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fortes da ribeira dos socorridos

Quando Zarco e os seus companheiros deram a primeira volta de reconhecimento à Ilha, ao passarem por uma ribeira caudalosa, dois rapazes de Lagos que acompanhavam o futuro capitão aventuraram-se a nado na foz da mesma; por terem sido socorridos, ficou o nome de ribeira dos Acorridos ou ribeira dos Socorridos. Com uma larga praia propícia a desembarques, podia ser testa-de-ponte para ataques à vizinha localidade de Câmara de Lobos ou ao Funchal, como tinha sido a praia Formosa. Assim, as primeiras informações que temos da construção das defesas da ribeira dos Socorridos devem-se a Mateus Fernandes, no seu sumário relatório de cerca de 1595. Escreveu o mesmo, que “na ribeira dos Acorridos, a uma légua do Funchal, mandou sua alteza, que está em glória”, em princípio D. Sebastião, embora os alvarás tivessem sido assinados pelo seu tio-avô cardeal D. Henrique, “fazer uns lanços de muros com seus traveses, com os quais se fecha a dita cidade pela parte de poente e todos os que vêm por terra daquela parte entram por uma porta que está no dito muro, entre traveses que a defendem” (ANTT, Cartas Missivas, 2-53). Acrescenta ainda, que “dos quais traveses, um deles ficara com a praça desentulhada e é necessário ver-se quem a desentulhou, para que a torne a terraplanar à sua custa” (Id., ibid.). O pano de muralha que envolvia, assim, a escarpa nascente da ribeira, que ainda fotografámos na década de 80 do século passado, com os seus traveses e espaldões para bocas-de-fogo, constituiu, portanto, o forte da ribeira dos Socorridos, cujas muralhas desciam até à praia e tapavam qualquer acesso ao Funchal. Temos várias informações de terem ocorrido obras nesta área ao longo do séc. XVII, apontando o forte como, essencialmente, uma vigia (Vigias), tal como indica a reconstrução de 1642. Neste ano, em março, foram entregues ao capitão Bartolomeu Fernandes Pereira, da companhia de ordenanças da ribeira 4$000 réis de 500 telhas, a cinco réis cada e pagaram-se mais $300 réis ao ferreiro Gaspar Gonçalves, por quatro “camelos” para o ferrolho da porta do muro e da fechadura e chave, com seus pregos. O transporte foi feito duas semanas depois, pagando-se aos quatro negros que as levaram aos barcos, $080 réis, remunerando-se também Manuel Gonçalves, arrais, por transportar no seu barco as portas, 500 telhas e duas sacas de cal. No entanto, chegadas as portas à foz da ribeira dos Socorridos, descobriu-se que lhes faltavam os suportes, que só então foram mandados fazer. Pagou-se depois, ao mesmo Gaspar Gonçalves, serralheiro, por dois mancais e duas argolas para a porta do muro, $320 réis. Em abril desse ano, no entanto, as contas da obra da ribeira dos Socorridos não estavam todas saldadas, pagando-se ainda mais algumas telhas ao capitão Bartolomeu Fernandes. Nos séculos seguintes, quer o reduto da ribeira dos Socorridos, quer outros dois pequenos redutos feitos na área, eram tidos como fortes. O tenente-coronel António Pedro de Azevedo (1812-1889) em 1868, teceu algumas considerações sobre a necessidade de reconstruir os fortes da foz da ribeira dos Socorridos. Nessa data, encontrava-se em construção a nova estrada de ligação a Câmara de Lobos, na continuação da estrada monumental, pelo que as reticências anteriores sobre as difíceis comunicações em breve deixaram de ser verdade, impondo-se uma outra atenção para esta área. A bateria da ribeira dos Socorridos era constituída por uma esplanada de 16 m, a morrer na falda da escarpa e com uma casa da guarda interior, com 7 m x 4,75 m, confrontado com terrenos do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888). As recomendações do engenheiro não tiveram acolhimento e, a 1 de janeiro de 1895, a área foi arrendada a João Blandy, por 1$400 réis. No entanto, a muralha envolvendo a escarpa e marcada por cordão relevado ainda subsiste. A margem oposta da ribeira dos Socorridos, entretanto, foi igualmente dotada de um pequeno forte, que recebeu o nome de uma fazenda e produto da área: Pastel. A construção deve ser posterior a 1817, dado Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) não fazer qualquer referência ao edifício, e deve datar da época das campanhas liberais. Muito provavelmente, terá sido feito por um dos proprietários locais, possivelmente o 1.º conde de Carvalhal (1778-1837) dado que eram terrenos seus. O reduto do Pastel era “uma insignificante bateria”, como escreveu António Pedro de Azevedo (DSIE, Gabinete..., n.º 5525, 1A-12A-16), com 10 m x 4 m, embora ocupasse uma importante posição estratégica na escarpa. Possuía somente lugar para duas bocas-de-fogo e uma “escavação, ou abrigo aberto na rocha”, ou seja, uma furna, onde chegou a residir o fiel de munições (Id., Ibid.). Confrontava por todos os lados com terrenos pertencentes então ao 2.º conde de Carvalhal. Escreveu ainda o engenheiro Azevedo que teria possuído uma escada de nove degraus, obstruída em 1868 pelas obras da nova estrada. Veio a ser entregue às Obras Públicas depois de 1896, para ampliação da estrada monumental. Numa pequena plataforma das margens da ribeira dos Socorridos, foi levantada, por instituição de Francisco de Bettencourt, em 1594 e como sede de morgado, uma capela dedicada a N.ª S.ª da Vitória, que estaria concluída em 1609, conforme a data que ainda ostenta. Segundo António Pedro de Azevedo, por volta de 1831 e em apoio a um engenho de açúcar da casa Carvalhal, foi erigido um pequeno forte que confrontava, em 1868, com terrenos dessa casa senhorial que passaram depois à posse de João Blandy e do antigo caseiro do conde, Manuel Afonso, cujo terreno era necessário transpor para se chegar ao forte. O forte de N.ª S.ª da Vitória era uma pequena bateria montada num baluarte pentagonal, com entrada por nascente e que utilizava como casa da guarda também uma furna, logo à entrada. Muito arruinado, foi arrendado, a 31 de janeiro de 1896 e sobreviveu até aos finais do séc. XX, tendo sido parcialmente demolido em 1989, com a ampliação das instalações industriais ali construídas.     Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

