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Fig. 1 – Jacinto de Sousa.   Meteorologista, Comendador e Lente na Universidade de Coimbra, nasceu no Funchal, a 3 de janeiro de 1818, e morreu em Coimbra, a 15 de agosto de 1880. Doutorou-se em Filosofia, a 6 de janeiro de 1858, na Universidade de Coimbra. Destacou-se desde cedo por possuir não só os graus de bacharel (10/06/1848) e Licenciado (18/12/1857) em Filosofia, mas também o grau de Bacharel em Matemática (26/07/1850) e em Direito (10/06/1854). Durante a sua formação, encarregou-se da educação científica e literária dos filhos do Duque de Palmela. O contributo relevante de Jacinto António de Sousa está, indelevelmente, associado à Física, em especial à Meteorologia e ao Magnetismo Terrestre. Ao serviço da Universidade de Coimbra, ministrou as seguintes cadeiras: Mineralogia (1857-1858), Física (1858-1859) e Química Inorgânica (1858-1859), como substituto extraordinário; Física (1859-1860), Química Inorgânica (1859- l 864), Química Física (1860-1861) e Física Experimental (1861-1864), como substituto; e Física Experimental (1864-1880), enquanto lente. É nomeado (13/06/1860) para participar na comissão enviada pelo Governo português a Espanha para observar o eclipse total do Sol de 18 de Julho desse mesmo ano (no Cabo de Oropesa). Cumprida esta tarefa, seguiu viagem para a Europa, tendo visitado os mais notáveis estabelecimentos científicos de Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, sobretudo os observatórios magnéticos e meteorológicos. Desta viagem resultou a seguinte publicação: Relatório duma visita aos estabelecimentos científicos de Madrid, Paris, Bruxelas, Londres, Greenwich e Kew. Este texto é um contributo fundamental para a empresa de dotar a Universidade de Coimbra de um Observatório Meteorológico e Magnético. A existência deste laboratório ficara dependente do claro empenho de Jacinto de Sousa, dos contributos recolhidos na viagem científica que empreendeu e do apoio e compreensão de El-Rei. Dadas as circunstâncias, adversas à criação, em Coimbra, de um Observatório que permitisse resultados confiáveis e úteis à ciência, a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra recorre ao auxílio do Governo de Sua Majestade, El-Rei D. Pedro V (1837-1861). Este pedido teve a melhor recetividade por parte de Sua Majestade, pois apenas três meses depois Jacinto de Sousa (então diretor do Gabinete de Física) foi autorizado a empreender aquela viagem aos estabelecimentos científicos europeus a fim de encontrar um modelo adequado para a construção do futuro Observatório. Encontrou em Kew o modelo para o novo Observatório por ele tão desejado e contou com o entusiasmo dos ilustres geofísicos: Edward Sabine (1788-1883) e Balfour Stewart (1828-1887). Jacinto de Sousa acompanhou a construção do Observatório desde a encomenda dos instrumentos, em Inglaterra, aos demais aspetos técnicos que esta empresa exigiu. Dirigiu aquela instituição desde 1862, aquando da sua construção, e nesse cargo se manteve até 1880. Tornou possíveis as primeiras observações meteorológicas diárias em Coimbra (desde 1864) e determinações do Magnetismo Terrestre (desde 1866). A ausência de pessoal competente para executar as observações impôs-lhe um esforço hercúleo, pois apenas ele e um observador asseguravam todo o serviço, que incluía observações em três horários, entre as seis da manhã e a meia-noite. A sua dedicação conduziu-o à edificação de uma casa junto do Observatório (na Cumeada) para assegurar eficazmente os trabalhos. Em 1874, aquando da celebração do tricentenário da Universidade de Leida (Holanda), Jacinto de Sousa é nomeado para fazer parte da representação da Universidade de Coimbra naquela instituição. Desta viagem resultou uma publicação, em conjunto com Augusto Filipe Simões: O Tricentenário da Universidade de Leida. Relatório Dirigido ao Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Vila Maior, Reitor da Universidade de Coimbra. Publicou ainda: Observações Meteorológicas Feitas no Observatório Meteorológico e Magnético da Universidade de Coimbra, 1870-1871. Seguiram-se-lhe Observações Meteorológicas 1871-1872 e Aditamento à Memória Histórica da Faculdade de Filosofia. Colaborou na revista Instituto, entre outras publicações nacionais e estrangeiras. Comendador da Ordem de Cristo e da Ordem do Império do Brasil, morreu na casa que edificou junto do projecto que o inspirou a superar-se, pois dedicou a toda a sua inteligência e agilidade ao Observatório de Coimbra. Obras de Jacinto António de Sousa: Relatório duma visita aos estabelecimentos científicos de Madrid, Paris, Bruxelas, Londres, Greenwich e Kew (1862); O Tricentenário da Universidade de Leida. Relatório Dirigido ao Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Vila Maior, Reitor da Universidade de Coimbra. Publicou ainda: Observações Meteorológicas Feitas no Observatório Meteorológico e Magnético da Universidade de Coimbra, 1870-1871 (1872); Observações Meteorológicas 1871-1872 (1873); Aditamento à Memória Histórica da Faculdade de Filosofia (1873).   Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 10.02.2017)

Física, Química e Engenharia Personalidades

pronunciamento militar na madeira

Os problemas económicos de Portugal foram uma constante ao longo da sua história. A Madeira foi, desde o seu povoamento até 1470, excedentária na produção de trigo; a partir de então foi sempre carenciada, assistindo a uma sucessão de intermitências no abastecimento e fomes cíclicas. Tal ficou a dever-se, em parte, à opção pela produção açucareira. Nos finais do séc. XIX, surgiram tendências monopolistas, que persistiram e se tornaram a matriz da economia madeirense durante as primeiras sete décadas do século XX. O descontentamento manifestou-se com a “questão sacarina”, agravou-se nas décs. de 1920 e seguinte, abrangendo outros sectores fundamentais como o moageiro e os laticínios, mas foi na bancarrota das casas bancárias funchalenses que se deram as situações mais graves. A denominada Revolta da Farinha, que teve lugar na Madeira entre 4 e 9 de fevereiro de 1931, foi uma revolta espontânea de cariz popular contra o decreto n.