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silva, josé marmelo e

José Marmelo e Silva nasceu no Paul, concelho da Covilhã, a 7 de maio de 1911, tendo falecido em Espinho, a 11 de outubro de 1991. Frequentou o ensino secundário na Covilhã e em Castelo Branco, e o ensino superior em Coimbra e Lisboa, onde se licenciou em Filologia Clássica, com a dissertação Um Sonho de Paz Bimilenário: a Poesia de Virgílio. Fez serviço militar em Mafra, uma experiência com ecos em Depoimento, e na Madeira, vivência que ressoará em Desnudez Uivante. Regressa à Madeira já casado para, com a esposa, lecionar no Colégio Académico do Funchal, no ano letivo de 1946-1947. No ambiente insular, encontrou inspiração para escrever os Poemas da Ilha do Porto Santo, que publica na Seara Nova, na década de 1960. Foi, porém, em Espinho que exerceu funções docentes a maior parte do tempo, dando o seu nome à biblioteca local. De 1932 a 1983, publicou, com várias reedições, diversos livros, deixando inéditos os Memoriais, de carácter autobiográfico: O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo, contos (Renegado); a novela Sedução; Depoimento, contos; O Sonho e a Aventura, narrativas; a novela Adolescente, título da 1.ª edição, alterado para Adolescente Agrilhoado na 2.ª edição aumentada; O Ser e o Ter Seguido de Anquilose, contos (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião, que teve uma única edição); o romance Desnudez Uivante. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho e, em 1988, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Obras de José Marmelo Silva: Poemas da Ilha do Porto Santo; O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo (1932); Sedução (1937); Depoimento (1939); O Sonho e a Aventura (1943); Adolescente (1948) Adolescente Agrilhoado (1958); O Ser e o Ter seguido de Anquilose (1968); Desnudez Uivante (1983).   António Moniz (atualizado a 03.02.2017)

