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cardoso, gabriel

Gabriel Faustino de Abreu Cardoso é o nome de um cantor português de música ligeira nascido em Arco de São Jorge a 15 de março de 1943. Era filho do maestro e fundador da banda da freguesia do Arco de S. Jorge e irmão de Cecília Cardoso, também cantora conhecida com vários discos gravados. Gabriel Cardoso integrou, com outros estudantes, o movimento estudantil musical gerado pela “febre dos Beatles” na déc. de 60 do século XX. Cumpriu o serviço militar em Angola, para o que teve de interromper os estudos em Direito. De regresso à pátria, estreia-se nos Açores, no Teatro Micaelense, de Ponta Delgada. Em janeiro de 1967 foi lançado num programa da RTP, “Lugar aos Novos”, produzido pelo Maestro Melo Pereira. No mesmo ano, lançou o EP Como Um Calhau Rolado. Foi convidado a integrar o elenco da peça de teatro de revista intitulada Pois, Pois..., que estreou no Teatro Variedades, ao Parque Mayer, em Lisboa, a 9 de dezembro de 1967. Participou como convidado no programa de entretenimento Riso e Ritmo, da RTP. Em 1970, venceu o título de Rei da Rádio, atribuído pela Rádio Antena 1. Na déc. de 1980, foi diretor artístico da discoteca Monte Carlo, mais tarde denominada Loucuras. De Carlos Paião gravou os temas “Tímido” e “Engarrafamento”. Com produção de Toy, gravou “Viver a Cantar 25 Anos”. Entre os seus maiores sucessos, merece especial destaque “Festival do Amor”, “Ericeira” e “Venham Amigos”. Participou em diversos festivais de música, programas de televisão e digressões, tanto em Portugal como no estrangeiro, designadamente nos Estados Unidos e no Canadá, em espetáculos junto das comunidades portuguesas. Morreu em Lisboa, a 8 de fevereiro de 2000. Discog.: Canto Estes Dias Felizes, Limão; Cigano, Vão As Nuvens Vem o Sol; Como Um Calhau Rolado (1967); De Dia Para Dia, É Inútil, Quem Manda Neste Mundo É O Dinheiro, Poema A Meu Irmão; Emigrante, Miragem; Ericeira, Custa a Crer; Estrada Minha Verdade (1971); Eu Já Não Creio; Festival Do Amor, Ao Meu Amor (1970); Moreninha; Oh Meu Amor, Engarrafamento (1982); Tímido, Aleluia Para o Sonho (1985); Tu Sabes, Um Certo Outono; Vamos Sorrir e Cantar, Amiga Dê Tempo Ao Tempo; Viver a Cantar 25 Anos, Sonho Por Sonho.   Teresa Norton Dias (atualizado a 20.12.2016)

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teatro, história do

Em Portugal até ao séc. XV circunstâncias de ordem política e social fazem da poesia dramática uma forma acidental de arte e inibem a cultura e os costumes tradicionais destinados ao povo. No séc. XVI a Igreja permite que o povo participe na liturgia, cujas formas são essencialmente dramáticas. Estas mantêm-se assim unidas aos costumes e festas populares, dando seguimento a uma corrente oposta à da erudição humanista da Renascença que valorizava as comédias clássicas. Com o surgimento de povoadores na ilha, como o moçárabe, a poesia de reminiscências medievais, une-se ao figurado e à melopeia das composições árabes, caracterizando os primeiros esboços de arte referidas pelos autores. No séc. XVII, o teatro assume um papel de diversão e de reflexão crítica e nos séculos seguintes são fluentes os nomes de autores naturais da ilha ou que por ela tenham passado. No séc. XIX as publicações dedicadas ao teatro multiplicam-se, dado o impacto que têm na sociedade. Palavras-chave: teatro, drama, poesia dramática, liturgia cristã, povo, costumes, festas populares, Renascença (da Itália), comédias clássicas, povoadores, moçárabe, poesia de reminiscências medievais, composições árabes. O texto dramático integra-se no modo literário do drama. É constituído por um texto principal e por um texto secundário; enquanto o primeiro contém réplicas, atos linguísticos realizados pelas personagens, o segundo é formado por didascálicas ou indicações cénicas. No texto dramático monológico, apesar de não existirem réplicas, os elementos dialógicos podem estar presentes de forma implícita ou latente. Desprovido de narrador, a ação subordina-se às exigências do conflito, o tempo é relativamente condensado, o espaço é rarefeito, as personagens supérfluas são eliminadas e os episódios laterais são abolidos, dado destinar-se a ser representado e encenado por atores que, no palco, são peças fundamentais. O teatro tem origem na Grécia antiga, nas homenagens religiosas ao deus Dionísio. Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes e Antífanes figuram entre os principais autores dramáticos deste período. A comédia, a tragédia, a tragicomédia, o auto e a farsa são as espécies que representam o género e prosperam ao longo dos séculos. A comédia tem o quotidiano como temática, satirizando os defeitos humanos e a sociedade em geral. Aristóteles defendia que era a imitação de seres humanos inferiores, não quanto a toda a espécie de vícios, mas apenas quanto àquela parte do torpe que é o ridículo. As personagens eram estereótipos das debilidades humanas, como o rabugento, o avaro, o apaixonado e o mesquinho; clichês que se disseminam pela história, principalmente na Europa. A estrutura consiste numa situação inicial complicada, que finaliza bem. Ainda do ponto de vista de Aristóteles, a tragédia, imitação de uma ação de carácter elevado, suscita o terror e a piedade, e tem como objetivo a purificação das emoções. Tem um carácter mais sério e solene, e personagens humanas pertencentes às classes nobres, como reis e príncipes, que sofrem às mãos dos deuses e do destino. A estrutura parte de uma ação inicial feliz, que tem um final trágico. A temática é baseada no sofrimento e no infortúnio do protagonista. A tragicomédia é uma obra dramática que matiza elementos trágicos e cómicos ou risíveis. Aristóteles é também um dos primeiros pensadores a utilizar o conceito, salientando que os dois géneros utilizam na sua composição a mesma métrica, os mesmos cantos e os mesmos ritmos. O auto é uma peça curta, geralmente de conteúdo religioso ou profano e, sobretudo, simbólico, uma vez que as suas personagens não são humanas, mas entidades abstratas, como a hipocrisia, a bondade, a luxúria, a virtude, entre outras. É representado por ocasião das grandes festas religiosas, nos pátios ou no interior das igrejas, e muitas vezes nas praças. A farsa, surgida por volta do séc. XIV, é normalmente uma pequena peça teatral, que tem como objetivo satirizar os costumes e despertar o riso por meio da representação de situações ridículas, grotescas ou engraçadas. Na verdade, para António de Sousa Bastos, atendendo à etimologia, drama é toda a obra teatral, trágica, dramática, cómica ou burlesca; o termo evoluiu semanticamente, passando a designar qualquer peça teatral, em prosa ou verso, que constitua um meio-termo entre a tragédia e a comédia. Embora sério na essência, o drama admite todo o género de personagens e exprime toda a sorte de sentimentos. As peças dramáticas possuem um carácter comovedor e uma forma mais familiar do que a tragédia, mas aproximam-se dela pela natureza e complicação dos acontecimentos, tirando da comédia os seus processos de intriga, a linguagem natural e a cópia dos costumes e situações vulgares da vida. De modo mais preciso, António Sousa Bastos diz-nos o seguinte: “A peça literária é aquela cuja forma, mais ou menos teatral, é todavia primorosa no conceito, nos caracteres e especialmente na linguagem” (BASTOS, 1994, 84). É precisamente este conceito de peça que envolve o de literatura dramática. Deste modo, a representação teatral é inseparável de uma literatura que lhe dá corpo e que é a matéria que a sustenta. Em Portugal, mormente na Madeira, a literatura dramática acompanha a história da nação. Uma vez que circunstâncias de ordem política e social fazem da poesia dramática uma forma acidental de arte e inibem a cultura e os costumes tradicionais destinados ao povo, pode afirmar-se que, até ao séc. XV, a fórmula de Shakespeare, “the form and pressure of the times” [a forma e a pressão dos tempos] não se aplica à realidade portuguesa. À medida que o elemento moçárabe que compõe a raça portuguesa perde relevância, o fisco, a enfiteuse manuelina, os dízimos, os exércitos permanentes, as ordens mendicantes, a desigualdade social e o fanatismo religioso dificultam a subsistência da classe social mais baixa e a sua arte espontânea e criadora. O elemento aristocrático ou leonês, que compõe a linha de fronteira entre Espanha e Portugal, vive na ociosidade da corte e promove passatempos nas festas reais, uma moda seguida na Europa, que os monarcas portugueses se prezam de imitar; condicionalismos que projetam as principais tradições da nação para as páginas das crónicas monásticas. O povo não as conhece, de modo que Portugal quase fica sem festas nacionais. Os ensaios dramáticos surgem a partir das tradições épicas da Idade Média de dois dialetos franceses, frequentemente chamados línguas do sim, a língua d’ oil e d’oc (“oc” significava “sim” no sul de França e “oil” tinha o mesmo significado no norte). A língua d’ oil vulgariza o nome de Bon Amis entre o povo. D. Sancho I concedeu o feudo de umas terras do Douro a um farsante ou bobo chamado Bonamis, a seu irmão, Acompaniado, e aos descendentes. Segundo Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo foi precisamente um serviço feudal grotesco que fez com que aparecesse em Portugal a palavra “arremedilho” que o estudioso interpreta como uma espécie de farsa mímica, “farsas em miniatura, dotadas de música e, sobretudo, de um ‘texto’ escrito segundo o esquema do contraste, pelo que a recitação deveria ser confiada a um par de atores pelo menos” (PICCHIO, 1964, 33); “embora, arrimidilum, longe de ser sinónimo de entremez ou farsa e de provar a vetusta existência de um ‘género’ típico da tradição dramática portuguesa, equivalia, pelo contrário, [...] a ‘imitação burlesca’ prometida ao soberano por jograis remedadores, isto é, por bobos cuja especialidade consistia em ridicularizar o próximo macaqueando-lhe o semblante” (Id., Ibid., 33-34). O conceito de bonifrates enraíza nesta época. Foi pela influência da língua d'oc na aristocracia portuguesa que nos primeiros séculos da monarquia se conheceram as “cortes de amor”, que têm vagas analogias com os espetáculos cénicos. No Cancioneiro da Ajuda, que exclui os géneros mais vulgares, nas cantigas de escárnio e de maldizer, existem versos que aludem àquelas “cortes”, ao debate entre damas e cavaleiros de uma casuística sentimental, de que são exemplo os seguintes: “E vej'a muitos aqui razoar / Que a mais grave coita de soflrer / Veela ome, e ren non lhe dizer, etc.” (BRAGA, 1870, 6). Por seu turno, o povo desconhece essa poesia subtil e canta as suas prosas e hinos farsis na liturgia cristã, até que a pressão do catolicismo lhe impõe silêncio. O espírito aristocrático procura banir o costume simples e natural do vulgo e proíbe uma poesia dramática arreigada a costumes populares. Deste modo, no séc. XVI, ao contrário do que se passa na centúria anterior, quando o teatro encontra condições sociais e mentais de desenvolvimento favoráveis, como os papas se tornam príncipes temporais, a Igreja mostra-se aristocrática e afasta o povo da participação na liturgia. Francisco I de França e o Parlamento são, por vezes, severos nas repressões para os que representam farsas e comédias políticas, aplicando-lhes a censura prévia. Cronologicamente, estas proibições coincidem com a condenação eclesiástica que se encontra geralmente transcrita nas Constituições episcopais portuguesas, que excluem da liturgia as representações populares. Em 1534, lê-se nas Constituições do Bispado de Évora: “Defendemos a todas as pessoas eclesiásticas e seculares de qualquer estado ou condição que sejam, que não comam nas igrejas, nem bebam, com mesas nem sem mesas, nem cantem, nem bailem em elas, nem em seus adros, nem os leigos façam seus ajuntamentos dentro delas sobre cousas profanas; nem se façam nas ditas igrejas ou adros delas jogos alguns, posto que sejam vigília de santos ou dalguma festa; nem representações que sejam da Paixão de Nosso Senhor J. C., ou da sua ressurreição, ou nascença, de dia nem de noite, sem nossa especial licença; por que de tais autos se seguem muitos inconvenientes, e muitas vezes trazem escândalo no coração daqueles que não estão mui firmes na nossa santa fé católica, vendo as desordens que nisto se fazem” (BRAGA, 1898, 72). Repetem esta proibição de representar autos da Paixão, da ressurreição e da natividade nas igrejas as Constituições episcopais de Lisboa, em 1536, de Braga, em 1537, de Angra, em 1559, de Lamego, em 1561, de Miranda, em 1536, e do Funchal, em 1538. Contudo, consentem a persistência do costume com especial licença do ordinário ou bispo. Esta proibição canónica remete para a existência de um teatro hierático em Portugal nos três últimos séculos da Idade Média, que chega ainda à Madeira, e mostra também que não são somente espetáculos religiosos que se usam. As formas litúrgicas do cristianismo são eminentemente dramáticas e o povo, que não abandona rapidamente os costumes, toma parte nas cerimónias do culto. Embora se reconhecessem nesses autos hieráticos a persistência de costumes, as manifestações populares são toleradas com uma certa benevolência. Tal como se lê num decreto da Universidade de Paris em 1444: “Os nossos predecessores, que eram grandes personagens, permitiram estas festas. […] Nós não fazemos todas estas cousas a sério, mas por jogo, para nos divertirmos segundo o antigo costume, para que a tolice (folie) que nos é natural se expanda uma vez por ano. Os toneis de vinho rebentariam, se lhes não dessem ar por vezes […]. É por isso que consagramos alguns dias ás representações e chocarrices” (BRAGA, 1898, 73). Com este espírito, os mistérios, os milagres e as moralidades passam de formas hieráticas a farsas políticas e sarcásticas comédias burguesas. Gil Vicente apropria-se desses elementos tradicionais e exerce sobre eles o seu génio dramático. Na verdade, essas formas de teatro podem desenvolver dramas sacros, poemas narrativos e sequências líricas; outros ficam na espontaneidade dos costumes populares, como os dramas da vida quotidiana. Deste modo, as formas dramáticas mantêm-se unidas aos costumes e às festas populares e a obra de Gil Vicente, colocada na transição do séc. XV para o XVI, surge dessa tradição. As vigílias do Natal são a primeira forma da sua escrita e muitos dos seus autos continuaram a ser representados em igrejas. Inspirado no espírito de tolerância racional, resiste aos obstáculos, cuja tendência é reprimir a sua obra e a fundação do teatro nacional. Desprovidos de raízes étnicas e com simpatia pela Idade Média, os seus autos não poderiam vencer a corrente da erudição humanista da Renascença que impõe ao gosto da corte, da Universidade e dos solares da fidalguia as comédias clássicas e as suas imitações italianas. Garcia de Resende afirmava aliás que o criador do género dramático não fora Gil Vicente, mas o espanhol Juan del Enzina. Na verdade, Gil Vicente mantém o interesse e a atenção do povo, a sua obra tenta resistir ao Tribunal do Santo Ofício, à presunção das tragicomédias dos Jesuítas, que pretendem sobrepor-se ao teatro popular, e também às comédias clássicas. Para Duarte Ivo Cruz, um teatro litúrgico religioso, um teatro popular e jogralesco e um teatro de origem cortesã, provenientes da época medieval, atingem a faixa ocidental da Península Ibérica naquela época. Estes três ramos dramatúrgicos não são estanques, embora o filão litúrgico, quase todo perdido, tenha sido o mais praticado. Na Madeira, Balthazar Dias, nascido em finais do séc. XV, é considerado o principal contemporâneo de Gil Vicente e um dos principais expoentes da literatura dramática portuguesa. No entanto, já no alvor da centúria, afluem à Ilha, a passos brandos, povoadores como o moçárabe, elemento importante do povo que traz consigo o carácter português e o que a arte popular e tradicional possui de original. É precisamente a fusão com as “correntes estranhas”, transportadas pelos povoadores, que dá à literatura uma originalidade própria. A poesia de reminiscências medievais, unida ao figurado e à melopeia das composições árabes, caracteriza os primeiros esboços de arte, a que vários autores fazem referência. Por seu lado, os capitães donatários dão continuidade à vida palaciana, já que a aristocracia permanece parte do tempo no continente, enquanto na Ilha se erguem os seus palacetes. Analisado o teor de várias composições de diversos poetas fidalgos madeirenses, pode verificar-se que se aproximam das do reino, como acontece com os poetas inseridos no Cancioneiro de Garcia de Resende. Autores como Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Meneses, o visconde do Porto da Cruz, o conde de Sabugosa, Francisco