging, Bloemfontein, Port Elizabeth, Klersdorp, Witbank, East London, Sasolburg, Harrissmith, Saldanha Bay, Kimberley, Pietermaritzburg, Nigel, Heidelberg. Por força da importante comunidade emigrante madeirense, também se desenvolveram, contactos políticos. Aliás, esta relação é antiga, sendo tradição das autoridades de passagem pela Ilha fazerem um visita de cortesia ao governador civil, no palácio de S. Lourenço. Em 26 de dezembro de 1900, lord Roberts, ao comando de uma expedição para dominar o Transval, fez essa visita. Já em 1812, o Gen. Robert Meade, que estava com uma força militar na Ilha, por ser nomeado governador do Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, saíra da Madeira para o seu cargo, que ocupou em 1813.   Encontro de responsáveis do Governo Regional da RAM com um representante da Comunidade Madeirense na África do Sul   A partir de 1964, houve uma tentativa de aproximação comercial, que trouxe à Madeira, em 1972, o secretário do embaixador. Os principais produtos que asseguraram as relações comerciais foram o bordado e a obra de vime. Depois, a partir de 1976, o Governo Regional tomou especial cuidado no relacionamento com a África do Sul, no sentido de preservar a comunidade. Foi neste sentido que se estabeleceram relações com as autoridades desse Estado. Em 13 de novembro de 1986, o presidente sul-africano, Pieter Botha e o seu ministro dos negócios estrangeiros, Pik Botha, fizeram uma visita algo tumultuada à Madeira. Depois, em 2000, Pik Botha representou o governo sul-africano na inauguração das obras do aeroporto da Madeira. Recorde-se que o Gen. Louis Botha (Greytown, hoje no KwaZulu-Natal, 27 de setembro de 1862-Pretória, 27 de agosto de 1919) e família, em maio de 1907, estavam de passagem no Funchal, rumo à Inglaterra, tendo sido bem recebidos pelas autoridades e visitando a freguesia do Monte, no intervalo da paragem do vapor. Muitos madeirenses tiveram sucesso naquele país e conseguiram o tão ambicionado pecúlio para retornar à Ilha e viver em condições. Outros escolheram lá ficar e adaptaram-se às mudanças sociais e políticas ocorridas na mudança para o séc. XXI. De entre estes emigrantes, felizmente muitos tiveram sucesso, mas aqui destacamos apenas alguns. Joe Berardo (José Manuel Rodrigues Berardo, nascido em 1944) que, aos 18 anos, emigrou para a África do Sul, radicando-se na cidade de Joanesburgo, onde se dedicou à atividade comercial e industrial. Aí ergueu e dirigiu o grupo Egoli Consolidated Mines Ltd., que congregava diversas explorações mineiras de ouro, a partir de recuperação em areias auríferas, transformando-se rapidamente numa das 100 maiores empresas sul-africanas. Na sua quinta do Monte possui, desde 1988, no Jardim Tropical Monte Palace, uma coleção de cicas da África do Sul, onde estão representadas 60 espécies. Em 1986, Joe Berardo regressa à Madeira, envolvendo-se em múltiplas atividades, como o turismo, os tabacos ou os vinhos, com o mesmo sucesso. Evidenciou-se como colecionador de arte, dispondo de uma coleção de mais de 40.000 obras, que está exposta, desde 2007, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa e no Sintra Museu de Arte Moderna Colecção Berardo. Em 1985, recebeu o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Os Sousa Pestana são uma família com forte implantação no turismo nacional e madeirense que também teve o seu início na emigração para a África do Sul: Manuel Sousa Pestana (1919-2005) emigrou para Joanesburgo, onde conseguiu os proventos para erguer, a partir da Madeira, o seu império na área do turismo. Destacamos, por fim, José Alfredo Quintal, mais conhecido por Joe Quintal, fundador do Club Sport Marítimo de Joanesburgo, da Casa da Madeira e da Academia do Bacalhau, e conselheiro das comunidades madeirenses. As questões que envolvem o apartheid não tiveram implicações na comunidade madeirense e, mesmo depois de 1990, não foram visíveis situações de conflito com essa comunidade. Os problemas sociais que aí sucederam foram comuns a todos. Nas áreas de maior concentração de portugueses (na Cidade do Cabo, Port Elizabeth, Pretória, Durban, Pretória e Joanesburgo), temos diversas associações de emigrantes portugueses onde os madeirenses conquistaram um lugar de relevo. A mais conhecida e já referida, a Academia do Bacalhau, surgiu em 1960, sendo uma referência para a comunidade portuguesa. Ainda podemos salientar algumas associações, como o Club Sport Marítimo de Pretória, o já mencionado Club Sport Marítimo de