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orçamento

Análise da forma e da evolução dos orçamentos, tendo em consideração os nacionais e os locais, através da Junta Geral e do Governo Regional. Palavras-chave: Orçamento; Junta Geral; Governo Regional. O orçamento é a previsão da receita e despesa para o ano económico. É a partir da Lei do Orçamento, aprovada pelo Parlamento, que o Estado está autorizado a cobrar receitas e a efetuar as despesas. Os orçamentos são uma realidade recente, em termos de contabilidade, pois iniciam-se, formalmente, em Portugal, em 1533. No entanto, há quem aponte a sua existência a partir de 1473. Até então, não passavam de meros relatórios de contas realizados por um contador, sob a supervisão do vedor da Fazenda. Nos sécs. XVI e XVII, eram apenas registos de previsão da despesa realizados pelo vedor da Fazenda; tratava-se de documentos de carácter irregular, que só eram feitos mediante solicitação superior. No que diz respeito ao Reino, temos referências a documentos orçamentais dos anos de 1526, 1534, 1557, 1607 e 1619. Destes, podemos referir para o Estado da Índia os de 1574, 1581, 1588, 1588-90, 1607, 1609-12, 1620, 1635, 1680 e 1687. O orçamento e modelo de gestão orçamental que vigora no começo do séc. XXI, como ato jurídico, foi estabelecido na Constituição de 1822, mas só teve execução a partir de 1834. De acordo com a Constituição de 1822 (arts. 103 e 227), a Carta constitucional de 1826 (arts. 15, 136 e 138) e a Constituição de 1838 (art. 37, 54, 132 e 136), competia às Cortes determinar a despesa pública e os impostos a arrecadar, assim como fiscalizar a sua execução anual. O orçamento foi reformado pela Constituição de 1911 (art. 23, 26 e 54) estabelecendo-se, no art. 54, que deveria ser entregue ao Congresso, para discussão e apresentação, até ao dia 15 de janeiro. Mas nem sempre esta situação aconteceu, por força da instabilidade política que se viveu durante a Primeira República. Assim, entre 1918 e 1926, apenas dois foram aprovados e, ainda assim, com algum atraso. Nestas circunstâncias, recorria-se às Leis de Meios e aos duodécimos. Com a Constituição de 1933 – que surge como resultado do golpe militar de 1926 e da reforma fiscal apresentada por Salazar –, retira-se à Assembleia Nacional a capacidade de aprovar e fiscalizar o orçamento, que passa a ser elaborado e posto em execução pelo Governo. Desta forma, a Assembleia aprova uma Lei de Meios genérica e, ao Governo, fica a liberdade de estabelecer o Orçamento Geral do Estado, que será publicado sob a forma de decreto orçamental. Em algumas circunstâncias, a situação passa por uma norma legal que estabelece o orçamento do ano anterior, como aconteceu entre 1896 e 1910. São aqui referidos os anos económicos sem orçamento definitivo: o período de 1821-1836, 1838-39, 1840-41, 1842-43, 1843-44, 1844-45, 1847-48, 1851-52, 1856-57, 1858-59, 1859-60, 1861-62, 1862-63, 1865-66, 1868-69, 1869-70, 1870-71, 1871-72, 1879-80, 1905-06, 1906-07, 1910-11, 1919-20, 1920-21, 1921-22, 1924-25 e 1925-26. Nesta enumeração, deveremos diferenciar o orçamento das propostas governamentais e dos diplomas de aprovação do mesmo: as propostas governamentais de orçamento reportam-se a 1913-14, 1917-18, 1919-20, 1925-26, 1926-27 e 1936-347. De acordo com os preceitos constitucionais do Estado Novo, a aprovação do orçamento pelo Parlamento fazia-se através de uma lei, chamada Lei da Receita e da Despesa. Assim, o Parlamento deveria aprovar, antes do início do ano económico, o respetivo Orçamento, apresentado pelo Governo. Antes de o submeter à apreciação da Assembleia, o Governo deveria aprová-lo por decreto-lei. Com a Constituição de 1976, foi criada uma Lei do Orçamento de Estado, e o Governo tem de aprovar o Orçamento através de um decreto orçamental. Junta Geral da Madeira (1903-1976) Com a definição da autonomia distrital a partir de 1901 surgiu a figura institucional da Junta Geral, que gere o Governo do distrito do Funchal. Era esta junta que exercia a administração do espaço do arquipélago, mediante competências delegadas. Os orçamentos desta Junta Geral eram elaborados e propostos pela Comissão Distrital do Funchal para aprovação à Junta Geral na última sessão ordinária do ano civil, devendo entrar em execução a partir do dia 2 de janeiro do ano a que se reportavam. A não existência do mesmo na data era considerada motivo para a demissão da comissão que presidia à Junta. Os orçamentos das Juntas Gerais eram equiparados, em termos de contabilidade, aos orçamentos a que estavam obrigados os concelhos de primeira ordem (art. 33), isto é, os mais importantes no quadro da administração municipal. Esta ideia, determinada no Estatuto, implicava uma exigência em termos procedimentos contabilísticos. A lei n.º 88 de 1913 dedica o capítulo II aos orçamentos, onde estão definidas as regras da sua estrutura e elaboração, bem como dos tipos de orçamentos que a Junta pode elaborar: ordinários e suplementares. Os últimos acontecem apenas como resultado de alterações que sucedam no decurso da execução dos primeiros, não havendo qualquer limite quanto ao número dessas alterações. Esta situação e a transferência de verbas orçamentais eram autorizadas pelo governador civil, depois de ouvida a Comissão Distrital. Em termos de política orçamental, a comissão executiva da Junta apenas estava autorizada a proceder a transferências de verbas entre as diversas rubricas. O valor anual do orçamento era imutável, i.e., os orçamentos suplementares não aumentavam nem diminuíam o valor inicial atribuído à receita e à despesa, a não ser que ocorresse uma receita extraordinária e existisse a necessidade de aplicá-la. As principais fontes de receita da Junta Geral eram os impostos (impostos distritais, contribuições diretas e adicionais, imposto do vinho de estufa, imposto para hospitalização de alienados e socorros a náufragos, impostos sobre o açúcar, o álcool e a aguardente, imposto sobre os combustíveis, fundo de viação e turismo, contribuição predial, contribuição industrial, imposto sobre capitais, imposto sobre transações, imposto de camionagem, imposto profissional, imposto de trânsito, imposto de compensação, imposto do tabaco, imposto do selo, imposto de circulação, as cobranças estabelecidas no art. 1.