Literatura Madeira Cultural

moda

A abordagem da moda enquanto atividade estética integrada nas dinâmicas sociais e com a sua retórica própria radica, em grande parte, nos escritos de Roland Barthes e de Gillo Dorfles sobre o tema. Um momento marcante para uma reflexão teórica sobre a moda em Portugal, é, sem dúvida, a exposição Depois do Modernismo, em 1983, organizada por Luís Serpa, Cerveira Pinto e Leonel Moura, todos eles ligados às artes. A par da arquitetura, das artes visuais, do teatro, da dança e da música aparece também a moda (VASCONCELOS, 1983, 183-188), A emergência de novas atitudes e criadores de moda potencia o aparecimento de eventos que, ora vocacionados para a descoberta de novos talentos, ora numa vertente mais comercial, procuram a ligação ao mercado e ao mundo empresarial (SANTOS, 2007, 334). Destaca-se pela continuidade e pela repercussão a ModaLisboa, criada em 1991, que se afirma como uma plataforma de comunicação e marketing destinada a desenvolver a moda o contexto das indústrias criativas. Cada vez mais a criação na moda é assumida como uma das variantes do design, tanto no seu modus operandi, como nos seus circuitos de produção e de divulgação. Em 1991 a Europália integrou na exposição “Manufacturas - Criação Portuguesa Contemporânea”, em Bruxelas, comissariada por Delfim Sardo e desenhada por Pedro Silva Dias, com a presença de artistas plásticos e de designers de produto e de moda. Este é também o tipo de convivência que se verificou na exposição “Qualquer Semelhança é Inevitável”, produzida pela Loja da Atalaia e, Lisboa, em 1994 e comissariada pelo designer Filipe Alarcão. O Portugal Fashion, criado em 1995, fomentou a internacionalização da moda portuguesa estreando-se nas passerelles em 1999, com Fátima Lopes, José António Tenente, Maria Gambina, Miguel Vieira e Nuno Gama, apresentando ainda oito marcas. Em 2009, é inaugurado o MUDE - Museu do Design e da Moda onde podemos ver a Colecção Francisco Capelo, cujo núcleo de design de produto tinha sido exposto no Museu do Design no Centro Cultural de Belém, entre 1999 e 2006. A significativa presença da moda neste museu, dá conta do modo como os seus produtos se foram transformando em objetos de coleção, passíveis de institucionalização. Quanto ao contexto regional, os madeirenses, em particular as famílias mais abastadas do arquipélago, sempre receberam com muito interesse as novidades que eram trazidas além-mar, sobretudo dos grandes centros culturais europeus como Paris e Londres. No início do séc. XX, eram publicados no Funchal alguns periódicos que atribuíam grande importância à moda e às tendências da altura. Um deles, o Diário da Madeira, publicava duas a três vezes por semana uma coluna intitulada "Diário Elegante", onde se escreviam textos sobre moda, tecidos e cultura, com algumas opiniões e informações de interesse e curiosidade para a sociedade madeirense. O Comércio da Madeira reservava à mulher funchalense uma coluna intitulada "Jornal da Mulher", onde eram publicadas crónicas sobre moda. O Jornal da Madeira chegou a criar uma página feminina, intitulada "Jornal da Mulher", onde eram tratados os mais variados assuntos. Por volta de 1926, foram editados, por vários periódicos, Suplementos Femininos que retratavam a moda europeia e faziam chegar à sociedade madeirense todas as novidades nesta área. Por esta altura, já existiam algumas lojas de tecidos, que eram assiduamente publicitadas nos periódicos regionais: a Companhia Portuguesa de Bordados (recebia sempre os melhores e mais modernos tecidos); o Salão de Moda, a loja Rachel; a loja Braga; loja Primavera; o Petit Royal, entre muitas outras. Uns anos mais tarde já encontramos outras lojas como Casa Tavares, Dois Amigos, Último Figurino e um pronto-a-vestir de caráter seletivo em estabelecimentos como Maison Blanche, Cayres, Balão Vermelho, etc. Nos anos 80, a Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação da Madeira, organizava no Hotel Savoy, durante a tarde, chás acompanhados por desfiles de moda, integrando espaços comerciais e jovens criadores de então para fins de beneficência. Estes eventos eram organizados por equipas de senhoras voluntárias da referida instituição e que tinham como principal dinamizadora a Sr.ª D.ª Branca Melim. Numa tentativa de revitalização do Bordado da Madeira, criou-se em 2000 o Centro de Moda e Design, que se propunha preservar e dar uma nova imagem desta tradição, apoiar os jovens criadores no acesso a contactos com o exterior, seja participando em feiras e exposições, seja na mediação com a indústria têxtil nacional e internacional. O Centro, dirigido pela Eng.ª Isabel Araújo e com equipa própria, funcionava no IBTAM – Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira, que era então presidido pelo Escultor Ricardo Velosa. Investiu em equipamentos para modelação e impressão, com o intuito de assessorar os industriais de bordado e os designers de moda. Foi na altura do seu funcionamento considerado por muitos como um “novo fôlego para o Bordado” (CASSACA, 17-7-2002, 8, 9) e, embora não tivesse atingido o impacto desejado, o seu encerramento em 2007 causou surpresa (HENRIQUES, 30-7-2007, 15). O Portugal Fashion, importante evento da iniciativa da ANJE-Associação Nacional de Jovens Empresários, APT- Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário e Fundação da Juventude (“Grande Moda”, 18-4-2001, 17) realizou no Madeira Tecnopolo, através do Centro de Moda de Design, uma edição na Madeira em 2001, com coleções para o Outono/Inverno 2001/2002 que, pela sua qualidade e ineditismo, teve grande afluência. Os estilistas madeirenses presentes neste evento foram Fernanda Nóbrega, Hugo Santos, André Correia, Patrícia Pinto, Bela Henke, Zequita, Susana Menezes, Ana Rita Pessanha e Lúcia Sousa. (ORNELAS, 2001, 14-21). No desfile participaram ainda Luís Buchinho, Miguel Vieira, Maria Gambina, Ana Salazar, Anabela Baldaque, Paulo Cravo & Nuno Baltazar, Katty Xiomara, Osvaldo Martins, João Tomé & Francisco Pontes, destacados criadores de moda no panorama nacional, bem como diversas marcas portuguesas. Nesta edição do Portugal Fashion houve a intenção de criar sinergias entre turismo e moda, promovendo assim o destino Madeira. O mesmo objetivo é retomado em 2005, no ModaMadeira, tendo agora como promotora a AJEM - Associação de Jovens Empresários da Madeira, num evento que, entre 21 e 24 de Abril, trouxe à Madeira consagrados criadores de moda do panorama nacional e regional. Esta 1ª edição teve lugar no Centro das Artes - Casa das Mudas, na Calheta com a presença de Louis de Gama, Júlio Torcato, Katty Xiomara Isilda Pelicano, Paula Rola, Lidija Kolovrat, e coleções da Kispo, Lions of Porches e MacModa, para além de quatro dezenas de modelos nacionais e internacionais. A I ModaMadeira incluiu ainda três exposições temáticas: “Gama de Casa”, de têxtil lar de Nuno Gama; “A Modernização do Bordado Madeira” pela D’ART e o Sindicato das Bordadeiras e ainda uma mostra fotográfica “Looking at living style” do fotógrafo de moda Cassiano Ferraz. Participaram nos desfiles criações dos madeirenses Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, Susana Menezes, André Correia e Patrícia Pinto ( “Quatro dias de moda na Calheta, 21-4-2005, 1 “Palco de moda e de glamour”, 21-4-2005, 2-3; ABREU, 22-4-2005, 26; GONÇALVES, 1-5-2005, 10-11). Funchal Fashion Week 2005 teve lugar de 26 a 28 de Maio, numa organização em parceria da Sportsmoods, da Elite Models Portugal e da Câmara Municipal do Funchal, que declarou aspirar a uma futura internacionalização deste evento. Participaram Maria Gambina, Luís Buchinho, José António Tenente, Pedro Waterland, Nuno Baltazar, as lojas Nova Minerva e Ana’s Boutique e os criadores madeirenses André Correia, Hugo Santos e Patrícia Pinto (GOUVEIA, 12-5-2005, 12; GONÇALVES, 27-5-2005, 17). O ModaMadeira regressou em 2007 para mais uma edição no Madeira de 4 a 5 de maio, no Tecnopolo, que se orientou para o mercado madeirense em torno da moda, afastando-se da estratégia promocional da sua génese, mais vocacionada para a internacionalização. Pretendia incrementar a componente comercial, promover o Bordado Madeira, criar e desenvolver mercados e estimular os profissionais do sector. Para tal, estabeleceu um protocolo com a empresa D’Art e realizou ainda um concurso para jovens talentos. Foi promovido pela AJEM com a organização da Controlmedia, ficando a produção dos desfiles a cargo de Isabel Branco. Contou com a presença Alexandra Moura, Story Taylors, Filipe Faísca e Ana Salazar e com os madeirenses Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto e Lúcia Sousa (HENRIQUES, 1-5-2007, 15; “Moda”, 28-4-2007, 24-26; PESTANA, 22-4-2014, 25). Ficou então prevista uma 2ª edição neste mesmo ano e duas no ano seguinte. A 3ª edição do Moda Madeira, em 2008, contou com duas galas. A primeira, a 18 e 19 de janeiro no Madeira Tecnopolo recebeu os estilistas madeirenses Hugo Santos, Patrícia Pinto, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega e os consagrados estilistas nacionais, Nuno Baltazar e José António Tenente. A grande novidade foi a participação de jovens talentos na área da criação — Ana Catarina Freitas, Janett Agrela — e um desfile de marcas promovido pelo centro comercial Dolce Vita. (PESTANA, 05-01-2008, 33 e 18-01-2008, 36). Hugo Santos apresentou uma coleção inserida no contexto “Bordar Madeira”, uma iniciativa promovida pela Associação de Jovens Empresários Madeirenses (AJEM) em parceria com este criador de moda (PESTANA, 08-01-2008, 33). A segunda gala desta 3ª edição foi realizada em Maio, mantendo a participação de Anabela Baldaque, Miguel Vieira e de marcas do Centro Comercial Dolce Vita. Esteve presente também Fernanda Nóbrega e quatro jovens madeirenses, escolhidos por um júri, que mostraram o seu trabalho: Ruben Freitas, André Pereira, Ana Catarina Freitas e Janett Agrela (PESTANA,22-5-2008, 33 e 31-5-2008, 26-27). Esta foi a última edição deste evento, a que se seguiu, em 2012, um novo formato integrado numa marca criada pela AJEM intitulada New Order (http://ajem.pt/marcas-ajem/). No Centro de Congressos do Casino estiveram presentes os Storytailors, dupla constituída por João Branco e Luís Sanchez (este natural da Madeira), e os jovens estilistas selecionados no concurso de talentos Joana Mendonça, Mariana Sousa e Fábio Carvalho. Nos eventos de moda que se seguiram, a vertente de divulgação da criação e produção local para fora da ilha ficou mais focada em iniciativas particulares. Tem mantido continuidade o certame Funchal Noivos, promovido a partir de 2009 pela ACIF, com exposições e desfiles de moda, inicialmente específicos deste tema mas posteriormente alargados a festas e cerimónias em geral (“Funchal Noivos, 14-3-2009, 31). Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto, Fábio Carvalho, Emília Luz, André Pereira são alguns dos criadores que participaram ao longo das sucessivas edições. No decorrer dos anos, tivemos alguns criadores madeirenses que se destacaram, como por exemplo Fátima Lopes que deixou para trás a ilha e a sua atividade de guia turística para fixar-se em Lisboa, em 1990, e dedicar-se à moda. Abriu a loja Versus com roupas e acessórios de criadores internacionais e, em 1992, criou a sua própria marca. Em 1995 participa no Portugal Fashion e em feiras de moda francesas e em 1998 abriu um espaço no Bairro Alto com boutique, ateliê, bar e agência de modelos, o que indicia a sua visão integrada de uma atividade que exige um trabalho de equipa coeso e a convicção da necessidade de criar sinergias com a indústria. No ano seguinte integrou a ModaLisboa e passou a ser presença assídua na Paris Fashion Week. A sua persistência e profissionalismo valeram-lhe o reconhecimento internacional e uma Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique (2006), pelo seu importante papel na expansão dos valores culturais portugueses. Diversificou a área de atuação da sua marca para a criação de acessórios de moda, peças de joalharia, óculos, cutelaria, tapeçarias, porcelanas, cristais, instrumentos de escrita, calçado e também um perfume. Desenhou ainda o traje oficial da seleção nacional de futebol (2005), a vestuário oficial da equipa do Sporting (2007) e as fardas dos funcionários do prestigiado Hotel Conrad, no Algarve (2012). No início de 2016 mudou do Bairro Alto para um novo espaço perto da Avenida da Liberdade com ateliê, show room e agência Face Models. De entre os criadores que desenvolveram a sua atividade na Madeira podemos destacar vários nomes pela continuidade e qualidade do seu trabalho, como Patrícia Pinto, André Correia. Fernanda Nóbrega, Hugo Santos ou Lúcia Sousa. Patrícia Pinto nasceu em 1976 e concluiu o Curso de Design de Moda no IADE em 1998. Participou no Portugal Fashion na Madeira (2001), no Funchal Fashion Week (2005), no Porto Fashion Week, no Moda Madeira, no Portugal Fashion (2005 e 2006) entre muitos outros. Desde 2010 realiza desfiles individuais onde apresenta as suas coleções marcadas pela multiplicidade de cores, pela justaposição de padrões, tecidos e malhas: Yangu Afrik no Museu Casa da Luz, em 2011; 2011-2012, Dress up, please no Parque de estacionamento Almirante Reis; em 2012 In the market no Mercado dos Lavradores do Funchal; 2013 Orange – Blue e La vie en rose, no 7º Aniversário da sua loja, assinalando 15 anos de carreira; em 2015 Back to the Market, de novo no Mercado dos Lavradores. André Correia começou uma carreira na moda em 1992, em simultâneo com trabalhos de cenografia e figurinos para teatro. Neste mesmo ano abriu o seu ateliê e, em 1999, um novo espaço, já com loja. Iniciou o seu percurso na Escola de Moda Gudi, no Porto, realizando posteriormente um curso de Modelismo no CITEM, em Lisboa. Foi completando e diversificando a sua formação com a licenciatura em Design (2010) e uma pós-graduação em Arte e Design no Espaço Público (2013) ambos pela Universidade da Madeira. Lecionou Plástica do Espetáculo no Curso de Teatro do Conservatório-Escola das Artes, no Funchal (2012 e 2013). Apresentou coleções no Portugal Fashion (Madeira, 2001 e Porto 2005 e 2006), no Funchal Fashion Week (2005), no Moda Madeira (2005 e 2007), no Fashion Week nos Açores (2006) e marcou presença na ExpoNoivos no Porto (1998) e FunchalNoivos (desde 2009). Para além de criações personalizadas em que predominam os materiais nobres e naturais, explora técnicas e materiais que muitas vezes levam a cruzamentos entre traje e escultura, incorporando cordas, fibra de vidro, polímeros, técnicas de capeline, e outras. Nesta linha enquadra-se Bizarria, do espetáculo de moda, na discoteca Vespas e bares anexos Jam e Marginal; a instalação individual Silhuetas Virtuais, Galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (Funchal, 2003) e a coleção integrada nas Jornadas Académicas de Arte e Design, Alternativas, bem como os coordenados apresentados no evento Hypnotic Black Ice (discoteca Vespas 2004). Fernanda Nóbrega finalizou o curso de design de moda em 1990 e abriu o seu próprio ateliê em 1995. Define-se como de influência minimalista, que alia frequentemente a pormenores em bordado Madeira. Participou no Moda Madeira, no Portugal Fashion, Funchal 2001 e também em eventos nacionais como o 2000-Porto Capital Europeia da Cultura e da Moda, o Portugal Fashion Figueira 2002, o AdroModa, em Viseu, entre 2008 e 2011 e internacionais, caso do Global Fashion Festival em Berlim, em 2006. Hugo Santos fez uma nova abordagem da aplicação do bordado Madeira no vestuário, aproveitando a sua familiaridade com o bordado, adquirida desde cedo na empresa familiar. Começou por ser desenhador de bordado, tendo feito formação com Leandro Jardim. Apresentou coleções no Moda Madeira em 2005 e 2008, e participa no FunchalNoivos desde 2009, tendo sido presença assídua em diversas feiras internacionais. Lúcia Sousa, nascida na Austrália em 1976, formou-se em Arquitectura de Design de Moda em 2001 pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa e estagiou com José António Tenente. Iniciou-se como profissional em 2004 e tem marcado presença em eventos de moda regionais, nomeadamente na ModaMadeira e FunchalNoivos, e nacionais como a ExpoNoivos em Lisboa e a Exponor, no Porto. Nas suas criações para a moda feminina recorre frequentemente a draping e cortes assimétricos, exaltando o colorido e brilho dos tecidos. Atualmente a Madeira conta com jovens criadores como André Pereira, Mariana Sousa, Carolina Teixeira e Fábio Carvalho, que marcam presença nas passerelles madeirenses, que deram os primeiros passos na profissão na sequência do concurso de Jovens Talentos do ModaMadeira.     André Correia Licínia Macedo (atualizado a 05.02.2017)

