Mais Recentes

museus

No arquipélago da Madeira, e particularmente na cidade do Funchal, os museus desenvolveram-se como resultado da investigação e da constituição de coleções científicas, saídas do espírito iluminista dos finais do séc. XVIII. A sua posição estratégica, entre os circuitos do Velho Mundo e os seus impérios coloniais, nas rotas de atravessamento do Atlântico fez com que se iniciassem investidas do domínio científico, sobretudo no âmbito das ciências naturais. Charles Darwin não esteve na Madeira, mas mandou lá um discípulo e incluiu várias espécies madeirenses nos seus trabalhos científicos. James Cook, por sua vez, esteve no arquipélago à procura de raridades botânicas, iniciado que estava na Europa um pensamento sistemático de cariz científico para conhecer a fauna e a flora. Do estudo e catalogação da natureza, partiu-se rapidamente para a sua recriação, procurando-se, num espaço confinado, reproduzi-la a partir do trabalho do homem. Nasciam assim, e tornavam-se cada vez mais comuns, os jardins botânicos. Já Hans Sloane (1660-1753), fundador do Museu Britânico, esteve na Madeira a caminho de expedições às Antilhas Inglesas. As expedições científicas tinham por objetivo a constituição de coleções, como são os casos do Museu Britânico, dos Kew Gardens, da Universidade de Cambridge e do Museu de História Natural de Paris. A Madeira funcionou muitas vezes como laboratório de experimentação das técnicas de estudo e recolha que foram aplicadas nas viagens feitas no Atlântico, no Índico e no Pacífico. Serviu também o arquipélago de espaço de aclimatação de plantas entre os hemisférios Sul e Norte, existindo até, desde finais do séc. XVIII, estudos para a criação de jardins com esse propósito. Até cerca de 1828, funcionou, na zona do Monte, um primeiro viveiro de plantas. Em 1850, o governador civil da Madeira, José Silvestre Ribeiro, lançou a ideia da criação de um gabinete de história natural, afirmando: “tomei sobre mim o empenho de dar começo ao estabelecimento de um museu, na cidade do Funchal, deixando ao tempo, ao zelo dos que me substituírem e à solicitude do ilustrado Governo de Sua Majestade e seu progressivo desenvolvimento. Em todos os países cultos, a fundação de Museus tem merecido aos governantes a mais desvelada atenção. É que estas instituições são livros abertos aos olhos da inteligência popular e o melhor meio de cultura científica e social” (SILVA, 2002, 72). Neste contexto, chegaram mesmo a ser disponibilizadas algumas salas do palácio de São Lourenço para a instalação provisória do museu, que acabou por ser desmontado com a saída do governador. Em 1852, Frederico Welwitsch propôs a criação de um jardim de aclimatação do Funchal. Uma recolha realizada na Madeira foi depois entregue ao herbário da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Em 1854, o barão de Castelo de Paiva desenvolvia na Madeira trabalhos de recolha científica, que resultou na doação de um herbário da Madeira e Porto Santo à Real Academia das Ciências. Já o documento elaborado por Frederico Welwitsch, sob o título Aforismos acerca da Fundação de Jardins de Aclimatação na Ilha da Madeira e em Angola, na África Austro-Ocidental, e entregue à Casa Real refere curiosamente que a existência de um bem organizado jardim, povoado com as mais vistosas produções da flora de todas as zonas, havia forçosamente de chamar para ali um avultado número de viajantes curiosos e aumentar consideravelmente a já não pequena concorrência de doentes, convidando uns e outros a uma maior demora naquela Ilha dos encantos: “parece a criação de um jardim de aclimatação, com as componentes modificações para ao mesmo tempo servir de passeio público, uma das mais eficazes providências que o governo de Sua Majestade atualmente podia dar para aquela Ilha, a fim de mitigar algum tempo tanto as tristes consequências da devastadora epífita que lá reina, bem como para evitar a futura repetição de semelhantes desastres, que mais cedo ou mais tarde sempre se deverá recear, se os madeirenses continuarem a basear exclusivamente, como até agora, todas as suas esperanças agrícolas sobre um só género de cultura” (VIEIRA, 1985, 102). Assim, ao longo do séc. XIX, foi-se acumulando experiência científica no ramo das ciências da natureza, transformando-se a Madeira num ponto estratégico no quadro da exploração mundial. Para além disso, a presença assídua da Madeira na rota das campanhas oceanográficas do príncipe Alberto do Mónaco, entre 1879 e 1912, parece ter também inspirado a atenção dada ao mar por D. Carlos I, Rei de Portugal. O padre alemão Ernesto João Schmitz, nascido em Rheydt, vice-reitor do Seminário do Funchal, fundou em 1882 um Museu de História Natural, conhecido como Museu do Seminário, reunindo, na sua qualidade de especialista em ornitologia, uma coleção notável da fauna madeirense. As coleções primeiramente organizadas por Schmitz foram depois completadas e aprofundadas por outros especialistas. Em 1908, o Museu passa a ser dirigido pelo então reitor do Seminário, Cón. Manuel Agostinho Barreto. Com a implantação da república, o Museu foi desmontado e transferido para casa própria no Lg. de Ribeiro Real. Esteve depois um tempo desativado até ter voltado, na déc. de 40 do séc. XX, ao Seminário da Encarnação, integrado, já na déc. de 80 do mesmo século, no Jardim Botânico do Funchal. Como são exemplo outras unidades surgidas com a República, foram criados pelo país museus escolares, como é o caso do Museu do Liceu do Funchal, a partir de coleções ligadas às ciências da natureza adquiridas em 1913 e 1914 por Alberto Artur Sarmento. A primeira experiência museológica fora das ciências da natureza que revela uma preocupação com a proteção do património construído é da Câmara Municipal do Funchal (CMF), em 1915, com o projeto de constituir um museu arqueológico no Convento de Santa Clara do Funchal, reunindo elementos arquitetónicos de demolições de edifícios históricos, como as armas do Convento de São Francisco do Funchal e várias inscrições epigráficas. Foi ainda revelada a intenção de esse Museu ser o fiel depositário do próprio espólio artístico do Convento de Santa Clara, que se encontrava praticamente ao abandono. No entanto, problemas relativos à tutela e direitos de outras instituições sobre o Convento não permitiram dar continuidade ao projeto. Outra ideia sem continuidade efetiva foi a do museu oceanográfico que a CMF, em 1920, queria instalar no edifício da Santa Casa da Misericórdia. Por deliberação da CMF, foi criado, em 1929, o Museu de Ciências Naturais, sob proposta de Adolfo César de Noronha (nomeado diretor da Biblioteca Municipal em 1928), só abrindo ao público em 1933, no palácio de São Pedro, antiga residência dos condes Carvalhal. Nasceu com a designação Museu Regional da Madeira, anexo à Biblioteca Municipal, tendo-se achado pertinente a existência de secções de arqueologia, arte e etnografia. A inexistência de outras unidades museológicas que desenvolvessem outros aspetos da história do arquipélago justificavam a presença das secções referidas. Em visita à instituição, Manuel Cayola Zagallo refere a sua insuficiência no que concerne à designação de “museu regional”, visto ser pouco abrangente noutros campos do conhecimento para além das ciências da natureza, afirmando a necessidade de ser rebatizado como Museu de História Natural, a sua verdadeira vocação. Por sugestão de Adão Nunes, em 1957, foi possível concretizar, no rés do chão do edifício, um aquário de água salgada, já com orientação técnica de Günther E. Maul, onde se apresentaram os mais importantes elementos da fauna marinha costeira da Madeira. Günther E. Maul, diretor do Museu entre 1943 e 1981, foi desenvolvendo a apresentação de animais montados, encontrando-se, em 2015, acessíveis ao público cerca de 78 espécies de peixe, 247 aves, 14 mamíferos terrestres e marítimos, 3 répteis marinhos, 152 insetos e outros invertebrados, assim como uma importante coleção de rochas e minerais do arquipélago, tais como fósseis marinhos do Porto Santo. Em 2015, as coleções atingem cerca de 37.500 exemplares. Permanecendo praticamente intacto desde a sua inauguração, este museu passou a ser, em termos de conceção museográfica, e apesar da reorganização do seu programa científico e orientação museológica, um importante exemplo da história da museologia portuguesa, mantendo o seu cariz oitocentista. É também de destacar o facto de ter sempre desenvolvido uma vertente de investigação científica, publicando desde 1945 o Boletim do Museu Municipal do Funchal e ainda, de forma não periódica, a revista Bocagiana, com a inscrição de novas espécies para a ciência dos vários arquipélagos atlânticos. A manutenção, desde o nascimento do Museu, de um sistema de permutas deu origem a uma importante biblioteca especializada. O Museu desenvolveu ainda uma importante ação educativa, com atividades ligadas à educação ambiental e divulgação científica que são desenvolvidas dentro do espaço museológico dos seus serviços de educação, mas também no exterior. O Museu seria integrado no departamento de ciência da CMF, assim como na Estação de Biologia Marinha, junto ao antigo cais do carvão, no Funchal. No campo das artes plásticas, história e arqueologia, sendo esparsas as preocupações das entidades governamentais e autárquicas, apesar de referidas em vários fóruns, a Madeira não conseguiu, até meados da segunda década do séc. XX, concretizar nenhuma instituição museológica com plena autonomia. No campo das artes plásticas era notória a existência de algumas coleções e do interesse por obras de arte dos colecionadores portugueses e de origem inglesa estabelecidos na Ilha. É exatamente por via de uma coleção privada, a de César Filipe Gomes, e da sua doação ao Estado, após a aquisição em 1946 da Qt. das Cruzes, que nascerá o primeiro museu de vocação próxima das artes decorativas. A inauguração do Museu da Quinta das Cruzes, quinta que, em 1947, havia sido classificada como imóvel de interesse público, só acontecerá em 1953, integrada nas comemorações oficiais do 28 de Maio. O processo de aquisição do imóvel não foi pacífico, tendo sido concluído apenas em 1948. No documento de doação de toda a coleção de obras de arte por parte de César Filipe Gomes, fica à responsabilidade da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a criação do Museu de Artes Decorativas, com particular empenho do então presidente João Abel de Freitas. Já em 1955, João Couto refere: “Esta primorosa instituição cuja base foi a coleção do amador César Gomes, não tem deixado de ser enriquecida com peças adquiridas pela Junta Geral. A Madeira, graças aos seus atuais dirigentes, dignos herdeiros dos esforçados paladinos doutras felizes eras, passa agora um momento alto no que diz respeito à resolução dos seus difíceis problemas artísticos” (COUTO, 1955, 32). O Museu, desde a sua fundação até 1976, foi dirigido por comissões diretivas que dependiam diretamente da Junta Geral. A comissão que vigorou até 1973 era constituída por Rui Vieira, Frederico de Freitas e António Aragão Mendes Correia, que em 1970 publica o primeiro catálogo geral do Museu. São depois substituídos por Rui Carita, Álvaro Simões e Jorge Marques da Silva. Em 1976, Amândio de Sousa torna-se no seu primeiro diretor. A instalação do Museu de Artes Decorativas na Qt. das Cruzes não deixa de ter uma raiz simbólica, na medida em que se trata de uma das mais prestigiadas quintas madeirenses. A quinta madeirense liga-se ao conceito de quinta de recreio portuguesa, distribuindo-se por várias dependências, desde a casa grande, a capela, a casinha de prazer, o parque ajardinado e a pequena horta, que, a partir do séc. XVIII, foram pontuando sobretudo o anfiteatro da baía do Funchal. A designação “das cruzes” permanece incerta no tempo, aproximando-se das primitivas casas de João Gonçalves Zarco, 1.º capitão donatário do Funchal. Esta casa foi depois ampliada no tempo do seu filho, o 2.º capitão João Gonçalves da Câmara, ao mesmo tempo que se realizava obras na capela de Nossa Senhora da Conceição de Cima e construía o Convento de Santa Clara do Funchal. Ao longo dos séculos, foi sofrendo transformações importantes até que, em meados do séc. XVIII, deverá ter ganho a estrutura que se manteve. Em 1692, havia sido construída a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, pela família Lomelino. A vocação de artes decorativas sempre marcou a coleção do Museu da Quinta das Cruzes, sendo que a designação “Museu da Quinta” procurava, de certa forma, apontar para um programa científico que visava enquadrar a ideia de quinta funchalense, das suas funcionalidades, espaços e equipamentos. A coleção, primeiro nascida do conjunto doado por César Gomes, refletia de certa forma o gosto dominante na Madeira da primeira metade do séc. XX. A primeira montagem da coleção ficará a dever-se essencialmente a Frederico de Freitas e a José Leite Monteiro, com a colaboração de Ângelo Silva, de Eduardo Pereira, de Basto Machado e de João Maria Henriques. Veja-se o que nos diz António Aragão: “Na realidade, os espaços das ‘casas das cruzes’ que através dos séculos serviram de moradia a variadas gerações, voltaram a ser compostos com objetos de uso doméstico, objetos esses, é claro, selecionados segundo um critério de qualidade e apresentação que os transferem de posição utilitária e doméstica para uma situação de objetos referenciáveis dentro duma outra escala de valores” (CORREIA, 1970, 46). Às coleções iniciais, juntaram-se, em 1966, as de ourivesaria europeia de João Wetzler, antiquário que residia na Madeira, havendo um importante esforço de aquisição sobretudo no mercado regional, e depois nacional, de obras de arte. Nas coleções, e dentro da sua variedade tipológica, deveremos destacar o conjunto de mobiliário português dos sécs. XVII-XVIII ao gosto madeirense, dito “caixa de açúcar”, realizado com madeiras exóticas, na sua maioria brasileiras. No mobiliário estrangeiro, o destaque vai para o mobiliário inglês dos sécs. XVIII-XIX, Chippendale, Hepplewhite, Sheraton, etc. Refiram-se ainda dois contadores indo-portugueses, produzidos em Goa em meados do séc. XVII, um outro da Índia Mogol, realizado no segundo quartel do séc. XVII, e um escritório Namban, japonês, de inícios do séc. XVII. Notáveis são também os dois contadores espanhóis ao gosto hispano-mourisco, dito Vargãnos, de meados do séc. XVII. Merece especial referência um conjunto de ourivesaria portuguesa religiosa e civil de meados do séc. XVI até ao séc. XVIII, com destaque para uma bandeja com pé, de inícios do séc. XVI, e um porta-paz do início do segundo quartel do mesmo século com a aplicação de cabochões de pedras preciosas. Na ourivesaria estrangeira, pode destacar-se uma taça com pé de Nuremberga, coberta, de meados do séc. XVI, uma salva de Augsburgo de finais do séc. XVII, outra de Amsterdão de meados do séc. XVII e um par de escravas saleiro em prata e ébano, do México, de meados do séc. XVII. No Museu, consta ainda um pequeno conjunto de jóias e objetos de adorno femininos e masculinos, originários da coleção de César Gomes. Trata-se de peças oriundas, na sua maioria, de oficinas europeias, com destaque especial para algumas obras portuguesas de meados do séc. XVIII, como minas de proveniência brasileira ou um par de brincos goeses de início do séc. XVII. O Museu possui também uma importante coleção de glíptica, com exemplares de entalhes romanos (séc. I d.C.) e modernos (sécs. XV e XVI), assim como camafeus desta última época. Integrada na exposição de joalharia, e montada num estojo de meados do séc. XVIII, encontra-se uma placa aberta a buril com a representação da Sagrada Família, assinada por um dos mais importantes artistas holandeses da segunda metade do séc. XVI, Henrick Goltzius (1558-1617). A cerâmica existente nas coleções divide-se em dois núcleos. O das faianças, maioritariamente portuguesas, dos sécs. XVII a XIX e um núcleo de porcelanas europeias e orientais. Estas últimas estão representadas por alguns exemplares da dinastia Ming e sobretudo da dinastia Qing, com peças de encomenda europeia, ditas da Companhia das Índias. Muito curiosa é a presença de um conjunto, serviço de chá, encomendado pelos lealistas franceses, com as silhuetas, dissimuladas em jogo ótico, do Rei Luís XVI, de Maria Antonieta e do delfim real, de finais do séc. XVIII. Na pintura, o Museu possui uma coleção eclética, com destaque especial para algumas pinturas de raiz romântica, maioritariamente inglesas, com vistas da baía do Funchal e da ilha da Madeira, assim como três pinturas de Tomás da Anunciação, das quais se destaca O Piquenique, onde se vê em primeiro plano a família do conde de Carvalhal na sua propriedade do Palheiro Ferreiro. Na coleção, encontramos ainda vários retratos do pintor Joaquim Leonardo da Rocha e uma pintura, rara na obra do artista, com a representação do forte da Pontinha. É ainda de destacar duas pequenas pinturas atribuídas a Jacques Callot (1692-1625) ou o retrato do marquês de Castelo Rodrigo, D. Francisco de Moura, de escola flamenga ou holandesa de meados do séc. XVII. Referência especial deve ter ainda a pintura da Virgem do Loreto, pintura a óleo sobre madeira que parece ser ainda uma cópia do séc. XVI, de Rafael. Na escultura, deve nomear-se especialmente um retábulo flamengo da cidade de Bruxelas do último quartel do séc. XV, em madeira de carvalho, assim como uma Virgem com o Menino, provavelmente da escola de Bruges, de finais do mesmo século. Deve aqui referir-se ainda uma coleção de figuras de presépios de barro datáveis de meados do séc. XVIII, algumas delas produzidas em oficinas regionais. Montadas em enquadramento romântico, em pleno jardim, estão algumas pedras significativas, provindas de demolições que tiveram lugar ao longo dos sécs. xix e xx no Funchal. Destaque-se a presença de duas janelas de recorte manuelino em cantaria basáltica, assim como parte do pelourinho da cidade do Funchal. Nos jardins do Museu está implantada uma cafetaria anexa a uma estrutura de apresentação de um orquestrofone, adquirido pelo visconde de Cacongo, João Rodrigues Leitão (1843-1925), na Exposição Mundial de Paris de 1900, e integrado nas coleções do Museu desde 1978. Em 2007, depois de devidamente restaurado, este foi apresentado ao público. O Museu de Arte Sacra do Funchal nasce de uma crescente preocupação das entidades civis e religiosas relativamente ao património artístico da ilha da Madeira depois da extinção das ordens religiosas a partir de 1834 e da revolução de 1910. Desde 1933 que se reuniram algumas peças da Sé em duas salas anexas, gesto que manifestou uma primeira preocupação com o património religioso. Em 1934, o conservador do palácio da Ajuda, Manuel Cayola Zagallo, com a colaboração das entidades locais e o entusiasmo de D. António Pereira Ribeiro, bispo do Funchal, realizou um primeiro levantamento da pintura flamenga da ilha da Madeira. Esta primeira abordagem constitui uma primeira consciência da qualidade e excecionalidade do conjunto redescoberto. Depois do apoio logístico e financeiro da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, o conjunto foi enviado para Lisboa para ser restaurado no ateliê de Fernando Mardel e apresentado, em 1949, no Museu Nacional de Arte Antiga, numa exposição temporária orientada pelo diretor João Couto. De regresso ao Funchal, o conjunto fica exposto num anexo da Sé até à abertura do Museu, a 1 de junho de 1955. O Museu foi instalado no antigo paço episcopal, que, entre 1914 e 1943, havia funcionado como Liceu do Funchal, sofrendo depois profundas obras de adaptação praticamente contemporâneas da reorganização urbanística da praça do município, nas suas traseiras. O antigo paço episcopal, harmonizado por grandes obras da segunda metade do séc. XVIII, no tempo do bispo D. João do Nascimento, foi primitivamente fundado por Luís de Figueiredo Lemos, em 1594. Da época primitiva é a arcaria dupla de sabor maneirista sobre a posterior praça do município e a capela de São Luís de Tolosa, datada de 1600. Dominando a construção, sobre o edifício do séc. XVIII ergue-se uma torre avista navios, que permitia, no último piso, através de uma varanda aberta, observar toda a baía do Funchal. Nesta varanda na parede a norte, foram colocados gigantes painéis de azulejaria portuguesa do séc. XVIII, que ilustram os temas da fé, da esperança e da caridade. Nas coleções do Museu, podem destacar-se duas áreas essenciais, a da arte flamenga e a da arte portuguesa. A presença da arte flamenga na ilha da Madeira relaciona-se com os intensos contactos comerciais estabelecidos com a Flandres, desde meados do séc. XV e por todo o séc. XVI, por causa do açúcar produzido em larga escala sobretudo na costa sul da ilha da Madeira. Muitos dos produtores e donos de engenhos, assim como comerciantes, realizaram encomendas sumptuárias à Flandres, de pintura, escultura e ourivesaria, de que a coleção do Museu de Arte Sacra é um exemplo paradigmático. A coleção de pintura apresenta exemplares do período que vai do último quartel do séc. XV até aos anos 40 do séc. XVI, com obras atribuídas a Dieric Bouts, Gérard David, Joos Van Cleve, Jan Provoost, mestre do tríptico Morrison, Pieter Coeck van Aelst, Jan Gossaert, dito Mabuse, entre outros. Dos conjuntos retabulares, de invulgaríssimas dimensões, refira-se, a título de exemplo, A Virgem e o Anjo da Anunciação, atribuída a Jan Provoost, e, provindos da igreja matriz da Calheta, A Adoração dos Reis Magos, atribuída ao Mestre da Adoração de Machico, da igreja matriz de Machico, Maria Madalena, atribuída a Jan