º do dec.-lei n.º 34051 e no art. 2.º do dec--lei n.º 34051, bem como os emolumentos, as multas e taxas, as receitas de diversos serviços, o rendimento das levadas do Estado, os recebimentos para outras entidades, os subsídios, os empréstimos, as dívidas, os subsídios do fundo de desemprego e outras receitas. Devemos ainda assinalar, desde 1956, o adicional de 10 % sobre o imposto profissional, assim como diversos adicionais consignados a certas despesas. Assim, por despacho ministerial de 30 de dezembro de 1953, foi estabelecida uma taxa sobre a entrada e saída de mercadorias para a assistência distrital. A isto acrescentara-se, em 1933, as comparticipações de 50 % do fundo de Desemprego para as obras de utilidade pública. As principais despesas obrigatórias eram: os vencimentos do pessoal; as pensões de aposentação; os encargos de empréstimos; o pagamento de dívidas exigíveis; as despesas com os litígios; as despesas de dotação dos serviços distritais; a hospitalização de alienados. Ainda temos as despesas relacionadas com o funcionamento do Governo Civil, com as escolas do ensino liceal e técnico; com a delegação do Tribunal do Trabalho e Previdência; com o Tribunal do Trabalho; com a direção do distrito escolar; com o Arquivo Distrital; e as despesas de representação do presidente da Comissão e do Governo do distrito. Governo Regional da Madeira A Constituição de 1976 estabelece um regime híbrido entre a Constituição de 1933 e os anteriores textos constitucionais. Deste modo, ao Governo compete elaborar o orçamento, publicado por decreto-lei orçamental, enquanto à Assembleia compete aprovar a Lei do Orçamento. O plano de atividades, que fundamenta a despesa e que até então era apresentado de forma separada, passou a estar integrado no orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, a Assembleia aprova o orçamento, e ao Governo compete executá-lo. Na revisão de 1989, a mudança mais significativa prende-se com o regime do plano de atividades. A integração de Portugal na União Europeia implicou alterações da política orçamental, nomeadamente a partir da assinatura do Tratado de Roma, a 7 de Fevereiro de 1992, que determinou a necessidade de convergência económica e financeira. Nesse quadro, releva-se a fiscalização, pela Comissão Distrital, da evolução da situação orçamental, designadamente no que concerne à dívida pública, que, suplantando os limites estabelecidos, implicava pesadas penalizações de carácter financeiro. O orçamento regional é elaborado, desde 1976, pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A elaboração e execução destes orçamentos baliza-se pelo Estatuto Administrativo da Região, a legislação de enquadramento do orçamento e das finanças regionais, o programa do Governo regional, o Quadro Comunitário de Apoio e o Orçamento Geral do Estado. De acordo com o primeiro Estatuto, dito provisório enquanto o definitivo não é elaborado pela Assembleia Regional da Madeira, a Região deve elaborar um orçamento e plano económico regional, a enquadrar no Orçamento do Estado, que deve ser submetido à aprovação da Assembleia Regional. Recorde-se que o orçamento regional começou por ser integrado no Orçamento do Estado, o que implicava que a sua plena execução estava sempre pendente do orçamento nacional. A proposta de orçamento é elaborada pela Secretaria Regional das Finanças, aprovada em plenário do Governo por resolução, assinada pelo presidente e pelo secretário das Finanças, e depois submetida à aprovação da Assembleia Regional, quer sob a forma de decreto regional (apenas nos anos de 1977-1978), quer passando depois a resolução desta Assembleia (a partir de 1979), dando lugar a decreto legislativo regional (desde 1988). A execução deste documento é definida por decreto regulamentar regional, sendo as alterações ao mesmo orçamento feitas através de decreto legislativo regional. A situação de dependência do orçamento regional em relação à aprovação do Orçamento Geral do Estado, por forças das verbas, consideradas de acordo com o princípio de solidariedade do Estatuto de 1976 (art. 56), conduzirá a que seja aprovado muitas vezes de forma tardia, como sucedeu entre 1977 e 1986. Até 1988, o orçamento, depois de aprovado pela Assembleia Regional e assinado pelo ministro da República, era remetido ao Governo da República para ser integrado no Orçamento do Estado. A partir desta data, com base no artigo n.º 22 da Constituição, o Governo Regional passou a submeter o orçamento à Assembleia Regional sob a forma de proposta de decreto legislativo regional, que, depois de aprovado pela Assembleia, era assinado pelo presidente da mesma e pelo ministro da República, sendo depois publicado em Diário da República. Esta fórmula era também seguida quanto aos programas e projetos plurianuais do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da RAM. As alterações orçamentais, que até 1990 estavam sujeitas à apresentação e aprovação, pela Assembleia Regional, de um orçamento suplementar, deixam de existir (de acordo com o art. 20 do dec.-lei 40/83, de 13 de dezembro), estando o Governo autorizado a realizá-las, desde que não impliquem alteração na despesa, procedendo à sua publicação no Jornal Oficial da RAM. Em termos de execução orçamental, surgiram alguns instrumentos legislativos. A lei n.º 28/92 DR 201/92 Série I-A, de 1 de setembro, estabeleceu as regras referentes ao Orçamento da Região Autónoma da Madeira, os procedimentos para a sua elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração e fiscalização, e a responsabilidade orçamental. Foi alterada pela lei n.º 53/93 DR 177/93 Série I-A, de 30 de julho. A lei n.º 91/2001, de enquadramento do Orçamento do Estado, estabelece “as disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o setor público administrativo”. Assim, define “as regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental, e à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social”. A orgânica da Direcção Regional de Orçamento e Contabilidade foi aprovada pelo dec. reg. n.