º 19.273, de 29 jan. 1931, o chamado “decreto da fome”, que restringia a importação do trigo a três moageiros, fazendo aumentar o preço do trigo importado. Na sequência deste protesto, os militares exilados no Funchal convenceram o gen. Sousa Dias (o mais graduado) a liderar o movimento que fora iniciado a 4 de abril desse ano com a tomada do Palácio de São Lourenço. Cerca de 2000 efetivos dos aquartelamentos do Funchal aderiram ao movimento, resistindo até à rendição, a 2 de maio seguinte, principalmente por inferioridade numérica e de qualidade de armamento. Trata-se, portanto, de duas ações com origem e motivações distintas, ligadas entre si pelo facto de os chefes do movimento militar terem aproveitado a revolta popular para mobilizar uma parte significativa dos praças madeirenses no ativo, contando simultaneamente com o apoio da população. O que se passou em 1931 está quase sempre envolto em confusa e fantasiosa interpretação, gerada fundamentalmente pela memória popular. O trabalho dos historiadores consistiu em complementar a oralidade recorrendo à imprensa e à documentação coeva. Maria Elisa Brasão e Maria Manuela Abreu observam, nos prefácios às duas edições do seu A Revolta da Madeira – 1931, que se tratou de “um dos acontecimentos notáveis da nossa História, até há bem pouco tempo credor de atenções reduzidas por parte dos nossos historiadores, mas largamente utilizado, sem a fundamentação devida, como bandeira de algumas correntes de opinião” (BRAZÃO e ABREU, 1994, 6); e também que é sua intenção repor a verdade histórica “deste movimento de oposição à Ditadura instalada em Portugal, que teve como cenário principal a ilha da Madeira” (BRAZÃO e ABREU, 2008, 15). Por sua vez, em A Revolta da Madeira, alimentando a tradição oral, João Soares explana sucintamente o desenvolvimento de duas manifestações populares que tiveram lugar na Madeira do séc. XIX, que distingue do que aconteceu na década de 1930. “A Revolta da Farinha, em 1931, e a Revolta do Leite, em 1936, são manifestações contra o regime de Salazar e só ocorrem na Madeira. […] A Revolta da Farinha […] não é propriamente a causa da revolta da Madeira de 1931 [ou seja, o Pronunciamento Militar da Madeira], mas surge como representando uma fase introdutória deste movimento” (MARQUES DA SILVA, 2014, 45). Nesta perspetiva, “esta foi, aliás, entre todas as revoltas contra a ditadura a que teve mais impacto nacional e internacional. […] A sua proximidade com a da farinha, de 6 de fevereiro do mesmo ano, é geradora de confusões. Na verdade estamos perante dois acontecimentos distintos. Em fevereiro, ocorreu a revolta popular e espontânea dos madeirenses contra o decreto regulamentador do sistema de moagens que […] pretendia estabelecer o monopólio no sector” (VIEIRA, 2001, 357). Por outro lado, logo no dia 4 de abril, Manuel Gregório Pestana Júnior falou largamente aos madeirenses, no Palácio de São Lourenço, sobre os objetivos do pronunciamento militar, gerando o primeiro título de jornal sobre este acontecimento: “No Funchal – Pronunciamento Militar” (DN, Funchal, 5 abr. 1931, 1). Noutro discurso, largamente transcrito, o preletor, Com. Sebastião da Costa, esclareceu os objetivos do pronunciamento militar e argumentou com a vivência democrática e republicana dos seus líderes, observando que o Gen. Sousa Dias e as pessoas que os acompanhavam “são mais, o mais sinceramente, contrárias ao regresso a uma vida política da República semelhante àquela que é costume representar pela palavra políticos, e que incarna nos homens que dirigiam os destinos da nação à data de 28 de Maio” (DNM, 8 abr. 1931, 3). Esta ideia – de que o movimento se baseava na legalidade democrática e desmascarava a impostura do golpe de 28 de Maio de 1926 – é propagandeada nos comunicados distribuídos à população e nos que saíram na imprensa funchalense. A perspetiva pode mesmo alargar-se, pois este movimento local, ou até insular, envolveria, segundo alguns historiadores, “os políticos radicais de Portugal, de Espanha, da França e da Itália, tendo relações com os socialistas e anarquistas desses países e com os bolchevistas de Moscovo, planearam transformações especiais na Ibéria” (BRAZÃO e ABREU, 2008, 71). No entanto, à parte as iniciativas militares que eclodiram em duas ilhas açorianas e na Guiné – nesta de pouca expressão ou efeito –, a planificação falhou no conjunto nacional. Houve mesmo um pormenor, importante para as expetativas dos elementos da Junta Revolucionária da Madeira, que falhou: a receção de um lote de armas mais modernas que as utilizadas por eles, que não embarcou no vapor Pero de Alenquer, da Companhia dos Carregadores Açoreanos, como estava previsto. Voltando à denominada Revolução da Farinha, recorde-se que se trata de um movimento espontâneo e de cariz popular. Nesse contexto, a sequência dos factos e da legislação aprovada permite aventar que as medidas tomadas não foram obra do acaso. Com efeito, o dec. n.º 18.325, publicado a 14 de maio de 1930, estabeleceu “o direito a cobrar pelo trigo e pela farinha importados pelo distrito da Horta, referente ao atual ano cerealífero” e teve repercussões na Madeira. Nesta perspetiva, uma proeminente figura política opinou que “ambos os regimes são absurdos, porque protegem o trabalho da farinação no estrangeiro. Mas o segundo ainda é mais que o primeiro […] continuar o absurdo da importação das farinhas, é evidente que pelo menos o regime fiscal da Horta e do Funchal devem ser idênticos, lucrando o tesouro alguns milhares de contos” (SOUSA, 1989, 213). Na sequência do referido absurdo de importação das farinhas, foi publicado o dec. n.º 19.273, de 22 jan. 1931, com o argumento de que no Funchal as fábricas de capitais nacionais estavam bem apetrechadas e para “que o Estado e o consumidor não continuem a ser prejudicados nos seus justos interesses”; o decreto foi publicado “para valer como lei, o seguinte: Art. 1.º É livre a importação de trigo no distrito do Funchal. § único. O direito que deve ser pago pelo trigo a importar no corrente ano cerealífero é fixado em $25 por quilograma. Art. 2.º Não é permitida a importação de farinhas exóticas no distrito do Funchal enquanto a indústria nacional as possa fornecer de seu fabrico ao preço e nas condições do presente decreto. A farinha nacional importada no distrito do Funchal pagará o direito de $21 por quilograma”. Este decreto fez aumentar em dois centavos ao preço praticado na cidade da Horta, o que exaltou ainda mais os ânimos, provocando um movimento de solidariedade que envolveu organizações, associações e responsáveis políticos, que reagiram uniformemente no sentido de pedir a revogação do mesmo, porque lesava a economia local e os madeirenses. Com este propósito, a imprensa local publicou uma pequena notícia de discordância da situação criada pelo decreto, porque “há ainda a considerar que estas medidas são publicadas precisamente num momento em que se acentua a baixa do preço do trigo e das farinhas, o que evidentemente daria lugar, em breve, a uma sensível descida no preço do pão, diminuindo, portanto, as terríveis dificuldades com que luta toda a população da Madeira” (O Jornal, 29 jan. 1931, 1). O Gov. José Maria de Freitas prometera a sua intervenção junto do Governo de Lisboa, mas a publicação do referido decreto fez com que a população considerasse que nada fizera. Em consequência deste desinteresse e da indignação popular, foi convocada uma greve para o dia 4 de fevereiro de 1931. Temendo a reação popular, a gerência da Companhia Insular de Moinhos, Limitada anunciou por comunicado que “não pode ser responsabilizada – com ele [o dec. n.