Joanesburgo, a Casa Social da Madeira (Pretória), o Grupo Folclórico Madeirense de Joanesburgo, a Casa da Madeira de Joanesburgo, a Associação Familiar Pérola do Atlântico, Representante da Comunidade Madeirense de Natal (Durban). A viragem no processo da emigração madeirense aconteceu na déc. de 70. As mudanças políticas resultantes da revolução do 25 de Abril de 1974 conduziram à valorização do espaço socioeconómico da Ilha, condicionando a emigração. As mudanças políticas ao nível mundial, a situação dos habituais mercados recetores de mão de obra madeirense, em contraste com a melhoria das condições de vida na Ilha, fizeram com que o madeirense buscasse o Eldorado na sua própria terra e que muitos regressassem. Primeiro, foram os chamados retornados, das ex-colónias e, depois, os da Venezuela e África do Sul. Esta rota marítima que ligava a Madeira à África do Sul foi muito importante para estabelecer uma aproximação entre as duas regiões e permitir o transplante de inúmeras flores, muitas delas por iniciativa da comunidade inglesa. Em sentido contrário, tivemos o envio, em 1906, de bananeiras para o Natal e certamente algumas das vinhas do cabo não são alheias à Madeira. Na passagem para o séc. XXI, a riqueza das flores da Ilha deve muito a essa situação. Segundo o inventário de Rui Vieira, temos as seguintes: agapanthus praecox e agapanthus africanus (L.) Hoffmgg. ou agapanthus umbellatus L´Hérit. (agapantos, coroas de henrique); aloe arborescens, aloe ciliaris, aloe plicatilis, aloe arborescens Mill. (aloés, babosa, foguete-de-natal); amaryllis belladonna L.; antholyza aethiopica L. ou chasmanthe aethiopica (L.) N.E.Br.; arctotis stoechadifolia Berg.; asystasia bella; banksia integrifolia; bolus hy br.; calodendrum capense Thunb. (castanheiro do Cabo); carissa grandiflora A.DC.; gerbera jamesonii; clivia miniata e clivia nobilis (clívias); dombeia nyuica; encephalartos trispinosus e encephalartos transvenosus; eriocephalus africanus (alecrim da virgem); erythrina lysistemon (coralina cafra); euphorbia cooperi (eufórbia) e euphorbia ingens (eufórbia gigante); iboza riparia; kniphofia uvaria (L.) Hook. (foguetes); leonotis leonurus (L.) R.Br. (rabos de leão); leucospermum conocarpodendron (protea); melianthus major (arbusto do mel); ochna serrulata; oxalis purpurea L.; pandorea ricasoliana Tanf. ou podranea ricasoliana Sprague (trepadeira); phoenix reclinata (palmeira do Senegal); plumbago auriculata e plumbago capensis Thunb.; polygala mynifolia (pera doce); protea cynaroides (protea real); strelitzia alba, sterlitzia nicolai (estrelícia gigante) e strelitzia reginae Banks (estrelícias ou aves do Paraíso); scholia brachypetala; senecio macroglossus DC. (trepadeira); tecomaria capensis Thunb. Spach (camarões); tibouchina semidecandra (Schrank et Mart.) Cogn. (aranha); tritonia crocata (L.) Ker Gawl. (manuelas); Watsonia ardernei hort. (hastes de S. José); yucca gloriosa L. (iúca); zantedeschia aethiopica (jarros). Depois, tivemos ainda a permuta de variedades da agricultura industrial. Ao nível da produção açucareira, com as variedades de cana elefante e bambu, Porto Mackay, rajada e yuba do Natal (1897). Esta situação resultou do facto de a espécie existente na Ilha ter sido, em 1881-1882, alvo de um ataque pelo fungo conyothyrium melasporum. Note-se o facto de, no começo do novo milénio, na África do Sul, tais culturas da cana e da vinha assumirem um papel na economia do país; por algum tempo, a Madeira importou melaço daqui para suprir carências da Ilha. A História do Atlântico passa por estes importantes portos: o Funchal e o cabo da Boa Esperança. Construiu-se, desde muito cedo, uma ponte entre as duas cidades e portos, que teve um papel fundamental na história.   Alberto Vieira (atualizado a 14.09.2016)

Madeira Global

administrador do concelho

A instituição do cargo de administrador do concelho data de 1835. O administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. A figura do administrador do concelho esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República e foi extinta no período do Estado Novo. Palavras-chave: administração pública; poder central; Primeira República; legislação. A instituição do cargo de administrador do concelho foi uma das particularidades do dec. de 18 de julho de 1835 que estabeleceu a nova divisão administrativa do “reino de Portugal e ilhas adjacentes”, na sequência da implantação definitiva da monarquia constitucional. Pelo dec. de 12 de setembro desse mesmo ano, era