Provoost da Sé do Funchal, e São Pedro, São Paulo e Santo André, atribuído a Joos van Cleve, da capela de São Pedro e São Paulo do Funchal. Na escultura flamenga, encontram-se exemplares das escolas de Malines, Antuérpia e Bruxelas e de ateliês hispano-flamengos de finais do séc. XV até ao fim do primeiro quartel do séc. XVI. A escultura flamenga tem vindo, ao lado da pintura, a ganhar maior significado, até pela entrada na coleção de novas obras. Refira-se especialmente as peças Calvário, São Roque e Deposição no Túmulo, da Sé do Funchal, Santa Luzia, da primitiva igreja de Santa Luzia do Funchal, ou a Virgem com o Menino da igreja matriz de Machico. Na coleção, destacam-se ainda duas raríssimas peças, uma bandeja e um cálice puncionados, da cidade de Antuérpia, de inícios do séc. XVI. No Museu encontramos também uma coleção importante de arte portuguesa, provinda na sua maioria de igrejas e capelas da Diocese do Funchal. Esta divide-se em vários núcleos, estando as peças organizadas cronologicamente e com uma forma de apresentação que revela o cruzamento de tipologias artísticas. Na pintura, referência para São Bento, de uma oficina portuguesa de finais do séc. XV, provindo da Sé do Funchal, ou Ecce Homo, do antigo Convento das Mercês, Ascensão de Cristo, de Fernão Gomes, ou A Visitação, de Vieira Lusitano. Na escultura portuguesa, especial referência deve ter São Sebastião, de finais do séc. XV ou inícios do séc. XVI, atribuído à oficina de Diogo Pires, o Moço, ou o conjunto respeitante ao camarim da Sé do Funchal, datável do início da segunda metade do séc. XVII, atribuído ao imaginário Manuel Pereira. Destaca-se ainda uma Santa Isabel, do séc. XVII, provinda do antigo Convento da Encarnação, e a Dormição de São Francisco Xavier, do mesmo século, provinda do Convento do Bom Jesus da Ribeira. No Museu de Arte Sacra, é ainda de referir uma importante coleção de ourivesaria portuguesa dos meados do séc. XV até aos últimos anos do séc. XVIII. Destaca-se igualmente o conjunto do denominado tesouro da Sé do Funchal, onde assume relevo a cruz processional, oferecida por D. Manuel I e chegada já depois da sua morte ao Funchal, em 1527, e uma excecional caldeirinha, com o recorte no fundo da esfera armilar, símbolo régio. Na coleção, encontra-se ainda um importante grupo de ourivesaria maneirista, datável entre o último terço do séc. XVI e meados do séc. XVII, como o cálice, datado de 1580, da capela do Corpo Santo no Funchal, a naveta da matriz de Câmara de Lobos, de 1589, ou a ânfora de prata da Sé, de meados do séc. XVII. No séc. XVIII, referência especial devem ter a urna de prata da Sé e a custódia de ouro assinada e datada de 1799, de Paul Mallet, de uma oficina de Lisboa. A exposição de ourivesaria do Museu é apresentada a par de paramentaria dos sécs. XVII - XVIII. O Museu de Arte Sacra desde cedo se constituiu como sede de exposições temporárias pela existência de uma sala especialmente a elas dedicada. À própria fundação do Museu se ligam trabalhos de levantamento patrimonial, que resultaram em edições como Lampadários – Património Artístico da Ilha da Madeira (1949), por Luiz Peter Clode, e a organização, em 1951, de uma exposição e catálogo de ourivesaria sacra, no Convento de Santa Clara do Funchal, à qual se seguiu uma outra, em 1954, sobre esculturas religiosas. No Museu, organizaram-se, desde a déc. de 70, exposições temporárias sobre temas próximos à defesa do património cultural e artístico e, mais tardiamente, de integração de arte antiga e contemporânea. Exemplo disso são as exposições Jesus Cristo Ontem Hoje Sempre, O Futuro do Passado, Eucaristia Mistério de Luz, A Madeira nas Rotas do Oriente ou Alguns Santos Mártires Revisitados, de Rui Sanches em 2003, Remains de Graça Pereira Coutinho, em 2006, Obras de Referência dos Museus da Madeira, em 2008, e Madeira do Atlântico aos Confins da Terra, exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal, em 2014. Como foi já referido, é bastante antigo o interesse pela botânica e por coleções de espécies naturais na ilha da Madeira. Desde o séc. XIX se mostrou interesse pela fundação de um jardim botânico, o que só se concretizou com a aquisição da Qt. do Bom Sucesso por parte da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, em 1960. O Jardim Botânico da Madeira é uma instituição científica do Governo regional da Madeira que se dedica ao estudo e conservação da flora e da vegetação dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens. A Qt. do Bom Sucesso, que havia pertencido à família Reid, situa-se numa zona privilegiada da baía do Funchal, na encosta sul de um vale compreendida entre os 150 e os 300 m. Reúne as condições para a instalação de numerosas espécies, numa área superior a 80.000 m2, apresentando, nos inícios do séc. XXI, cerca de 2000 espécies exóticas. Neste espaço, as plantas encontram-se identificadas com o nome científico comum, origem e afinidades ecológicas e geográficas. Nos jardins, ainda deve ser destacada uma zona respeitante às plantas indígenas e endémicas, exclusivas da Madeira e da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), com a natural presença de espécies da Laurissilva, caracterizada como floresta perenifólia de características subtropicais, sendo as suas árvores mais comuns as laureáceas, como o til, o loureiro, o barbusano e o vinhático. Encontram-se ainda no Jardim Botânico espécies de outras zonas do globo, ecologicamente opostas, desde os Himalaias, à América do Sul e trópicos. Uma área independente apresenta uma importante coleção de plantas tropicais, cultivares, aromáticas e medicinais, ligadas aos costumes e tradições culturais e gastronómicos madeirenses. Foi ainda disponibilizado ao público um parque com aves tropicais. Na casa principal da Qt. do Bom Sucesso, está instalada uma parte do antigo Museu de História Natural do Seminário do Funchal, transferido em 1982, que alberga os trabalhos de João Schmitz, ornitólogo alemão estabelecido na Madeira em 1874. A Photographia - Museu “Vicentes”, como o próprio nome indica, nasceu da tentativa da musealização de um ateliê fotográfico. O Vicentes Photógraphos foi um dos mais antigos estúdios de fotografia de Portugal, tendo sido fundado em 1848 por Vicente Gomes da Silva e permanecido em funcionamento ininterrupto até 1982, dentro da mesma família, ao longo de quatro gerações. Em 1852, estes fotógrafos foram convidados a fazer parte da comitiva que organizou a visita de Sua Majestade a Imperatriz do Brasil e de sua filha, a princesa D. Amélia. No ano seguinte, apresentava já na fachada das suas instalações as armas imperiais do Brasil e era reconhecido como “Gravador de S. M. Imperatriz do Brasil”. Da mesma época são as suas primeiras experiências com a daguerreotipia. O estúdio inicia, assim, uma longa carreira, registando importantes acontecimentos da história da Madeira e de muitos dos seus visitantes ilustres. Em 1866, fotografa a Imperatriz Isabel de Áustria, a célebre Sissi, e, em 1901, aquando da visita de D. Carlos e D. Amélia, Reis de Portugal, fotografa-os na varanda sul do palácio de São Lourenço. Este Museu possui um espólio notável de 800.000 negativos, registo incontornável de uma história mental, social e cultural da ilha da Madeira. Ao património inicial, juntaram-se os de outras casas ou de fotógrafos amadores, como os de João Francisco Camacho (1833-1898), José Júlio Rodrigues (1843-1893), Joaquim Augusto de Sousa, João António Bianchi (Vale Paraíso), Major Charles Courtnay Shaw, Gino Romoli, Francisco Barreto, João Soares, Álvaro Nascimento Figueira, Luís de Bettencourt, João Anacleto Rodrigues, Russel Manners Gordon (Torre Bela), Alexander Lamont Henderson, Photo Figueiras, Foto Arte, Joaquim Figueiras e Carlos Fotógrafo, assim como o espólio de um notável ateliê, o Perestrellos Fotógrafos, com uma coleção notável de reportagem de acontecimentos sociais e políticos. No Museu, para além de originais fotográficos, é também de relevar uma estrutura organizativa de um ateliê fotográfico do séc. XIX que permanece quase intacta. A coleção passou depois a desenvolver outras áreas de interesse, como a recolha e identificação de cinema documental sobre a Madeira. Em 1972, todo o recheio do ateliê Vicentes havia sido vendido pela família Vicentes à Sociedade Pátio, Livros e Artes, Lda., através da sua gerente, Maria de Mendonça, uma jornalista açoriana radicada na Madeira que desenvolveu a esperança de abrir um museu dedicado às fotografia e artes gráficas. Em 1982, todo o conjunto foi adquirido pelo Governo regional da Madeira, sendo criado o Museu. Em 1983, foi criada uma nova pequena unidade museológica pelo Instituto do Vinho Madeira, que, em 1979, veio substituir a antiga Junta Nacional do Vinho: o Museu do Vinho Madeira. O Museu foi instalado numas dependências do Instituto, importante edifício romântico da cidade do Funchal edificado no princípio do séc. XIX pelo cônsul inglês Henry Veitch. A sua coleção, de modesta dimensão, procurava mostrar o processo de produção do vinho Madeira e agenciá-lo no seu contexto histórico. O Museu foi encerrado pela tutela, que passou a ser o Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM). Em 1986, a 21 de agosto, Dia da Cidade do Funchal, foi inaugurada no edifício da CMF uma pequena estrutura museológica em duas salas, sob a designação de Museu da Cidade, que procurava mostrar os ciclos fundamentais da história da Ilha, socorrendo-se de algumas peças de época do acervo da CMF e de elementos de apoio gráfico. Esta unidade foi encerrada em 1995, passando uma parte do seu espólio a integrar o Núcleo Museológico A Cidade do Açúcar. Por iniciativa da CMF, foi inaugurado, nas instalações de um antigo auxílio materno-infantil e durante o Marca – Festival de Arte Contemporânea, em setembro de 1987, o Museu Henrique e Francisco Franco. Em 1966, a CMF adquiriu, junto de herdeiros de Francisco Franco, um importante conjunto de obras que pensou colocar numa sala especial do Museu da Quinta das Cruzes. Contudo, essa intenção não chegou a concretizar-se. Em 1972, um novo conjunto do espólio dos irmãos Franco foi adquirido aos seus herdeiros, incluindo um grupo de pinturas de Henrique Franco. No entanto, só em 1987, depois de várias apresentações públicas do espólio, foi criado o Museu. Apesar da dignidade do espaço, não era possível apresentar de forma sistemática e global o conjunto reunido, tendo-se, depois de um pequeno período de encerramento, reaberto o Museu com exposições temporárias de média duração, que permitiam explorar em regime de rotatividade temas e conteúdos específicos na obra dos irmãos Franco, facultando a visita de especialistas às reservas organizadas. Na reorganização de 1996, procedeu-se ao inventário sistemático da coleção, a trabalhos de conservação e restauro, e à implementação de um novo programa museológico e museográfico. O Museu apresentou a exposição Por Causa de Paris, juntando por coerência temática algumas obras cedidas pelo Museu da Quinta das Cruzes. No mesmo ano, o Museu disponibilizou ainda um roteiro de visita às esculturas de Francisco Franco em locais públicos da cidade do Funchal. Em 1988, foi aberta ao público a Casa-Museu Frederico de Freitas, que ficou instalada na denominada Casa da Calçada, a residência dos condes da Calçada entre o séc. XVII e os inícios do séc. XX. Nos meados dos anos 40 do séc. XX, ali se instalou Frederico de Freitas e a família até à sua morte, em 1978. Todos os seus bens móveis foram deixados à RAM para que se criasse uma casa-museu. Frederico de Freitas (1894-1978) fora um advogado e importante impulsionador das artes e da defesa do património cultural na Madeira. Em 1999, ficou concluído o processo de adaptação da sua residência a casa-museu, englobando áreas diversificadas: a casa da entrada, com receção, loja, serviço educativo e gabinete de estampas e desenhos, a casa principal, designada por Casa da Calçada, a Casa dos Azulejos, edifício novo construído para acolher a coleção de azulejaria, assim como um auditório e uma cafetaria. O Museu possuía, desde 1988, uma sala de exposições temporárias junto a um jardim que se abre à Calç. de Santa Clara, com o tradicional pavimento de calhau rolado, um corredor de vinha e canteiros de flores, rematando a extremidade do muro, e uma “casinha de prazer” que fora, no tempo de Frederico de Freitas, o espaço que albergava parte da coleção de azulejos holandeses. Das coleções, destaque-se o particular interesse de todos os temas relacionáveis com a Madeira e a sua memória patrimonial e artística. A Casa-Museu possui uma importante coleção de estampas, aguarelas e desenhos da Ilha, na sua maioria de ingleses do séc. XIX, com álbuns de Pitt Springett, Andrew Picken, Emily Geneviéve Smith, Susan Vernon Harcourt, John Eckersberg, Frank Dillon, etc. Refira-se especialmente o manuscrito original de Journal of a Visit to Madeira and Portugal (1853-1854), de Isabella de França. Outro importante núcleo da coleção é o da azulejaria portuguesa, hispano-mourisca, holandesa, flamenga, inglesa, turca e persa, desde meados do séc. XII até aos meados do séc.XIX. Do conjunto, destaque-se os conjuntos de Toledo, Manises, Valência, Sevilha, Talavera de la Reina, Bristol, Liverpool, Delft, Kashan, Rayy, Iznik e Tabriz, entre outros. Na azulejaria portuguesa, refiram-se conjuntos de padrão de tapete de meados do séc. XVII, provindos, na sua grande maioria, de demolições na ilha da Madeira. A coleção de cerâmica da Casa-Museu é vasta, integrando desde exemplares portugueses e europeus até aos do Extremo Oriente, como o conjunto de peças da denominada Companhia das Índias, à volta de duas divisões da casa, o quarto dos bules e das canecas. Na Casa-Museu Frederico de Freitas encontra-se ainda, entre outras coleções, uma importante coleção de escultura religiosa datável entre os sécs. XVI e XVIII. Do conjunto, destaca-se um São Jerónimo de barro de meados do séc. XVI, uma cena da Visitação de meados do séc. XVII, uma Santa Ana Ensinando a Virgem a Ler de meados do séc. XVIII ou um São João Evangelista, para além de um importante conjunto de marfins luso-orientais, dos quais se destaca, para além de Bons-Pastores de Goa, uma especialmente rara Virgem com o Menino sino-portuguesa de inícios do séc. XVII. O conjunto de mobiliário da Casa-Museu é eclético, sendo marcado sobretudo por peças madeirenses que remontam aos inícios do séc. XIX, sob a forte influência do mobiliário inglês de finais do séc. XVIII. Desde 1989, podem ser visitadas, em regime de visita acompanhada e organizada, as antigas adegas de São Francisco do Funchal, propriedade da Madeira Wine Company. Estas adegas são o remanescente do antigo Convento de S. Francisco do Funchal, situado nas suas dependências principais no posterior Jardim Municipal, que foi demolido nos finais do séc. XIX. O Convento foi fundado primitivamente em 1473, por Luís Álvares da Costa e pelo seu filho Francisco Álvares da Costa. As adegas correspondem a algumas dependências que eram usadas como armazéns nos meados dos sécs. XVII e XVIII. A Madeira Wine Company foi fundada em 1913, incorporando várias empresas de produtores independentes que se associaram, como William Hinton, Welsh, Cunha & Co. Lda., Henriques & Câmara, Cossart Gordon, Blandy, Leacock e Miles. As adegas passaram a possibilitar a visita a salas que mostram os mais importantes passos, e a tecnologia utilizada, para a produção do vinho das principais castas, como Sercial, Malvasia, Verdelho e Boal, e ainda a sua história ao longo dos muitos séculos. Para além disso, há também a possibilidade de visitar armazéns e salas de provas, entre outros espaços. O Museu-Biblioteca Mário Barbeito de Vasconcelos era uma pequena unidade museológica da empresa Vinhos Barbeito (Madeira) Lda., sendo fundado em 1989. As suas coleções foram reunidas pelo bibliófilo Mário Barbeito de Vasconcelos, comerciante de vinhos da cidade do Funchal, que desde sempre se interessou pela criação de uma biblioteca que tivesse como temas principais a história do arquipélago da Madeira e da expansão portuguesa, bem como a figura de Cristóvão Colombo. Nas três salas de exposição, encontravam-se livros raros, moedas, medalhas e gravuras sobre Cristóvão Colombo. Na segunda sala, edições raras, manuscritos e estampas sobre o arquipélago da Madeira e a história do seu vinho, e ainda uma coleção de documentação e livros sobre a botânica da Madeira, adquirida a outro colecionador, George Walter Grabham. A terceira área era dedicada a um arquivo documental sobre vários aspetos culturais de predominância regional. O Museu foi miseravelmente atingido pela aluvião de 20 de fevereiro de 2010, tendo entrado num processo de reorganização. A Casa Colombo, inaugurada em novembro de 1989, correspondia a um pequeno museu evocativo da figura do navegador Cristóvão Colombo, ligado de forma indelével ao arquipélago da Madeira, em particular ao Porto Santo. Segundo a tradição popular, tal Casa terá sido residência de Cristóvão Colombo, sendo harmonizada mais tarde por uma arquitetura de fundo popular de meados do séc. XVIII sobre um núcleo mais antigo, do qual se destaca, numa parede a norte, duas janelas armadas de blocos de barro em ogiva de finais do séc. XV. Cristóvão Colombo casara com Filipa de Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, 1.º capitão donatário do Porto Santo. Deve ter estado pela primeira vez na Madeira em 1476, tendo sido depois encarregue por Paolo di Nero de deslocar-se à Ilha para negociar açúcar para o genovês Ludovico Centurione. A Casa Colombo, que, em 2005, passou a ser Casa Colombo – Museu do Porto Santo, foi completamente reformulada, contando com um novo programa museológico que permitiu uma nova organização de espaços e a criação de três áreas temáticas, tendo por pano de fundo a posição estratégica do Porto Santo no contexto da expansão. Numa primeira sala, explora-se o contexto histórico da expansão portuguesa e o descobrimento do Porto Santo e da Madeira, bem como dos primeiros séculos da sua economia dominante, com a presença de peças de época que criam um enquadramento temático, como um elmo português de meados do séc. XVI ou uma cruz processional de cobre dourado de finais do séc. XV. Uma segunda sala é dedicada à expansão castelhana e à figura do descobridor da América, Cristóvão Colombo, com destaque para uma pintura italo-flamenga de meados do séc. XVII. As últimas duas pequenas salas do percurso expositivo são dedicadas ao afundamento, na costa norte do Porto Santo, de um galeão holandês, o Slot ter Hooge, em 1724. As três áreas temáticas afirmam o papel de três das potências europeias fundadoras da expansão. A Casa Colombo – Museu do Porto Santo possui áreas específicas para exposições temporárias, uma loja, um auditório de ar-livre, uma sala de serviço educativo e um acervo documental onde se encontra um conjunto de gravuras sobre Cristóvão Colombo, oferecido ao Museu por Mário Barbeito de Vasconcelos. O Museu da Baleia é um museu da Câmara Municipal de Machico, cujos estatutos foram aprovados em 1990, ano da sua abertura ao público, com a participação, para além das verbas municipais, do International Fund for Animal Welfare (IFAW). O Museu pretende contar a história da atividade baleeira na Madeira, proibida em 1981, partindo da coleção recolhida por Eleutério Reis na antiga Fábrica das Baleias e de doações da comunidade local no Caniçal. Sendo um baluarte da história, este Museu constitui-se como centro de defesa da conservação das baleias, especialmente do cachalote, contribuindo para a sua preservação. Em 2011, o Museu abriu novas instalações para o desenvolvimento das suas funções museológicas, transformando-se num pólo de investigação e defesa dos mares. A Fundação Berardo abriu ao público em 1991, nos jardins da Qt. Monte Palace, situada numa zona privilegiada sobre a baía do Funchal. A freguesia do Monte, sede de muitas quintas de veraneio, transformou-se num importante reduto do romantismo na ilha da Madeira. A história da Qt. Monte Palace está ligada à compra, nos meados do séc. XVIII, de uma propriedade a sul da igreja do Monte pelo cônsul inglês Charles Murray, que aí construiu a Qt. do Prazer. Em 1897, Alfredo Guilherme Rodrigues adquiriu a propriedade e construiu a casa sede da propriedade em estilo revivalista, criando o prestigiado Monte Palace Hotel. Em 1987, após longos anos de abandono, a propriedade foi adquirida por Joe Berardo. Realizaram-se grandes trabalhos de reordenamento da vegetação, plantando-se numerosas espécies novas. Foram introduzidas plantas exóticas, como uma importante coleção de cicas e próteas da África do Sul, azáleas da Bélgica, urzes da Escócia e uma grande quantidade de espécies características da laurissilva madeirense. Nos jardins, foram colocadas várias peças decorativas, destacando-se um retábulo em pedra renascentista de uma oficina coimbrã, do séc. XVI. Está também presente uma grande coleção de painéis de azulejos, na sua maioria portugueses, desde os exemplares hispano-mouriscos do séc. XVI até às produções do início do séc. XX. Foi ainda criado um jardim oriental, com vários elementos arquitetónicos. Foi também construído um edifício de raiz, onde ficaram reunidas outras coleções do comendador Joe Berardo, como uma de escultura contemporânea africana e outra de minerais provenientes de praticamente todo o mundo. O Museu de Arte Contemporânea – Fortaleza de Santiago tem a sua origem na criação dos prémios de arte contemporânea Cidade do Funchal, em 1966 e 1967, organizados pela então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, através da