Artes e Design Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

mercado interno (união europeia)

O mercado europeu é um espaço sem fronteiras internas no qual circulam livremente pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Com a integração dos mercados nacionais num espaço económico único procura alcançar-se aumentos de prosperidade, crescimento e emprego. Do mercado interno resultam benefícios significativos para os cidadãos europeus, tais como a mobilidade para trabalhar ou estudar, o aumento da gama de produtos e serviços, a tutela dos respetivos direitos enquanto consumidores, etc.; por seu turno, as empresas, ao operarem num contexto de maior dimensão do mercado e de concorrência, orientam-se por uma maior eficiência produtiva e pela procura de inovações diferenciadoras. As diferentes designações utilizadas, nomeadamente “mercado comum”, “mercado interno” e “mercado único”, correspondem a momentos cronologicamente distintos do percurso de integração, procurando-se através delas refletir o sucessivo aprofundamento e enriquecimento do mercado europeu. O mercado interno corresponde a um dos estádios ou fases da integração económica, entendendo-se esta como um processo composto por um conjunto de medidas que visam abolir a discriminação entre unidades económicas pertencentes a diferentes ordens nacionais (BALASSA, 1961). Seguindo o mesmo autor, um percurso de integração caracteriza-se por aprofundamentos sucessivos que assumem as seguintes formas: zona de comércio livre, união aduaneira, mercado comum, união económica e integração económica completa. Numa zona de comércio livre os Estados participantes suprimem as restrições tarifárias e quantitativas ao comércio entre si, conservando cada um deles a respetiva política tarifária perante terceiros; a união aduaneira pressupõe que, para além da supressão de restrições tarifárias e quantitativas, os Estados que a integram adotem uma pauta aduaneira comum; o mercado comum caracteriza-se pela abolição de restrições ao comércio, bem como de obstáculos à mobilidade de fatores; a união económica combina a supressão de restrições à livre circulação de bens, serviços e fatores com a harmonização das políticas nacionais em alguns domínios relevantes, a fim de eliminar tratamentos discriminatórios; por último, a integração económica completa pressupõe uma unificação das políticas monetária, orçamental, social e de contraciclo, o que implica a existência de autoridades supranacionais cujas decisões vinculam os Estados participantes. Esta classificação das fases da integração e, sobretudo, as características associadas pelo autor a cada uma delas não coincidem, com rigor, com as diversas etapas do processo de integração europeia (GRIN, 2003); no entanto, constituem um enquadramento teórico muito relevante para a compreensão da construção europeia. A análise do impacto económico dos processos de integração é objeto de vasta bibliografia. Neste domínio da teoria da integração releva o contributo de VINER (1950), o qual, segundo uma perspetiva estática, demonstra que as uniões aduaneiras geram efeitos positivos (criação de comércio) e negativos (desvio de comércio); outras análises, efetuadas de acordo com um prisma dinâmico, evidenciam os efeitos virtuosos da integração económica: a transferência de tecnologia, as economias de escala, o aumento da concorrência e da produtividade, o incremento do investimento e a diminuição do risco, entre outros.   Construção do mercado interno O Tratado que Institui a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma, 1957) estabeleceu como objectivo da integração económica a criação de um mercado comum, o qual pressupunha a concretização de uma união aduaneira, a eliminação de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente e a livre circulação de pessoas, serviços e capitais (arts. 2.º e 3.º, TCEE). Para alcançar estas realizações, fixou-se um período de transição de 12 anos, ou seja, até 1 de janeiro de 1970 (art. 8.º, TCEE); a união aduaneira foi concluída antes do termo daquele prazo, em 1 de julho de 1968. Para além da realização da união aduaneira, e da necessária política comercial comum, o mercado comum implicava também a efetivação da livre circulação de mercadorias, de serviços, de fatores de produção e de estabelecimento. Para tanto, procede-se à eliminação de restrições quantitativas, estabelecem-se as bases da livre circulação de trabalhadores dependentes e efetua-se uma harmonização parcial da fiscalidade indireta, com a implementação do IVA em 1970. Em domínios essenciais à concretização desta fase de integração, tais como a concorrência, a agricultura e pescas e os transportes, operou-se uma transferência de competências dos Estados-membros para a Comunidade, com vista à criação de políticas comuns, pelo que, durante a década de 60, se procedeu à definição da Política Comercial Comum, da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política de Transportes. Na década de 80, a livre circulação estava ainda longe de ser alcançada, em virtude de subsistirem cláusulas de salvaguarda, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas (designadamente sob a forma de regulamentações técnicas nacionais), práticas restritivas da concorrência promovidas por entes públicos (através, por exemplo, de auxílios estatais), bem como fortes entraves à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento. Verificava-se ainda a existência de diferenças consideráveis entre sistemas fiscais nacionais, em particular quanto à fiscalidade indireta, que se traduziam em acréscimos de custos de cumprimento, associados a formalidades administrativas, e em correlativas distorções de preços. Constatava-se também a presença de uma ampla diversidade de normas nacionais de carácter técnico (fundamentadas em razões de saúde pública, de proteção dos consumidores, sociais ou ambientais), as quais, para além de poderem dissimular intuitos protecionistas, constituíam em si mesmas entraves à livre circulação ao colocar sobre os produtos não nacionais o ónus de se terem de conformar com dois ordenamentos jurídicos distintos e, consequentemente, de incorrer em custos de adaptação de natureza produtiva ou administrativa. As dificuldades de concretização do mercado comum a este nível ficaram a dever-se, em grande parte, ao facto de a eliminação dos obstáculos decorrentes de regulamentações técnicas nacionais fazer-se por via da harmonização legislativa, o que exigia a unanimidade no Conselho (art. 149.º, TCEE). Perante estes entraves à plena concretização do mercado comum foi dado um impulso reformador no sentido do aprofundamento da integração económica através do Programa para o Mercado Interno, apresentado por Jacques Delors, seguido do Livro Branco, de 1985 (O Livro Branco da Comissão, elaborado por Lord Cockfield, e apresentado no Conselho Europeu de Milão, definia as reformas legislativas a efetuar e a transpor pelos Estados-membros até ao final de 1992: Completing the Internal Market: White Paper from the Commission to the European Council, COM(85) 310, junho de 1985). Entendendo que a realização do mercado europeu pressupunha uma supressão efetiva de fronteiras físicas, técnicas e fiscais, estes documentos propõem cerca de 300 medidas legislativas, a adoptar até 1992, destinadas a abolir o controlo de pessoas e mercadorias em postos aduaneiros internos; eliminar os entraves à circulação de mercadorias e serviços gerados por regulamentações nacionais; e aproximar a tributação indireta. Aponta-se também para a utilização de uma “nova metodologia” que privilegia o reconhecimento mútuo, reservando a harmonização técnica e normalização para as “exigências fundamentais” de segurança, de saúde e de proteção do ambiente. Assim, a par da relevância conferida ao princípio do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais, elaborado pela jurisprudência europeia, propõe-se uma maior flexibilidade no processo decisório de harmonização conjugada com uma nova metodologia – comitologia – destinada a eliminar o excessivo detalhe dos textos legislativos. Em consonância com aqueles objetivos de aprofundamento, o Ato Único Europeu (J.O. L 169/1 de 29/06/87), entrado em vigor a 1 de julho de 1987, introduziu no Tratado o conceito de “mercado interno”, como um “espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada”, a concretizar até 31 de dezembro de 1992 (art. 8.º-A, aditado ao TCEE). Para tal operou-se uma importante alteração do processo decisório substituindo-se a regra da unanimidade, vigente até então, pela da maioria qualificada, em domínios fundamentais como os direitos da pauta aduaneira comum, a livre prestação de serviços e a aproximação das legislações nacionais [art. 95.º (100.º-A), TCEE]. O Ato Único Europeu consagra uma articulação entre o aprofundamento do mercado comum e a coesão económica e social, bem como uma sedimentação da identidade europeia, a partir da plena circulação dos cidadãos num espaço sem fronteiras internas. A realização do mercado interno, nos termos delineados pelo Livro Branco, encontrava-se concluída no final de 1992, com a adopção de mais de 90% das medidas previstas naquele documento: alcançou-se a quase total livre circulação de pessoas e de mercadorias, a liberalização total dos movimentos de capitais e o aprofundamento da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Apesar destes progressos, o mercado interno ainda estava longe de ser uma realização plena em virtude de terem sido deixados de fora importantes domínios, como a harmonização fiscal e a liberalização de sectores económicos fundamentais, bem como por se constatarem atrasos na transposição de diretivas, transposição incorreta ou a sua inadequada aplicação pelas administrações nacionais. Para além destes aspetos, cedo se constatou a necessidade de aprofundar a harmonização surgindo sucessivas “gerações” de diretivas em diversos sectores, tais como os serviços financeiros, a supervisão financeira, a contratação pública, etc. A partir de 1992, foram tomadas várias iniciativas com vista ao maior aprofundamento do mercado interno, como o Plano de Ação para o Mercado Único a Estratégia para o Mercado Interno 1999-2002, a Estratégia para o Mercado Interno 2003-2006 e o Mercado Único para o Século XXI. Após duas décadas sobre o mercado interno, a UE propôs uma nova estratégia global de aprofundamento da integração de mercado, como condição para o aumento do crescimento, do emprego e da coesão social, ao publicar uma comunicação da Comissão intitulada Ato para o Mercado Único. Doze Alavancas para Estimular o Crescimento e Reforçar a Confiança Mútua “Juntos para um Novo Crescimento” (COM/2011/206 final, 13/04/2011). Com esta estratégia pretende estimular-se o crescimento e o emprego, restaurar a confiança dos cidadãos no mercado interno e proporcionar aos consumidores todos os benefícios que ele oferece. A fim de ultrapassar as falhas da integração do mercado, propõem-se reformas estruturais que permitam concretizar os objetivos de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo definidos pela estratégia “Europa 2020”. As falhas ou insuficiência do mercado interno, que agora se visa corrigir, respeitam à fragmentação do mercado, à eliminação dos obstáculos e barreiras à livre circulação dos serviços, à inovação e à criatividade. A Comissão identifica “doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança dos cidadãos”, a cuja execução associa ações-chave, entendendo-se que o sucesso desta estratégia só poderá ser alcançado se existir uma melhor governação do mercado único. O relançamento do mercado interno, agora proposto, evidencia uma estreita conexão entre as políticas e ações tradicionais relativas ao mercado interno e os aspectos da integração europeia de carácter social, atento o objectivo de concretização da economia social de mercado afirmado pelo Tratado da União Europeia (TUE) no número 3 do seu artigo 3.