Trigoso de Aragão Morato, entre outros, fazem o historial dessa poesia de contornos dramáticos que tão bem caracteriza essa época. Atesta este estudioso que a forma mais usada nos divertimentos cénicos da corte de D. Afonso V e de D. João II é justamente a mímica, e que os momos, acompanhados de dança, nem sempre são mudos, já que alguns dizem palavras apropriadas ao carácter das pessoas que representam. No casamento da Infanta D. Leonor, precisamente irmã de D. Afonso V, com o Imperador Frederico III de Habsburgo, representam-se vários momos, a que um poeta do Cancioneiro Geral também chama autos, como pode ler-se no seguinte verso: “Eram vossos tempos Autos/Nas festas da Imperatriz/Mas agora calar chyz/Nem é tempo de crisautos” (fl. 47, v, col. 2.). Duarte de Brito é o autor dos versos e o visado é João Gomes da Ilha, dois madeirenses ilustrados constantes do Cancioneiro. Apesar da controvérsia sobre a naturalidade do autor, tal como a relata João de Freitas Branco, o compositor tem ligações à Ilha e a ilhéus e fornece dados de valor irrefutável sobre as criações literárias da época. Quanto a D. Afonso V, é por mais evidente que conhece a primeira Renascença da Itália: manda aí estudar os artistas portugueses e chega a visitar a corte francesa, na qual são muito usados os divertimentos dramáticos, tal como se pode ler no poema seguinte: “Por Framengos, Genoveses Froreniyns e Castelhanos/mal nos vindo/com seus novos entremezes dam-nos trinta mil avanos,/vam-se rindo” (BRAGA, 1970, 8). Também D. João II, à semelhança de seu pai, manda os artistas portugueses fazer aperfeiçoamento em Itália e mantém relações diretas com Angelo Poliziano, um dos primeiros que no séc. XV inicia em Itália a imitação do teatro clássico, e cuja obra-prima, Orféo, é escrita para uma festa palaciana. Nos divertimentos dos serões da corte de D. João II encontra-se uma representação cénica criada pelo conde de Vimioso, que Garcia de Resende conserva. O que se passa fora dos palácios, o popular, está pouco documentado e conduz a opiniões controversas, no que respeita à existência de uma literatura original, embora não seja completamente desconhecido. Relativamente a Baltazar Dias, não se sabe ao certo onde nasce, mas sabe-se que passa grande parte do tempo no continente, onde vem a falecer. Barbosa Machado, uma das principais e mais antigas fontes de conhecimento do autor, afirma “que foi um dos celebres poetas que floresceram no reinado de D. Sebastião, particularmente na composição de autos, com a circunstância de ser cego de nascimento” (MACHADO, I, 1741, 446). Nas mais diversas histórias de literatura e de dicionários de teatro, é citado como o “poeta popular” mais incontestável. Na verdade, os conhecimentos literários que revela mostram que aprendera as formas e os temas poéticos elementares da atmosfera espiritual da Ilha, o que lhe permitiu criar obra memorável. Tradições medievais, lendas de santos, gestos de paladinos, amores desventurados, mágoas de exílio e visões de peregrinos, são uma presença na alma dos insulares que marca o espírito deste poeta. A corrente humanista apenas o influencia ligeiramente, como se pode constatar num requerimento que dirige a D. João III para publicar os seus autos e trovas; no texto, declara que é natural da ilha da Madeira, que cantou vidas de santos, que animou na técnica gótica dos seus autos, que celebrou feitos de heróis portugueses, como D. João de Castro, e que riu dos disparates da época e da variedade das mulheres. Álvaro Rodrigues de Azevedo destaca-o como contemporâneo de D. Sebastião e autor de vários autos dramáticos, uns sacros e outros profanos, à semelhança de Gil Vicente. Parte das obras do autor, mencionadas por Inocêncio da Silva, tem grande divulgação em várias edições: Auto de St.º Aleixo, edições de 1613, 1616, 1638, 1749 e 1791, Auto de El-Rei Salomão, edição de 1613, Auto da Paixão de Cristo, edição de 1613, Auto da Feira da Ladra, edição de 1613, Auto de Santa Catharina, Virgem Mártir, edições de 1610, 1038, 1659, 1727, 1786, Auto da Malícia das Mulheres, edições de 1640 e 1793, Auto do Nascimento de Cristo, edição de 1665, Conselhos Para Bem Casar, edições de 1638, 1659, 1680, História da Imperatriz Porcina, Mulher do Imperador Lodonio de Roma, edição de 1660, Trovas de Arte Maior Sobre a Morte de D. João de Castro e Tragédia do Marquez de Mantua, edição 1665. No séc. XVII, Francisco de Vasconcelos Coutinho (1665-1723) enriquece a literatura dramática madeirense com a sua obra. É bacharel em leis, formado na Universidade de Coimbra entre 1686 e 1697. Em 1697, é nomeado ouvidor da Capitania do Funchal. São famosos os seus poemas à morte de D. Pedro II, sucedida em 1706, e um elogio dramático em honra do governador e capitão-general da ilha da Madeira, João de Saldanha da Gama, quando termina o seu governo em 1718. O elogio dramático, representado em 1718 pelas freiras de Santa Clara, possui um argumento simples. A peça, intitulada Residência do Governador e Capitão General da Ilha da Madeira, é uma obra de arte viva, cuja ação assume a função de pedagogia política, já que evidencia sentido de justiça e de razão, princípios que devem nortear a conduta humana perante um mundo cheio de controvérsias e de excessos. O objetivo é, precisamente, mostrar ao leitor e ao espectador essas imagens e abrir um espaço de reflexão sobre os princípios que devem orientar o comportamento dos homens. Decorrido num só ato e em seis cenas, o autor apresenta ao espetador uma espécie de julgamento em praça pública, em que as personagens principais não são mais do que (falsas) testemunhas de acusação e o réu é o Gov. João de Saldanha. Na estrutura interna, a ação é dividida em três partes: a exposição, que corresponde ao momento em que as personagens abstratas – a corte, a Ilha, a saudade, a religião, a justiça e a fama – vão sendo apresentadas, por ordem decrescente de importância; o conflito, que diz respeito aos argumentos de acusação que cada uma das personagens vai expondo contra o governador; e o desenlace, momento em que se chega a um veredicto final. A corte, símbolo do poder régio e da virtude soberana, é a primeira personagem a entrar em cena, a cantar e a incitar a que se apresentem as queixas relativas ao governador. O teatro assume um papel de diversão, de arma pedagógica e de espaço para a reflexão crítica, já que demonstra que o verdadeiro governador é aquele que é constante, humilde, justo, dono da verdade e da razão. Enquanto no séc. XVII apenas há registo do elogio dramático atrás referido, a partir da centúria seguinte abundam os nomes de autores naturais da Ilha ou que por ela passaram. Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo Menezes, Sousa Bastos, Inocêncio da Silva e, mais recentemente, Luiz Francisco Rebello, fazem o historial dos múltiplos escritores e das principais obras dramáticas. Joaquim de Menezes e Ataíde (1765-1828) é o primeiro autor destacado, que Inocêncio da Silva considera um distinto escritor, apesar de a maioria das suas composições poéticas e dramáticas ter sido publicada por Luiz José Baiardo, seu secretário durante vários anos. Nascido na mesma década, Manuel Caetano Pimenta de Aguiar (1765-1832) inscreve o nome na história da literatura dramática da Madeira com uma vasta produção dramática, sendo por muitos considerado o precursor de Almeida Garrett. O curso de artes e ciências feito em França dá-lhe a intuição de que em Portugal não há um verdadeiro teatro, razão que o leva a cultivar os trágicos franceses. Com esse espírito, escreve tragédias, apresenta uma obra original e desperta o gosto para este género literário. Começa a publicar em 1816 e, num curto período, imprime dez tragédias escritas em verso, intituladas Virginia, Os Dois Irmãos Inimigos, D. João I, Arria, Destruição de Jerusalém, D. Sebastião em Africa, Conquista do Peru, Eudoxia Liciana, Morte de Socrates e Carácter dos Lusitanos. Fernando Augusto da Silva e Carlos Menezes citam a representação de um drama seu em três atos, intitulado A Festa do Olimpo, no Teatro Grande, em 1822. No último quartel do século, Luiz José Baiardo (n. 1775) é sobejamente conhecido por publicar em seu nome, como já se referiu, a obra de Joaquim de Menezes e Ataíde, bispo do Funchal. Dada a sua paixão pelo teatro e a sua inibição de figurar como autor, o clérigo cede a sua obra a Luiz José Baiardo, seu fâmulo, consentindo que a divulgue como sua. A partir de 1821, já em Lisboa, Baiardo escreve peças originais e traduz outras. Da sua autoria são: O Moiro de Ormuz, comédia mágica representada pela primeira vez no Teatro do Salitre, em 1826, Valadomir Elevado ao Throno de Seus Maiores, O Combate de Touros, Gullistan, O Marquez de Pomhal ou o Terremoto de 1785, A Virtude Triumphante ou os Mágicos de Granada, Hariadan Barha Roxa, As Luvas Amarellas, Christierno Rei de Dinamarca, Templo da Innocencia, Figaro, O Delator, Alberto I, O Caminho Escuro, Gullistan, Miguel Valadomir, etc. Em 1838, redige um periódico semanal, Atalaia dos Teatros, do qual saem alguns números, mostrando mais uma vez a paixão pela representação e pelo género dramático. José Anselmo Correia Henriques (1777-1831), natural da Ribeira Brava, segue a carreira diplomática em vários países europeus e também no Brasil, no Rio de Janeiro, onde desempenha cargos da confiança do príncipe regente, quando a corte e o governo português ali estão estabelecidos. Embora se tenha dedicado mais à poesia, cultiva a tragédia e a comédia, e publica traduções, nomeadamente de uma comédia intitulada A Escola do Escandalo, composta por Ricardo Brinsley Sheridan. Da sua autoria são as tragédias A Revolução de Portugal e Mesquita. A sua obra encontra-se publicada em Paris, Londres, Hamburgo, Veneza e Christiania, o que indica que terá passado algum tempo nessa cidade, no exercício de funções consulares ou diplomáticas. Luiz da Costa Pereira (1819-1893) é considerado um homem do teatro pelos autores do Elucidário Madeirense, dada a sua vocação para autor, ator, ensaiador e diretor técnico. Efetivamente, exerce o cargo de comissário régio no teatro D. Maria, e é professor de declamação e da arte de representar no Real Conservatório de Lisboa. Camilo Castelo Branco elogia o seu trabalho de encenador. Traduz e adapta à cena portuguesa algumas peças de teatro estrangeiro e escreve o livro Rudimentos da Arte Dramática, de que só publica a primeira parte. Entre as peças que traduz conta-se Calumnia, de Scribe. Manuel Luís Viana de Freitas (1820-1861) destaca-se com um drama intitulado D. Luiz d'Athayde, e por ser sócio correspondente do Instituto Dramático de Coimbra, dada a sua paixão pelo teatro. Sérvulo de Paula Medina e Vasconcelos (1822-1854) é redator do periódico Beija-Flor e funcionário público nas ilhas de Cabo Verde. Em 1845, publica no Funchal um drama intitulado Amor e Pátria, que foi estreou no teatro Concórdia, em 1844. Em Cabo Verde, é redator do Boletim Official, onde publica o romance Um Filho Chorado. João de Andrade Corvo (1824-1890) distingue-se como jornalista, político e escritor. O desempenho de elevados cargos públicos proporciona-lhe um conhecimento dos problemas reais do país e sensibilidade em assuntos de carácter social, como a abolição da escravatura e a emigração, e condu-lo ao público através do texto dramático. Na altura em que o oidium tuckerii chega à Madeira, Andrade Corvo desloca-se à Ilha a fim de estudar essa enfermidade da vinha. A peça O Alliciador retrata esses tempos, a situação dos camponeses, decorrente dos “contratos de colónia”, e os dramas do aliciamento e da emigração clandestina, uma necessidade para muitos madeirenses. O drama é representado no teatro D. Maria II, em Lisboa. Outro dos autores que se destaca é Álvaro Rodrigues de Azevedo (1824-1898). Após a obtenção da licenciatura em Direito, na Universidade de Coimbra, desloca-se de Vila Franca de Xira para o Funchal em 1856. A par da carreira de professor, faz investigação da história da Madeira, envolve-se na vida política, escreve para a imprensa, dirige periódicos e publica uma vasta obra. Sensível aos problemas sociais dos madeirenses, bem como aos seus usos e costumes, escreve o drama A Família do Demerarista, sobre o madeirense que enriquece nos países de emigração à custa do seu trabalho e regressa à terra natal com vontade de ajudar a família e os da terra – contrariando os retratos feitos por João de Nóbrega Soares e Andrade Corvo, que o descrevem como um explorador dos seus compatriotas. João de Nóbrega Soares (1831-1890) é professor e jornalista. Como escritor, cultiva vários géneros literários, entre eles o dramático. São de sua autoria as peças Qual dos Dois?, Um Quarto com Duas Camas e A Virtude Premiada. Esta peça é um drama de atualidade que contém no final um conjunto de notas sobre vários pontos geográficos da Guiana Inglesa que são, precisamente, o espaço em que se movimentam as várias personagens ligadas à emigração de madeirenses no ano de 1861. Na verdade, João de Nóbrega Soares viaja por África e pela América do Norte e percorre o trilho dos portugueses naquelas terras, o que lhe permite fazer retratos aproximados dos dramas de muitos conterrâneos seus ao longo do séc. XIX. A peça é representada no teatro Esperança, na Madeira, colhe os maiores aplausos, e o autor confirma que a literatura dramática é o género que melhor retrata o crer e o viver do povo. Ao escrever a peça, o seu principal objetivo fora esclarecer e proteger os camponeses que na época emigravam engajados para terras longínquas, à procura de trabalho e de uma vida melhor. M. Knowler visita a Madeira em 1845 e profere no Funchal uma série de seis conferências sobre poesia dramática, nas quais revela elevado conhecimento do assunto. Encontram-se publicadas em Inglaterra e contêm referências à passagem do autor pela Ilha. Eugénio Maximiliano Azevedo (1850-1911) inicia-se na escrita dramática ainda jovem, sobretudo com comédias. Fazem parte desse tempo Por Força!, Paulo, Santos de Casa... e Duas Crianças, representadas no Teatro Ginásio, entre 1873 e 1874, e Vida Airada, representada no teatro D. Maria, em 1875. Na mesma época traduz A Familia Mougrol, de grande sucesso no Teatro Ginásio, e Um Fura-vidas, imitada da comédia italiana Un Uomo d’Affari. Nas décs. de 80 e de 90 escreve Os Annos da Menina, O Epílogo, Cinta e Bordão, representadas no Teatro Ginásio e no teatro D. Maria, e O Crime das Picôas, representada no teatro do Príncipe Real. A peça original de maior valor é o drama histórico Ignez de Castro, representada no teatro Príncipe Real de Lisboa, na rua dos Condes, no teatro Príncipe Real do Porto, na rua Nova de Sá da Bandeira e, por fim, no teatro Lucinda, do Rio de Janeiro. Para uma sociedade de amadores faialenses escreve a comédia de costumes açorianos Ralham as comadres…, representada em 1879 no teatro União, da Horta. A peça é representada na Madeira em 1901. Do seu rol de traduções e de imitações, fazem parte Os Jesuitas, Tosca, Causa Celebre, Purgatório de Casados, A Mendiga, O Amor, O Convento do Diabo, As Surpresas do Divorcio, Naná, O Az de Paus, Os Filhos do Capitão Grant e A Honra. O primeiro trabalho do autor a aparecer no teatro é a comédia Entre a Vitima e o Carrasco, traduzida do espanhol. Para além de escritor dramático, é, em final de vida, crítico teatral e comissário régio do teatro Normal. O seu nome é uma presença constante na história do teatro madeirense, pelo impulso e apoio dado à subida ao palco da peça Guiomar Teixeira, de João dos Reis Gomes. Também João de Freitas Branco (1854-1910) se distingue na literatura dramática, na crítica, na escrita de originais e na tradução de peças estrangeiras. Depois de ter viajado e permanecido alguns anos fora do país, em Inglaterra, França, e especialmente na Áustria, onde adquire conhecimentos de línguas estrangeiras, regressa a Portugal e divulga os trabalhos dos dramaturgos mais famosos do norte da Europa, Suécia, Dinamarca e Alemanha, traduzindo diretamente dos originais as suas principais obras. Entre elas, contam-se a Casa da Boneca e o Esteio da Sociedade, de Ibsen, Uma Fallencia, de Bjornson, Penedos do Inferno, de Blumenthal e O Fim de Sodoma, de Sudermann. Sousa Bastos, em A Carteira do Artista e no Diccionario do Theatro Portuguez, elenca a obra traduzida pelo madeirense e a que sobe aos palcos dos mais importantes teatros de Lisboa, o teatro D. Maria e o Teatro Ginásio. Luiz António Gonçalves de Freitas (1858-1904), chefe de repartição no Governo Civil de Lisboa, administrador de concelho e deputado, redige e colabora em importantes jornais, embora os trabalhos literários sejam a sua paixão. Aos 12 anos, em 1871, “publicava o seu primeiro livro original, Phantasias, ensaios litterarios e a sua tradução do Monge de Kremsmanster de Alphonse Karr” (BASTOS, 1898, 495). O seu primeiro trabalho do género dramático é a opereta escrita em verso A Pupila de Beltrão, para ser representada pelos alunos do 5.