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exílio

“Exílio” (lat. exilium) significa banimento, desterro ou degredo, sendo o estado de ter sido expulso e estar longe da própria casa, cidade ou nação, podendo assim ser definido também como a expatriação, voluntária ou forçada, de um indivíduo. Alguns autores utilizam o termo “exilado” no sentido de refugiado, embora esta última situação se enquadre somente no quadro de autoexílio ou exílio voluntário, como aconteceu na Madeira no período do absolutismo miguelista. No contexto da Madeira, a situação de exílio, ao contrário da situação de asilo, que pressupõe a ida de elementos nessa situação para a Ilha, aponta para a expulsão de elementos madeirenses da sua casa ou da sua terra. Além de pessoas, pode haver também governos em exílio, como o do Tibete face à invasão do seu território pela China, ou mesmo nações em exílio, como foi o caso dos judeus, exilados na Babilónia no séc. IV a.C. e, depois, após a destruição de Jerusalém, noutros locais, no que ficou conhecido como diáspora. Tal foi também, entre 1078 e 1375, o caso da Arménia, que, depois da invasão do seu território por tribos seljúcidas, se exilou na baixa da Anatólia, na posterior Turquia, formando um novo reino. O termo não tem sido extensivo à deslocação da corte portuguesa para o Estado do Brasil, até então vice-reino, por se entender que se manteve em território nacional. Tal território foi inclusivamente elevado a reino, passando D. João VI, a partir de 16 de dezembro de 1815, a intitular-se Rei de Portugal, Brasil e Algarves, reino que, a partir de 13 de maio do ano seguinte, passou a ter armas próprias. Alguns indivíduos, sentindo-se ameaçados ou vítimas de perseguição política, racial ou religiosa, podem igualmente procurar exílio por iniciativa própria em outros locais ou países, sem que tenha havido qualquer ato legal ou jurídico para tal. Costuma chamar-se a essa atitude autoexílio ou exílio voluntário, embora essa posição seja, na generalidade, desvalorizada pelas autoridades no poder por não configurar um exílio imposto, ou seja, oficial, não sendo assim facilmente detetada na documentação. Somente em meados do séc. XVIII se pode escrever concretamente sobre situações de exílio na Madeira, pois que até então não havia uma concreta consciencialização política que permitisse equacionar tais casos. Porém, já nessa altura ocorreram inúmeras situações de degredo, mas por processos judiciais e não políticos ou religiosos, como na contemporaneidade. Ao analisarmos, e.g., a documentação da Inquisição, constatamos que, nos finais do séc. XVI, terá havido uma forte corrente de autoexílio por parte da comunidade de cristãos-novos madeirenses, quer para Amesterdão, quer para o Brasil. Tal não se terá devido a motivos especificamente religiosos, mas ao medo de futuras denúncias relativas à sua situação, pelo que, instalando-se na Holanda, logicamente acabariam por professar o judaísmo. A ilha da Madeira foi visitada, nos finais do séc. XVI, entre 1591 e 1592, pelo inquisidor Jerónimo Teixeira Cabral (c. 1550-1614), que, entre 1600 e 1614, foi bispo de Angra, tendo sido denunciadas quase 200 pessoas e organizados quase 100 processos, na base dos quais se viria a organizar depois o “Rol dos Judeus e seus Descendentes”. Em 1618, voltou a haver nova visitação, então a cargo de Francisco Cardoso de Torneo, deputado do Tribunal de Coimbra, que terá ficado surpreendido com a escassez de denúncias por judaísmo na Madeira. Assim, a 23 de outubro de 1623, foi à Inquisição de Lisboa Francisco Gomes Simões, cristão-velho, piloto de nau e morador na Madeira, para informar que, tendo partido da Madeira para a Flandres cerca de 5 anos antes, vira ali muitos portugueses fugidos do reino, que lá viviam como judeus. Francisco Simões denuncia cerca de uma dezena de pessoas, entre as quais três que tinham vivido na Madeira: “porquanto ele denunciante partindo das ilhas para a dita cidade de Amesterdão, o senhor Francisco Cardoso, inquisidor, que então visitava as ditas ilhas, lhe encomendou que fizesse na dita cidade diligências sobre as pessoas de nação que para ali eram fugidas, de que ele, denunciante, as fez muito largas e lhas mandou das ditas ilhas” (ANTT, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, n.º 202, fl. 301). O autoexílio em questão dos três cristãos-novos detetado nos inícios do séc. XVII era, assim, perfeitamente residual, o mesmo se passando nos dois séculos seguintes, ainda que existissem sempre informações pontuais sobre o autoexílio da chamada gente de nação. Nos meados do séc. XVIII, com a centralização do poder régio e a ação do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), existem casos de exílio por razões políticas, embora à data não fossem naturalmente assim apresentados. O referido governador, e.g., mandou prender e degredar para o norte da Ilha o P.e João José Bettencourt de Sá Machado (1707-1781), que, embora mulato e filho de uma escrava, frequentara a Universidade de Coimbra, fazendo-se inclusivamente acompanhar de um criado branco. O padre afrontara, em várias reuniões, as despóticas diretivas do governador, alvitrando que, como capitão-general, a sua ação se deveria restringir à organização militar e pouco mais. Estas opiniões valeram-lhe o desterro do Funchal, não se cansando o governador de repetir que o “soberbo, arrogante e dissoluto clérigo”, “pardo por nascimento, como filho que é de uma preta”, afrontava as suas ordens (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 4804 e 4805). O clérigo em causa era meio tio-avô de Guiomar Madalena de Vilhena (1705-1786), levando a família a intervir a seu favor na corte de Lisboa. O Gov. João António de Sá Pereira tomou idêntica atitude com o Cón. Pedro Nicolau Acciauoli e com o Cón. António Acciauoli, assim como com o P.e Luís Spínola, todos enviados para Lisboa sob escolta do sargento-mor, o que levou o intendente Pina Manique (1733-1805) a investigar a atitude do governador, ouvindo o sargento-mor a esse respeito. O clero madeirense nem sempre se pautou pela contenção devida ao seu ministério. Note-se, e.g., que, tendo-se reformado o P.e António Maria do Sacramento, capelão da infantaria de guarnição da Madeira, propôs-se a nomeação do P.e Francisco José da Silva. No entanto, como expôs para Lisboa o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1798) (Coutinho, D. Diogo Pereira Forjaz), “algum tempo depois da expedição desta proposta, ele se ausentou fugitivamente desta ilha, por se lhe imputar o crime de esperar traiçoeiramente um homem” e o tentar assassinar à espadeirada (ABM, Governo Civil, liv. 519, fls. 141v.-142). O padre, entretanto, não voltou à Madeira, acabando o governador por ter de apresentar outro para o lugar. O referido exílio do P.e Bettencourt de Sá Machado para o norte da Ilha não foi caso único. Na complexa situação da ocupação inglesa de 1801 a 1802, o Gov. José Manuel da Câmara (c. 1760-c. 1825), em 1803, chegou a exilar o bispo D. Luís Rodrigues de Vilares (c. 1740-1810) para o Santo da Serra. O bispo teria tido reuniões secretas com o cônsul inglês e com outros elementos dados como maçons, pelo que, em junho de 1803, o governador comunicou tal situação para Lisboa, fixando-lhe residência no Santo da Serra e proibindo-o de entrar no Funchal. A decisão foi revogada pelo Governo de Lisboa num curto prazo de meses, a 22 de agosto, mas a situação de conflito entre as duas autoridades não deixou de piorar, pelo que acabaram por ser obrigados a regressar a Lisboa em navios separados. Na Madeira, a situação complicou-se nos finais do séc. XVIII com a verdadeira guerra levada a efeito pelo bispo do Funchal, D. José da Costa Torres (1741-1813), contra as lojas maçónicas (Maçonaria). O bispo arvorou-se em defensor dos interesses da Coroa e do Estado, posição que, prudentemente, não quis assumir o Gov. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, perseguindo o prelado, feroz e primariamente, os elementos que entendia ligados à Maçonaria. O bispo perseguiu a tal ponto os presumíveis maçons do Funchal, em princípio com o tácito acordo do governador e até com ordens emanadas de Lisboa, que famílias inteiras tiveram de abandonar a Madeira. D. José da Costa Torres exorbitou, assim, a tal ponto as ordens recebidas, que o próprio Governo central teve que intervir nos excessos praticados pelo prelado, ordenando-lhe que soltasse grande parte dos acusados e “recomendando-lhe a maior moderação no castigo dos delinquentes” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 918). A perseguição envolveu civis, militares e eclesiásticos, citando-se em documento oficial que, inclusivamente, “demitira, suspendera e prendera, por castigo alguns eclesiásticos” (SILVA e MENESES, 1998, I, 326), pelo que, tendo já sido transferido para Elvas, foi violentamente levado da sua residência privada, então na Penha de França, para o embarcarem para o continente. A memória das lojas maçónicas madeirenses manter-se-ia na corte de Lisboa. Dissolvidas as Cortes, derrogada a Constituição de 1822 e restabelecido o Governo absoluto em julho de 1823, a Madeira era de novo assolada por uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos vagos mas emergentes partidos políticos (Partidos políticos) e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses queriam subtrair-se à Coroa portuguesa e ligar-se à Inglaterra. Num breve espaço de tempo, havia mais de uma centena de presos, embora só viesse a ser condenada uma dezena deles. De qualquer forma, eram muitos os indiciados e vários saíram da Madeira. A Ilha veio, assim, a ser desapropriada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores, militares de todas as patentes, etc. Tal alçada não seria, infelizmente, a última, pois, com a tomada de poder pelo infante D. Miguel (1802-1866), em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, nova alçada era enviada à Madeira, levando à prisão quase duas mil pessoas acusadas de “malhados” e maçons. Num curto espaço de tempo, a Ilha perdia, de novo, exilados para Cabo Verde (Cabo Verde), Angola e Moçambique, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos. Muitos deles não voltariam à Madeira, optando por ficar em Londres e, depois, no continente, havendo uma parte que optou por emigrar para o Brasil. Ao longo dos sécs. XIX e XX, a Madeira foi um dos principais locais de exílio das várias revoltas políticas ocorridas no continente. Na sequência, e.g., da Revolta de Torres Vedras, a 4 de fevereiro de 1844, foram enviados para a Madeira 23 dos insurgentes, entre advogados, eclesiásticos e militares. Os primeiros deram entrada na fortaleza do Ilhéu a 20 de abril, e os seguintes na do Pico, mas todos vieram a ser colocados em liberdade após o malogro da Revolta. Também ao Funchal chegavam, a 8 de maio de 1919, os prisioneiros políticos da Revolta de Monsanto, a bordo do vapor África, da Empresa Nacional de Navegação, o qual fora arvorado em transporte de guerra. Os deportados monárquicos, em número de 289, foram acompanhados de uma força da Marinha, desembarcando três dias depois e sendo instalados no Lazareto de Gonçalo Aires. Não obstante as precauções, no dia 3 de junho deu-se pelo desaparecimento de oito prisioneiros, sabendo-se depois que tinham chegado a Las Palmas, na lancha rápida Glafiberta, pertencente ao sportsman Humberto dos Passos Freitas (1893-1926) (Freitas, Humberto dos Passos), que preparara a evasão. A situação mais complicada veio a ocorrer com a Revolta do Porto, de 1927, na sequência da qual uma série de militares foi para a Madeira. Embora deportados, estes gozavam de uma certa liberdade de movimentos e de contactos, podendo alguns estar por detrás do movimento popular conhecido como Revolta das Farinhas, entre 4 e 9 de fevereiro de 1931 (Revolta das Farinhas). A ditadura destacou então para a Madeira uma força especial, sendo os oficiais subalternos da mesma quem desencadeou, a 4 de abril de 1931, a chamada Revolta da Madeira (Revolta da Madeira). Na sequência deste acontecimento, constituiu-se um Governo autónomo com os principais militares deportados na Ilha, mas também civis, como Manuel Gregório Pestana Júnior (1886-1969), que fora ministro das Finanças do Governo de José Domingos dos Santos (1885-1958), nos finais de 1924 e inícios de 1925. A ditadura responderia um mês depois, quase com todas as forças disponíveis no continente, inclusivamente hidroaviões, recuperando a situação, tendo então os principais revoltosos sido deportados para Cabo Verde e Moçambique. O Ten. Manuel Ferreira Camões (1898-1968) e o Ten. Manuel Silvio Pelico de Oliveira Neto (c. 1888-1953) haviam de se radicar na ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, lugar onde continuaram a ser recordados (Cabo Verde). Deportados da Revolta da Madeira em Cabo Verde. 