º.   Caracterização A UE estabelece um mercado interno (art. 3.º n.º 3.º, TUE). De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), “o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados”. Nos termos deste preceito o mercado interno europeu tem como núcleo essencial as quatro “liberdades económicas fundamentais”, no entanto a sua plena efetivação pressupõe a existência de uma união aduaneira e de um enquadramento de livre concorrência. A concretização das liberdades económicas fundamentais só pode ser alcançada se os mercados forem competitivos, pelo que o mercado interno “inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada” (Protocolo n.º 27, relativo ao mercado interno e à concorrência). Nesta medida, o modelo de mercado interno europeu integra um conjunto de normas de “defesa da concorrência”, aplicáveis às empresas e aos Estados-membros (arts. 101.º a 109.º, TFUE). Ligadas indissociavelmente à construção do mercado interno encontram-se as normas relativas à “política comercial comum” (arts. 206.º e 207.º, TFUE), que disciplinam a vertente externa da união aduaneira, e as “disposições fiscais” (arts. 110.º a 113.º, TFUE), com base nas quais se procura que os custos associados à tributação indireta não representem distorções à concorrência e obstáculos ao funcionamento do mercado interno. A concretização do mercado europeu é acompanhada de uma “política de coesão” (art. 3.º n.º 3.º, TUE; arts. 174.º a 178.º, TFUE) que visa assegurar que todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica, beneficiem e contribuam para esse mercado. O mercado interno constitui um domínio de competência partilhada entre a União e os Estados-membro (art. 4.º, n.º 2 a), TFUE).   União aduaneira A livre circulação de mercadorias implica que estas circulem sem entraves no espaço territorial da UE. Para alcançar plenamente essa liberdade devem ser eliminadas todas as barreiras de natureza tarifária ou aduaneira, assim como as barreiras não tarifárias. Pressupõe-se, portanto, uma eliminação das normas nacionais que estabeleçam encargos pautais ou encargos de efeito equivalente, bem como das normas que criem obstáculos quantitativos ou que consubstanciem medidas de efeito equivalente. A eliminação de barreiras tarifárias é alcançável através da concretização da união aduaneira (art. 30.º a 32.º, TFUE), alcançando-se a eliminação de barreiras não tarifárias através da proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente a estas (art. 34.º a 36.º, TFUE). Nos termos do artigo 28.º TFUE, “a União compreende uma união aduaneira”, que abrange todo o comércio de mercadorias (arts. 28.º n.º 2 e 29.º, TFUE), implica a proibição de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de encargos de efeito equivalente entre os Estados-membros (arts. 28.º n.º 1 e 30.º TFUE) e pressupõe a adoção de uma Pauta Aduaneira comum (arts. 28.º n.º 1 e 31.º, TFUE). Tem a natureza de “encargo de efeito equivalente” qualquer encargo pecuniário, seja qual for a sua dimensão, designação e técnica de aplicação, imposto unilateralmente sobre as mercadorias pelo mero facto de atravessarem uma fronteira – e que não se trate de um direito aduaneiro em sentido estrito –, mesmo que não seja estabelecido em benefício do Estado, não tenha um efeito de discriminação ou de proteção, ou mesmo se o produto sobre o qual incide não concorrer com nenhum produto nacional (ac. Comissão/ Luxemburgo e Bélgica, Procs. 2/62 e 3/62, Col., 1962-1964, p. 147; ac. Alemanha/ Comissão, Procs. 52/65 e 55/65, Col. ed. port., p. 319; ac. Comissão/ Itália, Proc. 24/68, Col. 1969, p. 193; ac. Diamandarbeiders, Procs. 2 e 3/69, Col. 1969, p. 211). A jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu o “efeito direto vertical” do artigo 30.º do TFUE no ac. Van Gend en Loos (Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205). A união aduaneira constitui um domínio de competência exclusiva da UE (art. 3.º n.º 1 a), TFUE).   Liberdades económicas fundamentais As quatro liberdades encontram-se consagradas no direito primário da UE nas seguintes normas: livre circulação de mercadorias (arts. 30.º a 37.º, TFUE), de pessoas (arts. 45.º a 55.º, TFUE), de serviços (arts. 56.º a 62.º, TFUE) e de capitais (arts. 63.º a 66.º, TFUE). Para além da liberdade de circulação de mercadorias e serviços a integração do mercado europeu pressupõe também a livre circulação de recursos produtivos a fim de se alcançar a sua alocação mais eficiente, ou seja, o respetivo emprego em utilizações mais valiosas, geradoras de maiores ganhos de bem-estar. As disposições do Tratado relativas às liberdades de circulação disciplinam o exercício de atividades económicas transfronteiriças, proibindo medidas nacionais discriminatórias ou medidas indistintamente aplicáveis que restrinjam o direito de acesso ao mercado (ac. Dassonville, Proc. 8/74, Col. 1974, p. 837; ac. Rewe-Zentrale AG, Proc. 120/78, Col. 1979, p. 649); constituem, por isso, mecanismos jurídicos nucleares na concretização de “um espaço sem fronteiras internas” (art. 26.º n.º 2, TFUE). As normas do direito primário que consagram as liberdades económicas têm aplicabilidade direta (i.e., integram as ordens jurídicas dos Estados-membros sem que seja necessária qualquer medida de receção no direito nacional; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205) e efeito direto vertical (conferem aos particulares direitos de que estes se podem prevalecer perante a ordem jurídica nacional, relativamente a medidas dos Estados-membros; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205; ac. Salgoil, Proc. 13/68, Col. 1973, p. 453; Ac. Van Duyn, Proc. 41/74, Col. 1974, p. 1337; ac. Costa/ENEL, Proc. 6/64, Col. 1964, p. 1251; ac. Van Binsbergen, Proc. 33/74, Col. 1974, p. 1299). Em determinadas circunstâncias e condições as normas relativas às liberdades fundamentais da UE podem ter efeito direto horizontal (i.e., são constitutivas de direitos subjetivos oponíveis a particulares; ac. Bosman, Proc. C-415/93, Col. 1995, p. I-4921; ac. Angonese, Proc. C-281/98, Col. 2000, p. I-4139) e efeito indireto horizontal, por via dos deveres de proteção do Estado (ac. Comissão/França, Proc. C-265/95, Col. 1997, p. I-6959; Ac. Schmidberger, Proc. C-112/00, Col. 2003, p. I-5659). As medidas nacionais restritivas das liberdades económicas fundamentais podem considerar-se justificadas com base nas derrogações expressas previstas no Tratado (art. 36.º, 45.º n.º 3, 52.º e 62.º, TFUE), bem como em “exigências imperativas” ou “razões imperiosas de interesse geral”.   Mercado interno e União Económica e Monetária A maximização das vantagens da integração dos mercados só é alcançável se for possível operar uma efetiva comparação de preços dos bens e dos factores produtivos em todo o espaço do mercado. Nesta medida, compreende-se que, num percurso dinâmico de integração, o aperfeiçoamento do mercado interno determine a criação de uma união económica e monetária, enquanto mecanismo capaz de garantir a estabilidade e a comparabilidade dos preços e de evitar distorções à concorrência geradas por custos e desvalorizações cambiais. Em síntese, os benefícios potenciais do mercado único só são alcançáveis com uma moeda única, de forma a assegurar a transparência de preços, a redução de custos de transação e a eliminação de riscos cambiais. O Ato Único Europeu (1986), ao estabelecer o desígnio de criação do mercado interno, contribuiu para generalizar o entendimento de que a concretização daquele mercado, por determinar uma significativa interdependência entre as economias dos Estados-membros, aconselhava a uma maior convergência das políticas nacionais, sob pena da total liberdade de circulação de capitais e da plena integração dos mercados financeiros imporem, no plano nacional, difíceis ajustes monetárias e económicos. O Tratado de Maastricht (1992) consagrou a base jurídica de criação da União Económica e Monetária (arts. 119.º a 144.º, TFUE), seguindo as linhas gerais do Relatório Delors (1989). É inequívoca a particular interdependência entre a liberdade de circulação de capitais (uma das quatro liberdades económicas fundamentais do mercado interno) e a União Económica e Monetária. Se, por um lado, a criação da união monetária impulsionou o aprofundamento da livre circulação de capitais, enquanto pré-condição para a efetivação daquele estádio de integração, por outro, esta liberdade só pode concretizar-se plenamente quando existe uma política monetária e cambial únicas. Com a livre circulação de capitais pretende-se que a mobilidade deste recurso seja essencialmente determinada por razões económicas, deslocando-se o capital em busca da maior reprodutividade, o que é sinónimo de uma alocação mais eficiente. Um espaço unificado a nível cambial permite eliminar diferenças cambiais e custos de conversão, contribuindo para essa mobilidade. Deve ainda ter-se em conta que a existência de uma política monetária única e a coordenação das políticas económicas nacionais introduz uma maior estabilidade de preços e uma diminuição de riscos, o que mitiga a deslocação de capitais orientada pela obtenção de ganhos especulativos. O mercado interno europeu encontra-se, por isso, inextricavelmente associado à União Económica e Monetária, correspondendo esta a um estádio evolutivo de integração mais aperfeiçoado que tem por base o funcionamento do mercado europeu e, simultaneamente, contribui para o seu aprofundamento.   Madeira No quadro do direito da UE, a RAM é qualificada como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adotadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos Tratados nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais. As referidas medidas específicas não podem pôr em causa, porém, a integridade e coerência do ordenamento jurídico da União, incluindo o mercado interno (art. 349.º, TFUE).     Paula Vaz Freire (atualizado a 05.02.2017)