º 21/93/M DR 157/93 Série I-B, de 7 de julho. A falta de controlo sobre o sistema tributário e a sua arrecadação, associada à insuficiência de recursos financeiros, por parte do Estado, para satisfazer as necessidades de funcionamento das instituições, nomeadamente dos setores da saúde e da educação, criou insistentes problemas de tesouraria às finanças regionais, obrigando a constantes recursos a empréstimos. Assim, as políticas orçamentais geraram conflitos entre os Governos regional e central. A isto associa-se, muitas vezes, a aprovação tardia do Orçamento Geral do Estado, mecanismo que estipula o valor anual das verbas correspondentes às transferências do Estado, que conduz a atrasos na aprovação do Orçamento regional, bem como na definição de políticas orçamentais. Os anos de 1985 e 1986 foram de particular significado para esta conjuntura de difícil execução orçamental, tendo levado à negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República. Desta forma, pela resolução 9/86, de 16 de janeiro, o Governo mandatou o ministro da República e o ministro das Finanças para estabelecerem com o Governo Regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, assinado a 26 de fevereiro de 1986. A 22 de setembro de 1989, houve novo programa de recuperação financeira, que vigorou até 31 de dezembro de 1997.   Alberto Vieira Eduardo Jesus (atualizado a 15.12.2017)

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pautas aduaneiras

As pautas aduaneiras podiam ser únicas ou múltiplas (ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem ou condições de importação), ou mistas. A partir da década de 30 do séc. XIX, ocorreram diversas alterações nas pautas, as quais foram apontadas por vários madeirenses como responsáveis pelas dificuldades comerciais do arquipélago. Palavras-chave: Alfândegas; Pautas.   As pautas aduaneiras eram tabelas de mercadorias, com as respetivas taxas de importação e exportação. Estas pautas podiam ser únicas ou múltiplas, ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem e as suas condições de importação. Havia, ainda, as chamadas pautas mistas, que contemplavam as duas situações. A necessidade da sua quase permanente adaptação às novas circunstâncias do mercado obrigou as autoridades a criarem comissões para a sua revisão. As alfândegas foram criadas na Madeira em 1477 e o seu funcionamento em termos de regulamentação das taxas foi estabelecido por regimentos (1499). Na documentação da antiga Alfândega do Funchal, existem: as avaliações de artigos de produção e indústria inglesa (1811); a Pauta Geral da Alfândega grande de Lisboa – impresso, cópia e emolumentos (1782-1836); e a Pauta Geral e inglesa para a avaliação das mercadorias (1834). A Pauta Geral da Alfândega era um documento onde se estabeleciam as normas precisas para avaliação dos géneros, sob o ponto de vista fiscal. Foi estabelecida em 1782, por D. Maria I, para a Alfândega de Lisboa, e tornou-se aplicável a todas as do reino, tendo-se mantido até 1832. Entretanto, em 1818, D. João VI, no Brasil, determinou, por alvará régio de 25 de abril, alterações aos direitos pagos nas Alfândegas de Portugal e do Brasil. O facto de as pautas terem sido estabelecidas, de forma geral, para o país, ignorando as especificidades, nomeadamente dos arquipélagos insulares, criou várias situações penalizadoras que fizeram levantar a voz dos insulares. O debate político local, nomeadamente após a revolução liberal, será muitas vezes alimentado em torno destas pautas e dos seus efeitos positivos ou negativos para a vida económica local, insistindo-se na necessidade de adaptações ou de uma pauta específica. Pelo dec. n.º 14, de 20 de abril de 1832, fez-se a reforma da Pauta Aduaneira, a que se seguiu outra, pelo dec. de 10 de Janeiro de 1837. A partir desta data, a Pauta passou a ser geral para todo o país, deixando de existir pautas específicas para cada Alfândega. É nítida uma intenção livre-cambista, mas a necessidade de receita impediu um maior progresso. A 4 de julho de 1835, foi criada uma comissão para proceder à revisão da Pauta. A nova Pauta entrou em vigor pelo decreto de 10 de janeiro de 1837. A Madeira não foi ouvida e apenas foram considerados os interesses da burguesia comercial do Porto e Lisboa. Por essa razão, a referida Pauta revelou-se danosa para as demais regiões, nomeadamente para a Madeira, tendo por isso merecido a contestação dos madeirenses, por permitir a entrada livre de vinhos e aguardentes do continente. Mesmo assim, alguns artigos considerados ruinosos para a Madeira foram suspensos pelas Cortes, por influência do deputado Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, que fora governador e era então deputado eleito pela Madeira. No séc. XIX, a cobrança dos direitos de exportação no Funchal estava regulamentada por duas Pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com o tratado de comércio com Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais aos Ingleses. Diogo Teles de Menezes (1788-1872), diretor da Alfândega, decidiu, por sua iniciativa, fundir ambas e criar uma nova Pauta Alfandegária, que motivou um aceso protesto da Associação Comercial do Funchal, que fora criada em 1836. Em 1839, a Associação Comercial submeteu à Câmara do Funchal uma proposta de alteração da Pauta, que não foi contemplada. Todavia, na revisão da Pauta de março de 1841, a Madeira continuaria a manter o regime de exceção para os vinhos aguardentes e os cereais. Neste mesmo ano, surgiu, no Funchal, uma comissão auxiliar da comissão permanente da Pauta Geral das Alfândegas. As diversas alterações e reformas da Pauta Aduaneira que tiveram lugar ao longo do séc. XIX (em 1837, 1841, 1850, 1852, 1856, 1860, 1870, 1882, 1885, 1887, 1892, 1924 e 1926) sempre mereceram reparos dos madeirenses, que a apontaram como responsável pelas dificuldades comerciais do arquipélago, nomeadamente devido à falta de competitividade com os portos vizinhos das Canárias. Com efeito, a Pauta será motivo de permanente reclamação, porque a Madeira está numa situação distinta dos demais portos do reino e as medidas protecionistas apenas ponderam as condições de Portugal continental. A este propósito, diz-nos Paulo Perestrelo da Câmara: “Finalmente deve-se contemplar, na massa dos males, que, ultimamente mais tem pesado sobre a Madeira, a lei das Pautas, que com os seus efeitos proibitivos, nada mais tem feito, senão aperfeiçoar a ciência do contrabando, dando cabo de um comércio