Delegação de Turismo do Funchal. Com as obras premiadas e outras aquisições realizadas, pensou-se na criação de uma espécie de extensão contemporânea da coleção do Museu da Quinta das Cruzes. Esta funcionou, no entanto, de forma precária a partir de 1984 numa sala da Direção Regional dos Assuntos Culturais, tendo depois transitado para outras dependências na Qt. Magnólia no Funchal sob a designação de Núcleo de Arte Contemporânea. Com a entrega da fortaleza de S. Tiago à administração do Governo da RAM em 1992, foi pensada a sua adaptação para a instalação de um museu de arte contemporânea, assim como uma sala de vocação militar que contasse de forma coerente a relação dessa fortaleza no contexto da história da defesa da baía do Funchal. A fortaleza de S. Tiago iniciou-se em 1614, sob o risco de Jerónimo Jorge e, depois, de Bartolomeu João, seu filho. A primeira fase das obras deve ter terminado por volta de 1637. No séc. XVIII, sofreu grandes transformações sob as ordens do Gov. José Correia de Sá, terminando tal intervenção em 1767. O Museu foi aberto ao público em 1992, reunindo o núcleo central dos prémios Cidade do Funchal dos anos 60 e aquisições feitas desde então. Das obras iniciais, destaque para Joaquim Rodrigo, António Areal, José Escada, Helena Almeida, Artur Rosa, Manuel Baptista e Jorge Martins, aos quais se juntaram obras de outros autores adquiridas desde então, nomeadamente de Lourdes Castro, René Bertholo, José de Guimarães, António Palolo, João Queiroz, Rui Sanches, Gaetan, Michael Biberstein, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, Pedro Portugal, Pedro Calapez, Sofia Areal, Pedro Casqueiro, Miguel Branco, Pedro Proença, Ilda David, Rigo, entre muitos outros. Foi também reunido um conjunto de obras de artistas que desenvolveram a sua atividade artística principalmente na ilha da Madeira, nomeadamente de Élia Pimenta, Celso Caires, Isabel Santa Clara, Eduardo de Freitas, Graça Berimbau, Teresa Jardim, Filipa Venâncio, Karocha, Guilhermina da Luz, António Rodrigues, Danilo Gouveia e Guida Ferraz, entre outros. Em 2009, foi realizada no Centro das Artes Casa das Mudas, na Calheta, uma exposição que permitiu reunir pela primeira vez toda a coleção nacional, sob o título A Experiência da Forma – Um olhar sobre o Museu de Arte Contemporânea I. Em 2015, a coleção de arte contemporânea da Madeira deixou a Fortaleza de S. Tiago e passou definitivamente para o antigo Centro das Artes na Calheta, criando-se o Mudas. Museu de Arte Contemporânea da Madeira. A fortaleza-palácio de S. Lourenço foi mandada construir por determinação de D. Manuel I, em 1513, tendo a construção sido iniciada logo na década seguinte. Dela, permaneceu praticamente intacto o torreão nascente, com as armas reais, cruz de Cristo e esfera armilar. As obras foram encomendadas a João Cáceres, sendo depois ampliadas após o ataque corsário de 1566. No período filipino, são feitas importantes transformações com a construção de novos baluartes da responsabilidade de Mateus Fernandes e Jerónimo Jorge. Por razões diversas, a fortaleza de S. Lourenço foi sendo progressivamente transformada em palácio dos governadores da Madeira, sobretudo a partir do séc. XVIII. Em 1836, a separação administrativa dos poderes civil e militar provocou uma divisão física do palácio. A leste, antes da responsabilidade do governador militar, passou a estar o Comando da Zona Militar da Madeira. A área oeste, correspondente às principais dependências e salas nobres, antes próximas do governador civil, ficou ligada ao ministro da República para a Madeira e, a partir de 2004, ao representante da República na RAM, sendo a sua residência oficial. Depois de 1993, foi iniciado um aturado processo de conservação e restauro do edifício e das coleções postas à sua guarda, das quais uma parte significativa tinha sido transferida de palácios nacionais, na déc. de 30 do séc. XX, sendo outras pertencentes a um fundo antigo do palácio. Destas coleções, destaque-se um conjunto de mobiliário Boulle e uma curiosa galeria de retratos, como os de D. João V e D. José I. A criação de um circuito de visita e a instalação de serviços de conservação preventiva e serviços de educação criaram, desde 1995, as condições para a musealização do espaço. Na área militar, encontra-se instalado, em pequenas dependências, um núcleo histórico-museológico onde se apresentam elementos para a compreensão da evolução histórica da construção da fortaleza, assim como do seu papel na estratégia de defesa da baía do Funchal, para além de outros aspetos da história militar da cidade. Embora já há muito tempo se fizessem apelos nesse sentido, só em 1996 foi criado o Museu Etnográfico da Madeira, cujas coleções tiveram na sua origem algumas peças da coleção etnográfica do Museu da Quinta das Cruzes. O Museu foi instalado na Ribeira Brava, no quadro de uma importante aposta na descentralização cultural, num antigo solar transformado mais tarde em unidade industrial, o antigo engenho de aguardente da Ribeira Brava. O Convento de Santa Clara, foreiro de uma casa ali existente, vendeu os terrenos a Luís Gomes da Silva, capitão de ordenanças da Ribeira Brava. Em 1710, acrescentou-se ao conjunto uma capela da invocação de S. José. Em 1853, a antiga casa foi convertida em unidade industrial, criando-se um engenho de cana-de-açúcar com alambique para a destilação de aguardente. Foi pouco depois instalado um sistema de moagem através de energia hidráulica, com roda motriz de madeira servido por levada de água própria para a moagem de cereais. Em 1974, a estrutura entretanto desativada foi adquirida pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, e só várias décadas mais tarde, em 1996, se inaugurou o Museu depois de obras de adaptação. O Museu tem por princípios orientadores a investigação, documentação, conservação e divulgação dos testemunhos da cultura tradicional madeirense, centrando-se nas atividades produtivas, como a pesca, os ciclos produtivos do vinho, dos cereais e do linho, os transportes, as unidades domésticas e o comércio tradicional. No seu acervo, podemos encontrar equipamento de uso doméstico, alfaias agrícolas, artes e ofícios, festividades cíclicas, instrumentos musicais, atividades lúdicas, trajes, sistemas de atrelagem, cerâmica, figuras de barro e tecnologia têxtil. O Núcleo Museológico do IBTAM – Instituto do Bordado Tapeçaria e Artesanato da Madeira, posteriormente o IVBAM – Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira, foi instalado na antiga sede do Grémio dos Industriais de Bordado da Madeira, inaugurado em 1958, projeto da autoria de Fabrício Rodrigues. Este núcleo tem por base duas exposições organizadas em 1986. A primeira teve lugar no Museu da Quinta das Cruzes, com a participação do Museu Nacional do Traje, onde foram recolhidas peças, cronologicamente situadas entre 1850 e 1900, de numerosas coleções particulares, na sua maioria completamente inéditas, numa organização de Luiza Clode. Uma segunda mostra foi organizada logo depois e inaugurada no mesmo ano no IBTAM, com um quadro cronológico mais abrangente que chegava aos anos 30 do séc. XX. Dessa exposição, um pequeno núcleo remanescente, que constituía a coleção do IBTAM e algumas cedências temporárias, foi montado provisoriamente. O Núcleo Museológico foi reformulado em 1996, com a criação de ambientes de enquadramento da época, a segunda metade do séc. XIX, e ainda áreas respeitantes à produção da primeira metade do séc. XX. Foram também desenvolvidas áreas pedagógicas e técnicas de explicação do processo criativo e produtivo. O Núcleo Museológico A Cidade do Açúcar foi inaugurado em 1996, sendo consequência do pequeno Museu da Cidade, já referenciado, antes aberto ao público em duas salas dos paços do concelho. Em 1989, foram realizadas escavações no terreno e imediações da antiga casa de João Esmeraldo no Funchal, que resultaram no aparecimento de numeroso e interessante espólio arqueológico, e organizada uma exposição no Teatro Baltazar Dias, no Funchal. Num edifício a norte, onde posteriormente, após reordenamento urbanístico, se criou a Pç. Colombo, foi criado o núcleo museológico que deu origem ao Museu A Cidade do Açúcar. O núcleo encontrava-se localizado no espaço correspondente a uma casa do final do séc. XV, destruída no séc. XIX, do comerciante João Esmeraldo, que hospedou o descobridor da América, Cristóvão Colombo. Para além da apresentação do espólio da escavação arqueológica e da história da desaparecida casa de João Esmeraldo, procurava afirmar-se como espaço de relação das memórias ainda vivas da cidade do Funchal no seu ciclo açucareiro. Nesse sentido, propunha guias didáticos de visita ao Funchal manuelino. Este era um museu preferencialmente ligado ao enquadramento dos achados arqueológicos, em especial os da escavação das casas de João Esmeraldo realizadas em 1989. O espólio recolhido ajudou a perceber o quotidiano da cidade do Funchal entre o final do séc. XV e meados do séc. XVII. Na escavação, foram recuperadas grandes quantidades de fragmentos de cerâmica portuguesa dos sécs. XV, XVI e XVII, entre eles formas de açúcar, selos de chumbo da Alfândega do Funchal e moedas. Na coleção, foram ainda colocadas algumas obras de enquadramento histórico, como Medidas Manuelinas, datada de 1499, um São Sebastião de madeira de carvalho de uma oficina flamenga de inícios do séc. XVI ou uma salva com pé com as armas da cidade do Funchal de inícios do séc. XVII. O projeto não pretendeu constituir-se como espaço de identificação da memória e tecnologia açucareira, que deveria ser instalado num antigo engenho de açúcar. Dedicava-se apenas às consequências culturais desse período fundamental da economia regional. Este Núcleo Museológico, que foi transformado no Museu A Cidade do Açúcar em 2009, foi totalmente destruído pela aluvião de 2010 no Funchal, entrando depois disso em processo de reorganização. O Museu da Eletricidade Casa da Luz foi inaugurado em 1997, após trabalhos de adaptação e musealização da antiga central térmica do Funchal, sob projeto museológico de Sara Silva. O Museu centra-se em várias áreas temáticas, como os vários tipos de iluminação pública ao longo dos tempos da cidade do Funchal, desde as primeiras lamparinas de azeite até aos candeeiros modernos. Uma segunda área temática apresenta-nos um historial evocativo da evolução da eletrificação do arquipélago da Madeira, com a presença de maquinaria diversa e com as duas principais formas de produção de energia elétrica: a térmica e a hidráulica. Foi ainda transformado para exposição um posto de transformação elétrica, sendo complementado por várias maquetas de centrais elétricas, urbanas e rurais. Numa terceira zona, apresenta-se, com sentido interativo e didático, uma exposição sobre fontes de energia, primárias e renováveis, como as energias eólica e solar, assim como uma área dedicada à ciência e à tecnologia. O Centro Cívico e Cultural de Santa Clara – Universo de Memórias João Carlos Abreu é uma unidade pública responsável pela conservação, manutenção e exposição ao público de todos os bens doados à RAM em 2001. Encontra-se instalado numa casa de finais do séc. XIX, na Calç. do Pico, com as coleções de artes decorativas reunidas por João Carlos Abreu, ex-secretário regional do Turismo e Cultura, jornalista, escritor, gestor e diretor hoteleiro. A coleção reflete as suas numerosas viagens à volta do mundo, nas quais adquiriu numerosas recordações. Aí, podem ser visitadas a biblioteca, a sala vermelha, a sala roxa, a sala de jantar, a sala das viagens, a cozinha, a sala dos cavalos, o oratório, a sala das joias de cena, o quarto verde e o quarto bege, entre outros espaços. Em 2003, foi aberto ao público um pequeno museu, numas instalações à R. do Carmo, das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias. Trata-se de um projeto constituído por cinco salas, que procuram apresentar a vida e obra de Mary Jane Wilson (1840-1916), fundadora da congregação. A exposição organiza-se por várias áreas temáticas, como a infância e juventude, com uma coleção de desenhos por si realizados e ainda alguns objetos ligados à sua chegada à Madeira. Uma segunda sala é dedicada à sua conversão ao catolicismo, enquanto a terceira e a quarta são dedicadas ao desenvolvimento do seu trabalho enquanto enfermeira e fundadora de obras sociais e caritativas, como aconteceu durante o surto de varíola em 1906. Na última divisão, é feita a reconstituição de uma sala com objetos pessoais de Mary Jane Wilson, como testemunho da sua vida. O Museu do Brinquedo na Madeira abriu ao público em 2003, com a apresentação de uma coleção privada de brinquedos de José Manuel Borges Pereira, provindos dos mais variados centros de fabrico europeus, desde meados do séc. XIX até ao final do séc. XX. Estão, assim, reunidos cerca de 12 mil objetos que refletem a época histórica em que se enquadram e o imaginário infantil de numerosas gerações. À coleção particular atrás referida, juntaram-se vários depósitos de outras coleções particulares. Em 2015, o Museu foi deslocado da R. da Levada dos Barreiros para o edifício Armazém do Mercado, na R. Latino Coelho, n.º 39. O Madeira Story Centre abriu ao público, como centro de interpretação histórica, em 2005, após trabalhos de adaptação de um edifício na zona de Santa Maria no Funchal, integrando uma área no jardim do Almirante Reis, junto à estação do teleférico da Madeira, onde estão expostas duas antigas lanchas de desembarque no porto do Funchal, a Mosquito e a Áquila. O Madeira Story Centre era uma organização privada da FUN – Centros Temáticos do Funchal, Lda. em parceria com a Etergeste. Apresentava-se como um centro de informação sobre a Madeira, que, de uma forma lúdica e interativa, desenvolvia o tema da história da Ilha. Os visitantes encontravam os seguintes tópicos: as origens vulcânicas; lendas da descoberta; descoberta da Madeira; tumulto e comércio; Ilha estratégica; desenvolvimento da Madeira; depois da navegação; e explore a Madeira. Foi encerrado em 2015. O Núcleo Museológico do Solar do Ribeirinho nasceu em 2007, sob a tutela autárquica de Machico, resultando de um aturado e contínuo trabalho da ARCHAIS – Associação de Arqueologia da Madeira e do CEAM – Centro de Estudos de Arqueologia Moderna. Está organizado a partir de quatro áreas temáticas: uma primeira sobre a história e a arquitetura do solar, a segunda sobre as origens, o povoamento e a vida local, a terceira sobre o percurso económico e uma quarta sobre o quotidiano. Este espaço funciona em articulação com o Núcleo Arqueológico da Junta de Freguesia de Machico. Em 2013, foi aberto ao público o Museu de Imprensa, no centro de Câmara de Lobos, junto da Biblioteca Municipal. Trata-se de uma unidade gerida pela Câmara Municipal, com a apresentação, numa grande nave, de um importante espólio de máquinas tipográficas, ligadas em muitos casos à antiga impressão de jornais. O Museu aproxima-se tematicamente também da história do jornalismo da Madeira e respetiva génese. Ainda em 2013, foi inaugurado, no Funchal, um espaço museal dedicado ao futebolista madeirense Cristiano Ronaldo, com um historial do seu percurso profissional, acolhendo numerosos troféus desportivos. Assim, o início do séc. XX trouxe à Madeira o primeiro museu de vocação científica, de história natural, mas a designação “Museu Regional” denunciava já a vontade de se abarcar outras áreas, que permaneceriam residuais, nas vertentes histórica, arqueológica, artística, etnológica, etc. O séc. XX irá, pois, estruturar progressivamente o conhecimento e fazer entender a necessidade de enquadrar outras realidades museológicas, a que os avanços da historiografia regional e levantamentos patrimoniais e artísticos davam sedimento. A aquisição e posterior transformação da Qt. das Cruzes em museu afirma-se, junto das tutelas oficiais, como um exemplo ilustrativo das muitas carências no campo das artes, servindo mesmo, ao longo da sua história, como génese de outras unidades mais especializadas. É no Museu da Quinta das Cruzes que se depositam as primeiras obras de arte contemporânea, com o objetivo de se constituir uma extensão contemporânea do próprio Museu, que levará mais tarde ao nascimento do Museu de Arte Contemporânea. Ainda no Museu da Quinta das Cruzes se conservava o reduto principal de uma coleção etnológica que se constituía com o fito de um dia integrar um museu no antigo Recolhimento do Bom Jesus, ideia que, no entanto, foi logo abandonada. Tal coleção viria a constituir o cerne da coleção do Museu Etnográfico da Madeira, na Ribeira Brava. A criação do Museu de Arte Sacra junta as vontades da Diocese e da então Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, e inicia uma especialização progressiva dos museus, dando seguimento aos amplos trabalhos de recuperação e, em muitos casos, de descoberta de um extraordinário património artístico. A realidade política criada com a autonomia, consequência da revolução de 1974 e de intensas mudanças a nível nacional, trouxe uma progressiva sedimentação das unidades museológicas criadas e a possibilidade de uma crescente especialização, assistindo-se, sobretudo durante as décs. de 80 e 90, como na maior parte do país, a uma explosão museológica que trouxe naturalmente necessidades de reajustamento e ponderação estratégica: “A autonomia político-administrativa alcançada pelas regiões autónomas portuguesas (Açores e Madeira) permitiu-nos, e agora refiro-me especialmente ao caso particular da Madeira, em determinadas circunstâncias e com alguma criatividade e pioneirismo, ultrapassar dificuldades específicas em áreas funcionais fundamentais, nomeadamente no que se refere à divulgação e comunicação nos museus, com a criação de serviços educativos que, numa primeira fase, funcionaram exclusivamente com recurso ao destacamento de professores efetivos, de algumas Escolas do Ensino Básico e Secundário, num claro apoio de intercâmbio institucional com a Secretaria Regional da Educação” (PAIS, 2005b). Na Madeira, os anos 90 começam com o congresso da Associação Portuguesa de Museus (APOM), sob o título “Panorama Museológico Nacional – Perspetivas para a Década de 90”, onde museólogos locais defenderam um museu da Região, dada a importância de haver uma unidade mais abrangente na história multifacetada do arquipélago. A abertura da formação em museologia a novos quadros, a colocação em atividade dos serviços de educação nos museus e o desenvolvimento de trabalho de investigação sobre as coleções abriram caminho ao aparecimento de novos museus e de novos públicos, e motivaram uma nova atenção a questões como segurança e conservação preventiva. A abertura de novos e especializados programas de formação, tal como aconteceu a nível nacional com a criação de vários tipos de pós-graduação, proporcionou a conquista de novos quadros, que programas locais, como os cursos de formação profissional, ajudaram a consolidar. A participação dos museus da Madeira em grandes exposições nacionais e internacionais (caso do Festival Europália em Bruxelas e Lisboa, em 1990-1991, e da Exposição Internacional de Sevilha, em 1992), do Museu de Arte Sacra, sobretudo, e do Museu da Quinta das Cruzes, fez equacionar a importância do seu património. Em 2009, foi organizada, no palácio nacional da Ajuda, a exposição Obras de Referência dos Museus da Madeira – 500 Anos de História de um Arquipélago, que constituiu a mais abrangente embaixada cultural e patrimonial da Madeira em Portugal continental. Já desde os anos 90 se assistia a uma maior sensibilidade relativamente ao património, que a criação de roteiros de leitura patrimonial ajudaram a concretizar. Para além disso, a posterior entrada em cena de unidades culturais de âmbito paramuseológico, como os centros culturais, vieram trazer um complemento importante à ativação do dinamismo cultural, quase todos com uma dimensão de descentralização, como o Centro Cultural John dos Passos, na Ponta do Sol, o Parque Temático de Santana, o Centro de Vulcanismo, em São Vicente, o Centro de Ciência Viva, no Porto Moniz, e especialmente o Centro das Artes Casa das Mudas, pelas excecionais condições infraestruturais e superior qualidade arquitetónica. Esta descentralização cultural e uma cada vez maior abrangência de tipologias e diversificação dos conteúdos têm motivado uma maior consciência da identidade e uma noção mais ampla de património cultural. Tal processo deve entender-se num quadro de interação cultural e rentabilização de esforços, correndo-se, no entanto, o perigo da pulverização dos recursos e estratégias. Uma esperança redobrada nasceu com o protocolo celebrado entre a Direção Regional dos Assuntos Culturais e o Instituto Português de Museus, em 2002, com a entrada dos museus dependentes desta tutela regional para a Rede Portuguesa de Museus. A participação e consolidação da presença dos museus madeirenses na Rede criou a oportunidade do estabelecimento de parâmetros comuns de atuação e a circulação de formação e informação fundamental para a ação museológica, como mostra, por exemplo, a criação de regulamentos internos dos museus, que a Lei Quadro dos Museus (n.º 47/2004, de 19 de agosto) e o estabelecimento do princípio da credenciação (desp. normativo n.º 3/2006, de 25 de janeiro) vieram impor. Assim, a Rede tem sido um agente de colaboração e de participação ativa na criação de ações de formação profissional dos quadros da Ilha e um participante ativo no financiamento de projetos do Museu de Arte Sacra do Funchal (desp. normativo n.º 3/2006, de 13 de julho).   Francisco António Clode Sousa (atualizado a 01.02.2018)