tavares, edmundo

O estudo da arquitetura do século XX na Madeira passa por uma análise à obra de Edmundo Tavares, dada a relevância do contributo deste professor e arquiteto na introdução e desenvolvimento da arquitetura moderna no Funchal. O seu percurso no arquipélago revela hesitações estilísticas que refletem os avanços e recuos da arquitetura moderna em Portugal pois, tendo assinado alguns exemplares dentro do gosto português suave, aplicou uma linguagem mais historicista no edifício da agência do Banco de Portugal, implantado na Avenida Zarco, para logo arriscar uma linguagem mais modernista no Mercado dos Lavradores, talvez a sua obra mais marcante, e no Liceu Jaime Moniz. Nascido na freguesia e concelho de Oeiras, a 8 de novembro de 1892, estudou arquitetura civil na Escola de Belas Artes de Lisboa. Ali, foi discípulo do mestre José Luís Monteiro (1848-1942) entre 1903 e 1913. A partir de 1914, passou a arquiteto da câmara de Lisboa, sendo nomeado, em 1932, professor efetivo da Escola Industrial e Comercial de António Augusto Aguiar, no Funchal. A sua nomeação para um estabelecimento de ensino técnico-profissional no Funchal, onde fixou residência até 1939, relaciona-se com a criação nesse ano, por parte do ministro das obras públicas, Duarte Pacheco, de delegações nas diversas regiões do país para cuidarem da introdução do novo figurino oficial do já Estado Novo. Por outro lado, eram necessários docentes qualificados na área dos cursos artísticos e técnicos lecionados naquele estabelecimento de ensino insular, que melhor preparassem os futuros desenhadores e mestres-de-obra com uma maior atenção aos novos modos de olhar a arquitetura. A obra de Edmundo Tavares desenvolveu-se numa linha de renovação da linguagem arquitetónica. No âmbito da arquitetura doméstica de cunho regionalista, Edmundo Tavares, seguidor de Raul Lino (1879-1974), desenvolveu vários estudos de habitação com feição tradicional modernizada, designação que o mestre aplicava aos seus projetos. Do conjunto de moradias que projetou pode aferir-se que riscou para uma classe mais abastada da sociedade madeirense, cujas habitações se implantaram nas freguesias da periferia da cidade, confirmando a expansão do perímetro urbano funchalense ocorrida nos anos 30 do século XX. A sua primeira obra no Funchal, enquanto residente, remonta a 1932. Trata-se de uma habitação unifamiliar entretanto demolida e então projetada para José de Freitas, que se iria localizar entre a Travessa do Lazareto e a Estrada ao Sítio dos Louros, em zona de cota mais elevada. Este exemplar de linha eclética, ligado à casa à antiga portuguesa, associa-se esteticamente à formação académica do arquiteto. No mesmo gosto estético o arquiteto desenhou, em 1934, a Vila Santos, uma moradia localizada no Caminho de Santo António, área de expansão de novos casarios para a elite madeirense. No âmbito das habitações mais centrais e para outra classe social, destaca-se a Vivenda Fátima, na Avenida Infante, uma das novas artérias de expansão da cidade para Oeste, desenhada, em 1915, no Plano de Miguel Ventura Terra. Para esta habitação, tipo palacete burguês, cujo estudo data de 1934, o arquiteto privilegiou a utilização de elementos do vocabulário arquitetónico madeirense. Os terraços com varandas de balaustrada, os pitorescos alpendres floridos, as múltiplas floreiras e ainda o corpo torreado que se destaca do conjunto, lembrando as torres de ver o mar, são elementos que emprestam a este projeto um cunho regionalista e tradicional preconizado por Raul Lino na sua casa portuguesa. A partir de 1935, ano de entrada do dinâmico autarca Fernão Ornelas (1908-1978) na presidência da câmara do Funchal, Edmundo Tavares tem uma participação mais intensa na arquitetura da cidade, podendo afirmar-se que assumiu o papel de arquiteto da edilidade funchalense. A partir desta data é evidente também uma mudança de orientação estética na sua obra, tomando as suas moradias um gosto entre a art deco e o cariz popular regionalista da sua época. Dentro deste gosto estão as habitações para o Beco do Viveiro, ambas de 1936, e a moradia no Pico de São João, entretanto demolida, como também a moradia desenhada em 1937 para a Levada de Santa Luzia, cujo primeiro proprietário, Herculano Ramos, era então diretor dos serviços municipalizados da câmara do Funchal. No âmbito dos equipamentos escolares destaca-se, essencialmente, o projeto para o Liceu Jaime Moniz. Sendo o primeiro estudo, idealizado em 1934, de cariz bem mais modernista e numa linha art deco depurada, perdeu progressivamente para a versão depois edificada, mais ao gosto do português suave e já brutalista, quase de inspiração italiana, linguagem estilística defendida pelo Estado Novo e que marcou o lançamento dos concursos públicos para este tipo de equipamentos. Na mesma linha estilística, Tavares projetou o Preventório de Santa Isabel implantado numa zona alta da cidade. Trata-se de um exemplar com volumetria deco depurada, composto por um único volume de grandes dimensões e de fachadas simétricas. Numa linha mais revivalista, e no âmbito dos equipamentos, encontramos o Banco de Portugal, projetado também por Edmundo Tavares, inaugurado em 1940 e inscrito na nova avenida surgida do prolongamento da Avenida Zarco. Um corpo torreado destaca-se do conjunto, com um portal onde desfilam alguns elementos escultóricos ao gosto neobarroco, elaborados em mármore branco do continente, nomeadamente as cariátides, com cornucópias laterais e as armas nacionais. Lateralmente dois nichos esculpidos, onde se encaixam floreiras em cantaria cinzenta esculpidas por Agostinho Rodrigues. A sua composição, mais barroquizante, terá certamente beneficiado das recolhas do reportório formal associado aos solares madeirenses, que incluiu no livro Casas Madeirenses. Na mesma linha revivalista e de gosto neobarroco o arquiteto projetou, em 1936, a Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Estalagem Quinta do Monte, exemplar que reflete a persistência de revivalismos arquitetónicos na Madeira. Trata-se de um exemplar de arquitetura religiosa particular, traçado a pedido de João José de Freitas Belmonte com o objetivo de perpetuar a memória da sua única filha, falecida com apenas 31 anos. Um excecional conjunto de painéis de azulejos monocromos a azul sobre esmalte branco, desenhados pelo pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva e pintados pelo sobrinho e afilhado do arquiteto Ventura Terra, Gilberto Renda (1884-1971), percorrem o interior e exterior do edifício. Esta capela possui também um rico conjunto de vitrais da conceituada fábrica de Ricardo Leone (c. 1890-1971). Em 1938, por encomenda da câmara municipal do Funchal de Fernão Ornelas, Edmundo Tavares projeta uma das suas maiores obras para a Ilha, o Mercado dos Lavradores. Edifício de forte influência art deco, ocupa todo um quarteirão, com uma praça retangular no espaço interior e amplos espaços de circulação. Depois dos estudos a que se procedeu para a escolha do local do novo mercado, foi necessário proceder a diversas expropriações que decorreram de forma amigável. Foi o desenhador da repartição técnica da Câmara, João Ferraz Júnior, que se empenhou de forma perfeita nesta missão, conseguindo alcançar o entendimento com todos os intervenientes, facto que lhe valeu um voto de louvor em reunião camarária pelo zelo e competência demonstrados. O Mercado dos Lavradores seria considerado a obra de maior valor orçamental da sua época, tendo sido entregue ao empreiteiro Manuel Alberto Gomes que, em carta fechada, apresentou a proposta mais baixa entre 12 candidatos, que foi adjudicada por 2605 contos. Esta obra seria inaugurada em 24 de novembro de 1940, juntamente com o Matadouro Municipal, também da autoria de Edmundo Tavares, construído na margem direita da Ribeira de João Gomes e inserido num vasto conjunto de obras associadas ao auspicioso programa das Comemorações, em 1940, do Duplo Centenário da Independência (1140) e da Restauração (1640). As obras de Edmundo Tavares no Funchal surgiram no âmbito de um programa de modernização e de renovação dos edifícios públicos da cidade liderado pelo autarca Fernão de Ornelas. Nele estiveram também incluídos, entre outros, vários edifícios destinados a escolas primárias de onde se destaca a escola primária de São João, projetada em 1936 para uma zona nova da cidade, que se edificou junto à Capela de São João, sob o Pico de São João e a Escola Salazar, na rua dos Ilhéus, também de 1936, onde posteriormente funcionariam os Julgados de Paz do Funchal. Há também os edifícios dos Bairros Económicos e o Sanatório Dr. João de Almada, este último edificado na antiga quinta de Santa Ana no Monte. Foi também a oportunidade para alargamento da rede de água potável, com a construção de fontenários nas freguesias suburbanas, cujo modelo seguiu o projeto-tipo do atelier de Carlos João Chambers Ramos (1897-1969), enviado à edilidade funchalense e posteriormente redesenhados por Edmundo Tavares, e de que subsistiriam algumas dezenas de exemplares. Este conjunto de obras destaca-se de entre as muitas iniciativas levadas a cabo por toda a Ilha como forma de mostrar que o Estado Novo respondia às reivindicações da população, tendo sido disponibilizados todos os recursos materiais e humanos disponíveis para a sua efetivação. No conjunto de obras não realizadas, merece destaque o estudo para um Casino, de 1939, cuja área de intervenção incluía as três quintas do Estado; Quinta Vigia, Quinta Bianchi e Quinta Pavão, tendo-se privilegiando a centralidade desta última para a implementação do Casino. O edifício apresenta um traçado modernista, pela utilização de grandes aberturas, pela depuração geométrica de alguns elementos arquitetónicos e pelas coberturas planas; no entanto, exibe ainda elementos tradicionalistas, visíveis nas coberturas em telha, na estruturação da planta e na introdução de colunatas. Não deixa de ser curioso que, tendo este projeto sido solicitado num período de guerra e encontrando-se o Casino de então fechado, a Delegação de Turismo tenha incluído nas novas condições de concessão a possibilidade de o concessionário explorar dois casinos, implantando-se o segundo junto ao cais da entrada da cidade, fazendo lembrar a proposta de localização do casino de Ventura Terra. Do grupo de projetos de Edmundo Tavares não levados à prática evidencia-se ainda o estudo, ao gosto art-deco, para a Igreja Central no Funchal. Trata-se de um estudo não datado para a Igreja Presbiteriana, situada junto ao Jardim Municipal. No âmbito cultural, o arquiteto Edmundo Tavares publicou vários livros de carácter técnico-construtivo e outros sobre temas da arquitetura portuguesa, dos quais se destaca a sua participação em Casas Madeirenses, de Reis Gomes (1896-1950), de 1937 (reedição de 1968), com ilustrações de modelos de habitações. Trata-se de uma publicação que coloca em debate a problemática da existência de uma arquitetura madeirense, através da apresentação de elementos típicos regionais recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal. O arquiteto deixou também as suas impressões sobre a Ilha no artigo, “Quadros, Presépios e Lapinhas”, de 1948. A obra de Edmundo Tavares no Funchal pautou-se pela pluralidade de opções estilísticas que caracterizou a sua geração, onde a flexibilidade de linguagem esteve sempre presente, deixando no Funchal uma obra que se destaca pela introdução da modernidade arquitetónica portuguesa na especificidade da cultura insular. O arquiteto será transferido para Coimbra em 1939, tendo sido posteriormente nomeado diretor da Escola Industrial e Comercial Tomaz Bordalo Pinheiro, mas manteve nos anos seguintes contato com a Madeira. Obras de Edmundo Tavares: “Quadros, Presépios e Lapinhas” (1948).     Teresa Vasconcelos (atualizado a 30.01.2017)

