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ogilvie-grant, william robert

William Robert Ogilvie-Grant, ornitólogo britânico, trabalhou no Museu de História Natural de Londres desde 1882 até a sua aposentação em 1918. Realizou numerosas expedições, nomeadamente aos arquipélagos de Socotorá, da Madeira (incluindo as ilhas Selvagens), das Canárias e dos Açores, com a finalidade de melhorar a coleção de aves do Museu e ajudou a organizar e financiar muitas outras viagens. A sua produção científica na área da ornitologia é vasta. Ogilvie-Grant nasceu na Escócia a 25 de março de 1863, estudou no Fettes College em Edimburgo e começou a trabalhar no Museu de História Natural de Londres em 1882. No Museu, incorporou-se como assistente no departamento de zoologia, primeiro na secção de ictiologia e, a partir de 1885, na sala de aves, da qual se tornou responsável em 1909. Em 1913, foi nomeado curador assistente de zoologia, cargo que manteve até à sua aposentação, por motivos de saúde. Entre as várias expedições que efetuou com o objetivo de aumentar a coleção de aves, destacam-se as realizadas aos territórios portugueses, onde visitou as ilhas da Madeira, do Porto Santo e a Deserta Grande em 1890, as ilhas Selvagens em 1895 e os Açores em 1903. Destas explorações resultou a publicação dos seguintes artigos: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890) e “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896), na revista Ibis; “Expedition to the Salvage Islands” (1895), publicado em conjunto com Cecil Baring, na revista Zoologist; e “On the birds of the Azores” (1905), publicado em coautoria com Ernst Hartert, na revista Novitates Zoologicae, contribuindo significativamente para o conhecimento das aves daqueles locais Ogilvie-Grant também viajou até às ilhas Canárias e a Socotorá, e foi o responsável pela organização e o financiamento das explorações ao monte Ruwenzori (Uganda-Congo) e à Nova Guiné Holandesa. Da sua vasta produção científica são especialmente conhecidos os volumes que escreveu para os Catalogue of the Birds in the British Museum e Catalogue of the Eggs in the British Museum, e a sua importante contribuição para o conhecimento das aves de caça. Foi membro do Conselho da Zoological Society e dos comités da British Ornithologists’ Union, da Avicultural Society, British Ornitologists’ Club e da Royal Society for the Protection of Birds, além de ser um dos fundadores da Society for the Promotion of Nature Reserves. Casou-se, em 1890, com Maud Louisa Pechel e teve um filho e três filhas. Morreu em sua casa, perto de Reading, a 26 de julho de 1924. Obras de William Robert Ogilvie-Grant: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890); Catalogue of the Picariae in the Collection of the British Museum (1892); Catalogue of the Game Birds in the Collection of the British Museum (1893); “Expedition to the Salvage Islands” (1895); “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896); Catalogue of the Steganopodes (1898); “On the birds of the Azores” (1905); Catalogue of the Eggs in the British Museum (1912).   Pamela Puppo (atualizado a 15.12.2017)