Artes e Design História da Arte Património

música tradicional

A música tradicional madeirense da atualidade resulta da combinação de um conjunto de elementos trazidos por sucessivas levas de povoadores. Na Região Autónoma da Madeira (RAM), estes contributos foram evoluindo de forma isolada, mas recebendo pontuais influências de novas populações, de visitantes ocasionais ou ainda, a partir do séc. XX, dos meios de comunicação social de âmbito nacional, com particular incidência nas estações radiofónicas, ou da generalização do ensino oficial, com a chegada de docentes de diversos pontos do país. Deste modo, popularizaram-se na RAM canções que, com o tempo, têm vindo a assumir, para muitos, um carácter tradicional. Como é natural, trata-se de peças cuja identificação nem sempre é fácil, pois há pouca investigação feita sobre o tema nas diversas regiões do país. No caso particular das cantigas religiosas, é ainda necessário referir a influência de sacerdotes portadores de orientações precisas por parte da hierarquia ou de uma formação padronizada nos seminários que frequentaram. Um último aspeto que poderá estar na origem de algumas influências alheias é o regresso de emigrantes que trazem das terras onde viveram elementos tradicionais passíveis de ser incorporados na tradição. No entanto, seja por o fenómeno ser ainda relativamente recente, em termos de mecanismos de mudança cultural, seja apenas por ainda não ter havido quem o estudasse seriamente, a verdade é que não se sabe, atualmente, se essa componente se manifesta. Não é possível definir características genéricas da música tradicional madeirense. Por esse motivo, e de modo a facilitar a exposição, optou-se por abordar aqui, separadamente, cada um dos grandes géneros musicais, após uma primeira referência ao bailinho, o elemento mais conhecido e identitário da tradição musical da RAM. Aborda-se igualmente a mourisca, que, embora com menor realce, constitui também um modelo musical transversal a diversos géneros. Bailinho Com um padrão rítmico bastante simples, o bailinho é executado geralmente na tonalidade de Sol Maior, por ser aquela a que mais facilmente se adapta a voz. É esta melodia que está na base de muitos dos mais conhecidos bailes regionais, sendo também a forma assumida pela mais popular forma de canto improvisado em despique da RAM (com o nome de bailinho, retirada, meia noite ou outro). Encontramo-lo ainda a dar o “som” de muitos romances tradicionais, cantigas narrativas, cantigas de lazer, etc. De certa forma, é um elemento que, por si só, permite a qualquer não madeirense identificar uma melodia como sendo da RAM, sendo, atualmente, a forma musical mais presente e espontânea em todos os ambientes festivos na Região, acompanhada por qualquer instrumento ou mesmo por formas improvisadas de criar som. É importante chamar aqui a atenção para uma confusão bastante frequente resultante da coincidência do nome deste género musical. Existe uma canção muito conhecida, interpretada pelo cantor madeirense Max, que tem precisamente o nome de “Bailinho da Madeira”. No entanto, apesar da referência na sua letra ao bailinho, musicalmente esta nada tem a ver com ele. Antes pelo contrário, a música tradicional que serviu de inspiração para algumas das suas frases musicais foi o charamba. A grande popularidade desta canção tem feito com que seja frequente a confusão. Mourisca A mourisca madeirense dos começos do séc. XXI apresenta características que a aproximam de um vira valseado. Musicalmente, baseia-se no compasso binário composto, padrão rítmico de 6/8. Harmonicamente, tem a forma tradicional de alternância entre tónica e dominante. Na tradição local, principalmente a que se pode identificar através de recolhas efetuadas em anos anteriores, encontram-se formas de mourisca em diversas circunstâncias. Existem referências e alguns registos de mouriscas cantadas em despique, com letras improvisadas; contudo já não se encontram cultores desta prática, sobrevivendo apenas como canção de letra fixa. A sua grande força é traduzida numa dança, conhecida predominantemente na zona sul da ilha, em torno da Camacha, da Gaula, do Machico e do Caniçal. Existem algumas referências quanto à existência da mourisca dançada pelos populares em outras zonas, como os Canhas. Esta pode ser denominada, de forma indiferente, como mourisca ou chama-rita. No Porto Santo, existia o baile sério, nos começos do séc. XXI executado apenas pelo grupo folclórico desta ilha. Trata-se de uma variante da mourisca madeirense, com uma letra própria. Os habitantes da ilha consideravam-no a dança dos grupos mais abastados da ilha, em oposição à meia volta ou ao baile do ladrão, associados às classes populares. A sua letra é fixa, tal como na mourisca da ilha da Madeira, alternando quadra com refrão. As quadras são entoadas alternadamente por uma mulher e por um homem, sendo o refrão cantado em coro. Cantigas de trabalho Como resultado da transformação dos modos de vida e das atividades produtivas rurais, as cantigas associadas ao trabalho encontram-se atualmente numa situação peculiar. Com efeito, a verdade é que, nas zonas rurais, já não se ouve cantar a chamusca, a cava, a sementeira, a erva, a ceifa do trigo, a malha na eira, a boiada ou cantigas do moleiro, de acartar lenha, dos borracheiros, do linho, dos pastores, etc. Com o desaparecimento das atividades agrícolas que lhes estavam associadas, estas cantigas perderam o seu carácter funcional. De uma forma geral, podemos considerar que as cantigas de trabalho assumem diversas das características a seguir enunciadas: – Género exclusivamente vocal, sem acompanhamento instrumental; – Estrutura musical vulgar, nalguns casos simétrica; – Melodia simples e curta, muitas vezes irregular, com intervalos curtos; – Andamento lento e livre, dependente da respiração de cada um. O seu tempo é relativo e variável, dependendo da sensibilidade de quem canta e também do trabalho associado; – A tonalidade é a que melhor serve ao intérprete. Por vezes, verifica-se um prolongamento da última nota (de 8 ou 12 tempos finais), como, por exemplo, na cantiga da ceifa, da carga ou dos borracheiros. Não há mudança de tom; – Padrão rítmico: 2+2; 4+4; – Canto monódico. No entanto, a sua entoação pode variar, existindo diferentes formas de o fazer: a) Um único intérprete canta a totalidade da cantiga, ou cada um canta a sua quadra; b) Uma voz inicia a quadra e, nos dois últimos versos, os restantes participantes acompanham em uníssono imperfeito; c) Todos entoam, em conjunto, quadras já conhecidas; d) Cada um improvisa a sua quadra. – Sem refrão; – Forma de cantar: alto (agudo), voz de cabeça; – São frequentes os modos arcaicos (sistema modal); As características mais notórias da letra são: – A mesma letra pode servir para diferentes melodias, podendo ser de temática completamente alheia à tarefa. Esta é geralmente pouco profunda, mas ligada à tarefa do dia-a-dia, às dificuldades da vida. São temas recorrentes: Deus, amor, saudade, tristeza, alegria, humor, malandrice; – É frequente a apropriação de versos já conhecidos e pertencentes a cantigas de lazer, de carácter religioso ou romances tradicionais; – O cantar de improviso é um fator importante neste género de música associada ao trabalho caseiro, dependendo da capacidade poética de quem canta; – Entre as quadras ou versos, são frequentes os apupos ou onomatopeias; Listam-se abaixo algumas das mais significativas cantigas de trabalho madeirenses. Borracheiros Na costa norte da Madeira, as uvas eram tradicionalmente apanhadas e levadas para um lagar local. O mosto era posteriormente acartado para as adegas do Funchal, onde iria fazer parte do processo de produção do famoso vinho generoso. A ausência de boas vias de comunicação obrigava a que o seu transporte fosse feito em odres (borrachos) carregados aos ombros de homens pelas veredas da serra. Podiam juntar-se várias dezenas de borracheiros, que, em fila, faziam o percurso até à cidade. Como forma de atenuar a dureza da caminhada, iam entoando uma cantiga específica. O primeiro homem da fila era o chamado candeeiro, que cantava umas quadras de métrica irregular, a que respondiam os restantes (o gado), com vivas. O último do grupo era o boieiro. O canto servia para animar os elementos do grupo, fazendo alusão ao próprio caminho, podendo também incluir elementos de troça em relação a algum componente ou de incentivo ao esforço. A construção de estradas e infraestruturas levou ao inevitável fim dos borracheiros. Em 1974, por iniciativa de Eduardo Caldeira, constituiu-se um grupo, no Porto da Cruz, que recuperou essas tradições, apresentando-as em diversos eventos madeirenses. Cantiga da carga A força humana foi, desde sempre, o elemento que assegurou o transporte na ilha. Mesmo cargas pesadas eram levadas aos ombros ou à cabeça. Por vezes, onde os terrenos o permitiam, podia recorrer-se à ajuda de animais para facilitar a tarefa. No entanto, a ida à serra para recolher lenha para aquecer a casa ou cozinhar, ou para cortar erva para o gado que, no palheiro, a aguardava, dificilmente escapava à necessidade da força humana para o transporte dos pesados fardos. Esta cantiga era entoada naqueles percursos do regresso, aliviando, de certa forma, a dureza do esforço. A letra era composta por quadras, que podiam ser improvisadas, intercaladas por apupos e entoadas numa cadência lenta, acompanhando o ritmo lento da tarefa. Cantiga de embalar Adormecer uma criança é uma tarefa que pode ser árdua e que está muito dependente do tempo necessário para atingir o objetivo. Assim, a tradicional cantiga de embalar tem um andamento muito lento, sem grandes irregularidades. A letra tem versos intercalados por onomatopeias destinadas a fazer adormecer mais facilmente a criança.   Cantigas de carácter religioso O ciclo do Natal O primeiro momento do ciclo do Natal na Madeira, em termos musicais, é constituído pelas Missas do Parto. No seu estudo sobre o tema, Rufino da Silva (1998) afirma que os cantos que têm presença certa nestas cerimónias são conhecidos, pelo menos, desde finais do séc. XIX>, sendo no entanto impossível determinar se são de origem madeirense. Segundo o mesmo autor, estes cânticos apresentam traços de lirismo popular, revelam influência minhota pela harmonização em terceiras e a sua estrutura harmónica é basicamente de alternância entre a tónica e dominante e quase exclusivamente em modo maior. Embora esta seja a caracterização da maior parte das canções, o autor detecta nalgumas delas traços de influência do canto gregoriano.   Romagem. Missa do Galo. Boaventura. Foto: Rui A. Camacho A missa da Noite de Natal é um mais alto momento das vivências religiosas da população regional. Associadas à importância litúrgica de comemorar o nascimento de Cristo, há diversas práticas tradicionais que ajudam a que esta seja realmente a grande Festa. Em alguns locais, esta celebração ainda assume características muito próprias, terminando com as romagens, nas quais grupos de vizinhos, familiares ou amigos percorrem a nave do templo tocando e cantando, para levar até ao sacerdote as suas oferendas. A própria missa é intercalada por diversos momentos de representação e entoação de cantos, como o da “Anunciação aos Pastores” ou a “Pensação do Menino”, tradicionalmente cantados junto do presépio. Possivelmente, estes serão os últimos vestígios de um ancestral auto apresentado na ocasião. A alteração das condições de realização da cerimónia, incluindo alguma necessidade de encurtar a sua duração, poderá estar na origem da eliminação de componentes ou redução do número de estrofes entoadas, daí resultando a sobrevivência de apenas algumas canções isoladas. As romagens são um bom exemplo de uma outra realidade: o que aqui é tradicional é o contexto de interpretação e não a canção em si. Apesar de ser uma tradição que tende a perder-se, nos locais onde se mantém, a principal preocupação dos vários grupos que preparam a sua romaria é mostrar qualquer coisa que as pessoas presentes na igreja não conheçam, pelo menos no que respeita à letra, pelo que muitas vezes se adapta uma música conhecida a uma letra criada. Principalmente nas zonas onde essa preocupação pela conservação da tradição é maior, o grupo que apresente uma romaria que ele ou outro cantou naquela igreja no ano anterior ou dois anos antes, da qual toda a gente se lembra, é alvo de troça, uma vez que não foi capaz de preparar e apresentar uma romagem original, o que obriga a questionar o lugar da tradição. A tradição está na prática de as pessoas de um determinado sítio se reunirem e levarem uma canção para a missa de Natal, com ou sem instrumentos. Por definição, se o que o grupo tem de apresentar é uma novidade, então as músicas não podem ser tradicionais. O que acontece por vezes é que se o público gostar de uma romaria de Natal, seja pela situação em que ela foi apresentada, seja pela qualidade artística da sua melodia ou da sua letra, esta permanece e pode tornar-se tradicional, como uma cantiga de passatempo.   Noite de Reis. Foto: Rui A. Camacho Cantiga de Reis Na noite de 5 para 6 de janeiro, formam-se grupos que percorrem as casas dos vizinhos ou amigos, entoando cantos próprios da época, como forma de desejar um bom Ano Novo. Ao chegar à porta, canta-se enquanto se aguarda que o dono da casa abra e ofereça a todos as bebidas e bolos que os esperam. Depois de uns minutos de convívio, há que prosseguir o percurso, que dura até de manhã. Em cada zona da ilha tende a haver um canto próprio desta noite, embora haja alguns mais conhecidos que são partilhados por várias localidades. A cantiga é entoada em uníssono por todos os participantes. A sua estrutura melódica é constituída por duas partes distintas: uma primeira cantada em compasso de 3/4 e uma segunda em compasso de 3/8, embora haja casos em que surge o compasso 2/4. No final, é frequente haver uma quadra de despedida aos donos da casa. Espírito Santo. Camacha. Foto: Rui A. Camacho Espírito Santo Após a Páscoa, começam as visitas das insígnias do Espírito Santo às casas. Num número de domingos variável em função da quantidade de locais a percorrer, forma-se um grupo constituído pelos festeiros, portadores das insígnias (pendão com a pomba desenhada, coroa e cetro), músicos e duas ou quatro saloias (meninas que transportam cestos para acolher as ofertas). Ao chegar a cada casa, as saloias entoam o Hino, que pode variar de freguesia para freguesia, alusivo à entrada do Espírito Santo, a que se seguem o pedido e o agradecimento das esmolas ao dono da casa. Podem seguir-se outras cantigas, de acordo com pedidos feitos pelos moradores e/ou decisão dos festeiros. Cantigas de lazer Cantos improvisados Brinco em bailinho O despique em bailinho é, ainda hoje, o momento alto da festa popular. Em qualquer arraial tradicional, ou mesmo nas festas familiares, se pode encontrar um brinco. Um músico, pelo menos – tocando rajão, braguinha ou viola de arame, hoje frequentemente substituídos pelo acordeão –, atrai uma roda de cantadores que, à vez, entoam as suas quadras, podendo haver um acompanhamento adicional de palmas (se necessário, pode-se prescindir inclusivamente da presença de músicos). Musicalmente, encontramos uma melodia tonal, com base na harmonia da tónica, dominante.   Despique. Arraial de Ponta Delgada. Foto: Rui A. Camacho O canto é, no essencial, improvisado. No entanto, um bom despicador pode recorrer, se necessário, a quadras decoradas. Esta situação será um recurso aceite no contexto de um despique que se prolongue num arraial. A tentativa de “atirar” quadras críticas ou irónicas sobre os restantes pode proporcionar momentos de grande alegria. A forma poética escolhida é a quadra de verso curto, com rima cruzada (ABAB ou ABCB). Habitualmente, cada verso é bisado, e após o segundo verso toca-se o interlúdio musical. Por vezes, o despicador acrescenta mais dois versos (rima CB ou DB), como mecanismo que permite completar melhor a ideia. Em casos mais raros, poderá ser entoada uma nova quadra completa, tendência que se tem tornado mais comum em tempos mais recentes, possível sinal de uma menor capacidade inventiva e de síntese. A satisfação dos presentes é manifestada por meio de apupos. O despicador, ao chegar a sua vez, pode prescindir de participar, passando a vez ao seguinte. A conclusão mais natural do despique será a que resultar do progressivo abandono dos participantes, vencidos pelo mais inspirado. Num arraial, o brinco poderia prolongar-se por longo tempo, sendo um dos grandes momentos de animação antes da generalização dos grupos de música moderna. Na ilha do Porto Santo, é habitual chamar “Retirada” ao despique em bailinho. Charamba   Charamba. Foto: Rui A. Camacho É hoje a forma musical associada por excelência à viola de arame, embora tradicionalmente pudesse ser acompanhado por outros instrumentos. É uma forma de canto despicado, quase exclusivamente masculino. Na maior parte das vezes, os tocadores não participam no canto, sendo este alternado entre os participantes, que podem cantar quadras ou estrofes mais longas e também com uma métrica variável. A sequência é obrigatoriamente no sentido dos ponteiros do relógio. Ao conjunto dos charambistas que participam numa determinada sessão chama-se “quadrado”. Segundo alguns dos intérpretes tradicionais, o importante neste género musical era o conteúdo do que se cantava. Nalguns casos, acordava-se previamente um tema (fundamento) que estaria obrigatoriamente presente em todas as intervenções. O tema poderia também ser acordado após quadras iniciais entoadas pelos participantes. No momento do canto, o intérprete tem toda a liberdade de definir o andamento e a extensão dos seus versos. Se necessário, o tocador terá de “ir atrás” do cantor, prolongando as frases musicais ou repetindo-as. Para alguns, a opção é ir tocando uns acordes muito simples durante o canto. As quadras são entoadas com repetição de cada verso ou repetindo cada par de versos. Após a repetição, há o indispensável interlúdio musical, que tem uma forma padronizada e bem definida, num padrão rítmico regular de 2/4 (embora possa mudar para 5/8), sendo ele que, musicalmente, define o charamba. A estrutura harmónica é simples, baseando-se na Tónica e Dominante do tom de Sol maior. O seu andamento é lento/andante. Jogos cantados Nos momentos de convívio dos mais jovens, seja entre si, seja com os adultos da família ou amigos, as lengalengas e os jogos ocupavam um lugar importante. Estes apresentam uma grande diversidade de características, podendo ser cantados ou não, tal como ter associada uma coreografia própria. Embora não sendo possível efetuar generalizações, existe um conjunto de aspetos que se podem apresentar como sendo muito comuns aos jogos cantados: – São cantados em tom maior, com refrão e um ritmo simples; – É habitual possuírem refrão, cantado por todos em uníssono, intercalado com outras partes entoadas a solo por algum dos participantes; – Sem acompanhamento instrumental; – Recurso a acompanhamento de palmas; – A sua letra é composta maioritariamente por quadras de verso curto Muitos dos jogos têm uma coreografia associada. Os jogadores podem colocar-se em roda simples ou dupla, podendo ter um elemento no centro, podem estar em fila, frente a frente, etc. Histórias Outra forma muito comum de passar o tempo livre, ou mesmo acompanhar as longas horas de trabalho do bordado, era contando ou cantando histórias. Estas podiam assumir características diversificadas. Tanto podiam ser os antigos romances da tradição hispânica, como narrativas inspiradas em factos da vida real, como ainda histórias de animais ou mesmo lengalengas. Um elemento importante é assumirem, com grande frequência, um carácter didático ou terem uma conclusão moral. A sua componente musical varia muito. Ainda podemos encontrar alguns romances com as suas melodias ancestrais, a par de outros textos a que se foi adaptando uma música mais recente. Nestes casos, o facto de se tratar de uma melodia bem conhecida facilitava a sua memorização e podia tornar mais recetivos os ouvintes. De qualquer modo, são sempre melodias com frases musicais curtas, que se vão repetindo ao longo de todo o texto. Danças As duas formas dançadas mais comuns na RAM são os já referidos bailinho e mourisca. Para além delas, pode referir-se duas outras tradicionais da ilha do Porto Santo, a Meia Volta e o Ladrão, e uma outra, a Dança das Espadas, associada à festa de São Pedro, na Ribeira Brava. Meia volta Na ilha do Porto Santo, os momentos de festa em família ou com vizinhos e amigos tinham lugar nas eiras ou num espaço amplo dentro de casa. Aí, o tocador da rabeca colocava-se no centro e os restantes participantes do baile iam formando pares em roda (pares que nunca se tocavam, realçavam alguns dos mais antigos). Na roda, incluíam-se os tocadores dos outros instrumentos, como o rajão e viola de arame. Caso único nas danças da RAM, existia um mandador que orientava a sequência coreográfica do baile, ao mesmo tempo que cantava e tocava a viola de arame. Os restantes cantadores ficavam fora da roda. A música tem ainda hoje carácter modal (frígio), claro sintoma da sua antiguidade, embora todas as hipóteses até hoje lançadas para explicar a sua origem sejam puramente especulativas. Tradicionalmente, o canto era improvisado. Atualmente extinto da tradição, são elementos do Grupo Folclórico local que preservam a sua recordação. Musicalmente, apresenta uma sequência harmónica de três acordes: Sol, Lá, Sol, tom de Sol maior. O andamento é moderado e mantém-se sempre inalterável, mudando o número de notas musicais, criando uma intensidade sonora e desenvolvendo uma dinâmica rítmica, enquanto o violino executa uma interessante melodia com base na escala de Sol maior. A meia volta é única em relação a todas as outras músicas tradicionais. Dança das espadas Música tradicionalmente executada durante os festejos de São Pedro, na Ribeira Brava. Praticada até meados do séc. XX, esta dança desapareceu progressivamente da tradição, sendo alvo de trabalho de reconstituição em finais do século, tendo posteriormente retomado o seu lugar na festa.   Dança das Espadas. Ribeira Brava. Foto: Rui A. Camacho É interpretada por um conjunto de homens com um trajo próprio, tendo duas partes distintas: uma executada em marcha e a outra com uma coreografia própria. Aspecto peculiar, a dança é apenas instrumental, sem qualquer canto associado, o que faz com que seja a única dança da tradição popular que apresenta essas características. Musicalmente, é simples, baseando-se apenas em quatro compassos, em tom maior. Embora haja registo de ligeiras alterações, podemos definir o acompanhamento musical como sendo feito por rajão, braguinha, viola de arame e pandeiro.   Jorge Torres Rui Camacho (atualizado a 01.02.2018)