Arquitetura Património História Económica e Social Madeira Cultural

tabaco

O tabaco chegou a Portugal, no séc. XVI, a partir do Brasil. Começando por ser usado como um produto de uso medicinal, foi, durante muito tempo, uma mercadoria de troca do comércio madeirense com o Brasil. Na Madeira, o seu consumo generalizou-se rapidamente a partir do séc. XVII, com o consumo do tabaco em pó. O cheiro ou o fumo do tabaco faziam parte dos fatores de prestígio social, pelo que todos o consumiam. Palavras-chave: comércio; estancos, tabaco. O tabaco chegou a Portugal, no séc. XVI, a partir do Brasil, tendo sido inicialmente usado como um produto de uso medicinal. O tabaco foi, durante muito tempo, uma mercadoria de troca do comércio madeirense com o Brasil. Trocavam-se pipas de vinho e de aguardente por tabaco, cacau e cravo. Foi o que sucedeu em 1673, com o governador e capitão-general da Madeira João Saldanha de Albuquerque, que requereu os bons ofícios do governador do Maranhão, Pedro César de Menezes, remetendo-lhe tabaco em troca de vinho. A importância deste produto está definida na existência da Alfândega do Açúcar e Tabaco, em Lisboa, que se extinguiu em 1761. A Madeira, que tinha contactos permanentes com o Brasil, passou também a receber este produto, que rapidamente se generalizou em termos de consumo a partir do séc. XVII, com o consumo do tabaco em pó. O cheiro e o fumo do tabaco tornaram-se fatores de prestígio social a que todos aderiam, até mesmo os escravos, pois, em 1694, é referido na nota de óbito de um escravo velho do provedor da Fazenda que este fumava tabaco com cachimbo. Os cachimbos de diversas proveniências que têm sido recolhidos em escavações arqueológicas revelam tal uso alargado. Também não devemos esquecer que o tabaco era conhecido como a “erva-santa” e usado como analgésico. Esta situação resulta das assíduas relações comerciais com o Brasil, assim como do facto de a venda do vinho dever ser feita a troco de mercadorias oferecidas pelos mercadores estrangeiros. Entre estas, surgia o tabaco, que, tendo-se tornado uma moda, viu o seu consumo ultrapassar as barreiras da clausura e chegar até aos conventos de Santa Clara e da Encarnação. Neste último, as freiras recebiam, pelo Dia de Reis, uma ração de sete libras e meia de tabaco. A partir da época filipina, deu-se início ao estabelecimento de contratos de arrematação para a sua comercialização. Em 1639, assistiu-se ao estabelecimento do estanco do tabaco. Estancar é impedir a venda livre de um produto, definindo assim o estanco a situação de monopólio de venda. Com o tempo, o estanco passou, também, a designar o espaço ou local de venda ao público do tabaco. Na Madeira, a R. do Estanco Velho guarda a memória desse lugar, que se manteve até à publicação da lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitida a plantação de tabaco nas ilhas da Madeira e dos Açores e o seu livre fabrico e comércio. Os chamados estanqueiros do tabaco aparecem como pessoas prósperas, o que pode ser revelador de que esta atividade mobilizava muito dinheiro. A título de exemplo, referimos que, em 1679, Aires de Ornelas e Vasconcelos arrendou este contrato na Madeira e Porto Santo a Manuel Escórcio, por 130.000 réis. A este contrato surgem ligados, no séc. XVIII, os nomes de Pedro Jorge Monteiro, António José Monteiro e Feliciano Velho Oldemberg. Tudo isto porque o tabaco se vendia nos estancos a preços elevados e o seu consumo, bem como o do rapé (tabaco em pó), estava generalizado e manteve-se por muito tempo na Ilha, como testemunha, por exemplo, em 1864, o alemão Rudolf Schultzen, na obra Die Insel Madeira: Aufenthalt der Kranken und Heilung der Tuberkulose daselbst. A situação de dependência económica insular face à metrópole manteve-se por muito tempo, determinada por decretos e medidas limitativas das relações com outros mercados. As ilhas continuaram sujeitas aos monopólios do tabaco e do sabão, sendo o fornecimento local feito através de um estanqueiro que estabelece uma rede em todas as freguesias rurais. Esta imposição e regularidade das relações com a metrópole, associada aos monopólios de fornecimento de alguns produtos, como o tabaco, o sabão e o sal, geraram uma subordinação e dependência que deram forma a um trato comercial desvantajoso, por falta de contrapartidas. Por outro lado, favoreceram o contrabando, que será praticado, ao longo dos tempos, um pouco por toda a costa madeirense. O estanco do tabaco foi estabelecido em 1639, como se disse, e extinto a 23 de agosto de 1642, sendo, no entanto, o contrato renovado em 26 de junho de 1644. A 14 de maio de 1650, foi adjudicado o contrato por sete anos, ficando excluídos do mesmo a Índia, o Brasil e alguns lugares de África. Por alvará de 14 de julho de 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, mantendo-se a lei de 28 de fevereiro de 1668, que regulamentava o contrabando desse produto. A sua composição e atribuições foram estabelecidas pelos regimentos publicados em 6 de dezembro de 1698 e 18 de outubro de 1702. A estrutura de funcionamento era definida por um presidente, cinco deputados e um secretário. A estes juntam-se os cinco ministros (um para cada província) superintendentes do tabaco, coadjuvados por meirinhos e seus escrivães, para fiscalizar a atividade comercial em torno do produto e evitar o contrabando, conforme regimento de 23 de junho de 1678. Por alvará com força de lei de 20 de março de 1756, que acabou com os ofícios de executores da Alfândega do Tabaco, foi criado o cargo de juiz executor das dívidas da Junta da Administração do Tabaco. No âmbito das suas competências e atribuições, destaca-se o facto de, durante a sua administração, lhe pertencerem todas as matérias e negócios relacionados com o produto, bem como as causas cíveis e crimes sobre o mesmo. Era também o juiz que provia todos os lugares da Junta, da Alfândega e dos conservadores do tabaco das comarcas. Todo o tabaco para consumo do reino era adquirido pela Junta do Tabaco, que depois o fazia vender nos diversos estancos, por meio de contratadores. O monopólio ou estanco do tabaco, que estava na superintendência da Junta da Administração do Tabaco, ficou, a partir da sua extinção em 15 de janeiro de 1775, a depender da Junta da Real Fazenda. A sua administração