º ano do curso de Direito de 1879/1880. A peça é levada à cena pela primeira vez no Teatro Académico de Coimbra, em 1880. Em 1886, em homenagem a Leopoldo Carvalho, Noite de Núpcias é representada no Ginásio e posteriormente nos teatros da rua dos Condes e Avenida. Em 1897, sobe à cena no teatro da rua dos Condes a sua ópera cómica Pif! Puf! Publica também, entre dramas, comédias e operetas, À Beira do Abismo, Sob as Cinzas, traduzida de Charles Méronvel, O Club dos Perigosos, Rachel, Por Causa d´Um Cabelo, Pecados da Mocidade e Velha Farça. É sócio e diretor da empresa que explora o teatro Avenida, dado o seu gosto pelo drama e pela representação; traduz para esta empresa, em parceria com Sousa Bastos, uma opereta em três atos, Josephina Vendida por Suas Irmãs. João dos Reis Gomes (1869-1950), militar de carreira, professor do ensino secundário e técnico, jornalista e crítico de arte, na sua qualidade de autor, escreve obras de cariz histórico, filosófico e dramático. O Teatro e o Actor, em 1905, A Música e o Teatro, em 1919, e ainda Figuras de Teatro, em 1928, são obras que distinguem este escritor. Em 1912, escreve o drama Guiomar Teixeira, extraído da sua novela madeirense A Filha de Tristão das Damas. A peça é representada por amadores em 1913; pela Companhia Vitaliani-Duse em 1914; e em 1922, por ocasião das festas da comemoração do V centenário da descoberta da Madeira, novamente pelo primitivo grupo de amadores, embora com algumas substituições. A obra é um expoente da literatura dramática da Madeira, pelos motivos históricos retratados e porque a estreia oferece a novidade de fundir o cinema e a ação dramática. Efetivamente, é a primeira vez que em Portugal se utilizam efeitos especiais cinematográficos como o pano de fundo, e que estes se combinam com a representação dos atores. Maximiliano de Azevedo impulsiona a estreia da peça em Lisboa, dado ser um homem de teatro e ter conhecimentos que satisfaziam as ambições da representação do autor da peça. Francisco Bento de Gouveia (1874-1921) colabora numa revista que foi levada à cena no teatro Manuel de Arriaga. No final de século, em 1877, Olimpia Pio Fernandes escreve um drama intitulado Alda ou a Filha do Mar, que foi representado no Funchal. As principais cenas da peça são publicadas pela imprensa regional, com a qual colaborou. Francisco Jorge de Abreu (1878-1932) é jornalista de profissão. Além de muitos artigos disseminados por vários periódicos do Funchal, de Lisboa e do Porto, traduz várias peças teatrais. José Jorge Rodrigues dos Santos, ou apenas Jorge Santos (1879-1958), segue a carreira diplomática na Suécia e na Dinamarca. É autor de três peças dramáticas representadas no teatro nacional: em 1903, Crime de Amor, que põe em cena um caso de incesto, e A Festa da Actriz, uma derivação da estética naturalista; e, em 1908, Mar de Lágrimas, escrita em colaboração com João Gouveia. Escreve ainda Rosa Enamorada e uma peça de costumes madeirenses, Vinho Novo, entregue no teatro nacional em 1903, mas que não chegou a ser representada. João Gouveia (1880-1947) é um escritor apaixonado pela aeronáutica. Da sua autoria são duas peças levadas à cena no teatro nacional, nomeadamente Engano de Alma, em 1904, e Mar de Lágrimas, em 1908, com a colaboração do seu conterrâneo Jorge Santos. Em 1912, escreve Balões e Aeroplanos. Salienta-se, igualmente, Alberto Figueira Jardim (1882-1970), bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, professor do liceu do Funchal, colaborador de alguns jornais na região e autor de uma vasta obra, que escreve uma fábula trágica, Galateia, publicada no Funchal em 1920, e a comédia Honra, Drama e a Laranja de Califa, peça em dois atos. Alfredo Freitas Branco (1890-1975), também conhecido por Visconde do Porto da Cruz, escreve Madrinha de Guerra em 1919, uma comédia cuja ação é centrada em Lisboa no ano de 1917. No mesmo ano, publica um auto designado Auto da Primavera, para o qual seu primo Luís Freitas Branco escreve uma música, e, em 1922, publica a peça A Canção de Solveig. A estes autores junta-se Álvaro Leal (1891-1931), autor de revistas e de operetas, umas escritas individualmente, outras em coautoria, como A Conferência, uma adaptação do francês, em 1924, Aqui para Nós, revista em um ato e três quadros, Jesus!, peça sacra, episódio bíblico em três etapas, de parceria com Pedro Bandeira, Isso Era d’ Antes, revista em um prólogo, dois atos e seis quadras, com outros autores, Sol de Portugal, revista em dois atos e doze quadros, com Lourenço Rodrigues, Prata da Casa, série de oito quadros de conjunto, a imitar uma revista novamente em colaboração com Pedro Bandeira. Escreve também o melodrama O Alfinete egípcio, em colaboração com Carlos Ferreira, representado apenas em tradução espanhola. É ainda autor das comédias Pegadas na Areia, da qual foi colaborador Lourenço Rodrigues, representada no teatro nacional em 1930, e Nero, escrita com Guedes Vaz. Algumas destas peças encontram-se no Arquivo Distrital do Porto. Augusto Elmano Vieira (1893-1962), bacharel em Direito pela Universidade de Lisboa em 1920, exerce o jornalismo, a advocacia e é membro da Câmara Municipal do Funchal. Como escritor dramático, colabora na revista de costumes madeirenses A Madeira por Dentro, representada no teatro Dr. Manuel de Arriaga, e na opereta regional A Menina dos Bordados, representada no pavilhão Paris. Em 1915 escreve o episódio dramático A Ultima Bênção, publicado no Funchal, em 1917. A peça é representada no teatro Circo, do Funchal, e no teatro nacional, em Lisboa, com muito sucesso, dado a gente da Ilha ser muito sensível ao tema retratado, a emigração madeirense; a ação é, pois, fundamental para esclarecer tanto os que partem para destinos transatlânticos, como os que ficam, aguardando que os seus regressem depressa. João França (1908-1996) que escreve várias peças de teatro, entre dramas, farsas e comédias, levadas à cena no Funchal por amadores, entre 1924 e 1930, nas quais representa alguns papéis. Algumas constituem grande êxito, como Mimi, O Regenerado e Amor Sem Deus. Escreve também uma opereta, Zé do Telhado, representada no teatro Avenida, em 1944, uma adaptação de O Bobo, de Alexandre Herculano, publicada em 1964 com o título O Drama do Bobo, uma comédia, Um Mundo Àparte, premiada em 1970 no concurso de originais para o teatro Maria Matos, proibida pela censura, e o monólogo Sol nas Minhas Mãos. Em 1978 publica o drama O Emigrante, peça em que retrata a emigração madeirense para a América no primeiro lustro do séc. XX. João de Brito Câmara (1909-1967) publica, em 1943, no Funchal, o Auto da Lenda, que é a descrição poética da lenda que conta os amores de Ana d’Arfat e Machim, que em tempos idos terão chegado à Madeira. Alberto Figueira Gomes (n. 1913) foi um estudioso da história insular madeirense e das fontes das principais tradições poéticas. A publicação da obra Poesia e Dramaturgia Populares no Século XVI – Baltasar Dias vai ao encontro desse gosto do autor. Em 1965, publica Encontros no Pireu, peça em um ato. Ernesto Leal (1913-2005) publica a obra teatral Afonso III, “história fabulosa e irónica de um rei sem história”. Finalmente, António Aragão (Funchal, 1921-2008) é autor de uma única peça dramática, Desastre Nu, distinguida em 1980, na qual propõe uma visão despojada e desencantada do mundo tecnocrático seu contemporâneo, dada a sua ligação ao experimentalismo dos anos 60 e 70. Em termos conclusivos, e segundo os autores do Elucidário Madeirense, a literatura dramática na Madeira foi, no início, uma articulação entre o génio dramático dos criadores e a fome, a pobreza e a necessidade. As famílias ilustres dedicavam-se à filantropia, forma de sobressaírem socialmente, algo que distingue e caracteriza o teatro na Madeira. Afirma Derrida que, quando os povos atingem um certo grau de civilização, os espetáculos são uma necessidade, “uma energia […] a única arte da vida” (MATEUS, 1977, 36). No séc. XIX, principalmente, os títulos dos jornais e outras publicações dedicadas ao teatro multiplicam-se, dado o impacto que têm na sociedade. Ao longo dos séculos, organiza-se um movimento mundano de apoio ao teatro, do meio citadino ao rural, suscitando paixões e levando-o a desempenhar um papel importante no cenário político, social e cultural de cada época.   Elina Baptista (atualizado a 10.01.2017)

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escultura

Para traçar uma panorâmica da história da escultura existente no arquipélago da Madeira apenas se pode recorrer a estudos dispersos e pontuais, já que um levantamento sistemático ainda está por realizar em 2015. O interesse pela recolha e preservação do património religioso que esteve na origem da criação do Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF), levou à realização de exposições de escultura religiosa, sendo a de 1954 no convento de S.ta Clara do Funchal, organizada pelo P.e Pita Ferreira e por Luiz Peter Clode, pioneira e muito alargada. Propunham-se os seus mentores dar uma ideia da evolução do sector, sem pretensões de exaustividade e conscientes das limitações de documentação e de publicações que então se verificava. Lembremos algumas das principais iniciativas que se seguiram no MASF: em 1967, uma mostra sobre iconografia mariana (Exposição Mariana), tema retomado e ampliado em 1988 por ser ano mariano; em 1984, uma exposição de escultura religiosa da coleção Dr. Frederico de Freitas, com imaginária europeia e produção luso-oriental, que precedeu a abertura da casa-museu onde hoje é dado a ver o espólio deste colecionador; por ocasião do 8.º centenário do nascimento de Santo António, em 1996, uma exposição dedicada a este santo da qual, infelizmente, não foi publicado catálogo, reunia pintura e escultura dos sécs. XVI a XVIII, pondo em diálogo peças do próprio museu com outras da Diocese e de outros museus; A Madeira na Rota do Oriente, em 1999, retomada e ampliada, em 2005, com o título A Madeira nas Rotas do Oriente, reuniu peças significativas dos intercâmbios culturais decorrentes da Expansão; em 2002, Jesus Cristo Ontem, Hoje, Sempre, exposição integrada na pastoral do ano do grande Jubileu de 2000, agrupou em torno da temática cristológica; no ano seguinte, Futuro do Passado deu especial enfoque a problemas de conservação e restauro; Eucaristia, Mistério de Luz, organizada em 2005 para celebrar o ano da eucaristia; Obras de Referência dos Museus da Madeira, em 2008, no Funchal e, em versão mais vasta, no palácio nacional da Ajuda, em Lisboa, no ano seguinte; em 2014, a exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal: Madeira, do Atlântico aos Confins da Terra 1514-2014. Estas exposições temporárias do MASF foram ocasião para o restauro de peças e para efetuar investigação sobre elas, e é sobretudo nos seus catálogos que podemos encontrar informação acerca das obras mais relevantes do património ilhéu. Muito continua, no entanto, por estudar e valorizar e é uma lacuna a inexistência de um inventário exaustivo, até ao presente ano de 2015, feito com a colaboração de especialistas, com registo fotográfico cuidado, acessível a consulta, que seria um instrumento de trabalho precioso não só para investigadores, mas até para a indispensável salvaguarda do património. Salientamos, no entanto, as inestimáveis, ainda que inéditas, recolhas feitas pela escultora Luiza Clode ao longo da sua atividade de docente e de diretora do MASF. Cabe lembrar também a importância da participação de peças pertencentes ao património insular em destacadas exposições nacionais e internacionais, pelas oportunidades que abre à investigação e à divulgação, entre as quais: Europalia, em 1991, Antuérpia; Exposição Universal de Sevilha, em 1992; Brilho do Norte, em 1997, Lisboa. O remanescente da escultura de épocas mais recuadas consiste em peças de imaginária devocional que encontraram, apesar das alterações decorrentes de deterioração ou de mudanças de gosto, melhores condições de conservação. Algumas das imagens que chegaram até nós sofreram sucessivos repintes descaracterizadores, outras já estavam fora de culto e tinham sido enterradas, guardadas em armários ou debaixo de altares de igrejas. Recorria-se a esta prática, ou à queima, conforme estabelecem as Constituições Sinodais, para evitar a profanação. Do séc. XV, entre o gótico final e os alvores do renascimento, existem diversos exemplares em madeira estofada, mas salienta-se um S. Brás (MASF73) em mármore, vindo da matriz de Gaula, de cânone bastante curto e modelação sumária, com báculo, mitra e uma figura ajoelhada a seus pés, alusão à cura do rapaz com uma espinha na garganta, um dos seus milagres mais populares. Pertencente à Misericórdia da Calheta, uma Virgem com o Menino, em pedra, que estava grosseiramente repintada, foi alvo de restauro em 2015,  desvendando-se assim a volumetria original da imagem. É também interessante uma S.ta Catarina, da igreja do Campanário, de livro na mão e segurando o punho da espada com que foi decapitada na outra, que tem a seus pés a figura do vencido imperador Maximiliano, tal como uma sua congénere do Museu Nacional de Arte Antiga com o número de inventário 144 Esc. A par das importações flamengas vieram também peças de produção nacional, de que é excelente exemplo um S. Sebastião em pedra de ançã, de apurada modelação e harmoniosa proporção, com vestígios de policromia, de oficina coimbrã do início do séc. XVI, atribuído a Diogo Pires o Moço (MASF379). Encontra-se mutilado e estava enterrado na igreja de Câmara de Lobos. Também em pedra policromada e dourada é a Virgem com o Menino de oficina flamenga ou luso-flamenga que segura um tinteiro enquanto o Menino tem um livro na mão e uma pena para escrever, entretanto já desaparecida. Trata-se de uma iconografia não muito usual, que se encontra a partir do séc. XV nas regiões da Renânia e do Mosa. A escultura em pedra é uma presença mais rara, sendo a madeira policromada, estofada e dourada o material mais utilizado para a imaginária até ao séc. XIX. De um modo geral, nas obras dos sécs. XV e início do XVI, tal como acontece com a pintura, predomina o gosto flamengo, como podemos ver na coleção do MASF, objeto de análise no seu catálogo, publicado em 1997 (Arte Flamenga). Guarda este museu alguns exemplares de produção flamenga, de que se salienta uma Nossa Senhora da Conceição de madeira estofada, policromada e dourada, do início do séc. XVI, esculpida em meio vulto, proveniente da matriz de Machico e que terá pertencido a um primitivo retábulo (MASF18). Coroada, com o Menino ao colo segurando o rolo da Nova Lei, os seus traços fisionómicos e opções compositivas e de modelação apontam para oficina da zona de influência Malines-Bruxelas. Uma Nossa Senhora da Estrela (MASF354) vinda de oratório particular da Calheta, em que o Menino segura um cacho de uvas alusivo à sua futura Paixão, de oficina de Antuérpia ou de Malines. S.ta Luzia (MASF351), proveniente da antiga capela de S.ta Luzia, é uma obra de Malines, do início do séc. XVI, mutilada e com a carnação já desaparecida, mas conservando o douramento original; é de grande expressividade e notável desenvoltura e dinamismo na execução de panejamentos e cabelos. Cristo Crucificado (MASF319), em madeira de carvalho com vestígios de policromia, possivelmente proveniente do convento de S. Francisco, está estilisticamente próximo da escultura alemã, pelo alongamento e expressividade da figura. Apesar de lhe faltarem os braços, é notória a qualidade da modelação. S. Roque (MASF352), que seria originalmente do altar de S. Roque na Sé, santo de grande devoção enquanto intercessor contra a peste, é obra de uma oficina de Malines de finais do primeiro quartel do séc. xvi. Veste de peregrino e está acompanhado por um pequeno anjo. Falta-lhe a mão esquerda e apresenta vestígios das cutiladas de que foi alvo aquando do ataque dos corsários, em 1566. São muitas as figuras de desmembrados conjuntos representando o Calvário. Entre as quais, uma Virgem Dolorosa, um S. João e um Cristo Crucificado, encontradas, as duas primeiras, sob o altar da igreja de S. Roque, sendo o conjunto proveniente da capela do Calvário da Sé e de oficina arcaizante de Malines (MASF374). Mas também, uma Virgem Dolorosa e um S. João (MASF45/45A), provenientes do colégio dos Jesuítas do Funchal; uma Virgem Dolorosa e um S. João (MASF134/134A) de oficina flamenga ou luso-flamenga, possivelmente de Fernão Muñoz, provenientes da Sé. Nesta última imagem de S. João foram acrescentados olhos de vidro, retirados aquando do seu restauro. Esta prática inicia-se apenas no período