Antropologia e Cultura Material Artes e Design Cultura e Tradições Populares Madeira Cultural

livrarias

A existência de livrarias, com espaço físico ou virtual, e a facilidade no acesso ao livro, em termos de preço e disponibilidade no mercado, bem como a vulgarização do livro nas estantes das livrarias e bibliotecas pessoais é uma realidade tardia. Inicialmente, as bibliotecas (designadas de livrarias) eram institucionais. Só as famílias mais destacadas tinham lugar na sua casa para uma biblioteca, uma vez que a maioria da população não dispunha de condições para ter um espaço dedicado a essa função ou, tão-pouco, para comprar um livro. Note-se que em 7 de agosto de 1815, quando Napoleão Bonaparte escalou o Funchal a bordo do HMS Northumberland, a caminho de Santa Helena, o cônsul geral de Inglaterra, Henry Veitch, o visitou para lhe oferecer vinho, livros e fruta fresca. Também, mais tarde, Isabella de França, uma Inglesa casada com um morgado madeirense, que visitou o Funchal em 1853, refere a presença de livros em algumas casas, onde pareciam funcionar como elementos de decoração. Assim, numa visão geral das casas visitadas, refere: “Sobre as mesas encontram-se livros ricamente encadernados, porcelana francesa e outros adornos, entre os quais não faltam jarras de flores delicadas” (FRANÇA, 1970, 67). Sabemos que os livros faziam parte da bagagem dos viajantes, pois Isabella de França testemunha a presença destes no seu baú, entre roupa e outros objetos. Maria Clementina (1803-1867), freira do Convento de S.ta Clara e filha de Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcellos e de sua mulher, Ana Augusta de Ornelas, tinha em seu poder uma coleção de livros. Fanny Anne Burney, no jornal que escreveu em 1838 e que só publicou em 1891, refere que a freira era detentora e leitora de obras de Racine, de Corine, de M.me de Stael, da tradução francesa de Abbot de Walter Scott, das Maximes de Chateaubriand, de Paulo e Virgínea, e de Génie du Christianisme. Até ao aparecimento da imprensa, a circulação do livro fazia-se através de cópias entregues a copistas especializados de instituições como conventos. Na Madeira, só com a publicação, em 1821, do jornal O Patriota Funchalense se registou a primeira tipografia, sendo a atividade exclusiva desta a edição de jornais. O primeiro livro que terá sido editado na Ilha foi Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, com as anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, em 1873, na Tipografia Funchalense. Por outro lado, não podemos esquecer o controlo da edição de livros que existiu em Portugal, primeiro pela Inquisição e depois por ordem política, que condicionou a circulação de livros. O livro era um produto raro e quase só estava disponível em bibliotecas, ou livrarias, de instituições. Conhecemos a importância das livrarias dos conventos, nomeadamente da livraria do Colégio dos Jesuítas, e da livraria da Escola Médico-Cirúrgica, no Funchal. Também podemos assinalar algumas bibliotecas privadas de instituições industriais, como a de Hinton, ou de técnicos especializados, como João Higino Ferraz, que tinham necessidade de obras especializadas de âmbito científico e que encomendavam, por interposta pessoa, livros editados em França e Inglaterra. Mas, na segunda metade do séc. XIX, a realidade madeirense começa a mudar, de forma que José Silvestre Ribeiro refere as livrarias do Paço Episcopal, dos conventos, do Seminário e da Câmara. Ademais, a tradição dos clubes privados e das associações conduziu à valorização da leitura com a disponibilização de livros. Assinale-se o Clube Inglês, onde se anuncia, com muita pompa, a disponibilidade de uma sala de leitura que vinha colmatar as necessidades de lazer dos súbditos britânicos de passagem. Note-se que os Ingleses insistiam nas carências culturais da cidade funchalense, apontando a falta de teatro, cafés e livrarias, como sucede com Emiline Stuart Wortley, em 1854. A venda de livros na Madeira parece ter começado através do comércio a retalho em lojas, mercearias e bazares, onde se vendia tudo. O comércio por miúdo de produtos em lojas especializadas é uma realidade do séc. XX. Mais tarde, vamos encontrar a venda de livros associada às tipografias em geral, às tipografias especializadas e à publicação de jornais, através de anúncios que publicitavam os locais de assinatura das publicações que apareciam em fascículos, a saber, algumas lojas de referência na cidade, que tinham representações das editoras de Lisboa. Em 1850, John Driver estranha a ausência de livrarias no Funchal, afirmando: “There is no literature – no bookseller's shop – on the whole Island; although a few books may be had in other shops, but very few [Não há literatura – não há nenhuma livraria – em toda a Ilha; embora se possa comprar um ou outro livro noutras lojas, mas muito poucos]” (DRIVER, 1850, 381-382). Dennis Embleton confirma esta ausência de livrarias e conclui: “The want of booksellers' shops is a sure sign of the backwardness of education among the people, and it is a great inconvenience to visitors [A ausência de livrarias é um sinal evidente do atraso educativo do povo, e um grande inconveniente para os visitantes]” (EMBLETON, 1862, 36). Em 1868, Gomes Leal esteve no Funchal e, numa das suas missivas, referiu uma biblioteca na Madeira “que o deixou atónito. Era muito cheia de livros de Jesuítas e, entre eles, um Dicionário Universal composto de 200 volumes. É a coisa mais curiosa que tenho visto” (NEPOMUCENO, 2008, 41). Ainda na mesma data, vemos António Nobre dizer que, na sua viagem para a Ilha, ia carregado de livros: “levo livros, muitos livros e o ‘Regresso’ para o completar: desta vez sempre irá” (NEPOMUCENO, 2008, 50). Em 1885, a situação persiste, afirmando J. Y. Johnson que: “A private library is a thing unheard of, and there is not a Portuguese bookseller's shop on the island. Some of the shopkeepers, it is true, keep books on their shelves, hut they are very few in number and chiefly works of religious devotion [Não há bibliotecas particulares, nem existe uma livraria portuguesa na Ilha. É verdade que algumas lojas vendem livros, mas são muito poucos e são essencialmente obras de devoção]” (JOHNSON, 1885, 55). Por tradição, se os leitores da Ilha não importassem os livros do continente e do estrangeiro, tinham de se sujeitar ao regime de assinaturas, que operava apenas com as publicações mais vulgarizadas. Em 1882, O Crime de Alberto Didot, por exemplo, poderia ser comprado mediante assinatura, que poderia ser feita no Funchal, nas lojas Nova Minerva, Camacho & Irs. e Camisaria Central. Já a assinatura da História de Portugal de Manuel Pinheiro Chagas poderia ser feita diretamente no jornal que publicava o respetivo anúncio. No entanto, em 1877, o Diário de Noticias refere que o Bazar Camacho e Irs. já vende livros e que a Casa Camacho e Carregal tem disponível o Almanach das Senhoras para o ano de 1878. As razões que explicam o facto de o livro ser um produto pouco comum na sociedade madeirense e de ser rara a sua venda em lojas são o elevado custo das publicações e o problema do analfabetismo, que chegou, em parte, ao séc. XXI. A paulatina vulgarização do ensino levou à necessidade de livros escolares e abriu caminho para um potencial de leitores. Assim, em 1889, a Gramática de Língua Portuguesa de João de Nóbrega Soares, que apresentava maior procura, vendia-se em diversos estabelecimentos no Funchal. Já o livro de J. C. Faria, O Archipelago da Madeira, tinha um depósito geral na casa Dilley no Funchal. A déc. de 80 do séc. XIX, marca, portanto, uma mudança de atitude em relação à venda dos livros. As publicações que eram vendidas, quase sempre através de anúncio de jornal, passam a dispor de livrarias e de vários estabelecimentos de depósito de livros. O Funchal passa a ter uma loja especializada para a sua venda. Surge, assim, em 1886, a Livraria e Tipografia Esperança, que perdurou como espaço exclusivo para a venda de livros. Em 1914, esta livraria com projeção nacional mudou-se para a R. da Alfândega e, em 1938, para a R. dos Ferreiros. Em 1973, instala-se definitivamente no número 119 da R. dos Ferreiros, com um stock de 12.000 livros diferentes. Em 1991, a continuidade da livraria foi assegurada com a criação da Fundação Livraria Esperança, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) declarada como sendo de utilidade pública. Passados cinco anos, ampliou-se o espaço de exposição com a aquisição de um prédio que serve de anexo, com uma área de 1200 m2 e mais de 96.000 livros expostos. A partir do séc. XX, começam a surgir novas livrarias, o que quer dizer que o livro, como produto de venda, tem cada vez mais clientes. Assim, em 1906, temos a livraria Funchalense e, em 1907, a livraria Escolar de Polonia & C.ª. O Almanac Madeirense para 1909 apresenta publicidade ao Bureau de la Presse de J. M. da Rosa e Silva, um quiosque da época sito à Pç. da Constituição, onde se vendia: “livros Nacionais e estrangeiros aos preços das casas editoras – sempre as últimas novidades literárias!” (Almanac de Lembranças Madeirense para 1909, 1908). Em 1910, o Roteiro do Funchal de A. Trigo apresenta as seguintes papelarias e livrarias: Antonio d’Andrade, R. dos Ferreiros, 24 e 26; Bazar do Povo, R. do Bettencourt, 1 a 21; Coelho, Irs., Lg. da Sé, 4; livraria Escolar, R. Camara Pestana, 14; livraria Funchalense, R. do Bispo, 25 a 35; Loja Dilley, R. do Aljube, 13 e 15; Minerva Phenix, R. do Príncipe, 53; Nova Minerva, R. da Alfandega, 45. Já o almanaque ilustrado de 1913 refere em anúncio a livraria Popular de José Eduardo Fernandes na R. de João Tavira, que vende “grande variedade de quinquilharias, vidros, objetos para escritório, livros de estudo e objetos de culto religioso” (1913 – Almanach Ilustrado do Diário da Madeira, 1912). Mesmo assim, Charles Thomas-Stanford, no mesmo ano, fica com a imagem de uma terra que não é de amantes de livros, pela sua raridade: “Book-lovers will deplore the booklessness of the town – which does not boast a bookseller of any sort [Os amantes dos livros não deixarão de lamentar que se trate de uma cidade sem livros – uma cidade onde não existe uma única livraria]” (THOMAS-STANFORD, 1910, 201). No séc. XXI, o Funchal, para além destas livrarias, dispunha de outras com menor dimensão, sendo de destacar as livrarias Bertand, FNAC e Worten. Todavia, devemos salientar que o conceito de livraria corre o perigo de se perder com a assimilação por parte dos espaços de venda de produtos variados, como é o caso da livraria FNAC, que está incorporada numa loja de artigos eletrónicos e eletrodomésticos, e das livrarias dos supermercados, nomeadamente da marca Continente e Pingo Doce. O Funchal contava ainda com a Fundação Livraria Esperança, a Julber papelaria e livraria Lda, a Leya SA, e a livraria Papel e Caneta. Por tradição, as lojas especializadas em serviço de papelaria, como a livraria Figueira, a papelaria Condessa, a papelaria do Colégio e o Bazar do Povo, tinham serviço de venda de livros. A livraria Figueira viria a desaparecer. A papelaria Condessa e o Bazar do Povo cessariam o serviço de venda de livros. Apenas a papelaria do Colégio manteria uma diminuta secção de livros Por outro lado, as instituições oficiais dispõem de expositores e de serviço de vendas de publicações tanto num regime material como num virtual, pela Internet. Assim, a Direção Regional de Cultura apresenta, na R. dos Ferreiros, os livros publicados pela extinta DRAC e pelo Arquivo Regional da Madeira; já o Centro de Estudos de História do Atlântico tem, na R. das Mercês, um expositor e serviço de vendas. Também a Câmara Municipal do Funchal apresenta, no átrio do Teatro Municipal, o seu Serviço de Publicações. Com orientação definida em termos das publicações, deveremos referir a Paulinas Multimédia, que existe no Funchal. Esta livraria dedica-se a publicações de carácter religioso. Podemos referir ainda a livraria Inglesa, que funcionava em diminuto espaço do Pateo Photographia Vicentes e que tinha um serviço especializado de venda de publicações em inglês. Num âmbito especializado da banda desenhada, merece, por fim, referência a livraria Quinta Dimensão, criada em setembro de 2004, que se transformou num polo de divulgação de banda desenhada. Ainda no âmbito do mercado livreiro, não podemos esquecer a realização dos festivais literários e das feiras do livro, organizadas, desde 1975, pela Câmara Municipal do Funchal, que sempre foram um espaço de divulgação e de contacto do público com o livro.     Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2017)  