1932. Arquivo Rui Carita Pela Madeira tinham, entretanto, passado exilados internacionais de grande destaque, como, em 1921, o ex-Imperador da Áustria, posteriormente designado por beato Carlos de Habsburgo (1887-1922), acompanhado da família. Depois de breves dias na Vila Vitória, anexa ao Reid’s Palace Hotel, instalou-se na Qt. do Monte (Quinta do Monte), onde viria a falecer de pneumonia dupla a 1 de abril de 1922, sendo os seus restos depositados na igreja de N.ª Sr.ª do Monte, onde permaneceram. Estaria também alguns dias no Reid’s Palace Hotel, nos finais de 1959, o Gen. Fulgêncio Batista (1901-1973), que havia sido derrotado pela Revolução Cubana em janeiro desse ano. Mais tarde, o Funchal ainda seria local de exílio dos principais governantes portugueses afastados com o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974: o ex-Presidente da República Américo de Deus Rodrigues dos Reis Thomaz (1894-1987), o ex-presidente do Conselho José das Neves Alves Marcello Caetano (1906-1980) e os ex-ministros Joaquim Moreira da Silva Cunha (1920-2014) e César Moreira Baptista (1915-1982).   Marcello Caetano e Américo Thomaz na Madeira. Comércio do Funchal.01.05.1974. Arquivo Rui Carita   Declaração de Entrega dos Ex-membros do Governo. 26.05.1974. Arquivo Rui Carita           Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

Madeira Global

buch, christian leopold von

Christian Leopold von Buch, filho de Adolf Friedrich von Buch II, barão de Gehmersdorf, e de Charlotte von Arnien-Suckow, nasceu em Stolpe an der Order, Brandenburg, Prússia (1774), e faleceu em Berlim (1853). Foi um proeminente geólogo e paleontólogo e dedicou-se ao estudo do vulcanismo, dos fósseis e da definição do sistema jurássico. Fez a escola secundária em Freiberg, Saxónia, e frequentou as universidades de Halle e Göttingen. Foi considerado por Humbolt o melhor geólogo do seu tempo e, em 1842, recebeu a medalha Wollaston, o mais importante prémio concedido pela Sociedade de Geologia de Londres. No campo da mineralogia, conta-se a sua obra Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck (Breslau, 1797), traduzida para francês (1805) e inglês (1810), seguida dos estudos sobre a Silésia, Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien (1802). A observação da erupção vulcânica do Vesúvio, em 1805, feita com Humboldt e Gay Lussac, permitiu-lhe corrigir interpretações erróneas sobre o vulcanismo. O resultado das suas viagens geológicas originou a obra Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien (Berlin, 1802-09). Na Escandinávia, pôde obter os dados que lhe permitiram publicar Reise durch Norwegen und Lappland (Berlin, 1810). Em 1815, na companhia do botânico norueguês Christian Smith, visitou as ilhas Canárias, cuja origem vulcânica constituiu o ponto de partida para o estudo da sua atividade sísmica, atestada na obra Physicalische Beschreibung der Canarischen (Berlin, 1825), na qual manifesta a convicção de que estas e outras ilhas atlânticas estiveram na base de um continente pré-existente. Nesta viagem, de Londres às Canárias, teve oportunidade de visitar a Madeira em abril de 1811, na companhia de outro norueguês, Chetien Smith, e descreve o deslumbramento sentido perante a vegetação desconhecida que contemplava: “après une heureuse traversée, nous mîmes pied à terre le 21 avril à Funchal dans l’île de Madère. Nous restâmes douze jours sur cette île fortunée, occupés à faire de petites courses sur les montagnes et à étudier, en tant que pût le permettre la pluie qui tomba continuellement pendant notre séjour, la végétation nouvelle, et pour nous inconnue, qui se développait sous nos yeux [após uma travessia sem incidentes, pusemos pé em terra a 21 de abril, no Funchal, ilha da Madeira. Permanecemos 12 dias nesta ilha afortunada, fazendo pequenas excursões pelas montanhas e estudando, tanto quanto nos permitiu a chuva, que não parou de cair durante toda a nossa estadia, a vegetação nova, para nós desconhecida, que se apresentava diante dos nossos olhos]” (BUCH, 1836, 1). Nesta obra, insere a lista de plantas da Madeira, organizada pelo botânico britânico Robert Brown, resultante da sua visita à Ilha em 1802. Segundo o Elucidário Madeirense, “é de Robert Brown, e não de Leopold von Buch, o trabalho intitulado Vermzeichniss der auf Madeira Wiedwachsenden Pflanzen, que quase todos atribuem a este último autor, por razão de ter sido incluído na obra que publicou, em 1825, sob o título de Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln” (SILVA e MENESES, 1978, I, 341).   Obras de Christian Leopold von Buch: Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck, 1797; Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien, 1802; Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien, 1802-09; Reise durch Norwegen und Lappland, 1810; Psysicalische Beschreibung der Canarischen, 1825; Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln, 1825; Îles Canaries (1836); Narrative of an Expedition to Explore the River Zaire, usually, Called the Congo, in South Africa in 1816, under the direction of Captain J. K. Tuckey (coautoria) (1818).     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.10.2016)  

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bilhardice

O estudo do regionalismo madeirense “bilhardice” tem como escopo a sua individualização em relação a outros termos que a língua portuguesa oferece e que poderiam aparecer como sinónimos deste regionalismo sem qualquer diferenciação semântica. A riqueza semântica do termo “bilhardice” (Regionalismos) obrigará a testes vários no eixo paradigmático e no eixo sintagmático, consoante a nomenclatura de Ferdinand Saussure. A semântica deste termo é mais sustentada em conhecimentos pragmáticos resultantes da sua realização em concreto, da experiência própria de sujeito falante do português madeirense e da sustentação ideológica em diferentes campos científicos, mais ou menos implícitos, nomeadamente da linguística, da semântica, da psicologia, da sociologia e de outros ramos gnosiológicos, incluindo o da filosofia. Com efeito, a consulta de dicionários e enciclopédicas da língua portuguesa revela que este vocábulo não regista nenhuma entrada nessas obras. Exceção a esta situação é o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), online, que o regista como tendo o mesmo significado de “bisbilhotice”. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, autoridade científica de reconhecido prestígio, na sua edição de 1936, registava uma entrada de um termo cognato de “bilhardice”, e definia assim “bilhardeira”: “o mesmo que mexeriqueira, intrigante, na ilha da Madeira; ordinária ou de fraco valor moral em Évora. Em Beja, mulher de mau génio”. Já nas últimas edições, entre 1998 e 1999, o termo deixa de aparecer. A sua formação morfológica fez uso das potencialidades do sistema aplicadas à forma, tendo-se o sujeito falante, por intuição linguística, limitado a acrescentar ao radical adjetival “bilhard-” o sufixo “-ice”, que se junta a adjetivos para formar nomes, como em: sovin- + ice > sovinice; tol- + ice > tolice. Assim, sem grandes meios de consulta do ponto de vista de dicionários ou enciclopédias que registassem o verbete do regionalismo “bilhardice”, i.e., aquilo a que a lexicografia designa o conjunto de aceções, exemplos e informações acerca de um termo, o recurso a exemplos construídos em situações possíveis de comunicação de fala foi a base essencial do estudo deste regionalismo. Em tal situação, este trabalho não pôde contar com o registo sistemático do termo “billhardice” em dicionários ou enciclopédias, que costumam reivindicar para si a objetividade, como se se situassem acima das determinações sócio-históricas em que um vocábulo surge e é usado, quando é certo que as definições de um verbete, em dicionários e enciclopédias, podem trazer implícitas perspetivas ideológicas e culturais, mesmo que possam não ter sido objeto de um ato reflexivo. Contudo, esse obstáculo tornou-se um desafio e determinou o método da pesquisa e da elaboração do mesmo, partindo da consulta de trabalhos já efetuados sobre o mesmo assunto, os quais tiveram e anotaram as mesmas dificuldades, mas cujos autores têm o conhecimento da realidade da língua em contexto, o contexto sociocultural madeirense, a língua portuguesa tal como é falada na Madeira e o uso muito peculiar do termo “bilhardice” pela população da região. Com efeito, as diferentes aceções de um termo resultam também daquilo a que Saussure chama “realidade da língua”, ou seja, da relação do sujeito com os signos que usa, porque a compreensão do signo linguístico e a sua realização se dão num determinado contexto sociocultural e, nesse contexto, adquire uma significação que vai para além da mera equivalência de significantes inscritos na paradigmática da sinonímia, o que implica a variação de valores de acordo com a realidade sociocultural em que se movimenta o sujeito falante, pois cada palavra de uma linha sintagmática se relaciona com as entidades no sintagma, mas igualmente com outras que são suscetíveis de o substituir na coluna paradigmática. Para além disso, os dicionários e enciclopédias são produto de autores que são fruto de contextos socioculturais que os condicionam e lhes proporcionam o material necessário para o seu trabalho, em que um exemplo ilustrativo pode ser, exatamente, este excurso sobre o termo “bilhardice”. Já o uso do verbo “bilhardar” e de “bilhardeiro” pode anotar-se no DPLP (“Bilhardar: Picar duas vezes a bola com o taco. Picar duas bolas ao mesmo tempo quando estão juntas. Jogar a bilharda. Regionalismo, o mesmo que bisbilhotar”; “Bilhardeiro: Jogador de bilharda. Mandrião, calaceiro.  