barroco, pelo realismo e intensidade que conferia ao olhar, mas foi por vezes aplicada a esculturas já existentes. Guarda também o museu um conjunto de figuras de uma Deposição da Cruz de oficina de Malines, com a Virgem amparada por S. João e Maria de Cleofás, achadas sob o altar da igreja de S. Roque (MASF47/47A). Deste conjunto fariam parte outras figuras, entre as quais uma Maria Salomé encontrada numa arrecadação da Sé. De Malines vieram também pequenas imagens do Menino Jesus, decerto destinadas a oratórios particulares. De fatura flamenga existem, entre outras, ainda ao culto, uma Virgem com o Menino, dita Virgem do Rosário e uma Nossa Senhora da Luz, na matriz da Ponta do Sol; na da Ribeira Brava, subsiste uma Nossa Senhora do Rosário. De oficina portuguesa, em barro e de pequena dimensão, possui o convento de S.ta Clara duas peças com o tema da Piedade, a Virgem com o Cristo morto nos braços, e ainda um fragmentado S. Jerónimo de excelente modelação. Do séc. XVII, restam, nas igrejas de Machico, Santa Cruz, e Porto Santo, grupos de figuras de Cristo e os apóstolos na Última Ceia. Documentado como obra do imaginário Manuel Pereira (Manuel Pereira), em parceria com os douradores Baltasar Gomes e Manuel Duarte, é o conjunto do mesmo tema executado entre 1648 e 1652 para o camarim da Sé, depois colocado no MASF (MASF346), parte de um vasto e fragmentado conjunto, encomendado pela confraria do Santíssimo Sacramento. O grupo escultórico de Machico foi atribuído à oficina deste imaginário, o de Santa Cruz, a um seu seguidor. Na matriz da Calheta existem também figuras de um destes grupos escultóricos, bastantes degradadas, mas, a julgar pelas suas caraterísticas formais, mais antigas. A partir deste período, são muitas as imagens que, em 2015, ainda estão presentes ao culto. A recrudescência do culto dos santos que o ideário contrarreformista preconizava, as reformas em altares já antigos, a construção da igreja jesuítica de S. João Evangelista e o aumento de mão de obra local, documentada, como veremos adiante, potenciam as encomendas do clero, de confrarias e de oratórios particulares. Do demolido convento das Mercês ficou um Senhor da Paciência, também designado Senhor da Pedra, hoje no mosteiro de S.to António, das Clarissas, em madeira policromada, de proporções um tanto atarracadas, mas de modelação cuidada. É um tema do ciclo da Paixão que foi alvo grande devoção popular, divulgado através de gravuras de Dürer, uma da série da Pequena Paixão outra da Grande Paixão, onde o pintor retoma as convenções de representação da Melancolia, mesclando dor e resignação e salientando o dramatismo da cena. Dentro das figuras de maior devoção encontra-se a Virgem Maria, nas suas muitas invocações. Uma delas é a Nossa Senhora da Vida, de uma pequena capela da mesma invocação na Fajã do Mar, Calheta, estática e solene, de modelação um tanto sumária. De cunho mais erudito é a Nossa Senhora da Luz com o Menino ao colo e assente sobre nuvens e cabeças de querubins, onde se sente já uma certa quebra do hieratismo da figura na obliquidade do pregueado largo do manto (MASF197). Estava num altar colateral da igreja do colégio dos Jesuítas, onde era invocada como protetora dos estudantes. A Nossa Senhora do Pópulo, também da igreja jesuítica de S. João Evangelista (colégio), do altar do mesmo nome, é um exemplo paradigmático da solenidade que adquirem as imagens no contexto maneirista pós-tridentino. O estatismo é animado pela ondulação quase gráfica das pregas miúdas que, no entanto, não contrariam a solidez do bloco. Dentro da mesma linguagem, mas menos imponente, é a Nossa Senhora da Assunção do altar do mesmo nome do convento de S.ta Clara. Mais austera na sua modelação, mas de grande qualidade plástica e muito delicada nos gestos e na expressão é a S.ta Isabel (MASF310/A) que, em atitude de caminhar, segura o braçado de rosas alusivo ao milagre que operou. Um culto que foi particularmente impulsionado em Portugal, após a Restauração, foi o da Imaculada Conceição, incentivado sobretudo pelos Franciscanos e pelos Jesuítas. Do convento do Bom Jesus da Ribeira transitou para o MASF uma Senhora da Conceição, de grande hieratismo e simetria, mas de marcada juvenilidade (MASF412). A representação da Virgem sobre o crescente lunar é uma caraterística da Imaculada Conceição e fundamenta-se na descrição da mulher apocalíptica. No caso da Imaculada Conceição que figurou na exposição A Madeira nas Rotas do Oriente, o crescente está voltado para baixo e sob este, em grande evidência, está o globo do mundo no qual se enrosca a serpente do mal. Pedro (MASF198), proveniente da igreja de S.to António, com algumas mutilações, é de cânone curto mas solta movimentação na atitude e nas vestes. Da mesma igreja, mas podendo ter tido outra proveniência, veio um S.to Inácio de Loyola (MASF193), de expressão contemplativa, livro na mão e gesto pregador, tem no peito uma abertura para colocação de relíquia. O estofado do hábito é sóbrio, mas requintado. De sobriedade está carregado um ascético S. Bruno com uma caveira na mão da igreja de S. Pedro. São significativos da devoção aos santos os bustos-relicário, tal como podemos ver, neste ano de 2015, ainda in loco, um exemplar de retábulo de 1653, atribuído a Manuel Pereira, com 9 nichos com os bustos e 12 braços-relicário nos intercolúnios na capela das Onze Mil Virgens da igreja do colégio. Possui também o MASF alguns exemplares interessantes de bustos-relicário dos mártires de Marrocos, ainda que muito deteriorados, pois foram encontrados sob o soalho na igreja do colégio (MASF357). Os santos jesuítas, como o S.to Inácio acima referido, têm forte presença na igreja desta Companhia, veja-se os quatro santos em pedra nos nichos da fachada maneirista e os do retábulo do altar-mor, de 1660, um dos quais, S.to Inácio; este último foi incluído na exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal. Interessante também é a escultura integrada nos retábulos das capelas laterais (Talha), nomeadamente o S. Miguel Arcanjo pesando as almas e com um demónio vencido a seus pés. Na igreja da Ribeira Brava existe um grupo escultórico com o tema da Piedade em barro policromado, indiciando uma procura de pequenas obras para devoção privada. Também a igreja do Carmo possuía uma peça sobre o mesmo dramático tema. Um importante núcleo de imagens de roca dos sécs. XVII e XVIII, que estava arrecadado numa dependência da igreja do colégio, transitou para as reservas do MASF; algumas delas foram mostradas pela primeira vez na exposição O Futuro do Passado, em 2003. Trata-se de esculturas de vestir processionais, articuladas, com estrutura interna oca de ripas de madeira, para torná-las mais leves, em que apenas a cabeça e as mãos são esculpidas com acabamento mais apurado e com carnação. As vestes, olhos de vidro, cabeleiras e adornos conferiam realismo e fausto a estas figuras, contribuindo para o pathos do cerimonial. Os exageros no adorno das imagens refletem-se na redação da constituição quarta das Constituições Extravagantes de 1601, emanadas do sínodo de D. Luís Figueiredo de Lemos, relativa à decência e honestidade das pinturas e dos vestidos dos santos. Algumas das imagens de roca são facilmente identificáveis, como Cristo com Coroa de Espinhos (MASF385), outras têm uma inscrição no peito com o nome do santo, como S. Benedito (MASF393), S.ta Delfina (MASF392), ou S.to Henrique (MASF391). Os contactos com os territórios portuguesas de além-mar levaram para a Ilha numerosas peças, sobretudo de artes decorativas, mas também imaginária produzida por artífices orientais, de que os exemplos mais singulares serão as representações indo-portuguesas do Menino Jesus Bom Pastor em marfim (Casa-Museu Frederico de Freitas, n.os 20.036 e 20.037; Museu Quinta das Cruzes, MQC137). São frequentes as representações da Imaculada Conceição, da Virgem com o Menino, os crucifixos e diversos santos. São geralmente peças de pequenas dimensões, em marfim, destinadas a oratórios particulares e, para além da Índia, há também peças trazidas da China e do Ceilão, entre outros. A Dormição de S. Francisco Xavier (MASF337), de oficina portuguesa ou mesmo local, proveniente do antigo convento do Bom Jesus da Ribeira, é um baixo relevo que representa bem o prestígio adquirido pelos protagonistas da missionação do Oriente. Nos finais do séc. XVII, são frequentes os anjos candelários ou ceroferários, peças com forte presença no diálogo entre géneros artísticos próprio do bel composto barroco. Assim  são os anjos de madeira policromada e dourada de pose dinâmica e teatral e vestes esvoaçantes (MASF241 e MASF241/A). A igreja de S. Jorge conserva ainda um par de anjos desta tipologia, que se prolonga no século seguinte, como podemos constatar em exemplar congénere da igreja do colégio dos Jesuítas. Nos finais do séc. XVII e ao longo do séc. XVIII, a escultura ganha realismo e acentua-se a veemência da gestualidade e a dinâmica das pregas, criando volumetrias mais ousadas e é abundante a produção de peças, mantendo-se a preferência pela madeira estofada, policromada e dourada. Nossa Senhora dos Anjos com o Menino ao colo e assente sobre uma revoada de anjos (MASF358), proveniente da igreja do Carmo, apresenta um contraste entre a serenidade dos rostos e a agitada composição geral. A Senhora, o Menino e um dos anjos seguram um fruto vermelho na mão. É de particular qualidade a Nossa Senhora da Assunção que passou a integrar o retábulo da Sé, já na segunda metade do séc. XX, após a proclamação do dogma da assunção por Pio XII, em 1950, vinda então da igreja de S. Pedro. Justifica-se este facto pela tradição de dedicar as catedrais portuguesas a Nossa Senhora da Assunção. A Virgem é levada por um grupo de anjos e tudo se conjuga para criar uma forte ilusão de movimento ascensional: a direção do olhar, as oblíquas dos braços, das pernas e da fímbria esvoaçante do manto e a sinuosa agitação das pregas. Além disso o estofado da túnica é de muito cuidado desenho. O rosto sereno e as mãos cruzadas sobre o peito da Imaculada Conceição existente na capela do Espírito Santo (Lombada, Ponta do Sol) é realçado pela grande desenvoltura nos panejamentos com pedras incrustadas. É curiosa a solução da serpente esmagada a seus pés sobre o globo do mundo. Na igreja de S. Pedro, a expressão dolorosa da Nossa Senhora das Dores, de espada no peito, boca entreaberta e olhos lacrimosos a que não falta o brilho das lágrimas de vidro, contrasta com a elegância do gesto e das vestes. Outra peça relativa aos episódios trágicos da vida da Virgem é a Senhora da Piedade, em madeira policromada, da igreja dos Canhas, muito expressiva no confronto entre o corpo desfalecido de Cristo, de braços abertos como que ainda crucificado, e a tensão do abraço de sua Mãe. Testemunhos da devoção a S.ta Ana, existem duas imagens deste tema que apresentam semelhanças formais entre si: uma proveniente da igreja do Carmo (MASF455), com Maria ao colo e o livro na mão, na atitude de S.ta Ana mestra, de rosto um tanto anguloso, vestes agitadas e ampla volumetria; outra oriunda da igreja de Câmara de Lobos, apenas com o livro. Muitas outras devoções ficaram patentes na numerosa imaginária do séc. XVII. Lembremos ainda S. Francisco Xavier (MASF450), oriundo da igreja do Carmo, figura cujo movimento ascensional do olhar é sublinhado pela colocação diagonal do braço que segura a cruz; S. Francisco de Paula (MASF450), fundador da Ordem dos Mínimos, de longas barbas e hábito com capucho aponta para a divisa que tem no peito; S. João Batista menino, da capela da mesma invocação no Funchal, veste uma pele de cordeiro que se mescla indestrinçavelmente com o estofado ao gosto barroco; S.ta Rita de Cássia, da Sé, com o estigma na fronte, olhar de contido sofrimento, veste um hábito de monja cuja ondulação discreta se afasta das exuberâncias do barroco. De pequena dimensão, mas de grande qualidade no apuro das feições, mãos e pés, e na larga movimentação do panejamento, é o S. Paulo (MASF449), vindo da igreja do Carmo, que foi atribuído ao círculo de Machado de Castro, famoso escultor da Casa Real. Destaque também para uma Nossa Senhora dos Remédios e do Amparo (MASF261) procedente da demolida capela da Qt. de S. João. Também os arcanjos Rafael (MASF453), Miguel (MASF452) e Gabriel (MASF454), em maquineta da época em talha dourada, provindos da igreja do Carmo, são requintados exemplos de entalhe e de estofado. Abundam as figuras de presépio, sejam avulsas sejam em presépios de caixa, algumas de muito boa qualidade, pois foi grande a procura deste tipo de peças por particulares nos sécs. XVIII e XIX (Presépios). Em mármore policromado e dourado assinala-se um arcanjo S. Miguel vencendo o demónio (MASF185), vindo do colégio dos Jesuítas que assenta sobre um ornato de palmeta. A autoria das peças mencionadas nesta súmula e das muitas outras que não é possível aqui enumerar é ainda uma incógnita, devido à escassez de documentação específica acerca de contratos e pagamentos. Algumas desta peças, pela sua qualidade e caraterísticas estilísticas, sugerem proveniência de oficinas nacionais. Quanto à documentação acerca de imaginários a trabalhar na Ilha, são mais frequentes as menções encontradas em registos paroquiais, contratos de aforamentos e outras situações semelhantes do que referências à execução de peças em vulto, aos pagamentos de talha, douramentos e consertos diversos. A partir do início do séc. XVIII é mais comum a designação de entalhador para os executantes da talha, aparecendo também, para as mesmas funções, a designação de carpinteiro ou marceneiro (Talha). Na viragem para o séc. XVII, estão documentados, nas datas que seguidamente indicamos, os imaginários: Álvaro Luís, natural de Sintra, que também foi procurador de mesteres e morreu em 1630, havendo notícia dele desde o seu casamento, em 1596; João da Costa (1602-1604); Manuel Dias, que trabalhou no sepulcro da Sé (1639); Manuel Dias de Andrade (1696); Brás Fernandes, elogiado por Manuel Tomás na Insvlana como insigne escultor, com obra na igreja de S. João Evangelista (batizou um filho em 1641); Manuel Afonso (1641); Manuel de Lima, irmão da Confraria da Candelária de S. Pedro (1651-1698); Domingos Martins (1652, 1655); Pedro Nunes de Morim (1655, falecido em 1682); Manuel Martins, já falecido por volta de 1660; Francisco Fernandes (1669); Domingos Moniz, que trabalhou com Manuel Pereira no camarim da Sé (1651-1661); Filipe Correia (1664); Francisco Afonso, que acrescentou o retábulo do altar do Bom Jesus da Sé, em parceria com Manuel Pereira de Almeida, Inácio Ferreira, Manuel da Silva e João Rodrigues (1683); Francisco Afonso da Cunha (1686); Francisco Rodrigues (1672); Manuel Fernandes (1672, falecido em 1675); José Fernandes de Morim, que foi procurador dos mesteres e conselheiro de segunda condição da Misericórdia do Funchal (1627-1673); Manuel da Silva, mordomo de fora e da capela da Misericórdia do Funchal, que trabalhou em parceria, na talha do retábulo da capela do Bom Jesus da Sé, com Manuel Pereira de Almeida, Inácio Ferreira, Francisco Afonso e João Rodrigues (1683-1698); Luís Dias (1684); Manuel Coelho, conselheiro de segunda condição na Misericórdia do Funchal (1685); José Gonçalves (1691); Martinho de Bettencourt, que trabalhou no camarim da Sé com Manuel Pereira (1652-1654); Leandro João Caldeira (datas desconhecidas); Francisco da Silva, natural de Lisboa (1688-1689); Fr. António de Estremoz, do convento de S. Francisco, cujas imagens foram aprovadas como respeitadoras da ortodoxia durante a visita da Inquisição, em 1691; Inácio Ferreira, que integrou a parceria acima referida (1652, falecido em 1684); João Rodrigues de Almeida, por vezes mencionado apenas como João Rodrigues entalhador ou como imaginário, nascido por volta de 1650 e falecido em 1740, colaborador na mesma parceria. Ativos no séc. XVIII, encontramos em atividade, nas datas seguidamente indicadas: António da Silva Santiago (1700); Agostinho de Almeida, imaginário e entalhador (1697-1742); António José (1755-1756), que trabalhou em parceria com o pintor Villavicêncio e com o entalhador João Francisco Ferreira; Nicolau de Lira com o remate do retábulo da igreja da Graça de Câmara de Lobos e com trabalhos para a Sé (1720-1765); Luís Ferreira (1766-1767); António João (1758); António Rodrigues (1725-1734); P.e Marcelino da Silva, pago pelo feitio de um Cristo para a Sé mas também por diversas pinturas e consertos (1734); Francisco Martins (1753); Inácio Pereira (1710-1753); João da Silva (1758); Julião Francisco Ferreira (1727-1771), natural dos Açores, que trabalhou, entre outros, nos retábulos de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, São Jorge, capela-mor de S. Pedro, sacristia do colégio