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

grupo de folclore da casa do povo de gaula

O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978 e tem por objetivo principal divulgar e preservar as tradições da sua terra, através das danças, dos cantares, dos trajes, da reconstituição de costumes e de atividades culturais. Conta com uma intensa atividade, com atuações diversas em festas tradicionais, arraiais e vários eventos culturais, e com a participação em festivais e encontros de folclore. Dos seus registos musicais fazem parte a edição de dois CD (2009 e 2015) e a participação, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira (2014). Palavras-chave: folclore; trajes; música; dança; tradições populares.   O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula foi fundado a 16 de setembro de 1978, por alturas da festa de N.ª Sr.ª da Luz, padroeira da freguesia de Gaula. A iniciativa de formar um grupo de folclore partiu de um conjunto de jovens, com o apoio do P.e Alfredo Aires de Freitas. Chamava-se “Grupo de Folclore de Gaula”. Em 1987, passa a denominar-se “Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula”, ao integrar a Casa do Povo de Gaula, recentemente constituída. De 1987 até 2013, o Grupo foi dirigido por M.a de Fátima Vieira Quintal, substituída depois por Manuel Sena, que assume a liderança em 2014. Na sua formação inicial, contava com cerca de 25 elementos, número que foi aumentando ao longo dos anos, até chegar a cerca de 40 elementos em fevereiro de 2016. As suas idades variam entre os 4 e os 64 anos, predominando a faixa etária dos 15 aos 30 anos. O Grupo de Folclore da Casa do Povo de Gaula tem como principal objetivo divulgar e preservar as tradições locais, através das danças, dos cantares, dos trajes e da reconstituição de costumes. Gaula é uma freguesia pertencente ao concelho de Santa Cruz e foi fundada a 13 de setembro de 1509. Supõe-se que a origem do seu nome possa estar associada às novelas de cavalaria que têm como protagonista a figura de Amadis de Gaula. Gaula é conhecida por ser a freguesia dos adelos e das amoras. Antigamente, existiam muitos homens, conhecidos por “adelos”, que se dedicavam ao comércio ambulante, vendendo a crédito pelas freguesias da Madeira, e que eram provenientes de Gaula. Os adelos vendiam, principalmente, tecidos (a metro), mercadoria que já se comercializava na Ilha nos princípios do séc. XVII. Eram tidos como homens bem-educados, bem-falantes e bem vestidos. O seu traje típico é constituído por camisa branca, casaco e chapéu escuros e botas chãs. Além da figura do adelo, característica da freguesia, o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula procura representar, na sua indumentária, a variedade cultural típica da sua terra, e testemunhar a vivência dos seus antigos habitantes. Assim, apresenta o “traje de trabalho”, o “traje de cote” (quotidiano), o “traje de romaria” e o “traje domingueiro”, em uso desde o séc. XVIII até princípios do séc. XX, algo que resulta de investigações em livros e gravuras e de recolhas orais junto dos residentes mais idosos da localidade. No traje feminino, sobressaem as saias compridas, listadas ou de cor única. As saias listadas apresentam várias cores: fundo vermelho, com listas de cor verde, amarela e azul (o típico padrão madeirense); verde e branca; castanha e laranja; preta e branca; branca e castanha. As saias compridas de cor única apresentam também cores variadas, podendo ser de tonalidade castanha, vermelha, cor de vinho, branca, rosa, amarela ou ainda preta. Algumas saias lisas têm um ornamento de outra cor na roda, como a saia de cor castanha, debruada a vermelho, ou a saia vermelha, com um apontamento branco. As saias compridas, listadas ou de cor única, são acompanhadas por blusas brancas, abotoadas à frente, junto ao pescoço, com botões dourados, e por coletes, vermelhos ou pretos, bordados. Alguns elementos femininos usam uma capa, que pode ser vermelha, preta ou amarela. A indumentária complementa-se com um ornamento para a cabeça, a carapuça feita em lã, de cor azul, forrada a vermelho, ou vermelha, debruada a azul. Algumas mulheres também usam um lenço branco, por baixo da carapuça, designado popularmente por “cobre nuca” ou “toalha de cabeça”, sendo este o acessório que diferenciava as casadas das solteiras. Os trajes femininos mais simples são compostos de saias compridas de cor única, acompanhadas de blusas com motivos florais e um lenço na cabeça. No traje masculino, imperam as cores escuras ou o branco (em fatos de linho ou de seriguilha). Os homens vestem: calças pretas e colete preto; calção e colete preto; calças brancas e colete preto ou casaco preto; e ainda calção branco largo, com franzido sobre o joelho. A indumentária masculina completa-se com camisa branca em todas as variantes do traje. Na cabeça, os homens usam carapuça azul, chapéu preto ou barrete de orelhas feito com lã de ovelha. Homens e mulheres usam a tradicional bota chã, confecionada com pele de cabra e sola em pele de vaca, nos modelos masculino e feminino (com uma tira vermelha à volta do cano, no caso das mulheres). Como adereços, o grupo ostenta um cesto de bordado, uma cesta de almoço, um garrafão de cinco litros, uma banheira da lavadeira, um aguador e uma foice. A atividade do Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula tem sido profícua e variada. Na Madeira, regista-se a sua presença em arraiais e em festas tradicionais e religiosas, como nos cantares dos Reis, nas visitas do Espírito Santo, nas missas do parto, nos cantares de Natal, nas festas de Santo Amaro, em Santa Cruz, e nas festas de Natal e fim de ano, no Funchal. Tem participado em diversos eventos culturais realizados na Ilha, como a Festa da Castanha e o Arraial da Ginja, no Curral das Freiras, a Feira das Sopas do Campo, em Boaventura, a Festa da Cebola, no Caniço, a Expo Madeira, no Funchal, entre muitas outras comemorações e festas populares. O Grupo conta também com atuações em unidades hoteleiras e em restaurantes madeirenses, onde usa, sobretudo, o traje típico madeirense, mais conhecido pelo turista. A participação em festivais e encontros de folclore, regionais e nacionais, tem sido uma constante na dinâmica do Grupo, proporcionando-se intercâmbios culturais com outros agrupamentos de folclore e etnográficos. Na Madeira, além da presença regular no Festival Regional de Folclore, destaca-se, em agosto de 2004, a atuação na IV Gala Internacional de Etnografia e Folclore Manuel Ferreira Pio, realizada no Monte, Funchal, que contou também com a participação de grupos de fora da Ilha, v.g., o Grupo Amigos de Punta Rasca (Canárias) e o Grupo Dr. Gonçalo Sampaio (Braga). No âmbito nacional, destacam-se as suas representações em intercâmbios culturais, com os seguintes grupos: Grupo Folclórico e Etnográfico de Fermentelos, em Aveiro (1995 e 2001); Rancho Folclórico “Podas e Vindimas”, em Arruda dos Vinhos (1996); Rancho Folclórico “Os Rurais”, de Água Derramada, no concelho de Grândola, distrito de Setúbal (1997); Grupo Folclórico e Etnográfico de Corredoura, em Guimarães (1998); Grupo de Folclore da Relva, em São Miguel, Açores (1999); e Grupo Folclórico de Fajarda, em Santarém (2002). O Grupo Folclórico da Casa do Povo de Gaula, em colaboração com iniciativas da Junta de Freguesia de Gaula, recriou antigas tradições da freguesia, e.g., em 2011, a representação “Levar Comer aos Hômes”, uma tarefa do quotidiano de Gaula, dos anos 50 e 60 do séc. XX, e, em 2013, a “Reconstituição Histórica de Lavar Roupa nos Lavadouros dos Anos 60 do Século XX”, ambas integradas nas festas da freguesia de Gaula. Do seu repertório musical fazem parte bailados e canções recolhidos na localidade – destacando-se o “Chama-Rita de Gaula”, um dos bailados mais antigos da freguesia, executado em roda, e que apresenta características mouriscas –, bem como temas comuns à ilha da Madeira. Os instrumentos musicais do Grupo incluem os cordofones tradicionais madeirenses (viola de arame, braguinha e rajão), tréculas, ferrinhos, brinquinho, bombo, reco-reco, pandeireta, violino e acordeão. Em 2009, contribuíram para o engrandecimento do acervo musical do folclore madeirense, com a edição do seu primeiro CD, composto de 14 peças musicais, nomeadamente “Brinco de Oito”, “ABC do Amor”, “Chama-Rita”, “Pum-pum, Dá-lhe, Dá-lhe”, “Cantiga dos Reis”, “Bate Viradinho ao Chão”, “Mourisca”, “Os Dez Mandamentos”, “Homenagem ao Sr. Marino Marujo (Mourisca)”, “O Paspalhão”, “Dona Alberta”, “Menina Que Sabe Ler”, “Vamos Saltar ao Pau” e “Minha Terra é a Madeira”. Em setembro de 2015, lançaram o segundo CD (no âmbito das comemorações do seu 37.º aniversário e do arraial de N.ª Sr.ª da Luz), composto de 14 temas, alguns dos quais já editados no primeiro. A título coletivo participam, em 2014, com o tema “Chama-Rita de Gaula”, no DVD O Melhor do Folclore da Madeira, um projeto da Secretaria Regional da Cultura, Turismo e Transportes, que juntou 14 grupos folclóricos madeirenses.   Sílvia Gomes (atualizado a 13.12.2017)

Cultura e Tradições Populares Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