O mesmo que bisbilhoteiro”) e na versão online da edição de 1913 do Novo Diccionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo, encontram-se duas entradas para o verbo “bilhardar” e uma para “bilhardeiro”: “bilhardar, 1 v. I. Dar duas vezes na bola com o taco ou tocar duas bolas ao mesmo tempo, no jogo do bilhar. (Fr. billarder); bilhardar, 2 v. i. Jogar a bilharda. Pop. Vadiar”. “Bilhardeiro m. Jogador de bilharda. Vadio, garoto”. O termo “bilhardice” também não se encontra neste dicionário, facto já observado por outros autores, que, por sua vez, citam outros: “A palavra bilhardice é um termo regional para as palavras bisbilhotice, mexerico, coscuvilhice. O que a torna interessante, de facto, é tratar-se de um regionalismo, e ser usada, frequentemente, em detrimento das anteriores. Curiosamente, não constitui entrada de dicionários e é apenas referida como ‘falso testemunho, alveiosia. Aquelas raparigas não fazem senão bilhardar’” (BARBEITO, “Para a Compreensão…”). Note-se que o trecho da citação colocado em itálico tem por autor Jaime Vieira dos Santos, em “Vocabulário do Dialecto Madeirense”, artigo publicado na Revista de Portugal. Em Ana Cristina de Figueiredo, o termo aparece registado com várias aceções: “Ato de conversar animadamente (Cavaqueira). ‘Aquelas parecem duas comadres: sempre na bilhardice!’” Ou como “ação de comentar a vida alheia e de arranjar intrigas ou mexerico sobre a vida de outrem (alcovitice, bisbilhotice, coscuvilhice, mexerico)” (FIGUEIREDO, 2011, 104-105). Interessante será referir o que diz sobre “bilhardice” David Pinto-Correia: “Quanto à ‘bilhardice’, termo felicíssimo exclusivamente madeirense, que sintetiza, com os seus próximos ‘bilhardeiro’ e ‘bilhardeira’ e ‘bilhardar’ (interessante será verificar que este verbo quase só se conjuga no infinitivo ou em formas perifrásticas), e com uma sonoridade bem expressiva, muito do que outras palavras de sentido próximo (como, por exemplo, ‘intriga’, ‘bisbilhotice’, ‘mexeriquice’) não conseguem exprimir: a sua complexidade semântica integra a principal significação de ‘difundir uma situação’, mormente ‘reservada’, ‘que não era necessariamente divulgável’, ou mesmo ‘que devia ser mantida em segredo’, mas também a de uma crítica velada ou de reprovação ao ato em si, ao mesmo tempo que contém muito de ironia, e de caracterização de tal prática como lúdica (como se se quisesse indicar que ‘é um dizer por dizer’, ‘divulgar por divulgar’, sem procurar consequências graves para o que é divulgado ou sobretudo para quem é posto em causa pela divulgação, o que está longe de ser verdade), uma espécie de hábito atavicamente gratuito, inofensivo” (PINTO CORREIA, 2000, 25). Esta longa citação justifica-se não só pela autoridade científica do autor, mas, sobretudo, por colmatar a ausência já anotada do termo em dicionários académicos, na medida em que a sua riqueza semântica serve de fonte autorizada para este verbete. Na mesma linha do carácter lúdico-narrativo para aqueles que praticam a “bilhardice” envereda Teresa Brazão ao dizer “A bilhardice é o curioso e permanente hábito que têm as pessoas, de saber pormenores acerca daquilo que não lhes diz respeito, especialmente quando se trata da vida alheia. De cultivar e fazer crescer desmesuradamente esses pormenores, que acabam tão maiores quão enorme o desejo dos seus insaciáveis criadores […] A Madeira, meio pequeno, que, apesar de tudo, já não é assim tão pequeno, foi, desde tempos imemoriais, solo fértil para o cultivo de tal hábito social” (BRAZÃO, 2005, 68). A autora não deixa, contudo, de notar não só o jogo social que estava por detrás da sua prática em favor de elementos mais bem situados na esfera social, mas igualmente os efeitos que tal poderia provocar nos alvos da “bilhardice”, que, nesse caso, seriam mais frágeis na hierarquia social ou a desigualdade entre o homem e a mulher: “Era mesmo assim. Na mesma medida em que se exageravam e chafurdavam os defeitos de alguns, exaltava-se e engrandecia-se a virtude de outros. Esses outros alimentavam a bilhardice, porque ela lhes era favorável. Quanto mais mal se dissesse dos outros, mais bem se diria deles próprios, numa espécie de equação matemática ou regra dos termos da lógica aristotélica. Assim, as suas poses, estudadíssimas e refinadíssimas, refletiam a sua enorme embora só aparente virtude. […] As principais vítimas eram os mais fracos, ou senão mais fracos, os menos compensados socialmente” (BRAZÃO, 2005, 68). Neste jogo social, a autora observa a mudança que a liberdade política e cultural veio a ter na mudança das mentalidades: “A liberdade tendeu a desmontar esta coisa toda, graças a Deus. Foram inúmeras as personagens desmascaradas, e hoje fala-se das pessoas doutra maneira. Parecia que a mentalidade dos madeirenses estava a crescer. O número de pessoas aumentou, e deixou de ter o mesmo impacto saber que a dona Sílvia do monte andava a encontrar-se com o senhor Silva da zona velha. Porque ninguém os conhece. E também hoje as pessoas assumem muito mais o que fazem, e não tem graça nenhuma falar de coisas que as próprias pessoas assumem”. E recomenda, nessa sua abordagem sociocultural da liberdade, “A iliteracia do estado novo alimentava a bilhardice. Por isso, agora, temos de investir mais em cultura. Só assim a sociedade ficará melhor, para todos vivermos confortavelmente nela, com a tão propagada qualidade de vida” (Id., Ibid.). Este excurso de Teresa Brazão revela-se bastante pertinente neste verbete porque a autora, ao situar socioculturalmente a “bilhardice” num meio pequeno e ao perspetivá-la em outras vertentes, nomeadamente a político-cultural, confere a esta característica um cunho marcadamente regional, pela importância que ela assume na sociedade madeirense em todos os extratos socioculturais; ou seja, fica aqui claro não se tratar de uma característica exclusivamente popular, como, por vezes, se possa pensar ou dizer. O conhecimento desta realidade contribui para o enriquecimento da semântica do vocábulo “bilhardice” e, de certo modo, ajuda a preencher a lacuna que deriva da sua ausência sistemática em dicionários e enciclopédias. No estudo de um determinado regionalismo, a primeira questão que se coloca é a de saber se existem palavras no idioma que possam substituir, com propriedade ou total equivalência, esse regionalismo. E logo aqui deparamos com a questão da sinonímia. Outra é a de saber se a palavra em questão cumpre uma função que nenhuma outra cumpre para os sujeitos falantes dessa região. Posta assim a questão, o madeirensismo “bilhardice” pode ser comparado com outros termos que lhe são correlatos na língua portuguesa, como “coscuvilhice”, “mexerico”, “bisbilhotice”, “intriga”, “alcovitice”, ou até mesmo “fofoca”, que, note-se, nos remete mais para o português brasileiro pois não provém do português lusitano e tem etimologia africana, mais propriamente da língua banta. Apesar os dicionários darem de “fofoca” o sinónimo “mexerico”, esse termo não deixa de ter um contexto de significação que, não obstante a etimologia africana, tem ressonância nitidamente brasileira. Assim, ao ouvir o termo “fofoca”, um europeu tende a evocar de forma espontânea contextos exóticos, aquilo a que Sartre chama o “estado de consciência”, que implica uma espécie de inércia, de passividade reflexiva ao ouvir um determinado signo face à realidade que ele designa. Assim, se é certo que pode haver múltiplos sinónimos para o termo “fofoca”, tantos quantos aqueles que nos devolve um bom dicionário, a verdade é que nenhum deles ecoará melhor no nosso imaginário como significativo de um ambiente brasileiro. O que fica dito acerca do brasileirismo “fofoca” aplica-se, com a mesma propriedade, ao madeirensismo “bilhardice”. O uso de um signo provoca uma atitude de consciência que integra esse signo numa estrutura mental que não depende de um objeto particular (o signo “árvore” é o universal de todas as árvores, mas não se esgota em nenhuma delas em particular). O signo “bilhardice”, que não designa um objeto, uma realidade física, tangível, mas uma realidade fisicamente intangível, só pode ser entendido ligando-o à realidade exterior que lhe deu origem, em correlação com uma linguagem interior traduzida em imagens mentais que não se ativam de forma reflexiva, mas de forma inconsciente e automática, o que remete não só para o campo da psicologia, da sociologia, da cultura, do folclore, dos hábitos, da geografia e do meio, mas para uma fronteira que define o que é ser madeirense. Nessa perspetiva, o madeirensismo “bilhardice” não é suscetível de ser substituído por outros termos que se reivindiquem como seus sinónimos sem que isso tenha um custo de esvaziamento mental, do ponto de vista cultural, em quem ouve e em quem fala, no caso de falantes madeirenses, perdendo-se o contexto sociocultural de uma mundividência que só pode ser traduzida por este termo enquanto regionalismo compósito de uma realidade cultural. Esteja o sujeito falante na Madeira ou em qualquer parte do mundo, a “bilhardice” evoca a ida à igreja, os arraiais em seu redor, a conversa entre vizinhas, ou vizinhos, a aldeia, a rua, o bairro, a cidade e o campo, enfim, a Madeira e as suas duas ilhas. Ou seja, a relação necessária do uso de um signo com determinado contexto habita no sujeito falante em função de uma opção que lhe é imposta por um contexto sociocultural. A opção do sujeito falante pelo termo “bilhardice”, nesse caso, deriva de ele julgar que é o que melhor traduz a realidade que quer transmitir. Pode haver a tentação de o argumento do nível sociocultural do falante explicar o uso deste termo em detrimento de outros que poderiam ser tomados como sinónimos e com a mesma eficácia; contudo, tal não se verifica, pois observa-se o seu uso por indivíduos de diferentes extratos sociais. Também quando à questão diafásica, a opção ou não por este termo não difere da que é feita por qualquer outro que se apresente como sinónimo, e.g., em situação solene, onde não se fala de coscuvilhice e termos equivalentes; e se, após o ato solene, houver cavaqueira, o termo “bilhardice”, mesmo nos salões dos diferentes fora regionais – políticos, culturais, sociais – antepor-se-á a outros tomados como equivalentes. Resta a variação diatópica, e é nela que devemos prosseguir, visto tratar-se de um regionalismo. Sobre a questão da relação intrínseca entre o significante e o significado no interior do signo, ressalvando a voluntária construção pleonástica da frase, e se o significado de um signo é assumido como representação mental coletiva de um ente, ser concreto ou abstrato, aduz-se que um signo não pode subsistir, ontologicamente, numa espécie de mundo platónico das ideias, sem uma necessária ligação a um referente exterior a si, que é a razão da sua existência. As situações em concreto do uso da palavra remetem para a sua riqueza semântica e negam qualquer sinonímia simplificada. Tal implica considerar, para além do nome abstrato “bilhardice”, o verbo “bilhardar” e o adjetivo “bilhardeiro” (incluindo a sua forma correspondente ao grau aumentativo, “bilhardão”), classes morfológicas importantes para um quadro semântico variado destes termos. Vejamos casos concretos de aplicação: “Olhe, venho aqui fazer-lhe uma bilhardice”. Nesta enunciação, está