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    Variação sintática em variedades do português A investigação sobre a variação no domínio da sintaxe do português, sobretudo nas suas variedades europeias, ou Português Europeu (PE), não tem merecido a atenção dos linguistas. Como sublinha Ernestina Carrilho, “As informações disponíveis sobre aspetos da sintaxe do PE dialetal são, assim, normalmente escassas e encontram-se, em grande parte, dispersas em muitos trabalhos monográficos” (CARRILHO, 2003, 19), ocupando um lugar muito marginal nos trabalhos dialetológicos. Assinale-se, a título de exemplo, as poucas páginas consagradas à sintaxe por Leite de Vasconcelos na sua tese de doutoramento Esquisse d'une Dialectologie Portugaise, de 1901 (VASCONCELOS, 1987, 121-122), obra de referência na dialetologia portuguesa, ou ainda a ausência de critérios de tipo sintático na caracterização sistemática de dialetos portugueses proposta por Manuel de Paiva Boléo e Maria Helena Silva (1961) e por Luís Filipe Lindley Cintra (1971). A investigação em variação sintática tem sobretudo privilegiado o contraste entre variedades nacionais do português, o PE e o Português do Brasil (PB), não só no âmbito da Teoria da Variação e da Mudança Linguística, proposto no clássico artigo de Uriel Weinreich, William Labov e Marvin Herzog (1968), “Empirical Foundations for a Theory of Language Change”, pioneiro da sociolinguística variacionista, mas também na perspetiva do Modelo de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) ou doutros modelos compatíveis com os pressupostos teóricos da Gramática Generativa. Os principais fenómenos que têm chamado a atenção de investigadores portugueses e brasileiros encontram-se na secção “Colóquio Português Europeu/Português Brasileiro: Unidade e Diversidade na Passagem do Milénio”, integrada no volume dedicado às Actas do XVI Encontro da APL (CORREIA e GONÇALVES, 2001), e prendem-se, entre outros, com o parâmetro do sujeito nulo (BARBOSA et al., 2001, 539-550), as estratégias de realização de objeto direto (KATO e RAPOSO, 2001, 673-686), o artigo antes de possessivo (BRITO, 2001, 551-575), as construções relativas (CORRÊA, 2001, 615-626), a concordância verbal com a gente (COSTA et al., 2001, 639-656) e o uso do gerúndio (NETO e FOLTRAN, 2001, 725-735). O primeiro trabalho de referência sobre sintaxe dialetal, sob o título de “Aspectos da Sintaxe do Português Falado no Interior do País”, foi realizado por João Malaca Casteleiro (CASTELEIRO, 1975), a partir de uma amostra de dados de português falado coletados no âmbito do projeto corpus Português Fundamental (NASCIMENTO et al., 1987). O seu estudo focaliza-se, entre outros aspetos sintáticos, na estrutura da frase e na sintaxe verbal, mais especificamente nos usos dos tempos e modos verbais, e permite observar algumas tendências da sintaxe do português falado por 45 informantes com nível baixo de escolaridade (4.ª ano do ensino básico) ou analfabetos, de oito distritos do interior de Portugal Continental, tais como o uso do “gerúndio precedido de em, isto é, em + gerúndio. [...] com valor e é muito utilizada na linguagem popular”, como em “Entra às nove, e em sendo aí meia-noite, uma hora, tem ali cama, vai-se deitar (Rececionista de um hotel, instrução primária, de Beja, R-297)” (CASTELEIRO, 1975, 62), ou ainda o recurso de “frases simples justapostas, sem coordenação explícita [...]” (Id., Ibid., 64) e da repetição como forma de se fazerem entender, sendo a frase passiva pouco utilizada. No que se refere à sintaxe do verbo, são de referir o uso frequente dos pronomes pessoais, as formas sujeito, com os verbos, embora tal não seja necessário, uma vez que no português as desinências verbais fornecem a informação relativa às categorias gramaticais de pessoa/número, como em “Mas nós temos a impressão que nem toda a gente se adapta ao nosso ambiente, porque felizmente nós temos aqui um ambiente bom (Bordadora, 4ª classe, Castelo Branco L-183)” (Id., Ibid., 65), ou ainda o uso de a gente com o verbo na 1.ª pessoa do plural, sobretudo no Sul do país, como em “A gente não tivemos festa, andamos de luto (Trabalhadora rural, analfabeta, de Sta Suzana, Évora, Q-42)” (Id., Ibid.). Os resultados deste estudo são, segundo o autor, “apesar da exiguidade da amostragem, [...] no domínio sintático, [...] pertinentes” (Id., Ibid., 58). O autor chama ainda a atenção para algumas características linguísticas de falantes pouco instruídos, cuja fala “não é nem mais pobre, nem mais rica do que a dos falantes média ou altamente alfabetizados. É apenas diferente em vários aspetos da organização das estruturas sintácticas. [...]. As dificuldades de comunicação só surgem – e surgem nos dois sentidos – quando há intercâmbio entre falantes de meios sociais diferentes. Neste aspeto, tanto tem que aprender o falante altamente alfabetizado com o pouco ou nada alfabetizado, como vice-versa. A linguagem de uns e doutros tem, por conseguinte, o mesmo valor linguístico e deve ser igualmente descrita pela Gramática” (Id., Ibid., 74). Merece igualmente destaque a publicação de João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa (PERES e MÓIA, 1995), na qual os autores selecionam seis áreas críticas do português contemporâneo a partir da análise de material linguístico retirado de uma amostra de textos jornalísticos produzidos entre 1986 e 1994. As áreas selecionadas, nas quais se observa o uso de variantes não normativas, são indicadas em (1), seguidas de alguns exemplos: 1) a. estruturas argumentais: e.g., “supressão de argumentos”, como em “Desta vez atuaram no Porto, espancando um jovem negro até ficar inconsciente, colocando posteriormente sobre uns carris da linha de comboio” [Diário de Lisboa, 24/11/1989, p. 10] vs. “Desta vez atuaram no Porto, espancando um jovem negro até ficar inconsciente, e colocando-o posteriormente sobre uns carris da linha de comboio”[versão padrão proposta] (PERES e MÓIA, 1995, 60); b. construções passivas: por exemplo, “supressão de preposição”, como em “A nova onda chama-se Peugeot 309 Chorus. Uma onda fácil de entrar (apenas 1.460 contos) e agradável de estar” [Expresso, 31/12/1988, p. C-7 (publicidade)] vs. “A nova onda chama-se Peugeot 309 Chorus. Uma onda em que é fácil entrar (apenas 1.460 contos) e agradável estar” [versão padrão proposta] (Id., Ibid., 233); c. construções de elevação: como em “As conclusões deste estudo estavam previstas virem a ser apresentadas ainda no decorrer deste mês […]” [O Independente, Dinheiro, 23/12/1993, p. 5] vs. “Estava previsto as conclusões deste estudo virem a ser apresentadas ainda no decorrer deste mês […]” [versão padrão proposta] (Id., Ibid., 266); d. orações relativas: e.g., “supressão de preposição de constituinte relativo”, como em “Os temas que os portugueses gostam [...]” [O Jornal Ilustrado, 31/3/1989, p. 35] vs. “Os temas de que os portugueses gostam [...]” [versão padrão proposta] (Id., Ibid., 290); e. construções de coordenação: e.g., “supressão de constituintes relativos”, como em “[…] é o caso de Aspects of Love, que estreou-se no mês passado em Londres e já foram vendidos cinco milhões de libras de bilhetes [...]” [Europeu, 18/5/1989, p. 24] vs. “[…] é o caso de Aspects of Love, que se estreou no mês passado em Londres e de que já foram vendidos cinco milhões de libras de bilhetes [...]” [versão padrão proposta] (Id., Ibid., 413); f. concordâncias: como em “Desta vez coube-nos em sorte três novelas de Mateus Maria Guadalupe [...]” [O Jornal Ilustrado, 12/5/1989, p. 20] vs. “Desta vez couberam-nos em sorte três novelas de Mateus Maria Guadalupe [...]” [versão padrão proposta] (Id., Ibid., 453). Cerca de 20 anos depois deste texto de referência, o projeto CORDIAL-SIN (Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe), coordenado por Ana Maria Martins, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL), vem dar ênfase à investigação em variação sintática no PE. Iniciado em 1999, este projeto visa estudar a variação sintática dialetal do PE, com recurso a dados empíricos, no âmbito da Teoria de Princípios e Parâmetros da Gramática Generativa. Para tal, foi constituído um corpus anotado de PE (CARRILHO e MAGRO, 2010), cuja extensão atual é de cerca de 600.000 palavras (70 horas de gravações que incluem um conjunto geograficamente representativo (42 pontos) de excertos de discurso livre e semi-dirigido). Estes dados foram selecionados a partir do arquivo sonoro do CLUL, construído ao longo de 30 anos, contendo no total cerca de 4500 horas de gravações, obtidas em mais de 200 localidades do território português, no âmbito dos projetos ALEPG (Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza, coord. de João Saramago), ALLP (Atlas Linguístico do Litoral Português, coord. de Gabriela Vitorino), ALEAç (Atlas Linguístico-Etnográfico dos Açores, coord. de João Saramago) e BA (Fronteira Dialectal do Barlavento do Algarve) (SEGURA, 1988). O desenvolvimento de uma área de interesse como a da descrição sintática do português trouxe, ao longo das duas últimas décadas, “avanços relevantes no conhecimento empírico dos dialetos e da variação sintática que as línguas naturais apresentam” (CARRILHO e PEREIRA, 2011, 125), e tal deve-se em grande parte ao projeto CORDIAL-SIN. Este recurso permitiu observar a dimensão geográfica da Sintaxe Dialetal, nomeadamente a distribuição geográfica de algumas construções sintáticas não-padrão do PE (CARRILHO e PEREIRA, 2011 e 2013). Para além destes trabalhos, há a registar, no domínio da sintaxe do gerúndio, e com recurso a dados do CORDIAL-SIN e a monografias dialetais, a presença da variante flexionada, numa área relativamente extensa do Sul de Portugal Continental e, pontualmente, no arquipélago dos Açores (LOBO, 2000, 2001, 2002 e 2008), de que são dados alguns exemplos a seguir, retirados de LOBO (2000): 2) a. orações adjuntas modificadoras da frase sem conector: “Sendem dois, são dois feixes, sendem quatro, são quatro feixes. (Odeleite, in Cruz (1969))”; “Tu querendos, podemos namorar às descondidas. (Monte Gordo, in Ratinho (1959))”. b. orações adjuntas introduzidas por preposição em (ou ende): “vendem a pessoa assim {pp} ou com uma idade {pp} [AB|ou, ou] ou mal ou qualquer coisa, {pp} uns têm consciência, outros não têm. (Cordial, PAL7)”; “Em sendem crescidos, levo-os a Lisboa. (Baixo Alentejo, in Delgado (1951))”. c. orações adjuntas introduzidas por advérbios: “Onde é que eles mesmo /trabalhandem/ /trabalhando/, em ganhando o dinheiro, podiam semear alguma coisinha para eles. (Cordial, PAL11)”. d. orações relativas livres introduzidas por onde e quando: “Onde estando a menina está alegria. (Nisa, in Carreiro (1948))”; “Quando ele estando demais, já cheira a azedo. (Cordial, PAL30) (27)”. Por fim, merece ser sublinhado o trabalho realizado por Eva Arim, Maria Celeste Ramilo e Tiago Freitas, do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), publicado em 2004, a partir de dados retirados do corpus Rede de Difusão Internacional do Português: rádio, televisão e imprensa (REDIP) (que contempla materiais de fala produzidos na rádio, televisão e imprensa, em Portugal, em 1998), sobre construções relativas em PE. Este trabalho põe em evidência o uso de construções relativas não-padrão nos meios de comunicação social portugueses, algo que já tinha sido observado para o PB. Com efeito, esta variedade, e de acordo com o trabalho de Marcos Bagno (2001), referido pelos autores, cujos resultados tiveram por base o corpus de PB falado do Projeto NURC (Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro) aponta para o uso de uma percentagem elevada de relativas não-padrão (79,5 %), com a seguinte distribuição: variante relativa cortadora, com supressão da preposição (94 %) e variante relativa resuntiva, com marcação não-padrão do caso do constituinte relativo (6 %). O mesmo autor mostra que na língua escrita, com base em material jornalístico, a percentagem de variantes não-padrão se mantém elevada (94 %). Tal como no PB, observa-se o uso de variantes de relativas não-padrão em PE, sendo a cortadora a mais frequente, com 59 % no registo oral, mas apenas 3 % no registo escrito, a seguir ilustrado, com dados retirados da publicação: 3) a. Relativa não-padrão (cortadora), oral: “A linha de crédito que precisariam seria de cento e cinquenta mil milhões de dólares” [Noticiário, RDP]; padrão: “A linha de crédito de que precisariam seria de cento e cinquenta mil milhões de dólares”; “O audiovisual também está neste conjunto que eu chamo multimédia e comunicações interativas” [Dinheiro Vivo, RTP2]; padrão: “O audiovisual também está neste conjunto a que eu chamo multimédia e comunicações interativas”; “São passos no sentido daquilo que se chama mais união política” [Noticiário, RDP]; padrão: “São passos no sentido daquilo a que se chama mais união política”; b. Relativa não-padrão (cortadora), escrita: “Os investigadores encontraram quatro linhagens diferentes que chamaram A, B, C e D” [Expresso, secção de ciência e tecnologia]; padrão: “Os investigadores encontraram quatro linhagens diferentes a que chamaram A, B, C e D”; “O diretor de O Jogo aumentou de dois para quatro pontos a vantagem que dispõe sobre o trio perseguidor” [Expresso, secção de desporto]; padrão: “O diretor de O Jogo aumentou de dois para quatro pontos a vantagem de que dispõe sobre o trio perseguidor”. Já a variante resuntiva é a menos produtiva e mais marcada. Como afirmam os autores, “das duzentas e sessenta e cinco orações relativas encontradas no corpus, apenas as duas que se seguem são claramente resuntivas” (ARIM et al., 2004): 4) Relativa não-padrão (resuntiva), oral: “É sobretudo a síntese de tudo aquilo e das pessoas que viveram à minha roda e que eu consegui dar-lhes forma” [“Acontece”, RTP2]; padrão: “É sobretudo a síntese de tudo aquilo e das pessoas que viveram à minha roda e que eu consegui dar forma”; “Pôr em causa um princípio que antes não pensavam muito nele” [Debate sobre o Referendo sobre a Regionalização, RDP]; padrão: “Pôr em causa um princípio em que antes não pensavam”. Variação sintática e sintaxe não-padrão nas variedades do português falado na Madeira Os estudos descritivos e sistemáticos sobre variação sintática da variedade do Português falado na Madeira (doravante, PFM), sobretudo sobre a “Variedade do Português Europeu falada no Funchal” (ou PE-Funchal), são muito recentes, como sublinhado por Aline Bazenga (BAZENGA, 2014b). As principais referências surgem após as coletas de dados empíricos realizadas por investigadores do CLUL nos anos 70 e 80 do séc. XX e no início do séc. XXI. Projeto CORDIAL-SIN (CLUL) O projeto CORDIAL-SIN, dedicado ao estudo da variação sintática, permitiu a reflexão e estudo de fenómenos variáveis do PE nos quais surgem algumas particularidades em uso na variedade do PFM. De entre os trabalhos publicados no âmbito deste projeto, merecem especial atenção aqueles que mostram a existência de algumas construções não sintáticas mais confinadas à Madeira e aos Açores, tais como os usos de (i) ter existencial, ilustrado pelo exemplo de uma ocorrência deste tipo num informante do Porto Santo, “Porque aqui à nossa frente, tinha um alto, tinha um moinho de vento e (eu) não via a casa da minha mãe! (PST)” (CARRILHO e PEREIRA, 2011, 129); (ii) as construções com possessivo pré-nominal sem artigo, como no exemplo a seguir, de um informante de Câmara de Lobos: “Ah, meus filhos já vieram daí para cá. (CLC)” (Id., Ibid., 132); e (iii) com o uso do gerúndio, precedido de verbos aspetuais como “estar”, “ficar”, “andar”, como, por exemplo, no seguinte enunciado produzido por um falante madeirense do Porto Santo: “[…] toda a gente estava desejando de chegar ao Natal, que era para comer massa e arroz e um bocadinho de carne” (Id., Ibid., 130). Projeto Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias (CLUL-Portugal e UFRJ-Brasil) O estudo da variação sintática na variedade madeirense tem vindo a desenvolver-se essencialmente desde 2008, data de início do Projeto Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias, projeto internacional coordenado por investigadores do CLUL (Portugal) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Brasil) e financiado pelo CAPES/GRICES (Brasil), mais concretamente a partir de 2010, data em que a Universidade da Madeira (UMa) passa a integrar o projeto, através da investigadora do CLUL e docente desta Universidade Aline Bazenga. Os primeiros estudos variacionistas sobre sintaxe do português insular, a partir de dados da variedade falada no Funchal, capital do arquipélago da Madeira, começaram a ser publicados a partir desta data. Os trabalhos publicados enquadram-se na perspetiva variacionista e laboviana da variação, na qual a heterogeneidade sistemática observada nos sistemas linguísticos é condicionada por fatores sociais. Para o corpus Concordância-Funchal, foram realizadas as primeiras entrevistas sociolinguísticas de informantes madeirenses do Funchal. O projeto de constituição do corpus, inicialmente previsto para obtenção de dados de falantes insulares e urbanos, tem vindo a ser alargado a outros pontos de localização na ilha da Madeira (Calheta/Paul do Mar, Porto Moniz, Funchal, Santa Cruz, Boaventura, Ribeira Brava, Caniçal, Santana e Câmara de Lobos), com vista à constituição de um corpus Madeira. Em 2014, o corpus Concordância-Funchal passa a ser designado por corpus Sociolinguístico do Funchal (CSF) e integra-se no Corpus Madeira, que inclui amostras de outras localidades insulares. No mesmo ano, o CSF contém dados de 60 informantes, num total de 34 horas e 45 minutos de gravações. Os informantes foram escolhidos em função dos critérios sociais defendidos por Labov, atendendo às variáveis idade, género, localidade e nível de escolaridade. Os dados recolhidos têm sido objeto de estudo e analisados em trabalhos de investigadores, não só por Aline Bazenga, em publicações, comunicações e trabalhos de alunos sob sua orientação, como também por Juliana Vianna, em Semelhanças e Diferenças na Implementação de a gente em Variedades do Português (dissertação de doutoramento, defendida em 2011), Lorena Rodrigues, sobre os pronomes e clíticos em variedades do português (dissertação de doutoramento, em curso em 2016), e Catarina Andrade, em Crenças, Perceção e Atitudes Linguísticas de Falantes Madeirenses (dissertação de mestrado, defendida em 2015), todos membros do Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais da Universidade da Madeira (CIERL-UMa), dirigido por Paulo Miguel Rodrigues. Construções sintáticas não-padrão em uso na Madeira A investigação realizada no âmbito dos projetos anteriormente referidos permitiu aprofundar a investigação em torno de algumas áreas da gramática do PE, para as quais os falantes madeirenses mais contribuem, através de usos de variantes sintáticas não-padrão. Assim, para além da variante com gerúndio em construções aspetuais com o verbo estar e do uso de possessivo pré-nominal sem artigo, são de assinalar, nas construções existenciais, o uso da variante com o verbo ter e, nas construções pronominais, o uso de a gente e variantes com ele e lhe em função objeto direto (OD), entre outras particularidades ligadas à sintaxe posicional dos clíticos. São de referir ainda as variantes de terceira pessoa do plural (PN6) na morfologia verbal, em vogal [u], com ou sem traço de nasalidade, e em ditongo nasal [ɐ̃j̃] alargado a outros paradigmas verbais, o que conduz à regularização das classes temáticas dos verbos no presente do indicativo e no pretérito imperfeito, para além da variante em vogal, isomorfa de terceira pessoa do singular (PN3), cuja produção parece estar motivada por fenómenos de fonética sintática. Muitos destes fenómenos, que serão apresentados de modo mais sucinto nas secções seguintes, são referidos no trabalho de Elisete Almeida, publicado em 1998, sobre as “Particularidades dos Falares Madeirenses, na Obra de Horácio Bento de Gouveia”, elaborado a partir da recolha de dados retirados da escrita de Horácio Bento de Gouveia, escritor madeirense que, tendo a perceção do uso de algumas variantes não-padrão, sobretudo por informantes menos escolarizados da ilha da Madeira, procurou integrá-las na caracterização de personagens do povo nos seus romances. Construção com possessivo pré-nominal sem artigo O exemplo atestado em Câmara de Lobos “Ah, meus filhos já vieram daí para cá.” (CLC), e citado por Ernestina Carrilho e Sandra Pereira (CARRILHO e PEREIRA, 2011, 132), ilustra a variante da construção-padrão, com realização do artigo definido a preceder o possessivo, como em “Ah, os meus filhos já vieram daí para cá.”. As autoras acima referidas, apesar de observarem a realização da construção sem artigo em várias localidades situadas em Portugal continental, reconhecem “um padrão de distribuição geográfica predominante na área insular, em especial no arquipélago da Madeira” (Id., Ibid.), sobretudo quando os possessivos são seguidos de nomes de parentesco. Outras ocorrências desta variante não-padrão são citadas por Aline Bazenga (BAZENGA, 2011c), tendo por base uma amostra do CSF: 5) a. tava eu tua avó e teu avô [padrão: a tua avó e o teu avô] tava-se ali sentades (FNC11_MC1.1 159-60); b. mas mê maride [marido] [padrão: o meu marido] não podia ajudar em nada (FNC11_MC1.1 200); c. minha mulher [padrão: a minha mulher] teve seis filhes [filhos] (FNC11_HC1 207); d. salete _mas [mais] minha prima [padrão: a minha prima] (FNC11_MA1 016); e. quande mê [meu] pai faleceu [padrão: o meu pai] mê [meu] pai [padrão: o meu pai] foi tratado pior que um cão (FNC11_MB2 079-80). Construção aspetual estar + gerúndio Ernestina Carrilho e Sandra Pereira (CARRILHO e PEREIRA, 2011), com recurso a dados de informantes madeirenses integrados no corpus CORDIAL-SIN, observam também, em algumas zonas de Portugal Continental, sobretudo nas variedades dialetais centro-meridionais e insulares, o uso da variante da construção aspetual com o verbo “estar” seguido de gerúndio, para além da variante-padrão, com verbo no infinitivo. Na Madeira, esta construção está também atestada, conforme o exemplo a seguir indicado e retirado deste trabalho: 6) “[…] toda a gente estava desejando [padrão: estava a desejar] de chegar ao Natal, que era para comer massa e arroz e um bocadinho de carne (PST)” (CARRILHO e PEREIRA, 2011, 130). A propósito desta construção e do seu uso no PFM, Elisete Almeida crê que esta se deve ao contacto linguístico e cultural da comunidade madeirense com os ingleses, a um processo de transferência linguística da construção inglesa “it’s rainning” para “está chovendo” (ALMEIDA, 1999, 75). Construção com ter existencial A construção com ter existencial tem sido referida como uma variável que permite contrastar duas variedades normativas do português, PE e PB, como nos exemplos a seguir indicados e retirados de Maria Helena Mira Mateus (2002): 7) a. PB: tem fogo naquela casa; PE: há fogo naquela casa. b. PB: no baile tinha muitos homens bonitos; PE: no baile havia muitos homens bonitos. Yvonne Leite, Dinah Callou e João Moraes observavam que o “uso de ter por haver tem sido objeto de estudo sistemático e costuma-se dizer que essa substituição, em estruturas existenciais, constitui uma das marcas que caracterizam o português do Brasil [sublinhado nosso], afastando-o do português de Portugal e aproximando-o do de Angola e Moçambique” (LEITE et al., 2003, 101). Muito estudada no âmbito do PB (VIOTTI, 1999; MATTOS e SILVA, 2002; DUARTE, 2003; LOPES e CALLOU, 2004; CALLOU e DUARTE, 2005; AVELAR, 2006a, entre muitos outros), só recentemente esta construção foi objeto de análise no âmbito do PE. O artigo de Ernestina Carrilho e Sandra Pereira (2011), com base no CORDIAL-SIN, mostra que esta construção está presente em variedades do PE, nos arquipélagos dos Açores e Madeira (fig. 1): Fig. – Mapa com a distribuição de “ter” impessoal e existencial no CORDIAL-SIN (CARRILHO e PEREIRA, 2011, 130). Trata-se de uma construção em que o verbo ter é usado não com o seu valor de posse, como na gramática da variedade normativa do PE, mas sim como verbo existencial, em vez da variante normativa com haver, fenómeno que se encontra ilustrado através dos exemplos, em (7), retirados deste trabalho: 7) a. “Porque aqui à nossa frente, tinha um alto, tinha um moinho de vento e não via a casa da minha mãe! (PST16)”; b. “Mas tinha muitos moinhos por aqui fora. (CLH03)” (Id., Ibid., 129). Aline Bazenga (BAZENGA, 2012a, 2012b), com base no CSF, confirma a vitalidade desta construção: 8) a. “nunca tive oportunidade só_só italiano lá em baixo no centro onde tem [padrão: há] um italiano espetacular. (FNC11_HA1)”; b. “Porque no Continente tem as discotecas onde vai toda a gente e tem [padrão: há] as discotecas que são escondidas só vai quem quiser. (FNC11_HA2)”; c. “no meu trabalho onde eu trabalho tem [padrão: há] muita gente de idade e há velhotes que têm pensões. (FNC11_MB2)”; d. “tem [padrão: há] bastantes colégios aqui na Madeira. (FNC11_MA3 111-2)”; e. “tem [padrão: há] pessoas com estudos e não têm trabalho. (FNC11_MC1.2 177)”; f. “na rua dos ilhéus onde tem [padrão: há] dez_vinte prédios de apartamentos. (FNC_CH 3.1 102)”. Em trabalhos de mestrado realizados em 2014, sob a orientação de Aline Bazenga, foi possível realizar um estudo sociolinguístico, recorrendo a duas amostras de seis informantes cada. Estas duas amostras, uma com informantes pouco escolarizados (TER-Funchal 1) e a outra com informantes licenciados (TER-Funchal 3), permitiram obter os primeiros dados quantitativos e configurar a variação no domínio das construções existenciais na variedade do PFM. A seguir (cf. figs. 2 e 3), são apresentados os resultados globais obtidos, em termos de percentagens: [table id=84 /] Estes resultados permitem concluir que o uso da variante construção existencial com ter é frequente na variedade popular do Funchal, i.e., junto de informantes pouco escolarizados e, por esse motivo, com menor contacto com a variante-padrão veiculada pela escola, sobretudo do sexo masculino (63,70 %) e mais jovens (faixas etárias A e B, com 68,3 % e 53,8 %, respetivamente). É, também, de salientar a preferência deste grupo de falantes pelo uso do verbo ter neste tipo de construções com o verbo no presente do indicativo (58,5 %) e quando seguido de um sintagma nominal (SN) cujo nome (N) apresenta um traço semântico [+ animado] (62,3 %). Os dados deste tipo de informantes contrastam com os produzidos por informantes com formação universitária e maior contacto com a variante-padrão (fig. 3). Neste conjunto, observa-se uma percentagem reduzida de ocorrências da variante com ter. [table id=85 /] A variante com ter com valor existencial estava presente na língua portuguesa nos sécs. XV e XVI, em concorrência com a variante em haver, primeiro com valor de posse, mas também com valor existencial, conforme exemplos dados em (9) e em (10): 9) valor de posse (dados do séc. XV) a. ter: “quanta herdade eu ey” (MATTOS e SILVA, 1997, 270); b. haver: “Ele non pode aver remedio” (MATTOS e SILVA, 1989, 591). 