universidade da madeira

Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF Na Madeira, ao longo do Antigo Regime, o ensino esteve entregue, quase exclusivamente, à igreja, nomeadamente, através das paróquias ou, na sede da diocese, do mestre-escola da sé, e depois, do Colégio dos Jesuítas e do seminário, fundados nos finais do séc. XVI. Para o acesso ao ensino superior, os madeirenses tinham que deslocar-se ao continente, como aconteceu a muitos, formando-se nas universidades de Coimbra, Salamanca, Paris e Roma, entre outras, com todos os custos daí advindos e nem sempre regressando à Ilha. Com a fundação do Colégio dos Jesuítas, por carta régia de D. Sebastião, a 20 de agosto de 1569, nasceu a primeira instituição de ensino nacional na Madeira. As aulas tiveram início a 9 de maio de 1570, na então albergaria de S. Sebastião; sendo o dia dedicado ao martírio de S. João Evangelista, este passou a ser o orago da igreja e do colégio do Funchal. Em 1599, iniciou-se a construção do grande edifício do colégio, no centro da cidade, onde se encontra hoje instalada a reitoria da Universidade da Madeira (UMa), que também veio a escolher o dia 9 de maio para data festiva. Ao mesmo tempo, foi instituído o seminário diocesano, cujas aulas vieram a funcionar sempre em certa articulação com as do colégio. Após a extinção da Companhia de Jesus, em 1768, no edifício do antigo colégio, ainda funcionou a aula de geometria e desenho, essencialmente dedicada ao ensino militar. A atividade desta Aula foi mais ou menos efémera, mas o ensino militar manteve-se, depois, nas dependências do quartel do colégio e no quadro de formação dos vários regimentos ali aquartelados. A primeira instituição de ensino superior na Madeira foi a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Por dec. de 29 de dezembro de 1836, determinava-se a abertura de uma escola médico-cirúrgica no hospital da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de cada uma das capitais dos distritos administrativos do ultramar. A do Funchal, criada em 1837, mas correspondendo a uma aspiração com mais de 20 anos da SCM, foi encerrada nos primeiros meses da República, por dec. de 11 de novembro de 1910, tendo, ao longo de 73 anos, formado 250 médicos, que exerceram clínica em Portugal e no estrangeiro, incluindo, em 1902, duas médicas. O ensino das artes plásticas na Ilha remonta, pelo menos, aos meados do séc. XVIII, com o ateliê ou escola de pintura de Nicolau Ferreira Duarte. Entre os finais da centúria e os inícios de Oitocentos, esse mestre e os seus alunos executaram uma quantidade excecional de trabalhos, embora de qualidade muito irregular, obras que ainda se encontram na Madeira, dispersos por quase todas as igrejas e capelas do arquipélago. Nos inícios do séc. XIX, com a carta régia de 7 de julho de 1809, foi criada uma aula de desenho e pintura na Madeira que começou a funcionar em março do ano seguinte. A regência foi confiada ao pintor Joaquim Leonardo da Rocha, cujo pai lecionara no estabelecimento congénere de Lisboa, decorrendo as aulas até à sua morte, em 1824. Cândido Pereira – autorretrato a carvão, assinado, datado de 1930 e com dedicatóriaFonte: acervo da Escola Secundária Francisco Franco. O ensino das belas-artes, sob perspetiva diversa, seria reinstalado na Madeira em setembro de 1889, quando foi fundada, no Funchal, uma escola de desenho industrial (Escola Industrial do Funchal), então dirigida pelo professor Cândido Pereira (1872-c. 1935), que regressaria ao continente em 1903. A ideia que motivou a fundação desse estabelecimento, designado Escola de Desenho Industrial Josefa de Óbidos, nome que veio a ser mudado para António Augusto de Aguiar, foi a de “ministrar o ensino do desenho com aplicação à indústria ou indústrias predominantes na localidade” (SILVA e MENESES, I, 1998, 399). A instituição instalou-se num bom prédio da família Acciauoli, ainda existente e hoje devoluto, na R. de Santa Maria Maior. Nos anos cinquenta do século passado, em 1955, a Sociedade de Concertos da Madeira criou uma secção de belas-artes no âmbito da Academia de Música, instituição que teve alvará definitivo em 1947 e cujos cursos seguiam os programas oficiais do conservatório nacional. Assim, os cursos complementares de belas-artes que eram lecionados em Lisboa e no Porto passaram a ser igualmente lecionados na Madeira, deslocando-se os professores daquelas escolas continentais até ao Funchal para que fossem realizados os exames finais na Ilha. Esta situação verificou-se até 1974, quando a Academia de Música e Belas-Artes da Madeira passou a gozar de total autonomia científica e pedagógica e a ministrar integralmente os referidos cursos. Pelo dec.-lei n.º 450/77, de 27 de outubro de 1977, foi criado, enquanto estabelecimento de ensino superior público, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), até então, privado; era dotado de personalidade jurídica e autonomia próprias, sucedendo assim à antiga secção de belas-artes da Academia de Música. Nos inícios de 1975, as aulas e as atividades relacionadas com os trabalhos práticos do ISAPM passaram a ocupar a antiga Quinta das Angústias, hoje Quinta Vigia, mudando, no final do ano, para um prédio na R. da Carreira onde vivera o pintor Alfredo Miguéis (1883-1943). Pouco depois, foi adquirido o prédio anexo, a poente, para ampliar as instalações, procedendo-se também à integração daquele instituto na UMa, a que ainda hoje pertence. O ISAPM esteve em regime de instalação até outubro de 1985, com quadros e regime de pessoal definidos pelo dec.-lei n.º 55/84, de 16 de fevereiro, sendo a sua estrutura orgânica, os serviços e o regime de funcionamento determinados pelo dec.-lei n.º 423/85, de 22 de outubro, completando-se assim a constituição do estatuto específico dessa instituição, em inteira paridade com o das suas congéneres no continente, as escolas superiores de Lisboa e Porto. O assunto da instalação de uma universidade na Madeira era ventilado desde os meados do séc. XX, chegando a ser objeto de uma intervenção na Assembleia Nacional, a 2 de abril de 1965, pelo deputado Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), que aborda a questão dos “estudos universitários na Madeira” (Diário das Sessões..., n.º 203, 4853). Foi necessário esperar pela época da autonomia política e administrativa para o assunto voltar a ser equacionado, estabelecendo-se, em 1975, a extensão de alguns cursos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa à Madeira e, depois, em 1982, da Faculdade de Ciências da mesma universidade e da Universidade Católica. A 19 de dezembro de 1975, na Assembleia Constituinte, o deputado Dr. Emanuel Rodrigues tinha já apresentado um requerimento ao ministro da Educação e Investigação Científica a solicitar a constituição de um instituto universitário na Madeira, à semelhança do que havia disso feito nos Açores. Assim, sucessivos diplomas alargaram o campo do ensino na Ilha: o dec.-lei n.º 664/76, de 4 de agosto, criou o Instituto Universitário da Madeira; o n.º 322/77, de 6 de agosto, o Conservatório de Música da Madeira; o n.º 450/77, de 27 de outubro, o Instituto de Artes Plásticas da Madeira; e o n.º 205/81, de 10 de junho, instituiu oficialmente na Região Autónoma da Madeira (RAM) os centros de apoio dos estabelecimentos de ensino superior universitário. O dec.-lei n.º 332/83, de 13 de julho, por sua vez, veio estabelecer as normas gerais sobre o ensino superior na RAM, levando a um despacho conjunto, com a data de 4 de novembro de 1983, da Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Secretaria Regional da Educação, então tutelada por Eduardo Brazão de Castro, no sentido de se criar “uma comissão com vista ao estudo da viabilidade de criação e funcionamento de uma universidade na Região Autónoma da Madeira e/ou outras alternativas institucionais” (VERÍSSIMO e SANTOS, 2015, 26). A comissão tinha um mandato de seis meses e seria constituída por cinco membros, sendo nomeados, de imediato, como presidente, Fernando Alves Cristóvão, e, como vogais, José Freitas Ferreira e Victor Hugo Lecoq Forjaz. Alguma instabilidade governativa em Lisboa e a nomeação do presidente para outras funções levaram a um certo atraso nos trabalhos desse grupo. A comissão veio a agregar àqueles dois vogais o Eng. Rui Manuel da Silva Vieira (1926-2009), antigo presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal e membro da primeira Junta Governativa da Madeira, de 1974. O trabalho do grupo veio a ser apresentado em 1985 como estudo sobre a viabilidade da Universidade da Madeira, contrapondo ao modelo napoleónico de universidade um outro, supostamente mais adaptado à realidade da Madeira, mas que levaria alguns anos a ser aprovado, verificando-se que acabaria por não se afastar especialmente dos modelos implementados no continente. Três anos mais tarde, através do dec.-lei n.º 319-A/88, de 13 de setembro de 1988, nasceu a UMa. Por despacho conjunto do ministro da República para a RAM e do ministro da Educação, de 15 de dezembro desse ano e publicado a 29 seguinte, fizeram parte da primeira comissão instaladora, como presidente, o Prof. Doutor Raul de Albuquerque Sardinha, como vogais, os Profs. Doutores Fernando Santos Henriques e José Luís Morais Ferreira Mendes, e, como administradora, a Dr.ª Ana Isabel de Portugal Almada Cardoso. A partir de então, foram sendo integrados os cursos de letras e de ciências que, desde 1978, tinham funcionado nos centros da extensão universitária, embora nesses primeiros documentos se considerasse que a UMa, pelo menos no que dizia respeito aos cursos de letras, e dada a diversidade de variantes, não poderia assumir a finalização dos cursos, tendo os seus alunos de se deslocar ao continente para obter o diploma. Em 1989-1990, começou a funcionar o 1.º ano do curso de educação física e desporto, o primeiro curso de licenciatura da UMa, criado pela portaria n.º 861-A/89, de 4 de outubro, do ministério da Educação, então sob a orientação do Prof. Fernando Ferreira. Com a extinção da Escola Superior de Educação da Madeira e a subsequente criação do Centro Integrado de Formação de Professores, através do Dec.-lei n.º 391/89, de 9 de novembro, a formação inicial dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico passou para o âmbito da UMa. Foram aprovados, ainda durante o período de vigência da primeira comissão instaladora, a primeira versão dos estatutos da UMa. Dado o peso institucional da educação física e desporto na UMa e na RAM, e a necessidade de se encontrarem espaços com determinada liberdade e independência, adequados àquela realidade, foi equacionada, durante esses anos, a instalação da reitoria da universidade na célebre Quinta do Monte, passando as várias reuniões de trabalho a decorrerem nesse espaço emblemático madeirense. Iniciaram-se, assim, contatos vários e equacionou-se o projeto de instalar nos limites do bom parque daquela quinta as instalações de educação física, reservando-se a antiga residência para a reitoria. Em maio de 1990, todo o espaço do parque da Quinta do Monte foi demoradamente visitado por Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro do Governo central, acompanhado pelo ministro da República para a RAM e por Alberto João Jardim e Eduardo Brasão de Castro, respetivamente presidente do Governo Regional da Madeira (GRM) e secretário regional da Educação, entre outras individualidades. A quinta veio a ser adquirida pelo GRM e o seu recheio pela UMa, numa complexa negociação com os inúmeros herdeiros daquela propriedade. Porém, num curto espaço de tempo, foram tomadas outras opções, passando a comissão instaladora seguinte para o antigo Colégio dos Jesuítas. Na sequência de um período conturbado, que levou a que o vogal presidente pedisse a sua exoneração, foi indigitada uma nova comissão instaladora. Esta segunda comissão, nomeada por despacho conjunto de 25 de julho de 1991, era constituída pelo Prof. Doutor Fernando Santos Henriques, vogal da anterior que assumia agora a presidência, pelos vogais Prof. Doutor Jorge Manuel Morais Barbosa, Prof. Doutor Carlos Alberto Nieto de Castro e Prof. Doutor Joaquim José Borges Gouveia, e pela administradora Mestre Elizabete Maria Azevedo Olim Marote Oliveira. O regime de instalação foi prorrogado por mais um ano e com esta comissão a UMa comprometia-se a garantir a totalidade das licenciaturas. No entanto, os estatutos aprovados durante o mandato da primeira comissão ainda não tinham sido homologados, prolongando-se, assim, uma vez mais, a fase de instalação da universidade. O ano letivo de 1990-1991 assistiu aos primeiros passos de grande parte dos cursos da UMa, nomeadamente, biologia; física; matemática; química; línguas e literaturas modernas; variantes de estudos portugueses; estudos portugueses e franceses; estudos portugueses e ingleses; estudos portugueses e alemães; estudos portugueses e espanhóis; estudos ingleses e alemães; e estudos franceses e ingleses; todos com o ramo científico e de ensino. Em 1992-1993, começaram a funcionar os cursos de gestão e de engenharia de sistemas e computadores. Através do protocolo de integração de 30 de setembro de 1992, publicado no Diário da República, n.º 280, II série, de 4 de dezembro de 1992, o ISAPM passou a estar integrado na UMa sob a denominação de Instituto Superior de Arte e Design, da Universidade da Madeira (ISAD/UMa), devendo adotar uma organização semelhante à dos restantes departamentos e secções autónomas da instituição. Em 1991, criou-se a Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa), com o intuito de responder às necessidades dos estudantes. As eleições para os corpos sociais foram marcadas para 10 de dezembro desse ano, dia em que se comemorava o aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos por parte da Organização das Nações Unidas. Participaram no sufrágio 416 estudantes, tendo sido eleito presidente da direção Jorge Carvalho, da mesa da assembleia geral, Deodato Rodrigues e, do conselho fiscal, António Cunha; tomaram posse a 2 de janeiro seguinte. A partir de então, a AAUMa seria uma parceira privilegiada de toda a vida universitária, colaborando na elaboração da sigla, na criação do trajo académico, de várias tunas e de um grupo de fados, entre outros. Assumiu um protagonismo excecional, no plano interno e externo, lançando mesmo uma revista e criando uma imprensa académica, e mantendo exposições regulares, na área do edifício do colégio, onde montou uma das suas lojas Gaudeamus; também organizou visitas guiadas e outras atividades. O aumento exponencial dos cursos lecionados pela UMa e do número de alunos obrigou a procurar novas instalações, chegando-se, inclusivamente, a arrendar dois complexos: um no edifício Oudinot, onde passaram a funcionar alguns dos cursos das áreas das ciências exatas e naturais, e o piso térreo do edifício José Maria Branco, à R. Bela de Santiago, que fora equacionado para servir de centro comercial, para os cursos de Línguas e Literaturas Modernas e Clássicas. Entretanto, as Ciências da Educação, a Matemática e outras instalaram-se no antigo quartel do Colégio, onde vieram a ser realizados os primeiros exames, além de outras provas académicas, e.g., em 1993, a de aptidão pedagógica e capacidade científica de Mário Dionísio Cunha, e a de agregação de António Manuel Esteves dos Santos Casimiro. A primeira prova de doutoramento ocorreu a 15 de dezembro de 1994, sendo candidata Rita Maria César e Sá Fernandes de Vasconcelos, com a tese Contribuição à Análise de Dados Categorizados, inscrita em estatística matemática. A primeira prova de mestrado foi em 1999, quatro anos após a abertura o primeiro curso de mestrado da UMa, com o candidato João José Abreu de Sousa e a tese A Revolução Liberal na Madeira. Em 1993, entretanto, fora nomeada uma terceira comissão instaladora, constituída pelo vogal presidente Prof. Doutor João David Pinto Correia, pelos vogais Profs. Doutores José Manuel Castanheira da Costa e Ruben Antunes Capela, e pelo administrador Prof. Doutor António Augusto Marques de Almeida. Da sua unidade de planeamento e informação surgiu o documento Plano de Desenvolvimento: 1994-1998. Delineado em termos de proposta, este plano partiu do diagnóstico da situação então vigente (dezembro de 1994), respeitante a alunos, pessoal docente e não docente, para apresentar, a partir dessa análise, uma estratégia, tendo em vista dois grandes objetivos: o equilíbrio, em termos de rácios, em 1999 e o melhoramento da qualidade científica e pedagógica dos cursos da UMa. Datam da fase inicial da terceira comissão instaladora as primeiras obras de reabilitação do velho edifício do colégio, procedendo-se à adaptação das salas do piso superior da ala sobre a R. do Castanheiro para gabinetes e salas de reunião, e à construção de uma entrada independente desta ala para o Lrg. do Município. A área foi partilhada com a diocese do Funchal, que tinha conseguido a cedência da ala sobre aquele largo e o chamado Pátio dos Padres para instalar a Universidade Católica, havendo assim que isolar algumas paredes, construir escadas interiores e balaustradas, equipar a entrada (onde foi recuperado um antigo oratório, para o qual se adquiriu uma imagem do orago) e fechar parte do corredor grande em cima, que deixou assim de percorrer visualmente todo o edifício, desde a antiga cerca ao Lrg. do Município. Foi durante a vigência desta terceira comissão instaladora que começaram a funcionar os cursos de línguas e literaturas clássicas (ramo científico e de ensino) e que se realizaram eleições para a nova Assembleia Constituinte, tendo-se em vista a elaboração e a aprovação dos estatutos. Os seus trabalhos foram iniciados a 5 de setembro de 1995 e prolongaram-se até 25 do mesmo mês, dia em que os estatutos da UMa foram aprovados. Reenviados de novo àquela instituição de ensino e depois de analisados pela comissão de apreciação dos estatutos (a chamada Comissão Ferrer), a fim de se proceder a algumas alterações, reiniciaram-se os trabalhos, a 9 de fevereiro de 1996, até estar completa a versão final, lida e aprovada a 14 de março seguinte. Com a homologação dos estatutos da UMa pelo ministro da Educação, o Prof. Doutor Marçal Grilo, no anfiteatro do edifício do colégio, a 13 de maio de 1996, e com a consequente eleição do responsável da instituição para os dois anos seguintes, o reitor José Manuel Castanheira da Costa, que tomou posse a 28 de julho de 1996, a UMa entrou numa nova e crucial fase da sua existência. Uma fase que pressupunha a sua afirmação no contexto nacional como universidade de pleno direito, e o atingir, a nível interno, as variações mínimas nos seus balanços e números, para que pudesse enfrentar os grandes desafios que se apresentavam a qualquer instituição de ensino superior no limiar do séc. XXI. A partir de 1992/1993, a RAM assumiu a alteração da articulação do novo Complexo Tecnológico da Penteada ou Madeira Tecnopolo. Este complexo foi projetado pelo ateliê João Francisco Caires, entre 1985 e 1991, para acomodar a UMa, transitando para ali vários departamentos, no ano letivo de 1998-1999. Entre eles, o de arte e design, que, por deliberação do senado universitário, em reunião de 11 de junho de 1997, definiu a sua organização à imagem da das restantes secções autónomas. Assim, em reunião do mesmo senado, a 29 de abril de 1998, foi aprovado o novo regulamento desta unidade, com a denominação institucional de Arte e Design. Com a passagem dos departamentos para o edifício da Penteada, iniciaram-se as obras de reabilitação do outro velho edifício, nos primeiros meses de 2000, para acolher a reitoria. Esta era então liderada pelo Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa, ainda no exercício do seu primeiro mandato, ficando a intervenção a cargo dos arquitetos Rui Campos Matos e Vasco Cardoso Marques (ateliê CM Arquitectos). O projeto destes assentou na abertura da antiga cantina militar à R. dos Ferreiros, como havia sido no séc. XVIII, libertando as enormes portas entaipadas, provavelmente, desde o terramoto no Funchal, em 1748. A abertura deste espaço permitiu o acesso imediato ao antigo Pátio dos Estudantes, então ajardinado, e a reabilitação do antigo ginásio militar para servir como sala de atos da UMa. Os gabinetes da reitoria passaram para o antigo Corredor do Eirado, sobre a R. dos Ferreiros. As principais cerimónias universitárias, que até então haviam decorrido, primeiro, no salão nobre da antiga Junta Geral e, depois, no congénere salão da Assembleia Legislativa, passaram a ser feitas na sala de atos da reitoria. De igual forma, todo o piso térreo à volta do Pátio dos Estudantes, quer a sala de atos, quer o conjunto de salas da antiga cooperativa militar, reabilitadas em 2005, e as salas de simulação empresarial e empreendedorismo, onde era o antigo refeitório militar, que foram reabilitadas em 2011, passaram a ter um muito especial protagonismo na vida regional, ali decorrendo encontros e congressos, mesmo organizados por outras instituições, que por vezes utilizam o espaço para receções oficiais. Não deixou de ser paradigmático que as primeiras obras de reabilitação tivessem sido inauguradas na visita do Presidente Jorge Sampaio e as segundas na do Presidente Cavaco Silva, e que, inclusivamente, fosse feita uma grande exposição alusiva aos trabalhos de reabilitação da igreja do colégio, efetuados sob a coordenação da Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC). As eleições de 2000 foram ganhas por uma equipa liderada pelo Prof. Doutor Ruben Antunes Capela, que tomou posse a 19 de julho. Findo o seu mandato, assumiu a reitoria o decano da UMa, Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo, exercendo funções entre 1 de junho e 19 de julho de 2004. Realizadas novas eleições, tomou posse como reitor, nesse dia 19 de julho, o Prof. Doutor Pedro Telhado Pereira, tendo sido durante a sua vigência no cargo que ocorreu a adequação dos cursos ao denominado Processo de Bolonha e que foram criados novos ciclos de estudo, de acordo com esse paradigma; em 2006 e no ano seguinte, a UMa foi objeto de avaliação externa pela European University Association. Em 2009, o serviço de ação social da UMa abriu a residência universitária N.ª S.ª das Vitórias, na R. de Santa Maria, obra que se arrastou alguns anos e, a 15 de abril desse ano, voltou a tomar posse como reitor o Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa. Sucedeu-o, a 18 de abril de 2013, o Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo. O Processo de Bolonha e a progressiva capacidade de mobilidade dos estudantes, especialmente europeus, aliados à fama da Madeira como destino turístico, graças à benignidade do clima, mas não só, levou à presença exponencial de estudantes estrangeiros na UMa, quer em estágios pontuais e na frequência de determinadas cadeiras, como até em cursos. Já anteriormente, as qualidades gerais do destino Madeira haviam captado um importante lote de professores e investigadores de outras nacionalidades, chegando os departamentos a contar, somente nos quatros docentes, 30 nacionalidades diferentes. O número de estudantes da UMa, entretanto, subiu para cerca de 3000 alunos e o corpo docente para cerca de 250 professores, dos quais, apenas cerca de 15 não se encontram ainda doutorados em 2014/2015, embora quase todos perto disso. A UMa cobria áreas do conhecimento que iam das ciências exatas, às engenharias, às artes e humanidades, oferecendo 18 cursos de 1.º ciclo, 18 de 2.º ciclo e 6 de doutoramento no ano letivo 2014/2015. Neste mesmo período, forneceu ainda 2 diplomas de estudos avançados, 3 pós-graduações, 9 de especialização tecnológica, e também cursos livres. Tinha, então, em funcionamento 10 unidades de investigação com 25 projetos em curso, mantendo os seus docentes e investigadores presença em inúmeras redes nacionais e internacionais de investigação científica. O trabalho de internacionalização foi especialmente iniciado e cimentado pelo Prof. Doutor Ludwing Streit, fundador do Centro de Ciências Matemáticas que soube atrair para a Madeira uma série de investigadores internacionais notáveis. Culminou com a criação, em 2009, de um instituto de investigação, o M-ITI, Madeira Interactive Technologies Institute, criado em parceria com o Tecnopolo Madeira e a Carnegie Mellon University, consolidando a internacionalização necessária e almejada por qualquer universidade. Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF   Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF A ideia veio a ser apresentada na abertura das aulas do ano letivo 2010/2011, comemorada no Funchal a 13 de setembro, que serviu para o ministro da Ciência e Tecnologia, o Prof. Doutor Mariano Gago (1948-2015), assinar o Contrato de Confiança no Ensino Superior com as universidades portuguesas. Na ocasião, o ministro revelou ainda a ideia trazer para a RAM uma escola de categoria internacional, na área da medicina, em rede com instituições de prestígio mundial, uma ideia que contou com o apoio do GRM. Na cerimónia esteve igualmente presente o primeiro-ministro José Sócrates, que traçou rasgados elogios ao trabalho desenvolvido na UMa, afirmando: “Estou aqui na Madeira para dizer à Universidade da Madeira e ao senhor reitor que temos orgulho no vosso trabalho e que […] sendo a mais pequena e mais jovem [das universidades portuguesas] esse trabalho foi mais custoso” (DN, Funchal, 13 set. 2010). Em 2014/2015, passados mais de 25 anos sobre o dia 13 de setembro de 1988, data do decreto que criou a UMa, esta instituição corporizava o espaço e o ponto de encontro político oficial da República e da Região, com uma progressiva afirmação nacional e internacional, tal como a conquista de uma determinada afirmação de universalidade a que todas as universidades aspiram. Nesse panorama de crescente consolidação, foi-se assistindo à colocação de elementos dos quadros docentes da UMa à frente de secretarias regionais do GRM e dos seus antigos alunos nos mais diversos postos de chefia, confirmando assim o trabalho desenvolvido nos últimos tempos.   Rui Carita (atualizado a 08.12.2017)