dos Jesuítas em parceria com o pintor Villavicêncio; Manuel Pestana, discípulo do mestre entalhador Julião Francisco Ferreira (1755-1758). No séc. XIX, no âmbito religioso, foi-se recorrendo paulatinamente a soluções mais viradas para uma produção em série, evidenciando-se o trabalho de santeiros, sediados sobretudo no norte do país. Escasseavam as encomendas a escultores, retomadas, já no séc. XX, com as obras de Francisco Franco e, mais tarde, António Duarte, Lagoa Henriques e Amândio de Sousa, entre outros. Em contrapartida, o espaço público começou a oferecer novas oportunidades. Do séc. XIX não se conhece notícia de inaugurações oficiais de bustos, estátuas ou grupos escultóricos de carácter secular. Contudo, note-se a existência de algumas peças de estatuária religiosa, nomeadamente escultura fúnebre. Para além destas pode ser referido um outro tipo de peças escultóricas, habitualmente não consideradas obra de escultor por serem peças anónimas, provenientes de fábricas, ou reproduções de modelos pré-existentes, tais como, os marcos comemorativos e os cruzeiros; ou pelo facto de estarem mais associadas a peças arquitetónicas, como é o caso dos fontenários. Das escassas recolhas sobre peças de carácter urbano utilitário e comemorativo feitas até 2015, refira-se o livro/inventário de José de Sainz-Trueva e Nelson Veríssimo, Esculturas da Região Autónoma da Madeira: Inventário, publicado no Funchal em 1996. Muitos dos cruzeiros distribuídos pelas principais vilas e cidades da Madeira, ainda de pé no segundo milénio, foram erguidos no séc. XIX. Na sua maioria de cantaria rija, têm formas austeras e pequenas dimensões, e encontram-se em largos, praças e cemitérios da Região. Um exemplo é o cruzeiro com motivos heráldicos, existente no largo da igreja de Santa Cruz, cujo material, menos habitual na Ilha, é o mármore. Datam também do séc. XIX muitos fontenários existentes na Madeira. É esse o caso daquele que ficou conhecido como Poço da Cidade, sito ao Lg. do Poço, nas imediações do mercado dos Lavradores, Funchal. Por sua vez, o fontenário do Torreão, também no Funchal, data de cerca de 1836 e possui azulejaria acrescentada já nos anos 30 do século seguinte. Um outro, situado no Lg. da Fonte (e ao qual o lugar deve o seu nome), na freguesia do Monte, foi erguido em finais do séc. XIX, e apresenta um claro gosto neoclássico. Contudo, são os chafarizes encimados por figuras alegóricas que mais se aproximam do conceito de escultura, por isso, destacamos o chafariz que ostenta figuras de inspiração clássica sob o tema da Leda e o Cisne, peça encomendada a uma oficina lisboeta e originalmente instalada no antigo mercado D. Pedro IV, por volta de 1880. Em 2015, é possível observá-la no átrio da Câmara Municipal do Funchal (CMF), para onde foi transferida em 1941. No primeiro quartel do séc. XX, assistiu-se em Portugal a um incremento de bustos escultóricos e estátuas de corpo inteiro que retratam diversas individualidades de vulto e que se enquadram na estética realista de Oitocentos. À Madeira chegaram ecos deste tipo de homenagem escultórica, encomendada pelo Estado ou por particulares. A primeira escultura inaugurada em local público, datada de 1906, foi um busto representando Luís da Câmara Pestana, médico madeirense. Localizado na casa de saúde Câmara Pestana, o busto foi encomendado por particulares a Josef Füller, escultor austríaco a residir em Portugal continental, onde foi professor de escultura. A nova Av. Manuel de Arriaga, aberta em finais do séc. XIX, no centro do Funchal, foi o palco privilegiado para a implantação das primeiras esculturas de porte considerável no espaço público exterior. Em 1922 foi descerrado um busto em homenagem ao conde de Canavial, médico e político, da autoria de Raul Xavier. A figura, de carácter naturalista, assenta num elaborado pedestal clássico e foi implantada numa redoma ajardinada no centro da cidade, orientada de frente para a Sé. Um outro busto, assinado por Costa Motta, seria inaugurado em 1925. Esta escultura retrata João Fernandes Vieira, o “libertador de Pernambuco”, personagem histórica do séc. XVII, nascida na Madeira. De claro gosto oitocentista, esta peça foi erguida no extremo oposto à de Raul Xavier, dando costas à Sé, no local onde se encontra o monumento a Gonçalves Zarco, de Francisco Franco. Em 1932, dois anos antes da inauguração desta última e célebre estátua, concluída em 1928, ambos os bustos foram retirados da avenida: o de Raul Xavier foi transferido para o Campo da Barca, e o de Costa Motta para o jardim municipal do Funchal, locais onde ainda se encontram, na segunda década do séc. XXI. O contraponto a este tipo de estatuária será dado, de facto, pelas obras modernistas do escultor madeirense Francisco Franco (Franco, Francisco). Como atesta a sua obra, desde primeiras peças, influenciadas pela sua estadia em Paris, até à paradigmática e já referida estátua de Gonçalves Zarco, Francisco Franco foi o único protagonista das novas tendências escultóricas internacionais a nível regional. Nos anos 10 e 20, este artista viu inauguradas algumas peças importantes no Funchal, influenciadas pelas várias estadias em Paris e de clara referência a escultores como Antoine Bourdelle e Auguste Rodin. Concluído em 1914, o torso de João Gonçalves Zarco, executado para o restaurante Esplanade, depois Casa de Chá do Terreiro da Luta, foi inaugurado com o patrocínio da extinta Monte Railway Company, em 1919. De grande simbolismo e arrojo expressivo é a escultura funerária Anjo Implorante, de 1916, assim como o torso alusivo aos mortos da Primeira Grande Guerra, de 1917, ambos inaugurados no cemitério das Angústias, Funchal. O busto do aviador, datado de 1920, em homenagem aos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, protagonistas do primeiro voo entre Lisboa e a Madeira, seria inaugurado no jardim municipal, em 1923. A escultura O Semeador, que foi exposta no Salão de Paris, em 1924, recebendo rasgados elogios da crítica francesa, foi inaugurada no Funchal em 1936, na Pç. de Tenerife. Ao longo do tempo, esta obra mudou de localização várias vezes e passou para um largo adjacente ao edifício da CMF. São também desta época várias peças de interior, como as cabeças em madeira e em barro, das quais se destacam a do velho, a da viloa e a do rapaz, entre outras, que podem ser vistas no Museu Henrique e Francisco Franco, para além de um vasto espólio de gravuras e esboços deste escultor. Por fim, data de 1924 o busto que homenageia o mecenas Henrique Augusto Vieira de Castro, e que foi inaugurado no hospital dos Marmeleiros apenas em 1943. Para além da profícua presença modernista das obras de Francisco Franco, outras esculturas de carácter mais convencional continuaram a ser encomendadas. São notáveis dois grandes monumentos de carácter religioso, ambos inaugurados em 1927. A estátua do Sagrado Coração de Jesus foi a primeira escultura levantada fora do concelho do Funchal, concretamente na Ponta do Garajau, e foi assinada pelo francês Pierre Lenoir, revelando uma simplificação timidamente modernista. Menos moderno é o monumento a Nossa Senhora da Paz, erguido no Terreiro da Luta no mesmo ano, da autoria do Arqt. Emanuel Ribeiro, e constituindo-se ao tempo, com os seus 10 m de altura, como o maior monumento da Região. Os anos 30 e 40 foram o tempo da renovação urbanística promovida pelo Eng.º Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas desde 1932, e que acabou por influenciar a arquitetura e escultura públicas em Portugal, nomeadamente em Lisboa, Porto e também no Funchal. Por estes anos, o Funchal cresceu para oeste e modernizou-se progressivamente ao sabor da estética do Estado Novo. Entre 1935 e 1946, durante o mandato de Fernão de Ornelas na CMF, iniciaram-se obras importantes, como a ampliação do porto do Funchal, a abertura da Av. do Mar e da rua que hoje tem o seu nome. Obras relevantes de arquitetos como Raul Lino e Edmundo Tavares foram acompanhadas, em alguns casos, por esculturas que as integraram e que foram projetadas para os novos espaços circundantes aos edifícios e arruamentos, tais como jardins, praças e átrios. De carácter mormente comemorativo, estas obras deixaram na Madeira trabalhos assinados por estatuários consagrados do regime, nomeadamente Leopoldo de Almeida, António Duarte, Delfim Maya e Barata Feyo. Após a grandiosa e adiada inauguração do monumento a Gonçalves Zarco, de Franco, em 1934, registaram-se algumas iniciativas de homenagem, contudo sem grande interesse artístico. Em 1939, foi inaugurado um busto em homenagem a Alexandre da Cunha Teles, escritor e advogado, encomendado ao madeirense Agostinho Rodrigues, em 1937, escultor que emigrou para os EUA nesse ano. Em 1941, foi a vez de um busto em homenagem ao poeta António Nobre, no largo que leva o seu nome. Trata-se de uma cópia do original existente em Coimbra, concebido pelo escultor Tomás Costa. Em 1940, a Junta Geral do Funchal adquiriu uma escultura alusiva a Cristóvão Colombo, executada por Henrique Moreira, discípulo de Teixeira Gomes. Esta figura sentada do navegador ficou arrecadada, ao longo de 28 anos, até ser inaugurada no Prq. de Santa Catarina do Funchal, em 1968. No mesmo ano, Leopoldo de Almeida assinou uma figura sentada do infante D. Henrique, anichada num esguio arco ogival de cantaria. Este conjunto escultórico foi inaugurado apenas em 1947, na entrada do Prq. de Santa Catarina, voltada para a rotunda que levou também o nome do infante. O projeto de recuperação do edifício dos paços do conselho, hoje CMF, ficou a cargo do Arqt. Raul Lino. O projeto previa obras de ampliação e a criação de um fontenário para a Pç. da Constituição, depois Pç. do Município, contígua ao mesmo. O fontenário, inaugurado em 1942, foi executado em cantaria rija e ostenta um obelisco com as armas da cidade, assim como uma esfera armilar encimada pela Cruz de Cristo. Integrado também neste projeto, o escultor António Duarte concebeu um baixo-relevo alusivo a S. Tiago, de figuração estilizada, datado de 1944, para uma das paredes exteriores da CMF. Este escultor seria chamado mais vezes ao Funchal para executar outras encomendas, assinando, em 1946, um fontenário de claro imaginário nacionalista, composto por uma esfera armilar rodeada de cavalos-marinhos, para a rotunda do infante D. Henrique (rotunda da responsabilidade do Arqt. Faria da Costa). Neste ambiente de nacionalismo retórico e monumental, o contraste é dado pela modesta produção local. Nos anos 50 popularizaram-se os trabalhos artesanais dos irmãos Roberto e Manuel Cunha. Foi sobretudo Roberto Cunha (1904-1966) quem mais se destacou pela criação de pequenas figuras de temática religiosa ou pitoresca, executadas em barro, marcadas pelo estilo realista e pela técnica apurada. A propósito da sua obra, o escultor Anjos Teixeira destacou: “Algumas das miniaturas de Roberto Cunha são autênticas estátuas de pequenas dimensões, abstraindo-nos dos poucos centímetros encontramos-lhes a monumentalidade que é uma das expressões do talento” (TEIXEIRA, 1968, 18). Outros escultores madeirenses, como Rebelo Júnior, foram respondendo às escassas encomendas oficiais. Deste artista apenas se conhecem dois bustos, um deles, um retrato convencional do historiador Fernando Augusto da Silva, inaugurado no Lrg. de Santo António em 1955. Ao que parece, partiu da Madeira por esses anos e não deixou especial notícia de si. Os anos 50 foram de continuidade, no que diz respeito à presença de escultores portugueses continentais. Um busto da autoria de Barata Feyo, retratando o escritor madeirense João dos Reis Gomes, é inaugurado em 1956 no jardim municipal, hoje instalado nos jardins do palácio de S. Lourenço. No ano seguinte, Delfim Maya executou a primeira escultura para o Porto Santo, no Pico do Castelo. Trata-se de um busto em homenagem a António Schiappa de Azevedo, iniciador da reflorestação daquela Ilha. António Duarte voltou ao Funchal, em finais dos anos 50, para trabalhar em conjunto com arquitetos conceituados. Em 1957, concebeu quatro apóstolos em cantaria, de contornos muito simplificados, destinados ao pórtico da nova igreja matriz do Porto da Cruz, um dos projetos modernistas do Arqt. Chorão Ramalho na Madeira. Outra parceria de António Duarte com um arquiteto aconteceu no edifício do palácio da justiça do Funchal, projeto de Januário Godinho, para o qual criou uma alegoria materializada numa figura austera, de braço erguido. A peça em bronze, inaugurada em 1962, está centrada na fachada e tem por baixo um fontenário. Outro grupo escultórico modernista também integrado na arquitetura, e de tendência monumental, teve como tema o comércio e indústria e foi assinado por I. V. Perdigão, em 1960. Trata-se de duas figuras alegóricas, a masculina simbolizando o comércio e a feminina a indústria, incrustadas numa esquina do edifício da Alfândega, da autoria do Arqt. Faria da Costa e inaugurado em 1962. A partir dos anos 60, a escultura renovou-se em Portugal, oferecendo uma alternativa à omnipresente estatuária oficial, continuadora do estilo instaurado por Francisco Franco. O paradigma de mudança introduziu o novo conceito de artes plásticas, ensaiado por escultores como Jorge Vieira, João Cutileiro, Fernando Conduto e Zulmiro de Carvalho, assim como o objetualismo de pintores, nomeadamente Lourdes Castro, René Bértholo e António Areal. Nesta década, a progressiva abertura oficial permitiu ao Funchal ter as suas primeiras obras escultóricas de recorte propriamente contemporâneo. Cabe aqui mencionar dois madeirenses, Amândio de Sousa e António Aragão, pelo contributo dado à renovação da escultura a nível local, introduzindo novas linguagens e uma progressiva simplificação formal que se traduziu, em alguns casos, numa clara opção pelo minimalismo e abstracionismo, inéditos na Ilha. Amândio de Sousa esculpiu, em 1963, um conjunto painéis de cimento com relevos vegetalistas estilizados para o átrio da clínica S.ta Catarina, assim como uma maternidade de linhas simplificadas que anunciava já o alongamento que caracteriza as figuras do escultor. Em 1969, concebeu uma escultura em bronze, comemorativa do primeiro jogo de futebol realizado em Portugal (em 1875), para a freguesia da Camacha. De estética assente no construtivismo abstrato, constituiu a primeira obra não figurativa inaugurada fora do Funchal. Ao longo das décadas seguintes, a colaboração de Amândio de Sousa com arquitetos, como Chorão Ramalho e Marcelo Costa, demonstrou a cumplicidade com estes e a sua manifesta “sensibilidade para com a escala e os materiais arquitetónicos” (SANTA CLARA, 2011, 142). António Aragão, intelectual e artista polifacetado, também fez incursões no campo da arte escultórica, e propôs uma pequena escultura de parede, representando uma S.ta Ana, para os paços do conselho de Santana, em 1959. Um ano depois, foi inaugurado o monumento ao infante D. Henrique, na ilha do Porto Santo. Este projeto urbanístico de Chorão Ramalho consiste numa alameda em cujo centro se situa um bloco de betão com 7 m de altura. Este bloco foi graficamente animado por Aragão com formas geometrizadas de cariz abstratizante, inscritas na cantaria, que evocam o imaginário histórico português. Aragão trabalhou nos anos 60 em outras encomendas, tais como os painéis de cerâmica policromada para o mercado de Santa Cruz, datados de 1962. Os painéis, cuja temática é a agricultura e a pesca, denotam uma composição em estilo decorativo que acusa influências do neorrealismo e do neocubismo. Um outro baixo-relevo em cantaria rija do mesmo autor, Artes e Ofícios, segue a linha temática do anterior e funciona como friso para a entrada principal da escola secundária Francisco Franco, no Funchal. Figuras simplificadas organizam-se geometricamente no espaço, jogando com as variações de um padrão figurativo que se repete, alterado pelas posições e gestos das figuras representadas. Ao mesmo tempo, e lado-a-lado com os monumentos ao gosto do Estado Novo e as tímidas incursões de vanguarda, a tendência oitocentista que privilegiava o naturalismo continuou presente na Madeira. Anjos Teixeira, professor de escultura na Academia de Música e Belas Artes da Madeira, executou algumas encomendas de estatuária naturalista, recorrendo a alegorias ou retratando personalidades, como é exemplo a escultura em homenagem ao político e intelectual Jaime Moniz, no largo que leva o seu nome, descerrada em 1961. Ao longo dos anos 70 e 80, Anjos Teixeira realizou um conjunto de obras que perpetuaram este estilo naturalista. Por sua vez, Ricardo Velosa, discípulo de Anjos Teixeira, será claramente influenciado pela técnica e estética do mestre, que procurará atualizar e será o escultor mais requisitado pelas encomendas de Estado ao longo dos anos 80 e 90. Para além de Velosa, um pequeno grupo de escultores madeirenses, ou residentes na Ilha, como Luiza Clode, Manuela Aranha, José Manuel Gomes, Celso Caires, Jacinto Rodrigues, Martim Velosa e Sílvio Cró, entre outros, marcaram, no final do séc. XX e inícios do XXI, o panorama da escultura na Região, alguns deles encetando uma ação mais abrangente no campo das artes plásticas, expandido que está este conceito a partir dos anos 60. Para concluir, refira-se um conjunto de realizações arquitetónicas, o hotel Casino Park, o edifício da Caixa de Previdência e o novo hospital distrital do Funchal, que permitiram trazer ao Funchal, na déc. de 70, obras de importantes escultores portugueses que então se afirmavam, nomeadamente Manuela Madureira, Lagoa Henriques, Jorge Vieira, José Joaquim Rodrigues e Fernando Conduto.   Isabel Santa Clara Carlos Valente (atualizado a 02.01.2017)