Biologia Terrestre

júnior, antónio félix pita

Filho de António Félix Pita Júnior e de Maria da Conceição Góis Pita, nasceu a 3 de dezembro de 1895 na freguesia da Sé, concelho do Funchal. Depois de completar o liceu, no Funchal, faz o curso de Medicina, que inicia na Universidade de Coimbra em 1912-13. É mobilizado para a I Grande Guerra sem que tivesse chegado a ser incorporado, facto que o leva a interromper os estudos, retomados em Lisboa assim que é desmobilizado. Casa-se aos 28 anos, a 3 de janeiro de 1925, com Maria da Conceição Ferreira Mesquita Spranger, em cerimónia civil seguida da religiosa na igreja de Santa Maria Maior, no Funchal. Por esta época, reside na avenida Miguel Bombarda, freguesia de São João da Pedreira, Lisboa, continuando a viver na capital após o matrimónio. Tem três filhas e um filho. Desde cedo revelara tendência para a cirurgia, especialização que conclui, tendo trabalhado durante dois anos como assistente livre da Faculdade de Medicina e do Hospital de Santa Maria de Lisboa na equipa do conceituado médico-cirurgião Professor Dr. Custódio Maria de Almeida Cabeça. No retorno à Madeira, instala consultório à rua Carvalho Araújo, n.º 61, 1.º (posterior rua do Aljube), no Funchal. Dedica-se a várias especialidades: “Clínica Geral, Partos, Cirurgia e Operações”, como anuncia no Diário de Notícias (DNM, 27 mar. 1927, 3). Será, nesta qualidade, um dos sócios da Casa de Saúde da Vila Guida, assim como cirurgião do quadro clínico do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, sendo numerosa a sua clientela nesta cidade, segundo afirma o referido periódico na nota biográfica que publica na sequência do seu falecimento. A 8 de abril de 1931, domingo de Páscoa, encontra-se no Palácio de São Lourenço, na qualidade de dirigente do Partido Republicano Nacionalista (PRN), entre outros representantes partidários locais participantes na sublevação política da Madeira contra a Ditadura. Estes são nomeados responsáveis de diversos organismos públicos (Junta Geral, Câmara do Funchal e administradores dos diferentes concelhos), cabendo-lhe, por nomeação do comandante militar da Madeira, general Adalberto Gastão de Sousa Dias, em conjunto com João Maximiano de Abreu Noronha e Carlos Fernandes Correia, a comissão administrativa da Junta Geral do Distrito do Funchal. Os nomeados para esta comissão tomam posse a 6 de abril. No dia seguinte, António Félix Pita é eleito presidente em votação por escrutínio secreto, à qual concorrem duas listas. Esta situação, apesar da resistência exercida pelo regime ditatorial, dura 28 dias, entre 4 de abril e 2 de maio, data em que o movimento é definitivamente controlado. Encontra-se entre os muitos intervenientes políticos envolvidos no movimento retidos no Lazareto, de onde partirão para os seus destinos de deportação, cabendo-lhe, primeiro, a ilha do Sal e, depois, a cidade da Praia, em Cabo Verde, lugar onde está em julho de 1931, quando vão ao seu encontro a sua esposa e filhos. Em Cabo Verde, é chamado a prestar serviço como médico numa urgência de saúde pública relacionada com a debelação de uma epidemia. Em outubro de 1932, o ministro do Interior, em nota abreviada e pouco explicativa registada no seu cadastro da Direção Geral de Segurança, dá “por finda a sua fixação em Cabo Verde”, autorizando-o a regressar à Madeira (ANTT, PIDE/DGS, Serviços Centrais, cadastro 4015, NT 737). Assim, por ter cessado a sua condição de deportado político, regressa ao Funchal acompanhado da sua esposa e filhos, sendo anunciado pelo Diário de Notícias, no dia 26 de novembro, que retomaria na semana seguinte a sua prática clínica. No entanto, a 10 de dezembro, o mesmo matutino faz notícia de primeira página de um “jantar de despedida e homenagem” “ao ilustre clínico”, iniciativa do jornal republicano O Povo, a realizar-se no Savoy Hotel, estando as inscrições abertas na sede daquele periódico, na