pressuposta a cumplicidade entre os dois sujeitos falantes, a confiança e a proximidade, quer humanas, quer geográficas, tipo porta com porta, no aspeto espacial. Que significará, então, aqui “bilhardice”? Confidência, segredo, maledicência ou não, dependendo do conteúdo. Imaginemos vários exemplos: “– Olhe, venho aqui fazer-lhe uma bilhardice. Sabe que Maria tem um amante?! – Não me diga! E ela que se tinha por melhor que as outras!”: aqui, o caso é nitidamente de conversa de maldizer. “– Olhe, venho aqui fazer-lhe uma bilhardice. Sabia que Maria tem um tumor? – Ah, coitada da rapariga, tão nova, com filhos pra criar!”: aqui, o caso é de solidariedade, uma confidência, em que a “bilhardice” implica uma obrigação solidária, em que todos sabem de uma triste realidade que merece discrição, pelo menos perante a Maria, e todos têm o dever de passar a ser compassivos com ela. Como se vê, a imagem mental do signo “bilhardice” varia de acordo com as circunstâncias e a sua prática só pode ser entendida em meios geográficos pequenos, em que todos se conhecem. O mais importante, contudo, é que não é possível criar uma rede de sinónimos do mesmo campo semântico, visto que o vocábulo se estende em várias linhas significativas. Perguntar-se-á se nos casos exemplificados o termo “bilhardice” poderia ser substituído por outras palavras no campo da sinonímia. A resposta é que não, uma vez que, entre os sujeitos falantes, se dá ao termo “bilhardice” um significado de acordo com as circunstâncias, o que é relevante, porque os significados chegam a cair no campo da antonímia. Retenham-se, além dos exemplos já dados, mais dois: “Maria é uma pessoa a quem se pode fazer uma bilhardice!”: aqui, o sinónimo é confidência, claramente antónimo de coscuvilhice, a ideia de que Maria é discreta. “Helena andou a fazer bilhardices sobre Maria”: aqui, o termo “bilhardice” é sinónimo de coscuvilhice, veiculando a ideia de que Helena é indiscreta. Ou ainda outros casos, desta vez ilustrativos dos vários sentidos do nome “bilhardice”: “Não me venhas com bilhardices, que eu já te conheço, gostas é de espalhar confusão!”: aqui, significa intriga e origem de conflito. “Aquelas três estão há mais de duas horas numa bilhardice pegada!”: aqui, o termo adquire o sentido de cavaqueira, conversa, sem qualquer tipo de insinuação ou acusação. Para completar este excurso argumentativo e afastar de vez a hipótese de sinonímia absoluta de “bilhardice” com outros vocábulos da nossa língua, aduzo, em defesa da diferenciação deste vocábulo em relação a termos que se apresentam como sinónimos, outros exemplos: com um adjetivo da mesma família: “António é um bilhardeiro, contei-lhe um segredo e logo espalhou por todo o lado!”: António, aqui, é um indivíduo que não merece confiança. “Maria é um bilhardão! Ouve aqui e conta acolá e, ainda por cima, distorce tudo!”: Maria, além de coscuvilheira, é enredadeira e, subentende-se, mentirosa. Outro exemplo, em que o significado muda radicalmente, com recurso ao verbo “bilhardar”: “Estás a bilhardar, eu não disse nada disso!”: neste caso, a mentira é a base da significação. Como se pode inferir destes exemplos de vocábulos cognatos de “bilhardice”, cada palavra é o centro de uma gramática de interpretação da vivência humana em cada lugar e em cada circunstância, e há que concluir que os madeirenses procuraram novas palavras por necessidade de traduzir aquilo que mais nenhuma comunidade viveu. Por isso, a palavra “bilhardice” pode ser sinónimo de outras palavras, mas essoutras palavras não traduzem exatamente aquilo que os madeirenses viveram. Vejamos, a propósito deste assunto, a teoria de Gottlob Frege, esclarecendo, porém, a priori, a nomenclatura deste autor com a equivalente terminologia saussuriana: o sinal ou nome próprio é equivalente a signo; a referência ou realidade designada é o referente saussuriano; o significado é o mesmo que em Saussure (significado). Como é que a relação no interior do sinal ou nome próprio, em Frege, estabelece a ligação entre a referência (que é realidade designada) e o significado, ou seja, qual é a diferença entre o significado em Saussure e em Gottlob Frege, se ambos usam o mesmo termo? É que em Saussure tudo se passa no interior do signo, que é um universal abstrato, mas em Frege o significado é o modo como o referente, físico ou abstrato, se realiza na mente do sujeito falante: aquilo que cada um pensa ou sente ao ouvir um signo, seja ele qual for, é determinado pela sua experiência subjetiva, como adiante veremos. No caso em estudo, a mesma realidade pode ser designada por um sujeito falante não madeirense por outro termo que não “bilhardice”; já para um sujeito falante madeirense, a imagem da realidade contextual que ele pretende transmitir a outro sujeito madeirense só tem uma representação mental adequada se for designada pela palavra “bilhardice”. Para corroborar esta ideia, recorro-me do exemplo clássico de Frege, que vai mais longe, ao defender que a mesma referência pode, inclusive, ter significados diferentes em função do contexto em que é dita. O planeta Vénus não deixa de ser o mesmo em qualquer altura do dia, mas o ato elocutório ganha semânticas diferentes consoante a hora em que é designado, “estrela da manhã” ou “estrela da tarde”. Ou seja, a representação subjetiva do signo linguístico “estrela” muda de acordo com o contexto e a sua vivência. Por sua vez, enquanto o signo saussuriano é uma imagem universal e objetiva, apreendida coletivamente, ao sinal (o signo de Saussure, recorde-se) Frege associa outra componente: a representação que o sujeito falante associa a esse sinal, e que é inteiramente subjetiva. Entre o signo de Saussure e o sinal de Frege não há diferença quanto à universalidade e à representação de uma imagem apreendida coletivamente. A questão está em que, para Frege, a representação mental associada ao sinal é inteiramente subjetiva. Não é fácil encontrar na língua portuguesa um termo que traduza, com a mesma eficácia e fidelidade, a realidade sociológica madeirense veiculada pelo termo “bilhardice”, até porque ela mesma, como vimos nos exemplos expostos ao longo deste excurso, tem uma pluralidade semântica que difere de acordo com o sintagma em que se insere. Convém ler, para estabelecer um paralelo de situação, o seguinte texto sobre a palavra “saudade”: “Saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que só existe na língua portuguesa. Os outros idiomas têm dificuldade em traduzi-la ou atribuir-lhe um significado preciso: ‘Te extraño’ (castelhano), ‘J’ai [du] regret [de] (francês) e ‘Ich vermisse dish’ (alemão). No inglês têm-se várias tentativas: ‘homesickness’ (equivalente a saudade de casa ou do país), ‘longing’ e ‘to miss’ (sentir falta de uma pessoa), e nostalgia (nostalgia do passado, da infância). Mas todas essas expressões estrangeiras não definem o sentimento luso-brasileiro de saudade. São apenas tentativas de determinar esse sentimento que sentem os povos de cultura portuguesa. Assim, essa palavra ‘saudade’ não é apenas um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas antes, e principalmente, uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa” (LESSA, “O Mito da Palavra Saudade”). Donde se deduz que “bilhardice” está para o falar madeirense como “saudade” está para a língua portuguesa, no sentido em que nenhuma delas, no seu âmbito, encontra um sinónimo que a possa traduzir absolutamente. Explanada na sua polivalência semântica e, ao mesmo tempo, na sua singularidade, e mesmo reconhecendo que o termo “bilhardice” se integra na categoria de regionalismo, podia acontecer que adquirisse um estatuto idêntico ao de outros termos que também não são considerados como parte da norma padrão, nomeadamente os brasileirismos, como é o caso de “fofoca”, mas nem por isso deixam de ser usados correntemente como se o fossem. Para que a riqueza cultural, psicológica, linguística, sociológica e humana de “bilhardice” se tornasse comum ao mundo da lusofonia, como aconteceu, nos começos do séc. XXI, com alguns brasileirismos, veiculados, nomeadamente, pelas telenovelas produzidas no Brasil, seria necessário que houvesse a mesma intensidade de produção mediático-cultural do lado lusitano, sobretudo no rincão madeirense, que existe do lado brasileiro. Se uma mesma palavra tem um sentido geral e abstrato e, todavia, tem em cada sujeito falante uma representação mental que é subjetiva, o que acontece quando estamos perante um signo diferente, como “bilhardice”, oriundo de uma determinada região, no contexto mais geral da língua portuguesa? Já vimos isso com o signo “árvore” ou outro signo qualquer: o que pensa cada um quando o profere ou quando o ouve está dependente da experiência subjetiva. O signo “bilhardice” obteve, desde há muito, um significado que é geral e abstrato no contexto cultural madeirense, que deriva da vivência de uma comunidade e que se concretiza em cada ato de fala particular, como resultado da memória, da experiência e da vivência do falante, as quais conferem a essa palavra uma representação mental segundo a tese de Frege. É esta referência ao mundo real, à própria vida dos sujeitos falantes, que justifica a diferença que, de facto, existe, entre o termo “bilhardice” e os vocábulos que se apresentam como seus sinónimos na nossa língua. A bilhardice é, portanto, um conceito em cuja amplitude semântica não encontra paralelo em qualquer outro termo da língua portuguesa.   Miguel Luís da Fonseca (atualizado a 12.10.2016)

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arguim

A ilha de Arguim foi a primeira feitoria portuguesa fortificada, a partir da qual os Portugueses trocavam tecidos, cavalos e trigo, produtos essenciais para as populações locais, por goma-arábica, ouro e escravos, que levavam para a Europa. A ilha ficaria dependente da Diocese do Funchal, que para ali nomeava capelão e ouvidor, sendo depois sucessivamente ocupada por Holandeses, Ingleses, prussianos e Franceses, até ser por fim abandonada, dada a crescente aridez e as dificuldades de acesso de navios de grande calado, resultantes dos perigosos bancos de areia e dos extensos recifes que a rodeiam. Nos começos do séc. XXI, a ilha encontra-se quase deserta, sem quaisquer vestígios das antigas fortificações, com uma pequena povoação de pescadores-recoletores, sendo objeto de diversas lendas e narrativas. Palavras-chave: comércio; Descobrimentos; escravatura; feitorias fortificadas; tradição oral. Arguim é uma ilha na baía do mesmo nome, situada na extremidade norte da República Islâmica da Mauritânia, na costa ocidental de África. Com apenas 12 km² de área, a ilha é alongada, medindo cerca de 6 km de comprimento por 2 km de largura. Está situada a 12 km da costa, dela separada por canais arenosos repletos de recifes e de bancos de areia que se movem com as correntes. A ilha faz parte do Parque Nacional do Banco de Arguim, uma vasta zona protegida, classificada pela UNESCO como património mundial graças à sua importância como local de invernada de aves aquáticas. Vista aérea do Banco de Arguim. Arquivo Rui Carita. A ilha de Arguim foi a primeira feitoria portuguesa da costa ocidental de África (África Marrocos). Na sequência da passagem do cabo Bojador, em 1434, as embarcações portuguesas