Artes e Design

área(s) marinha(s) protegida(s)

As áreas marinhas protegidas (AMP) correspondem, numa aproximação jurídica de carácter genérico, à aplicação de um regime jurídico específico e reforçado de proteção ambiental a um espaço marítimo delimitado. Quando o âmbito de aplicação espacial é o oceano circundante ao território terrestre da RAM (nos termos do art. 3.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira – EPARAM: o “arquipélago da Madeira é composto pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas, Selvagens e seus ilhéus”), uma adequada compreensão do seu regime jurídico implica que se tenha simultaneamente em consideração uma multiplicidade de fontes de direito, dado que o enquadramento jurídico-internacional aplicável aos oceanos condiciona a regulamentação proveniente de fontes internas. Assim sendo, no que respeita às AMP existentes na RAM, a sua regulamentação é o resultado da conjugação das fontes aplicáveis de direito regional, de direito interno português, de direito da União Europeia e de direito internacional, com destaque para o direito internacional aplicável aos espaços marítimos. Com efeito, as AMP, ao determinarem quais são os usos permitidos e proibidos num espaço marítimo delimitado e ao pretenderem simultaneamente conformar os comportamentos de todos os potenciais utilizadores do mar, sejam estes nacionais ou estrangeiros, devem respeitar o direito internacional relevante, na medida em que este é o fundamento último de legitimação da atuação do Estado costeiro e das suas divisões ao nível da organização política e administrativa. A qualificação de uma determinada zona de oceano como AMP é recente na prática dos Estados, coincidindo com a progressiva relevância dada às questões ambientais a partir da déc. de 70 do século passado. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), comummente designada como a Constituição dos Oceanos, não fornece um conceito jurídico-internacional para este instituto jurídico, nem contém identicamente um regime jurídico-internacional dedicado especificamente às AMP, não obstante a sua parte XII ser dedicada à “[p]roteção e preservação do meio marinho” e o art. 192.º proclamar expressamente que os “Estados têm obrigação de proteger e preservar o meio marinho”. O n.º 5 do art. 194.º, com a epígrafe “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, estabelece que os Estados devem tomar as medidas “necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros e frágeis, bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo”, o que tem sido utilizado como o fundamento jurídico para a evolução que se deu neste domínio no final do séc. XX e no princípio do séc. XXI. Importa salientar que, ao nível do direito internacional geral, as AMP não constituem um espaço marítimo específico, em paralelo aos restantes espaços marítimos reconhecidos pelo direito internacional do mar (tal como o mar territorial, a zona contígua, as águas arquipelágicas, a zona económica exclusiva, a plataforma continental, o alto mar e a Área [veja-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 1.º d, n.º 1, 1)]), mas antes a sujeição de áreas do mar com uma qualificação jurídica-internacional específica a um regime jurídico particular distinto daquele que é normalmente aplicável ao espaço marítimo em questão, nomeadamente ao nível do reforço da proteção ambiental. Nestes termos, a criação de uma AMP pela RAM num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição do Estado português, como na zona económica exclusiva, deve ter simultaneamente em consideração os direitos e os deveres do Estado costeiro e os direitos e os deveres que são reconhecidos aos terceiros Estados, nomeadamente pela parte V da CNUDM e pelo direito internacional costumeiro. Embora o direito internacional geral não forneça um conceito de AMP, podem ser encontradas definições em outros documentos de direito internacional, nomeadamente naqueles que têm vindo a ser produzidos no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), no âmbito da Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, também denominada Convenção OSPAR (1992), e nos trabalhos que foram sendo desenvolvidos sobre a matéria no seio da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Sendo os “parques naturais” uma matéria de interesse específico da RAM, nos termos da alínea jj) do art. 40.º do EPARAM, a regulamentação aplicável às AMP é, na sua base, de natureza regional. Em 2016, existiam cinco AMP na RAM, sendo duas de carácter exclusivamente marinho e três com áreas mistas, marinhas e terrestres. As AMP cujo âmbito de proteção é exclusivamente marinho são a Reserva Natural Parcial do Garajau e a Reserva Natural do Sitio da Rocha do Navio. As AMP cujo âmbito de proteção é simultaneamente marinho e terrestre são a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, a Reserva Natural das Ilhas Desertas e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo. A Reserva Natural Parcial do Garajau, que foi a primeira área exclusivamente marinha a ser criada em Portugal, é regulada pelo dec. leg. regional n.º 23/86/M, de 4 de outubro, com modificações introduzidas pelo dec. leg. regional n.º 38/2006/M, de 4 de agosto. Em conformidade com o n.º 1 do seu art. 2.º, a “área da Reserva Natural Parcial do Garajau tem como limites: a) A oeste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta do Lazareto até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; b) A leste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta de Oliveira até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; c) A norte, a linha definida pela máxima preia-mar de marés vivas; e d) A sul, o plano definido pela vertical da linha batimétrica dos 50 m e, em caso de dúvida, uma linha a uma distância nunca inferior a 600 m do limite norte”. O corpo do n.º 4 do art. 1.º do Regulamento do Plano Especial do Ordenamento e Gestão da Reserva Natural Parcial do Garajau, aprovado pela resolução n.º 882/2010, de 5 de agosto, esclarece que a “área de intervenção (…) é o leito do mar, com uma dimensão total de 376 hectares, e uma linha de costa de aproximadamente sete quilómetros”. O n.º 1 do art. 3.º antes citado estipula que na área do Reserva Natural Parcial do Garajau é proibido: “a) Exercer quaisquer atividades de pesca, comercial ou desportiva, incluindo a caça submarina; b) Colher exemplares animais e vegetais, exceto para fins científicos, quando devidamente justificados e autorizados; c) Extrair areias e outros materiais de origem geológica; d) Vazar quaisquer tipos de sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; e) Instalar condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e f) Navegar dentro dos limites da reserva, com exceção da abicagem de pequenas embarcações às praias, aplicando-se, neste caso, a legislação em vigor”. Concretizando a alínea a) do n.º 3 do art. 3.º, o dec. reg. regional n.º 1/97/M, de 14 de janeiro, regula o exercício do mergulho amador na área da Reserva Natural Parcial do Garajau, entendido como a atividade prosseguida por “um amador, quando se desloca, submerso ou à superfície, equipado com um aparelho respiratório de mergulho”. A Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio foi criada pelo dec. leg. regional n.º 11/97/M, de 30 de julho, e abrange uma área de 1822 ha, sendo 1820 ha de área marítima e 2 ha correspondentes ao Ilhéu da Viúva (de acordo com a informação disponibilizada pelo Programa de Medidas de Gestão e Conservação do Sítio da Rede Natura 2000 do Ilhéu da Viúva). Em conformidade com o seu art. 2.º, a Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio está “definida e delimitada […] no sítio da Rocha do Navio, entre a ponta do Clérigo a leste e a ponta de São Jorge a oeste e entre a linha definida pela preia-mar máxima e a batimétrica dos 100 m, incluindo os seus ilhéus e respetivas áreas marítimas” (sendo a batimétrica uma linha que une pontos da mesma profundidade no mar). O art. 4.º estabelece que na área da Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio é expressamente proibido: “a) O uso de redes de emalhar ou outras, exceto as empregues na captura de isco vivo e o peneiro, empregue na captura da castanheta; b) A colheita, captura, detenção e ou abate de quaisquer espécies de aves ou plantas; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; e f) A caça submarina”. Através da resolução n.º 751/2009, de 2 de julho, o Conselho do Governo regional determinou a classificação do Ilhéu da Viúva como Zona Especial de Conservação (ZEC), ao abrigo da legislação da União Europeia sobre a conservação das aves selvagens e a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. A Reserva Natural das Ilhas Selvagens foi inicialmente estabelecida pelo dec. n.º 458/71, de 29 de outubro, como reserva, ao abrigo da lei n.º 9/70, de 19 de junho, e representou o primeiro exemplo de AMP em Portugal. Nos termos do seu art. 1.º, passou a “constituir uma reserva toda a área das Ilhas Selvagens e também a orla marítima que as rodeia até à batimétrica dos 200 m”. Posteriormente, foi classificada como reserva natural pelo dec. regional n.º 14/78/M, de 10 de março. Ao abrigo do n.º 2 do seu art. 1.º, a “reserva natural é definida pelo território das ilhas e pelos fundos marinhos até à batimétrica dos 1000 m.” O limite exterior da reserva natural foi reduzido à linha dos 200 m de profundidade, pelo dec. regional n.º 11/81/M, de 15 de maio, tendo uma área total de 9455 ha, em conformidade com a resolução n.º 1408/2000, de 19 de setembro. Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º estabelecia que na área da Reserva Natural das Ilhas Selvagens eram proibidos: “g) A colheita de material geológico ou arqueológico ou a sua exploração sem autorização do Governo Regional; h) A caça submarina; i) A pesca de arrasto e outras artes que colidam com o fundo até à batimétrica fixada pela reserva, ressalvando-se as artes de anzol e rede”. Em conformidade com o art. n.º 11, com a epígrafe “atividades condicionadas” do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. Pelo edital n.º 15/2011, de 29 de novembro, da Capitania do Porto do Funchal, está “interdita toda a atividade de pesca na faixa litoral das Ilhas Selvagens até à batimétrica dos 200 (duzentos) metros, por período indeterminado”, em razão da “suspeita da eventual presença de uma microalga produtora de uma biotoxina suscetível de provocar alterações ao nível da saúde humana”. As Ilhas Selvagens são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Selvagens, com uma extensão de 124.530 ha), estando inscritas na categoria 1.a de gestão de áreas protegidas da União Internacional da Conservação da Natureza como “área de reserva natural integral gerida prioritariamente para fins de pesquisa científica, assegurando que os habitats, ecossistemas e as espécies nativas se mantenham livres de perturbação, tanto quanto possível”. A Reserva Natural das Ilhas Desertas foi criada pelo dec. leg. regional n.º 14/90/M, de 23 de maio, como Área de Proteção Especial das Ilhas Desertas, sendo posteriormente o seu estatuto jurídico alterado pelo dec. leg. regional n.º 9/95/M, de 20 de maio. Nos termos do art. 2.º, a Reserva Natural das Ilhas Desertas é “delimitada pela linha batimétrica dos 100 m em volta das Ilhas Desertas, incluindo todas as suas ilhas e ilhéus e a respetiva área marítima”, tendo uma área total de 9455 ha (em conformidade com a informação disponível no Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens). Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º, após as alterações introduzidas pelo segundo dos diplomas antes citados, estabelece que nos locais a sul “do marco geodésico da doca e da Ponta da Fajã Grande, nela se incluindo o ilhéu Chão” são proibidos: “a) A pesca comercial e a pesca sem fins comerciais, designadamente a desportiva; b) A prática de caça submarina; e c) A colheita de exemplares vegetais e animais, exceto para fins científicos, desde que devidamente autorizada; e d) O acesso de pessoas e embarcações, salvo as que hajam sido autorizadas e credenciadas pelo Parque Natural da Madeira”. Em conformidade com o art. 5.º, na sua versão alterada, aplicável a toda à área protegida, é ainda proibido: “a) O uso de artes de redes de emalhar, cercar e arrastar, com exceção das que são empregues na captura de isco vivo; (…), c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e e) A prática de caça submarina”. Em conformidade com o art. 11.º, com a epígrafe “atividades condicionadas”, do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Desertas, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. As Ilhas Desertas são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Desertas, com uma extensão de 76.462 ha). A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo foi criada pelo dec. leg. regional n.º 32/2008/M, de 11 de agosto. Nos termos do n.º 1 do art. 2.º, é “constituída pela parte terrestre de todos os seus ilhéus e pelas zonas marinhas circundantes do Ilhéu da Cal ou de Baixo e do Ilhéu de Cima, incluindo a zona onde se encontra afundado o navio O Madeirense”, sendo ainda acrescentado no número seguinte, relativamente às áreas marítimas, que integra, em conformidade com a alínea b) a “área marinha limitada a oeste pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 315º a partir da extremidade oeste da Ponta do Focinho do Urso, a sul pela batimétrica dos 50 m, a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e a este pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 135º a partir do enfiamento do Pico de Ana Ferreira” e, nos termos da alínea c), pela “área marinha limitada a oeste pelo azimute verdadeiro 160º a partir da extremidade oeste do Porto de Abrigo, a sul e este pela batimétrica dos 50 m e a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e pelo azimute verdadeiro 90º a partir da Ponta das Ferreiras”. Em toda a área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo, em conformidade com o n.º 1 do art. 5.º, é interdito: “a) O exercício da pesca para fins comerciais, exceto a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos (…); b) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; d) A instalação de condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e) A extração de areias ou de outros recursos geológicos; f) As atividades náuticas, com exceção das necessárias ao exercício das atividades autorizadas […]; g) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas ou não a medidas de proteção legal ou efetuar outras atividades intrusivas ou perturbadoras do seu desenvolvimento”. Em contraponto, no art. 6.º, relativo a “atos ou atividades sujeitos a autorização”, está previsto que, desde que devidamente autorizados pela entidade gestora, são permitidos: “a) A pesca marítima sem fins comerciais ou lúdica, com exceção do Ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca (…); b) A apanha de lapa e caramujo no calhau; c) O mergulho de escafandro; d) Caça submarina, com exceção da área do ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca; (…); e f) As atividades marítimo-turísticas (…) que não sejam suscetíveis de pôr em risco a proteção ambiental da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo”. O n.º 3 do artigo citado ainda prevê que é “permitida a travessia de embarcações pelos boqueirões do Ilhéu de Cima e do Ilhéu de Baixo ou da Cal, incluindo a passagem, com esse fim, das respetivas áreas da Rede de Áreas Marinhas Protegidas de Porto Santo”. O n.º 3 do art. 7.