10) valor existencial (dados do séc. XVI retirados de VIOTTI (1988,46)) a. haver: “Hum dos nobres que hy ha ca este aiuda os dous” (AX 120.5); “Avya hi hua donzella muy fremosa” (CGE 93.12/13); “Ouve hy muitos mortos e feridos” (CGE 94.17); b. ter: “Antre esta coroa darea e esta ilha tem canal pera poder sahir” (MNS 314.2); “Para cima tendo dous bons canais hum aloeste e outro ao leste” (MNS 324.9); “Na sua ponta da banda da sua tem hua terra alta” MNS 326.19. De acordo com Evani Viotti (1988) e Rosa Virgínia Mattos e Silva (1989), a percentagem de uso da variante com ter (42 %) em construções de posse no séc. XV já se aproximava da variante com haver. No séc. XVI, o uso de ter de posse (86 %) suplanta o de haver, começando também a ser usado em construções impessoais com valor existencial. Nas variedades do PE continental, observa-se uma fixação nos usos destes dois verbos: o verbo ter em construções de posse e o verbo haver em construções existenciais impessoais, o que não ocorre de modo categórico na gramática de alguns falantes madeirenses. Nas variedades insulares do PE e nas variedades extraeuropeias do português, manteve-se o uso conservador da variante ter existencial, com maior ou menor frequência, segundo as situações discursivas e a influência exercida por fatores linguísticos e extralinguísticos anteriormente referidos. Construções pronominais Neste domínio da gramática do português, alguns dos fenómenos que mais têm sido estudados na variedade do PFM prendem-se com (i) as diferentes estratégias de marcação da função OD e as construções sintático-semânticas com o pronome a gente. Estratégia de marcação de OD de terceira pessoa: pronome ele, clítico lhe e OD nulo – O CSF permitiu observar o uso de variantes não-padrão (BAZENGA, 2011c), tais como a variante com o pronome ele, em (11), e a variante com o clítico lhe, em (12): 11) a. “ponho ele [ponho-o] a ver bonecos. (FNC11_MA1 243)”; b. “meto ele [meto-o] a andar de bicicleta. (FNC11_MA1 243)”; c. “e depois o marido deixou ela [deixou-a] e ficou na quinta. (FNC11_MC1.1 453)”. 12) a. “Tento-lhe explicar e lhe informar [informá-lo] sobre as coisas. (FNC11_HA1426)”; b. “Levo-lhe [levo-o] à escola. (FNC11_MA1 006)”; c. “eu não gostava dele nem lhe [nem o podia] ver à frente. (FNC11_MA1 204-5)”. Outras estratégias utilizadas são a variante em OD nulo, em (13), e a repetição lexical, em (14): 13) a. “faço o jantar sirvo [sirvo-o] à família. (FNC11_MA1:010)”; b. “a minha licenciatura termina-se antes do tempo pretendido_ tive que me enquadrar no bolonha e tive que [a] acabar mais cedo – (FNC-MA3.1:013)”. 14) a. “gostava de comprar uma mota_ e os meus pais detestam [detestam-nas] motas – (FNC-HA1:004)”; b. “queria a minha roupa vestia a minha roupa [vestia-a]. (FNC11_MA1:067)”. A seguir, apresentam-se os resultados de estudos quantitativos realizados com amostras retiradas do CSF – OD-Funchal-A(jovens), OD-Funchal-C(idosos) e OD-Funchal-1(pouco escolarizados) –, cada uma composta por seis informantes, que permitem observar as principais tendências no que se refere às estratégias de marcação de OD, por falantes inseridos numa comunidade urbana e insular do PE, o Funchal, capital da ilha da Madeira.   Fig. 4 – Gráfico OD-Funchal-A(jovens) (NÓBREGA e COELHO, 2014).     Fig. 5 – Gráfico OD-Funchal-C(idosos) (CAIRES e LUIS, 2014).       Fig. 6 – Gráfico OD-Funchal-1 (pouco escolarizados) (AVEIRO e SOUSA, 2014).     Os resultados mostram que o uso do clítico em função OD (-o, -a, -os, -as e as suas variantes contextuais, -no, -na, -nos, -nas e -lo, -la, -los, -las), e que corresponde à variante-padrão, é a estratégia, logo a seguir à variante com lhe (9 % (fig. 4), 2 % (fig. 5) e 4,2 % (fig. 6)), menos utilizada pelos falantes do Funchal, quer sejam jovens (cf. fig. 4, com 16 %), idosos (cf. fig. 5, com 18,2 %) ou com nível de escolaridade baixo (cf. fig. 6, com 2,8 %). As estratégias preferenciais traduzem-se pelo recurso à repetição lexical e à não-marcação desta função ou OD nulo. O uso da variante com ele apresenta valores mais expressivos quando se trata de falantes mais idosos (16,4 %) e pouco escolarizados (19,6 %); já a variante em -lhe regista a sua maior percentagem de uso na amostra dos seis informantes jovens (9 %). O fator “nível de escolaridade” (que categoriza os falantes em três níveis: com formação até ao ensino básico (nível 1), secundário (nível 2) e superior (nível 3)) parece ser aquele que maior incidência tem no uso da variante-padrão com clítico -o. A título de exemplo, podemos observar os resultados obtidos quando se tem em conta este fator na amostra de informantes mais idosos (fig. 7), no gráfico a seguir apresentado:   Fig. 7 – Gráfico OD-Funchal-C(idosos) e variável nível de escolaridade (CAIRES e LUIS, 2014).     Os falantes idosos mais escolarizados (com estudos do ensino superior) não recorrem, por exemplo, à variante com ele, muito utilizada por aqueles que têm poucos estudos (22 %); inversamente, utilizam a variante-padrão (25 %), em contraste com o uso pouco significativo (5,6 %) por parte de falantes menos escolarizados. Um estudo posterior, de Lorena Rodrigues (RODRIGUES, 2015) e da mesma autora juntamente com Aline Bazenga (RODRIGUES e BAZENGA, 2016), realizado junto de 412 estudantes da UMa, permite observar a forma como as variantes em ele e em -lhe, do PFM, sobretudo na variedade do Funchal, ou PE-Funchal, são avaliadas (fig. 8):   Fig. 8 – Gráfico com os resultados globais da avaliação das variantes OD ele e -lhe por estudantes da UMa (RODRIGUES, 2015; RODRIGUES e BAZENGA, 2016).     A fig. 8 mostra que a variante não-padrão em ele é avaliada como de menor prestígio, sendo também maior o número de informantes que admite utilizar a variante em -lhe na oralidade. Relativamente à variante -lhe, dos 29 % que manifestam a sua discordância com a hipótese 1, a de se tratar de uma variante errada, e declaram não a usar nem na fala nem na escrita, são os jovens do sexo masculino aqueles que mais a aceitam (31 %), com 12 % dos inquiridos a afirmar a sua utilização na fala e na escrita e 8 % a considerar que se trata de uma variante correta (fig. 9).   Fig. 9 – Gráfico com os resultados da avaliação das variantes OD ele e -lhe por estudantes da UMa (RODRIGUES, 2015; RODRIGUES e BAZENGA, 2016): fator social (género dos inquiridos).   A percentagem de aceitação desta variante aumenta quando estão reunidas duas propriedades linguísticas de N anafórico: nome [+humano] e do género masculino (vi-lhe [o Pedro] na missa). Assim, quando reunidas estas condições, 15 % dos inquiridos afirma utilizar esta variante na oralidade, em situações do discurso informais, e 11 % considera-a como sendo correta. Fig. 10 – Gráfico com os resultados da avaliação das variantes OD ele e -lhe por estudantes da UMa (RODRIGUES, 2015; RODRIGUES e BAZENGA, 2016): fatores linguísticos (traço semântico [humano] e género de N).     Estes resultados parecem configurar uma ainda ténue distribuição na perceção social das duas variantes: a variante ele é mais estigmatizada pela jovem elite insular e a variante -lhe parece estar a progredir em termos de aceitabilidade. A variante a gente, forma estigmatizada e alternante com nós, é também muito usada na oralidade. Ambas as variantes podem denotar uma entidade plural, mas requerem, do ponto de vista normativo, formas verbais na 3PS (terceira pessoa do singular, no caso de a gente) e 1PP (primeira pessoa do plural, no caso de nós). No entanto, os falantes utilizam muitas vezes na oralidade uma estratégia regularizadora, transferindo os traços de nós para a variante a gente, de que resulta, por exemplo, a gente vamos. O trabalho de Juliana Vianna (VIANNA, 2011), intitulado Semelhanças e Diferenças na Implementação de a Gente em Variedades do Português, com recurso aos dados coletados em 2010 para o Projeto Concordância (UFRJ – CLUL), que integram o CSF atual, permite observar que, dentro das variedades do PE, o uso de a gente adquire maior expressão na variedade falada no Funchal (fig. 11). [table id=86 /] Este facto ganha ainda maior visibilidade quando considerados alguns fatores sociais, nomeadamente o fator nível de escolaridade (fig. 12) e género (fig. 13) dos informantes.     Fig. 12 – Tabela com os resultados dos usos das variantes a gente e nós em variedades do PE, atendendo ao fator nível de escolaridade dos informantes (VIANNA, 2011). Os resultados mostram que a variante a gente é utilizada pelos setores mais marginalizados da sociedade insular, ou seja, maioritariamente por informantes com um nível de escolaridade baixo (52 %) e do sexo feminino (51 %), gozando, por este motivo, de pouco prestígio social. Outra construção sintática não-padrão e na qual se encontra a forma pronominal a gente, estudada por Ana Maria Martins (MARTINS, 2009), encontra-se em (15), a seguir, com dados de um falante de Câmara de Lobos: 15) a. “Não sabem o que a gente se passámos aí. (CORDIAL-SIN. CLC)”; b. “Este pode ser a coisa que a gente se diz peixe-cavalo. (CORDIAL-SIN. CLC)”.   Este tipo de construções, designadas por “duplo sujeito”, observada nos dados do CORDIAL-SIN, cujos informantes obedecem a um perfil social específico (geralmente idosos, analfabetos e que nunca saíram da região onde nasceram, sendo por este motivo considerados mais autênticos), está muito presente na ilha da Madeira, embora não seja específica da variedade insular, como referido pela autora em nota de rodapé: “The double subject SE construction is found in the archipelagos of Azores and Madeira as well as in continental Portuguese. It is much more common in the Centre and South of Portugal than in the North (where nonetheless it is also attested). It is fully ungrammatical in standard EP and has gone totally unobserved by philologists and linguists who dealt with dialect variation in European Portuguese” [A construção de duplo sujeito SE pode ser observada nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, bem como no português continental. Esta é muito mais frequente no Centro e no Sul de Portugal do que no Norte. É totalmente agramatical no PE-padrão, tendo passado despercebida a filólogos e linguistas que trabalham a variação dialetal no Português Europeu] (Ibid.). O CSF fornece mais exemplos deste tipo de construção, o que atesta a sua vitalidade, que não se limita ao seu uso por parte de falantes de comunidade rurais ou piscatórias, mas também de uma comunidade urbana, como a do Funchal: 16) a. “eu ainda falo um pouco lá como a gente fala-se lá na Calheta. (FNC11_HA1152-3)”; b. “a gente pede-se o bilhete de identidade tira-se o nome tira-se tudo gravas e depois vão dormir. (FNC11_MC1.1 099)”; c. “e cada vez a gente ouve-se  mais falar sobre isso. (FNC-MA3.1 271)”. Variantes de terceira pessoa do plural no verbo em contexto de concordância verbal O estudo da aplicação variável da regra de concordância verbal de 3PP (ou PN6) é o fenómeno morfofonológico e sintático mais estudado na variedade do PE-Funchal, sendo possível observar algumas tendências, em termos quantitativos e qualitativos, no que se refere aos padrões de variantes em coexistência nesta variedade urbana e insular do PE. Em termos de resultados globais de realização da concordância verbal com PN6, incluindo produções padrão e não-padrão da marca de Pessoa e Número (PN) no verbo neste contexto, Aline Bazenga (BAZENGA, 2012b) registou, a partir de uma amostra de dados retirados do Corpus Concordância, 84 % de concordância, percentagem que se relaciona fundamentalmente com o facto de ter incluído ocorrências do tipo tem/têm e construções com o verbo ser antecedido de SN topicalizado. Num estudo posterior, Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga (VIEIRA e BAZENGA, 2013), recorrendo também a uma amostra do mesmo corpus, mas adotando critérios uniformizados, registaram um índice de concordância de 94,7 %, valor que se situa numa posição intermédia, quando comparado com os resultados obtidos nas outras amostras, tanto europeias, como brasileiras e africanas: 99,1 % (Oeiras) e 99,2 % (Cacém), as duas amostras do PE continental; 89,1 % (Copacabana) e 78,2 % (Nova Iguaçu), do PB; e 92,1 % na amostra de São Tomé. Estes índices gerais permitem observar o contraste entre variedades do português, quanto ao tipo de regra (LABOV, 2003): as variedades do PE continental caracterizam-se por apresentarem uma regra semicategórica de concordância de terceira pessoa do plural, enquanto as variedades não europeias exibem uma regra variável. A variedade do PE-Funchal apresenta um comportamento que se situa no limite entre uma regra semicategórica e variável. Fica patente também neste trabalho, tal como em outros estudos variacionistas da concordância verbal de PN6 (MONGUILHOTT, 2009; RUBIO, 2012; MONTE, 2012), que o conjunto de fatores em atuação nas variedades do PE parece obedecer a condicionamentos morfofonológicos (sândi externo, um fenómeno de fonética sintática que ocorre no encontro de duas palavras, envolvendo uma vogal ou consoante final de uma palavra e uma vogal ou consoante inicial da palavra que está imediatamente a seguir, como em “bebe bem”, com a seguinte alteração ['bɛbɨ 'bɐ̃j̃]  ['bɛ 'bɐ̃j̃], ou em “gosta da amiga”, ['gɔʃtɐ dɐ ɐ’migɐ]  ['gɔʃtɐ da'migɐ]) e sintático-semânticos do tipo genérico ou de natureza “universal” (sobretudo posição e tipo de sujeito), restrições que afetam as línguas, independentemente da sua tipologia, como referido no trabalho de Greville Corbett (CORBETT, 2000). No entanto, tanto no trabalho de Aline Bazenga (BAZENGA, 2012b) como no já referido de Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga (RODRIGUES e BAZENGA, 2013), a variedade do PE-Funchal distingue-se das variedades urbanas do PE por apresentar um conjunto de padrões de variantes flexionais de terceira pessoa do plural mais rico, comparável com os dados de subvariedades rurais ou semiurbanas (MOTA et al., 2003; MOTA e VIEIRA, 2008; MOTA, 2013) ou da variedade de Braga, estudada por Celeste Rodrigues (RODRIGUES,2012). Com efeito, na variedade do Funchal, para além das variantes flexionais-padrão (falam), foi possível constatar o uso de variantes não-padrão, marcadas pela realização de (i) um ditongo nasal não conforme com a morfologia verbal-padrão (falem, ou variante -EM) e (ii) da vogal oral (comero) ou nasal (comerõ) (variantes -U), para além da variante em vogal oral, resultante da não realização do traço de nasalidade, isomorfa de PN3, observada, ainda que de forma pouco produtiva, nas variedades do PE continental e normalmente analisada como não contendo a marca de número exigida pelo contexto de concordância verbal de PN6 (fala). Variantes flexionais não-padrão em contexto de concordância verbal de PN6 – A comparação das variantes flexionais não-padrão de PN6 (-EM e -U) atestadas no CSF (VIEIRA e BAZENGA, 2013) com as ocorrências observadas em amostras das subvariedades rurais/semirrurais do PE continental (dialetos setentrionais e dialetos centro-meridionais), retiradas de corpora (PE1, BB e AA) referidos no trabalho de Celeste Rodrigues e Maria Antónia Mota (RODRIGUES e MOTA, 2008), revela alguma especificidade da variedade urbana insular, caracterizada por uma maior diversidade, no que se refere tanto ao número de variantes como ao dos paradigmas verbais. Nesta variedade, o pretérito imperfeito do indicativo é objeto de maior variação, não só em termos quantitativos, mas também qualitativos. As gramáticas de falantes madeirenses do Funchal incluem neste tempo verbal, para além da variante-padrão e a variante isomórfica de PN3, as variantes -EM e -U. Na fig. 14, onde consta o conjunto de variantes atestadas no Funchal no trabalho de Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga (VIEIRA e BAZENGA, 2013), é possível observar que, depois da variante de PN6-padrão, inequivocamente com a realização canónica da concordância verbal (85,7 %), a variante mais expressiva, em termos quantitativos, é a que corresponde à forma verbal com uma terminação em ditongo nasal “deslocada” do seu paradigma e estendida a outros, representada por -EM (8,2 %), logo seguida da variante em vogal oral, isomórfica de PN3, analisada no referido trabalho como de não aplicação da concordância verbal de PN6.   