Economia e Finanças

conferências andarIlhas vão ao museu da imprensa

O ciclo de conferências itinerantes vai agora a Câmara de Lobos É a segunda edição do ciclo de conferências AndarIlhas que ocorre no próximo dia 24 de Fevereiro pelas 18 horas no Museu da Imprensa da Madeira em Câmara de Lobos. A iniciativa das professoras e investigadoras Luísa Antunes Paolinelli e Cristina Trindade, ambas membros da equipa de coordenação científica do projecto Aprender Madeira, pretende levar a cabo uma intervenção de proximidade no seio das comunidades locais em cada concelho de Região Autónoma da Madeira dando a conhecer os conteúdos que comporão o Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira, com organização do Professor Doutor José Eduardo Franco e da responsabilidade da Agência de Promoção da Cultura Atlântica e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, focando temáticas alusivas ao concelho onde se realiza e /ou, assinalando também uma efeméride que se considere relevante focar. Assim, a segunda conferência AndarIlhas, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e do Museu da Imprensa da Madeira terá como oradores o Professor Doutor Thierry Proença dos Santos, que versará sobre “A Toponímia Tradicional Madeirense” focando certamente locais em específico no concelho de Câmara de Lobos e o Dr. Carlos Barradas que dará a conhecer ao público o resultado da sua investigação sobre “A Malta dos Ceroulas Brancas”, alegado gang criminoso que terá, nos anos 30 do século passado, causado uma onda de violência na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. De referir que o evento tem entrada livre.   A Malta dos Ceroulas Brancas "A “Quadrilha dos Ceroulas Brancas”, também conhecida popularmente por “Malta dos Ceroulas Brancas”, foi um grupo de rapazes que, no início dos anos trinta do séc. XX, provocou uma onda de violência e criminalidade na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Quem eram? Porquê que praticavam tais crimes? O que estaria na origem da fundação dos “Ceroulas Brancas”? O modus operandi, a organização do bando e a curiosa indumentária que usavam nos atos criminosos provocaram sensação na época, lançando o terror no Estreito de Câmara de Lobos e em todos aqueles que passavam pela freguesia, nomeadamente turistas e comerciantes. A imprensa da época, sobretudo, pela pena do Diário do Notícias da Madeira procurou apurar as estranhas ocorrências nesta freguesia. A reputação das façanhas criminosas dos “Ceroulas Brancas”, inclusive contra a própria autoridade, fez com que a polícia funchalense levasse a sério as queixas dos habitantes do Estreito, dando origem a um plano concreto para a prisão dos elementos que compunham o grupo. Os meliantes foram capturados, segundo os registos da imprensa, a 10 de agosto de 1932, pelo então chefe de polícia Óscar Dória. Apesar da captura e extinção do grupo, a memória das proezas criminosas dos “Ceroulas Brancas” ficaram para sempre guardadas no imaginário popular. " A Toponímia Tradicional Madeirense Dada a humanização das suas paisagens, a toponímia do arquipélago da Madeira reflete uma estrutura geográfica, histórica, linguística e etnográfica. Por isso, essa denominação de lugares constitui hoje um valioso património cultural que enriquece a memória coletiva, através de dados de interesse histórico e de referenciais de valor identitário e simbólico. Todavia, à denominação espontânea dos lugares de outrora opõem-se por vezes, nos espaços recentemente urbanizados ou requalificados, novos topónimos por via administrativa, reveladora de interesses vários, em termos de motivação política ou comercial, que suscitam debate sobre a oportunidade ou a pertinência da escolha do signo toponímico. Nuns casos, o desconhecimento da origem do nome pode levar à deturpação do topónimo; noutros casos, ao substituir um nome de lugar por outro, corre-se o risco de apagar as relações que a população local mantinha com o lugar. Por fim, é sabido que a mudança de regimes políticos pode dar início a um processo de reformulação da toponímia, sendo esta reveladora da nova situação ideológica. Nesta perspetiva, aprofundar o conhecimento do sistema de toponimização tradicional poderá evitar a descaracterização dos repertórios de localização e do mapeamento estabilizado do espaço conhecido, que fazem parte do quotidiano e que conferem ao arquipélago da Madeira uma identidade singular.