ao serviço do infante D. Henrique (1394-1460) prosseguiram para o Sul, passando ao largo da costa saariana e atingindo a costa da Mauritânia. Estas navegações, que de início se revelaram lucrativas, em virtude de atos de corso e de razias, chegaram ao golfo de Arguim na déc. de 1440; e.g., a caravela de Nuno Tristão (c. 1410-1446) tê-lo-á alcançado em 1441, embora outros navegadores ali tenham passado por esses anos, como Gonçalo de Sintra (c. 1400-1444) e Diniz Dias (há divergências entre os vários cronistas quanto à sua ordem de chegada). Em 1443, voltava àquela área Nuno Tristão, então já acompanhado de um mouro, dado como Sanhaja Berber, que servia de intérprete; aí, adquiriu 28 escravos, que levou para Lagos, no Algarve. É desse ano o pedido oficial de carta de corso do infante D. Henrique ao seu irmão D. Duarte (1391-1438), passando aquele a usufruir de 1/5 das capturas efetuadas – que, em princípio, pertenciam ao Rei –, pedido também posteriormente feito pelo infante D. Pedro (1392-1449). Banco de Arguim. Em 1444, a expedição de Lançarote de Lagos a Arguim, na qual participaram forças da Madeira e, provavelmente, o sobrinho de João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471), Álvaro Fernandes, conseguiria recolher 240 escravos. As relações da Madeira com estas navegações vão manter-se nos anos seguintes, tendo Álvaro Fernandes e Lançarote de Lagos, em 1446, a explorado a embocadura do rio Senegal e a área de Cabo Verde. Este navegador, que já comandara uma caravela de Zarco em 1444, dirigiu a expedição que em 1447 ultrapassou Cabo Verde e que se supõe ter atingido a ilha de Goreia. As relações da ilha da Madeira com este tipo de comércio e com esta área – Arguim, depois Cabo Verde, Guiné, Angola, etc. – vão manter-se nos anos seguintes. Na Furna de Arguim, como era por vezes chamada esta baía de recifes, ficava a ilha dos Coiros, principal centro de comércio de peles de toda a costa e, para o Sul, localizavam-se as ilhas das Garças, de Naar e de Tider. Serviram as mesmas, com mar bonançoso, para abrigo e repouso das naus. Por ali passaram madeirenses, como os da caravela enviada por Zarco até ao cabo dos Matos, com seu sobrinho Álvaro Fernandes, depois o genro do capitão do Funchal, Garcia Homem de Sousa, e Diogo Afonso, Denis Eanes da Grã, João do Porto e outros. Deve datar de cerca de 1445 a substituição da pirataria, com uma função simultaneamente económica e bélica, pelo comércio pacífico – ou, pelo menos, mais pacífico, dado não ser nessa altura possível fazê-lo sem armas na mão. Em 1444, já se procurava estabelecer o tráfico com os nómadas cameleiros do rio do Ouro, tendo cabido a João Fernandes, um colaborador próximo do infante D. Henrique, beneficiando das informações de Ahude Meimão sobre a localização das principais povoações e o interesse comercial da região, concretizar esses planos. Em 1445, aquele navegador foi responsável pela realização das primeiras operações comerciais com as populações muçulmanas daquela região, promovendo a aquisição de ouro, de goma-arábica e de escravos, em troca de tecidos e de trigo. Em 1447, iniciaram-se as relações com o Suz, em Marrocos – grande mercado de escravos, de ouro e de açúcar –, tentando o infante D. Pedro, ainda nesse ano, estabelecer a paz e manter relações comerciais com o Bori-Mali e com os jalofos, na área da Guiné. Poucos anos depois, por volta de 1454-1455, o italiano Luís de Cadamosto (1432-1488) (Cadamosto, Luís de) explica, nas suas memórias, a propósito do contrato da feitoria de Arguim, que, quando esteve ao serviço do infante D. Henrique, as caravelas costumavam ir armadas de Portugal ao golfo de Arguim, umas vezes quatro, outras mais, “e de noite desembarcavam” e saíam sobre as aldeias costeiras de pescadores, “e faziam correria pela terra”, de modo que prendiam esses “árabes, tanto machos como fêmeas e os traziam a vender em Portugal” (GODINHO, 1956, III, 125-126). Pontão. Antigo embarcadouro. A ilha de Arguim veio a configurar-se como um local privilegiado para o estabelecimento de um posto comercial fixo, dado situar-se numa região esparsamente povoada, mas próxima dos circuitos comerciais percorridos pelas caravanas mercantis que atravessavam o Saara, as quais frequentemente se aproximavam da costa, devido à abundância de sal na região. Sendo um território dotado de um bom porto e de água potável, era facilmente defensável pela vantagem que a sua situação insular oferecia face à previsível hostilidade das populações autóctones, sendo por isso escolhido para centralizar o comércio da costa africana. Entre 1454 e 1455, já se tinha efetuado um contrato por 10 anos, explicando Cadamosto que ninguém podia entrar no golfo para traficar com os locais, “salvo aqueles que entrassem no contrato” celebrado com a Coroa para esse comércio, no qual se incluía a “feitoria na dita ilha, e feitores, que compram e vendem àqueles árabes, que vêm à marinha, dando-lhes diversas mercadorias, como são panos tecidos, prata e alquicéis, que são uma espécie de túnicas, tapetes e sobretudo trigo, do qual estão sempre famintos, e recebem em troca negros, que os ditos alarves trazem da Negraria, e ouro Tiber” (Id., Ibid.). Acrescenta o navegador italiano que o infante fazia então levantar “uma fortaleza na dita ilha, para conservar este comércio para sempre; e por esta razão todos os anos vão e vêm caravelas de Portugal à ilha de Arguim” (Id., Ibid.). O castelo só seria terminado após o falecimento do infante, em 1461, sendo a capitania entregue a Soeiro Mendes de Évora, o vedor da construção, que viria a ter carta de 26 de julho de 1464, de D. Afonso V (1432-1481), a conferir-lhe, a si e aos seus descendentes, a capitania-mor da ilha. Saliente-se, no entanto, que o estatuto comercial de Arguim conheceu variantes. Assim, por volta de 1455, aquando da visita de Cadamosto, a feitoria era administrada por uma sociedade privada, que tinha obtido do infante D. Henrique esse monopólio por um período de 10 anos, provavelmente entre 1450 e 1460. Mais tarde, segundo o cronista João de Barros (1469-1570), Fernão Gomes da Mina (c. 1425-c. 1485), após ter assumido o mercado de exploração do comércio da Guiné, que dominou entre 1468 e 1474, conseguiu também obter o de Arguim, ao preço de uma renda anual de 100$000 réis. A área em torno de Arguim era habitada por berberes e negros islamizados, chamados “mouros” pelos Portugueses, sendo uma importante zona de pesca. Da parte portuguesa, esperava-se intercetar o tráfego do ouro que as caravanas transportavam de Tombuctu para o Norte de África; contudo, foi o comércio de escravos que mais prosperou, recebendo Portugal de Arguim, aproximadamente a partir de 1455, cerca de 800 escravos por ano, na sua maioria jovens negros, feitos prisioneiros durante razias conduzidas no interior do continente pelos líderes tribais da região costeira vizinha. No decurso do mandato de Fernão Soares como capitão e feitor, entre maio de 1499 e dezembro de 1501, obtiveram-se 668 escravos e 12.558 dobras e meia de ouro – moeda que, em 1472, valia 327 reais brancos, na razão 1$896 reais brancos por marco (cerca de 235 g de prata) –, sendo parte deste convertida em escravos, totalizando 840 indivíduos. O feitor seguinte, Gonçalo Fonseca, conseguiria somente 406 escravos em dois anos e meio, mas o que se lhe seguiu, Francisco de Almada, entre 1508 e 1511, ultrapassaria a cifra de 1500 escravos. Em segundo plano estava o importante comércio da goma-arábica, produto que a região produzia em quantidade significativa e com qualidade superior, que se adquiria em Arguim a preços muito atrativos. O território conquistado em Arguim passou então a assumir-se como um centro de comércio, estabelecendo ligações comerciais com os portos de Meça, Mogador e Safim (Safim), em Marrocos. Destes lugares provinham os tecidos, o trigo e outros produtos que, na feitoria de Arguim, eram trocados por ouro e escravos; as mercadorias eram transportadas pela rota que ia de Tombuctu até Hoden. A criação desta feitoria representou um ponto de viragem na expansão portuguesa, assinalando o início da política de construção de feitorias fortificadas, dotadas de uma guarnição militar capaz de as defender contra os ataques dos povos autóctones. Em 1487, foi fundada uma feitoria no interior do continente africano, na localidade de Ouadane (ou Wadan), e, na mesma área, foram feitas outras tentativas de fixação de feitorias, e.g., na região de Cofia e junto à foz do rio Senegal, todas goradas face à hostilidade das populações locais e à dureza do clima. Nos anos de 1505 a 1508, a guarnição do castelo de Arguim era composta de 41 indivíduos, 18 dos quais eram soldados e 5 marinheiros. O comércio da feitoria estava sob o controlo da Coroa, sendo os capitães nomeados pelo Rei, habitualmente para comissões de três anos. Tinham direito a arrecadar 25 % dos lucros do comércio realizado na feitoria, sendo assistidos por um feitor, que arrecadava 12,5 % daqueles, e por um escrivão assalariado, que recebia 20.000 réis na fase inicial dos trabalhos. Em finais de 1555, ou em princípios de 1556, a feitoria de Arguim foi atacada pelo pirata português Brás Lourenço e, em 1569, a guarnição tinha-se reduzido a 30 pessoas. A manutenção da guarnição de Arguim não era fácil, tendo de recorrer-se às vizinhas ilhas Canárias ou à Madeira, como aconteceu em 1513, quando era capitão de Arguim Fernão Pinto (que deve ter sucedido a Francisco de Almada, capitão entre 1508 e 1511, embora o seu nome não conste das listagens geralmente divulgadas, que referem apenas o Cap. Pero Vaz de Almada, em 1514-1515). O mestre do navio enviado às Canárias pelo capitão de Arguim acabou por aportar a Machico, tendo requerido ao almoxarife Antão Álvares a compra de diversos mantimentos – 30 moios de trigo, 20 quintais de biscoito e uma parte de remel (possivelmente o açúcar local) –, deixando como pagamento a João de Freitas (c. 1470-1533), executor das dívidas à Fazenda, seis escravos, marco e meio de ouro, e meia onça de ouro em pó e em pedaços, e tendo sido lavrada quitação com data de 3 de maio de 1513. Três dias depois, o mestre do navio São Miguel Fadigas entregava mais 78 dobras de ouro, em pó e em pedaços, para pagamento de novos mantimentos. Não se conhece qualquer descrição do castelo henriquino de Arguim, nem da sua reformulação na época de D. Afonso V, embora a carta de alcaidaria-mor refira ter havido então obras, nem também das remodelações da déc. de 80 do séc. XV, se bem que se saiba que, ao passar, em 1481, a monopólio régio, sob D. João II (1455-1495), o castelo foi aumentado. Arguim foi perdendo a sua importância ao longo dos anos seguintes, à medida que os interesses comerciais portugueses se transferiam para regiões localizadas a sul (e, depois, para a Índia). Desconhece-se a data em que Arguim passou a estar na dependência da Diocese do Funchal, mas julga-se ter isso ocorrido com o abandono de Safim, em 1541, de cuja Diocese deveria depender, embora não houvesse uma clara definição dos seus limites. A referência a Arguim como pertencente à Diocese do Funchal parece datar da bula do Papa Júlio III, de 1550, que separou da antiga Arquidiocese (Diocese e arquidiocese do Funchal) os territórios das novas dioceses dos Açores, de Cabo Verde, etc., que passaram à jurisdição eclesiástica de Lisboa. A referência à integração da ilha de Arguim na jurisdição do Funchal dá-se com o bispo D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), que recebeu a doação de Arguim, do seu castelo e do produto das pescas na costa de Atouguia e que, em 1601, nas Extravagantes que adicionou às anteriores Constituições Sinodais, refere que “dispondo os casos da sua jurisdição nela colocava Ouvidor Eclesiástico” (LEMOS, 1601, título 16, const. 