Fotografia Perestrelos e na Maison Blanche, contando já com um elevado número de inscritos entre os amigos pessoais que dele se querem despedir, uma vez que partiria na terça-feira seguinte para a colónia de Moçambique. O jantar não se realiza “por motivos da vida particular do homenageado” (DN da Madeira, 11 dez. 1932, 1). Parece ficar claro ter sido forçado, pelas condições políticas adversas então existentes, a partir de novo, desta vez para a África Oriental Portuguesa, Lourenço Marques, protegendo-se a si e à sua família com a saída da ilha e distanciando-se da atividade política anterior. Parte para a província de Moçambique a 13 de dezembro, no vapor Kenilworth Castle, por acabar de “ser contratado para a Companhia da Zambézia”, tendo o distinto cirurgião “tanto no cais de embarque como a bordo, uma afetuosa despedida” (DN da Madeira, 14 dez. 1932, 2). Será médico contratado da empresa agroindustrial Sena Sugar Estates Ltd., empresa de capitais privados, essencialmente britânicos, dedicada à produção de açúcar de cana sacarina, para onde é levado pelo amigo Dr. João Sabóia Ramos, que ali se encontrava a trabalhar. Exerce também clínica particular paralelamente aos serviços de cirurgião que presta na missão de São José. Em 1942, com o fim das companhias comerciais, integra-se no quadro de saúde da Companhia de Moçambique e passa ao quadro de província. Exerce cirurgia no hospital da Beira e, depois, no Hospital Miguel Bombarda, em Lourenço Marques, até ao seu falecimento. Em África, viverá duas décadas de realizações, pois parece ter encarado este território como auspicioso. Aí, ao desenvolvimento de uma carreira de prestígio na área da Medicina, associará, no decurso da déc. de 40, nos últimos anos da sua curta mas promissora vida, o mundo empresarial, revelando-se um empreendedor fora da sua área de formação. Funda uma indústria, no espaço empresarial da Matola, que se dedica à moagem do trigo daquela província. Situado a cerca de 10 km de Lourenço Marques, este complexo industrial (fábrica de massas e bolachas de linha e conceito modernos) é construído faseadamente, vindo a incluir um bairro para o pessoal. A Companhia Industrial da Matola comercializará os seus produtos sob a marca Polana e iniciará a sua laboração na comemoração do 28 de maio, no ano de 1952, após o falecimento do seu fundador, conforme concluímos pela informação colhida no Livro de Ouro do Mundo Português – Moçambique, publicação de 1970, de modelo típico do Estado Novo, em edição que reúne alguns dos sucessos empresariais nesta província. As imagens nele incluídas revelam a grandiosidade do complexo fabril que construiu, à entrada do qual é colocado o seu busto, retirando qualquer margem de dúvida sobre a importância deste empreendimento e do seu empreendedor na economia colonial portuguesa. No curto período em que viveu na Madeira, é também professor do 7.º grupo do Liceu do Funchal, lugar de que toma posse a 9 de outubro de 1929. Está ainda ligado ao desporto, dedicando algum do seu tempo à organização associativa, incluindo-se na lista dos presidentes da direção do Club Sport Marítimo, entre 21 de julho de 1927 e 3 maio de 1928. A 26 de fevereiro de 1930, passa a pertencer aos novos corpos gerentes da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Funchal, eleitos em assembleia geral, presidindo à sua direção. As atas desta associação mostram que, apesar de ter tomado posse, deixa de estar presente nas reuniões logo a partir de 19 de janeiro de 1931. Faleceu em Lourenço Marques, a 18 de dezembro de 1951, na sequência de forte comoção resultante da morte de um grande amigo, Augusto Adida de Gouveia, a quem, como médico, não consegue salvar dos efeitos de um violento desastre de automóvel. O seu funeral realizou-se na vila da Ponta do Sol, para onde foi trasladado o seu corpo, a 11 de abril de 1952.   Maria de Fátima Vieira de Abreu (atualizado a 18.12.2017)