Variantes não-padrão em vogal oral = isomórfica de PN3 Variante não-padrão em –EM Variante não-padrão em –U Variantes-padrão N.º de oc. % N.º de oc. % N.º de oc. % N.º de oc. % 48 /914 5,3 % 75/914 8,2 % 8/914 0,9 % 783/914 85,7 %   Fig. 14 – Tabela com as variantes flexionais em contexto de concordância verbal PN6 (VIEIRA e BAZENGA, 2013). As duas variantes (-EM e -U) representam cerca de 9 % dos dados, ou seja, 83 em 866 ocorrências totais de marcação explícita da concordância verbal, nos dados analisados por Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga (VIEIRA e BAZENGA 2013), e quase o dobro das realizações sem a marca de número de PN6 (5,3 %). A realização em [ɐ̃j̃], presente no paradigma do presente do indicativo dos verbos com vogal temática (VT) /e/ e /i/, estende-se aos verbos com VT /a/, estabelecendo uma convergência na marcação PN6 Este processo de nivelamento na marcação de PN6 é também observado nos paradigmas do pretérito imperfeito do indicativo e do pretérito perfeito do indicativo (fig. 15), ilustrados pelos exemplos atestados em (17)-(19).   Variante PN6 não-padrão Presente Ind. Pretérito Imperfeito Ind. Pretérito Perfeito Ind. Totais VT /a/ VT /a/ VT /e/ VT /i/ VT /a/ VT /e/ VT /i/ -EM [ɐ̃j̃] 19 oc. 24 oc. 16 oc. 9 oc 4 oc. - 3 oc. 75 oc. Totais 19 49 7   Fig. 15 – Tabela com a variante flexional -EM não-padrão na variedade do Funchal (VIEIRA e BAZENGA, 2013). 17) Presente do indicativo a. “aqueles carres [carros] que andem [andam] de noite. (C1h)”; b. “os próprios portugueses massacrem [massacram] os outros.” (C2m). 18) Pretérito imperfeito do indicativo a. “tanto é qu’as minhas primas elas diziem [diziam]. (B1M)”; c. “eles me chamavem [chamavam] madeirense de segunda. (C2m)”. 19) Pretérito perfeito do indicativo a. “as casas caírem [caíram]. (C1m)”; b. “depois eles mandarem-me [mandaram-me] reformar. (C1h)”. Os paradigmas verbais do PE dispõem de duas formas para marcação de PN6, ambas ditongos nasais, [ɐ̃w̃] e [ɐ̃j̃], mas com distribuições distintas. No português-padrão, a variante [ɐ̃j̃] integra os paradigmas do presente do indicativo dos verbos com VT /e/ e /i/, os do presente do conjuntivo dos verbos com VT /a/ e os do futuro do conjuntivo e do infinitivo pessoal, no conjunto das três conjugações (verbos com VT /a/, /e/ e /i/). Observam-se ainda alterações nas realizações fonéticas dos radicais dos verbos pôr (no pretérito perfeito) e ter (no pretérito imperfeito), transcritas como em (20): 20) a. “ponhem [punham] em terra gastava no calhau. (C1h)”; b. “todos eles tenham [tinham] dom. (B2h)”. Estas alterações poderão estar condicionadas por uma combinatória de restrições, relacionadas com as alterações que sofrem as realizações fonéticas das vogais tónicas /u/ e /i/ na variedade madeirense, por um lado, e pela estratégia de regularização de radicais (p[o]nhem/p[o]r; t[e]nham/t[e]r), por outro. As variantes com ditongo de PN6 da não-padrão realizam-se maioritariamente em contextos sintáticos em que o sujeito expresso está anteposto ao verbo (53,3 % e 40/75 ocorrências). Também ocorrem em 45,3 % (34/75) em contexto de sujeito não expresso, sendo de registar apenas uma ocorrência com sujeito posposto. A realização desta variante não parece ser condicionada por esta variável sintática. O mesmo não acontece em amostras de localidades situadas na zona dos dialetos centro-meridionais do interior do PE analisados por Maria Antónia Mota, Matilde Miguel e Amália Mendes, nas quais “a realização de vogal nasal está relacionada com a presença de sujeito nulo, o que indica a necessidade de se aprofundar o estudo das relações entre o marcador de PN6 e o tipo de sujeito (no caso, uma ‘redução’ fonética, do tipo ditongo nasal > vogal nasal ou uma não ditongação da estrutura /vogal n/): 54 % das ocorrências estão em frases com sujeito nulo; 24 %, com sujeito nominal; 20 %, com sujeito pronominal” (MOTA et al., 2012, 172). Quando considerados os contextos fonéticos adjacentes (forma verbal seguida de palavra iniciada por vogal, consoante (C) nasal, consoante não nasal e de pausa), observa-se a seguinte distribuição das ocorrências (fig. 16):   Variante de PN6 não-padrão + vogal + C nasal + C não nasal Pausa # -EM [ɐ̃j̃] 30 oc. 8 oc. 25 oc. 12 oc.   Fig. 16 – Tabela com a variante flexional -EM não-padrão e contextos fonéticos adjacentes (BAZENGA, 2015b). Esta variante não parece ser sensível ao contexto fonético à sua direita. Na variedade geográfica do Funchal, o ditongo [ɐ̃j̃], forma “peregrina” ou de “empréstimo” aos verbos com VT /e/ e /i/ cuja realização se estende aos verbos com VT /a/, insere-se num padrão marcado pela uniformização do marcador de PN6 no verbo, nos paradigmas verbais do presente, pretérito imperfeito e pretérito perfeito do indicativo. As variantes com final verbal em -U atestadas, no total oito, incidem apenas sobre o pretérito imperfeito (fig. 17), todas de um informante da faixa etária (36-55 anos), do sexo feminino e com escolaridade básica: 21) a. “quando os meus pais moravo na casa”; b. “eles vinho brincare”; c. “alevantavo-se durante a noite cede”.     Variante PN6 não-padrão Presente Ind. Pretérito Imperfeito Ind. Pretérito Perfeito Ind. Totais VT /a/ VT /e/ VT /i/ VT /a/ VT /e/ VT /i/ -U [u] ou [ũ] - 5oc. 1 oc. 2 oc. - - - 8 oc.   Fig. 17 – Tabela com a variante flexional -U não-padrão e paradigmas verbais no CSF (BAZENGA, 2015b). Tal como a variante -EM, a variante em -U realiza-se maioritariamente em contexto de sujeito expresso (5/8 dos dados), situação que não parece corresponder ao observado por Maria Antónia Mota, Matilde Miguel e Amália Mendes em dados de variedades centro-meridionais, nos quais existem “indícios de que a realização de vogal nasal está relacionada com a presença de sujeito nulo, o que indica a necessidade de se aprofundar o estudo das relações entre o marcador de PN6 e o tipo de sujeito” (Ibid.). De acordo com as autoras, as realizações fonéticas em vogal nasal de PN6 corresponderiam a uma fase do processo morfofonológico anterior à realização canónica de ditongo nasal da forma fonológica /vogal N/. A variante em -U está também presente no conjunto de variantes observadas em fala espontânea informal na variedade urbana de Braga, que integra os dialetos setentrionais do PE, como mostra o estudo de Celeste Rodrigues (2012), com dados retirados do CPE-Var, um corpus que inclui 180 entrevistas sociolinguísticas de falantes de Lisboa e Braga, coletadas entre 1996 e 1998 (fig. 18). Variantes de PN6 [ɐ̃w̃] [ɐ̃w̃] 53 % [õ] 35,7 % [u] 8,1 % [ũ] 1,4 % Sem produção da terminação verbal = 1,6 % Variantes de PN6 [ɐ̃j̃] [ɐ̃j̃] 41,4 % [ẽ] 41,4 % [ẽj̃] 4,4 % Sem produção da terminação verbal = cerca de 12 % Fig. 18 – Tabela com as variantes flexionais de PN6 atestadas na variedade de Braga – PE (Corpus CPE-Var, utilizado em RODRIGUES, 2003; 2012, 221-222). Atendendo ao conhecimento histórico das mudanças ocorridas no português, a variante em -U (oral ou nasal) da forma padrão PN6 poderá ser considerada “histórica” ou “conservadora”, podendo ser associada às vogais nasais existentes no período arcaico da história do PE (-ã, -õ e -ão) (fig. 19), antes da convergência em ditongo nasal [ɐ̃w̃], que já no séc. XVI integrava a variedade-padrão do PE (português literário e língua culta do centro do país).   Nomes Flexão verbal -ã -áne -ánt -ant Indicativo presente dos verbos dar e estar e futuro de todos os verbos; Indicativo presente dos verbos da 1.ª conjugação, imperfeito, futuro do pretérito e pretérito mais-que-perfeito de todos os verbos e conjuntivo presente dos verbos da 2.ª e 3.ª conjugações. -õ -one - udine -unt -úm -unt Indicativo presente do verbo ser; 1.ª pessoa do singular do indicativo presente do verbo ser; Pretérito perfeito de todos os verbos. -ão -anu - anu   Fig. 19 – Tabela com as vogais nasais do português arcaico (CARDEIRA, 2005, 113). Clarinda de Azevedo Maia, fundamentando-se nas observações de Duarte Nunes de Leão, um gramático do séc. XVI, refere que “a pronúncia -õ era tida pelos gramáticos da época como característica da região interamnense” (MAIA, 1986, 604), o que leva Rosa Mattos e Silva a supor que durante o processo de convergência teriam convivido “como variantes no diassistema do português o ditongo [ɐ̃w̃], proveniente do etimológico [-anu], e do [ɐ̃], do etimológico [-ane] e [-ant]; e o ditongo [õw̃] de [õ], do etimológico [-one] e [-unt]”, com a norma que se estabelece no séc. XVI a selecionar o ditongo [ɐ̃w̃] como forma de prestígio em detrimento do ditongo [õw̃], avaliado negativamente e ainda hoje marcado como “popular, arcaizante e regional” (MATTOS e SILVA, 1995, 76). De salientar ainda o facto de as variantes em -U (vogal nasal [ũ] e vogal oral [u]) atestadas na amostra do Funchal analisada por Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga (2013) corresponderem à realização de PN6 apenas do pretérito imperfeito do indicativo, o que não está em conformidade com a vogal etimológica -o < -UNT) do pretérito perfeito de todos os verbos (fig. 19). Assim, apesar de poderem ser consideradas variantes não-padrão arcaizantes, as formas em -U da variedade urbana insular contêm traços inovadores. As variantes flexionais de PN6 não-padrão realizadas por uma vogal oral isomórfica de PN3 correspondem a 5,3 % dos dados atestados na variedade do Funchal (VIEIRA e BAZENGA, 2013), ou seja, a 49/914 ocorrências. Neste tipo de variantes, poderá estar em causa apenas a associação ou não do autossegmento flutuante /N/, tal como a representação formulada para o PE-padrão de Maria Helena Mira Mateus e Ernesto d’Andrade. Segundo esta proposta, as variantes sem ditongo podem resultar da propriedade de leveza que caracteriza os ditongos nasais finais não acentuados, de PN6 em formas verbais do PE-padrão. Estes ditongos, mas também aqueles que ocorrem em formas nominais simples (homem) ou com sufixo -agem (paragem, lavagem), são considerados pós-lexicais pelo facto de se encontrarem em palavras marcadas pela ausência de constituinte temático, por oposição aos ditongos nasais lexicais, gerados no léxico e que atraem o acento para o final de sílaba (pão) e admitem, como único segmento em coda, a fricativa /S/ (pães). Nos ditongos pós-lexicais, a semivogal é epentética, atendendo à sua inexistência a nível lexical, e surge após o processo de ditongação, ocupando os dois segmentos uma única posição no núcleo. O autossegmento flutuante /N/ projeta-se sobre o núcleo silábico, nasalizando os dois segmentos em simultâneo. O facto de este autossegmento nasal apenas se projetar no núcleo impede que qualquer segmento em posição de coda possa ser nasalizado (MATEUS e ANDRADE, 2000, 133). Considerando o efeito do contexto fonético à direita, observa-se que o contexto que mais favorece a realização da variante flexional em vogal oral é aquele em que a palavra seguinte se inicia por vogal (fig. 20).   + vogal + C nasal + C não nasal Pausa # 29/48 oc. 60,4 % 8/48 oc. 16,6 % 8/48 oc. 16,6 % 3/48 oc. 6,25 %   Fig. 20 – Tabela com as variantes PN6 não-padrão em vogal oral (isomórficas de PN3) e contextos fonéticos à direita da forma verbal (BAZENGA, 2015b). Atendendo a que “o contexto precedendo pausa […] é o que mais favorece a ativação do padrão com ditongo nasal” (MOTA et al., 2012, 171) e que, no âmbito da fonética sintática (sândi externo), podem ocorrer alterações fonéticas, nomeadamente quando a palavra seguinte se inicia por vogal ou consoante nasal, podemos considerar que, do ponto de vista da realização da forma verbal requerida em contexto sintático de concordância verbal em contexto sintático de PN6, apenas 11 das 49 ocorrências com vogal oral final nas formas verbais correspondem à não aplicação da regra de concordância, desprovidas da ambiguidade (oito ocorrências em 49, seguidas de consoante não nasal e três ocorrências seguida de pausa). Esta questão será abordada posteriormente, quando considerada a hipótese de concordância implícita, já referida na análise das variantes em -EM e -U, mas na sua versão mais recente e desenvolvida no artigo de Maria Antónia Mota de 2013. As variantes em vogal oral não-padrão de PN6 (isomórficas de PN3) correspondem maioritariamente a verbos com VT /a/ e /e/, representadas por -A e -E, respetivamente, cuja distribuição pelos paradigmas verbais consta da fig. 21, em contexto de palavra seguinte iniciada por vogal (21 das 29 ocorrências), registando-se ainda um exemplo com o verbo ir (quando vai aqueles pa agarrar o coisa – C1m):   Variante em vogal oral Presente do Indicativo Pretérito Imperfeito do Indicativo Pretérito Imperfeito do Conjuntivo vogal -A 2/21 11/21 - vogal -E 5/21 - 2/21   Fig. 21 – Tabela com a realização de variantes não-padrão em vogal oral (isomórficas de PN3) e paradigmas verbais (BAZENGA, 2015b). Nestes paradigmas, a distinção entre PN3 e PN6 na morfologia verbal-padrão resulta apenas da ancoragem ou não do autossegmento nasal /N/. Por outro lado, o contexto [+vogal] corresponde, na sua maioria (15 das 21 ocorrências de variantes -A e -E, realizadas foneticamente pelas vogais átonas [-ɐ] e [-ɨ]), às realizações fonéticas [a] e [ɐ]. Este encontro intervocálico na fronteira de palavra (sândi externo) resulta na elisão das finais verbais átonas e na ressilabificação das duas sílabas em contacto, como exemplificado a seguir: 22) a. “as mercearias na altura fechava às onze. (B1m)”; [fɨʃavɐ + aʃ] [fɨʃavaʃ] b. “os outros tinha as costas quentes. (C2m)”; [tiɲɐ + ɐʃ] [tiɲɐʃ] c. “das consequências que daí pode advir. (C2h)”. [podɨ + ɐdvir] [podɐdvir] Observa-se ainda que muitas das ocorrências com vogal oral -E correspondem ao item verbal inacusativo existir. Atendendo unicamente ao contexto de sujeitos pospostos, regista-se um total de 20 ocorrências de existir em 34, ou seja, 58, 8% (11 dados com ditongo-padrão de PN6 e nove dados não-padrão com vogal oral -E), no presente do indicativo (19 dados), registando-se apenas uma ocorrência no imperfeito do indicativo (“voltou a se provar que existia ainda substâncias” – B2h) (BAZENGA, 2015). Para além do verbo existir, observa-se a ocorrência de alguns itens verbais, tais como ter (dois dados) e vir no imperfeito do indicativo, cujos radicais contêm a consoante nasal palatal (-nh-) e que em princípio deveriam induzir a realização do segmento nasal do PN6-padrão, como afirma Jorge Morais Barbosa, a propósito da nasalização de vogais em contacto com consoantes nasais: “il semble que celle-ci [a nasalização] soim de règle lorsque la consonne nasale précède la voyelle, et que par contre dane le type voyelle + consonne la voyelle se maintienne souvent pratiquement orale” [parece que este fenómeno [a nasalização] segue a regra quando a consoante nasal precede a vogal e que, pelo contrário, no tipo vogal +consoante, a vogal mantém-se muitas vezes praticamente oral] (BARBOSA, 1965, 82). Um outro verbo parece ser bastante vulnerável. Trata-se do verbo ser, com seis dados no total, todos seguidos de uma palavra iniciada por consoante não nasal. 23) a. “enquanto elas fosse pequenas. (B1m)”; b. “as brincadeira era poucas. (C1m)”; c. “os professores chamados oficiais que era do_dos públicos. (C3m)”; d. “mas os dias foi [foram] passando. (A1m)”. Para além destes dados, é de registar o dado com o verbo ser, em (23d.), por ser semelhante a um dos tipos referidos (eles vai; eles cantou) por Sílvia Rodrigues Vieira e Aline Bazenga, como não sendo observado em variedades do PE, contrariamente ao que ocorre em algumas variedades do PB e em variedades africanas do português. Outros dados no pretérito perfeito do indicativo, sem o ditongo nasal final [ɐ̃w̃] de PN6, também são atestados, mas em contexto de sujeito posposto (“quando vai aqueles pa agarrar o coisa” (C1m); “caiu casas ali” (C1h); “aconteceu situações de tar [estar] em casa” (A1m)) (VIEIRA e BAZENGA, 2013, 23). Atitudes linguísticas de falantes madeirenses face à diversidade sintática da variedade insular do português: o continuum dialetal percetivo No âmbito da realização da dissertação de mestrado de Catarina Andrade, intitulada Crenças, Perceções e Atitudes Linguísticas de Falantes Madeirenses (2014), foi possível proceder à avaliação percetiva de construções sintáticas não-padrão em uso em variedades do português falado na Madeira, por parte de falantes madeirenses. Esta avaliação realizou-se através da aplicação de um questionário a uma amostra de 126 informantes, 18 por cada um dos sete pontos de inquérito na ilha da Madeira (Funchal, Santa Cruz, Machico, Câmara de Lobos, Santana e São Vicente e Calheta). Neste trabalho, a autora propõe um continuum dialetal através do qual apresenta as variantes sintáticas não-padrão alinhadas desde o polo à esquerda, onde se encontram as mais estigmatizadas, até às que gozam de maior prestígio, à direita, a partir de dados percetivos de informantes madeirenses (fig. 23).   Código Variante não-padrão Descrição Q.C.1.A “Comprei na feira.” Ausência de OD Q.C.6.A. “Porque estava chovendo.” Preferência para a forma do verbo estar + gerúndio Q.C.4.B. “Sim, eu sei, eu vi ele ontem.” Realização de OD com o pronome ele Q.C.5.A. “Tem muito trânsito nas ruas.” Preferência para o ter existencial Q.C.2.A. “Porque só no verão é que vai-se à praia.” Preferência para o uso do clítico se em posição incorreta Q.C.4.C. “Sim, eu sei, eu o vi ontem.” Realização de OD com o clítico o em posição incorreta Q.C.2.B. “Porque só no verão é que a gente vai-se à praia.” Realização da forma a gente com o se impessoal Q.C.3.A. “Não deve-se usar o telemóvel.” Realização do clítico se em posição incorreta Q.C.4.A. “Sim, eu sei, eu vi-lhe ontem.” Realização de OD com o clítico lhe Q.C.1.B. “Comprei-lhe na feira.” Realização de OD com o clítico lhe Fig. 22 – Quadro com as variantes sintáticas não-padrão consideradas para a construção de um continuum percetivo de falantes madeirenses (ANDRADE, 2014). A fig. 22 reúne o conjunto de variantes não-padrão consideradas para análise, cada uma associada a um determinado domínio gramatical do português. A forma de OD nulo parece ser privilegiada pelos madeirenses, especialmente na oralidade. Na sua dissertação, Catarina Andrade verificou, na sua abordagem geral no que se refere ao OD nulo, que, “dos 126 inquiridos, 59 % tem preferência para a omissão de OD e apenas 8 % para a sua realização com o clítico lhe” (ANDRADE, 2014, 151). A fig. 23 contém os resultados da avaliação realizada, com as variantes mais aceites à esquerda e as menos aceites e mais estigmatizadas à direita:   Fig. 23 – Gráfico com o continuum percetivo de variantes sintáticas não-padrão (ANDRADE, 2014).     Em traços gerais, as opções Q.C.1.A. (ausência de realização de OD), com 59 %, Q.C.6.A. (estar + gerúndio), com 58 %, e Q.C.4.B. (pronome ele OD), com 48 %, foram as variantes avaliadas de forma positiva pelos falantes madeirenses, em termos de aceitabilidade. Por seu turno, as opções/variantes Q.C.4.A. (12 %) e Q.C.1.B. (8 %), ambas relacionadas com a realização de OD através do clítico lhe, parecem ser fortemente estigmatizadas pelos inquiridos. Apesar de os falantes madeirenses terem acesso à norma-padrão através da escola, as variedades faladas na Ilha distanciam-se, em vários pontos do sistema linguístico, da variedade normativa, e os madeirenses têm consciência destas diferenças.   Considerações finais Tal como em outras variedades geográficas do português, a variação sintática está presente nas variedades faladas na Madeira, contribuindo para a caracterização sociolinguística e cultural da comunidade insular no seu todo. É notória também a presença de algumas variantes conservadoras, já não atestadas no PE continental, mas presentes também em variedades extraeuropeias do português (brasileira mas também africanas). As variantes inovadoras resultam, em muitos casos, de fenómenos de simplificação de subsistemas de marcação morfológica de categorias verbais e nominais, sendo os falantes menos escolarizados os que mais produzem este tipo de variantes. A presença destas características linguísticas no espaço insular deve-se provavelmente a uma história de contacto linguístico, social e cultural individualizante, quando comparada com outros territórios onde se fala o português. Parece clara também, tal como ocorre no PB, amplamente estudado por linguistas variacionistas, a influência de fatores sociais na variação sintática observada. Deste ponto de vista, as variantes, produzidas por falantes iletrados ou pouco escolarizados, mais velhos e do sexo feminino na comunidade de fala urbana do Funchal, podem ser consideradas como indicadores de localidade e de classe, ou seja, combinam o traço típico de “madeirensidade”, por se tratar de variantes não atestadas em variedades do PE continental até agora estudadas, e de “popularidade”, ou de grupo social, cuja variedade falada é marcada por usos de formas linguísticas não prestigiadas, excluídas da variedade-padrão do PE e objeto de estigma social. Embora as formas não marcadas manifestem uma tendência para sobreviverem à custa das formas marcadas por uma maior saliência percetual, esta tendência pode estar em risco, sob a influência de estereótipos sociais e regionais. Assim, as variantes flexionais não-padrão mais marcadas, de tipo -EM, por exemplo, tendem a ser produtivas, em detrimento de nivelamento linguístico, desejado pela elite madeirense desde o início do séc. XX. Funcionam como “indício” (no sentido que é dado pela semiótica de Peirce) de um sentimento de pertença a um território social. Numa comunidade de fala com as características marcadas pela insularidade, a mudança linguística poderia, assim, ser mais lenta, observando-se uma tendência para preservar as formas fortes e identitárias. A Dialetologia Percetual e os três estudos atitudinais e percetivos sobre a diversidade dialetal do PE (CABELEIRA, 2006, HADDAR, 2008 e FERREIRA, 2009), baseados em amostras com falantes que vivem em regiões de Portugal, fornecem outros argumentos para a individualização dos dialetos insulares, de um modo geral, e dos da Madeira, em particular. Nestes trabalhos, e no que se refere ao atributo “inteligibilidade”, as variedades do português falado nas ilhas portuguesas são avaliadas como menos inteligíveis, quando comparados com outras variedades do PE continental. Para tal contribuem não só alguns traços fonéticos e prosódicos, o léxico, mas também fenómenos morfossintáticos que efetivamente fazem parte da realidade linguística insular. O estudo similar, mas realizado junto de uma amostra de 126 informantes madeirenses, de Aline Bazenga, Catarina Andrade e António Almeida (2014) revela uma tendência para avaliar positivamente, em termos de prestígio, a variedade do português falado na Madeira, imediatamente a seguir à variedade-padrão (de Lisboa). A variedade dos Açores, contrariando a descrição linguística que a considera próxima da madeirense, é avaliada, pelos informantes madeirenses, como a menos compreensível e a mais distante da sua própria maneira de falar. Parece desenhar-se, assim, nos madeirenses uma representação de dupla filiação linguística: portuguesa, em primeiro lugar, seguida da “madeirensidade” (RODRIGUES, 2010), simbolizada por uma variedade falada distinta, também ela considerada de prestígio, um centro (regional/insular) dentro do centro do todo nacional – Lisboa, a capital –, a variedade de prestígio legitimado. A atitude positiva manifestada pelos madeirenses em relação à sua variedade falada poderia ser entendida a partir do conceito de “prestígio encoberto” (couvert), introduzido por Labov e também desenvolvido por Trudgill (1972), que procura explicar o uso de formas linguísticas não-padrão por parte de alguns grupos de uma comunidade de fala (os homens mais do que as mulheres, em particular). Estes usos constituem um padrão de prestígio implícito dentro da comunidade, com um valor simbólico de solidariedade para o grupo, em contraste com os valores de autoridade (clareza, elegância, pureza, competência) que caracterizam o prestígio legítim     Aline Bazenga Catarina Andrade (atualizado a 03.02.2017)  

Linguística Literatura

teatro, salas de