2). Aliás, antes de ser meio-cónego da Sé, o cronista Jerónimo Dias Leite (c. 1537-c. 1593) foi vigário de Arguim, em 1567, na ausência do P.e António Fernandes, sinal de que a freguesia já existia e dependia do Funchal (embora pouco tempo ali estivesse, passando rapidamente a Lisboa e aí conseguindo a indigitação para uma futura eleição como meio-cónego da Sé do Funchal).   Voyages en Afrique- Asie-Indes orientales et occidentales-Jean Mocquet-1617 Arguim seria visitada por Jean Mocquet (1575-1617) (Mocquet, Jean), aventureiro francês, em 1601, na sua primeira viagem de recolha de objetos exóticos e curiosos, que lhe permitiu ocupar o boticário régio de Henrique IV (1553-1610) e organizar um gabinete de curiosidades (Colecionismo) nas Tulherias para o seu sucessor, Luís XIII (1601-1643). Jean Mocquet conta nas suas memórias que, na sua primeira viagem, em que visitou o Funchal, seguiu “o desejo que tinha há muito tempo de viajar pelo mundo: quis começar pela África”. Partira de Saint Malo a 9 de outubro de 1601, em La Syréne, que se destinava à Líbia (nome pelo qual se designava a costa marroquina à época e, assim parece, também as ilhas atlânticas e da Mauritânia), e que era um “navio carregado de sal e bem equipado de víveres e munições para a guerra” (MOCQUET, 1830, 27). A embarcação passou por diversas peripécias, chegando a ter de combater com vários corsários; passado o cabo de São Vicente, dirigiu-se ao Norte de África, e depois de dobrar o cabo Branco visitou a velha feitoria de Arguim. Conforme se usava à época (como referido), Jean Mocquet refere-se à região como “Líbia”, contando que “de toda a Líbia vão buscar água ao porto de Arguim”, que se situa sobre uma pequena ponta relevada, a seis léguas de cabo Branco. A fortaleza tinha então alguns soldados portugueses e um capitão. Mocquet menciona que os Portugueses eram amigos dos chefes da região, que não eram todos negros, havendo chefes brancos, mas que eram todos muçulmanos. Faziam comércio de plumas de avestruz e de peixe, “que aqui usam como moeda de troca” (Id., Ibid., 34). Mocquet já não refere o rendoso comércio de escravos e de ouro.     Arguim estava a entrar em franca decadência; embora periodicamente visitada pelos pescadores da Madeira e sob a jurisdição do bispo do Funchal, a sua situação militar era muito precária e a guarnição insustentável. A fortaleza de Arguim teve, em 1612, um projeto de reconstrução, a cargo do arquiteto-mor Leonardo Turriano (1559-1628), e elaborado com base nos dados que este recolhera quando estivera em idêntica função nas Canárias, entre 1588 e 1590, sendo muito provável que se tenha deslocado a Arguim. O projeto, no entanto, não passou do papel: não há registo de qualquer despesa ou movimentação de pessoal nesses anos.     A pequena fortaleza de Arguim acabaria por ser conquistada, em 1638, por forças holandesas e, alguns anos mais tarde, por forças inglesas, sendo posteriormente recuperada pelos Holandeses, até que, em setembro de 1678, foi arrasada por forças francesas, embora depois tenha sido pontualmente reconstruída pelos Franceses. Devem datar de meados do séc. XVII (de cerca de 1665) os dois desenhos flamengos de Johannes Vingboons (1616/1617-1670) que sobreviveram e que parecem representar já a remodelação de Arguim pelos Holandeses. Em 1685, estava quase abandonada, sendo então ocupada por tropas brandeburguesas, transformando-se Arguim na primeira colónia do principado de Brandeburgo. Em 1701, com a incorporação do principado no reino da Prússia, Arguim transitou para o controlo prussiano. Em 1721, perante o desinteresse da Prússia pelas suas colónias africanas, o território voltou à posse da França, momento a partir do qual se fazem muitas representações cartográficas e, inclusivamente, um levantamento planimétrico de Arguim, com Perrier de Salvert, a 8 de março de 1721.   Mapa de Arguim de Gerard van Keulen-1720   A praça seria novamente perdida para os Holandeses no ano subsequente, voltando todavia à posse dos Franceses em 1724, que ali permaneceram até 1728, ano em que abandonaram a ilha ao controlo dos líderes tribais mauritanos. Fez-se explodir a fortificação por ocasião da retirada, pouco devendo ter restado dela. A ilha regressou ao controlo francês nos princípios do séc. XX, quando foi incorporada no então protetorado da Mauritânia; em 1960, com a independência da Mauritânia, Arguim passou a fazer parte do território do novo Estado.       Teatro. A Ilha de Arguim, de Francisco Pestana Durante a sua conturbada história, a ilha foi sempre um dos centros do comércio de goma-arábica e, durante muitos anos, um importante local de caça de tartarugas marinhas e de outras atividades mais ou menos artesanais, em que estavam inclusivamente envolvidos pescadores madeirenses – isso justifica a existência de várias pequenas embarcações, quer no Funchal, quer em Câmara de Lobos, com o nome de Arguim. Embora alguns dos seus proprietários não saibam onde fica, e se tenham limitado a repetir os nomes que já os pais e avós tinham utilizado para as embarcações, subsistem lendas e narrativas populares sobre a ilha – que aparecia e desaparecia, que era o local para onde teria ido viver D. Sebastião, etc. –, que foram inclusivamente objeto de peças de teatro. Na época moderna, a dificuldade de navegação dos navios de algum calado nesta área, em razão dos bancos de areia e dos afloramentos rochosos, é patente no desastre ocorrido em julho de 1816 com a fragata francesa La Méduse, que transportava pessoal para a colónia do Senegal e que encalhou na região, sendo abandonada com grande perda de vidas. O acontecimento ficou imortalizado na obra Le Radeau de la Méduse (A Jangada da Medusa), do pintor francês Théodore Géricault (1781-1824), de 1818-1819. Arguim encontra-se ainda na base da fundação do Convento franciscano da cidade da Baía, no Brasil, como resultado da influência da lenda de S.to António de Arguim: nos inícios do séc. XVII, terá aparecido na costa brasileira, roubada por corsários franceses, uma imagem de S.to António, proveniente da antiga praça africana, pelo que o santo foi eleito padroeiro da cidade (padroado que perderia por proposta dos padres jesuítas, em 1686, passando para S. Francisco Xavier). Em suma: foi em Arguim que se localizou a primeira feitoria portuguesa fortificada, a partir da qual os Portugueses trocavam tecidos, cavalos e trigo, produtos essenciais para as populações locais, por goma-arábica, ouro e escravos, que levavam para a Europa. A ilha foi sucessivamente ocupada por Portugueses, Holandeses, Ingleses, Prussianos e Franceses, até ser abandonada, dada a crescente aridez e as dificuldades de acesso de navios de grande calado, resultantes dos perigosos bancos de areia e dos extensos recifes que a rodeiam. Nos começos do séc. XXI, a ilha encontra-se quase deserta, sem quaisquer vestígios da antiga fortificação, tendo uma pequena povoação, na sua costa oriental, habitada por cerca de uma centena de pescadores-recoletores da etnia imraguen, sendo, para os madeirenses, provavelmente até aos inícios ou meados do séc. XX, um destino de pesca, e permanecendo no seu imaginário como uma antiga lenda. Pesacadores. Arguim. 2006   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017) Imagens: Arquivo Rui Carita

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área(s) marinha(s) protegida(s)

As áreas marinhas protegidas (AMP) correspondem, numa aproximação jurídica de carácter genérico, à aplicação de um regime jurídico específico e reforçado de proteção ambiental a um espaço marítimo delimitado. Quando o âmbito de aplicação espacial é o oceano circundante ao território terrestre da RAM (nos termos do art. 3.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira – EPARAM: o “arquipélago da Madeira é composto pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas, Selvagens e seus ilhéus”), uma adequada compreensão do seu regime jurídico implica que se tenha simultaneamente em consideração uma multiplicidade de fontes de direito, dado que o enquadramento jurídico-internacional aplicável aos oceanos condiciona a regulamentação proveniente de fontes internas. Assim sendo, no que respeita às AMP existentes na RAM, a sua regulamentação é o resultado da conjugação das fontes aplicáveis de direito regional, de direito interno português, de direito da União Europeia e de direito internacional, com destaque para o direito internacional aplicável aos espaços marítimos. Com efeito, as AMP, ao determinarem quais são os usos permitidos e proibidos num espaço marítimo delimitado e ao pretenderem simultaneamente conformar os comportamentos de todos os potenciais utilizadores do mar, sejam estes nacionais ou estrangeiros, devem respeitar o direito internacional relevante, na medida em que este é o fundamento último de legitimação da atuação do Estado costeiro e das suas divisões ao nível da organização política e administrativa. A qualificação de uma determinada zona de oceano como AMP é recente na prática dos Estados, coincidindo com a progressiva relevância dada às questões ambientais a partir da déc. de 70 do século passado. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), comummente designada como a Constituição dos Oceanos, não fornece um conceito jurídico-internacional para este instituto jurídico, nem contém identicamente um regime jurídico-internacional dedicado especificamente às AMP, não obstante a sua parte XII ser dedicada à “[p]roteção e preservação do meio marinho” e o art. 192.º proclamar expressamente que os “Estados têm obrigação de proteger e preservar o meio marinho”. O n.º 5 do art. 194.º, com a epígrafe “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, estabelece que os Estados devem tomar as medidas “necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros e frágeis, bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo”, o que tem sido utilizado como o fundamento jurídico para a evolução que se deu neste domínio no final do séc. XX e no princípio do séc. XXI. Importa salientar que, ao nível do direito internacional geral, as AMP não constituem um espaço marítimo específico, em paralelo aos restantes espaços marítimos reconhecidos pelo direito internacional do mar (tal como o mar territorial, a zona contígua, as águas arquipelágicas, a zona económica exclusiva, a plataforma continental, o alto mar e a Área [veja-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 1.º d, n.