na Madeira estava entregue ao provedor da Fazenda, a que se associavam um meirinho do estanco, um escrivão das diligências, um juiz conservador e um administrador recebedor do tabaco. Foram juízes do estanco o célebre poeta Manuel Tomás, autor da Insulana, e Ambrósio Vieira, provedor da Fazenda. O fim do estanco do tabaco foi novamente decretado a 17 de junho de 1830, sendo restabelecido por decreto de 21 de abril de 1832 e contratado ao barão de Quintela, pelo decreto de 10 de dezembro de 1832. Foi depois, de novo, abolido por lei de 13 de maio de 1864, altura em que foi permitido o seu cultivo na Madeira e nos Açores. O contrato do tabaco era uma fonte significativa de rendimento, sendo usado como moeda de troca, como sucedeu, em 1834, ao ser estabelecido como garantia dos empréstimos feitos em Londres pelo Estado português. No séc. XIX, esta indústria teve grande incremento, surgindo duas importantes fábricas em Lisboa e no Porto. Em 1844, surgiu a Companhia Nacional de Tabacos, com sede em Xabregas, a que se juntaram outras três companhias nacionais. Durante esta centúria, esta foi a principal indústria nacional, de forma que, no inquérito industrial de 1881, são referidas 16 fábricas e 6 oficinas em todo o país. Em 1888, a medida de expropriação das fábricas de tabaco, dando-se a exploração à Companhia dos Tabacos de Portugal, gerou inúmeros conflitos no meio nacional. Segundo a lei de 27 de outubro de 1906, regulamentada pelo contrato de 8 de novembro, o Estado tinha uma participação nos lucros de 50 contos, para os anos de 1907 a 1910. Por decreto de 11 de julho de 1907, foi aprovado o contrato para o período de 1 de maio de 1907 a 30 de abril de 1926, em que a Companhia se comprometia, mediante o monopólio da produção do tabaco, a entregar ao Estado uma renda anual fixa de 620 contos e uma participação determinada nos lucros. Por decreto n.º 4510, de 27 de junho de 1918, autorizou-se o aumento do preço do tabaco, mediante um aumento mínimo na participação dos lucros. A 4 de agosto de 1924, foi feito um acordo em que foi fixada a renda para os anos seguintes e alteradas as regras de cálculo da participação nos lucros. A 24 de março de 1924, foi votado o decreto que regulamentaria o novo regime do tabaco, que só foi posto em prática a partir de março de 1926. A partir de 1 de maio de 1926, o Estado passou a administrar diretamente esta atividade, conforme ficou estabelecido no decreto n.º 11.766, de 24 de junho de 1926. A partir do decreto n.º 13.587, de 11 de maio de 1927, foi estabelecida a liberdade de produção e venda sob controlo do Estado. A partir de então, os lucros do Estado advinham do imposto sobre a produção e participação nos lucros das companhias. Assim, abriam-se as portas à liberdade do fabrico de tabaco que só estava permitido nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. As licenças eram atribuídas, por 30 anos apenas, a empresas cujo capital fosse superior a 1000 contos-ouro. No concurso realizado para a administração das oficinas que pertenciam ao Estado, foi vencedora a Companhia Portuguesa de Tabacos de Lisboa. No caso das ilhas, foi autorizada a livre plantação do tabaco por lei de 13 de maio de 1864, reconfirmada pela lei de 15 de junho de 1864 e pelo decreto de 8 de outubro de 1885. Esta aposta na nova cultura, que não teve sucesso na Madeira, foi considerada uma forma de se procurar meios para segurar a economia agrícola do arquipélago face aos problemas com o comércio do vinho. Foi uma época de experimentação de múltiplas culturas com valor industrial, capazes de substituírem a vinha como factor animador da economia interna e de exportação do arquipélago. As primeiras plantações começaram a partir de 1877, altura em que se fundou a primeira fábrica de manipulação do produto. Com o estabelecimento, em 1908, da Companhia de Tabacos da Madeira e depois, a partir de 1913, da Empresa Madeirense de Tabacos Lda., a exploração ficou quase em regime de monopólio, sob o comando das famílias inglesas, com particular destaque para a Casa Leacock & Co. Ainda no período de 1959 a 1961, na Qt. do Bom Sucesso, propriedade da Junta Geral, se faziam ensaios com a plantação de tabaco. A lei de 13 de maio de 1864 havia estabelecido uma situação distinta para as ilhas no referente ao tabaco, dando-lhes a possibilidade de o cultivar, mas com um agravamento no imposto predial. A 15 de março de 1864, os deputados pela Madeira haviam apresentado uma proposta para a promoção da cultura do tabaco, estabelecendo um imposto de 250 a 500 réis por cada are de terra cultivada, de acordo com a sua qualidade. Entre 1865 e 1875, não houve qualquer tentativa de cultivo da planta na Madeira e era voz corrente a reclamação contra o referido decreto, sendo disso porta-voz o Gov. Civil Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro em ofício de 21 de junho de 1876 ao ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Por outro lado, tal como o havia indicado D. João da Câmara Leme, o tabaco, como outras culturas, não teria grande rentabilidade na Ilha: “Há plantas que, conquanto sejam cultivadas noutros países com muito proveito, e se deem bem neste clima não podem ser cultivadas aqui com vantagem; porque nos faltam condições importantes que, nesses países, favorecem tais culturas: assim não é para a Madeira a cultura em grande escala do algodão, nem a do tabaco, nem mesmo o chá” (LEME, 1876, 19). A Madeira passará, assim, a importar tabaco, especialmente dos Açores, chegando mesmo a importá-lo de Porto Rico, dos EUA, de Cuba e, na déc. de 60, de Angola. Outras vozes se levantaram contra esta situação considerada ruinosa para a Madeira, pelo que começaram a surgir plantações de tabaco um pouco por todo o lado. Desta forma, em 1877, foi criada a Fábrica de Tabacos Madeirense, seguindo-se outras em 1881 e em julho de 1919. Em 20 de janeiro de 1920, criou-se um imposto municipal de $50 por cada kg de tabaco despachado na Alfândega, que, no ano de 1922, rendeu à Câmara do Funchal 21.837$21. Pelo dec.-lei n.