º 19.273] não concordando – no que se refere á proibição de importação de farinhas exóticas, montagem de novas moagens, proibição de montagem de novas padarias” (DNM, 4 fev. 1931, 2). A despeito deste anúncio, as instalações desta companhia foram danificadas a 6 de fevereiro de 1931 e, nesse dia, os estivadores do porto do Funchal deram início à greve anunciada. Simultaneamente, houve manifestações de desagrado na cidade até o dia 9 de fevereiro desse ano, que provocaram cinco mortos e vários feridos. O controlo desta situação escapou às autoridades, dado que a polícia não foi capaz de manter a ordem sem a ajuda do exército, tendo alguns militares confraternizado com a população revoltada. Para tentar repor a ordem, saiu de Lisboa a Companhia de Caçadores n.º 5, comandada pelo Cor. Silva Leal, que, como delegado especial do Governo, levava com poderes discricionários. Em reação a esta decisão, um grupo de oficiais colocados em serviço nos aquartelamentos do Funchal e alguns deportados decidiram levar a cabo um Pronunciamento Militar. Da Junta Revolucionária faziam parte o cap. Carlos Vilhena (madeirense), o Ten. Ferreira Camões, o Alf. Hasse Ferreira, o Cor. Fernando Freiria, o Gen. Sousa Dias, o Maj. Bragança Parreira, o Cor. Mendes dos Reis, o Cap. Filipe de Sousa, o Cap. Augusto Casimiro e o Com. Sebastião Costa. No dia 4 de abril de 1931, resolveram entregar o comando militar ao Gen. Sousa Dias que, por sua vez, nomeou chefe de Estado-Maior o cor. Fernando Freiria, entregando ao Cor. Mendes dos Reis o comando das forças militares da Madeira. O Ten. Camões era o delegado dos oficiais da guarnição que fizeram o movimento junto do comando militar. No dia seguinte, o Maj. Carlos Bragança Parreira, em nome do comandante militar das forças, intimou todos os militares residentes na Madeira a apresentarem-se naquele comando até às 15.00 h do dia 6 de abril. No dia 6 de Abril, o gabinete civil do Comando Militar da Madeira requisitou as oficinas e as instalações de O Jornal, “sem direito a qualquer indemnização, a fim de ser nelas redigido e composto um jornal republicano”. No dia seguinte, o cônsul dos EUA no Funchal ofereceu “os seus serviços como medianeiro para o caso de prováveis lutas” (SOARES, 1979, 61). Depois de impor quatro condições, acreditando na mediação neutral do cônsul, o general Sousa Dias aceitou a proposta, “com o fim de poupar a vida e as propriedades dos estrangeiros e nacionais residentes na Madeira” (Id., Ibid., 62). No dia 8 de abril de 1931, o Cor. Fernando Freiria informou a população, através de comunicado que havia fundeado na baía do Funchal, pelas 10.40 h, o cruzador inglês London. O objetivo deste comunicado foi serenar a população madeirense sobre “as nobres intenções que determinaram o Governo inglês, segundo o costume internacional, a enviar um vaso de guerra às águas da Madeira” (Id., Ibid.). A intenção de Inglaterra era proteger os súbditos britânicos e seus bens de qualquer emergência, ou de situações que fugissem ao controlo militar instalado da Madeira. No dia seguinte, o comando militar reagiu energicamente à notícia da Press News sobre o bloqueio da Madeira decretado pelo Governo do país com uma elucidativa nota oficiosa: “Madeira-Açores. Guarnições militares e população protestam contra qualquer caluniosa insinuação sua atitude resultar qualquer outra coisa diferente seu terminante desejo cesse imediatamente situação excepcional Ditadura sejam restabelecidas liberdades públicas suspensas evitando ao país cada vez mais graves consequências ordem política social afirmam sua inalterável dedicação Pátria, República Portuguesa declaram obedecer apenas governo que restabeleça liberdades públicas garanta lei. Porto Funchal não está bloqueado sendo visitado vapores Royal Mail. Guarnições militares e população aguardam completa serenidade efectivação bloqueio conforme ameaças governo ilegal da ditadura. Governo Madeira garante livre entrada movimento Porto Funchal, desejando assegurar relações comerciais de exportação importação todo o mundo” (Id., Ibid., 63). A 11 de abril de 1931, os sargentos – cujo desempenho fora crucial para o sucesso da ação realizada no dia 4 desse mês – iniciavam uma mensagem telegráfica da forma seguinte: “Aos sargentos portugueses no continente da República, Açores e colónias. A Hermínio Branco, director de ‘Marte’ em Coimbra: Sargentos! São os vossos camaradas do 13 de Infantaria, do Funchal, que vos falam” (Id., Ibid., 97). Em meados de abril do mesmo ano, circulavam em algumas capitais europeias notícias sobre a recusa de vários regimentos da província em obedecer às ordens das chefias. Noticiou-se também uma concentração de tropas no Barreiro e nas Caldas da Rainha e, em Lisboa, havia patrulhamentos noturnos em camiões armados. A Londres, chegou um telegrama expedido em Medina del Campo com notícias de revolta de vários regimentos de província e de diversas detenções em Lisboa, nomeadamente de Armando Cortesão. O ten.-cor. Francisco Aragão percorria as principais cidades provincianas de aeroplano, lançando manifestos de incitamento à revolta. De Madrid espalhou-se a notícia de que os rebeldes da Madeira dispunham “de 1200 homens armados dispostos a se bater até ao fim” (Id., Ibid., 63). A 15 de abril de 1931, o embaixador português em Paris enviou um telegrama ao ministro dos Negócios Estrangeiros, onde lhe comunicava a preocupação do Governo francês a propósito da abdicação do rei de Espanha que, segundo as notícias, tinha embarcado diretamente para Inglaterra; o telegrama transmitia a preocupação do Governo francês pela situação política em Espanha. Numa fotografia tirada em Paris e publicada por Le Populaire, Afonso Costa despedia-se dos ministros da Instrução e das Finanças do Governo provisório espanhol que, exilados em França, regressavam a Madrid. Estas alterações políticas em Espanha entusiasmaram os republicanos portugueses, que se sentiram irmanados num projeto comum: a República. Também de Paris chegou a notícia de que o Governo de Lisboa declarara o estado de sítio nos Açores e enviara tropas para acabar com insurreições militares no Funchal, em Ponta Delgada, em Angra e na Graciosa. Em Londres, o Daily Mail publicou uma nota da Union Castle Line que confirmava a saída do porto do Funchal do vapor Edinburgh Castle no dia 9 de abril, e que o número de passageiros registava um movimento normal para a época, o que contrariava as campanhas de propaganda