º determina que “poderá ser dada prioridade às comunidades locais dependentes da pequena pesca” quando sejam “estabelecidas condições específicas para o exercício da pesca lúdica e para a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos”. Os Ilhéus do Porto Santo são uma área classificada de Zona Especial de Conservação. No que concerne especificamente ao espaço marítimo, importa realçar que uma adequada compreensão do regime jurídico aplicável às AMP implica que tenham em consideração três questões de natureza jurídico-internacional, na medida em que os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos mares e nos oceanos não são equivalentes aos poderes de soberania que os Estados exercem no âmbito do seu território terrestre, em razão de estes serem por natureza exclusivos e excludentes. Em primeiro lugar, deve ser posto em destaque que os mares e os oceanos, apesar da sua unidade física, estão divididos em espaços marítimos com estatutos jurídico-internacionais diferenciados. Em termos gerais, importa distinguir entre espaços marítimos sujeitos à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros (com destaque para o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental) e os espaços marítimos internacionais (alto mar) ou com um regime jurídico de internacionalização (Área). Os poderes dos Estados variam em função dos espaços marítimos em questão, pelo que a apreciação de qualquer comportamento levado a cabo por um Estado ou pelos seus nacionais, seja pelo Estado costeiro, seja por terceiros Estados, importa uma prévia localização geográfica no espaço em que ocorrem. Daqui resulta que as referências às batimétricas nas zonas marítimas abrangidas pelas AMP na RAM, como forma de delimitação das áreas especialmente protegidas do ponto de vista ambiental, não tenham de estar necessariamente compatibilizadas com os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos espaços marítimos sob a sua soberania ou jurisdição, tendo em consideração os diferentes poderes que são reconhecidos aos Estados nas águas interiores, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental. Em segundo lugar, importa salientar que a atuação dos Estados nos mares e nos oceanos se encontra genericamente enquadrada pelo princípio da liberdade dos mares, em conformidade com o qual todos os Estados, sejam ou não costeiros, podem prosseguir atividades nos diferentes espaços marítimos, sujeitos às limitações que decorrem do direito internacional. As utilizações específicas que podem ser prosseguidas pelos diferentes Estados e pelos seus nacionais estão dependentes do espaço marítimo em questão, mas a ideia básica que subjaz à atuação nos mares e nos oceanos é a de conciliação entre os diversos usos possíveis. Assim, a título de exemplo, embora os Estados costeiros exerçam poderes muito alargados no mar territorial, com a extensão máxima de 12 milhas marítimas (ou milhas náuticas, equivalentes a cerca de 22,22 km), os navios com a bandeira de terceiros Estados podem circular pelas suas águas ao abrigo do direito de passagem inofensiva, sem a necessidade de obterem a anuência ou a autorização desses Estados (arts. 17 a 19 da CNUDM). Finalmente, em terceiro lugar, deve ser tido em consideração que, salvo em situações muito circunscritas, como a colocação de instalações para a exploração de petróleo ou de gás natural ou a construção de ilhas artificiais, os usos dos mares e dos oceanos são temporários e prosseguidos por navios. Daqui decorre a necessidade de se autonomizar os usos que estão reservados para os Estados costeiros, nos casos em que estes tenham lugar num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros, como nos casos do mar territorial, das zonas económicas exclusivas ou das plataformas continentais, e daqueles outros usos, como a navegação, que constituem uma prerrogativa de todo e de qualquer Estado, seja ou não um Estado costeiro, podendo ser prosseguidos em qualquer lugar, com a exceção das águas interiores do Estado costeiro. A necessidade de ser respeitada a liberdade de navegação dos navios com o pavilhão ou bandeira de um terceiro Estado é particularmente relevante em algumas das AMP existentes na RAM, em razão da sua dimensão, com particular destaque para a Reserva Natural das Ilhas Selvagens.   Fernando Loureiro Bastos (atualizado a 14.12.2016)

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quercus-madeira

A Quercus-Madeira, fundada a 28 de janeiro de 1995, é o Núcleo Regional da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma das principais organizações não-governamentais de ambiente em Portugal, e é constituída pelos sócios residentes no Arquipélago da Madeira. O Núcleo Regional da Quercus na Madeira, tal como os restantes núcleos desta Associação, organiza-se internamente numa Assembleia de Núcleo, que reúne pelo menos uma vez por ano os associados residentes, e numa Direção de Núcleo, eleita em Assembleia de Núcleo e composta, no mínimo, por presidente, tesoureiro e secretário. A Quercus-Madeira tem como objetivos os que decorrem dos Estatutos da organização em que se insere, destacando-se os de alertar e apoiar os cidadãos em relação às disfunções ambientais, fomentar e promover a educação cívica e ambiental, defender e promover a conservação dos valores naturais, e desenvolver estudos que contribuam para o conhecimento e a defesa dos valores do património natural e cultural. Decorrente da sua Declaração de Princípios, a Quercus norteia a sua intervenção cívica e política pelos valores da independência e da autonomia, sendo uma organização apartidária, liberta de qualquer tutela económica, religiosa ou racial, e consubstanciando a sua ação no lema “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. A Quercus-Madeira, como toda a estrutura nacional da Associação, aborda as mais variadas áreas essenciais à sustentabilidade ambiental, tendo dado particular atenção à educação ambiental, à gestão dos resíduos, à escassez e qualidade da água, à conservação da natureza, ao ordenamento do território, à poluição, à eficiência energética e à energias renováveis. A origem do Núcleo Regional da Quercus na Madeira está diretamente associada à vontade de um grupo alargado de alunos que, no ano letivo de 1994/1995, frequentava o 3.º ano do curso de Biologia na Universidade da Madeira. Estes jovens, que tinham vontade de se organizar e constituir uma associação de defesa do ambiente, fizeram-se sócios da Quercus e constituíram o Núcleo Regional. A reunião preparatória que resultou no pedido formal à Direção Nacional da Quercus para a constituição de uma estrutura regional na Madeira ocorreu a 27 de outubro de 1994. Face à vontade subscrita por 15 alunos da licenciatura em Biologia e ao apoio do professor Jorge Paiva, a Direção Nacional autorizou a constituição do Núcleo Regional da Madeira a 28 de janeiro de 1995. A primeira Direção da Quercus-Madeira foi eleita a 15 de fevereiro de 1995 numa Assembleia de Sócios do Núcleo que decorreu no Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, tendo Hélder Spínola sido eleito Presidente, Maria Cristina de Matos Niza Secretária, Dília Maria Góis Gouveia Menezes tesoureira, e Odília Maria Freitas Garcês e Irene Gomez Câmara vogais. A apresentação pública da constituição da Quercus-Madeira ocorreu a 12 de abril de 1995, numa sala do Ateneu Comercial do Funchal, tendo suscitado uma forte curiosidade por parte da comunicação social regional. A Quercus-Madeira, sem sede, abriu um apartado na estação de correios e começou por usufruir de algum apoio logístico da própria Universidade da Madeira: dispunha de um armário para o seu arquivo, utilizava as salas para reuniões e fazia uso dos serviços de telecópia da instituição para contatos com a comunicação social. Em maio de 1996, com a eleição do primeiro Reitor da Universidade da Madeira, foi perdendo este apoio, passando a manter o seu arquivo em casa dos dirigentes e estabelecendo contactos com a comunicação social via serviço de telecópia dos Correios de Portugal. À medida que a Quercus na Madeira vincava a sua discordância com as opções que considerava desviadas da sustentabilidade – nomeadamente o atraso na aprovação dos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos de ordenamento do território, a gestão da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, que estava a criar problemas de contaminação das águas subterrâneas, os despejos de terras para dentro das ribeiras e diretamente para o mar e a falta de medidas para evitar os efeitos sobre a saúde pública da aplicação de materiais contendo amianto –, foi dando a conhecer o seu trabalho e atraindo novos sócios. Passado o primeiro ano desde a sua fundação, este Núcleo Regional deixou de ser um projeto de um grupo de estudantes de Biologia para passar a integrar elementos de outras proveniências da sociedade madeirense. Efetivamente, aquando da constituição de uma nova direção, a 27 de fevereiro de 1997, a maioria dos dirigentes eleitos já não pertencia ao grupo inicial de fundadores. No início de 1997, a Quercus-Madeira, ainda sem sede própria, passou a contar com um espaço na Escola da APEL para manter o seu arquivo e fazer as suas reuniões de trabalho. A utilização deste novo espaço resultou dos contactos estabelecidos entre a nova Secretária da Direção da Quercus-Madeira, Carina Martins Nunes, e o diretor da escola, Mário Casagrande (1930-2009). Um ano depois, também este espaço ficou indisponível e até ao ano 2000 a Quercus-Madeira funcionou sem sede, fazendo as suas reuniões em cafés, na casa dos dirigentes ou em espaços solicitados à Câmara Municipal de Machico. No ano 2000, fruto de uma colaboração que vinha a ser mantida com a Câmara Municipal de Machico, foi estabelecido um protocolo para a constituição de um centro de educação ambiental que passou a ser também a sede da Associação. A Quercus-Madeira passou assim a ter sede fixa num antigo quiosque, onde iniciou também a dinamização do novo Centro de Educação Ambiental de Machico. Em 2004, o Centro de Educação Ambiental e a sede da Quercus-Madeira passaram a funcionar no Mercado Municipal de Machico. A partir de 2011, por indisponibilidade da autarquia local, o Centro de Educação Ambiental de Machico cessou funções, mas a sede da Quercus-Madeira manteve-se no local. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza é uma Organização Não Governamental de Ambiente que se formalizou a 31 de outubro de 1985, mas que já desenvolvia atividade desde finais de 1984. A sua constituição resultou da união de esforços entre vários ativistas e associações ambientalistas, que sentiram a necessidade de uma organização mais forte e de âmbito nacional dedicada à conservação da natureza. A base da sua fundação foi determinante na definição do tipo de estrutura interna que adotou, a qual, além dos órgãos nacionais, é marcada pelas existência de Núcleos Regionais espalhados de norte a sul do país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os primeiros Núcleos Regionais da Quercus foram constituídos a partir da integração de associações locais de defesa do ambiente previamente existentes, algumas que participaram na fundação da Associação e outras que se juntaram mais tarde. Numa segunda fase, já na década de 90 do século XX, e à semelhança do que aconteceu na Madeira, a organização local dos sócios deu origem a Núcleos Regionais nascidos dentro da própria Quercus. O facto de os Núcleos Regionais da Quercus constituírem estruturas democráticas, com dirigentes eleitos pelos seus sócios, e possuírem autonomia de funcionamento, proporcionou a esta Associação uma grande agilidade de atuação que é, em grande medida, responsável pela forte implantação e influência em todo o território português. Apesar de estes Núcleos Regionais possuírem autonomia estatutária para definir a sua estrutura organizativa, nomeadamente criando delegações na sua área geográfica, são muito raros os exemplos de concretização dessa faculdade. O Núcleo Regional da Madeira chegou a aprovar, em outubro de 1995, a criação de uma Delegação no Concelho de Santana, mas, à semelhança de tentativas para o Estreito de Câmara de Lobos e para o Porto Santo, essas estruturas acabaram por não vingar. A Quercus possui como órgãos sociais a Assembleia-Geral, a Mesa da Assembleia-Geral, a Direção Nacional, o Conselho Fiscal e a Comissão Arbitral, possuindo ainda um Conselho de Representantes que reúne os membros da Direção Nacional e os presidentes dos Núcleos Regionais. Se os Núcleos Regionais permitem à Quercus uma forte implantação geográfica, os órgãos nacionais, em particular a Direção Nacional, apoiados em estruturas como os grupos de trabalho e os projetos nacionais, garantem uma atuação global coerente e sólida. Ambas as estruturas, nacionais e regionais, na sua ação concertada, completam um modelo de organização que consubstancia de forma eficaz o lema: “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. Apesar de a Quercus ter atualmente uma intervenção muito diversificada, abrangendo áreas temáticas como a gestão dos resíduos, a qualidade do ar, a eficiência energética, as energias renováveis, a qualidade e escassez dos recursos hídricos, entre muitas outras, a preocupação predominante dos seus fundadores centrou-se essencialmente nas questões associadas à conservação da natureza. Esse foi justamente o motivo para a adoção do nome Quercus, o nome científico do género a que pertencem os carvalhos, sobreiros e azinheiras, que são as árvores predominantes do coberto vegetal primitivo do território continental português, e do símbolo da organização, uma folha e uma bolota de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Os dirigentes da Quercus são eleitos para mandatos de dois anos de entre os sócios da Associação e exercem os seus cargos de forma não remunerada. Tendo em conta as estruturas nacionais e regionais definidas estatutariamente, o número de dirigentes necessários para completar todos os cargos é superior a 80. Além dos dirigentes, o funcionamento da Associação requer também a ocupação de outros cargos, nomeadamente na coordenação de grupos de trabalho e de projetos. Entre 1995 e 2000, 0 presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira foi Hélder Spínola, biólogo e um dos fundadores deste núcleo, que mais tarde, entre 2003 e 2009, foi também presidente da Direção Nacional desta Associação. A segunda Direção do Núcleo foi eleita a 27 de fevereiro de 1997, tendo Hélder Spínola sido acompanhado por uma equipa maioritariamente constituída por sócios não pertencentes ao núcleo de fundadores: Carina Martins Nunes, como Secretária, Élvio Duarte Martins de Sousa, como Tesoureiro, e Élia Maria Basílio Rodrigues, Idalina Perestrelo Luís, Joselino Humberto Henriques Silva, Maria Conceição Andrade Silva, Odília Maria Freitas Garcês e Ysabel Margarita Amaro Gonçalves, como vogais. Idalina Perestrelo Luís foi a segunda presidente da Quercus-Madeira, tendo iniciado funções a 5 de agosto de 2000, por nomeação da própria Direção do Núcleo, e sido eleita para o cargo a 28 de outubro de 2000. Desde 2000, e ao longo dos sete mandatos sucessivos para os quais foi eleita, Idalina Perestrelo Luís foi sempre acompanhada na Direção do Núcleo por Elsa Maria Freitas Araújo, como vice-Presidente. A partir de outubro de 2013, Elsa Araújo passou a ser a Presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira. Desde 1995, o Núcleo Regional da Quercus na Madeira envolveu-se em inúmeras atividades com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e para uma mudança de paradigma na sociedade madeirense. À semelhança da matriz que caracteriza a ação nacional da Quercus, toda a atividade do Núcleo Regional foi marcada por duas formas principais de atuação, os projetos e a intervenção pública, em ambas abrangendo os mais diversos temas ambientais. A mudança de atitudes e comportamentos para com os valores ambientais foi um dos objetivos em que a Quercus-Madeira apostou desde início, tendo desenvolvido várias iniciativas e projetos com esse fim. Nesse âmbito, destaca-se uma parceria com a Câmara Municipal de Machico e a criação do Centro de Educação Ambiental de Machico (CEAM), cuja abertura oficial, em julho de 2000, contou com a presença do Presidente da Direção Nacional da Quercus. Ao longo dos seus 13 anos de funcionamento, o Centro de Educação Ambiental dinamizado pelo Núcleo Regional da Quercus desenvolveu largas centenas de ações de sensibilização, em particular nas escolas da Madeira, tendo abordado temáticas tão diversas como a defesa do património natural, os incêndios florestais, o ordenamento do território, a redução, reutilização e reciclagem de resíduos, a gestão sustentável dos recursos hídricos, e a eficiência energética, entre muitos outros. Além de palestras e debates, a Quercus-Madeira dinamizou, através do CEAM, atividades de reflorestação e manutenção no Parque Ecológico do Funchal, editou publicações, preparou exposições e promoveu passeios a pé. De entre os vários recursos de divulgação e educação ambiental publicados pela Quercus-Madeira é de