º 39.963, de 13 de dezembro de 1954, este foi aumentado para 8$00 por kg, dos quais 6$00 constituía receita das câmaras municipais, pertencendo o restante às juntas gerais. Assim, ontem como hoje, o tabaco mereceu diversas formas de tributação, assumindo-se como uma importante fonte de receita tributária na Madeira. Faltam, no entanto, dados que permitam entender o volume do seu consumo na Ilha. Os novos dados conhecidos referem-se já à déc. de 50 do séc. XX, em que a cobrança atingiu, mais especificamente em 1958, o valor mais elevado: 105.801$20. Será no séc. XX que este produto será alvo de diversas formas de tributação. Na lei n.º 1657, de 3 de setembro de 1924, ficou estabelecido o imposto de 80 réis ouro por cada quilo de tabaco manufaturado na Ilha ou importado dos Açores, coisa que não acontecia nos Açores, nem no continente. Pelas leis de 10 de julho de 1919 e 22 de janeiro de 1920, surgiu o imposto municipal de tabaco que onerava em $50 cada quilo de tabaco exportado na Alfândega. De acordo com o artigo 1.º do dec.-lei n.º 444/86, de 31 de dezembro, o tabaco manufaturado, destinado ao consumo no continente português e nas regiões autónomas, quer de produção nacional, quer importado, está sujeito ao imposto de consumo sobre o tabaco. O valor de 1 % desta receita está consignado ao Ministério da Saúde para a luta contra o cancro. Pelo artigo 7.º do citado diploma, foram fixadas as taxas do imposto de consumo relativo a cigarros, constituídas por dois elementos: um específico e outro ad valorem. O artigo 8.º fixou as taxas do imposto de consumo relativo aos restantes produtos de tabaco manufaturado. A administração do imposto de consumo compete à Inspeção-Geral de Finanças, no que diz respeito ao tabaco saído das áreas fiscalizadas referidas no artigo 19.º, situadas no continente, e à Direção-Geral das Alfândegas, nos restantes casos. Depois, destaca-se o imposto especial de consumo sobre o tabaco que se encontra regulamentado pelo Código do Imposto Especial de Consumo (CIEC), publicado pelo dec.-lei n.º 566/99, de 22 de dezembro. O imposto especial de consumo, ou IEC, é, na verdade, o conjunto de três impostos que incidem sobre certos produtos (tabaco, produtos petrolíferos e bebidas alcoólicas) fabricados ou colocados no território português. Em 2005, a taxa do imposto do tabaco era de 8,69 %, enquanto no continente era 6,6 %, ficando a percentagem ad-valorem em 35 %. As estampilhas fiscais eram usadas em diversas formas de pagamento, nomeadamente taxas e emolumentos, casos em que a receita não pertencia ao imposto do selo. Por lei n.º 150/99, de 11 de setembro, que estabeleceu o regulamento do imposto de selo, as estampilhas fiscais foram abolidas. Parte do imposto sobre o tabaco produzido no distrito do Funchal ou importado das ilhas dos Açores era uma receita repartida entre as câmaras municipais e a Junta Geral. A receita do imposto do tabaco fora atribuída por lei de 10 de julho de 1914 às obras da Junta Autónoma dos Portos da Madeira (JAPAM). Entre 1972 e 1981, entraram na contabilidade da JAPAM 46.400 contos de impostos aduaneiros (entre estes, o imposto sobre o tabaco), 532.980 contos de taxas portuárias e 350 contos de multas. A batalha pela reivindicação de mais receitas para a Junta Geral, que é o mesmo que dizer o retorno das receitas dos madeirenses, continuou. Assim, na sessão de 20 de setembro de 1920, reclamava-se que revertesse para a Junta Geral a totalidade dos impostos lançados pelo Governo central sobre produtos como o tabaco e estabelecimentos bancários, que na Madeira perfaziam cerca de 400 contos e que estavam destinados à assistência pública. O tabaco, por ser um produto sujeito a contrato exclusivo de venda, foi muito cobiçado e apetecido em termos do contrabando. Tal contrabando perdura no séc. XX, sendo uma das atividades ilícitas mais assinaladas e regulamentadas. Neste processo, até o clero intervinha, havendo referência a uma iniciativa nesse sentido por parte de Fr. António de S. Guilherme, em 1768. Recorde-se que, em 12 de novembro de 1768, o Gov. João António Sá Pereira refere que um guardião do convento, o P.e Manuel Joaquim de Oliveira, que contrabandeava tabaco, foi enviado para Lisboa, sob prisão. No séc. XIX, muito deste contrabando de tabaco era feito por Ingleses, nomeadamente a partir da possessão inglesa de Gibraltar. A 1 de fevereiro de 1876, regressava ao Funchal Leland Cossart, deixando o despacho das suas malas a cargo de um seu criado, como era costume. Pelo facto de se ter encontrado tabaco na bagagem, foi o empregado preso. Por força disto, movimentou-se o cônsul britânico em diligências, no continente e junto de autoridades britânicas, conseguindo-se a entrega das malas e, depois, a libertação do prisioneiro. O grande incentivo à cultura do tabaco aconteceu a partir da déc. de 70 do séc. XIX, altura em que surgiu a primeira fábrica, da responsabilidade do visconde de Monte Belo, a que se seguiu, em 1888, outra de João Sales Caldeira, que viria a tornar-se propriedade de Joe Berardo e Horácio Roque. Nos inícios do séc. XXI, a Madeira continua a ter um regime diferenciado no que respeita ao tabaco, existindo uma fábrica, a Empresa Madeirense de Tabaco S.A., que assegura o abastecimento local. Esta empresa, fundada em 1913 a partir da Companhia de Tabacos da Madeira, viu-se obrigada, em 1930, face à concorrência das empresas de tabaco açorianas, a comprar a fábrica Estrela, em São Miguel. Legislação: dec.-lei n.º 444/86, de 31 de dezembro: aprova o novo regime fiscal dos tabacos e revoga os decs.-lei n.º 149-A/78, de 19 de junho, 93/91, de 29 de abril, 196/83, de 18 de maio, 34/84 de 24 de janeiro, 115-A/85, de 18 de abril, e 172-D/86, de 30 de junho; dec.-lei n.º 49/90, de 10 de fevereiro; dec.-lei n.º 231/91, de 26 de junho; dec.-lei n.º 75/92, de 4 de maio; dec.-lei n.º 55/93, de 1 de março; dec.-lei n.º 325/93, de 25 de setembro; decs.-lei n.º 75/94, de 7 de março, n.º 221/94, de 23 de agosto, n.º 197/97, de 2 de agosto, pela lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro, e pela lei n.º 10-B/96, de 23 de março; dec.-lei n.º 103/96, de 31 de julho; dec.-lei n.º 197/97, de 2 de agosto; lei n.º 127-B/97, de 20 de dezembro; dec.-lei n.º 566/99, de 22 de dezembro; dec.-lei n.º 170/2002, de 25 de julho; diretiva n.º 2002/10/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro; desp. normativo n.º 14/2005, de 24 de fevereiro; desp. normativo n.º 2/2004, de 10 de janeiro; dec.-lei n.º 155/2005, de 8 de setembro.   Alberto Vieira (atualizado a 30.01.2017)