Ciências da Saúde Personalidades

jorge, antónio vitorino castro

Dr. António Vitorino Castro Jorge. Foto: Dicionário Corográfico de Câmara de Lobos   Nascido em Santa Maria Maior, no Funchal, em 1913, filho de Luís Jorge e Josefina Antónia de Castro e Jorge, casou-se, em 1944, com Matilde Martins da Silva Castro Jorge; deste casamento nasceram três filhos. Faleceu, com 91 anos, no Estreito da Câmara de Lobos. Depois de ter completado o liceu no Funchal, inscreveu-se no 1.º ano da Faculdade de Ciências de Coimbra, da qual desistiu para tirar Medicina na Universidade de Lisboa, cuja licenciatura foi concluída em 1938. Mobilizado para a Madeira em 1942, como médico da Marinha, pediu, pouco tempo depois, a passagem à vida civil, tendo sido médico municipal de Porto Santo (durante seis meses) e de Câmara de Lobos e Curral das Freiras (de 1944 a 1983), ao mesmo tempo que exercia medicina privada como clínico geral. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e da Sociedade da Língua Portuguesa. Na freguesia do Estreito, desenvolveu, desde 1953, várias iniciativas de alcance popular, como a festa das cerejas, o desfile da freguesia na festa das vindimas no Funchal, a festa dedicada a S.to Isidro, padroeiro dos animais, e a fundação da Casa do Povo. Como político, foi admirador de Salazar, apesar dos defeitos que apontou ao seu regime nas rubricas “Papagaio” e “Giz na Parede”, do Diário da Madeira, antes de 25 de abril de 1974; apresentou-se como candidato à Câmara Municipal de Câmara de Lobos (1976), tendo sido eleito vereador na lista do CDS; foi fundador e primeiro presidente do Partido Democrático do Atlântico (PDA), em 1978, e diretor do semanário Zarco, órgão oficial deste partido, fundado em 1984; foi mandatário da lista de cidadãos pela desanexação de Jardim da Serra da freguesia do Estreito, em 1993, e mandatário da lista do PS à Câmara de Lobos em 1997. Como jornalista, foi proprietário e diretor do Diário da Madeira (1961-1982), após ter exercido as funções de diretor do Eco do Funchal (1959-1961). Os artigos “Com Quem Vivemos”, “Na Madeira Vitória da Social-Democracia, uma Razão para a Independência” e a carta aparecida na secção “Correio da Madeira”, publicados no Diário da Madeira, valeram-lhe a prisão política, em Caxias, a 15 de maio de 1975, ordenada pelo brigadeiro Carlos Azeredo, governador civil na Madeira, sob a acusação de independentista. Foi também presidente da Associação Política do Arquipélago da Madeira (APAM). Publicou uma brochura sobre Salazar no centenário do seu nascimento (1989), e o livro Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo. Obras de António Vitorino Castro Jorge: Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo.     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.04.2018)