contra a Madeira feitas a partir de Lisboa e de outros países europeus. Entretanto, o Governo continuou a fazer insinuações, a que o cor. Fernando Freiria respondeu alertando a opinião pública para a contra-informação emanada a partir de Lisboa que circulava em várias capitais europeias: “[…] que o movimento legalista da Madeira e dos Açores visa proclamar o independência dos arquipélagos. Até as agências informadoras estrangeiras declaram esta insinuação infundada e ridícula”. E continua: “o governo dizendo que reina a maior desordem na cidade e porto do Funchal, procura efetivar o bloqueio marítimo da Madeira e Açores, desvirtuando o movimento, atribuindo-lhe origens políticas e uma finalidade diversa das que precisamente o determinam – a qual é o restabelecimento imediato das liberdades públicas por um governo que as garanta, consultando o país e restaurando a lei. O chefe de Estado-Maior, Fernando Freiria” (Id., Ibid., 64). No dia 13 de abril de 1931, houve necessidade de alertar a população para o inevitável racionamento dos combustíveis e a redução do consumo de energia elétrica, ficando como prioritários os serviços de telégrafo e telefones e o funcionamento das panificadoras. Aos particulares seria fornecida energia elétrica entre as 19.00 e as 24.00 h. Nesse mesmo dia, pelas 09.00 h, o vapor Guiné, em serviço de vigilância afastada, informou o chefe de Estado-Maior local de que não se avistavam navios de guerra, para além da pequena canhoneira Ibo, que há cinco dias cruzava o mar entre a Madeira e o Porto Santo, passando também em frente ao Funchal. No dia seguinte, o comando geral militar da Madeira avisou os comerciantes que pretendessem subir os preços dos géneros alimentícios de que tomaria as “mais enérgicas providências contra quem quer que pense em aproveitar este momento para a realização de lucros imorais” (Id., Ibid., 65). No mesmo dia, o cônsul inglês no Funchal, J. P. Brown, colocou à disposição do gen. Sousa Dias a sua ajuda pessoal e a do comandante do navio London como mediadores com o Governo de Lisboa; este comunicou, através do embaixador britânico na capital portuguesa, que a única condição que aceitava era a rendição incondicional do comando militar da Madeira. Entre os dias 14 e 20 de abril de 1931 foram publicados no Notícias da Madeira, órgão oficioso da Junta Revolucionária da Madeira, alguns artigos de elevado amor pátrio, onde se louvavam a coragem e o espírito dos soldados, conscientes da sua missão patriótica; num deles, perguntava-se: “que há a recear, portanto? se temos um inimigo apenas, a ditadura, sem coragem para nos bater, enjaulada em Lisboa, medrosa e inerte, temendo justificadamente que, num rompante breve, os soldados da República acabem com a farsa trágica que de há cinco anos se desenvolve lutuosamente nesta bendita terra de Portugal?” (Id., Ibid., 102). Para além das questões políticas, estavam em causa situações que afetavam o quotidiano, como o “repugnante regímen cerealífero, de monopólio, contra o qual as massas populares verteram o seu sangue. Pensou neles, a par da defesa militar da Madeira, o Governo republicano – pelas pastas entregues à incontestada competência dos nossos ilustres patrícios Dr. Pestana Júnior e Eng. Frazão Sardinha” (Id., Ibid., 103). Depois de acabar com os monopólios, os já referidos membros da Junta Revolucionária da Madeira, que também se intitulavam “este governo republicano instalado no Funchal” comprometeu-se a tomar outras “medidas de extraordinário alcance”: “A Madeira, sob o governo da Constituição, encontrou eco nos seus queixumes, que é como quem diz – foi ouvido o pulsar do seu coração. Nunca mais – nunca! – este nobre povo será olhado, pelos poderes de lá ou de cá, como um triste rebanho sob o varapau de qualquer despótico pastor! Há que contar connosco, porque somos portugueses – como todos os portugueses de Portugal! ” (Id., Ibid.). Nos jornais ingleses que entretanto chegaram ao Funchal, foram publicadas notícias animadoras para o movimento militar da Madeira. Segundo um articulista, a imprensa londrina e o povo inglês acolheram com agrado as notícias, pois “Não suportam, não admitem, dentro do seu claro civismo, sistemas políticos de opressão e de terror. Para eles, é tão necessária a liberdade como as tranquilas comodidades do seu home” (Id., Ibid., 104). Como se pode verificar, era claro o objetivo dos responsáveis pelo movimento militar na Madeira: pretendiam restabelecer o Governo constitucional em Lisboa e queriam acabar com a “censura à imprensa e as deportações”. Para o sucesso do movimento era importante o apoio britânico, pois “Na Madeira, há uma grande colónia inglesa. Essa colónia, ligada à mais fecunda atividade desta ilha, pode comprovar que o Pronunciamento Militar não perturbou o aspecto da cidade. Em 4 de abril, e depois, não se praticou qualquer acto que causasse pânico ou sobressalto na população citadina. Hoje, como desde há séculos respeitamos nesta lealdade, a Aliança Inglesa. Hoje, como ontem e como sempre, o pensamento inglês não se nega a todas as ideias de liberdade” (Id., Ibid., 105). O regime procurou criar instabilidade no seio do exército português, recorrendo à distinção entre elementos puros e elementos impuros do exército, sendo os puros os fiéis ao Governo e os impuros os revoltosos: “A parte pura é em seu peregrino conceito aquela que sanciona os crimes da polícia de informação, a que aplaude a política financeira de Sinel de Cordes, a que canta, louva e elogia a sabedoria de Oliveira Salazar, a que se alegra com o espírito de delação semeado nas fileiras militares e a que expõe Portugal à chacota do estrangeiro” (Id., Ibid.). A 16 de abril de 1931, as forças expedicionárias enviadas de Lisboa contra a Madeira e os Açores chegavam à baía do Faial. No dia seguinte, um telegrama de Londres confirmava que as universidades e as escolas públicas do continente tinham sido encerradas. Constava também que havia movimentação de tropas contra o regime, pelo que tinham sido proibidas as reuniões e as manifestações em Lisboa. Entretanto, na Madeira, a canhoneira Ibo, sem combustível, fez uma tentativa para se abastecer no porto do Funchal, mas o comando militar impediu esse movimento e providenciou para que o mesmo acontecesse no Porto Santo. Nesse mesmo dia à tarde, a canhoneira Limpopo substituiu a Ibo no patrulhamento dos mares da Madeira. No dia 18 de abril, esta mesma canhoneira encontrava-se fundeada no Porto Santo, devido a uma avaria que a impossibilitava de navegar. Dos Açores chegavam à Madeira notícias contraditórias e outras não confirmadas. Foi intercetada uma mensagem do Governo de Lisboa por via rádio, com a indicação de que as autoridades tinham mandado lançar sobre as ilhas mensagens de ação psicológica. Na parte da tarde, o cruzador Vasco da Gama chegou à Horta e o comandante das forças expedicionárias preparou o desembarque. No dia seguinte, conseguiram desembarcar algumas forças na Praia da Vitória, mas a defesa da ilha concentrava-se perto de Angra e ao redor da cidade. No dia 21 de abril, o vapor Pero de Alenquer fundeou na baía do Funchal levando dos Açores alguns oficiais e civis que para lá tinham sido deportados pelo anterior delegado especial. Também levava notícias da ilha de S. Miguel, onde havia fortes núcleos de militares preparados, um deles no Forte de S. Brás, para resistir aos ataques das tropas enviadas de Lisboa, ditas expedicionárias. Uma força militar que impressionou a população funchalense após o desembarque foi o destacamento misto de Caçadores n.