Biologia Terrestre Património História Económica e Social

conferências andarIlhas vão ao museu da imprensa

O ciclo de conferências itinerantes vai agora a Câmara de Lobos É a segunda edição do ciclo de conferências AndarIlhas que ocorre no próximo dia 24 de Fevereiro pelas 18 horas no Museu da Imprensa da Madeira em Câmara de Lobos. A iniciativa das professoras e investigadoras Luísa Antunes Paolinelli e Cristina Trindade, ambas membros da equipa de coordenação científica do projecto Aprender Madeira, pretende levar a cabo uma intervenção de proximidade no seio das comunidades locais em cada concelho de Região Autónoma da Madeira dando a conhecer os conteúdos que comporão o Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira, com organização do Professor Doutor José Eduardo Franco e da responsabilidade da Agência de Promoção da Cultura Atlântica e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, focando temáticas alusivas ao concelho onde se realiza e /ou, assinalando também uma efeméride que se considere relevante focar. Assim, a segunda conferência AndarIlhas, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e do Museu da Imprensa da Madeira terá como oradores o Professor Doutor Thierry Proença dos Santos, que versará sobre “A Toponímia Tradicional Madeirense” focando certamente locais em específico no concelho de Câmara de Lobos e o Dr. Carlos Barradas que dará a conhecer ao público o resultado da sua investigação sobre “A Malta dos Ceroulas Brancas”, alegado gang criminoso que terá, nos anos 30 do século passado, causado uma onda de violência na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. De referir que o evento tem entrada livre.   A Malta dos Ceroulas Brancas "A “Quadrilha dos Ceroulas Brancas”, também conhecida popularmente por “Malta dos Ceroulas Brancas”, foi um grupo de rapazes que, no início dos anos trinta do séc. XX, provocou uma onda de violência e criminalidade na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Quem eram? Porquê que praticavam tais crimes? O que estaria na origem da fundação dos “Ceroulas Brancas”? O modus operandi, a organização do bando e a curiosa indumentária que usavam nos atos criminosos provocaram sensação na época, lançando o terror no Estreito de Câmara de Lobos e em todos aqueles que passavam pela freguesia, nomeadamente turistas e comerciantes. A imprensa da época, sobretudo, pela pena do Diário do Notícias da Madeira procurou apurar as estranhas ocorrências nesta freguesia. A reputação das façanhas criminosas dos “Ceroulas Brancas”, inclusive contra a própria autoridade, fez com que a polícia funchalense levasse a sério as queixas dos habitantes do Estreito, dando origem a um plano concreto para a prisão dos elementos que compunham o grupo. Os meliantes foram capturados, segundo os registos da imprensa, a 10 de agosto de 1932, pelo então chefe de polícia Óscar Dória. Apesar da captura e extinção do grupo, a memória das proezas criminosas dos “Ceroulas Brancas” ficaram para sempre guardadas no imaginário popular. " A Toponímia Tradicional Madeirense Dada a humanização das suas paisagens, a toponímia do arquipélago da Madeira reflete uma estrutura geográfica, histórica, linguística e etnográfica. Por isso, essa denominação de lugares constitui hoje um valioso património cultural que enriquece a memória coletiva, através de dados de interesse histórico e de referenciais de valor identitário e simbólico. Todavia, à denominação espontânea dos lugares de outrora opõem-se por vezes, nos espaços recentemente urbanizados ou requalificados, novos topónimos por via administrativa, reveladora de interesses vários, em termos de motivação política ou comercial, que suscitam debate sobre a oportunidade ou a pertinência da escolha do signo toponímico. Nuns casos, o desconhecimento da origem do nome pode levar à deturpação do topónimo; noutros casos, ao substituir um nome de lugar por outro, corre-se o risco de apagar as relações que a população local mantinha com o lugar. Por fim, é sabido que a mudança de regimes políticos pode dar início a um processo de reformulação da toponímia, sendo esta reveladora da nova situação ideológica. Nesta perspetiva, aprofundar o conhecimento do sistema de toponimização tradicional poderá evitar a descaracterização dos repertórios de localização e do mapeamento estabilizado do espaço conhecido, que fazem parte do quotidiano e que conferem ao arquipélago da Madeira uma identidade singular.