Do grego théatron, o teatro procura, inicialmente, representar as ligações do humano com o divino, por um lado, e envolver os espectadores num ambiente mágico, por outro, até se tornar naquilo que é nos tempos modernos: a representação de ações através de vozes e gestos, levada à cena por atores. Na Madeira, os locais das primeiras representações teatrais são os locutórios dos conventos e as igrejas, espaços improvisados que nem sempre respeitam a santidade do lugar. Ainda que as constituições do bispado do Funchal determinem “que se não façam nas igrejas ou ermidas representações [...] de dia nem de noite, sem especial licença do prelado, pelos muitos inconvenientes e escândalos que disso se seguem” (SILVA e MENESES, 1998, III, 602), tal como aconteceu em 1578, aquelas não deixaram de se realizar nas centúrias seguintes. Em 1622, é representado um auto religioso na igreja de São João Evangelista, por ocasião da canonização de S. Francisco Xavier, e, em 1718, na igreja ou convento de Santa Clara, há uma representação dramática, da autoria de Francisco de Vasconcelos Coutinho, representada pelas freiras residentes, por ocasião da despedida do governador e Cap.-Gen. João de Saldanha da Gama, em que eram personagens a Ilha, a corte, a saudade, a religião e a fama. A partir do séc. XVIII, as casas de espetáculo tornam-se uma preocupação para as autoridades municipais. A Casa da Ópera, no Lg. da Restauração, uma modesta casa de espetáculos na rua das Fontes, nomeada Comédia Velha nos princípios do séc. XIX, e o teatro Grande, edificado em frente do palácio de S. Lourenço, são os principais espaços de representação existentes no Funchal. O teatro Grande ocupa, em 1780, uma grande parte do então Lg. da Restauração. É uma construção ampla, dispendiosa e demorada, o maior teatro do país depois do teatro S. Carlos, o qual, diziam as vozes mais dissonantes, não seria necessário para uma localidade pequena como o Funchal. Consumido pelo fogo no final do século, é utilizado como arrecadação de víveres e de apetrechos das tropas inglesas no início da centúria seguinte, na altura da ocupação, entre 1801 e 1802, embora se encontre em estado adiantado de ruína. Após a reedificação, nos anos seguintes, é habilitado com 90 camarotes, 300 assentos de plateia e 100 de varanda, e nele representam várias companhias, nacionais e estrangeiras, como a Companhia Grotesca, de Fabri, que canta operetas e executa bailados, segundo noticia o Patriota Funchalense, em 1821. No ano seguinte, num espetáculo solene, é apresentada uma sinfonia composta por António Francisco Drumond e a representação de A Festa do Olimpo, drama em três atos, de Manuel Caetano Pimenta de Aguiar. Durante as lutas civis, o teatro é encerrado por longos períodos. Quando episodicamente se abre ao público, é palco de manifestações de carácter político, com alterações da ordem e com intervenções da força armada. Em algumas noites de espetáculo, os partidários das ideias constitucionais aproveitaram a reunião do grande número de espectadores para expandirem os sentimentos liberais, tanto no palco como na plateia, apesar da afronta que causam às instituições vigentes. Desta forma, o despotismo do governo absoluto e a guerra civil que assolam o país privam o Funchal desta grandiosa e bem ornamentada casa de espetáculos. Os adeptos da demolição defendem que se trataria de uma construção contígua à fortaleza, que causaria embaraços à defesa da cidade, e que o alargamento da rua e o embelezamento da entrada do palácio dos governadores seriam necessários: argumentos que contribuem para o fim do teatro em 1833. Cerca de 1820, o teatro Bom Gosto é erguido a poucos metros de distância do teatro Grande. Situado entre a R. de São Francisco e o edifício da Misericórdia, possui entrada para aquela rua e para o lado do antigo Passeio Público. Presume-se que a sua edificação tenha sido um capricho do 1.º conde de Carvalhal, a quem pertenceu. Ao regressar do exílio, em 1834, manda fazer reparações e o espaço é transformado numa regular casa de espetáculos com 18 camarotes de primeira ordem, 6 de segunda, 230 lugares na plateia e 2 varandas, uma para homens e outra para mulheres. Não se sabe quando é encerrado, apenas se sabe que, em 1838, ali se realiza um espetáculo, embora se encontre em estado adiantado de ruína. O teatro Prazer Regenerado, inaugurado em Dezembro de 1840, é um aproveitamento do refeitório e de outras dependências do extinto convento de São Francisco. A sua existência não tem larga duração. As sociedades dramáticas são uma realidade na Madeira, embora nem sempre possuam espaços próprios para as representações. A escola Lancasteriana é, entre outros, um local utilizado para a execução de concertos musicais e representações. O teatro Concórdia, elevado na R. do Monteiro em 1842, é impulsionado pela sociedade dramática com o mesmo nome. O conhecido ator Robio é um dos elementos que integra o elenco. Em 1844, é ali levado à cena o drama Amor e Pátria, de Sérvulo de Medina e Vasconcelos, um dos seus marcos históricos. Em 1851, ainda se dão récitas no seu espaço. Por 1858, funda-se no Funchal uma sociedade dramática conhecida pelo nome de Thália. Dá representações em diversos locais e, posteriormente, arrenda uma casa no Lg. do Pelourinho. Não se sabe quando deixa de existir nem quem eram os seus sócios e dirigentes, mas ainda apresenta récitas ao público em 1859. Em 1858, o teatro Esperança nasce de uma sociedade dramática que propõe concretizar representações teatrais e proceder à construção duma pequena casa de espetáculos, e de que fazem parte Júlio Galhardo de Freitas e Pedro de Alcântara Góis. O comerciante João de Freitas Martins cede um armazém na R. dos Aranhas, e a Câmara e o conde de Carvalhal impulsionam as obras e assumem a manutenção do grupo. A inauguração solene realiza-se a 10 de março de 1859. António José de Sousa Almada, compositor dramático e redator duma revista teatral, presta à sociedade Esperança vários serviços, tanto na escolha como no ensaio e na representação de peças, até ao início dos trabalhos de abertura da rua 5 de Julho, altura em que são demolidas algumas das dependências do espaço. Em 1887, o mesmo é adquirido pelo conde de Canavial e, até 1888, ano em que é inaugurado o teatro D. Maria Pia, o pequeno teatro Esperança é a única casa de espetáculos da Madeira, levando ao palco várias companhias dramáticas e de opereta. Em 1915, é vendido ao empreiteiro João Pinto Correia, que pouco depois procedeu à sua demolição. Até à construção do teatro D. Maria Pia, as salas usadas para espetáculos, como o teatro Thália, o teatro Concórdia, o teatro Esperança e o teatro Conde do Canavial, estabelecem-se aproveitando espaços já existentes, ligados a empreendimentos privados, e dependentes da vontade de sociedades dramáticas, de orquestras musicais e de outros entusiastas das artes. O objetivo destes locais, e dos que funcionam colateralmente com o D. Maria Pia, é a criação de espaços de lazer e a divulgação das produções artísticas dos amadores, associadas a iniciativas culturais de cariz filantrópico. A segunda centúria do séc. XIX é marcada por várias tentativas de carácter particular e oficial para dotar a cidade do Funchal com um espaço grandioso e belo como o teatro S. Carlos de Lisboa. O desejo da população é concretizado durante a presidência de João Sauvaire da Câmara. Os trabalhos de construção são iniciados em 1884 e concluídos em 1887. O edifício possui 18 frisas, 20 camarotes de primeira ordem, 21 de segunda, 100 fauteuils, 160 cadeiras e 200 lugares de geral. A inauguração solene é realizada a 11 de março de 1888, altura em que sobe à cena a zarzuela Las Dos Princesas, pela companhia espanhola de José Zamorano. Nos anos seguintes, importantes companhias de zarzuelas, de líricas, de operetas, dramáticas, de concertistas, de prestidigitadores e de variedades levam à cena nomes sonantes da cultura e do espetáculo, nacionais e estrangeiros. Inicialmente, no tempo da monarquia, é denominado teatro D. Maria Pia, passando a teatro Manuel de Arriaga em 1910, com a chegada da República. Mas o antigo deputado pela Madeira recusa que seja dado o seu nome ao espaço e a Câmara Municipal batiza-o de teatro Funchalense. Só após a sua morte, e até à posterior designação de teatro Balthazar Dias, na década de 30 do séc XX, é denominado teatro Manuel de Arriaga. Apesar da existência de outros espaços de lazer, é no teatro principal que o público se revê. Expressões como “o nosso teatro”, “o elegante teatro”, “o nosso primeiro teatro”, “a nossa primeira casa de espetáculos” leem-se frequentemente na imprensa, dado ter sido um sonho dos madeirenses. Pelo seu palco, passam grandes companhias internacionais e nacionais, as melhores produções dramáticas e musicais de madeirenses, nos seus espaços organizam-se exposições de pintura, e as figuras públicas sobem ao palco em datas comemorativas, ocasiões em que a sociedade vai em peso ao teatro para participar dos momentos solenes. Pelo pavilhão Paris e pelo teatro Circo passam sobretudo companhias portuguesas, onde permanecem dois e três meses seguidos, contrariamente ao que acontece no teatro principal, onde raramente excedem um mês de permanência. Durante a estadia, os artistas mais conhecidos organizam uma festa artística, ou um dia de destaque na representação, que geralmente dedicam a coletividades ou a personalidades, como forma de atração do público. As companhias nacionais dão récitas de caridade, uma tradição na Madeira, por ser uma região com elevados índices de pobreza. As grandes companhias, dado o elevado custo das deslocações, pedem auxílio à Câmara do Funchal, e a sua ida só se concretiza mediante a recolha de assinaturas para conjuntos de 10 récitas, como nos casos da companhia de Italia Vitaliani, em 1913 e 1914, considerada pelo engenho erudito da edilidade funchalense um elemento educativo de inapreciável valor prático. Eventos desta envergadura são acautelados pelas autoridades locais que, a pensar no proveito, fazem melhoramentos na plateia do teatro, de modo a obterem um maior número de lugares; assim aconteceu por ocasião da vinda de Henrique Beut, em 1914, com a criação de melhores condições elétricas, e na altura da estadia de Italia Vitaliani e da representação da Guiomar Teixeira, de João dos Reis Gomes, com a colocação de lâmpadas mais económicas e mais intensas, ficando o teatro com o triplo da luz de que dispunha. Nos anos de 1910 e 1911, marcados pelas enfermidades da cólera e da tuberculose, e também em 1914, por ocasião da deflagração da Primeira Guerra Mundial, dado a navegação ser reduzida, as companhias dramáticas fazem-se anunciar, mas não chegam a vir deslocar-se ao Funchal, sendo as produções locais e os concertos musicais as principais distrações dos madeirenses neste tempo. Efetivamente, nos períodos em que as companhias de profissão não visitam a Ilha, a elite social, com o propósito de realizar ações de caridade e de beneficência, organiza os mais variados eventos e leva ao palco das várias salas de espetáculo da Madeira, mais especialmente do teatro Funchalense, artistas amadores. Alguns deles celebrizam-se no meio, sendo aplaudidos como profissionais e bem vistos pelos críticos de arte. Outros chegam a ter projeção nacional e internacional. Os principais artistas amadores são nomes de famílias ilustres, como Emma Trigo, Isabel Soares, Angelique Beer Lomelino, que representam peças conhecidas do reportório das companhias nacionais e de autores madeirenses, e que, não raras vezes, se inserem nas companhias de fora, representando ao seu lado. Os concertos musicais são um marco do teatro na Madeira durante a República, destacando-se a atuação de músicos no início e nos intervalos das representações e das exibições cinematográficas, não apenas no teatro Funchalense, mas também no pavilhão Paris e no Teatro Circo. Os madeirenses revelam um apurado gosto pelo teatro, repugnam as imitações e a fraca qualidade da revista, condenam o excesso de obras estrangeiras, incentivam o trabalho dos amadores, escrevem peças de teatro de elevado mérito, representadas nos melhores teatros do país, e sobressaem na área da crítica teatral.     Elina Baptista (atualizado a 30.01.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares Madeira Cultural

tavares, edmundo

O estudo da arquitetura do século XX na Madeira passa por uma análise à obra de Edmundo Tavares, dada a relevância do contributo deste professor e arquiteto na introdução e desenvolvimento da arquitetura moderna no Funchal. O seu percurso no arquipélago revela hesitações estilísticas que refletem os avanços e recuos da arquitetura moderna em Portugal pois, tendo assinado alguns exemplares dentro do gosto português suave, aplicou uma linguagem mais historicista no edifício da agência do Banco de Portugal, implantado na Avenida Zarco, para logo arriscar uma linguagem mais modernista no Mercado dos Lavradores, talvez a sua obra mais marcante, e no Liceu Jaime Moniz. Nascido na freguesia e concelho de Oeiras, a 8 de novembro de 1892, estudou arquitetura civil na Escola de Belas Artes de Lisboa. Ali, foi discípulo do mestre José Luís Monteiro (1848-1942) entre 1903 e 1913. A partir de 1914, passou a arquiteto da câmara de Lisboa, sendo nomeado, em 1932, professor efetivo da Escola Industrial e Comercial de António Augusto Aguiar, no Funchal. A sua nomeação para um estabelecimento de ensino técnico-profissional no Funchal, onde fixou residência até 1939, relaciona-se com a criação nesse ano, por parte do ministro das obras públicas, Duarte Pacheco, de delegações nas diversas regiões do país para cuidarem da introdução do novo figurino oficial do já Estado Novo. Por outro lado, eram necessários docentes qualificados na área dos cursos artísticos e técnicos lecionados naquele estabelecimento de ensino insular, que melhor preparassem os futuros desenhadores e mestres-de-obra com uma maior atenção aos novos modos de olhar a arquitetura. A obra de Edmundo Tavares desenvolveu-se numa linha de renovação da linguagem arquitetónica. No âmbito da arquitetura doméstica de cunho regionalista, Edmundo Tavares, seguidor de Raul Lino (1879-1974), desenvolveu vários estudos de habitação com feição tradicional modernizada, designação que o mestre aplicava aos seus projetos. Do conjunto de moradias que projetou pode aferir-se que riscou para uma classe mais abastada da sociedade madeirense, cujas habitações se implantaram nas freguesias da periferia da cidade, confirmando a expansão do perímetro urbano funchalense ocorrida nos anos 30 do século XX. A sua primeira obra no Funchal, enquanto residente, remonta a 1932. Trata-se de uma habitação unifamiliar entretanto demolida e então projetada para José de Freitas, que se iria localizar entre a Travessa do Lazareto e a Estrada ao Sítio dos Louros, em zona de cota mais elevada. Este exemplar de linha eclética, ligado à casa à antiga portuguesa, associa-se esteticamente à formação académica do arquiteto. No mesmo gosto estético o arquiteto desenhou, em 1934, a Vila Santos, uma moradia localizada no Caminho de Santo António, área de expansão de novos casarios para a elite madeirense. No âmbito das habitações mais centrais e para outra classe social, destaca-se a Vivenda Fátima, na Avenida Infante, uma das novas artérias de expansão da cidade para