estabelecido o distrito administrativo da Madeira e Porto Santo tendo como capital a cidade do Funchal. Esse distrito foi dividido em concelhos e estes em freguesias. No início de novembro de 1835 foram nomeados os primeiros administradores de concelho na Madeira. Figura distinta do presidente do município, o administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio, e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. Esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República, sendo apenas extinto no período do Estado Novo, em concreto, no âmbito do Código Administrativo de 31 de dezembro de 1936. O processo de nomeação deste magistrado assentava, de acordo com o art. 52.º do dec. de 18 de julho de 1835, na elaboração de uma lista de elegíveis, em paralelo com a das eleições municipais, da qual o rei escolhia um nome. Essa nomeação seria válida por dois anos, podendo haver reeleição (art. 53.º). O administrador do concelho tinha direito a receber uma gratificação, paga pela receita municipal (art. 55.º) e só podia ser demitido mediante decreto assinado pelo rei (art. 54.º). O Código Administrativo de 1842 específica, no seu art. 257.º, que essa gratificação era arbitrada e paga pela câmara municipal, e que o administrador do concelho tinha direito a cobrar os emolumentos previstos na legislação. Uma importante alteração, no acesso ao cargo, foi introduzida pelo Código Administrativo de 1878, a saber: a condição de possuir um curso superior sendo que, na falta de pessoas habilitadas, poderia ser nomeado um indivíduo com a instrução secundária (art. 197.º). As atribuições do administrador do concelho relacionam-se com a sua função de representante do governo central no espaço concelhio, com capacidade para atuar no domínio das suas atribuições específicas e naquelas que não estivessem especialmente atribuídas a outras autoridades e funcionários presentes na circunscrição do concelho. Genericamente, constata-se que as atribuições do administrador do concelho eram garantir a correta execução das ordens, instruções e regulamentos transmitidos pelo governador civil do distrito, em nome do interesse geral do Estado. Especificamente, as funções deste magistrado abrangiam seis grandes áreas, a saber: a polícia preventiva e a moral pública; a fazenda pública; o recrutamento e o recenseamento da população; o registo civil; o registo de passaportes; e o ensino público. O art. 59.º, § 4, do dec.-lei de 18 de julho de 1835 atribui ao administrador do concelho a superintendência e a vigilância diária de tudo que se reportasse à polícia preventiva. Em concreto, a inspeção das prisões, das casas de detenção e de correção; a aplicação das leis e regulamentos sobre a concessão de licenças para o uso de armas; e o cumprimento das leis e regulamentos relativos à mendicidade. Já na esfera da polícia municipal, competia ao administrador do concelho a prevenção e/ou repressão dos atos perturbadores da ordem pública; a implementação de medidas de auxílio às populações em situação de calamidade assim como a adoção de medidas sanitárias, tanto de prevenção como de tratamento de doenças infetocontagiosas; e, por último, a atuação contra os infratores das leis e posturas municipais, entregando-os ao poder judicial para o respetivo julgamento e punição. No âmbito do auxílio ao poder judicial, o administrador do concelho tinha a faculdade de prender ou mandar prender qualquer cidadão em flagrante delito e formar os respetivos autos de averiguação dos factos. A repressão dos atos ofensivos dos bons costumes e da moral pública era a outra área de atuação do administrador do concelho dentro da polícia preventiva. No domínio da fazenda pública, competia-lhe o exercício da fiscalização no lançamento, repartição e cobrança dos impostos, nomeadamente, das contribuições diretas, e o auxílio dos empregados encarregues desta função. O art. 247.º do Código Administrativo de 1842 refere a obrigação do administrador do concelho de fazer a inscrição e relação de todos os bens e rendimentos que, dentro da circunscrição concelhia, pertencessem à fazenda pública. Em conformidade com as leis vigentes, devia proceder ao apuramento do recrutamento para o exército, de acordo com o recenseamento e mapa da população remetido pela câmara municipal que, por seu turno, era realizado sob direção do próprio administrador do concelho. O registo civil, uma das grandes reformas introduzidas pelo liberalismo, revelou-se um dos aspetos onde foi particularmente notória a atividade deste magistrado. Com efeito, competia-lhe a escrituração e guarda dos livros de nascimento, casamento e óbito dos moradores do concelho, constituindo a sua assinatura a legitimação da autoridade pública perante esses momentos da vida dos indivíduos. Pelo Código Administrativo de 1842, ficou sob a sua alçada o registo de escrituras de doação, o registo de hipotecas e o registo de testamentos (art. 254.