Educação História da Educação

modelo regional de organização das escolas de ensino não superior

Buscar a origem da vontade regional em afirmar um modelo próprio de organização de escolas é assistir à implementação do dec.-lei n.º 115-A/98, de 4 de maio (que aprovou, ao tempo, o modelo estatal de autonomia, administração e gestão das escolas de ensino não superior), mas sobretudo constatar que esta ocorre num momento crucial que decorre das revisões da Constituição da República Portuguesa (CRP), que vieram crescentemente alargar o âmbito das competências das regiões autónomas portuguesas. Foram elas, sobretudo, a revisão constitucional de 1989, na qual houve a preocupação de aprofundar os poderes legislativos regionais, admitindo-se mesmo a possibilidade de as leis regionais não terem de respeitar as leis gerais da República (através do instituto das autorizações legislativas regionais), e a revisão constitucional de 1997, mais importante, com o crescimento da autonomia regional através da inclusão, no texto constitucional, das matérias de interesse específico regional, bem como a clarificação do exercício de algumas das suas competências; isto além da articulação das leis regionais com os princípios fundamentais das leis gerais da República. Mas também se poderá aditar uma “convicção [política], crescentemente assumida na Madeira e na área da Educação, em aprofundar, consequência dos 20 anos de experiência do decreto-lei n.º 364/79 e das matérias transferidas nesta área” (ALVES, 2012, 150), uma vontade, sobretudo de política educativa regional, que cresce e se afirma de forma inelutável. O marco relevante para compreender este impulso radica no desp. n.º 29/98, de 4 de junho, do secretário regional de Educação. Este despacho determina, tendo como norma habilitante o dec.-lei n.º 364/79 e a consagração competencial regional na supervisão da área organizativa e do funcionamento das escolas, manter o regime de funcionamento das escolas da Madeira constante do instrumento legal anterior ao dec.-lei n.º 115-A/98; i.e., condicionando a aplicação deste decreto do Estado ao território da Madeira, que se continuará a reger, assim, ao nível do funcionamento das escolas, pelo dec.-lei n.º 769-A/76, enquanto não for publicado um modelo regional de organização e funcionamento das escolas. De resto, esta convicção assumida no citado despacho alicerça-se no programa do VII Governo regional da Madeira (GRM), com mandato entre 1997 e 2000, que, na área da educação, dispunha como objetivo: “Assegurar, em termos jurídico-legislativos, a introdução a nível regional, de novos mecanismos de gestão e administração escolar” (Programa do VII Governo Regional, 1997-2000, 14). Todo este processo de vontade de não aplicar o modelo do Estado (dec.-lei n.º 115-A/98) à organização e ao funcionamento das escolas da Madeira por, em contraposição, se pretender ensaiar as competências constitucionais e legais ao dispor da Região tem como marco deveras assinalável o envio da proposta de decreto legislativo regional, pelo GRM (resolução n.º 1159/98, aprovada em plenário do GRM, de 7 de setembro de 1998), para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), em virtude de este ser um ato de natureza legislativa, e para este poder ser aprovado nos termos do arts. 227.º, n.º 1, al. a) e 228.º, al. o) da CRP, conjugados com o art. 37.º do Estatuto Político-administrativo definitivo da Madeira (lei n.º 130/99, de 21 de agosto). Após conveniente tramitação parlamentar, a referida proposta veio a ser aprovada e publicada como dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro, detendo a designação de “Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira”, marcando aquilo que se poderá considerar, definitivamente, como a consagração de um modelo regional de organização das escolas da Madeira. O regime previsto neste decreto legislativo viria, no entanto, a ter uma aplicação, nas escolas da Madeira, não imediata nem simultânea, dado o momento da sua entrada em vigor (o ano letivo já se encontrava a decorrer), e fundamentalmente pelo facto de o decreto ter ficado, desde a sua aprovação, condicionado pelo pedido de fiscalização sucessiva abstrata de algumas das suas normas (solicitado pelo ministro da República, que terá mesmo vetado o decreto legislativo, aprovado inicialmente em sessão plenária da ALRAM de 28 de julho de 1999). Na realidade, tendo o ministro da República de assinar por força constitucional (art. 233.º da CP) – já que o mesmo foi reconfirmado na íntegra por maioria absoluta dos deputados em funções –, este recorreu às suas competências constitucionais e suscitou a fiscalização sucessiva abstrata junto do Tribunal Constitucional (TC). Por determinação administrativa, através do desp. n.º 26/2000, do secretário regional de Educação, de 25 de maio (difundido junto das escolas da Madeira através de ofício circular da Direção Regional de Administração e Pessoal, da Secretaria Regional de Educação, n.º 21/2000, de 29 de maio de 2000), foi mandado aplicar o modelo regional, exclusivamente no ano escolar 2000/2001, apenas a duas escolas, as escolas básicas dos 2.º e 3.º ciclos do Caniçal e do 3.º ciclo do Funchal (extinta), e mantido o regime de prorrogação da experiência pedagógica (na altura ao abrigo do dec.-lei n.º 172/91, de 10 de maio) da Escola Secundária de Francisco Franco, permanecendo as restantes escolas abrangidas pelo regime constante do dec.-lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro. Acresce, todavia, que a aplicação plena do regime constante do dec. leg. regional n.º 4/2000/M viria também a ficar limitada, no ano seguinte, pelo atraso nas tomadas de posse dos membros dos órgãos de gestão das escolas, o que motivou uma determinação administrativa em prorrogar, por desp. n.º 30/2001, de 22 de agosto (do subsequente secretário regional de Educação, do VIII GRM – 2000-2004), até à tomada de posse dos novos membros dos órgãos de gestão das escolas, os mandatos dos seus atuais membros e o respetivo regime legal de funcionamento das escolas, que se regiam, como se viu, pelo dec.-lei n.º 769-A/76. Marcado por todo este circunstancialismo, o dec. leg. regional n.º 4/2000/M acabou por surgir na sua plenitude a partir do ano escolar de 2001/2002 (ainda que na pendência da assinalada fiscalização sucessiva de constitucionalidade junto do TC) como afirmação plena das competências estatutárias da Madeira, na área da educação e, simultaneamente, como vontade de implementar um modelo regional que, não escondendo a sua referência ao modelo do Estado, fosse no entanto diferente e adequado à realidade regional. Pelo ac. n.º 161/2003 – proc. n.º 64/2000, de 6 de maio de 2003 –, o TC viria a concluir (no contexto do pedido de fiscalização sucessiva) que, apesar de os poderes das regiões autónomas integrarem o poder de desenvolver as leis de bases, em função do interesse específico das regiões em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República (AR), a Lei de Bases do Sistema de Ensino estaria, todavia, na reserva absoluta de competência desta Assembleia do Estado (art. 164.º, al. i), da CRP). Com efeito, apesar de a revisão constitucional de 1989 ter reconhecido poderes muito amplos às regiões autónomas, no sentido do desenvolvimento de leis de bases da AR, entendia o TC que a competência para desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo caberia em exclusivo ao Governo da República (GRe). Assim, e nesta matéria, declarou o TC que os poderes legislativos das regiões autónomas estariam particularmente limitados ao ser atribuído ao GRe o exclusivo do desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, nos termos do preceituado no art. 198.º, n.º 1, al. c), da CRP. Acresce ainda que o próprio dec.-lei n.º 115-A/98 (art. 13.º) se assumia para valer como lei geral da República, prescrevendo mesmo a sua aplicação territorial às regiões autónomas. Nesta decorrência, o TC acabaria, por fim, por se pronunciar pela desconformidade de algumas das normas do dec. leg. regional n.º 4/2000/M, fundamentalmente da fórmula de recrutamento dos então designados direção executiva ou diretor mediante procedimento concursal a decorrer na escola (e não eleição), e impor que o mesmo fosse alterado por contrariar a CRP. Perante esta decisão do TC, de imediato se ensaiou a necessária aprovação da alteração ao dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de novo sob o impulso do GRM (resolução n.º 998/2005, aprovada em plenário do GRM, de 14 de julho de 2005). Concomitantemente, a ALRAM viria a aprovar, em sessão plenária de 22 de março de 2006, aquilo que seria o dec. leg. regional n.º 21/2006/M, de 21 de julho, que veio alterar o dec. leg. regional n.º 4/2000/M, tendo aqui como normativos habilitantes os arts. 227.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, conjugados com os arts. 37.º e 81.º, do Estatuto Político-administrativo definitivo da Madeira e no desenvolvimento da Lei Bases do Sistema Educativo. Contudo, o representante da República (por força da revisão constitucional de 2004, substituto constitucional do ministro da República) suscitou a apreciação do diploma através da fiscalização preventiva da constitucionalidade, por entender que a Madeira estaria ainda persistindo em diferenças, no regime de funcionamento e organização, que seriam introduzidas no modelo de organização e funcionamento das escolas. Aspetos que conflituariam agora com as suas competências constitucionais e com a unidade do sistema nacional. Isto, curiosamente, apesar de, ao contrário do que acontecia no quadro constitucional anterior, com a assinalada revisão de 2004, a AL, por força do disposto no art. 227.º, n.º 1, al. c), da CRP, passar a dispor de competência para “desenvolver para o âmbito regional os princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos, contidos em lei que a eles se circunscrevam”, mesmo quando, como na situação em apreço, tais bases do sistema de ensino se inscrevam no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da AR. Não obstante a evolução de competências das regiões, aberta pela revisão da Constituição de 2004, e a possibilidade de a Madeira ensaiar uma iniciativa legislativa regional numa área antes reservada ao GRe (por força da já assinalada reserva absoluta do Estado – Lei de Bases do Ensino), bem como a convicção clara do TC de que a “[…] razão pela qual o juízo a proferir pelo Tribunal Constitucional sobre a questão que agora lhe é submetida haverá de confrontar-se com um quadro jurídico-normativo substancialmente distinto daquele que vigorava aquando da aprovação do Acórdão n.º 161/2003” (ac. n.º 262/2006, proc. n.º 358/2006 do TC, DR, I Série-A, n.º 107, 2 de junho de 2006, p. 3685); ainda assim, aquele Tribunal considerou que a proposta de alteração do dec. leg. regional n.º 4/2000/M continha normas, concretamente o caso do recrutamento do órgão de gestão (direção executiva/diretor, renomeado posteriormente como conselho executivo/diretor), contrárias à própria Lei de Bases do Sistema Educativo, com a qual se deveria conformar, na medida em que esta, no seu entender, exige a eleição democrática dos órgãos que asseguram a direção das escolas. Não se pode deixar de referir que este acórdão foi aprovado com algumas declarações de voto vencido (não concordância) de alguns do seus juízes conselheiros, entre eles Benjamim Rodrigues, que era favorável à proposta de decreto legislativo regional apresentada, pois no seu entender: “É que não conseguimos descortinar ­– mesmo aceitando, por inteiro, um dos pressupostos de que parte o acórdão, de que ‘bases’ correspondem às ‘opções político-legislativas fundamentais respeitantes à matéria’ do sistema de ensino –, que as normas em questão contrariem as ‘bases do sistema de ensino’, definidas pela referida LBSE, no que aqui importa, ouse seja, ‘as bases’ relativas à ‘administração do sistema de ensino’ e à ‘administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino’ [arts. 46.º e 48.º]” (ac. n.º 262/2006, p. 3694). Sobre o papel do TC na dimensão regional do modelo regional de autonomia, administração e gestão escolar, assistem-se a duas intervenções jurisprudenciais, ambas incidindo sobre o modelo, mas descortinando neste apenas aspetos que não o comprometem na sua integralidade, nem mesmo aquilo que consideramos a sua matricialidade, quedando-se fundamentalmente sobre a forma de escolha do órgão de gestão. Porém, esta conclusão merece contestação, pois parece discutível não só poder concluir-se por esta desconformidade, tout court, face à Lei de Bases, como caracterizar esta suposta desconformidade como tratando-se de uma matéria de natureza de inconstitucionalidade per se. De facto, o TC entendeu que haveria uma desconformidade da legislação regional, não por contrariedade ao desenho legal fixado na Lei de Bases (único parâmetro conformador, como se viu, após a revisão de 2004), mas por não conformação à lei nacional, ao tomar como parâmetro referencial o dec.-lei n.º 115-A/98. Acontece que ao adotar esta opção interpretativa, e discutível, acabou o TC por neutralizar a competência constitucional da RAM para desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo. Além disso, o TC, ao tomar como referência conformadora o citado dec.-lei n.º 115-A/98, criou mesmo, ao arrepio da CRP, uma nova categoria de leis reforçadas, indo além do art. 112.º, n.º 3, in fine, da CRP. Ora, a ser assim, trata-se aqui de introduzir nesta lógica de pensamento jurídico, do TC, o fenómeno típico dos ordenamentos jurídicos federais: a preempção, ainda que não aplicável em Portugal, figura em virtude da configuração constitucional de Estado unitário, com regiões. Em síntese, esta análise coloca em evidência o sentido restrito que o TC em Portugal tem tido em matéria de repartição constitucional de competências, entre o Estado e a RAM, na área da administração educacional, procurando contornos restritivos que a arquitetura jurídica, saída da revisão de 2004, claramente não coloca. No início do séc. XXI, vigora no espaço continental português, no âmbito da autonomia e administração das escolas, um modelo nacional criado com a publicação do dec.-lei n.º 75/2008, de 22 de abril (subsequentemente alterado, ainda que pontualmente, pelos decs.-lei n.os 224/2009, de 11 de setembro, e 137/2012, de 2 de julho). Este diploma nacional assume-se como aprovando um novo regime nacional de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos. São definidos, no preâmbulo do dec.-lei n.º 75/2008, objetivos estratégicos que suportam as mudanças que se pretendem implementar: “reforçar a participação das famílias e comunidades” na direção estratégica dos estabelecimentos de ensino; “reforçar a liderança das escolas” e “reforçar a autonomia das escolas”. Neste sentido, propõe-se que a obtenção desses objetivos será conseguida por via de alterações a introduzir na organização e gestão das escolas através de: aumento da representação parental e comunitária, no órgão de direção estratégica (posteriormente denominado conselho geral (CG)); ampliação dos poderes deste órgão, em especial no que respeita à eleição do diretor e à supervisão da sua atividade de gestão; criação do cargo de diretor, o seu recrutamento por via de um procedimento concursal e o reforço dos seus poderes (presidência por inerência do conselho pedagógico, faculdade de designar os responsáveis pelas estruturas de gestão intermédia); ampliação da margem de manobra das escolas na definição da sua organização interna, em função da especificidade do serviço de educação que prestam. No essencial é absolutamente paramétrico, e não deixa de ser característica que marca especialmente este novo modelo, aquilo que diz respeito ao órgão de gestão da escola: o diretor. A opção por esta figura, que se caracteriza não só pelo facto de não se prever sequer a possibilidade de aquele órgão ser colegial, por opção da escola (como em todos os modelos anteriores e como no modelo regional da Madeira previsto no dec. leg. regional n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro, alterado pelo dec. leg. regional n.º 21/2006/M, de 21 de julho), passando a ser de imposição unipessoal (pela primeira vez desde o 25 de Abril, quiçá repristinando, apesar de impropriamente, a célebre figura dos diretores das escolas do Estado Novo), como na forma de o seu recrutamento assentar num procedimento concursal desencadeado pelo CG (art.º 22.º), a que se segue um procedimento eletivo (art.º 23.º). Ora, no essencial e na forma de recrutamento, não pode deixar de mencionar-se a clara aproximação que se introduz neste modelo estatal face ao modelo regional da Madeira (constante da versão inicial do dec. leg. regional n.º 4/2000/M e sem a alteração que este viria a sofrer pelo dec. leg. regional n.º 21/2006/M, consequência das decisões do TC). Isto porque a forma de recrutamento que o dec.-lei n.º 75/2008 vem introduzir assenta num procedimento concursal conduzido pelo CG (art.º 22.º n.os 3-5), sendo em tudo semelhante àquele que o dec. leg. regional n.º 4/2000/M (mencionada versão inicial) previa em processo conduzido pelo Conselho da Comunidade Educativa (art.º 17.ºss.). De resto, e a este propósito, não pode aqui deixar de se acompanhar João Barroso, ao questionar-se até a “legalidade deste procedimento” (BARROSO, 2008, 7) a propósito do dec.-lei n.º 75/2008, face à Lei de Bases do Sistema Educativo, quando a mesma, no âmbito do dec. leg. regional n.º 4/2000/M, foi considerada contrária a esta Lei de Bases tendo em conta os fundamentos antes destacados, sobretudo do ac. n.º 262/2006 do TC. Realizando finalmente uma análise morfológica, merecem destaque, no modelo regional: o órgão de gestão, inicialmente designado por direção executiva e dependente de “provas de mérito” (recrutamento através de procedimento concursal interno na escola – isto na versão original constante do dec. leg. regional n.º 4/2000/M), e subsequentemente a escolha deste mesmo órgão, já designado por conselho executivo, mediante eleições a cujo mandato os docentes da escola se candidatam por lista junto de toda comunidade escolar (isto na versão do dec. leg. regional n.º 21/2006/M); a realidade dos agrupamentos de escolas (não aplicável na Madeira, ao contrário do modelo nacional); os contratos de autonomia (sem existência regional) e o âmbito de aplicação do próprio modelo (aplicável na Madeira apenas a escolas dos 2.º e 3.º ciclos, e do secundário). Tudo aspetos que convergem claramente no sentido de poder afirmar-se que estamos, de facto, perante características matriciais fundamentais no modelo da Madeira, que se distinguem, globalmente, do regime estatal. Tudo isto é potenciado pelas realidades existentes nesta Região ao nível dos quadros jurídicos de pessoal docente, que existem por escola e por zona pedagógica, contrariamente ao continente, em que existem por agrupamento. Ainda, o permitir-se que para o desempenho das funções de direção escolar releve, não apenas a qualificação académica específica, como também, e em igualdade, o anterior desempenho destas funções por um mandato diretivo completo, sempre com a obrigatoriedade de os docentes serem do quadro da própria escola a que se candidatam (ao contrário do modelo do Estado). Estes aspetos confluem, assim, enormemente no sentido de também aqui existir, e de forma reforçada, uma dimensão matricial regional própria. Em rigor, temos por convicção que, na Madeira, naquilo que à organização das escolas diz respeito, seguir um modelo regional idiossincraticamente vocacionado para a realidade regional permite à administração educativa ser conduzida no sentido de abordagens que, no limite, deverão abandonar (não caindo na mera declaração reformista do Estado) a tentação tecnocrática da visão do papel da escola e das suas relações com a administração, através de um diretor nos moldes descritos anteriormente pelo modelo estatal. Não obstante, parece-nos apesar de tudo que esta fórmula, assim concebida, tudo terá a ganhar se ficar aliada a uma política educativa regional que pressuponha uma nova estratégia no funcionamento das organizações escolares, considerando-as na dimensão que Erhard Friedberg entende, como sistemas de ação concreta, e em cujas lógicas de funcionamento interno as escolas se apresentem na posse de plenas capacidades de perceção e realinhamento em relação à intervenção normativista da administração educacional.     J. Eduardo M. Alves (atualizado a 30.07.2017)

Educação História da Educação