º 5 e Metralhadoras n.º 1, comandado pelo cap. Ferreira Camões, e cujo aprumo e disciplina militar foram apreciados. Tinham ido de Lisboa para combater ao lado das forças republicanas e legalistas da Madeira e ficaram aquartelados na R. Arcebispo D. Aires. Na Madeira, foram emitidos muitos comunicados e artigos com argumentos para a mobilização e motivações para a defesa. Como garantia, assegurava-se que as forças republicanas estavam preparadas para lutar até conseguir o seu principal objetivo: restituir a legalidade e a legitimidade, derrubando o Governo do regime. Um dos argumentos centrou-se na impiedosa cobrança de impostos, que não se destinavam a obras de fomento, mas à manutenção dum exército privativo e duma polícia numerosa, como afirmavam os revoltosos da Junta. Outra questão preocupante na altura, e também criticada, foi a chamada “negociata dos tabacos”, tida como capaz de resolver o deficit português O desfecho deste Pronunciamento Militar foi a derrota. O sucesso do desembarque das tropas leais ao Governo de Lisboa no Caniçal e o rápido avanço das tropas expedicionárias de Machico até ao Funchal resultaram da impreparação dos soldados madeirenses e do seu armamento inadequado. Foram enviados para a Madeira muitos meios navais e até aéreos (pequenos hidroplanos com metralhadoras), juntamente com um grande número de efetivos devidamente treinados, que acabaram por derrotar as tropas revoltosas a 2 de maio de 1931.   José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 03.02.2017)

História Militar

silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares História Militar Madeira Cultural

prego, joão da mota

João da Mota Prego nasceu em Guimarães, em 1859. Foi engenheiro agrónomo e residiu temporariamente no Funchal. Escreveu um importante artigo sobre a agricultura, a indústria e o comércio na Madeira e no Porto Santo, o qual foi publicado no volume Notas sobre Portugal, apresentado na exposição nacional do Rio de Janeiro em 1908. Segundo o Elucidário Madeirense, os estudos e as experiências deste engenheiro agrónomo, aquando da sua estadia na Madeira, contribuíram para o aperfeiçoamento do fabrico do queijo. Além de diversas publicações relacionadas com o seu trabalho de engenheiro agrónomo, João da Mota Prego foi também autor de romances, sendo, enquanto tal, estimado pelos escritores vimaranenses. Morreu em 1931.   Ana Londral (atualizado a 03.02.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

mercado interno (união europeia)

O mercado europeu é um espaço sem fronteiras internas no qual circulam livremente pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Com a integração dos mercados nacionais num espaço económico único procura alcançar-se aumentos de prosperidade, crescimento e emprego. Do mercado interno resultam benefícios significativos para os cidadãos europeus, tais como a mobilidade para trabalhar ou estudar, o aumento da gama de produtos e serviços, a tutela dos respetivos direitos enquanto consumidores, etc.; por seu turno, as empresas, ao operarem num contexto de maior dimensão do mercado e de concorrência, orientam-se por uma maior eficiência produtiva e pela procura de inovações diferenciadoras. As diferentes designações utilizadas, nomeadamente “mercado comum”, “mercado interno” e “mercado único”, correspondem a momentos cronologicamente distintos do percurso de integração, procurando-se através delas refletir o sucessivo aprofundamento e enriquecimento do mercado europeu. O mercado interno corresponde a um dos estádios ou fases da integração económica, entendendo-se esta como um processo composto por um conjunto de medidas que visam abolir a discriminação entre unidades económicas pertencentes a diferentes ordens nacionais (BALASSA, 1961). Seguindo o mesmo autor, um percurso de integração caracteriza-se por aprofundamentos sucessivos que assumem as seguintes formas: zona de comércio livre, união aduaneira, mercado comum, união económica e integração económica completa. Numa zona de comércio livre os Estados participantes suprimem as restrições tarifárias e quantitativas ao comércio entre si, conservando cada um deles a respetiva política tarifária perante terceiros; a união aduaneira pressupõe que, para além da supressão de restrições tarifárias e quantitativas, os Estados que a integram adotem uma pauta aduaneira comum; o mercado comum caracteriza-se pela abolição de restrições ao comércio, bem como de obstáculos à mobilidade de fatores; a união económica combina a supressão de restrições à livre circulação de bens, serviços e fatores com a harmonização das políticas nacionais em alguns domínios relevantes, a fim de eliminar tratamentos discriminatórios; por último, a integração económica completa pressupõe uma unificação das políticas monetária, orçamental, social e de contraciclo, o que implica a existência de autoridades supranacionais cujas decisões vinculam os Estados participantes. Esta classificação das fases da integração e, sobretudo, as características associadas pelo autor a cada uma delas não coincidem, com rigor, com as diversas etapas do processo de integração europeia (GRIN, 2003); no entanto, constituem um enquadramento teórico muito relevante para a compreensão da construção europeia. A análise do impacto económico dos processos de integração é objeto de vasta bibliografia. Neste domínio da teoria da integração releva o contributo de VINER (1950), o qual, segundo uma perspetiva estática, demonstra que as uniões aduaneiras geram efeitos positivos (criação de comércio) e negativos (desvio de comércio); outras análises, efetuadas de acordo com um prisma dinâmico, evidenciam os efeitos virtuosos da integração económica: a transferência de tecnologia, as economias de escala, o aumento da concorrência e da produtividade, o incremento do investimento e a diminuição do risco, entre outros.   