Oeste, desenhada, em 1915, no Plano de Miguel Ventura Terra. Para esta habitação, tipo palacete burguês, cujo estudo data de 1934, o arquiteto privilegiou a utilização de elementos do vocabulário arquitetónico madeirense. Os terraços com varandas de balaustrada, os pitorescos alpendres floridos, as múltiplas floreiras e ainda o corpo torreado que se destaca do conjunto, lembrando as torres de ver o mar, são elementos que emprestam a este projeto um cunho regionalista e tradicional preconizado por Raul Lino na sua casa portuguesa. A partir de 1935, ano de entrada do dinâmico autarca Fernão Ornelas (1908-1978) na presidência da câmara do Funchal, Edmundo Tavares tem uma participação mais intensa na arquitetura da cidade, podendo afirmar-se que assumiu o papel de arquiteto da edilidade funchalense. A partir desta data é evidente também uma mudança de orientação estética na sua obra, tomando as suas moradias um gosto entre a art deco e o cariz popular regionalista da sua época. Dentro deste gosto estão as habitações para o Beco do Viveiro, ambas de 1936, e a moradia no Pico de São João, entretanto demolida, como também a moradia desenhada em 1937 para a Levada de Santa Luzia, cujo primeiro proprietário, Herculano Ramos, era então diretor dos serviços municipalizados da câmara do Funchal. No âmbito dos equipamentos escolares destaca-se, essencialmente, o projeto para o Liceu Jaime Moniz. Sendo o primeiro estudo, idealizado em 1934, de cariz bem mais modernista e numa linha art deco depurada, perdeu progressivamente para a versão depois edificada, mais ao gosto do português suave e já brutalista, quase de inspiração italiana, linguagem estilística defendida pelo Estado Novo e que marcou o lançamento dos concursos públicos para este tipo de equipamentos. Na mesma linha estilística, Tavares projetou o Preventório de Santa Isabel implantado numa zona alta da cidade. Trata-se de um exemplar com volumetria deco depurada, composto por um único volume de grandes dimensões e de fachadas simétricas. Numa linha mais revivalista, e no âmbito dos equipamentos, encontramos o Banco de Portugal, projetado também por Edmundo Tavares, inaugurado em 1940 e inscrito na nova avenida surgida do prolongamento da Avenida Zarco. Um corpo torreado destaca-se do conjunto, com um portal onde desfilam alguns elementos escultóricos ao gosto neobarroco, elaborados em mármore branco do continente, nomeadamente as cariátides, com cornucópias laterais e as armas nacionais. Lateralmente dois nichos esculpidos, onde se encaixam floreiras em cantaria cinzenta esculpidas por Agostinho Rodrigues. A sua composição, mais barroquizante, terá certamente beneficiado das recolhas do reportório formal associado aos solares madeirenses, que incluiu no livro Casas Madeirenses. Na mesma linha revivalista e de gosto neobarroco o arquiteto projetou, em 1936, a Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Estalagem Quinta do Monte, exemplar que reflete a persistência de revivalismos arquitetónicos na Madeira. Trata-se de um exemplar de arquitetura religiosa particular, traçado a pedido de João José de Freitas Belmonte com o objetivo de perpetuar a memória da sua única filha, falecida com apenas 31 anos. Um excecional conjunto de painéis de azulejos monocromos a azul sobre esmalte branco, desenhados pelo pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva e pintados pelo sobrinho e afilhado do arquiteto Ventura Terra, Gilberto Renda (1884-1971), percorrem o interior e exterior do edifício. Esta capela possui também um rico conjunto de vitrais da conceituada fábrica de Ricardo Leone (c. 1890-1971). Em 1938, por encomenda da câmara municipal do Funchal de Fernão Ornelas, Edmundo Tavares projeta uma das suas maiores obras para a Ilha, o Mercado dos Lavradores. Edifício de forte influência art deco, ocupa todo um quarteirão, com uma praça retangular no espaço interior e amplos espaços de circulação. Depois dos estudos a que se procedeu para a escolha do local do novo mercado, foi necessário proceder a diversas expropriações que decorreram de forma amigável. Foi o desenhador da repartição técnica da Câmara, João Ferraz Júnior, que se empenhou de forma perfeita nesta missão, conseguindo alcançar o entendimento com todos os intervenientes, facto que lhe valeu um voto de louvor em reunião camarária pelo zelo e competência demonstrados. O Mercado dos Lavradores seria considerado a obra de maior valor orçamental da sua época, tendo sido entregue ao empreiteiro Manuel Alberto Gomes que, em carta fechada, apresentou a proposta mais baixa entre 12 candidatos, que foi adjudicada por 2605 contos. Esta obra seria inaugurada em 24 de novembro de 1940, juntamente com o Matadouro Municipal, também da autoria de Edmundo Tavares, construído na margem direita da Ribeira de João Gomes e inserido num vasto conjunto de obras associadas ao auspicioso programa das Comemorações, em 1940, do Duplo Centenário da Independência (1140) e da Restauração (1640). As obras de Edmundo Tavares no Funchal surgiram no âmbito de um programa de modernização e de renovação dos edifícios públicos da cidade liderado pelo autarca Fernão de Ornelas. Nele estiveram também incluídos, entre outros, vários edifícios destinados a escolas primárias de onde se destaca a escola primária de São João, projetada em 1936 para uma zona nova da cidade, que se edificou junto à Capela de São João, sob o Pico de São João e a Escola Salazar, na rua dos Ilhéus, também de 1936, onde posteriormente funcionariam os Julgados de Paz do Funchal. Há também os edifícios dos Bairros Económicos e o Sanatório Dr. João de Almada, este último edificado na antiga quinta de Santa Ana no Monte. Foi também a oportunidade para alargamento da rede de água potável, com a construção de fontenários nas freguesias suburbanas, cujo modelo seguiu o projeto-tipo do atelier de Carlos João Chambers Ramos (1897-1969), enviado à edilidade funchalense e posteriormente redesenhados por Edmundo Tavares, e de que subsistiriam algumas dezenas de exemplares. Este conjunto de obras destaca-se de entre as muitas iniciativas levadas a cabo por toda a Ilha como forma de mostrar que o Estado Novo respondia às reivindicações da população, tendo sido disponibilizados todos os recursos materiais e humanos disponíveis para a sua efetivação. No conjunto de obras não realizadas, merece destaque o estudo para um Casino, de 1939, cuja área de intervenção incluía as três quintas do Estado; Quinta Vigia, Quinta Bianchi e Quinta Pavão, tendo-se privilegiando a centralidade desta última para a implementação do Casino. O edifício apresenta um traçado modernista, pela utilização de grandes aberturas, pela depuração geométrica de alguns elementos arquitetónicos e pelas coberturas planas; no entanto, exibe ainda elementos tradicionalistas, visíveis nas coberturas em telha, na estruturação da planta e na introdução de colunatas. Não deixa de ser curioso que, tendo este projeto sido solicitado num período de guerra e encontrando-se o Casino de então fechado, a Delegação de Turismo tenha incluído nas novas condições de concessão a possibilidade de o concessionário explorar dois casinos, implantando-se o segundo junto ao cais da entrada da cidade, fazendo lembrar a proposta de localização do casino de Ventura Terra. Do grupo de projetos de Edmundo Tavares não levados à prática evidencia-se ainda o estudo, ao gosto art-deco, para a Igreja Central no Funchal. Trata-se de um estudo não datado para a Igreja Presbiteriana, situada junto ao Jardim Municipal. No âmbito cultural, o arquiteto Edmundo Tavares publicou vários livros de carácter técnico-construtivo e outros sobre temas da arquitetura portuguesa, dos quais se destaca a sua participação em Casas Madeirenses, de Reis Gomes (1896-1950), de 1937 (reedição de 1968), com ilustrações de modelos de habitações. Trata-se de uma publicação que coloca em debate a problemática da existência de uma arquitetura madeirense, através da apresentação de elementos típicos regionais recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal. O arquiteto deixou também as suas impressões sobre a Ilha no artigo, “Quadros, Presépios e Lapinhas”, de 1948. A obra de Edmundo Tavares no Funchal pautou-se pela pluralidade de opções estilísticas que caracterizou a sua geração, onde a flexibilidade de linguagem esteve sempre presente, deixando no Funchal uma obra que se destaca pela introdução da modernidade arquitetónica portuguesa na especificidade da cultura insular. O arquiteto será transferido para Coimbra em 1939, tendo sido posteriormente nomeado diretor da Escola Industrial e Comercial Tomaz Bordalo Pinheiro, mas manteve nos anos seguintes contato com a Madeira. Obras de Edmundo Tavares: “Quadros, Presépios e Lapinhas” (1948).     Teresa Vasconcelos (atualizado a 30.01.2017)

Arquitetura Património História Económica e Social Madeira Cultural

silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares História Militar Madeira Cultural

silva, josé marmelo e

José Marmelo e Silva nasceu no Paul, concelho da Covilhã, a 7 de maio de 1911, tendo falecido em Espinho, a 11 de outubro de 1991. Frequentou o ensino secundário na Covilhã e em Castelo Branco, e o ensino superior em Coimbra e Lisboa, onde se licenciou em Filologia Clássica, com a dissertação Um Sonho de Paz Bimilenário: a Poesia de Virgílio. Fez serviço militar em Mafra, uma experiência com ecos em Depoimento, e na Madeira, vivência que ressoará em Desnudez Uivante. Regressa à Madeira já casado para, com a esposa, lecionar no Colégio Académico do Funchal, no ano letivo de 1946-1947. No ambiente insular, encontrou inspiração para escrever os Poemas da Ilha do Porto Santo, que publica na Seara Nova, na década de 1960. Foi, porém, em Espinho que exerceu funções docentes a maior parte do tempo, dando o seu nome à biblioteca local. De 1932 a 1983, publicou, com várias reedições, diversos livros, deixando inéditos os Memoriais, de carácter autobiográfico: O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo, contos (Renegado); a novela Sedução; Depoimento, contos; O Sonho e a Aventura, narrativas; a novela Adolescente, título da 1.ª edição, alterado para Adolescente Agrilhoado na 2.ª edição aumentada; O Ser e o Ter Seguido de Anquilose, contos (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião, que teve uma única edição); o romance Desnudez Uivante. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho e, em 1988, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Obras de José Marmelo Silva: Poemas da Ilha do Porto Santo; O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo (1932); Sedução (1937); Depoimento (1939); O Sonho e a Aventura (1943); Adolescente (1948) Adolescente Agrilhoado (1958); O Ser e o Ter seguido de Anquilose (1968); Desnudez Uivante (1983).   António Moniz (atualizado a 03.02.2017)

Literatura Madeira Cultural

moda

A abordagem da moda enquanto atividade estética integrada nas dinâmicas sociais e com a sua retórica própria radica, em grande parte, nos escritos de Roland Barthes e de Gillo Dorfles sobre o tema. Um momento marcante para uma reflexão teórica sobre a moda em Portugal, é, sem dúvida, a exposição Depois do Modernismo, em 1983, organizada por Luís Serpa, Cerveira Pinto e Leonel Moura, todos eles ligados às artes. A par da arquitetura, das artes visuais, do teatro, da dança e da música aparece também a moda (VASCONCELOS, 1983, 183-188), A emergência de novas atitudes e criadores de moda potencia o aparecimento de eventos que, ora vocacionados para a descoberta de novos talentos, ora numa vertente mais comercial, procuram a ligação ao mercado e ao mundo empresarial (SANTOS, 2007, 334). Destaca-se pela continuidade e pela repercussão a ModaLisboa, criada em 1991, que se afirma como uma plataforma de comunicação e marketing destinada a desenvolver a moda o contexto das indústrias criativas. Cada vez mais a criação na moda é assumida como uma das variantes do design, tanto no seu modus operandi, como nos seus circuitos de produção e de divulgação. Em 1991 a Europália integrou na exposição “Manufacturas - Criação Portuguesa Contemporânea”, em Bruxelas, comissariada por Delfim Sardo e desenhada por Pedro Silva Dias, com a presença de artistas plásticos e de designers de produto e de moda. Este é também o tipo de convivência que se verificou na exposição “Qualquer Semelhança é Inevitável”, produzida pela Loja da Atalaia e, Lisboa, em 1994 e comissariada pelo designer Filipe Alarcão. O Portugal Fashion, criado em 1995, fomentou a internacionalização da moda portuguesa estreando-se nas passerelles em 1999, com Fátima Lopes, José António Tenente, Maria Gambina, Miguel Vieira e Nuno Gama, apresentando ainda oito marcas. Em 2009, é inaugurado o MUDE - Museu do Design e da Moda onde podemos ver a Colecção Francisco Capelo, cujo núcleo de design de produto tinha sido exposto no Museu do Design no Centro Cultural de Belém, entre 1999 e 2006. A significativa presença da moda neste museu, dá conta do modo como os seus produtos se foram transformando em objetos de coleção, passíveis de institucionalização. Quanto ao contexto regional, os madeirenses, em particular as famílias mais abastadas do arquipélago, sempre receberam com muito interesse as novidades que eram trazidas além-mar, sobretudo dos grandes centros culturais europeus como Paris e Londres. No início do séc. XX, eram publicados no Funchal alguns periódicos que atribuíam grande importância à moda e às tendências da altura. Um deles, o Diário da Madeira, publicava duas a três vezes por semana uma coluna intitulada "Diário Elegante", onde se escreviam textos sobre moda, tecidos e cultura, com algumas opiniões e informações de interesse e curiosidade para a sociedade madeirense. O Comércio da Madeira reservava à mulher funchalense uma coluna intitulada "Jornal da Mulher", onde eram publicadas crónicas sobre moda. O Jornal da Madeira chegou a criar uma página feminina, intitulada "Jornal da Mulher", onde eram tratados os mais variados assuntos. Por volta de 1926, foram editados, por vários periódicos, Suplementos Femininos que retratavam a moda europeia e faziam chegar à sociedade madeirense todas as novidades nesta área. Por esta altura, já existiam algumas lojas de tecidos, que eram assiduamente publicitadas nos periódicos regionais: a Companhia Portuguesa de Bordados (recebia sempre os melhores e mais modernos tecidos); o Salão de Moda, a loja Rachel; a loja Braga; loja Primavera; o Petit Royal, entre muitas outras. Uns anos mais tarde já encontramos outras lojas como Casa Tavares, Dois Amigos, Último Figurino e um pronto-a-vestir de caráter seletivo em estabelecimentos como Maison Blanche, Cayres, Balão Vermelho, etc. Nos anos 80, a Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação da Madeira, organizava no Hotel Savoy, durante a tarde, chás acompanhados por desfiles de moda, integrando espaços comerciais e jovens criadores de então para fins de beneficência. Estes eventos eram organizados por equipas de senhoras voluntárias da referida instituição e que tinham como principal dinamizadora a Sr.