Ciências da Saúde Personalidades

jersey

Nome de uma ilha situada no canal da Mancha, ao largo da costa da Normandia, que, junto com Guernsey, forma o arquipélago das ilhas do Canal, uma dependência da Coroa britânica que não faz parte do Reino Unido. Estas ilhas foram propriedade do duque da Normandia, tendo passado para a Coroa inglesa, quando William, o Conquistador, se tornou Rei da Inglaterra, em 1066, sendo que os habitantes das ilhas do Canal são cidadãos britânicos. Apesar de, no ano de 1204, a Inglaterra ter perdido a Normandia – a parte continental –, as ilhas permaneceram na posse da Inglaterra. Entre 1940 e 1945, foram ocupadas pela Alemanha. As ilhas têm como línguas oficiais o inglês e o francês. As ilhas foram divididas em bailiados, regidos por parlamentos eleitos, chamados Estados. Estas assembleias aprovam a sua própria legislação, com o consentimento da Coroa (responsável pela defesa, representação diplomática e de cidadania). Apesar de não fazerem parte da União Europeia, estas ilhas estão sujeitas a uma união aduaneira. O território de Jersey, a ilha maior, tem uma área de 116 km2 e é governado por representantes do Governo britânico, os baillifs. São juízes máximos da justiça nomeados pela Coroa e presidem o Parlamento dos Estados. Entre o séc. XX e começos do séc. XXI, os poderes destes representantes começaram a transferir-se para os Estados, adotando-se um sistema ministerial e a nomeação de ministros-chefe em 2005. De acordo com estudos realizados, e tendo como base o censo de 2011, a população residente em Jersey foi estimada em 97.857 pessoas, 34 % das quais na cidade de Saint Helier. Uma análise aos dados disponíveis permite concluir que apenas metade da população terá nascido na ilha, sendo a restante população migrante. Desta, 7 % é portuguesa, nomeadamente madeirense, num total, para o ano de 2011 (data do último censo), de 7031 pessoas. Estes números explicam o facto de o português ser uma língua comummente escutada na ilha, em particular na capital, onde se encontra em avisos, afixados sobretudo nas cabines telefónicas. Devido à emigração, Jersey está, então, ligada à Madeira de modo especial, não obstante haver registos de trocas comerciais entre os dois espaços insulares. Daquela ilha britânica, chegava o trigo e a farinha, fundamentais para a alimentação, como prova uma ordem de António Noronha, datada de junho de 1823, e dirigida ao guarda-mor João António Gouveia Rego, para dar entrada ao bergantim inglês Comet, apesar de não trazer a carta da saúde referendada pelo consulado, alegando como principal motivo o facto de os cereais serem um produto de primeira necessidade; o mesmo aconteceu com a chalupa inglesa Thane, em agosto de 1823, proveniente daquela ilha britânica, e carregada com farinha. Há muito tempo que Jersey é procurada por madeirenses, que ali encontram possibilidades de trabalho. Embora houvesse alguns Portugueses na ilha na primeira metade do séc. XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou nos anos 40 do séc. XX, com a chegada de madeirenses para trabalhar na agricultura, nas fábricas e no sector doméstico. Os primeiros dados sobre a presença madeirense nesta ilha remontam ao ano de 1934, mas é efetivamente nos anos 40 que a emigração insular começa a ganhar maior expressão. Ao proceder à análise do fenómeno económico e social da emigração do arquipélago da Madeira, Agostinho Cardoso situa em 1952 a alteração do paradigma da emigração de madeirenses para Jersey: “Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha” (CARDOSO, 1968, 16). Aproveitando a sazonalidade que caracterizava o turismo da Madeira (sendo o inverno especialmente importante), os madeirenses empregados na hotelaria deslocavam-se, durante o verão, para as ilhas do Canal, nomeadamente para Jersey, para o mesmo sector. Em 1961, existiam cerca de 500 Portugueses na ilha, não se sabendo, ao certo, quantos destes seriam madeirenses. As oportunidades de trabalho dos madeirenses foram muito condicionadas pela falta de conhecimentos de inglês, pelo que os empregos eram pouco qualificados – na construção civil, em cozinhas de hotéis, em serviços de hotelaria e de limpeza, em restauração e bar. Por outro lado, a primeira geração de Portugueses fixou-se numa área muito afastada da capital, o