Construção do mercado interno O Tratado que Institui a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma, 1957) estabeleceu como objectivo da integração económica a criação de um mercado comum, o qual pressupunha a concretização de uma união aduaneira, a eliminação de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente e a livre circulação de pessoas, serviços e capitais (arts. 2.º e 3.º, TCEE). Para alcançar estas realizações, fixou-se um período de transição de 12 anos, ou seja, até 1 de janeiro de 1970 (art. 8.º, TCEE); a união aduaneira foi concluída antes do termo daquele prazo, em 1 de julho de 1968. Para além da realização da união aduaneira, e da necessária política comercial comum, o mercado comum implicava também a efetivação da livre circulação de mercadorias, de serviços, de fatores de produção e de estabelecimento. Para tanto, procede-se à eliminação de restrições quantitativas, estabelecem-se as bases da livre circulação de trabalhadores dependentes e efetua-se uma harmonização parcial da fiscalidade indireta, com a implementação do IVA em 1970. Em domínios essenciais à concretização desta fase de integração, tais como a concorrência, a agricultura e pescas e os transportes, operou-se uma transferência de competências dos Estados-membros para a Comunidade, com vista à criação de políticas comuns, pelo que, durante a década de 60, se procedeu à definição da Política Comercial Comum, da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política de Transportes. Na década de 80, a livre circulação estava ainda longe de ser alcançada, em virtude de subsistirem cláusulas de salvaguarda, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas (designadamente sob a forma de regulamentações técnicas nacionais), práticas restritivas da concorrência promovidas por entes públicos (através, por exemplo, de auxílios estatais), bem como fortes entraves à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento. Verificava-se ainda a existência de diferenças consideráveis entre sistemas fiscais nacionais, em particular quanto à fiscalidade indireta, que se traduziam em acréscimos de custos de cumprimento, associados a formalidades administrativas, e em correlativas distorções de preços. Constatava-se também a presença de uma ampla diversidade de normas nacionais de carácter técnico (fundamentadas em razões de saúde pública, de proteção dos consumidores, sociais ou ambientais), as quais, para além de poderem dissimular intuitos protecionistas, constituíam em si mesmas entraves à livre circulação ao colocar sobre os produtos não nacionais o ónus de se terem de conformar com dois ordenamentos jurídicos distintos e, consequentemente, de incorrer em custos de adaptação de natureza produtiva ou administrativa. As dificuldades de concretização do mercado comum a este nível ficaram a dever-se, em grande parte, ao facto de a eliminação dos obstáculos decorrentes de regulamentações técnicas nacionais fazer-se por via da harmonização legislativa, o que exigia a unanimidade no Conselho (art. 149.º, TCEE). Perante estes entraves à plena concretização do mercado comum foi dado um impulso reformador no sentido do aprofundamento da integração económica através do Programa para o Mercado Interno, apresentado por Jacques Delors, seguido do Livro Branco, de 1985 (O Livro Branco da Comissão, elaborado por Lord Cockfield, e apresentado no Conselho Europeu de Milão, definia as reformas legislativas a efetuar e a transpor pelos Estados-membros até ao final de 1992: Completing the Internal Market: White Paper from the Commission to the European Council, COM(85) 310, junho de 1985). Entendendo que a realização do mercado europeu pressupunha uma supressão efetiva de fronteiras físicas, técnicas e fiscais, estes documentos propõem cerca de 300 medidas legislativas, a adoptar até 1992, destinadas a abolir o controlo de pessoas e mercadorias em postos aduaneiros internos; eliminar os entraves à circulação de mercadorias e serviços gerados por regulamentações nacionais; e aproximar a tributação indireta. Aponta-se também para a utilização de uma “nova metodologia” que privilegia o reconhecimento mútuo, reservando a harmonização técnica e normalização para as “exigências fundamentais” de segurança, de saúde e de proteção do ambiente. Assim, a par da relevância conferida ao princípio do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais, elaborado pela jurisprudência europeia, propõe-se uma maior flexibilidade no processo decisório de harmonização conjugada com uma nova metodologia – comitologia – destinada a eliminar o excessivo detalhe dos textos legislativos. Em consonância com aqueles objetivos de aprofundamento, o Ato Único Europeu (J.O. L 169/1 de 29/06/87), entrado em vigor a 1 de julho de 1987, introduziu no Tratado o conceito de “mercado interno”, como um “espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada”, a concretizar até 31 de dezembro de 1992 (art. 8.º-A, aditado ao TCEE). Para tal operou-se uma importante alteração do processo decisório substituindo-se a regra da unanimidade, vigente até então, pela da maioria qualificada, em domínios fundamentais como os direitos da pauta aduaneira comum, a livre prestação de serviços e a aproximação das legislações nacionais [art. 95.º (100.º-A), TCEE]. O Ato Único Europeu consagra uma articulação entre o aprofundamento do mercado comum e a coesão económica e social, bem como uma sedimentação da identidade europeia, a partir da plena circulação dos cidadãos num espaço sem fronteiras internas. A realização do mercado interno, nos termos delineados pelo Livro Branco, encontrava-se concluída no final de 1992, com a adopção de mais de 90% das medidas previstas naquele documento: alcançou-se a quase total livre circulação de pessoas e de mercadorias, a liberalização total dos movimentos de capitais e o aprofundamento da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Apesar destes progressos, o mercado interno ainda estava longe de ser uma realização plena em virtude de terem sido deixados de fora importantes domínios, como a harmonização fiscal e a liberalização de sectores económicos fundamentais, bem como por se constatarem atrasos na transposição de diretivas, transposição incorreta ou a sua inadequada aplicação pelas administrações nacionais. Para além destes aspetos, cedo se constatou a necessidade de aprofundar a harmonização surgindo sucessivas “gerações” de diretivas em diversos sectores, tais como os serviços financeiros, a supervisão financeira, a contratação pública, etc. A partir de 1992, foram tomadas várias iniciativas com vista ao maior aprofundamento do mercado interno, como o Plano de Ação para o Mercado Único a Estratégia para o Mercado Interno 1999-2002, a Estratégia para o Mercado Interno 2003-2006 e o Mercado Único para o Século XXI. Após duas