Madeira Cultural Notícias

estufas, impostos sobre as

Era um imposto especial e privativo da Madeira, sendo uma receita da Junta Geral, usada, entre outras coisas, para a construção e a preservação das estradas. Foi instituído em 1805 e terá sido extinto em 1856 – tendo a Junta deixado de usufruir da sua receita, única fonte de financiamento que tinha para as obras públicas –, certamente devido às dificuldades por que passara a cultura da vinha, com o aparecimento, em 1852, do oídio; com efeito, em 1857, Francisco Correia Herédia referia que o imposto nada produzia. Todavia em 1888, vemos publicitada a cobrança do imposto na imprensa, de acordo com uma tabela de 1837, o que pode significar que o mesmo foi restabelecido. De facto, num regulamento da Câmara do Funchal de 1919, aparece uma taxa sobre as estufas de sol e as de calor artificial, sendo, respetivamente, de 8$05 e 30$00. Tratava-se de uma contribuição distrital, sendo a arrecadação e a aplicação da receita feita na área do distrito. Em 1806, a sua receita foi usada para financiar a construção da cadeia pública. Em 1838, usou-se 67 % da quantia na construção e na reparação de estradas. Depois, tornou-se o suporte financeiro dos melhoramentos da agricultura e das estradas, sendo apresentada, em 1843, como a única receita da Junta Geral. Nesse ano, a Junta encarregou um empregado seu da função de arrecadar este direito e de fiscalizar a contribuição das estradas e a escrituração da receita e da despesa. Todavia, em 1844, refere-se que o ato de carregamento da estufa deveria ser comunicado à secretaria do Governo e, em 1906, que o engenheiro agrónomo do distrito deveria ser informado desse facto. Nos inícios do séc. XIX, as estufas haviam proliferado por toda a cidade do Funchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e das respetivas lojas. A Fazenda Real viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo um imposto mensal de 16.000 reis, por cada estufa, sem ter em conta o tamanho ou o número de pipas que aí se cozia. Em março de 1806, a Junta dava conta da resolução régia de 12 de junho de 1805, propondo que o imposto, aplicado a todas as estufas, o fosse de acordo com a capacidade de cada uma. Mas, noutra conta, de 23 de agosto de 1806, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de julho, a Junta propõe o lançamento de um imposto de 12.000 reis, por pipa, em cada mês, de acordo com o que já havia deliberado numa reunião de 26 de março. No entanto, a 25 de fevereiro de 1807, a Junta fez o assento de um novo decreto, de 15 de dezembro de 1806, comunicado por provisão do Erário Régio de 16 de fevereiro de 1807, e alterou o imposto, de 16.000 reis mensais por cada pipa, para 1.920 reis por pipa cozida. Por isso, ordenou ao deputado corregedor da Câmara que vistoriasse as estufas, verificasse a capacidade e cobrasse a soma respetiva, impondo-se a pena de imposto dobrado para aqueles que fizessem novas entregas e as não manifestassem. Tudo isto foi regulamentado publicamente por edital de 28 de fevereiro de 1807, em que se tinha em conta, não só a medida de cada estufa, mas, igualmente, o número de pipas carregadas por temporada lançando-se, depois, mensalmente, a respetiva imposição. Por decreto de 23 de julho de 1834, sucedeu nova alteração, passando a imposição a ser cobrada mensalmente a partir de então, à taxa de 200 reis, por pipa de vinho cozida. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinho submetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processo de aquecimento, de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com o decreto de 1805, que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em laboração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e dos proprietários, pelo que se mandou proceder a um inventário ou manifesto, por editais de 29 de outubro e de 26 de novembro de 1806. De acordo com os editais, o dono deveria dirigir-se à Junta para registar as estufas, pois, caso contrário, seriam encerradas. A partir de 1806, a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capacidade, não se tendo em conta os meses de laboração e a quantidade de vinho. Apenas se tornava necessário vistoriá-las para dar conta do número de pipas que cada uma podia conter. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maior vigilância na laboração e, ao mesmo tempo, era preciso uma ação de fiscalização nos momentos de carga e descarga, de forma a estabelecer-se o cômputo do número de pipas em laboração. Em 1831, estabeleceu-se que o imposto deveria ser lançado sobre todo e qualquer método de construção, sempre que se aproveitasse o calor do fogo artificial. Daqui resultou que a cobrança, feita em 1839 e em 1840, atingia o vinho que amadurecia ao ar livre, em cima dos fornos de cozer pão, o que foi considerado lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado como o principal fator de entorpecimento das trocas. A estrutura administrativa para a cobrança do imposto era simples. A partir de 1807, a tarefa de vistoriar as estufas ficou a cargo do deputado executor ou corregedor da comarca, cargo que, em 1821, era ocupado por Luís António Oliveira, nomeado pela Junta, e em 1825 por João da Cruz Henriques. O administrador era coadjuvado por alguns fiscais. O imposto foi confirmado por carta de lei de 20 de fevereiro de 1835, sendo três os fiscais que o supervisionavam: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares e Tude Fernando Carmo. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento que, como se pode inferir por vários documentos, era muito morosa, tardando, frequentemente, os devedores a realizar o seu pagamento e obrigando a Junta a notificá-los por várias vezes, ou a proceder judicialmente. Em alguns casos, chegou-se mesmo a confiscar as estufas e a pô-las em hasta pública, para se poder reaver os direitos em dívida ou proceder à avaliação dos bens confiscados. A partir de 1843, a Junta Geral decidiu encarregar um seu funcionário da arrecadação da taxa. De acordo com determinação da mesma Junta, de 1844, todos os proprietários de estufas, no momento de proceder ao carregamento, que acontecia normalmente nos meses de novembro a fevereiro, deveriam dar conta do seu carregamento na secretaria da junta, para se proceder ao lançamento da taxa. Noutro aviso de 1906, refere-se que todo o movimento que aconteça nas estufas deverá ser comunicado ao engenheiro agrónomo do distrito. Esta fiscalização visava evitar abusos, nomeadamente na cobrança das taxas. Ainda em 1918, o diretor da Alfândega, em aviso de 18 de abril, informava que todos os mostos e vinhos que entrassem nas estufas deveriam ser fiscalizados no ato de entrada e só depois disso poderiam ser baldeados para as cubas de aquecimento. Depois, à saída para a Alfândega ou os armazéns, deveriam ser portadores de uma guia de trânsito. Também se informava que a delegação agrícola realizava análises dos vinhos estufados, tirando as amostras adequadas.     Alberto Vieira (atualizado a 04.02.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