º 1, 1)]), mas antes a sujeição de áreas do mar com uma qualificação jurídica-internacional específica a um regime jurídico particular distinto daquele que é normalmente aplicável ao espaço marítimo em questão, nomeadamente ao nível do reforço da proteção ambiental. Nestes termos, a criação de uma AMP pela RAM num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição do Estado português, como na zona económica exclusiva, deve ter simultaneamente em consideração os direitos e os deveres do Estado costeiro e os direitos e os deveres que são reconhecidos aos terceiros Estados, nomeadamente pela parte V da CNUDM e pelo direito internacional costumeiro. Embora o direito internacional geral não forneça um conceito de AMP, podem ser encontradas definições em outros documentos de direito internacional, nomeadamente naqueles que têm vindo a ser produzidos no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), no âmbito da Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, também denominada Convenção OSPAR (1992), e nos trabalhos que foram sendo desenvolvidos sobre a matéria no seio da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Sendo os “parques naturais” uma matéria de interesse específico da RAM, nos termos da alínea jj) do art. 40.º do EPARAM, a regulamentação aplicável às AMP é, na sua base, de natureza regional. Em 2016, existiam cinco AMP na RAM, sendo duas de carácter exclusivamente marinho e três com áreas mistas, marinhas e terrestres. As AMP cujo âmbito de proteção é exclusivamente marinho são a Reserva Natural Parcial do Garajau e a Reserva Natural do Sitio da Rocha do Navio. As AMP cujo âmbito de proteção é simultaneamente marinho e terrestre são a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, a Reserva Natural das Ilhas Desertas e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo. A Reserva Natural Parcial do Garajau, que foi a primeira área exclusivamente marinha a ser criada em Portugal, é regulada pelo dec. leg. regional n.º 23/86/M, de 4 de outubro, com modificações introduzidas pelo dec. leg. regional n.º 38/2006/M, de 4 de agosto. Em conformidade com o n.º 1 do seu art. 2.º, a “área da Reserva Natural Parcial do Garajau tem como limites: a) A oeste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta do Lazareto até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; b) A leste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta de Oliveira até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; c) A norte, a linha definida pela máxima preia-mar de marés vivas; e d) A sul, o plano definido pela vertical da linha batimétrica dos 50 m e, em caso de dúvida, uma linha a uma distância nunca inferior a 600 m do limite norte”. O corpo do n.º 4 do art. 1.º do Regulamento do Plano Especial do Ordenamento e Gestão da Reserva Natural Parcial do Garajau, aprovado pela resolução n.º 882/2010, de 5 de agosto, esclarece que a “área de intervenção (…) é o leito do mar, com uma dimensão total de 376 hectares, e uma linha de costa de aproximadamente sete quilómetros”. O n.º 1 do art. 3.º antes citado estipula que na área do Reserva Natural Parcial do Garajau é proibido: “a) Exercer quaisquer atividades de pesca, comercial ou desportiva, incluindo a caça submarina; b) Colher exemplares animais e vegetais, exceto para fins científicos, quando devidamente justificados e autorizados; c) Extrair areias e outros materiais de origem geológica; d) Vazar quaisquer tipos de sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; e) Instalar condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e f) Navegar dentro dos limites da reserva, com exceção da abicagem de pequenas embarcações às praias, aplicando-se, neste caso, a legislação em vigor”. Concretizando a alínea a) do n.º 3 do art. 3.º, o dec. reg. regional n.º 1/97/M, de 14 de janeiro, regula o exercício do mergulho amador na área da Reserva Natural Parcial do Garajau, entendido como a atividade prosseguida por “um amador, quando se desloca, submerso ou à superfície, equipado com um aparelho respiratório de mergulho”. A Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio foi criada pelo dec. leg. regional n.º 11/97/M, de 30 de julho, e abrange uma área de 1822 ha, sendo 1820 ha de área marítima e 2 ha correspondentes ao Ilhéu da Viúva (de acordo com a informação disponibilizada pelo Programa de Medidas de Gestão e Conservação do Sítio da Rede Natura 2000 do Ilhéu da Viúva). Em conformidade com o seu art. 2.º, a Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio está “definida e delimitada […] no sítio da Rocha do Navio, entre a ponta do Clérigo a leste e a ponta de São Jorge a oeste e entre a linha definida pela preia-mar máxima e a batimétrica dos 100 m, incluindo os seus ilhéus e respetivas áreas marítimas” (sendo a batimétrica uma linha que une pontos da mesma profundidade no mar). O art. 4.º estabelece que na área da Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio é expressamente proibido: “a) O uso de redes de emalhar ou outras, exceto as empregues na captura de isco vivo e o peneiro, empregue na captura da castanheta; b) A colheita, captura, detenção e ou abate de quaisquer espécies de aves ou plantas; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; e f) A caça submarina”. Através da resolução n.º 751/2009, de 2 de julho, o Conselho do Governo regional determinou a classificação do Ilhéu da Viúva como Zona Especial de Conservação (ZEC), ao abrigo da legislação da União Europeia sobre a conservação das aves selvagens e a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. A Reserva Natural das Ilhas Selvagens foi inicialmente estabelecida pelo dec. n.º 458/71, de 29 de outubro, como reserva, ao abrigo da lei n.º 9/70, de 19 de junho, e representou o primeiro exemplo de AMP em Portugal. Nos termos do seu art. 1.º, passou a “constituir uma reserva toda a área das Ilhas Selvagens e também a orla marítima que as rodeia até à batimétrica dos 200 m”. Posteriormente, foi classificada como reserva natural pelo dec. regional n.º 14/78/M, de 10 de março. Ao abrigo do n.º 2 do seu art. 1.º, a “reserva natural é definida pelo território das ilhas e pelos fundos marinhos até à batimétrica dos 1000 m.” O limite exterior da reserva natural foi reduzido à linha dos 200 m de profundidade, pelo dec. regional n.º 11/81/M, de 15 de maio, tendo uma área total de 9455 ha, em conformidade com a resolução n.º 1408/2000, de 19 de setembro. Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º estabelecia que na área da Reserva Natural das Ilhas Selvagens eram proibidos: “g) A colheita de material geológico ou arqueológico ou a sua exploração sem autorização do Governo Regional; h) A caça submarina; i) A pesca de arrasto e outras artes que colidam com o fundo até à batimétrica fixada pela reserva, ressalvando-se as artes de anzol e rede”. Em conformidade com o art. n.º 11, com a epígrafe “atividades condicionadas” do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. Pelo edital n.º 15/2011, de 29 de novembro, da Capitania do Porto do Funchal, está “interdita toda a atividade de pesca na faixa litoral das Ilhas Selvagens até à batimétrica dos 200 (duzentos) metros, por período indeterminado”, em razão da “suspeita da eventual presença de uma microalga produtora de uma biotoxina suscetível de provocar alterações ao nível da saúde humana”. As Ilhas Selvagens são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Selvagens, com uma extensão de 124.530 ha), estando inscritas na categoria 1.a de gestão de áreas protegidas da União Internacional da Conservação da Natureza como “área de reserva natural integral gerida prioritariamente para fins de pesquisa científica, assegurando que os habitats, ecossistemas e as espécies nativas se mantenham livres de perturbação, tanto quanto possível”. A Reserva Natural das Ilhas Desertas foi criada pelo dec. leg. regional n.º 14/90/M, de 23 de maio, como Área de Proteção Especial das Ilhas Desertas, sendo posteriormente o seu estatuto jurídico alterado pelo dec. leg. regional n.º 9/95/M, de 20 de maio. Nos termos do art. 2.º, a Reserva Natural das Ilhas Desertas é “delimitada pela linha batimétrica dos 100 m em volta das Ilhas Desertas, incluindo todas as suas ilhas e ilhéus e a respetiva área marítima”, tendo uma área total de 9455 ha (em conformidade com a informação disponível no Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens). Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º, após as alterações introduzidas pelo segundo dos diplomas antes citados, estabelece que nos locais a sul “do marco geodésico da doca e da Ponta da Fajã Grande, nela se incluindo o ilhéu Chão” são proibidos: “a) A pesca comercial e a pesca sem fins comerciais, designadamente a desportiva; b) A prática de caça submarina; e c) A colheita de exemplares vegetais e animais, exceto para fins científicos, desde que devidamente autorizada; e d) O acesso de pessoas e embarcações, salvo as que hajam sido autorizadas e credenciadas pelo Parque Natural da Madeira”. Em conformidade com o art. 5.º, na sua versão alterada, aplicável a toda à área protegida, é ainda proibido: “a) O uso de artes de redes de emalhar, cercar e arrastar, com exceção das que são empregues na captura de isco vivo; (…), c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e e) A prática de caça submarina”. Em conformidade com o art. 11.º, com a epígrafe “atividades condicionadas”, do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Desertas, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. As Ilhas Desertas são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Desertas, com uma extensão de 76.462 ha). A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo foi criada pelo dec. leg. regional n.º 32/2008/M, de 11 de agosto. Nos termos do n.º 1 do art. 2.º, é “constituída pela parte terrestre de todos os seus ilhéus e pelas zonas marinhas circundantes do Ilhéu da Cal ou de Baixo e do Ilhéu de Cima, incluindo a zona onde se encontra afundado o navio O Madeirense”, sendo ainda acrescentado no número seguinte, relativamente às áreas marítimas, que integra, em conformidade com a alínea b) a “área marinha limitada a oeste pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 315º a partir da extremidade oeste da Ponta do Focinho do Urso, a sul pela batimétrica dos 50 m, a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e a este pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 135º a partir do enfiamento do Pico de Ana Ferreira” e, nos termos da alínea c), pela “área marinha limitada a oeste pelo azimute verdadeiro 160º a partir da extremidade oeste do Porto de Abrigo, a sul e este pela batimétrica dos 50 m e a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e pelo azimute verdadeiro 90º a partir da Ponta das Ferreiras”. Em toda a área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo, em conformidade com o n.º 1 do art. 5.º, é interdito: “a) O exercício da pesca para fins comerciais, exceto a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos (…); b) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; d) A instalação de condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e) A extração de areias ou de outros recursos geológicos; f) As atividades náuticas, com exceção das necessárias ao exercício das atividades autorizadas […]; g) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas ou não a medidas de proteção legal ou efetuar outras atividades intrusivas ou perturbadoras do seu desenvolvimento”. Em contraponto, no art. 6.