que não facilitou a aprendizagem do inglês, na medida em que se abriam lojas portuguesas, cafés portugueses, clubes sociais de Portugueses, o que lhes permitia continuar a comunicar na sua língua materna (algo que, por outro lado, facilitou a sua integração). Em 1971, por iniciativa de um madeirense, Luís Vieira, surge o Jersey Portuguese Football Club, um pequeno bastião de Portugal naquela ilha britânica. O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, foi aí celebrado, pela primeira vez, em 1980. Por outro lado, houve um manifesto esforço para integrar, o melhor possível, estes imigrantes, oferecendo-lhes aulas de inglês e disponibilizando tradutores, de forma a facilitar-lhes o acesso aos serviços sociais. O sector da agricultura só começou a recrutar trabalhadores estrangeiros nos anos 70. Um historial da emigração da Região Autónoma da Madeira, publicado pelo Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, dá indicação da existência de 1800 madeirenses em Jersey, em 1972, número que se manteve inalterado até ao censo de 1981, e que triplicou no de 1991. A emigração organizada para a região autónoma de Jersey terá tido o seu início em 1978. Nesse ano, terão saído da Madeira 12 pessoas rumo a Jersey, sendo que, em 1980, esse número já ultrapassava as 500, tendo duplicado em 1990, em que 1000 madeirenses trabalhavam na agricultura daquela ilha do Canal. A crescente procura deste destino por parte das gentes da Madeira e do Porto Santo era clara nas percentagens reveladas pelos recenseamentos: em 1981, 3 % dos imigrantes são madeirenses; em 1991, 4 %; em 2001, 6 %; e 7 % em 2011. Em 1998, foi assinado um acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, que potenciou as relações económicas, ambientais e culturais entre as duas ilhas, conforme um discurso proferido pelo baillif no Dia da Madeira de 2010, o primeiro ano em que aquele foi assinalado em Jersey: “The Friendship Agreement signed between Jersey and Madeira in May 1998 committed the Governments of both Islands to promote mutual respect for the different cultural traditions of the two Islands and their peoples” [“O acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, assinado em maio de 1998, empenha os Governos de ambas as ilhas na promoção do respeito mútuo pelas diferentes tradições culturais das duas culturas e respetivos povos”] (“Speech for Madeira Day”). De registar a ajuda de Jersey à Madeira, aquando da aluvião de 20 de fevereiro de 2010: “An indication of the close relations between Madeira and Jersey can be seen in the events following the terrible floods in Madeira in February of this year in which 40 people lost their lives and a great number lost their homes. The response from the community in Jersey was immediate and generous and I commend all those who participated in those fund raising activities or contributed financially” [“A estreita ligação entre a Madeira e Jersey ficou demonstrada na sequência das terríveis inundações que tiveram lugar na Madeira em fevereiro deste ano, durante as quais cerca de 40 pessoas perderam a vida e muitos ficaram desalojados. A resposta da comunidade de Jersey foi imediata e generosa e foram muitos os que participaram na angariação de fundos assim como nas ofertas monetárias”] (Ibid.). Nos começos do séc. XXI, os madeirenses estavam integrados na sociedade de Jersey, trabalhando sobretudo nas áreas da hotelaria e da restauração, se bem que, nesta fase migratória, muitos jovens desempenhassem outras funções, designadamente em repartições públicas, em hospitais (e.g., na enfermagem), assim como na praça financeira e zona franca fiscal [offshore], um dos aspetos mais importantes da economia de Jersey. Por outro lado, foi realizada nesta altura uma missão empresarial entre as duas regiões autónomas, que resultou no aumento das exportações de bebidas e de produtos hortofrutícolas da Madeira para Jersey (banana, anona, pera abacate, inhame e maracujá, entre outros). À distância de 02.45 h de avião, Jersey continuava a ser, nos começos do séc. XXI, um dos destinos europeus mais importantes para a mobilidade madeirense, o que facilita as trocas comerciais entre os dois espaços insulares e garante trabalho e estabilidade.   Graça Alves (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