º). A regulação do movimento populacional era outra das competências atribuídas pela legislação da monarquia constitucional, cabendo ao administrador do concelho a concessão de passaportes e a emissão de bilhetes de residência, matérias sobre as quais devia dar a devida informação ao governador civil do distrito. Finalmente, o ensino público. Pertencia-lhe a fiscalização e superintendência das escolas públicas existentes no perímetro concelhio financiadas pelo Estado ou pelos municípios, assim como a inspeção-geral das escolas particulares. Na sua relação com os demais poderes sedeados no espaço concelhio, o administrador do concelho revelou a sua preponderância, pois a legislação conferiu-lhe, a partir do Código Administrativo de 1878, a faculdade de zelar pelo cumprimento de todas as atribuições da câmara municipal e das juntas de paróquia, dando parte ao governador civil das situações anómalas (art. 207.º, § 7). Por seu turno, o Código Administrativo de 1886 pormenoriza essa relação tutelar, dado que ficava atribuída ao administrador do concelho a prerrogativa de remeter ao governador civil as contas de gerência de todas as corporações administrativas para serem, posteriormente, enviadas ao tribunal de contas (art. 241.º, § 7). De igual importância foi a faculdade de o administrador do concelho poder transmitir ao governador civil as deliberações das câmaras municipais e das juntas de paróquia, uma realidade que o Código Administrativo de 1896 iria consagrar ao determinar a obrigatoriedade do administrador do concelho assistir sempre às sessões das câmaras municipais com a finalidade de verificar o cumprimento de decisões respeitadoras do interesse público. O regime republicano, pelo decreto com força de lei de 13 de outubro de 1910, ordenou a adoção do Código Administrativo de 1878 enquanto não fosse elaborada uma nova codificação. Contudo, tal não se verificou no decurso deste regime, que somente registou a promulgação da lei n.º 88 de 1913, constituindo uma mera proposta de codificação administrativa a implementar num futuro próximo. Esta lei foi omissa em relação à figura do administrador do concelho. Contudo, a sua presença continuou a ser registada na vida administrativa municipal, desempenhando, com maior ou menor notoriedade, as funções que lhe tinham sido outorgadas pela legislação administrativa oitocentista.   Ana Madalena Trigo de Sousa (atualizado a 21.07.2016)

História Política e Institucional

acram - associação cultural e recreativa dos africanos na madeira

A Associação Cultural e Recreativa dos Africanos na Madeira (ACRAM), registada no ano 2001 com a designação oficial de ACRA por iniciativa de quatro imigrantes africanos residentes na Região Autónoma da Madeira (RAM), naturais da Guiné-Bissau e de Angola, é uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo: preservar e divulgar a cultura africana na RAM, e promover a integração dos imigrantes africanos na sociedade madeirense. Este objetivo encontra-se consagrado nos estatutos da Associação: “fomentar, defender a unidade e solidariedade entre membros da comunidade africana residentes na RAM. Promover os valores culturais africanos; contribuir para a integração dos membros da comunidade” (“Associação Cultural…”, JORAM, II, 32, 2005, 9). A ACRAM surgiu num período marcado por grandes obras públicas na Região e pelo desenvolvimento do sector da construção civil: finais do séc. XX e inícios do séc. XXI. Este fenómeno originou o aumento significativo da população imigrante, sobretudo indivíduos do Leste europeu, Brasil e continente africano. Os imigrantes africanos residentes na RAM são provenientes de diversos países, com destaque para o Senegal, a Guiné-Bissau, a Guiné-Conacri, Angola, Moçambique, Cabo-Verde, África do Sul, Egipto, Marrocos e a Tunísia. A organização é reconhecida pelo Governo Regional como sendo, segundo o secretário regional dos Recursos Humanos do Governo Regional da Madeira, Brazão de Castro, “um importante parceiro para a integração na Região dos cidadãos de África, particularmente dos países de língua