décadas sobre o mercado interno, a UE propôs uma nova estratégia global de aprofundamento da integração de mercado, como condição para o aumento do crescimento, do emprego e da coesão social, ao publicar uma comunicação da Comissão intitulada Ato para o Mercado Único. Doze Alavancas para Estimular o Crescimento e Reforçar a Confiança Mútua “Juntos para um Novo Crescimento” (COM/2011/206 final, 13/04/2011). Com esta estratégia pretende estimular-se o crescimento e o emprego, restaurar a confiança dos cidadãos no mercado interno e proporcionar aos consumidores todos os benefícios que ele oferece. A fim de ultrapassar as falhas da integração do mercado, propõem-se reformas estruturais que permitam concretizar os objetivos de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo definidos pela estratégia “Europa 2020”. As falhas ou insuficiência do mercado interno, que agora se visa corrigir, respeitam à fragmentação do mercado, à eliminação dos obstáculos e barreiras à livre circulação dos serviços, à inovação e à criatividade. A Comissão identifica “doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança dos cidadãos”, a cuja execução associa ações-chave, entendendo-se que o sucesso desta estratégia só poderá ser alcançado se existir uma melhor governação do mercado único. O relançamento do mercado interno, agora proposto, evidencia uma estreita conexão entre as políticas e ações tradicionais relativas ao mercado interno e os aspectos da integração europeia de carácter social, atento o objectivo de concretização da economia social de mercado afirmado pelo Tratado da União Europeia (TUE) no número 3 do seu artigo 3.º.   Caracterização A UE estabelece um mercado interno (art. 3.º n.º 3.º, TUE). De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), “o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados”. Nos termos deste preceito o mercado interno europeu tem como núcleo essencial as quatro “liberdades económicas fundamentais”, no entanto a sua plena efetivação pressupõe a existência de uma união aduaneira e de um enquadramento de livre concorrência. A concretização das liberdades económicas fundamentais só pode ser alcançada se os mercados forem competitivos, pelo que o mercado interno “inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada” (Protocolo n.º 27, relativo ao mercado interno e à concorrência). Nesta medida, o modelo de mercado interno europeu integra um conjunto de normas de “defesa da concorrência”, aplicáveis às empresas e aos Estados-membros (arts. 101.º a 109.º, TFUE). Ligadas indissociavelmente à construção do mercado interno encontram-se as normas relativas à “política comercial comum” (arts. 206.º e 207.º, TFUE), que disciplinam a vertente externa da união aduaneira, e as “disposições fiscais” (arts. 110.º a 113.º, TFUE), com base nas quais se procura que os custos associados à tributação indireta não representem distorções à concorrência e obstáculos ao funcionamento do mercado interno. A concretização do mercado europeu é acompanhada de uma “política de coesão” (art. 3.º n.º 3.º, TUE; arts. 174.º a 178.º, TFUE) que visa assegurar que todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica, beneficiem e contribuam para esse mercado. O mercado interno constitui um domínio de competência partilhada entre a União e os Estados-membro (art. 4.º, n.º 2 a), TFUE).   União aduaneira A livre circulação de mercadorias implica que estas circulem sem entraves no espaço territorial da UE. Para alcançar plenamente essa liberdade devem ser eliminadas todas as barreiras de natureza tarifária ou aduaneira, assim como as barreiras não tarifárias. Pressupõe-se, portanto, uma eliminação das normas nacionais que estabeleçam encargos pautais ou encargos de efeito equivalente, bem como das normas que criem obstáculos quantitativos ou que consubstanciem medidas de efeito equivalente. A eliminação de barreiras tarifárias é alcançável através da concretização da união aduaneira (art. 30.º a 32.º, TFUE), alcançando-se a eliminação de barreiras não tarifárias através da proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente a estas (art. 34.º a 36.º, TFUE). Nos termos do artigo 28.º TFUE, “a União compreende uma união aduaneira”, que abrange todo o comércio de mercadorias (arts. 28.º n.º 2 e 29.º, TFUE), implica a proibição de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de encargos de efeito equivalente entre os Estados-membros (arts. 28.º n.º 1 e 30.º TFUE) e pressupõe a adoção de uma Pauta Aduaneira comum (arts. 28.º n.º 1 e 31.º, TFUE). Tem a natureza de “encargo de efeito equivalente” qualquer encargo pecuniário, seja qual for a sua dimensão, designação e técnica de aplicação, imposto unilateralmente sobre as mercadorias pelo mero facto de atravessarem uma fronteira – e que não se trate de um direito aduaneiro em sentido estrito –, mesmo que não seja estabelecido em benefício do Estado, não tenha um efeito de discriminação ou de proteção, ou mesmo se o produto sobre o qual incide não concorrer com nenhum produto nacional (ac. Comissão/ Luxemburgo e Bélgica, Procs. 2/62 e 3/62, Col., 1962-1964, p. 147; ac. Alemanha/ Comissão, Procs. 52/65 e 55/65, Col. ed. port., p. 319; ac. Comissão/ Itália, Proc. 24/68, Col. 1969, p. 193; ac. Diamandarbeiders, Procs. 2 e 3/69, Col. 1969, p. 211). A jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu o “efeito direto vertical” do artigo 30.º do TFUE no ac. Van Gend en Loos (Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205). A união aduaneira constitui um domínio de competência exclusiva da UE (art. 3.º n.º 1 a), TFUE).   Liberdades económicas fundamentais As quatro liberdades encontram-se consagradas no direito primário da UE nas seguintes normas: livre circulação de mercadorias (arts. 30.º a 37.º, TFUE), de pessoas (arts. 45.º a 55.º, TFUE), de serviços (arts. 56.º a 62.º, TFUE) e de capitais (arts. 63.º a 66.º, TFUE). Para além da liberdade de circulação de mercadorias e serviços a integração do mercado europeu pressupõe também a livre circulação de recursos produtivos a fim de se alcançar a sua alocação mais eficiente, ou seja, o respetivo emprego em utilizações mais valiosas, geradoras de maiores ganhos de bem-estar. As disposições do Tratado relativas às liberdades de circulação disciplinam o exercício de atividades económicas transfronteiriças, proibindo medidas nacionais discriminatórias ou medidas indistintamente aplicáveis que restrinjam o direito de acesso ao mercado (ac. Dassonville, Proc. 8/74, Col. 1974, p. 837; ac. Rewe-Zentrale AG, Proc. 120/78, Col. 1979, p. 649); constituem, por isso, mecanismos jurídicos nucleares na concretização de “um espaço sem fronteiras internas” (art. 26.º n.