já tão enfraquecido. A mania de tudo mudar, levou esses novos legisladores á demencia de por a Madeira na mesma escala de produções e interesses que Portugal, com quem esta ilha não pode comerciar, pois abundando em vinhos excelentes, não os consome aquela, a quem também não pode fornecer os artefactos, de que carece. A Madeira só pode negociar com países não vinhateiros, e deles receber os artigos de que carece, mas com direitos suaves” (CÂMARA, 1841, 95-96). Assentando a economia da Ilha apenas no comércio do vinho e, sendo este o principal alvo das tributações, era difícil conseguir algum lucro e competitividade no mercado externo. Por outro lado, a Madeira necessitava de importar tudo aquilo de que precisava para a sua manutenção, desde manufaturas a cereais. Na mesma linha, a possibilidade de trazer para a Madeira parte da navegação oceânica, como forma de animar o movimento do porto comercial, passaria por medidas que favorecessem essa situação, face às melhores condições oferecidas por outros portos como os das Canárias. Neste caso, existiria a necessidade de estabelecer condições mais favoráveis à entrada e saída no porto do Funchal, através da criação de infraestruturas e de medidas fiscais que não fossem penalizadoras, nomeadamente quanto à entrada e saída do carvão, o principal meio de combustível a partir desta centúria. O grande objetivo era fazer do Funchal a principal estalagem do oceano. Uma pauta penalizadora destas importações era, portanto, prejudicial para a Madeira, fazendo aumentar o clamor por soluções aduaneiras que tivessem em conta esta situação específica, que raras vezes merecia a aprovação e o entendimento dos pares e das autoridades da metrópole. As Pautas necessitavam de permanente atualização, criando-se para o efeito comissões específicas. A Comissão Revisora foi criada para aceitar as reclamações sobre as mesmas e propor a sua reforma, de acordo com a situação da indústria nacional e com as alterações das pautas estrangeiras. Reorganizada por decreto de 31 de março de 1845, foi extinta em 28 de dezembro de 1852, para dar lugar à Comissão para as Pautas Aduaneiras que, por sua vez, deu lugar, por decreto de 25 de outubro de 1859, à Comissão Revisora da Pauta Geral da Alfândega, que estava incumbida da missão de proceder à realização da estatística das fábricas e oficinas do país, à recolha de informações sobre a produção, o consumo e a exportação dos seus produtos e, ainda, ao estudo sobre a importação de produtos das indústrias estrangeiras. Foi substituída, a 3 de novembro de 1861, pelo Conselho Geral das Alfândegas. As reformas das Alfândegas foram estabelecidas pela portaria de 14 de outubro de 1864 e pelos decretos de 7 de dezembro de 1864, bem como de 28 de agosto e de 23 de dezembro de 1869, tendo o corpo auxiliar das Alfândegas sido transformado num serviço de rondas volantes. O decreto de 7 de dezembro de 1864 estabelece a reorganização das Alfândegas, com a extinção da Administração Geral do Pescado, e constitui duas circunscrições: a marítima e a da raia. Na Alfândega do Funchal, a regulamentação de toda a atividade da repartição, bem como o cômputo e a arrecadação dos direitos de entrada e saída regulavam-se através das Pautas de 1843, 1850, 1856, 1860, 1885 e 1887, e por meio das cartas de lei de 1844-1845. Os serviços da Alfândega diferenciavam-se dos do Almoxarifado por estes apenas poderem proceder à cobrança, funcionando, assim, como recebedoria. Com a Pauta de 1892 foram consideradas algumas especificidades locais das ilhas, com salvaguarda o comércio do açúcar na Madeira, nos Açores e no continente, com uma taxa reduzida de 1/4 do seu valor monetário. Com a implantação da República, introduziram-se alterações na cobrança dos direitos, sendo de destacar que apenas em 9 de fevereiro de 1915 se suspendeu a cobrança do imposto de farolagem no porto do Funchal, uma medida reclamada havia muito tempo, que ganhou força de lei pela intervenção do visconde da Ribeira Brava. Por força da desvalorização da moeda e da Primeira Guerra Mundial, ficou determinado, pelo dec. n.º 41.333, de 18 de abril de 1918, que os direitos de importação seriam pagos em ouro. Criaram-se, assim, dificuldades à exportação, assim como à entrada de mercadorias. Por outro lado, o dec. n.º 4682, de 27 de abril de 1918, estabeleceu sobretaxas relativas à importação de diversas mercadorias. A oneração fiscal das importações continuou, pois, pelo dec. n.º 6263, de 2 de dezembro de 1919, e foram duplicados todos os direitos e sobretaxas de importação estabelecidos em 1918, permanecendo a exigência do pagamento em ouro, mas aplicada apenas de metade do valor. Posteriormente, o dec. n.º 1193, de 31 de agosto de 1920, determinou que o quantitativo integral dos direitos e sobretaxas fosse exigido em ouro. A Pauta única nacional vigorou, por todo o séc. XIX, dando lugar, com a reforma de 1921, ao regime de pauta múltipla. Em 1922, insiste-se na falta de funcionários, mas a principal reclamação recaía sobre o quase permanente aumento das pautas, numa altura de grave crise económica, marcada por descidas, quase contínuas, da moeda portuguesa. Pelo dec. n.º 8747, de 31 de março de 1923, foi aprovada nova Pauta Aduaneira em que foram abolidas algumas sobretaxas. Ao mesmo tempo, em 17 de março, criou-se um adicional de 2 % sobre todos os direitos de importação para acudir às despesas com a Misericórdia do Funchal. Depois, a 10 de março do ano seguinte, surgiu mais um adicional de 5 % para o serviço de incêndios. A Pauta foi revista pela lei n.º 1668, de 9 de setembro de 1924, e não gerou consensos; era uma forma de regularizar o comércio externo no pós-Primeira Guerra Mundial. A 12 de outubro de 1926, os combustíveis sólidos ou líquidos passam a ser taxados a 0,5 % sobre o seu valor. No quadro da lista de produtos das pautas alfandegárias, os valores cobrados pelas farinhas e os cereais mereceram, por parte dos madeirenses, uma atitude de permanente repulsa, tendo em conta a dificuldade que tinham em se prover dos mesmos. Com o regime da Ditadura Militar, ocorreu uma reforma da Pauta, consoante o dec. n.º 17.823, de 31 de dezembro de 1929, que era já a expressão plena da mudança das conjunturas mundiais, política e económica. Todavia, as medidas protecionistas continuaram a marcar presença, como se poderá verificar pelos decs. n.