comércio do funchal

O Comércio do Funchal teve a sua 1.ª edição em 1866 sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira, mantendo-se a sua publicação até ao n.° 13, em 1867. Reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso a 15 de agosto do mesmo ano. No ano de 1966, um grupo de democratas madeirenses, que tinham atividade profissional ligada à agência de publicidade Foco, uma das duas primeiras agências de publicidade da Madeira, pretendendo fazer ouvir a sua voz através de um jornal autónomo e sem dependência editorial de terceiros, decidiu abalançar-se à publicação de um semanário. Na impossibilidade política e prática, devido à ditadura de Salazar, de criar um título novo, optou por “refundar” o CF, semanário já existente, arrendando-o ao seu proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, e criando a sigla CF, para retirar significado ao nome original. Além de ser o proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, embora sem exercer o cargo, figurava como diretor do jornal pois, face à legislação vigente, não era possível substituí-lo, aparecendo Vicente Jorge Silva como diretor interino, situação que se manteve até ao 25 de Abril. No grupo inicial de fundadores, que transcendeu os provenientes da Foco, contavam-se Artur Andrade (pai), António Aragão Mendes Correia, José Manuel Barroso, Vítor Rosado, Luís Manuel Angélica, Ricardo França Jardim, José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira, entre outros. Alguns destes fundadores, apesar de já terem colaborado com outros periódicos regionais, Diário da Madeira, Jornal da Madeira e Eco do Funchal, não possuíam, no entanto, a experiência da publicação autónoma, o que não impediu que o grafismo adotado fosse inovador para a época, bem como a singularidade na escolha da cor (cor-de-rosa), que se ficou a dever ao facto de o preço deste papel ser o mais barato. Apesar da inexperiência e de todos os condicionamentos económicos e políticos, o grupo partilhava, para além da oposição ao regime salazarista, uma decidida vontade de inovar no jornalismo madeirense, rompendo, com esta proposta, o marasmo e a apatia reinantes, levando a liberdade de expressão o mais longe que a censura permitisse. Todos esses constrangimentos obrigavam a que, além de quatro funcionários administrativos, só dois elementos da redação, com dedicação exclusiva, auferissem ordenado. O CF existia graças ao apoio duma certa intelectualidade madeirense e nacional, tendo-se afirmado no panorama da imprensa nacional, com particular incidência junto da juventude universitária e dos milicianos que lutavam nas colónias, leitores fiéis, que constituíam quase exclusivamente o sustentáculo económico do jornal. Esta projeção valeu-lhe, no entanto, fortes dissabores com a censura e, posteriormente, com o exame prévio de Marcelo Caetano. Eram feitos, sistematicamente, cortes parciais e integrais em artigos, que tinham de ser substituídos em cima da hora de fecho da edição, tornando a saída de cada número uma odisseia. O periódico foi, inclusivamente, suspenso pela censura entre maio e outubro de 1968. O CF era paginado às quartas-feiras na Tipografia Minerva, situada na R. dos Netos, onde também era paginado o semanário Voz da Madeira, no qual colaborava Alberto João Jardim. Posteriormente, o jornal era dobrado manualmente e expedido, de modo a estar nas bancas no fim de semana. O jornal Voz da Madeira, da responsabilidade de Agostinho Cardoso, tio e figura tutelar de Alberto João Jardim, defendia e veiculava as ideias e posições da União Nacional e do regime salazarista. Todo o trabalho de dobragem e expedição do CF era realizado com recurso a trabalho voluntário predominantemente por pessoas ligadas à Juventude Operária Católica (JOC). A JOC, caso inédito a nível nacional, apesar de ser um movimento ligado à Igreja Católica, defendia e tinha na Madeira uma militância de esquerda. O CF chegou a atingir tiragens de 15.000 exemplares, a maioria dos quais expedidos para fora da Madeira. As receitas mal chegavam para cobrir os custos de edição e expedição para o continente e para as colónias, sendo o preço de venda do jornal nas colónias inclusivamente inferior ao preço dos portes. Ao longo da sua existência, o jornal ocupou várias sedes, respetivamente na R. dos Aranhas, na Av. do Mar, na R. do Seminário, na R. dos Netos, sendo a sua última fase na R. do Carmo (cedida gratuitamente pelo seu maior mecenas, o médico França Jardim). Paralelamente à sua atividade editorial, o CF apoiava e divulgava nas suas páginas toda uma série de iniciativas de âmbito cultural, fomentando um debate aberto e plural na sociedade madeirense. De entre essas iniciativas inéditas destacam-se debates sobre temas pertinentes tais como: a situação do turismo, a cultura na Madeira e o plano de urbanização do Funchal, da autoria de José Rafael Botelho, prestigiado arquiteto de esquerda, por encomenda do então presidente da Câmara do Funchal, Fernando Couto, plano esse que dividiu profundamente a sociedade madeirense. Outro dos assuntos debatidos versava o tema Portugal perante a Europa, participando nesses debates figuras regionais, algumas com ligações ao regime, e personalidades nacionais de relevo como Francisco Balsemão, António Barreto e João Martins Pereira. Desde os primeiros tempos interiorizou e assumiu o CF o desejo de autonomia como um dos seus traços mais característicos, não só a nível político e administrativo, face à centralização paternalista, asfixiante e castradora do salazarismo, mas um desejo de autonomia das próprias pessoas, no que se refere à sua dignidade de cidadãos. Quando começou a aventura do CF encarava-se a autonomia enquanto conceito libertador da secular dependência e do subdesenvolvimento da Madeira, sendo esse sentimento partilhado por um leque de pessoas dos mais variados quadrantes sociais e políticos, incluindo até responsáveis da União Nacional salazarista, como Agostinho Cardoso.   O CF e a censura do regime salazarista As contradições da época, o isolamento e a quietude social e política da Madeira permitiram que o CF tivesse beneficiado de um ambiente menos hostil à sua difusão local e ao seu posterior crescimento a nível nacional. Ao contrário do que se passava no resto do país, onde os censores eram numerosos e anónimos, na Madeira os censores não possuíam enquadramento ideológico seguro, tendo por vezes de aceitar essas funções, para as quais não estavam vocacionados, por arrasto doutras profissões que exerciam. Graças à proximidade e às boas relações pessoais existentes, era possível estabelecer um diálogo civilizado com os censores, sendo a censura na Madeira de certo modo mais benigna e sendo possível negociar cortes e proibições. Tinham os jornalistas e redatores uma luta constante para “escrever nas entrelinhas” de modo a que os censores não se apercebessem da verdadeira mensagem que estava a ser veiculada de forma sub-reptícia. Contudo, essa situação não se manteve eternamente e, a partir de uma edição sobre o Maio de 68 em França, arrancada quase a ferros ao censor, veio uma ordem do poder central para o CF ser censurado em Lisboa. Considerou o CF que, se obedecesse a essa ordem, estaria a criar um precedente gravíssimo e definitivo. A estratégia adotada foi a de interceder junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional, invocando, por um lado, precisamente o (alegado e formal) regime de autonomia atribuído às chamadas ilhas adjacentes (distrito autónomo) e, por outro lado, argumentando que todo o material publicado na edição em questão tinha sido previamente visado pela censura local e que deste modo “não havia infringido nenhuma regra ou publicado material interdito […] e que se os textos dessa edição tinham sido carimbados e aprovados pela censura local e, além disso, se existia esse regime autonómico (apesar de formal), então o CF estava a ser alvo de uma medida claramente discricionária e até de uma flagrante ilegalidade” (SILVA, 2006, 19). No entanto, teve de se esperar que Salazar fosse substituído por Marcelo Caetano, iniciando-se a chamada “primavera marcelista” (fictícia primavera política), para que a coação exercida de forma continuada junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional produzisse resultados. Apesar de ter nascido e ser editado na Madeira, o CF implementou-se em Portugal continental, junto dum público fidelizado, o que, até então, nenhum órgão de comunicação madeirense alcançara. Progressivamente, o CF foi-se afirmando a nível nacional, assumindo o papel de ponto de encontro, de plataforma nacional que espelhava debates ideológicos que as esquerdas, em especial as esquerdas universitárias, vinham travando. Essa abertura alterou, contudo, o “centro de gravidade” do jornal, que de algum modo, e pouco a pouco, começou a refletir as posições políticas e ideológicas dos seus colaboradores. Apesar de debater e refletir os grandes temas de discussão nacional, o CF nunca perdeu de vista nem descurou as suas raízes, dedicando, de forma continuada e permanente, atenção aos temas regionais, tendo inclusivamente uma secção específica para o efeito, a secção “Aqui e Agora”. Os tempos eram contudo de tempestade política que prenunciava, aliás, o fim do Estado Novo. Ninguém escapou a esse movimento que exacerbou as divergências entre as várias tendências da esquerda mais radical, acentuando clivagens ideológicas e o sectarismo das correntes maoistas, neoestalinistas e trotskistas, tanto por parte dos leitores como dos colaboradores. A descontinuidade geográfica em relação ao continente e a circunstância de se encontrar longe do epicentro das lutas que se travavam permitiu uma providencial distanciação física e ideológica insular ou, se se quiser, provinciana, filtrando e atenuando as mais exuberantes manifestações, preservando e possibilitando a existência dum resguardo. Por outro lado, a linha não engajada, que era a linha do socialismo libertário, da autogestão, da social-democracia norte europeia, prosseguida por Vicente Jorge Silva, principal responsável editorial do jornal, conseguiu durante algum tempo exercer uma arbitragem eficaz, mesmo que quixotesca, junto às posições opostas e cada vez mais extremadas dos colaboradores do CF.   