ª D.ª Branca Melim. Numa tentativa de revitalização do Bordado da Madeira, criou-se em 2000 o Centro de Moda e Design, que se propunha preservar e dar uma nova imagem desta tradição, apoiar os jovens criadores no acesso a contactos com o exterior, seja participando em feiras e exposições, seja na mediação com a indústria têxtil nacional e internacional. O Centro, dirigido pela Eng.ª Isabel Araújo e com equipa própria, funcionava no IBTAM – Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira, que era então presidido pelo Escultor Ricardo Velosa. Investiu em equipamentos para modelação e impressão, com o intuito de assessorar os industriais de bordado e os designers de moda. Foi na altura do seu funcionamento considerado por muitos como um “novo fôlego para o Bordado” (CASSACA, 17-7-2002, 8, 9) e, embora não tivesse atingido o impacto desejado, o seu encerramento em 2007 causou surpresa (HENRIQUES, 30-7-2007, 15). O Portugal Fashion, importante evento da iniciativa da ANJE-Associação Nacional de Jovens Empresários, APT- Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário e Fundação da Juventude (“Grande Moda”, 18-4-2001, 17) realizou no Madeira Tecnopolo, através do Centro de Moda de Design, uma edição na Madeira em 2001, com coleções para o Outono/Inverno 2001/2002 que, pela sua qualidade e ineditismo, teve grande afluência. Os estilistas madeirenses presentes neste evento foram Fernanda Nóbrega, Hugo Santos, André Correia, Patrícia Pinto, Bela Henke, Zequita, Susana Menezes, Ana Rita Pessanha e Lúcia Sousa. (ORNELAS, 2001, 14-21). No desfile participaram ainda Luís Buchinho, Miguel Vieira, Maria Gambina, Ana Salazar, Anabela Baldaque, Paulo Cravo & Nuno Baltazar, Katty Xiomara, Osvaldo Martins, João Tomé & Francisco Pontes, destacados criadores de moda no panorama nacional, bem como diversas marcas portuguesas. Nesta edição do Portugal Fashion houve a intenção de criar sinergias entre turismo e moda, promovendo assim o destino Madeira. O mesmo objetivo é retomado em 2005, no ModaMadeira, tendo agora como promotora a AJEM - Associação de Jovens Empresários da Madeira, num evento que, entre 21 e 24 de Abril, trouxe à Madeira consagrados criadores de moda do panorama nacional e regional. Esta 1ª edição teve lugar no Centro das Artes - Casa das Mudas, na Calheta com a presença de Louis de Gama, Júlio Torcato, Katty Xiomara Isilda Pelicano, Paula Rola, Lidija Kolovrat, e coleções da Kispo, Lions of Porches e MacModa, para além de quatro dezenas de modelos nacionais e internacionais. A I ModaMadeira incluiu ainda três exposições temáticas: “Gama de Casa”, de têxtil lar de Nuno Gama; “A Modernização do Bordado Madeira” pela D’ART e o Sindicato das Bordadeiras e ainda uma mostra fotográfica “Looking at living style” do fotógrafo de moda Cassiano Ferraz. Participaram nos desfiles criações dos madeirenses Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, Susana Menezes, André Correia e Patrícia Pinto ( “Quatro dias de moda na Calheta, 21-4-2005, 1 “Palco de moda e de glamour”, 21-4-2005, 2-3; ABREU, 22-4-2005, 26; GONÇALVES, 1-5-2005, 10-11). Funchal Fashion Week 2005 teve lugar de 26 a 28 de Maio, numa organização em parceria da Sportsmoods, da Elite Models Portugal e da Câmara Municipal do Funchal, que declarou aspirar a uma futura internacionalização deste evento. Participaram Maria Gambina, Luís Buchinho, José António Tenente, Pedro Waterland, Nuno Baltazar, as lojas Nova Minerva e Ana’s Boutique e os criadores madeirenses André Correia, Hugo Santos e Patrícia Pinto (GOUVEIA, 12-5-2005, 12; GONÇALVES, 27-5-2005, 17). O ModaMadeira regressou em 2007 para mais uma edição no Madeira de 4 a 5 de maio, no Tecnopolo, que se orientou para o mercado madeirense em torno da moda, afastando-se da estratégia promocional da sua génese, mais vocacionada para a internacionalização. Pretendia incrementar a componente comercial, promover o Bordado Madeira, criar e desenvolver mercados e estimular os profissionais do sector. Para tal, estabeleceu um protocolo com a empresa D’Art e realizou ainda um concurso para jovens talentos. Foi promovido pela AJEM com a organização da Controlmedia, ficando a produção dos desfiles a cargo de Isabel Branco. Contou com a presença Alexandra Moura, Story Taylors, Filipe Faísca e Ana Salazar e com os madeirenses Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto e Lúcia Sousa (HENRIQUES, 1-5-2007, 15; “Moda”, 28-4-2007, 24-26; PESTANA, 22-4-2014, 25). Ficou então prevista uma 2ª edição neste mesmo ano e duas no ano seguinte. A 3ª edição do Moda Madeira, em 2008, contou com duas galas. A primeira, a 18 e 19 de janeiro no Madeira Tecnopolo recebeu os estilistas madeirenses Hugo Santos, Patrícia Pinto, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega e os consagrados estilistas nacionais, Nuno Baltazar e José António Tenente. A grande novidade foi a participação de jovens talentos na área da criação — Ana Catarina Freitas, Janett Agrela — e um desfile de marcas promovido pelo centro comercial Dolce Vita. (PESTANA, 05-01-2008, 33 e 18-01-2008, 36). Hugo Santos apresentou uma coleção inserida no contexto “Bordar Madeira”, uma iniciativa promovida pela Associação de Jovens Empresários Madeirenses (AJEM) em parceria com este criador de moda (PESTANA, 08-01-2008, 33). A segunda gala desta 3ª edição foi realizada em Maio, mantendo a participação de Anabela Baldaque, Miguel Vieira e de marcas do Centro Comercial Dolce Vita. Esteve presente também Fernanda Nóbrega e quatro jovens madeirenses, escolhidos por um júri, que mostraram o seu trabalho: Ruben Freitas, André Pereira, Ana Catarina Freitas e Janett Agrela (PESTANA,22-5-2008, 33 e 31-5-2008, 26-27). Esta foi a última edição deste evento, a que se seguiu, em 2012, um novo formato integrado numa marca criada pela AJEM intitulada New Order (http://ajem.pt/marcas-ajem/). No Centro de Congressos do Casino estiveram presentes os Storytailors, dupla constituída por João Branco e Luís Sanchez (este natural da Madeira), e os jovens estilistas selecionados no concurso de talentos Joana Mendonça, Mariana Sousa e Fábio Carvalho. Nos eventos de moda que se seguiram, a vertente de divulgação da criação e produção local para fora da ilha ficou mais focada em iniciativas particulares. Tem mantido continuidade o certame Funchal Noivos, promovido a partir de 2009 pela ACIF, com exposições e desfiles de moda, inicialmente específicos deste tema mas posteriormente alargados a festas e cerimónias em geral (“Funchal Noivos, 14-3-2009, 31). Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto, Fábio Carvalho, Emília Luz, André Pereira são alguns dos criadores que participaram ao longo das sucessivas edições. No decorrer dos anos, tivemos alguns criadores madeirenses que se destacaram, como por exemplo Fátima Lopes que deixou para trás a ilha e a sua atividade de guia turística para fixar-se em Lisboa, em 1990, e dedicar-se à moda. Abriu a loja Versus com roupas e acessórios de criadores internacionais e, em 1992, criou a sua própria marca. Em 1995 participa no Portugal Fashion e em feiras de moda francesas e em 1998 abriu um espaço no Bairro Alto com boutique, ateliê, bar e agência de modelos, o que indicia a sua visão integrada de uma atividade que exige um trabalho de equipa coeso e a convicção da necessidade de criar sinergias com a indústria. No ano seguinte integrou a ModaLisboa e passou a ser presença assídua na Paris Fashion Week. A sua persistência e profissionalismo valeram-lhe o reconhecimento internacional e uma Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique (2006), pelo seu importante papel na expansão dos valores culturais portugueses. Diversificou a área de atuação da sua marca para a criação de acessórios de moda, peças de joalharia, óculos, cutelaria, tapeçarias, porcelanas, cristais, instrumentos de escrita, calçado e também um perfume. Desenhou ainda o traje oficial da seleção nacional de futebol (2005), a vestuário oficial da equipa do Sporting (2007) e as fardas dos funcionários do prestigiado Hotel Conrad, no Algarve (2012). No início de 2016 mudou do Bairro Alto para um novo espaço perto da Avenida da Liberdade com ateliê, show room e agência Face Models. De entre os criadores que desenvolveram a sua atividade na Madeira podemos destacar vários nomes pela continuidade e qualidade do seu trabalho, como Patrícia Pinto, André Correia. Fernanda Nóbrega, Hugo Santos ou Lúcia Sousa. Patrícia Pinto nasceu em 1976 e concluiu o Curso de Design de Moda no IADE em 1998. Participou no Portugal Fashion na Madeira (2001), no Funchal Fashion Week (2005), no Porto Fashion Week, no Moda Madeira, no Portugal Fashion (2005 e 2006) entre muitos outros. Desde 2010 realiza desfiles individuais onde apresenta as suas coleções marcadas pela multiplicidade de cores, pela justaposição de padrões, tecidos e malhas: Yangu Afrik no Museu Casa da Luz, em 2011; 2011-2012, Dress up, please no Parque de estacionamento Almirante Reis; em 2012 In the market no Mercado dos Lavradores do Funchal; 2013 Orange – Blue e La vie en rose, no 7º Aniversário da sua loja, assinalando 15 anos de carreira; em 2015 Back to the Market, de novo no Mercado dos Lavradores. André Correia começou uma carreira na moda em 1992, em simultâneo com trabalhos de cenografia e figurinos para teatro. Neste mesmo ano abriu o seu ateliê e, em 1999, um novo espaço, já com loja. Iniciou o seu percurso na Escola de Moda Gudi, no Porto, realizando posteriormente um curso de Modelismo no CITEM, em Lisboa. Foi completando e diversificando a sua formação com a licenciatura em Design (2010) e uma pós-graduação em Arte e Design no Espaço Público (2013) ambos pela Universidade da Madeira. Lecionou Plástica do Espetáculo no Curso de Teatro do Conservatório-Escola das Artes, no Funchal (2012 e 2013). Apresentou coleções no Portugal Fashion (Madeira, 2001 e Porto 2005 e 2006), no Funchal Fashion Week (2005), no Moda Madeira (2005 e 2007), no Fashion Week nos Açores (2006) e marcou presença na ExpoNoivos no Porto (1998) e FunchalNoivos (desde 2009). Para além de criações personalizadas em que predominam os materiais nobres e naturais, explora técnicas e materiais que muitas vezes levam a cruzamentos entre traje e escultura, incorporando cordas, fibra de vidro, polímeros, técnicas de capeline, e outras. Nesta linha enquadra-se Bizarria, do espetáculo de moda, na discoteca Vespas e bares anexos Jam e Marginal; a instalação individual Silhuetas Virtuais, Galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (Funchal, 2003) e a coleção integrada nas Jornadas Académicas de Arte e Design, Alternativas, bem como os coordenados apresentados no evento Hypnotic Black Ice (discoteca Vespas 2004). Fernanda Nóbrega finalizou o curso de design de moda em 1990 e abriu o seu próprio ateliê em 1995. Define-se como de influência minimalista, que alia frequentemente a pormenores em bordado Madeira. Participou no Moda Madeira, no Portugal Fashion, Funchal 2001 e também em eventos nacionais como o 2000-Porto Capital Europeia da Cultura e da Moda, o Portugal Fashion Figueira 2002, o AdroModa, em Viseu, entre 2008 e 2011 e internacionais, caso do Global Fashion Festival em Berlim, em 2006. Hugo Santos fez uma nova abordagem da aplicação do bordado Madeira no vestuário, aproveitando a sua familiaridade com o bordado, adquirida desde cedo na empresa familiar. Começou por ser desenhador de bordado, tendo feito formação com Leandro Jardim. Apresentou coleções no Moda Madeira em 2005 e 2008, e participa no FunchalNoivos desde 2009, tendo sido presença assídua em diversas feiras internacionais. Lúcia Sousa, nascida na Austrália em 1976, formou-se em Arquitectura de Design de Moda em 2001 pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa e estagiou com José António Tenente. Iniciou-se como profissional em 2004 e tem marcado presença em eventos de moda regionais, nomeadamente na ModaMadeira e FunchalNoivos, e nacionais como a ExpoNoivos em Lisboa e a Exponor, no Porto. Nas suas criações para a moda feminina recorre frequentemente a draping e cortes assimétricos, exaltando o colorido e brilho dos tecidos. Atualmente a Madeira conta com jovens criadores como André Pereira, Mariana Sousa, Carolina Teixeira e Fábio Carvalho, que marcam presença nas passerelles madeirenses, que deram os primeiros passos na profissão na sequência do concurso de Jovens Talentos do ModaMadeira.     André Correia Licínia Macedo (atualizado a 05.02.2017)

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