º 20.935, de 26 de fevereiro de 1932, que impunha um adicional de 20 % aos direitos de importação, e n.º 24.115, de 29 de junho de 1934, por meio do qual foi estabelecido o regime de proteção de bandeira, ao serem taxadas, através de um adicional de 13,5 %, as mercadorias exportadas em navios estrangeiros. Já o dec.-lei n.º 30.252, de 30 de dezembro de 1939, duplicou o valor dos direitos de exportação específicos e fez incidir 2,5 % sobre a taxa dos direitos de exportação ad valorem. Esta situação perdurou até 1947. No período da guerra, a principal atenção foi para a exportação de volfrâmio.A partir de 1948, com a entrada de Portugal na Organização Europeia de Cooperação Económica, e depois em 1959, com a adesão à Associação Europeia do Comércio Livre, foram operadas outras mudanças nas pautas, pelo dec.-lei n.º 42.656, de 18 de novembro de 1959. Este processo culmina, em 1962, com a adesão de Portugal ao Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio. Entretanto, em 1961, havia sido criada uma zona de comércio livre entre Portugal e as colónias que, por ter sido um fracasso, foi abolida em 1971. Em 1972, Portugal assinou um tratado de associação à Comunidade Económica Europeia que seria o início de uma caminhada para a sua integração nesta comunidade em 1986, com reflexos evidentes, também, nas pautas aduaneiras, como expressado no dec.-lei n.º 19/92, de 5 de fevereiro, que aprovou a Pauta dos Direitos de Importação que conduziu à aplicação da Pauta Aduaneira comum, a partir de 1 de janeiro de 1993. Com a entrada de Portugal na CEE, houve uma alteração das pautas alfandegárias. Assim, a Pauta Aduaneira comum, um dos elementos constitutivos da união aduaneira, é publicada anualmente por regulamento comunitário, que altera o regulamento de base (regulamento CEE n.º 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à Pauta Aduaneira comum). A Pauta Aduaneira compreende, entre outros elementos, os direitos de importação e a nomenclatura combinada das mercadorias. Além desta, existe a Pauta de Serviço, que é o documento onde se estabelecem as informações sobre a tributação das mercadorias importadas de países terceiros. Constam ainda da mesma as medidas de política comercial comum, nomeadamente restrições quantitativas, direitos aduaneiros, direitos anti-dumping, suspensões e contingentes pautais, bem como as medidas de âmbito nacional, tais como o imposto sobre o valor acrescentado, os impostos especiais de consumo e as informações complementares sobre as condições de desalfandegamento das mercadorias. A Pauta de Serviço é elaborada com base nos elementos integrados da Pauta Integrada das Comunidades Europeias (TARIC) que são recebidos, diretamente, de Bruxelas. Contém, igualmente, informações de carácter nacional (taxas do IVA e informações sobre as condições a respeitar na importação e exportação de mercadorias). Por fim, existe a Pauta Integrada da Comunidade Europeia, que é a Pauta Aduaneira comum, em sentido lato, atendendo a que o regulamento anual não contém diversos elementos essenciais para o desalfandegamento das mercadorias, nomeadamente taxas dos direitos aduaneiros a aplicar no âmbito de regimes pautais preferenciais, suspensões de direitos de importação, direitos anti-dumping, licenças de importação, medidas de vigilância, proibições, etc.   Alberto Vieira (atualizado a 19.12.2017)

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topografia marinha

A topografia marinha, também denominada relevo oceânico, refere-se aos diferentes relevos da crosta terrestre que se encontram debaixo do nível do mar. Os oceanos possuem uma estrutura comum e foram criados, sobretudo, por movimentos das placas tectónicas que cobrem a superfície da Terra e que são as mesmas que deram origem aos continentes. Na Terra, existem 15 placas principais e muitas mais placas pequenas. Estas placas são de dois tipos: as placas oceânicas – que estão totalmente cobertas pela crosta marinha – e as placas mistas – que estão cobertas em parte pela crosta oceânica e em parte pela crosta continental e que, ao se elevarem por cima do nível do mar, formam os continentes. Assim, a estrutura dos oceanos começa com a plataforma continental – a parte da placa continental que se encontra debaixo do nível do mar até aos 200 m de profundidade –, continua pelo talude continental – compreendido entre os 200 e os 4000 m de profundidade e que apresenta muitas formas de relevo: vales, montanhas e desfiladeiros submarinos – e termina na planície abissal com mais de 4000 m de profundidade. Existem, ainda, as dorsais oceânicas, grandes cadeias de montanhas submarinhas que atravessam os oceanos no meio dos continentes e que resultam do lento afastamento das placas tectónicas. Estas dorsais submarinas atingem elevações entre os 2000 e 3000 m por cima dos fundos oceânicos e possuem um sulco central, conhecido como rift, ao longo do qual são produzidas emissões de lava provenientes do magma que se encontra debaixo da superfície da terra.   Ilhas vulcânicas Ao contrário das dorsais oceânicas, que se originam nos limites das placas tectónicas, a origem das ilhas oceânicas é vulcânica, o que quer dizer que se formam através de um ponto quente (hotspot) devido à ascensão de magma, à maneira de um vulcão, resultando na formação de um monte submarino que depois cresce em virtude da atividade vulcânica até ultrapassar o nível do mar. Os arquipélagos são conjuntos de ilhas que se formam quando o mesmo hotspot origina uma cadeia de vulcões devido ao movimento da placa oceânica. As ilhas oceânicas, por definição, nunca estiveram em contacto com o continente, já que se originam da atividade vulcânica submarina, sendo assim diferentes das ilhas continentais, que têm uma conexão com o continente, embora estejam rodeadas de água. As maiores ilhas da Terra são de origem continental, e.g., a Grã-Bretanha, a Irlanda, a Gronelândia, Madagáscar, etc. As ilhas vulcânicas comportam-se de maneira similar a organismos biológicos, no sentido em que nascem, crescem, envelhecem e desaparecem. Assim, pode distinguir-se as seguintes fases no ciclo de vida das ilhas oceânicas: i) nascimento e construção submarina – o monte submarino forma-se no fundo oceânico como resultado do hotspot; ii) emersão e construção sobre o nível do mar – a ilha cresce pela sucessiva atividade vulcânica até atingir a sua máxima altura e área; iii) erosão e desmantelamento – os processos destrutivos, como a erosão, modificam fortemente o relevo e a ilha começa a diminuir o seu tamanho; iv) planície – devido à forte erosão, a ilha aparece como uma planície de baixa altitude sobre o nível do mar; v) desaparecimento – a ilha fica quase submersa; vi) guyot – torna-se num monte plano submarino. As ilhas que compõem um arquipélago, ao serem originadas pelo mesmo hotspot, têm diferentes idades e, por isso, encontram-se em diferentes fases deste ciclo de vida. Além da erosão, outros eventos catastróficos, como grandes escorregamentos de terra, colapso de caldeiras e/ou atividade vulcânica, também modificam a superfície e o tamanho de uma ilha.   