O CF e o 25 de Abril Citando o próprio Vicente Jorge Silva, “quando acontece o 25 de Abril, o Comércio do Funchal constituía o núcleo central da oposição visível à ditadura na Madeira. Tinha sido a partir do Comércio do Funchal que se tinha tomado a iniciativa da chamada Carta ao Governador (que era então o coronel Braamcamp Sobral, um homem de grande estreiteza mental e que fazia pressões sistemáticas junto da censura para criar dificuldades crescentes ao jornal). Tinha sido também a partir do CF que se organizou a lista da oposição às eleições de 1969. Nessas iniciativas é justo destacar o papel de José Manuel Barroso e António Loja. Entretanto, tinham afluído ao jornal pessoas de novas proveniências, nomeadamente, a nível local, do militantismo católico e que em grande parte acabariam por converter-se, mais tarde, ao marxismo-leninismo. Foi-se verificando, assim, um choque de tendências entre a chamada oposição moderada e a oposição mais esquerdista que se refletiu também no interior do Comércio do Funchal, onde a influência do esquerdismo predominava (e a que não eram estranhos a maioria dos colaboradores radicados no continente)” (SILVA, 2006, 21). À medida que as posições ideológicas se extremavam, tornava-se cada vez mais difícil a situação de Vicente Jorge Silva, emparedado entre essas tendências, porque, por um lado, considerava a chamada oposição moderada e republicana, protagonizada pelos que mais tarde viriam a fundar o Partido Socialista, demasiado branda, mas, por outro lado, não se identificava “nem com o comunismo soviético (o Comércio do Funchal era, aliás, muito crítico em relação à URSS e aos regimes de Leste), nem com as correntes maoistas dominantes na juventude universitária onde o jornal tinha forte implantação” (SILVA, 2006, 22). O 25 de Abril tomou a todos de surpresa. Nas primeiras horas, a falta de informação e a informação contraditória não permitia descortinar quem eram os reais autores do golpe e a sua verdadeira dimensão, correndo inclusivamente, nessa altura, o boato de que se poderia tratar de um golpe de extrema-direita protagonizado por Kaúlza de Arriaga. Nos dias seguintes, à medida que ia chegando informação de que se tratava da queda do regime, a assimilação das suas verdadeiras implicações por parte dos madeirenses, incluindo as autoridades civis e militares, não foi imediata, pelo que se viveu “na Madeira um tempo de confusão verdadeiramente surreal, em que as autoridades locais fingiam comportar-se como se nada se tivesse passado (apesar de Tomás e Caetano terem sido enviados sob prisão para o Funchal) e em que alguns agentes da PIDE apareciam nos cafés falando em voz alta para serem ouvidos nas mesas vizinhas, alegando que nunca tinham feito mal a ninguém. Sentia-se que era preciso reagir, fazer qualquer coisa, mostrar que o 25 de Abril também tinha chegado à Madeira, apesar de não ter havido na ilha nenhuma movimentação militar. Ora, as comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade constituíam uma ocasião particularmente propícia para isso. E foi a partir das instalações do Comércio do Funchal, transformadas em quartel-general, que se organizou a manifestação do 1.º de Maio que juntou dezenas de milhares de pessoas ao longo das ruas do Funchal, passando pelo palácio de S. Lourenço onde estavam detidos Tomás, Caetano e ministros da ditadura como Moreira Baptista e Silva Cunha, até terminar no largo do Colégio. Os discursos foram feitos a partir da varanda da Câmara Municipal (alguns elementos do MFA destacados na Madeira tinham colaborado na parte logística) que decidimos ocupar simbolicamente, até para exigir a demissão dos responsáveis do antigo regime que se mantinham placidamente nos seus postos, fingindo ignorar o que acontecera no país” (SILVA, 2006, 22). Com a Revolução de 25 de abril, o tradicional papel histórico do CF, sem ninguém disso se aperceber, estava paulatinamente a chegar ao fim. Na primeira edição do período depois do 25 de Abril, dada a indefinição existente, nem se sabia ao certo se seria ou não necessário submete-lo à censura. Nos dias, seguintes, multiplicavam-se as edições, à medida que surgiam novos desenvolvimentos. Foram dias de frenesim e excitação revolucionária, com novos desenvolvimentos hora a hora, minuto a minuto. A excitação e a euforia revolucionária desses dias forneciam a energia para ultrapassar o cansaço. Para além de assegurar as múltiplas tarefas inerentes às sucessivas edições, o núcleo de pessoas pertencentes ao CF teve de conciliar essa ação com as atividades emergentes da militância política. Rapidamente se colocou a questão de saber qual o papel que o jornal deveria assumir futuramente. Adquirido era apenas o facto de que continuaria a ser de esquerda, porém estava em questão se deveria continuar a ser uma publicação politicamente autónoma e independente ou se, pelo contrário, deveria tornar-se o porta-voz de um movimento político e partidário. Vicente Jorge Silva e o núcleo duro dos fundadores moderados defendiam a primeira alternativa, mas estavam claramente em minoria face à vontade dominante, que acabaria por prevalecer. Entretanto, fora criado um movimento político, a União do Povo da Madeira (UPM), que juntou a oposição mais à esquerda, e ao qual aderiram também muitos recém-chegados à democracia. A certa altura, chegou-se a verificar um mimetismo entre a redação do CF e os órgãos de cúpula da UPM, cujos membros eram oriundos em parte dos movimentos cristãos da juventude, embora incluíssem também outros militantes, nomeadamente Liberato Fernandes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martins, que formaram uma tendência claramente maoista no interior do CF. A oposição mais tradicional ao regime lançou o Movimento Democrático da Madeira (MDM). “Apesar de algumas tentativas para aproximar os dois movimentos, o corte consumou-se, em larga medida devido à irredutibilidade do chefe do MDM, Fernando Rebelo. O MDM chegou rapidamente ao poder transitório da época, mas acabou também rapidamente por consumir-se no fogo-fátuo do PREC madeirense. Quanto à UPM, tornou-se progressivamente uma sucursal da UDP e ganhou um cariz cada vez mais radical e populista, propagando as teses da revolução operária e camponesa numa terra sociologicamente muito conservadora e marcada pelo caciquismo político-religioso. Um caciquismo a que o novo bispo do Funchal, Francisco Santana, não deixou de recorrer em força: foi ele, aliás, quem escolheu Alberto João Jardim para diretor do jornal da Diocese, o Jornal da Madeira, dando-lhe a notoriedade e a cobertura para lançar a carreira política que se conhece” (SILVA, 2006, 24) Com a fragmentação e clivagem que se verificou, bem como com a consequente radicalização das diferentes fações ideológicas no interior do CF, assumiu preponderância a linha ligada à UPM, com as suas teses marxistas-leninistas-maoistas. Uma das suas exigências era a da fixação dum salário mínimo regional igual ao do continente, sem se considerar a exiguidade e sustentabilidade económica dessa medida, i.e., a possível falência das empresas e o consequente desemprego que poderia provocar. A UPM estava interessada predominantemente na luta de classes e nas teses que dela decorriam, pelo que não olhava com bons olhos os editoriais – do seu ponto de vista pouco ortodoxos –assinados por Vicente Jorge Silva nem o facto de este não estar engajado em qualquer das correntes dominantes e se encontrar preocupado com questões de outra ordem, como as relacionadas com autonomia da Madeira, que não eram consideradas como tendo valia suficientemente revolucionária e que representavam, no entender dos seus delatores, graves desvios em relação à “linha correta” por eles prosseguida. Essas críticas, partilhadas por parte significativa dos colaboradores regulares de Lisboa, foram aumentando de tom até se tornarem insustentáveis e conduzirem ao pedido de demissão de Vicente Jorge Silva, que posteriormente prosseguiu uma carreira profissional a nível da imprensa nacional, desempenhando cargos de chefia no Público e no Expresso. Com a liberdade trazida pelo 25 de Abril, deixou de sociologicamente fazer sentido uma plataforma de encontro entre as várias tendências da esquerda portuguesa, que até aí tinham conseguido coexistir de forma relativamente pacífica e que eram a base de sustentabilidade do CF. As diferentes tendências ou partidos criaram os seus próprios órgãos de comunicação social. Com a saída de Vicente Jorge Silva, chegou ao fim a linha editorial que o CF prosseguira, tendo a tendência ligada à UPM (futuramente União Democrática Popular e Bloco de Esquerda) feito dele o seu órgão de comunicação. Mais tarde, a comissão de trabalhadores, liderada por Vasco Sousa, saneou os elementos maoistas da UPM e assumiu a direção do jornal, tendo-se, por razões táticas que se prenderam sobretudo com a sustentabilidade do periódico, aliado ao Partido Comunista Português. Contudo, tal aliança não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do jornal, o qual veio a encerrar algum tempo depois, tendo perdido toda a importância e o prestígio que a oposição ao regime de Salazar e Caetano lhe tinham granjeado.   Helder Melim (atualizado a 28.01.2017)

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