º 2, TFUE). As normas do direito primário que consagram as liberdades económicas têm aplicabilidade direta (i.e., integram as ordens jurídicas dos Estados-membros sem que seja necessária qualquer medida de receção no direito nacional; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205) e efeito direto vertical (conferem aos particulares direitos de que estes se podem prevalecer perante a ordem jurídica nacional, relativamente a medidas dos Estados-membros; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205; ac. Salgoil, Proc. 13/68, Col. 1973, p. 453; Ac. Van Duyn, Proc. 41/74, Col. 1974, p. 1337; ac. Costa/ENEL, Proc. 6/64, Col. 1964, p. 1251; ac. Van Binsbergen, Proc. 33/74, Col. 1974, p. 1299). Em determinadas circunstâncias e condições as normas relativas às liberdades fundamentais da UE podem ter efeito direto horizontal (i.e., são constitutivas de direitos subjetivos oponíveis a particulares; ac. Bosman, Proc. C-415/93, Col. 1995, p. I-4921; ac. Angonese, Proc. C-281/98, Col. 2000, p. I-4139) e efeito indireto horizontal, por via dos deveres de proteção do Estado (ac. Comissão/França, Proc. C-265/95, Col. 1997, p. I-6959; Ac. Schmidberger, Proc. C-112/00, Col. 2003, p. I-5659). As medidas nacionais restritivas das liberdades económicas fundamentais podem considerar-se justificadas com base nas derrogações expressas previstas no Tratado (art. 36.º, 45.º n.º 3, 52.º e 62.º, TFUE), bem como em “exigências imperativas” ou “razões imperiosas de interesse geral”.   Mercado interno e União Económica e Monetária A maximização das vantagens da integração dos mercados só é alcançável se for possível operar uma efetiva comparação de preços dos bens e dos factores produtivos em todo o espaço do mercado. Nesta medida, compreende-se que, num percurso dinâmico de integração, o aperfeiçoamento do mercado interno determine a criação de uma união económica e monetária, enquanto mecanismo capaz de garantir a estabilidade e a comparabilidade dos preços e de evitar distorções à concorrência geradas por custos e desvalorizações cambiais. Em síntese, os benefícios potenciais do mercado único só são alcançáveis com uma moeda única, de forma a assegurar a transparência de preços, a redução de custos de transação e a eliminação de riscos cambiais. O Ato Único Europeu (1986), ao estabelecer o desígnio de criação do mercado interno, contribuiu para generalizar o entendimento de que a concretização daquele mercado, por determinar uma significativa interdependência entre as economias dos Estados-membros, aconselhava a uma maior convergência das políticas nacionais, sob pena da total liberdade de circulação de capitais e da plena integração dos mercados financeiros imporem, no plano nacional, difíceis ajustes monetárias e económicos. O Tratado de Maastricht (1992) consagrou a base jurídica de criação da União Económica e Monetária (arts. 119.º a 144.º, TFUE), seguindo as linhas gerais do Relatório Delors (1989). É inequívoca a particular interdependência entre a liberdade de circulação de capitais (uma das quatro liberdades económicas fundamentais do mercado interno) e a União Económica e Monetária. Se, por um lado, a criação da união monetária impulsionou o aprofundamento da livre circulação de capitais, enquanto pré-condição para a efetivação daquele estádio de integração, por outro, esta liberdade só pode concretizar-se plenamente quando existe uma política monetária e cambial únicas. Com a livre circulação de capitais pretende-se que a mobilidade deste recurso seja essencialmente determinada por razões económicas, deslocando-se o capital em busca da maior reprodutividade, o que é sinónimo de uma alocação mais eficiente. Um espaço unificado a nível cambial permite eliminar diferenças cambiais e custos de conversão, contribuindo para essa mobilidade. Deve ainda ter-se em conta que a existência de uma política monetária única e a coordenação das políticas económicas nacionais introduz uma maior estabilidade de preços e uma diminuição de riscos, o que mitiga a deslocação de capitais orientada pela obtenção de ganhos especulativos. O mercado interno europeu encontra-se, por isso, inextricavelmente associado à União Económica e Monetária, correspondendo esta a um estádio evolutivo de integração mais aperfeiçoado que tem por base o funcionamento do mercado europeu e, simultaneamente, contribui para o seu aprofundamento.   Madeira No quadro do direito da UE, a RAM é qualificada como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adotadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos Tratados nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais. As referidas medidas específicas não podem pôr em causa, porém, a integridade e coerência do ordenamento jurídico da União, incluindo o mercado interno (art. 349.º, TFUE).     Paula Vaz Freire (atualizado a 05.02.2017)

Economia e Finanças

gaspar, alfredo rodrigues

Oficial da Armada e presidente do ministério, i.e., chefe de Governo (Funchal, 8 ago. 1865 – Lisboa, 1 dez. 1938). Possuía o curso de engenheiro maquinista naval (1885) e de oficial da Marinha (1888). Lecionou na Escola Naval (desde 1898), enquanto lente especialista em balística e explosivos. Tornou-se exímio conhecedor desta matéria, tendo representado Portugal num Congresso de Química Aplicada (Londres, 1909) com uma comunicação intitulada “Estudos Comparativos de Algumas das Provas de Estabilidade dos Explosivos”. Ocupou as funções de administrador-geral do Porto de Lisboa e comandante de algumas unidades da Marinha. Na política, foi eleito para ocupar os cargos de deputado (1911) e senador (1913) e, antes dos acontecimentos de 28 de Maio de 1926, foi presidente da Câmara dos Deputados (1924). Pertencia ao Partido Republicano Português, do qual foi um militante de relevo. Ao serviço do regime republicano, foi ministro das Colónias (cargo que ocupou entre: 12/12/1914 e 15/3/1916; 29/6/1919 e 3/1/1920; e, por último, entre 6 e 17/2/1922). Também cumpriu funções, interinamente, enquanto ministro da Marinha (tomando posse a 29/6/1919) e ascendeu, a 7/7/1924, a presidente do ministério. Acumulou a chefia do Governo com a pasta de ministério do Interior e manteve-se no poder até 22/11/1924. Aposentou-se do posto de capitão-de-mar-e-guerra a 30/11/1938, um dia antes da sua morte. Nesta data, exercia os cargos de presidente da Comissão Técnica de Artilharia Naval e de diretor do Laboratório de Explosivos da Armada. Entre inúmeras condecorações, possuiu o grau de comendador da Ordem Militar de Avis (atribuído a 11/3/1919) e, em 19/10/1920, foi elevado a grande oficial desta mesma Ordem. Em 16/10/1924, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.     Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 01.02.2017)

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