Madeira Cultural Notícias

gárgulas

Designam-se por gárgulas as goteiras ou desaguadouros, que, na divisão e limites das águas dos telhados, se destinavam a escoar as águas pluviais para certa distância da parede. Eram elementos essenciais nas construções arquitetónicas dos sécs. XVI e XVII, quando as águas corriam em caleiras e no interior das empenas. Com a vulgarização da construção de cornijas e de beirais de telhas de várias ordens, o seu interesse diminuiu. Na Idade Média, eram esculpidas com figuras monstruosas, humanas ou animalescas, que celebrizaram algumas catedrais europeias. Subsistem quatro exemplares desse tipo de gárgulas, de grandes dimensões, na antiga alfândega do Funchal; a maioria das restantes, neste e em outros edifícios madeirenses, apresenta a forma de canhão. Palavras-chave: arquitetura; escultura; hidráulica. Na arquitetura, designam-se por gárgulas as goteiras ou desaguadouros que, na divisão e limites das águas dos telhados, se destinavam a escoar as águas pluviais para certa distância da parede. Eram elementos essenciais nas construções dos sécs. XVI e XVII, quando as águas corriam em caleiras e no interior das empenas (Arquitetura). Com a vulgarização da construção de cornijas e de beirais de telhas de várias ordens, o seu interesse diminuiu e, ainda mais, a partir dos meados do séc. XIX, com a construção dos algerozes no interior das paredes. Ao longo deste último século, foi costume adaptar, inclusivamente a algumas gárgulas, ainda ligadas a escoamento das águas pluviais, algerozes em folha-de-flandres pintados, muitos dos quais se mantiveram, que se destinavam essencialmente a proteger os transeuntes. Na Idade Média eram esculpidas com figuras monstruosas, humanas ou animalescas, comuns em algumas catedrais e outros edifícios, acreditando-se que a sua colocação lembrava que o demónio nunca dormia, exigindo a vigilância contínua das pessoas, mesmo nos lugares sagrados. Dado serem colocadas em locais pouco visíveis, assumiam aspetos inusitados e mesmo pornográficos, tal como ocorria, igualmente, nos cadeirais, no interior das grandes catedrais europeias, entre os finais da Idade Média e o Renascimento. Na Madeira, contudo, não esses exemplares subsistiram . As gárgulas que subsistiram na Madeira, essencialmente, apresentam a forma de um canhão, mais ou menos elaborado, como acontece na Sé do Funchal (Sé do Funchal), no baluarte joanino da fortaleza de S. Lourenço (Palácio e fortaleza de São Lourenço), na igreja e colégio do Funchal, entre outros. Na fachada norte da antiga alfândega do Funchal subsistem, no entanto, quatro fantásticas e grandes gárgulas profusamente esculpidas, com dois homens que levam ao ombro um canhão, um bobo e um galo (Alfândega Nova). Tendo a equipa de mestres pedreiros que trabalhou na alfândega estado antes ativa na Sé do Funchal, é muito provável que aí tenham existido realizações idênticas, entretanto apeadas, nas várias campanhas de obras posteriores, pois parece só ali ter ficado uma gárgula do período de obras inicial, do começo do séc. XVI, na fachada da R. do Aljube, na divisão das águas da torre e da nave lateral e em forma de canhão com tubo helicoidal. Subsistem em vários edifícios civis e religiosos gárgulas em forma de canhão, tal como em algumas das capelas mais antigas dispersas pela ilha da Madeira e do Porto Santo, embora não com a pujança decorativa das gárgulas antropomórficas e zoomórficas da alfândega manuelina do Funchal. Na igreja matriz da Piedade do Porto Santo ficou uma rara gárgula com forma de cabeça humana e, especialmente pela parte antiga da cidade do Funchal, ficaram inúmeras outras com forma de canhão, de secção redonda, quadrada, sextavada, etc., algumas das quais, inclusivamente, fora do local e prédio a que teriam pertencido.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2017)