Os arquipélagos da Madeira e Selvagens Os arquipélagos da Madeira e das Selvagens formam parte da região biogeográfica conhecida como Macaronésia, nome que provém do grego makarios, feliz ou afortunado, e nessos, ilhas. Esta região é composta por um conjunto de cinco arquipélagos localizados no oceano Atlântico: Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde, que possuem características ecológicas, florísticas e faunísticas comuns. Estes arquipélagos localizam-se na placa continental africana, com exceção dos Açores, que se encontram situados na confluência das placas africana, euro-asiática e americana. O arquipélago da Madeira é composto pelas seguintes ilhas: Madeira (com uma superfície de ca. 730 km2), Porto Santo (69 km2), situada 45 km a nordeste da Madeira, e três ilhas conhecidas como Desertas (15 km2 no total): Chão, Deserta Grande e Bugio, localizadas mais de 60 km a sudeste da Madeira. Este arquipélago está situado sobre uma crosta oceânica datada de cerca de 140 Ma de antiguidade, com cerca de 2000 m de profundidade e uma elevação máxima sobre o nível do mar que atinge os 1862 m no Pico Ruivo (Madeira). O arquipélago das Selvagens, por seu lado, é composto por três ilhas (cerca de 3 km2 no total): Selvagem Grande, Selvagem Pequena e ilhéu de Fora, e 16 ilhéus. Embora estes dois arquipélagos, Madeira e Selvagem, assentem na plataforma continental africana, o arquipélago da Madeira pertence à província vulcânica da Madeira, enquanto o arquipélago das Selvagens pertence à província vulcânica das Canárias (fig. 1). Isto quer dizer que a Madeira, o Porto Santo e as Desertas foram formados por um só hotspot, enquanto as Selvagens foram originadas pelo mesmo hotspot que deu origem às Ilhas Canárias. Fig. 1 – Mapa das províncias vulcânicas da Madeira e das Canárias, indicando as ilhas e os montes submarinos mencionados no texto. As linhas brancas transparentes mostram a provável rota do movimento do hotspot em cada província. Foto do Google Earth, modificada com base no trabalho de Fernández-Palácios et al., 2011. A província vulcânica da Madeira inclui, além das ilhas que atualmente compõem o arquipélago, outros montes submarinos, mais antigos, que outrora foram ilhas e que agora se encontram novamente submersos debaixo do nível do mar. Estes montes submarinos são: Ormonde, o mais antigo da província, com uma idade estimada de cerca de 60 Ma, Ampere e Coral Patch, de cerca de 30 Ma, e Unicorn e Seine, de cerca de 20 Ma (figs. 1 e 2). Durante o Terciário, estes montes submarinos eram ilhas que constituíam um arquipélago (Paleo-Madeira), podendo ter desempenhado um papel importante na dispersão da fauna e flora do continente para as ilhas e para o arquipélago canário. Atualmente, a ilha mais antiga desta província é Porto Santo, que se encontra já no estado de planície. A sua superfície tem sido bastante erodida, e a parte superior da ilha é plana, atingindo uma altitude máxima de 517 m (Pico do Facho). Aliás, calcula-se que o edifício vulcânico desta ilha possua uma volumetria total de 5000 km3, embora só cerca de 0,1 % seja visível sobre o nível do mar. As primeiras atividades vulcânicas na crosta oceânica, que deram origem ao Porto Santo, terão acontecido há 19-18 Ma, durante o Mioceno, embora a ilha só tenha emergido há 14-11 Ma. As Desertas, por seu lado, são um prolongamento do edifício vulcânico da Madeira, apesar de a ponte que as conecta estar debaixo do nível do mar e de a profundidade entre as ilhas ser de 200 m, dando a impressão de serem ilhas diferentes. A Madeira e as Desertas são as ilhas mais jovens do arquipélago com cerca de 5 Ma e encontram-se na fase de erosão e desmantelamento. As suas áreas e elevações foram maiores no passado, sendo atualmente os processos destrutivos mais fortes do que os processos construtivos, o que faz com que reduzam o seu tamanho cada vez mais. Atualmente, a volumetria deste edifício calcula-se em cerca de 9000 km3, embora a parte emersa constitua, em termos percentuais, só cerca de 4,2 %. O edifício Madeira-Desertas é diferente do edifício de Porto Santo e, apesar de estas ilhas estarem separadas por uma distância de só 45 km, o oceano entre elas apresenta profundidades superiores aos 2000 m.   Fig. 2 – Ilhas e montes submarinos da província vulcânica da Madeira. Os números entre parêntesis indicam os intervalos de atividade vulcânica e os números romanos, na parte inferior, indicam a fase do ciclo de vida em que cada elemento se encontra. Figura baseada no trabalho de Fernández-Palácios et al., 2011. Outro dos elementos da topografia marinha da província vulcânica da Madeira é, e.g., a ocorrência da denominada crista do Funchal, uma série de cones vulcânicos submarinos de 1,5-3 km de diâmetro e alturas até 600 m, alinhados a sul da ilha da Madeira, à altura da longitude do Funchal. Assim mesmo, é importante salientar a planície abissal da Madeira, localizada a uma distância de cerca de 600 km a oeste da Madeira, com uma extensão aproximada de 68.000 km2 e uma profundidade na ordem dos 5000 m. As Selvagens, por seu lado, são muito mais antigas do que as ilhas que compõem o arquipélago da Madeira e, como mencionado anteriormente, pertencem à província vulcânica das Canárias. As Selvagens assentam numa crosta oceânica datada de há cerca de 135 Ma, embora se calcule que as ilhas tenham emergido há cerca de 30 Ma e ainda tenham tido duas fases posteriores de atividade vulcânica, uma há 12-8 Ma e a última há cerca de 3 Ma. A Selvagem Grande é a maior ilha deste conjunto, apresentando uma superfície de cerca de 2,5 km2 e uma altitude máxima de 163 m (Pico da Atalaia). Esta ilha encontra-se na fase de planície. A Selvagem Pequena está na fase de desaparecimento, tendo uma superfície e uma altura variáveis consoante o nível do mar. Em média, a altitude desta ilha é de 10 m, embora o seu ponto culminante seja 49 m sobre o nível do mar (Pico do Veado). A sua superfície atinge os 0,65 km2 em baixa-mar. O ilhéu de Fora está localizado a oeste da Selvagem Pequena e, assim como esta ilha, também se encontra na fase de desaparecimento. A sua superfície é igualmente variável e o seu ponto mais alto está na cota dos 18 m.   Pamela Puppo (atualizado a 07.12.2017)  