hartwig, waldemar

Professor e ornitólogo, Waldemar Hartwig nasceu em Oderbruch, na Alemanha, em 1851, e faleceu em Berlim a 15 de junho de 1901. Filho de um pequeno agricultor, casou-se com Bertha Goodier, falecida em 1902. Em 1876, ingressa nos quadros da Sophienschule, de Berlim, uma escola fundada a 24 de abril daquele ano, como professor do 5.º ano, das disciplinas de Matemática, Alemão, Ciências Naturais e História Natural. Mais tarde, em 1898, é promovido ao cargo de professor superior. Em 1901, acaba por abandonar a carreira docente, devido a problemas de saúde. No ano de 1885, sofreu um acidente, ao cair de um carro elétrico, que lhe causou um traumatismo cerebral que o deixou com disfasia parcial. Em 1886, procura a Madeira, onde passa uma temporada, com o intuito de recuperar do acidente. Chega à Ilha no dia 12 de janeiro e permanece até 11 de fevereiro. Entretanto, desloca-se até às ilhas Canárias, para explorar a vida das aves, regressando pouco tempo depois à Madeira, onde permanece de 14 de março a 20 de abril, voltando a seguir para o continente europeu. Durante as duas estadias na Madeira, no ano de 1886, dedica-se também ao estudo das aves. Ainda nesse ano, e nos anos seguintes, o ornitólogo divulga pela comunidade científica alemã, em publicações periódicas dedicadas à biodiversidade, uma série de artigos acerca das suas investigações em terras madeirenses. Em 1893, desiste da ornitologia e envolve-se no estudo dos cladóceros (pequenos crustáceos, geralmente designados pelo nome comum de pulgas-de-água). Das suas publicações acerca das espécies de aves madeirenses, destacam-se diversos estudos em jornais e revistas da especialidade, nomeadamente, “Die Vögel Madeiras”, no Journal für Ornithologie: Deutsches Centalorgan für die gesammte Ornithologie; “Die Vögel der Madeira-Inselgruppe”, na Ornis. Internationale Zeitschrift für die gesammte Ornithologie; “Von der Madeira-Inselgruppe”, na Zeitschrift für Oologie; “Die Brutvögel Madeiras”, na Zeitschrift für Oologie; “Die Brillengrasmücke (Sylvia conspicillata): Brutvögel auf Madeira”, na Zeitschrift für Oologie; “Etwas über das Brutgeschaft einiger Madeira-Vögel”, na Zeitschrift für Oologie; “Nachtrag zu meinen beiden Arbeiten über die Vögel Madeiras”, no Journal für Ornithologie: Deutsches Centalorgan für die gesammte Ornithologie; “Die Puffinen Madeiras”, no Ornithologische Monatsberichte; “Zwei für Madeira neue Vögel”, no Ornithologische Monatsberichte; “Notiz über Charadrius alexandrinus von Porto Santo”, no Ornithologische Monatsberichte; e “Madeira Vögel”, no Ornithologische Monatsberichte. Obras de Waldemar Hartwig: “Die Vögel Madeiras” (1886); “Die Vögel der Madeira-Inselgruppe” (1891); “Von der Madeira-Inselgruppe” (1891); “Die Brutvögel Madeiras” (1891); “Die Brillengrasmücke (Sylvia conspicillata): Brutvögel auf Madeira” (1892); “Etwas über das Brutgeschaft einiger Madeira-Vögel” (1892); “Nachtrag zu meinen beiden Arbeiten über die Vögel Madeiras” (1893); “Die Puffinen Madeiras” (1893); “Zwei für Madeira neue Vögel” (1893); “Notiz über Charadrius alexandrinus von Porto Santo” (1894); e “Madeira Vögel” (1894).   Sílvia Gomes (atualizado a 30.12.2017)