º, relativo a “atos ou atividades sujeitos a autorização”, está previsto que, desde que devidamente autorizados pela entidade gestora, são permitidos: “a) A pesca marítima sem fins comerciais ou lúdica, com exceção do Ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca (…); b) A apanha de lapa e caramujo no calhau; c) O mergulho de escafandro; d) Caça submarina, com exceção da área do ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca; (…); e f) As atividades marítimo-turísticas (…) que não sejam suscetíveis de pôr em risco a proteção ambiental da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo”. O n.º 3 do artigo citado ainda prevê que é “permitida a travessia de embarcações pelos boqueirões do Ilhéu de Cima e do Ilhéu de Baixo ou da Cal, incluindo a passagem, com esse fim, das respetivas áreas da Rede de Áreas Marinhas Protegidas de Porto Santo”. O n.º 3 do art. 7.º determina que “poderá ser dada prioridade às comunidades locais dependentes da pequena pesca” quando sejam “estabelecidas condições específicas para o exercício da pesca lúdica e para a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos”. Os Ilhéus do Porto Santo são uma área classificada de Zona Especial de Conservação. No que concerne especificamente ao espaço marítimo, importa realçar que uma adequada compreensão do regime jurídico aplicável às AMP implica que tenham em consideração três questões de natureza jurídico-internacional, na medida em que os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos mares e nos oceanos não são equivalentes aos poderes de soberania que os Estados exercem no âmbito do seu território terrestre, em razão de estes serem por natureza exclusivos e excludentes. Em primeiro lugar, deve ser posto em destaque que os mares e os oceanos, apesar da sua unidade física, estão divididos em espaços marítimos com estatutos jurídico-internacionais diferenciados. Em termos gerais, importa distinguir entre espaços marítimos sujeitos à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros (com destaque para o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental) e os espaços marítimos internacionais (alto mar) ou com um regime jurídico de internacionalização (Área). Os poderes dos Estados variam em função dos espaços marítimos em questão, pelo que a apreciação de qualquer comportamento levado a cabo por um Estado ou pelos seus nacionais, seja pelo Estado costeiro, seja por terceiros Estados, importa uma prévia localização geográfica no espaço em que ocorrem. Daqui resulta que as referências às batimétricas nas zonas marítimas abrangidas pelas AMP na RAM, como forma de delimitação das áreas especialmente protegidas do ponto de vista ambiental, não tenham de estar necessariamente compatibilizadas com os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos espaços marítimos sob a sua soberania ou jurisdição, tendo em consideração os diferentes poderes que são reconhecidos aos Estados nas águas interiores, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental. Em segundo lugar, importa salientar que a atuação dos Estados nos mares e nos oceanos se encontra genericamente enquadrada pelo princípio da liberdade dos mares, em conformidade com o qual todos os Estados, sejam ou não costeiros, podem prosseguir atividades nos diferentes espaços marítimos, sujeitos às limitações que decorrem do direito internacional. As utilizações específicas que podem ser prosseguidas pelos diferentes Estados e pelos seus nacionais estão dependentes do espaço marítimo em questão, mas a ideia básica que subjaz à atuação nos mares e nos oceanos é a de conciliação entre os diversos usos possíveis. Assim, a título de exemplo, embora os Estados costeiros exerçam poderes muito alargados no mar territorial, com a extensão máxima de 12 milhas marítimas (ou milhas náuticas, equivalentes a cerca de 22,22 km), os navios com a bandeira de terceiros Estados podem circular pelas suas águas ao abrigo do direito de passagem inofensiva, sem a necessidade de obterem a anuência ou a autorização desses Estados (arts. 17 a 19 da CNUDM). Finalmente, em terceiro lugar, deve ser tido em consideração que, salvo em situações muito circunscritas, como a colocação de instalações para a exploração de petróleo ou de gás natural ou a construção de ilhas artificiais, os usos dos mares e dos oceanos são temporários e prosseguidos por navios. Daqui decorre a necessidade de se autonomizar os usos que estão reservados para os Estados costeiros, nos casos em que estes tenham lugar num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros, como nos casos do mar territorial, das zonas económicas exclusivas ou das plataformas continentais, e daqueles outros usos, como a navegação, que constituem uma prerrogativa de todo e de qualquer Estado, seja ou não um Estado costeiro, podendo ser prosseguidos em qualquer lugar, com a exceção das águas interiores do Estado costeiro. A necessidade de ser respeitada a liberdade de navegação dos navios com o pavilhão ou bandeira de um terceiro Estado é particularmente relevante em algumas das AMP existentes na RAM, em razão da sua dimensão, com particular destaque para a Reserva Natural das Ilhas Selvagens.   Fernando Loureiro Bastos (atualizado a 14.12.2016)

Biologia Marinha Ciências do Mar Ecologia

aluviões

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o termo “aluvião” pode significar inundação muito grande, grande cheia ou enxurrada. Este é o significado atribuído na ilha da Madeira. A rede hidrográfica da Madeira, composta por ribeiras que se desenvolvem da cordilheira montanhosa central para a costa, em vales profundos, estreitos e de declive acentuado, com regime de escoamento intermitente e torrencial, quando associada a eventos de precipitação intensa dá origem a inundações repentinas designadas por aluviões, correntes de detritos ou debris flow. Estas cheias caracterizam-se por concentrações elevadas de material sólido, incluindo blocos de grandes dimensões, que conferem ao escoamento um enorme poder destrutivo. As características geológicas e geomorfológicas das bacias hidrográficas, e das respetivas ribeiras, potenciam a ocorrência de fluxos muito significativos de materiais sólidos, os quais constituem o componente mais perigoso das aluviões. Esta produção de sedimentos é desencadeada pela ação da precipitação e da consequente ocorrência de escoamentos líquidos que mobilizam grandes quantidades de material sólido com elevado potencial geomórfico. A produção dos fluxos de material sólido resulta de diferentes processos, tais como a erosão distribuída nas vertentes, a erosão em sulco e ravinamento, movimentos de massa, e a erosão fluvial nos fundos e margens dos leitos das ribeiras. Segundo a bibliografia, ocorreram no arquipélago da Madeira, desde o início do séc. XVII até 2013, 42 aluviões de intensidade significativa, constituídas por cheias rápidas e violentas com transporte de concentrações elevadas de material sólido. É de destacar, neste contexto, o ano de 1803, no qual se verificaram inundações catastróficas em toda a Ilha, particularmente na região sudeste, entre o Funchal e Machico, tendo perecido cerca de 1000 pessoas. Em consequência desta aluvião, as ribeiras da cidade do Funchal foram canalizadas, sob a direção do Brig. Reinaldo Oudinot, entre 1804 e 1806, continuando uma considerável extensão desta obra a cumprir, no início do séc. XXI, a sua função de canalização dos cursos de água. Já no séc. XXI, merece destaque o dia 20 de fevereiro de 2010, em que, na sequência de um prolongado período chuvoso na ilha da Madeira, aliado a um cenário meteorológico adverso, se gerou uma aluvião excepcional que atingiu, com elevada intensidade, alguns concelhos da vertente Sul da Ilha, em particular o Funchal e a Ribeira Brava. São de lamentar 51 vítimas mortais, bem como os elevados danos materiais e a destruição de muitas infraestruturas públicas e privadas. O quadro que apresentamos (fig. 1) compila os registos históricos de aluviões ocorridas no arquipélago da Madeira entre o início do séc. XVII e o ano de 2013, e as suas principais consequências. [table id=75 /] Sucessivos eventos da mesma natureza têm ocorrido por toda a ilha da Madeira desde o início da sua história geológica, há cerca de sete milhões de anos, até a atualidade. Testemunhos de fluxos concentrados ou torrentes de escoamento bifásico com uma fase sólida muito abundante são visíveis em todos os complexos vulcânicos que constituem a Ilha. Como diz Susana Nascimento, “trata-se de espessos depósitos de enxurrada, bastante compactados e cimentados que se encontram intercalados nos complexos vulcânicos. [...] Formado em clima caracterizado por abundantes e concentradas chuvadas, estes depósitos conglomerático-brechóides, são constituídos por, aproximadamente, 95 % de clastos, em geral mal calibrados, com dimensões que vão, desde escassos milímetros, até cerca de 2 metros” (NASCIMENTO, 1990, 36). O fenómeno das aluviões na Madeira tem sido referenciado em vários trabalhos de carácter mais ou menos científico. Ao abordar os cursos de água da ilha da Madeira, Eduardo Pereira, em Ilhas de Zargo, sublinha a quase ausência de caudal das ribeiras na estação do verão, sendo que no inverno “crescem torrencialmente, transbordam das margens e arrastam das montanhas toneladas de penedos, rolando-os e batendo uns contra os outros num ruído sinistro e aterrador, ao mesmo tempo que arrebatam terrenos de cultura, derrubam pontes e chegam por vezes a causar enormes prejuízos em habitações, pessoas, terras e animais” (PEREIRA, 1989, I, 283) Orlando Ribeiro, ao comentar o regime das águas na ilha da Madeira, refere algumas “inundações catastróficas” que assolaram a Ilha. Tais calamidades estão associadas a “chuvas excepcionais [...] frequentemente desastrosas, que enchem as ribeiras, arrastam blocos com algumas centenas de quilos, destroem pontes, danificam casas, inundando a parte baixa das aglomerações situadas à beira-mar, e pondo em perigo bens e pessoas” (RIBEIRO, 1985, 33). Merece ainda destaque a descrição feita por Cecílio Silva de um cenário de aluvião num texto intitulado “Eu Tive Um Sonho”, publicado no Diário de Notícias da Madeira. Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da ilha da Madeira, nomeadamente da região a norte do Funchal, que constitui a cabeceira das bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para a capital, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma dessas ribeiras (Santa Luzia), o mundo dos seus sonhos, frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira, descreve: “Tive um sonho […], subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu… […] De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. […] Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. […] As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. [...] Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer…” (SILVA, DN, 13 jan. 1985). O impacto que as aluviões têm no imaginário coletivo dos madeirenses é por demais evidente, ou não fossem estas um dos principais perigos naturais que os habitantes da Ilha enfrentam, sendo responsáveis pela maioria dos prejuízos, humanos e materiais, provocados por catástrofes desde o início da ocupação humana.   Susana Prada Celso Figueira (atualizado a 14.12.2016)

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