Arquitetura Património

colégio de machico

O Externato Tristão Vaz Teixeira, também conhecido por Colégio de Machico, foi inaugurado em 11/10/1965 e foi estatizado em 30/09/1976. Precedido pelo colégio de S. Vicente, pioneiro do ensino secundário no meio rural, inaugurado em 1964, foi a segunda escola superior ao 1.º ciclo do básico criada na ilha da Madeira fora do Funchal, tendo desempenhado um papel assaz relevante no desenvolvimento pessoal e social das populações daquela zona no leste da ilha. No início do séc. XXI, passou a existir no seu lugar a Escola Básica e Secundária de Machico. O Colégio foi fundado por dois professores vindos do continente. Em setembro de 1965, o Dr. Emídio César de Queiroz Lopes, professor de Matemática, Física e Química, que era diretor da Escola Secundária de Santa Comba Dão, e a sua esposa, também professora, a Dr.ª Maria Ariete Teixeira de Aguiar, filha de Machico, professora de Português, História e Geografia, foram convidados por João Carlos de Sousa, então presidente da Câmara de Machico, para abrirem um colégio do ensino secundário naquela localidade. O autarca prometeu o apoio da Câmara, que pagaria, durante três anos, uma verba anual de 30 contos desde que fosse recebida uma meia dúzia de jovens de famílias sem meios para pagar o ensino. No mês seguinte, com a autorização do Ministério da Educação, o Dr. Emídio Lopes chegou a Machico, tendo ficado logo decidida a instalação do novo colégio. Para local foi escolhido o Hotel de Machico, há muito encerrado. Foi mandado fazer localmente o mobiliário escolar necessário. Foi difícil recrutar os professores necessários, pois foram abertos logo os cinco anos do curso liceal e o curso comercial; aproveitaram‑se os talentos locais, cientes de que a sua dedicação sairia recompensada. Do Funchal vieram as professoras de Inglês e Francês; couberam as Ciências Naturais às farmacêuticas de Machico e Santa Cruz, recrutaram‑se professoras primárias das duas vilas; Manuel Araújo, chefe do posto policial, habilitado com o Curso Comercial, lecionou Datilografia e Caligrafia a alunos que obtiveram altas classificações nos exames da Escola Industrial e Comercial do Funchal; as aulas de Trabalhos Oficinais, que eram na altura exigidas no Ciclo Preparatório do Curso Comercial, foram desempenhadas pelo mestre Fernando, habilitado com o curso de faróis e faroleiro da ponta de São Lourenço, que já tinha construído as estruturas de metal das novas carteiras dos alunos; coube ao padre da freguesia do Caniçal lecionar Religião e Moral. Todos ensinaram com brio as disciplinas que lhes foram confiadas. O primeiro dia de cada período era dedicado à formação de professores que, em discussão de grupo, comentavam textos pedagógicos selecionados pelo diretor, habilitado com curso de Ciências Pedagógicas, que recebia regularmente documentação do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigido então por Alberto Martins de Carvalho, de quem fora aluno no Liceu D. João III. O nome do Colégio é o do navegador Tristão Vaz Teixeira, escudeiro do infante D. Henrique (acompanhou‑o a Ceuta e Tânger), descobridor da ilha de Porto Santo e, em 1440, e o primeiro responsável pela Capitania do Machico em 1440. Na cerimónia de inauguração, no início do ano letivo de 1965/1966, estiveram presentes o presidente da Junta Autónoma da Madeira, Homem Costa, o presidente da Câmara de Machico, juntamente com alguns membros da vereação, o P.e Manuel Andrade, o pároco local, para além de muitos elementos da população, que encheram a sala. Discursaram o presidente da Junta Autónoma e o presidente da Câmara. O Colégio rapidamente ganhou reconhecimento. Mais tarde, todos os alunos ocupavam os seus tempos livres em atividades prescritas pelo método pedagógico de Freinet, uma corrente da chamada “escola nova”: agricultura, tela e bordado, cestaria, marcenaria e serralharia. Desenvolveram‑se campos de agricultura em Santa Cruz, perto do Aeroporto da Madeira, e no Caniçal. Os trabalhos de serralharia, orientados pelo mestre Fernando, decorriam no edifício do cabrestante, que estava sem uso e que foi cedido pela Câmara para esse efeito. Os produtos destas atividades e as peças em ferro forjado, algumas encomendadas, eram vendidos pela Cooperativa dos Alunos. Também se confecionaram enxovais para crianças de famílias mais carenciadas (na déc. 60 do séc. XX naquela região da Madeira, a pobreza era manifesta). O Colégio interessou‑se pelo cultivo das artes. As aulas de Educação Musical foram lecionadas pelo pianista João Luís Abreu, professor do Conservatório do Funchal. Compraram‑se dois pianos, um para o Colégio e outro para a Escola do Ciclo Preparatório. Além do ensino da Música, onde se iniciou o maestro da Banda Municipal, Amaro Nunes dos Santos, os alunos representaram no Cinema de Machico, com lotação esgotada, a peça O Auto do Curandeiro, de António Aleixo. Em 1967, não existia ainda Escola de Hotelaria da Madeira. Assim, a empresária de turismo Fernanda Pires da Silva, que desenvolveu a Matur, proprietária do Hotel Holiday Inn, que muito contribuiu para o desenvolvimento de Machico, solicitou ao diretor do Colégio que formasse as empregadas de que o seu empreendimento necessitava. Eram precisos conhecimentos de inglês, de serviço hoteleiro (quartos e refeições), de etiqueta, etc. As empregadas preparadas pelo Colégio revelaram‑se boas profissionais na Matur. Em 1968, o Colégio realizou com êxito, durante dois dias, um curso de formação de alunos, presidido por D. Maurílio de Gouveia, mais tarde bispo de Évora, com a colaboração do vice-presidente da Junta Geral, do diretor dos Serviços Sociais da Madeira e de vários professores, que desenvolveram com os alunos temas de formação pessoal, social e valores. Em 1970, dado o visível aumento do número de alunos e na impossibilidade de os acolher a todos, diretor dirigiu‑se ao ministro da Educação, Veiga Simão, de quem fora colega na Universidade de Coimbra, solicitando-lhe que fosse criada no local uma escola do ciclo preparatório, ficando o Colégio apenas com os ensinos liceal e técnico. O ministro acedeu e, em outubro de 1970, foi criada uma secção da Escola Gonçalves Zarco, sediada no Funchal, que funcionou durante dois anos no Colégio, enquanto o edifício da nova escola não ficava concluído. Os alunos do ciclo preparatório passaram então do ensino privado para o ensino público. A escola do ciclo recebeu também adultos que buscavam complemento de formação. Quando se abriram, na escola preparatória, as inscrições para o primeiro curso de adultos, em 1972/1973, foi tão grande a procura, que foi necessário abrir duas turmas para acolher 60 pessoas em regime noturno. Em reconhecimento pela sua qualidade pedagógica, em 1971/1972 e 1972/1973, o Colégio foi encarregado pelo Ministério da Educação de proceder à distribuição e recolha das provas de exame do ciclo preparatório nos colégios do campo na Madeira. Em 1972/1973, foi pedido ao seu diretor que desse um curso de formação em Matemática Moderna aos professores do ciclo preparatório da Madeira, que decorreu naquele ano letivo, na Escola Gonçalves Zarco. A qualidade do ensino era avaliada por inspeções do Ministério da Educação. No ano letivo de 1972/1973, coube a inspeção a Paulo Crato – pai de Nuno Crato, que foi ministro da Educação no XIX Governo constitucional –, que almoçou com professores e alunos no refeitório, em edifício atrás do Mercadinho. O alargamento da escolaridade obrigava a medidas de inclusão. A partir do ano letivo de 1973/1974 foi celebrado um contrato de associação com o Estado. Todos os alunos do Colégio (liceal e técnico) passaram então a desfrutar de ensino gratuito. O número de alunos cresceu rapidamente; tendo-se iniciado com 78 alunos em 1965, as duas escolas serviam, em 1975/1976, cerca de 1200 alunos. A Revolução de 25 de abril de 1974 provocou grandes mudanças. Em 1974/1975, os 10 colégios do ensino particular da Madeira elegeram por unanimidade o Colégio de Machico para defender o ensino privado, contra a política de estatização do ensino então prevalecente, em várias reuniões com o secretário da Educação e o presidente da Junta Governativa. Foi uma luta perdida. O Colégio passaria para a mão do Estado em setembro de 1976, transformando‑se numa escola inteiramente pública. No dia 10 de outubro de 2015 foram celebrados os 50 anos da fundação do Colégio, numa festa onde se relembraram os tempos antigos. Foi formulada uma proposta para dar os nomes do primeiro diretor e da professora sua mulher à escola que o substituiu. O antigo diretor, que fora viver para Oeiras, aproveitou o seu tempo de reforma para desenvolver materiais pedagógicos para o ensino da Matemática, exercer tarefas de voluntariado em escolas e traduzir vários livros de grande interesse para a história da ciência, como obras de Descartes, Newton, Huygens, Lavoisier e Fresnel. Para ajudar na sua difusão, criou a sua própria editora, a Prometeu.   Carlos Fiolhais (atualizado a 29.01.2017)

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