Biologia Terrestre

remates de telhado

Uma das originalidades da arquitetura popular madeirense são os remates de telhado, colocados nos extremos dos beirais, que aparecem, por exemplo, com cabeças de menino e de senhora, pombas, bem como outros animais, folhas de acanto, naturalistas e estilizadas, numa diversidade francamente interessante e quase única no contexto nacional. Não temos referências sobre a sua origem, sendo sempre evasivas as respostas dadas pelos mais antigos proprietários, que se refugiam no costume e pouco mais. Nenhum deles conseguiu, pois, explicar por que se optou por este ou aquele modelo e não por outro, não tendo, em princípio, a mínima ideia de qualquer significado que possam ter estes elementos. Cabeça de menino. Foto: BF As construções urbanas e mais abastadas apresentam remates congéneres da arquitetura portuguesa e internacional divulgada nos finais do séc. XIX, com recurso a platibandas rematadas com urnas, algumas de faiança das fábricas do norte de Portugal, provavelmente de Vila Nova de Gaia. Já muito raras são as figuras alegóricas, igualmente em faiança, que proliferaram também a partir dos finais desse século como remates de fachada, sendo quase todas entretanto apeadas, tal como as decorações de algumas fachadas com azulejos arte nova, que vão igualmente rareando. Se alguns remates centrais de telhado em forma de agulha são semelhantes aos vigentes no continente, os figurativos que rematam os beirais na arquitetura popular madeirense afastam-se, no entanto, totalmente dos congéneres continentais, constituindo uma marca e uma presença profundamente originais que teima em sobreviver. A configuração destes remates de telhado que conhecemos na Madeira não é, em princípio, muito antiga, pois que a cobertura por telha com beiral não deve ser anterior aos meados do séc. XVIII. Na pouca iconografia que conhecemos, quase toda de caráter senhorial ou militar, as coberturas de telha são interiores às empenas, fazendo convergir as águas sempre para caleiras igualmente interiores e saindo as mesmas por gárgulas na divisão dos telhados, quase sempre múltiplos. Acresce que, até meados e finais do séc. XIX, a arquitetura popular e tradicional madeirense manteve-se com coberturas de colmo, sendo raras as coberturas de telha. Nas descrições dos muitos viajantes estrangeiros que passaram pela Madeira, em princípio mais sensíveis às especificidades locais que os naturais, não lhes é feita qualquer referência aos remates, pelo que, a existirem, não teriam, por certo, a exuberância que lhes conhecemos hoje. A atenta inglesa Isabella de França (1795-1880), no Journal da sua visita à Madeira, em 1853, dedica duas linhas à arquitetura popular, dizendo apenas que, nas habitações mais modestas, “as telhas estão seguras com pedras, de forma que o vento as não leve, e rematam-se no topo com uma panela de barro invertido” (FRANÇA, 1970, 65). A utilização destas marcas ou sinais, no entanto, tem de ser muito antiga e de se encontrar profundamente enraizada no sentir e viver populares para ter tido, nos inícios do séc. XX, a espantosa e invulgar popularidade com que chegou até nós. Sendo já pontual nos Açores – em alguns casos, por recente importação da Madeira, como na Caloura, na ilha de S. Miguel –, reduz-se, no território continental, a uma outra estilização mais erudita e cosmopolita do que a existente nas áreas periurbanas e rurais madeirenses. Aliás, também na área periurbana do Funchal e nas habitações mais abastadas, a opção vai para a aplicação de elementos mais estilizados e menos figurativos, como folhas de acanto e concheados. Este costume perdeu-se quase por completo nos Açores, sendo, no entanto, referido por vários investigadores, como Luís Bernardo Leite de Ataíde, Alfredo Bensaúde e Ernesto Ferreira, que associam essas antigas representações às festividades do Espírito Santo, embora admitindo o seu cariz arcaico e fálico. Efetivamente, até o termo “pomba” ou mesmo “pombinha” têm em ambos os arquipélagos fortes ressonâncias sexuais, sendo, tanto nos Açores como na Madeira, fortemente inibitórios. De resto, a pombinha do Espírito Santo, tão celebrada pelos foliões, representa sempre a proteção e é celebrada como símbolo da abundância e da fecundidade, não espantando o seu aparecimento emblemático nas habitações, como elemento zelador da família no campo da saúde, bem-estar e alegria do lar. Pombo. Foto: BF A grande diferença dos remates madeirenses é a sua associação às cabeças de menino, mas também a cabeças femininas, mais requintadas e com elementos específicos de abastança, como brincos e colares. Parece, assim, estar-se na presença, não só de símbolos de virilidade, fertilidade e abundância, como seriam as pombas evocativas do Espírito Santo, que a Igreja Católica reservou como instrumento divino de Encarnação da Virgem, como da felicidade imediata do casal, como seriam as cabeças de menino, alusivas aos filhos que geraram. A generalização do costume dos remates de telhado em forma de pomba levou, no entanto, à sua utilização em outras habitações, como na residência paroquial de S. Pedro do Funchal, um dos poucos exemplares verdadeiramente artesanais localizados em plena cidade e obtidos pela modelação de argamassa e telha recortada. A enorme divulgação dos remates de teto figurativos na Madeira parece estar associada ao surto de construção ocorrido entre os finais do séc. XIX e os inícios do XX, que surgiu na sequência da divulgação da telha Marselha e adveio do poder económico dos emigrantes de “torna-viagem” (Emigração), especialmente de Demerara, daí a designação “demeraristas” dada às suas habitações (Arquitetura). Deve datar dessa época a encomenda massiva às antigas olarias madeirenses dos remates e a sua execução em barro então cozido por moldes, embora também apareçam exemplares em fibrocimento. Existem cerca de meia dúzia de variantes das pombinhas, em repouso ou com asas levantadas, sendo inclusivamente utilizadas como remates e decoração das asnas superiores dos tetos, que parecem já apontar, por vezes, para um gosto orientalizante ou orientalista, dito “chinoiserie”. A utilização destes remates é, aliás, muito comum na arquitetura chinesa, tendo influenciado decidamente alguns exemplares madeirenses mais eruditos, como os dragões chineses que ainda subsistem numa habitação abastada do sítio do Trapiche, na freguesia de Santo António do Funchal, onde as telhas de divisão das águas se apresentam decoradas no dorso com elementos lanceolados, e que também existiram numa outra habitação da freguesia do Monte, junto do cemitério, que foi já demolida. A imaginação popular, entretanto, foi criando outras variantes, como papagaios, muito divulgados, alguns tipos de cabeças de cão, gatos em meia figura – que surgem no centro de Machico ligadas às datas de 1924 e 1932 – e galos, sendo estas duas últimas figuras algo raras. Relativamente às figuras de cão, deve registar-se alguma influência inglesa, uma das matrizes de referência da cultura madeirense dos finais do séc. XIX, pois que o modelo que se tipificou foi o do buldogue, e não o dos normais cães de guarda portugueses. As variantes das folhas de acanto também são várias, podendo aparecer colocadas na vertical ou inclinadas e simplificadas para pequenos elementos lanceolados ou pela aplicação de simples pontas obtidas pelo recorte de telhas. Divulgaram-se igualmente elementos inspirados em concheados, conhecidos como “patas de leão”, que, dada a extinção das olarias na RAM, passaram a ser comercializados por olarias continentais. Os novos modelos da arquitetura e da construção civil já não contemplam a aplicação destas antigas marcas ancestrais e o encerramento das olarias madeirenses, na última década do séc. XX, decretou o fim desta ancestral tradição.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

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