particular realce a revista Raízes, uma publicação periódica que lançou o seu primeiro número em outubro de 2001. Ao longo de sete anos e de 34 números, a revista Raízes apresentou em capa uma grande variedade de temas, como o património malacológico do Porto Santo e dos seus ilhéus, a fauna cavernícola de Machico, a avifauna da lagoa do Lugar de Baixo, as florestas da ilha da Madeira, a qualidade ambiental das ribeiras e o problema dos incêndios florestais. Associados a estes e outros temas, muitos foram os cidadãos que deram o seu contributo voluntário na preparação de conteúdos, em particular profissionais da área da biologia, mas também juristas, professores e estudantes, entre outros. Um dos temas a que o Núcleo Regional da Quercus na Madeira tem dedicado especial atenção tem sido a gestão de resíduos, não só ao nível da educação e sensibilização ambiental, nomeadamente com o projeto Ponta de Sol Mais Brilhante em 2004 e 2005, mas também através da implementação de projetos iminentemente práticos. Exemplo disso foi a recolha de pilhas usadas, um projeto nacional da Quercus que o Núcleo Regional estendeu à Madeira logo no início de 1995, reunindo mais de 10 quilos de pilhas, as quais se juntaram, em 1998, às 11 toneladas recolhidas em todos os Núcleos da Associação para serem encaminhadas para reciclagem em França. Ainda em 1998, com a ajuda de algumas dezenas de jovens voluntários, esta estrutura regional da Quercus fez um levantamento exaustivo da quantidade e do tipo de resíduos existentes nas praias e calhaus da Madeira, tendo encontrado um litoral pejado de lixo com origem na própria ilha. A disponibilidade de bebidas em embalagens retornáveis, como forma de prevenir a produção de lixo, foi um assunto constante nas preocupações da Quercus-Madeira, que insistiu sempre na fiscalização e cumprimento da Lei. Em fevereiro de 2009, a Quercus trouxe à Madeira mais um projeto pioneiro, tendo, primeiro em parceria com o centro comercial Dolce Vita e depois com os hipermercados Continente, iniciado a recolha seletiva de rolhas de cortiça para posterior reciclagem no âmbito do projeto Green Cork, cujos lucros são utilizados para a reflorestação. Nos primeiros dois meses, o projeto Green Cork conseguiu reunir na Madeira mais de meia tonelada de rolhas de cortiça. Ainda na mesma área, uma das batalhas em que a Quercus-Madeira mais investiu foi a oposição à opção pela incineração como destino final dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira. Em 1998, assim que o governo regional anunciou a intenção de construir uma central de incineração, a Quercus-Madeira promoveu uma petição para que o projeto não fosse concretizado, tendo recolhido mais de 700 assinaturas, que foram entregues na Assembleia Legislativa da Madeira. Quando, em janeiro de 1999, o Governo Regional da Madeira iniciou a discussão pública do estudo de impacte ambiental da obra de Ampliação e Remodelação da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, o Núcleo Regional da Quercus foi a única organização que se opôs a este projeto. A 22 de Agosto de 1999, a Quercus-Madeira organizou a iniciativa Ar Puro que, junto à igreja do Rochão, na Camacha, reuniu cidadãos e representantes de partidos na sensibilização para os perigos decorrentes das emissões de uma central de incineração. A 7 de dezembro de 1999, ao início da noite, devido à queda de um muro que ameaçava ruir já há algum tempo, ocorreu uma derrocada de resíduos do aterro sanitário da Estação da Meia Serra para o interior da lagoa de arejamento dos lixiviados, provocando uma enxurrada que desceu ao longo da ribeira da Cerejeira, destruiu por completo uma habitação e danificou três viaturas no sítio do Ribeiro Serrão. O sobressalto causado por esta calamidade terá estado na origem do ataque cardíaco que vitimou, no decorrer dessa mesma noite, um residente, o senhor José Arnaldo das Neves Vieira, com 39 anos, que, ao longo desse ano, vinha colaborando abertamente com a Quercus-Madeira por uma solução diferente para a gestão dos resíduos. Este facto levou a um envolvimento maior da população da Camacha, em particular dos moradores dos sítios do Ribeiro Serrão e Rochão, que, juntando-se à Quercus, se manifestaram contra o projeto à entrada da Estação a 27 de dezembro de 1999, reunindo perto de uma centena de pessoas. A manifestação repetiu-se a 2 de janeiro de 2000, envolvendo cerca de 300 pessoas. Nesse dia, as barreiras metálicas e a Brigada de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública, liderada no local pelo próprio comandante regional da PSP, não foram suficientes para demover a população de entrar na Estação para constatar in loco a estabilidade dos resíduos depositados no aterro e o que estava a ser feito para garantir a sua segurança. Apesar destas iniciativas, o projeto foi avante e a incineradora foi inaugurada em 2004. Possuindo o Arquipélago da Madeira um património biológico extraordinariamente importante, a conservação da natureza foi outra área onde o Núcleo Regional da Quercus mais interveio. Além dos contributos que deu na divulgação do património natural insular, a Quercus-Madeira agiu inúmeras vezes na tentativa de alterar o curso de algumas ações que entendia serem lesivas à biodiversidade. Desde a sua fundação, insistiu na retirada do gado ovino, caprino e bovino que pastoreava em regime livre nas serras da Madeira e impedia a regeneração da vegetação, deixando as serras escalvadas e à mercê dos processos erosivos, pondo em causa a biodiversidade e a segurança das populações pelo risco de aluvião. Também por insistência do então Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Funchal, Raimundo Quintal, mentor da criação do Parque Ecológico do Funchal, onde implementou essa medida, o Governo Regional da Madeira acabou por aceitar a retirada do gado das serras, tendo dado por concluído esse processo em 2003. Outra ameaça à biodiversidade que a Quercus-Madeira sempre combateu foi o flagelo dos incêndios florestais, tendo desenvolvido o projeto Vigilância Contra Fogos Florestais em 1997 e 1998 e, nos anos seguintes, criado uma rede informal de vigilância com mais de 100 voluntários no âmbito do projeto De Olhos na Floresta. Para minimizar o problema dos incêndios florestais, esta Associação insistiu constantemente numa estratégia para a Madeira apostada na prevenção, na vigilância e numa primeira intervenção rápida e eficaz. Em 1999, em colaboração com a Câmara Municipal de Machico, a Quercus-Madeira elaborou a candidatura do projeto Recuperação da Floresta Laurissilva das Funduras ao programa LIFE Natureza, projeto que foi submetido em nome da Direção Regional de Florestas e obteve um financiamento europeu superior a meio milhão de euros. A execução do projeto teve início em janeiro de 2000 e decorreu até ao fim de 2003, tendo a Quercus-Madeira assegurado a implementação das medidas de educação ambiental que ficaram à responsabilidade da Câmara Municipal de Machico. A Quercus-Madeira também se mobilizou várias vezes para tentar evitar a concretização de alguns projetos no coração da floresta Laurissilva. Por exemplo, no início do século XXI, quando o Governo Regional avançou com a asfaltagem da estrada do Fanal, entre a Ribeira da Janela e o Paul da Serra, a Quercus, além das intervenções públicas, procurou, sem sucesso, que a UNESCO, que em 1999 reconheceu o estatuto de Património Natural Mundial à floresta Laurissilva, negasse essa pretensão. Ainda assim, a contestação à asfaltagem levou a que, a partir do Fanal e até ao Paul da Serra, a largura da estrada fosse reduzida. Já em 2008, unindo esforços com a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal e com um conjunto alargado de cidadãos, a luta foi contra a pretensão do Governo Regional da Madeira de viabilizar a construção de um teleférico no Rabaçal, na cabeceira da ribeira da Janela, em plena floresta Laurissilva, tendo pedido a intervenção da UNESCO e da Comissão Europeia, às quais enviou uma petição com mais de 5000 assinaturas. Adicionalmente, em Março de 1999, estas duas associações de defesa do ambiente interpuseram em Tribunal uma ação judicial a pedir a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental favorável assinada pelo Secretário Regional do Ambiente. Devido a esta forte contestação, a construção do teleférico não avançou e a Declaração de Impacte Ambiental acabou por caducar por ter sido ultrapassado o prazo da sua validade, situação que levou o Tribunal Administrativo e Judicial do Funchal, em setembro de 2011, a encerrar o processo. Ao longo do tempo, a Quercus-Madeira alertou para inúmeras situações e opções que constituíam ameaças ao ambiente: Contestou as ações de abate ao Pombo Trocaz (Columba trocaz), espécie protegida e exclusiva da Madeira, , iniciadas pelo Governo Regional em 2004; opôs-se, a partir de 2002, à construção de um Radar Militar no Pico do Areeiro, em Sítio da Rede Natura 2000, junto ao único local no mundo onde nidifica a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), uma ave marinha fortemente ameaçada; alertou insistentemente para as consequências negativas sobre os ecossistemas marinhos costeiros decorrentes dos despejos de terras provenientes de obras públicas e privadas; colocou na ordem do dia os perigos para a saúde pública decorrentes da inalação de fibras de amianto, presentes em materiais utilizados na construção de inúmeros edifícios no Arquipélago da Madeira; insistiu na necessidade de melhorar os transportes públicos de modo a garantir uma alternativa válida ao transporte individual e reduzir a poluição dentro da cidade do Funchal; defendeu uma maior aposta na eficiência energética e nas energias renováveis; pressionou inúmeras vezes para o cumprimento da Lei no que diz respeito à realização de análises e divulgação dos resultados relativos à água para consumo humano; insistiu na necessidade de serem adotados e respeitados os instrumentos de ordenamento do território previstos na legislação portuguesa, em particular os Planos Diretores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira e a Reserva Ecológica Nacional; cooperou com a organização internacional Save the Waves na contestação contra a destruição das ondas para a prática de surf no Jardim do Mar; cooperou com a Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste numa solução para a preservação da Lagoa do Lugar de Baixo na Ponta do Sol; e, entre muitas outras iniciativas, tentou impedir o avanço de projetos turístico-imobiliários sobre o litoral.   Hélder Spínola (atualizado a 11.10.2016)

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bazenga, gil

O escultor Gil Bazenga formou-se em Artes Plásticas/Escultura no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, tendo frequentado antes Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto. Após uma estadia em Moçambique nos anos 60 e 70, regressou ao Funchal onde seguiria a carreira docente na Escola Secundária Francisco Franco como professor de Artes Visuais, desenvolvendo uma pesquisa e prática artística centrada na técnica da cerâmica. Participou em diversas exposições coletivas na Madeira, Continente e Açores, tendo deixado também obra pública no Funchal quer da sua autoria quer, em alguns casos, em pareceria com outros artistas. Uma retrospetiva inaugurada na Casa da Cultura de Santana, em 2011, constituiu-se como a mais completa mostra da sua produção artística. Palavras-Chave: Bazenga, escultura, cerâmica, arte pública, ensino das artes visuais. Gil França Bazenga nasceu em 1933, no Funchal, e faleceu em 2013. Nos anos 50, frequentou o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e nas décs. de 60 e 70 viveu em Moçambique, onde foi docente e onde dinamizou várias atividades culturais, destacando-se o desempenho na coordenação do Auditório e Galeria de Arte da Cidade da Beira e do Centro de Cultura e Arte da Beira. Em finais dos anos 70 regressa ao Funchal, onde conclui, no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), o curso de Artes Plásticas, na sua variante de Escultura. Escultor de formação, Bazenga destacou-se também enquanto docente de Artes Visuais, tendo pertencido ao quadro de professores da Escola Secundária de Francisco Franco, no Funchal. Para além da sua atividade como docente, desenvolveu uma prática contínua especializada na área da cerâmica, explorando com rigor e criatividade diversas possibilidades técnicas desta linguagem. Neste contexto, foi um dos protagonistas da intensa movimentação cultural e artística ocorrida no Funchal nos anos 80, tendo participado em diversas exposições coletivas, das quais se destacam as mostras promovidas pelo ISAPM, a primeira das quais na própria galeria do ISAPM, em 1981; outra no Museu de Arte Sacra do Funchal, em 1983; e outras duas novamente na galeria do ISAPM, nos anos 1984 e 1989. Ainda em 1982, fez parte da Exposição de Artistas Madeirenses que teve lugar no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias; uma mostra de pintura, escultura e cerâmica onde Gil Bazenga partilhou o espaço com a pintora Alice Sousa e o escultor Franco Fernandes, colegas que o acompanharam ao longo da sua carreira, expondo em conjunto e realizando trabalhos em coautoria. São de salientar ainda outras coletivas desta década: a exposição na galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), com Alice Sousa e Luís Amado, em 1985; a coletiva itinerante ISAPM/85 – 30 Anos do Ensino Superior Artístico na Madeira, do mesmo ano; a Exposição Colectiva de Artes Plásticas patente na Escola Secundária Francisco Franco; e a I Mostra da Circul’Arte – Associação de Artistas Plásticos da Madeira, integrada na Feira de Arte Marca Madeira 87, no Teatro Municipal Baltazar Dias. Fora da Região, Gil Bazenga mostrou o seu trabalho na coletiva 24 Artistas Madeirenses nos Açores, na cidade de Ponta Delgada, em 1983; na coletiva Panorâmica – Arte & Cultura, na Galeria do Casino Estoril, em 1985; e na exposição Olhares Atlânticos – Mostra de artes da Madeira, realizada na Biblioteca Nacional de Lisboa, em 1991. Para além da criação de objetos cerâmicos, quer numa versão mais experimental e escultórica, quer numa versão mais tradicional, de que são exemplos objetos como pratos ou potes, o escultor realizou também esculturas de parede e pequenos painéis cerâmicos. No que diz respeito a obras de maior envergadura, patentes em espaços públicos, destaca-se o painel cerâmico do Mercado da Penteada, no Funchal, realizado em coautoria com Celso Caires, em 1988. Este painel é composto por um conjunto de azulejos desenhados por Caires, acompanhados por um conjunto de peças quadrangulares em volume, texturizadas e sem figuração, da responsabilidade de Bazenga. Trata-se de uma composição dinâmica e ao mesmo tempo equilibrada, que 30 anos mais tarde se encontrava em bom estado de conservação. Outra peça de relevo, também criada em coautoria, desta vez com o escultor Franco Fernandes, é o painel de título Água Viva, realizado em 1993, que se encontra nas instalações do Clube Naval do Funchal. Neste caso, foi realizada uma composição à volta da representação do nu feminino de carácter mitológico, acompanhado por desenvolvimentos abstratizantes de rico colorido e inspiração orgânica, elementos característicos dos trabalhos do autor que assina a pintura deste painel (fig. 1). Podem ser encontradas outras intervenções do escultor em espaços visitáveis, nomeadamente no interior da Escola Secundária Francisco Franco, no Colégio de Santa Teresinha e no Hotel Éden Mar. Para espaços exteriores, Bazenga executou um painel para o antigo Complexo Balnear do Lido, o qual, após remodelação, foi retirado. Ainda nos anos 90, o autor participou em várias mostras no Funchal, expondo novamente com Alice Sousa, na Galeria da SRTC (1991); com Marcos Milewsky, no mesmo espaço (1995); na coletiva Marca Madeira/97; no Madeira Tecnopolo (1997); e na coletiva Na Torre do Tempo, na Galeria de Arte Francisco Franco (1999). Já entrado o novo século, voltou a expor com Alice Sousa numa mostra intitulada À Tarde, em Frente, na Galeria de Arte Francisco Franco (2002). Em 2012, foi organizada uma exposição retrospetiva intitulada Cerâmica. Magia do Fogo. Retrospetiva na Casa de Cultura de Santana. Nesta mostra, a única individual apurada por esta investigação, pôde ser vista a diversidade de experiências realizadas e os diferentes tipos de objetos criados por Gil Bazenga, destacando-se uma clara influência estética com raízes num modernismo de carácter orgânico e abstratizante, onde se salienta uma forte presença de um cromatismo brilhante e de fortes contrastes, compensado por algumas peças de pendor mais térreo e brutalista.   Carlos Valente (atualizado a 10.10.2016)

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