e expressão portuguesa e tem fomentado de uma forma exemplar o diálogo intercultural” (“Associações Constituem…”, AIPA, 96). As relações institucionais da Associação com o Governo Regional remontam à data da sua criação. A ACRAM também tem estabelecido relações com outras instituições da Região, como sejam as escolas, as juntas de freguesia, os consulados, as câmaras municipais, focalizando sempre a consolidação de esforço dentro de uma perspetiva de proximidade, cidadania plena e responsabilidade social. O relacionamento com os governos dos países de origem é muito esporádico. Verifica-se através das embaixadas e dos consulados, ao nível da solicitação de apoios. A ACRAM privilegia a dimensão cultural nas suas relações com a comunidade e com as instituições, promovendo, em colaboração com o Governo Regional, encontros que incluem mostras gastronómicas, exposições de arte africana e espetáculos musicais, e que têm vindo a ganhar cada vez mais adesão dos madeirenses e de todas as comunidades residentes na Região. A Associação também tem participado na semana intercultural, promovida pelo Centro das Comunidades Madeirenses, na qual se celebram os dias dos povos africanos e das mulheres e crianças africanas, promovendo convívios e fortalecendo laços de solidariedade. Estas atividades visam sempre, por um lado, a promoção do diálogo intercultural e a sensibilização para a multiculturalidade, e, por outro lado, a divulgação da cultura africana, as suas musicalidades, os ritmos, a gastronomia, o artesanato, ou seja, “levar um pouco de África” (MANÉ, com. oral, 2015) à comunidade recetora, como afirmam os dirigentes da organização. Estes eventos também têm por objetivo promover o envolvimento de todos indivíduos da comunidade. A promoção dos direitos das minorias étnicas e das suas identidades culturais faz parte das prioridades de intervenção social da ACRAM. A Associação financia-se através de donativos, da angariação de fundos provenientes de convívios e de apoios financeiros específicos do Alto Comissariado para as Migrações, nomeadamente através do Programa de Apoio ao Associativismo Imigrante (PAAI), e ainda de projetos apoiados pelo Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros (FEINPT). A ACRAM conta ainda com a tradicional contribuição dos associados, que nos seus primeiros 15 anos de existência chegaram a cerca de 150, embora nem todos fossem residentes na Madeira. A ACRAM não teve, nesse período, nenhum tipo de apoio financeiro do Governo Regional da Madeira, exceto parcerias com o centro de emprego da Madeira, que disponibilizou técnicos do emprego através de programas de formação. Ao nível do apoio técnico, o Centro das Comunidades Madeirenses do Governo Regional fornece pareceres no que respeita à dinamização das atividades e aprovação dos projetos. Os associados da ACRAM caracterizam-se fundamentalmente por possuírem uma ligação ao continente africano, sejam descendentes de imigrantes, os próprios imigrantes, ou ainda portugueses que residiram provisoriamente em África por motivos familiares ou laborais. No início do séc. XXI, a ACRAM tem-se empenhado também no sentido de mitigar os efeitos perversos das situações de desemprego na comunidade que representa, pois está na sua génese, enquanto organização, a necessidade de fazer face aos problemas com que esta comunidade se defronta, nomeadamente a legalização destes imigrantes, o seu emprego e a sua habitação condigna. Este esforço insere-se no cumprimento do seu mandato estatutário, granjeando à Associação prestígio e reconhecimento por parte dos membros da comunidade africana, das autoridades madeirenses e, de uma forma geral, da comunidade da Ilha. Nos seus primeiros 15 anos de existência, a Associação desenvolveu ainda um leque variado de serviços de apoio a jovens e crianças com dificuldades cognitivas, atuando na prevenção, no serviço social, no desenvolvimento de atividades como a dança, o teatro, as oficinas de expressões, bem como na realização de torneios desportivos, na organização de eventos, na mediação de conflitos e no desenvolvimento de projetos inovadores na área da integração, como é o caso do espaço das hortas urbanas. A organização interveio também nas situações de doença e morte dos membros da comunidade, procurando acompanhar de perto estes momentos e dando apoio, sobretudo nos contactos com os familiares dos países de origem.   João Adriano Conduto Júnior (atualizado a 19.07.2016)

Madeira Global Sociedade e Comunicação Social