Geologia Ciências do Mar

teixeira, virgílio

Homenagem ao ator Virgílio Teixeira Galã do cinema dos anos 40, 50 e 60 do século XX, Virgílio Gomes Delgado Teixeira nasceu no Funchal a 26 de outubro de 1917. Desportista, fluente em inglês e de boa figura, Virgílio Teixeira, filho de Gastão Teixeira, comerciante e ex-emigrante em Demerara, começou por ser guarda-redes de futebol – alinhou pelo Sporting da Madeira e pelo Marítimo – e era bom em saltos acrobáticos e ténis. O seu primeiro contacto com a indústria do cinema – além dos filmes que ia ver – aconteceu numa partida de ténis com o realizador inglês Thorton Freeland, que passava férias na Madeira. Para não humilhar o adversário, Virgílio Teixeira deixou-o ganhar. O realizador não terá gostado mas, mesmo assim, disse ao madeirense para fazer as malas e o acompanhar até Londres, onde teria a porta aberta para uma carreira no cinema. Assim teria sido, se a situação política e a aproximação da Segunda Guerra Mundial não tivessem dificultado o seu percurso, pelo que o futuro ator regressou a casa. Em 1941, mudou-se para Lisboa e, por falar bem inglês, arranjou emprego na American Export Line, a única empresa que, na altura, fazia a ligação marítima entre a América e a Europa. Pouco tempo depois, mudou-se para uma companhia aérea, mas acabou por ser despedido por causa das noitadas. Vendo-se sem trabalho, penhorou os fatos e os sapatos numa tentativa de se manter pela capital; em desespero, pediu dinheiro ao pai que, em vez de um cheque, lhe mandou uma passagem para o Funchal. Virgílio Teixeira recusou e a decisão de ficar em Lisboa acabou por lhe abrir as portas do mundo do cinema. O convite para entrar em Ave de Arribação (1943) aconteceu pouco tempo depois, mas a fama só chegaria com Zé do Telhado (1945), a versão portuguesa do ladrão que rouba aos ricos para dar aos pobres. Este papel valeu-lhe o prémio de melhor ator do ano de 1945 e a sua vida no cinema estava apenas no começo; sem nunca ter estudado representação, o rapaz da Madeira iniciava uma carreira onde iria somar 92 participações em filmes, uma telenovela, séries televisivas e 2 papéis no teatro, ao lado de Carmen Dolores e de Eunice Muñoz. Antes de se mudar para Espanha - no fim dos anos 40 –, Virgílio Teixeira selou o seu estatuto de galã ao contracenar com Amália Rodrigues no filme Fado, História de Uma Cantadeira; a cena onde Júlio Guitarrista ensina a fadista Ana Maria é das mais célebres do cinema português. Viveu 12 anos em Espanha, e fez tantos filmes que chegaram a pensar que era espanhol; com efeito, o Sindicato Nacional do Espetáculo do país vizinho considerou-o, em 1955, um ator genuinamente espanhol. A conjuntura – o facto de os filmes rodados em Espanha ficarem mais baratos à indústria americana – permitiu-lhe contactar com atores, atrizes e realizadores de nome internacional, sobretudo americanos, abrindo-lhe portas em Hollywood. Virgílio Teixeira fez de Ptolomeu em Alexandre, o Grande (1956) e de general russo em Dr Jivago (1965) – e estes são apenas dois dos filmes em que participou. Virgílio Teixeira privou com atores como Ava Gardner, Lana Turner, Sofia Loren, Richard Burton, Tyrone Powell e Rita Hayworth. Nos cartazes dos filmes, o seu nome aparecia como Virgilio Texera ou John Texera. Em 1966, regressou à Madeira afirmando “Eu vim embora de Hollywood porque estava a sentir que aquilo ali começava a ser uma autêntica selva”. (SILVA, 2006, 60), mas, ao longo dos anos, continuou a participar em filmes, nomeadamente A Mulher do Próximo (1988), de José Fonseca e Costa Em 1984-85, entrou na telenovela Chuva na Areia, onde fazia o papel de homem rico mas, pesar de ter representado em mais alguns papéis, esta já não era a sua principal atividade, pois vivia dos negócios; foi também agente da Ibéria, delegado das Páginas Amarelas, da Rádio Televisão Comercial e da Sociedade Portuguesa de Autores. Teve uma curta passagem pela política, como vereador do PSD na Câmara Municipal do Funchal no início dos anos 80. Foi homenageado pela TVE e pelo Governo Regional da Madeira, sendo condecorado pelo Presidente da República com a comenda de oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Morreu no Funchal, com 93 anos, a 5 de dezembro de 2010.   Marta Caires (atualizado a 08.12.2017)

Cinema, Vídeo e Multimédia

collett, robert

Robert Collett é um dos pioneiros da investigação zoológica norueguesa, tendo nascido em Christiania (depois Oslo) a 2 de dezembro de 1842 e falecido na mesma cidade a 27 de janeiro de 1913. Entre 1854 e 1859, Collett e a família viveram em Lillehammer, pequena cidade rural no condado de Oppland, Noruega, rodeada de montanhas e à beira do lago Mjøsa. Aqui, Robert apurou o seu gosto pela natureza. Completou os seus estudos em Christiania e começou a trabalhar para o Museu Zoológico, tornando-se assistente do Prof. Halvor Rasch. Em 1874 tornou-se conservador do museu e em 1885 professor de Zoologia na Universidade de Christiania, cargo que ocupou até à sua morte. O seu interesse inicial foram as aves, tendo estudado as aves da Expedição Polar Norueguesa, dirigida por Fridjof Nansen, de 1893 a 1896. Contudo foram os peixes que proporcionaram a Collett o seu reconhecimento internacional. A sua relação com a Madeira faz-se precisamente através destes. Em 1886, com base num exemplar capturado nos mares da Madeira em 1877, descreveu um género e uma espécie novos, Linophryne lucifer, peixe batipelágico da subordem Ceratioidei. A descrição e respetiva ilustração são muito detalhadas, atestando o carácter muito minucioso de Collett. Mais tarde, em 1890, Collett publicou um trabalho sobre alguns peixes capturados na Madeira pelo príncipe Alberto I do Mónaco, no qual identifica nove espécies, uma das quais, o tubarão de profundidade Chlamydoselachus anguineus, é reportado pela primeira vez para o oceano Atlântico. Durante a sua vida, Robert Collett publicou, entre muitos outros, 32 trabalhos sobre peixes, contendo descrições originais de muitas espécies novas para a ciência.   Obras de Robert Collett: “Lycodes sarsii, n. sp. ex ordine Anacanthinorum Gadoideorum, descripsit” (1871); “On two apparently new species of Gobius from Norway” (1874); The Norwegian North-Atlantic Expedition, 1876-1878, Zoology, Fishes (1880); “On a new pediculate fish from the sea off Madeira” (1886); “Sur quelques poissons rapportés de Madère par le Prince de Monaco” (1890), Poissons Provenant des Campagnes du Yacht "L'Hirondelle" (1885-1888). Résultats des Campagnes Scientifiques Accomplies sur Son yacht par Albert I, Prince Souverain de Monaco (1896); “On some fishes from the sea off the Azores” (1905).     Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

bowdich, thomas edward

Thomas Edward Bowdich, escritor e viajante inglês, nasceu em Bristol a 20 de junho de 1791 e faleceu em Banjul, capital da Gâmbia, a 10 de janeiro de 1824. Na sua juventude estudou em escolas públicas em Bristol, demonstrando maior inclinação para as letras do que para as ciências. Inicialmente pensou em seguir advocacia, mas seu pai, fabricante de chapéus e comerciante, colocou-o como sócio na firma. Em 1813 casou-se com Sarah Wallis, com a qual partilhava o interesse pela natureza, as viagens e a aventura. Inscreveu-se ainda em Oxford, mas não concluiu os estudos aí. Em 1814 conseguiu um lugar de escriturário na Royal African Company e partiu para a cidade de Cabo Corso, no Gana. Em 1816 integrou uma missão, que acabou por chefiar, ao Império Asante na Costa do Ouro, tendo obtido um acordo com o Rei no qual se assegurava a paz e se preservavam os interesses ingleses na região. Regressado a Inglaterra em 1818, Bowdich denunciou a corrupção e a ineficiência na Royal African Company. Mudou-se, dois anos depois, para Paris, onde estudou matemática, física e história natural. Aí tornou-se íntimo do barão Georges Cuvier, assim como de Alexander von Humboldt e outros eminentes sábios, que o receberam muito bem e o ajudaram na consolidação da sua cultura científica. Durante a sua estada em Paris publicou diversos trabalhos científicos, incluindo de história natural. Ficou famoso o seu ensaio sobre as superstições, os costumes e as artes comuns aos egípcios, abissínios e asantes, que constitui o primeiro grande estudo da cultura e história da África ocidental. Em 1822 viajou com a mulher para Lisboa, onde esteve pouco mais de um mês, consultando aí arquivos públicos e privados, e escrevendo um trabalho sobre as descobertas dos Portugueses em Angola e Moçambique que viria a ser publicado em 1824. De Lisboa seguiu para o Funchal, onde chegou no dia 14 de outubro de 1822. Permaneceu na Madeira um ano, tendo sido hóspede do comerciante e cônsul inglês Henry Veitch. Efetuou várias viagens pela Ilha visitando também Porto Santo. Durante esta estadia, efetuou observações meteorológicas assim como colheitas de plantas e animais. Observou os costumes da população e anotou as suas impressões sobre a política e a sociedade madeirenses. Todas estas observações ficaram registadas numa obra cuja publicação se deveu à sua mulher, a qual também a ilustrou, sendo editada em 1825, um ano após a sua morte. Este trabalho inclui também listagens, ou simples referências, de plantas, insectos, moluscos, aves e peixes. Neste último caso, incluiu a descrição original do chicharro, Seriola picturata, posteriormente chamado Trachurus picturatus, com a respetiva ilustração, da autoria de sua mulher. Neste trabalho Bowdich denota um grande interesse pelas medições de temperatura, pressão, humidade relativa e altitude durante as suas excursões pela Madeira, uma característica que lhe foi sem dúvida incutida por Humboldt durante a sua estada em Paris. Embora detalhado na descrição e até ilustração de aspetos da geologia da Madeira e do Porto Santo, não soube contudo, interpretá-los e determinar a origem das ilhas, negando a sua origem vulcânica submarina. Contudo, esta e outras incorreções não desmerecem o valor desta obra, pela riqueza e diversidade de observações registadas, não só de âmbito natural, mas também cultural, social e político da Madeira do primeiro quartel do séc. XIX. Bowdich, a mulher e os três filhos deixaram a Madeira no dia 26 de outubro de 1823, num brigue americano, em direção a Cabo Verde, dada a inexistência de navios com destino à Serra Leoa, o objetivo desta sua terceira viagem a África. Em Cabo Verde, onde chegou por volta de 10 de novembro, fez observações idênticas às que tinha feito na Madeira na ilha da Boavista, onde permaneceu algumas semanas. Visitou ainda a ilha de Santiago durante um dia, tendo prosseguido para Banjul, à época Bathurst, na Gâmbia, onde chegou no início de dezembro de 1823. Aí iniciou de imediato um trabalho de colheita de plantas e animais e o levantamento topográfico da foz do rio Gâmbia. Atacado pelo paludismo, morreu no dia 10 de janeiro de 1824. Sarah Bowdich e os três filhos regressaram a Inglaterra e um ano depois da morte do marido foi publicado o livro sobre a sua derradeira viagem a África.     Obras de Thomas Edward Bowdich: Mission from Cape Coast Castle to Ashantee, with a Statistical Account of that Kingdom, and Geographical Notices of Other Parts of the Interior of Africa (1819); Essay on the Superstitions, Customs, and Arts Common to the Ancient Egyptians, Abyssinians, and Ashantees (1821); An Introduction to the Ornithology of Cuvier (1821); Elements of Conchology Including the Fossil Genera and the Animals (1822); An Account of the Discoveries of the Portuguese in the Interior of Angola and Mozambique (1824); Excursions in Madeira and Porto Santo (1825).   Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar