Mais Recentes

festividades

A Madeira é um lugar em que se articulam bem as festividades tradicionais, aquelas que o povo celebra há centenas de anos, com as mais modernas, as que se ligam ao fluxo turístico, que busca coisas novas, diferentes, atrativas. As festividades começam, na Madeira, com a festa do panelo, um festival gastronómico que tem lugar no Seixal, nos finais de janeiro. Segue-se, por alturas de fevereiro, a festa dos compadres que começa dois domingos antes do Carnaval. Dura cerca de duas semanas e é essencialmente uma festa humorística em que se brinca com as mulheres (as comadres) e com os homens (os compadres), terminando com um julgamento, em que normalmente vence a comadre. Para os madeirenses, é uma oportunidade de anteciparem o calendário oficial e começarem os folguedos e as brincadeiras da quadra, a que os gigantones dão um toque burlesco. Há música tocada por instrumentos tradicionais, cantigas e danças populares, bailes, cortejos típicos com trajes regionais e um concorrido arraial onde se comem espetadas, bolos do caco, sonhos, etc.. O Carnaval do Funchal insere-se na antiga tradição de se celebrarem na folia os últimos dias antes do começo da Quaresma. É uma época em que se multiplicam os cortejos alegóricos e os desfiles de máscaras, aproveitados muitas vezes para se exprimirem críticas à atualidade ou a personalidades conhecidas. O cortejo principal é no sábado à noite, mas o desfile de terça-feira, o “Carnaval Trapalhão”, é um momento sempre bem vivido; como o nome indica, as máscaras são mais “trapalhonas” o que parece agradar a quem participa no cortejo e a quem a ele assiste. Em março, os eventos em torno da Semana da Árvore e da Floresta, celebrados maioritariamente no Parque Ecológico do Funchal, proporcionam um contacto e conhecimento próximos do meio ambiente, assim como aprendizagem de práticas para melhor o defender e preservar. Também durante o mês de março decorre, no Faial, a festa da anona. Como se revelará mais adiante outros produtos da terra e do mar justificam a realização de festas populares, um pouco por toda a parte. O Festival Literário da Madeira realiza-se no início da primavera. É essencialmente um conjunto de debates que têm lugar no Teatro Municipal Baltazar Dias, e reúne alguns dos melhores escritores de origem madeirense (e não só) com críticos e estudiosos de Literatura. Não se confina a um certame para eruditos, pois envolve a população em geral. Uma homenagem pública a um vulto relevante do panorama literário madeirense é sistematicamente incluída no programa. Em abril, realiza-se a festa da cana do açúcar na Ponta do Sol. Esta festa recorda que o açúcar foi uma das maiores riquezas da Ilha desde os primórdios do povoamento: o alfenim (massa de açúcar e óleo de amêndoa doce) era presente de elevado valor e chegou a ser moeda de troca para a aquisição de obras de arte. Na feira da cana do açúcar, é possível aprender como se recolhe e trabalha a matéria-prima, como se fabrica a aguardente, o melaço e os rebuçados, para além de se poder visitar exposições e participar em atividades de vária ordem. Além das festas típicas da gente madeirense e que, com mais ou menos alterações, se têm mantido ao longo dos tempos, outras há que, embora envolvam e entusiasmem as populações locais, nasceram como consequência da força de atração turística. Esta é uma realidade a que os madeirenses se foram habituando (há registos muito antigos de visitantes ilustres nestas paragens), e ocorreu de forma fulgurante a partir da segunda metade do séc. XX. Destas festividades, o lugar de honra vai para a famosa Festa da Flor. Na Madeira florescem flores raras e variadas, como as orquídeas, as estrelícias e os antúrios, as poinsétias, os lilases, os jasmins, os hibiscos, as hortênsias e os agapantos; e há as árvores carregadas de flores: os jacarandás, as mimosas, as árvores de fogo. Tudo isto se celebra na Festa da Flor que todos os anos, em abril, enche as ruas do Funchal e possibilita o contacto direto com tão grande e diversificada beleza. Nesta ocasião, as ruas encontram-se engalanadas, tal como o chão, os arcos e as paredes das casas; podem ver-se exposições temáticas; sucessivos cortejos; carros enfeitados; e trajes alegóricos. Do programa anual consta sempre a construção do “Muro da Esperança” pelas crianças do Funchal. Quase em simultâneo com a Festa da Flor realiza-se o Festival dos Jardins do Funchal, concurso de jardineiros encartados, mas também de particulares, comerciantes e artistas amantes de flores, que apresentam minijardins para serem apreciados e classificados pela população. No final, são atribuídos prémios às melhores e mais originais produções. As paisagens naturais da Ilha favorecem propostas de contacto com a natureza, através de caminhadas que se organizam ao longo das levadas e das veredas das montanhas. Assim, em abril, tem ainda lugar uma prova de trilho pedestre que atravessa toda a Ilha, proporcionando aos participantes uma passagem por paisagens e ambientes muitos diversos até no que respeita às condições atmosféricas. Em maio, realiza-se nova prova pedestre, com percursos mais curtos e exigindo competências de orientação. O apóstolo S. Tiago Menor é o padroeiro principal da cidade do Funchal, que o celebra no dia 1.º de maio e a cada ano lhe agradece o tê-la salvo da peste que, no séc. XVI, causou grande mortandade entre a população. As festas, que duram vários dias de música e folguedo, integram uma procissão com a imagem do santo e muitos fiéis enfeitados com cordões feitos de flores amarelas, os “maios”. Neste mês de maio, há também várias festas agrícolas: a festa da cebola, no Caniço, com cortejo de tratores e carroças enfeitadas e leilões do produto em destaque; e a festa do limão (na paróquia da Ilha), marcada pela mostra de doçaria e outros pratos feitos a partir do referido citrino, bem como pelo célebre despique de quadras populares criadas a partir dos mais variados temas e cantadas à desgarrada nos ritmos típicos da região. A Ribeira Brava assiste uma vez por ano, ainda em maio, ao encontro das bandas de música, um acontecimento cultural que permite defender e valorizar as antigas tradições musicais da Ilha e que se transforma num animado despique em que cada um quer mostrar o seu melhor, para alegria dos executantes e orgulho dos que, às vezes de longe, os vêm apoiar. É também nesta vila que se realiza, por ocasião das festas de S. Pedro, uma exibição de fogo de artifício. Acrescenta-se a esta lista de eventos a exposição de automóveis, motos e scooters antigos que se organiza em maio ao longo da estrada Monumental. Apresentam-se máquinas extraordinárias e bem tratadas, que cruzavam as estradas da Ilha nos tempos passados, quando a maioria das pessoas se deslocava a pé ou, quando muito, em carros puxados a bois. Também em junho, é possível ver muitas dessas máquinas afoitarem-se pelas estradas da Ilha numa corrida sui generis de curtas etapas, o chamado Classic Rally. O mês de maio termina com as festas da Sé, que por vezes se prolongam até ao início de junho. São festas de rua mais do que celebrações religiosas, que se realizam à volta da Sé mais do que no seu interior. De toda a cidade, “desaguam” na baixa centenas de pessoas que enchem os bares, que dançam na rua, que provam carne de vinha de alhos, sarapatel, bolo do caco ou bolo de mel, que sugam rebuçados de funcho, que bebericam malvasia e grogue, poncha e jaqué, quando não um dos licores feitos a partir do maracujá, do araçá ou da goiaba, etc. As ruas estão enfeitadas com flores e com luzes que, quer de dia quer de noite, transformam aquele espaço num cenário de festa que os grupos musicais e os ranchos folclóricos se encarregam de animar num rodopio contagiante. Em junho, realiza-se a festa da cereja, no Jardim da Serra, à qual se associa a ginjinha. Ainda neste mês, mas na Câmara de Lobos, terra de pescadores que entusiasmou Churchill pelo seu pitoresco, bem junto ao mar, festeja-se um produto deste rico manancial madeirense: o peixe-espada preto. Esta festa constitui simultaneamente um tributo a quantos labutam na pesca e, assim, aumentam a fama do arquipélago. No Funchal, os santos populares também são celebrados com pirotecnia. As celebrações de S.to António, S. João e S. Pedro animam as noites e os dias da Madeira durante o mês de junho, um dos mais animados do ano. Os bailinhos, as barracas de vinhos e petiscos, as exibições de música folclórica pelas ruas, largos e jardins e ainda o fogo de artifício que ilumina as noites do Festival do Atlântico envolvem quantos por ali se encontram. Em julho, na Madalena do Mar, faz-se a festa da banana; a abundante produção local explica que neste lugar se organize há muito tempo tal evento, famoso em toda a Ilha. Também em julho festeja-se outro produto, outra vez do mar e não da terra: as lapas, no Paul do Mar, servidas na grelha, temperadas com manteiga, alho e limão. Ainda neste mês tem lugar em vários pontos do mar da Madeira o campeonato de pesca grossa; entre as diversas provas do campeonato, conta-se a pesca do espadim azul, que ocorre simultaneamente em vários locais do Oceano Atlântico. É igualmente em julho que se realiza a Semana do Mar, em Porto Moniz, na costa Norte, com atividades e jogos variados, passeios de barco, regatas e exibições de folclore, provas desportivas, e outros acontecimentos culturais. Também em julho, vivem-se em simultâneo o festival de folclore e a festa da maçaroca. O primeiro atrai a Santana grupos folclóricos de toda a Ilha (e de Porto Santo), que se apresentam com um desfile nos seus coloridos trajes; estes variam conforme a localidade de onde são provenientes e do estatuto social que representam. O conjunto de exibições inclui, frequentemente, a de um grupo estrangeiro, vindo de um dos países que acolhe mais emigrantes madeirenses. O desafio que é feito é o de se passarem 48 horas a bailar – e há resistentes que o conseguem. A outra festa acima referida pretende apresentar o artesanato confecionado a partir das folhas do milho e da própria maçaroca, que abunda nas freguesias de Santana e São Jorge. A cidade de Machico tem festas enraizadas na cultura popular. A enseada desta urbe é considerada o local do primeiro desembarque dos Portugueses na região, em julho de 1419. A povoação de Machico é tão antiga como a do Funchal e as duas cresceram lado a lado, repartindo entre si a missão de colonizar a Ilha. Foi sede de uma das três capitanias em que o arquipélago foi dividido no tempo do infante D. Henrique (a terceira é Porto Santo), e ali se realiza o mais típico mercado medieval de toda a região. Dura uma semana e inclui diversões e entretenimentos que se considera já existirem na Idade Média: cortejos, teatros de rua, exibições de acrobatas e malabaristas, jogos pirotécnicos, entre outras atividades. Os participantes usam trajes da época e as barracas proporcionam comidas e bebidas de cariz medieval, bem como artesanato local. As ruas, à volta da igreja dos inícios do manuelino, são engalanadas com bandeiras e colgaduras. No Funchal, o festival de jazz, que se realiza ao ar livre, no parque de Santa Catarina, durante o mês de julho, congrega melómanos que se juntam para ouvir os melhores grupos nacionais e muitos estrangeiros. Também em julho, no parque de Santa Catarina, tem lugar a abertura oficial das festas de verão, com bandas e grupos instrumentais, cantores e intérpretes de várias origens. Realiza-se ainda o Festival Raízes do Atlântico, provavelmente uma das mais antigas apresentações de músicas do mundo em território nacional, que coloca frente a frente grupos tradicionais de distintos países. A romaria da Sr.ª do Monte realiza-se no dia 15 de agosto, perto do Terreiro da Luta, um dos miradouros sobre o Funchal. O motivo da romaria é a veneração de uma imagem muito antiga, alegadamente encontrada por uma pastorinha ainda nos finais do séc. XV, i.e., pouco tempo depois de iniciado o povoamento. A festa é uma das mais famosas da ilha da Madeira e atrai gente vinda de todo o mundo, designadamente das paragens por onde se encontra a diáspora madeirense, sobretudo desde que, em 1803, o bispo do Funchal colocou a cidade e a Ilha sob a proteção da Senhora. A igreja, que data do séc. XVIII e substitui a do séc. XVI, que era demasiado acanhada para tão grande devoção, é ricamente adornada e a procissão conduz multidões de fiéis por ruas engalanadas e caminhos cobertos de flores. Entre as festas citadinas destaca-se o Dia da Cidade do Funchal, instituído para celebrar as memórias daquela que é a mais antiga cidade europeia fora do continente e a sede da outrora maior Diocese do mundo inteiro. Ainda em agosto realiza-se a semana gastronómica de Machico, que junta cozinheiros de toda a Ilha, os quais apresentam os seus pratos mais emblemáticos à apreciação (e julgamento) dos muitos turistas que ali acorrem. Nova mostra gastronómica ocorre por ocasião da festa do Senhor dos Milagres, uma festa essencialmente religiosa com missa e procissão de velas. A capela do Senhor dos Milagres encontra-se na localização provável dos túmulos de Robert Machim e Anne d’Arfet, os jovens ingleses que, fugindo de quem perseguia os seus amores proibidos, ali teriam sido desembarcados no séc. XIV, i.e., antes da chegada dos Portugueses. A capela primitiva foi destruída pela força das águas no início do séc. XIX, e posteriormente reconstruída; no entanto, a imagem de Cristo é a original, uma vez que foi recuperada no mar uns dias depois por um navio americano. O facto foi considerado milagroso e a festa realiza-se em memória do dia em que a imagem foi retirada das águas. Outro núcleo temático festivo liga-se ao mar, que exerce um poderoso fascínio sobre quem vive ou visita a Madeira. Um dos eventos relacionados com este tema é a volta à Ilha de canoa, que ocorre habitualmente em agosto, e que propõe uma ida do Funchal ao Funchal, seguindo a costa. Neste mês realiza-se ainda, no Paul do Mar, uma prova de desporto radical, misto de ciclismo e mergulho. A Camacha é rica em artesanato e nela se realiza, normalmente em agosto, o Festival de Arte que, além de mostrar o que se produz na vila, em vime e giesta, constitui uma exibição de produtos tradicionais de toda a Ilha, designadamente bordados. Esta festa é acompanhada pelas atividades do rancho folclórico local. O tema “Vinho da Madeira” é celebrado nos inícios de agosto com o rally que leva esse nome e que, desde meados do séc. XX, atraiu à Ilha famosos pilotos europeus, para quem o traçado das estradas e a incerteza das condições atmosféricas constituem um verdadeiro desafio, bem como numerosos aficionados do desporto automóvel. Também nos finais de agosto, mas em Porto Santo, realiza-se a festa das vindimas que, sem o fulgor e a divulgação da do Funchal, permite celebrar um vinho diferente, generoso, produzido nas encostas quentes do sul da ilha a partir de uvas grandes, ricas em açúcar. O evento inclui manifestações culturais, provas de vinho de diversas castas e bailes populares. O Instituto do Vinho da Madeira criou o Festival do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, em fevereiro, em ordem a divulgar estas e outras manifestações da cultura popular. Trata-se de um festival urbano, com um programa multifacetado que inclui oficinas de experimentação artesanal (tapeçaria, pintura de azulejo, etc.), manifestações culturais e propostas de divertimento. A festa do Vinho da Madeira tem lugar normalmente nos últimos dias de agosto e prolonga-se por setembro. A festa do vinho é um acontecimento de grande relevo, com programas diversificados que vão desde a participação em atividades rurais, como a vindima, a pisa da uva à volta da cidade de Câmara de Lobos e o respetivo cortejo dos vindimadores, até às visitas guiadas organizadas pelas adegas regionais, as provas de vinho das diferentes castas, propostas um pouco por toda a cidade do Funchal, e às manifestações folclóricas, espetáculos de luz e som, cortejos, bailes e petiscos tradicionais. Setembro é um mês muito fértil em celebrações populares. Neste mês celebram-se três das mais concorridas romarias da ilha da Madeira: a do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada; a de N.ª Sr.ª do Loreto, no Arco da Calheta; e a de N.ª Sr.ª da Piedade, no Caniçal. Ponta Delgada nasceu à volta de uma pequena capela do séc. XV que o fogo destruiu no início do séc. XX. A romaria é uma das mais frequentadas do norte da Ilha, por peregrinos vindos de muito longe, por vezes a pé. A festa tem lugar nos primeiros dias de setembro, mas desde meados de agosto que começam os preparativos, cobrindo-se as ruas com flores coloridas, fazendo-se os bolos tradicionais, construindo-se barracas de louro, montando-se arcos de buxo, etc. A terra enche-se de vendedores ambulantes que se preparam para expor os seus produtos regionais, nomeadamente os colares de peras passadas. As últimas horas são dedicadas a atapetar de flores e folhagens o percurso por onde há de passar no dia maior a procissão do Bom Jesus, na sua volta pela localidade. A capela do Loreto fica perto do Arco da Calheta, terra que foi rica em açúcar e onde morou Gonçalo Fernandes, grande senhor de sesmaria, muito provavelmente filho do Rei D. Afonso V, ali exilado por razões de Estado. O pequeno templo, dos inícios do séc. XVI, foi restaurado mas guarda traços manuelinos de razoável interesse. À sua volta, realiza-se todos os anos, a 8 e 9 de setembro, uma romaria muito animada e concorrida, preparada com devoção e cuidado pelos habitantes da terra, que também cobrem as ruas com dosséis floridos em honra da Mãe de Jesus, na sua invocação da Casa Santa. Quando o calendário permite, a proximidade das duas festas faz que os romeiros do Bom Jesus vão diretamente para o Loreto. O Caniçal é terra de pescadores, típica nas suas casas garridas, situada no extremo leste da Ilha. Bem perto do cabo de São Lourenço, no alto de uma escarpa elevada, fica a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, padroeira dos homens do mar, edificada como preito de gratidão de marinheiros aflitos. A festa consta essencialmente de duas grandes procissões de barcos, uma que vai buscar a imagem da Senhora e a leva até à igreja matriz, dedicada a S. Sebastião; a outra procissão devolve-a à sua capela. As embarcações são festivamente engalanadas, destacando-se a que transporta o andor, escolhida por sorteio uns dias antes. Nos percursos a pé, no Caniçal, entre o cais e a igreja, a Virgem é acompanhada pelos fiéis, com cânticos e bandas filarmónicas. Na festa profana não faltam naturalmente os petiscos nem as bebidas tradicionais. A cidade de Vila Baleira inspira-se nos tempos antigos do povoamento para a temática das suas celebrações. De facto, foi ali que os Portugueses primeiro chegaram, em 1418, e tudo leva a crer que Cristóvão Colombo, casado com Filipa Moniz, filha do primeiro capitão donatário da ilha, Bartolomeu Perestrelo, terá vivido no Porto Santo, onde nasceu seu filho Diogo, nos finais do séc. XV. É esta presença do grande navegador de renome mundial em terras madeirenses que a cidade comemora alegremente no mês de setembro, com cortejo histórico, eventos culturais e uma reconstituição cénica da chegada de Colombo à ilha. O pero e a maçã têm as suas festas em setembro, o primeiro na Ponta do Pargo e a maçã, sob a forma de cidra, no Santo da Serra. Por toda a parte, há cortejos, degustações de produtos locais, tendas de artesanato e festa. Outra forma de contactar com a natureza é proposta pelo festival de todo-o-terreno que também se realiza em setembro, no qual pode participar qualquer pessoa que queira aprofundar a sua descoberta da Madeira. Neste conjunto de realizações, podemos ainda incluir o torneio de golfe, disputado no Santo da Serra e no Porto Santo, pelo que esta prática desportiva tem de relação estreita com os espaços naturais em que se realiza. As iniciativas incluídas no Madeira Nature Festival, tais como passeios, caminhadas, voos em parapente, experiências de vela em mar aberto, são outras tantas possibilidades de se conhecer a Madeira no mês de outubro. Na vila da Camacha, a festa da maçã ocorre igualmente em outubro, com possibilidade de se assistir ao fabrico da cidra a partir de frutos acabados de colher. Neste mês, ainda o Festival de Órgão da Madeira, que atrai organistas de todo o mundo para executarem, a solo ou acompanhados por coros locais, peças dos mais variados compositores. As peças são executadas nos órgãos de origem portuguesa, italiana e inglesa e nos muitos locais que a isso se propiciam – desde o Colégio de S. João Evangelista à igreja de S. Pedro, do convento de S.ta Clara à Sr.ª de Guadalupe. Novembro é o mês da castanha, e o Curral das Freiras e o Campanário da Ribeira Brava fazem questão de mostrar as suas especialidades com provas não só dos frutos em si, como também dos doces e licores que eles proporcionam. A Madeira tem uma sólida tradição de fotografia; as paisagens da Região inspiraram gente como os Vicentes, que as fixaram em verdadeiras obras de arte. As mostras de cinema da Madeira são por muitos consideradas uma homenagem àqueles percursores da arte da imagem. No Funchal há dois festivais de cinema: o Festival Internacional, em novembro, que apresenta no Teatro Municipal Baltazar Dias longas e curtas-metragens do mundo inteiro, dando particular relevo ao cinema independente e às produções madeirenses; e o Madeira Film Festival, em abril, que é menos divulgado mas envolve muitas outras atividades para além da simples mostra de novos filmes. Em abril tem também lugar a feira do livro que, para além da venda, tem associadas uma série de celebrações relacionadas com a leitura. Entre as festividades, o Natal tem um lugar de honra. Para o madeirense, a Festa é o Natal; é mesmo a única que é assim chamada – a “Festa” – sem precisar de mais especificações. A cidade do Funchal começa a engalanar-se logo em novembro. No campo, no entanto, perduram as velhas tradições, é por volta do dia 15 de dezembro que os preparativos têm lugar, envolvendo toda a população. Colocam-se mastros e bandeiras nas ruas, enfeitam-se as paredes das igrejas com folhagens, ornamentam-se os altares e, principalmente, começa a montar-se o presépio na igreja, repetindo hábitos de avós e bisavós. A Festa é normalmente anunciada com foguetes que convidam os fiéis para o início das “missas do parto”. A primeira é no dia 16 e, até ao dia 24, todas as madrugadas se celebra a iminente chegada do grande dia. E canta-se: “Virgem do Parto, oh Maria,/Senhora da Conceição,/Dai-nos as festas felizes,/A paz e a salvação”. Há costumes ligados a estes dias (cantos, danças, trajes, etc.), dos quais a matança do porco é, sem dúvida, um dos mais respeitados, juntando, em quase todas as freguesias, homens, mulheres e crianças numa celebração onde não falta a aguardente de uva ou de cana, nem os petiscos cozinhados no local. É também a altura de, por toda a parte, se amassar e cozer o “pão da Festa”, bem como de, em cada casa, se montar a “lapinha”, que é uma espécie de trono ao Menino Jesus, instalado em cima de uma mesa, normalmente com armações em escada de três degraus, enfeitadas com flores, ramagens, searinhas de lentilhas, trigo ou centeio, frutos coloridos, bolas e fitas, em que o Menino se representa em pé. O dia de Natal é vivido em família, demorando as celebrações populares até meados do mês de janeiro, pontuadas pelos cantos das janeiras, pelas tradições de dia de Reis (no Funchal, na Ribeira Brava, em Câmara de Lobos, entre outras localidades), pelas atividades típicas do fim da Festa: desmontar as lapinhas e “varrer os armários” (ritual que consiste em arrumar os locais onde se guardam os objetos ligados à festa de um ano para o outro), servindo estas ocasiões como novas oportunidades de folguedos e brincadeiras. Entretanto, a 28 de dezembro, realiza-se a corrida de S. Silvestre, uma das mais antigas da Europa, e, na noite do dia 31, aquele que é talvez o mais conhecido evento madeirense: a passagem do ano, festa que regularmente atrai ao Funchal largos milhares de turistas desejosos de ver o esplendoroso fogo de artifício, que ilumina toda a baía e que se derrama desde a montanha até ao mar, cobrindo a capital da Madeira com um manto de luz e de cor. No momento da passagem do ano, tocam os sinos e as sirenes dos paquetes estacionados no porto, e não são raras as famílias que lançam os seus foguetes ou acendem os fósforos coloridos na varanda ou no terraço, participando assim, à sua maneira, na grande celebração.     José Victor Adragão (atualizado a 31.01.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares História Económica e Social

ferreira, josé medeiros

Filho de um comandante da Guarda Fiscal da ilha de São Miguel e de uma lavadeira, José Medeiros Ferreira, nascido em 1942, no Funchal (mas registado em Ponta Delgada), fez a escola primária em Vila Franca do Campo e os estudos secundários no Liceu Nacional de Antero de Quental, em Ponta Delgada. Aos 18 anos, matricula-se no curso de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo chegado ao 4.º ano. Membro ativo da causa estudantil contra o regime salazarista (1961-1965), foi secretário-geral da RIA (Reunião Inter-Associações), substituindo Jorge Sampaio, e envolveu-se na greve de 1962, sendo detido pela polícia política (PIDE) no Aljube, onde, sem culpa formada, cumpriu três meses de prisão, com a habitual tortura do sono e o isolamento celular. Teve como companheiros de prisão, entre outros, o pintor Nikias Skapinakis e o nacionalista angolano Joaquim Pinto de Andrade. Em 1965, foi expulso, por três anos, das universidades portuguesas e foi candidato a deputado em Ponta Delgada, nas listas da Oposição Democrática, em defesa da autodeterminação das colónias, do fim da guerra em África e da defesa das liberdades públicas e dos direitos humanos. Depois de um triénio de repouso e reflexão na ilha de São Miguel, embarcou para Genebra, Suíça, em 1968, onde pediu o estatuto de refugiado político, que lhe foi concedido, juntando-se aos Portugueses que lá estudavam: António Barreto, Eurico de Figueiredo, Ana Benavente, Carlos Almeida e Manuel Areias. Este grupo de universitários editou a revista Polémica, que circulava clandestinamente em Portugal e nos meios da emigração política de Paris, Londres, Bruxelas, Argel e de outras cidades de exílio. Na Universidade de Genebra, concluiu, em 1972, a licenciatura em História, ganhando uma bolsa de estudo e sendo contratado como assistente. Em 1973, sua mulher, Maria Emília Brederode Santos, apresentou, em seu nome, ao III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, uma comunicação, na qual apontava como metas para Portugal a democratização, a descolonização e o desenvolvimento, metas que vieram a transformar-se nos grandes tópicos do Movimento das Forças Armadas (1974). Regressou a Portugal em 1974, após o golpe militar e revolucionário de 25 de abril, ocupando o cargo de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros no VI Governo Provisório e o de ministro dessa pasta (1976-1977), em cujo cargo assinou a entrada da República Portuguesa no Conselho da Europa (1976) e fez a preparação diplomática do pedido de adesão formal de Portugal à CEE (março de 1977), sendo Mário Soares primeiro-ministro. Foi deputado à Assembleia Constituinte (1975), à Assembleia da República, em várias legislaturas, pelo círculo dos Açores, e ao Parlamento Europeu. Foi, desde o seu regresso a Portugal, membro do Partido Socialista, partido que abandonou, em setembro de 1978, por divergências com a sua orientação política, e ao qual regressaria nos anos 90, sob a liderança de Jorge Sampaio. Entretanto, aderiu à Aliança Democrática, liderada por Francisco Sá Carneiro, animou, com António Barreto, o grupo do Manifesto Reformador, e aderiu ao Partido Renovador Democrático (PRD), sob a liderança do general Ramalho Eanes. Ao regressar ao PS, assumiu a condição de deputado à Assembleia da República pelo círculo dos Açores, na qual teve uma influente participação na lei de finanças das regiões autónomas (1998), tendo participado em duas revisões constitucionais (1997 e 2004), em matérias relativas aos Açores e à Madeira. Foi docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, primeiro como assistente, depois como professor auxiliar e associado, após o seu doutoramento em História Contemporânea (1991). Foi membro investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC). O seu primeiro livro, publicado em 1976, na qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros, sob a chancela daquele Ministério, tem o título de Éléments pour une Politique Extérieure du Portugal Démocratique. Aí reuniu três intervenções: o discurso pronunciado no III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro (1973); o discurso pronunciado por ocasião da adesão de Portugal ao Conselho da Europa (1976); e a intervenção na XXI sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. A sua preocupação básica com a democracia levou-o a publicar Do Código Genético no Estado Democrático; o Ensaio Histórico sobre a Revolução de 25 de Abril – O Período Pré-Constitucional; O Comportamento Político dos Militares – Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal durante o Século XX; e Cinco Regimes na Política Internacional. A área da estratégia e das relações internacionais é contemplada na edição dos livros Estudos de Estratégia e Relações Internacionais, A posição de Portugal no Mundo; e Portugal na Conferência da Paz – Paris 1919; além de vários ensaios dispersos. A temática da autonomia também ocupou a sua atenção, através dos livros A Autonomia dos Açores na Percepção Espacial da Comunidade Portuguesa e Os Açores na Política Internacional. A área da história contemporânea foi especialmente focada na publicação dos livros Um Século de Problemas; e Portugal en Transición, tradução mexicana de Portugal em Transe, com que contribuiu para a monumental História de Portugal orientada por José Mattoso. A problemática europeia é versada nos livros A Nova Era Europeia – De Genebra a Amesterdão; e Não Há Mapa Cor-De-Rosa. A História (Mal)Dita Da Integração Europeia (Lisboa, Edições 70, 2013). Neste último livro, escreveu: “É certo que a zona euro foi envenenada pelo raquitismo das funções do Banco Central Europeu e pelas normas do Pacto de Estabilidade […], negociado sem razoabilidade e [que] resultou da demissão política e técnica de uma boa parte dos políticos europeus rendidos aos monetaristas de Frankfurt. Hoje sabe-se o resultado dessa alienação” (FERREIRA, 2013, 121-122). Trata-se do regresso ao padrão-ouro, como um “espartilho” que “está a concentrar a riqueza no coração do corpo europeu”. Francisco Louçã elogia esta lucidez do analista político que negociou a entrada de Portugal na então CEE: “Medeiros Ferreira demonstrou, sabendo que os seus escritos, em particular os últimos, seriam bem pesados e analisados, que mais vale a razão do que ilusão. Esse realismo é o que falta na discussão portuguesa sobre a ‘questão europeia’, sobretudo neste dia em que se conclui o Ultimato à Grécia e a partir do qual nada será como dantes” (LOUÇÃ, Tudo menos Economia, 20 fev. 2015). Além de múltiplas intervenções em colóquios e congressos, Medeiros Ferreira distinguiu-se ainda como ensaísta, comentarista e cronista político, com vasta colaboração dispersa em periódicos (República, Diário de Notícias, Expresso, Correio da Manhã) e revistas (Seara Nova e O Tempo e o Modo, Nação e Defesa, Finisterra, Política Internacional e Ler História). A homenagem académica ao seu trabalho científico foi prestada no livro José Medeiros Ferreira: Liberdade Interventiva, que reúne 40 artigos de colegas e outros investigadores nas áreas comuns às do homenageado. A 19 e 20 de fevereiro de 2015, a conferência José Medeiros Ferreira: o Cidadão, o Político, o Historiador reuniu vários oradores na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, os quais desenvolveram os temas Relações Internacionais e Estratégia, Razão e Paixão na Política, e A Inteligência no Futebol. Foi condecorado pelo Estado português com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem da Liberdade. Mas, como diz Mário Mesquita, a distinção que confere maior apreço sentimental é a que “lhe foi atribuída pelos seus colegas da Faculdade de Letras de Lisboa, ao aprovarem um ‘voto de louvor, agradecimento e confiança’, quando, em plena luta académica, foi atingido pela repressão do Governo de Salazar” (MESQUITA, “Biografia”). Teresa Patrício Gouveia resume a sua passagem pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros desta forma: “Tinha 35 anos. Encontrou um país à deriva, no meio da revolução e na encruzilhada da história, cercado por inimigos e preso pelos seus fantasmas. Deixou a democracia portuguesa assente na comunidade europeia e ocidental, com uma nova política externa estável, duradoura e consensual, e confiante no seu destino” (GOUVEIA, 2013). Por sua vez, Carlos César testemunha a admiração pelas várias facetas interventivas de Medeiros Ferreira: “Conheci e testemunhei algumas das qualidades superiores de Medeiros Ferreira: líder juvenil, historiador emérito, académico reconhecido, pedagogo, observador perspicaz do quotidiano e do prospetivo, governante recordado e pelas melhores razões, político respeitado, diplomata” (CÉSAR, 2015, 14). Faleceu em Lisboa a 18 de março de 2014.   Obras de José Medeiros Ferreira: Éléments pour une Politique Extérieure du Portugal Démocratique (1976); Do Código Genético no Estado Democrático (1981); Estudos de Estratégia e Relações Internacionais (1981); Ensaio Histórico sobre a Revolução de 25 de Abril – O Período Pré-Constitucional (1983); A posição de Portugal no Mundo (1988); Um Século de Problemas (1989); O Comportamento Político dos Militares – Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal durante o Século XX (1992); Portugal na Conferência da Paz – Paris 1919 (1992); A Autonomia dos Açores na Percepção Espacial da Comunidade Portuguesa (1995); Portugal en Transición (2000); A Nova Era Europeia – De Genebra a Amesterdão (1999); Cinco Regimes na Política Internacional (2006); Os Açores na Política Internacional (2011); Não Há Mapa Cor-De-Rosa. A História (Mal)Dita Da Integração Europeia (2013).     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 31.01.2017)

Direito e Política Personalidades

ferreira, antónio aurélio da costa

António Aurélio da Costa Ferreira nasceu no Funchal a 18 de janeiro de 1879. Era filho de Francisco Joaquim da Costa Ferreira, natural do Porto, e de Teolinda Augusta de Freitas, natural do Funchal. Médico, antropólogo, pedagogo e político, licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filosofia (1899) e em Medicina (1905), tendo recebido vários prémios nas duas faculdades. Estagiou em Paris, na Clínica de Tarnier e na Maternidade Lariboisière, e, mais tarde, numa clínica de doenças de crianças, especializando-se em pediatria. Nesta área, publicou Algumas Lições de Psicologia e de Pedologia em 1920 e História natural da criança em 1922. Foi professor no Liceu Camões e em outras instituições de ensino, vereador da Câmara de Lisboa (1908-1911) na altura em que era presidente A. Braancamp Freire, deputado por Setúbal (1910), primeiro-provedor da Assistência Pública (1911-1912) e ministro do Fomento (1912-1913) no Governo presidido por Duarte Leite. No ano de 1913, abandonou, quase por completo, a política. Tendo levado a cabo uma ação notável como educador na Casa Pia de Lisboa, de que foi diretor, criou, na mesma casa, em 1914, o Instituto Médico-Pedagógico, obra pioneira no atendimento e ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, criado em 1941 por influência de Vítor Fontes, era o continuador do Instituto Médico-Pedagógico. Mobilizado durante a Primeira Guerra Mundial, organizou o serviço de assistência aos mutilados portugueses, constituindo uma secção de seleção e orientação profissional no Instituto Médico-Pedagógico e uma secção de reeducação, fisioterapia e prótese no Instituto de Reeducação dos Mutilados de Guerra, em Arroios. Foi promovido a major em 1920. Por sua influência, foi criada, em 1915, na Escola Normal Primária feminina, a cadeira de Pedologia, de que foi professor até 1918 e que regeu juntamente com a de Psicologia Experimental. Foi assistente voluntário de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa (desde 1917), segundo assistente (1919) e professor livre de Anatomia Antropológica (1921), mediante concurso, de cujas provas públicas foi dispensado após ter-lhe sido atribuída a nota de 20 valores pelo conjunto de publicações de que era autor. Também exerceu a função especializada de naturalista no Museu Bocage, em 1919. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e sócio de diferentes sociedades científicas e de imprensa nacionais e internacionais e de reputados institutos, como o Instituto Geral Psicológico de Paris, de que era sócio titular, a Sociedade de Antropologia de Paris, o Real Instituto da Grã-Bretanha e Irlanda, e da Reunião Biológica de Lisboa como efetivo. Foi vice-presidente da secção antropológica da Sociedade de Geografia de Lisboa, vice-presidente do comité permanente interaliado para o estudo das questões relativas aos inválidos de guerra e delegado do governo nas conferências interaliadas para o estudo dessas questões, tendo trabalhado em várias cidades, entre as quais Paris, Bruxelas, Londres e Roma. Notabilizou-se especialmente pelos seus estudos antropológicos, um dos quais, Crânios Portugueses, publicou em 1899. Na Sociedade de Antropologia de Paris, apresentou outro estudo, que foi bem recebido pelos cientistas estrangeiros: “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais”. Em 6 de março de 1909, fez, na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma conferência que foi depois publicada com o título O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico. Foi vastíssima a colaboração de Costa Ferreira em publicações da sua especialidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Dirigiu o Anuário da Casa Pia de Lisboa desde o volume de 1912-1913 até ao de 1920-1921, as Publicações do Instituto Médico-Pedagógico da mesma casa (1918-1919), bem como o boletim da mesma instituição (1921-1922). Também foi o responsável máximo da revista Esculápio (1913-1914). Relevam-se, para além dos já referidos, os seguintes títulos da sua autoria: Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto; Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia; “A Agudeza Visual e Auditiva, Debaixo do Ponto de Vista Pedagógico”; “A Visão das Cores”. António Aurélio da Costa Ferreira também era comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Legião de Honra e tinha a medalha de ouro da Société Académique d’Histoire Internacional (Paris). Sob a influência de uma grave depressão nervosa, a 15 de julho de 1922 suicidou-se em Lourenço Marques (Moçambique), onde se encontrava no desempenho de uma missão de estudos antropológicos a convite de Brito Camacho. Obras de António Aurélio da Costa Ferreira: Crânios Portugueses (1899); “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais” (1904); O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico (1909); Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto (1909); “A Agudeza Visual e Auditiva, debaixo do Ponto de Vista Pedagógico” (1916); “A Visão das Cores” (1917); Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia (1920); História Natural da Criança (1922).     António José Borges (atualizado a 31.01.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

busk, george

(São Petersburgo, 1807 - Londres, 1886) Médico e naturalista, exerceu funções no Seamen’s Hospital Society (SMS), no Reino Unido, e fez importantes contribuições para as áreas da epidemiologia, da parasitologia e da paleontologia. Descobriu, em 1843, 14 vermes parasitários do duodeno, que foram denominados Fasciolopsis buski em sua homenagem e, como naturalista, dedicou-se ao estudo de invertebrados marinhos, tendo descrito 45 espécies de filo Bryozoa da Madeira, a partir de amostras que lhe foram enviadas James Y. Johnson Foi, também, o responsável pela observação do primeiro crânio adulto de Neandertal descoberto, em 1848, em Gibraltar. Trocou correspondência com Darwin, recebeu numerosos prémios de reconhecimento e foi membro fundador da Microscopical Society.   Palavras-chave: George Busk; Bryozoa da Madeira; Buskia; Fasciolopsis buski; crânio de Gibraltar; correspondentes de Darwin . Busk nasceu a 12 de agosto de 1807, filho de colonos ingleses, em São Petersburgo, Rússia. Completou todos os seus estudos no Reino Unido, primeiro na Dr. Hartley’s School, em Yorkshire e, depois, na Royal College of Surgeons, em Londres. Como médico, contribuiu para o conhecimento de diferentes epidemias. Em 1838, e.g., publicou, juntamente com o seu colega George Budd, um relatório sobre 20 casos de cólera (Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship) e escreveu relatórios para a SHS sobre outras doenças, como o escorbuto e a varíola. Também no campo da parasitologia, fez valiosas descobertas, tendo, em 1843, descrito 14 vermes parasitários do duodeno. Estes trematodes foram depois chamados Fasciolopsis buski em sua honra. As suas aportações nesta área tornaram-no tão conhecido que, numa carta a Charles Darwin de 1863, Joseph Hooker descreve Busk como “o cérebro mais fértil que conheço em tudo o que diz respeito ao estômago” (“George Busk”, Darwin Correspondence…), facto que levou Darwin a escrever-lhe para pedir conselho sobre os seus próprios sintomas gástricos. Darwin também escrevera a Busk para pedir a sua opinião sobre outros assuntos, nomeadamente se haveria alguma relação entre a cor do cabelo e a suscetibilidade às doenças tropicais nos soldados britânicos, e sobre a evolução dos Bryozoa. Em 1864, Busk, na altura membro do conselho da Royal Society, foi um dos que persuadiram a Sociedade a outorgar a Darwin a Medalha Copley, a condecoração de maior prestígio no domínio das ciências. Durante a sua vida, especialmente após a sua reforma da SHS, em 1855, George Busk dedicou-se ao estudo dos Bryozoa (ou Polyzoa). Embora não haja registos de ter estado alguma vez na Madeira, recebeu muitas amostras de Bryozoa desta ilha enviadas por James Yate Johnson (1820-1900), e fez uma contribuição importante para o seu conhecimento, descrevendo no total – como se referiu – 45 espécies nos vários artigos que publicou no Quarterly Journal of Microscopical Science: “Zoophytology”, “On some Madeiran Polyzoa”, e “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860”. A sua coleção foi depositada no Museu de História Natural de Londres. Um novo género de Bryozoa, Buskia, foi-lhe dedicado por Alder, em 1856. George Busk também se interessou pela paleontologia. Traduziu o trabalho onde Shaaffhausen descrevia os restos de esqueletos humanos descobertos no vale de Neander (“o homem de Neandertal”) e, em 1863, viajou até Gibraltar, para visitar a caverna onde tinha sido descoberto, em 1848, o primeiro crânio adulto de Neandertal. Foi o responsável por levar para Londres este “crânio de Gibraltar”, publicando o resultado das suas observações em 1864, no The Reader, com o título “Pithecoid priscan man from Gibraltar”. Casou-se, em 1843, com uma prima direita, Ellen, e teve duas filhas. Foi membro de muitas sociedades científicas e ganhou vários reconhecimentos. Por exemplo, foi um dos fundadores da Microscopical Society, em 1839, foi nomeado membro da Linnean Society em 1846, da Royal Society em 1850, da Zoological Society em 1856 e da Geological Society em 1859. Recebeu a Medalha Real em 1871, a Medalha Lyell em 1878 e a Medalha Wollaston em 1885. Faleceu na sua residência em Londres, a 10 de agosto de 1886. Obras de George Busk: Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship (1838), com George Budd; “Zoophytology” (1858); “On some Madeiran Polyzoa” (1858 e 1859); “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860” (1860 e 1861); “Pithecoid priscan man from Gibraltar” (1864).   Pamela Puppo (atualizado a 25.01.2017)

Biologia Terrestre Ciências da Saúde

azevedo, jaime boaventura de

Jaime Boaventura de Azevedo (1887-1944) nasceu no Funchal mas muito novo viajou para Lisboa, onde fixou residência. Licenciou-se em 1916 em Agronomia, foi responsável pela reconstrução do Horto de Química Agrícola, e integrou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi docente das disciplinas de Química Geral e Análise e de Química Agrícola, esta última, a partir de 1929. Ao longo da sua carreira, desenvolveu investigação na área da análise química agrária, que era indispensável para o cálculo da adubação. Não desenvolveu de forma direta a divulgação dos adubos em Portugal mas contribuiu para o estudo científico destas substâncias. A sua investigação surgiu no momento do início do fabrico de superfosfatos em Portugal e do começo da comercialização de diversos adubos minerais elementares, que estavam a ser importados. Boaventura de Azevedo criou o Curso de Aperfeiçoamento de Química destinado a engenheiros agrónomos que exerciam a sua atividade no campo químico da investigação agronómica, cujo principal objetivo seria o de intensificar os conhecimentos de análise química. Os seus estudos permaneceram no mundo académico através das suas publicações: em 1933 publicou Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola, o primeiro conjunto de textos de apoio aos seus alunos, onde contempla vários tópicos, desde a matéria orgânica do solo à fertilização e adubos químicos; em 1939, foi divulgada a obra Nitreiras sem Moscas. Outros ensaios estavam a ser preparados; contudo, o falecimento de Boaventura em 1944, aos 56 anos, impossibilitou a sua publicação. Jaime Boaventura de Azevedo teve ao longo da sua vida de docente e engenheiro agrónomo o objetivo de educar as novas gerações para o desenvolvimento agrário, principalmente na região portuguesa. Obras de Jaime Boaventura de Azevedo: Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola (1936); Nitreiras sem Moscas (1939).   Joana Pinto Salvador Costa (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

tenente-general

Ao longo do séc. XVII, o governador e capitão-general passou a ter um tenente-general como assessor para os assuntos militares, com funções de inspetor, dispondo de um ordenado de 80$000 réis anuais; tratava-se de um cargo honorífico na prática, o qual inicialmente não foi registado na Provedoria da Fazenda. A primeira referência ao posto de tenente-general concerne à nomeação de D. José de Melo Fernando, um dos sobrinhos do bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), por três vezes governador da Madeira; o indigitamento não está datado e aparece seguido do de Nuno de Sousa Mascarenhas, a 6 de maio de 1645. D. José de Melo Fernando deve ter ido para o continente com o seu tio em meados de 1641, e supõe-se que a nomeação seja da primeira metade desse ano; Nuno de Sousa Mascarenhas foi para a Madeira com o Gov. Manuel de Sousa Mascarenhas (Mascarenhas, Manuel de Sousa), de quem era filho, o qual tomara posse do cargo a 11 de março de 1645. O cargo de tenente-general foi sempre contestado na Ilha, tendo prontamente havido queixas contra o Gov. Manuel de Sousa Mascarenhas, demitido cerca de um ano depois de tomar posse: por ocasião do seu despedimento, o despacho do Conselho da Fazenda de 28 de setembro de 1646, recebido pelo provedor Manuel Vieira Cardoso, instava Manuel Mascarenhas e devolver o dinheiro que mandara pagar ao filho, e que este se não “chame mais tenente-general sem mostrar provisão ou patente assinada por Sua Majestade” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 968, fls. 182v.ss.). O lugar parecia, no entanto, ser necessário, uma vez que estabelecia a ligação do governador (enviado pela corte de Lisboa e sem especial sensibilidade para os problemas regionais) a outras entidades – por exemplo, os militares encarregados de levantar as companhias para os diversos domínios portugueses, como era o caso dos sargentos-mores (Sargento-mor) madeirenses, e os mestres-de-campo do continente. A precisão do cargo torna-se patente quando se considera que a Madeira se tornara especial campo de recrutamento daquelas levas de soldados pelo menos a partir de 1632, quando João de Freitas da Silva (c. 1605-1633) partiu do Funchal rumo ao Brasil com uma companhia de 90 homens e Francisco de Bettencourt de Sá (1602-1643) para ali encaminhou 70 soldados madeirenses (Pernambuco). A 19 de março de 1632, o Rei anuiu à proposta, feita pelo provedor da Fazenda Manuel Dias de Andrada, de enviar um terço (Terços) para o Brasil. Em 1638, Francisco de Bettencourt de Sá, então investido como mestre-de-campo, foi encarregado de levantar, nas ilhas da Madeira e dos Açores, um terço de 1000 homens com rumo à Corunha, o que originou protestos na Madeira. Nos finais de 1645 e inícios de 1646, foi constituído outro terço nas ilhas pelo mestre-de-campo Francisco de Figueiroa; esta unidade militar, composta de 110 soldados, era destinada à Baía, tendo saído do Funchal a 25 de julho de 1646. Em 1650, juntaram-se tropas na Madeira designadas para as fronteiras do Reino; em 1658, para as guerras do Alentejo. A 12 de abril 1660, a pedido da condessa da Calheta e de Castelo Melhor, D. Mariana de Lencastre de Vasconcelos e Câmara (c. 1590-1689) – embora só confirmada como donatária do Funchal a 14 de outubro –, era emitida carta patente de tenente-general da Madeira para Inácio da Câmara Leme (1630-1694). A carta apresenta a declaração expressa de que, se D. Mariana decidisse governar a Ilha, “como lhe pertence”, o tenente-general continuaria no cargo (ABM, Câmara Municipal do Funchal, liv. 474, fl. 154). O tenente-general viria a usufruir de um ordenado de 240$000 réis por ano, importância acrescida de 28$470 réis para palha e cevada. A criação deste posto sofreu a imediata contestação da Câmara do Funchal, dado que seria o tenente-general a assegurar o governo militar da cidade, para além de que o seu ordenado sairia da percentagem da renda da imposição aplicada às fortificações, entendendo a Câmara a verba como sua (o montante deveria servir nomeadamente para as obras das muralhas das ribeiras) (Defesa). O tenente-general substituiria o governador na sua ausência. Durante 12 anos, nos governos de Diogo de Mendonça Furtado (Furtado, Diogo de Mendonça), de D. Francisco de Mascarenhas (Mascarenhas, D. Francisco de) e de Aires de Saldanha de Sousa Meneses (Meneses, Aires de Saldanha de Sousa) parecem não ter ocorrido situações especialmente problemáticas, inclusivamente em 1668, quando uma sedição depôs o Gov. D. Francisco e nomeou interinamente como governador o morgado Aires de Ornelas e Vasconcelos (1620-1689). No entanto, o Gov. João de Saldanha de Albuquerque (Albuquerque, João de Saldanha de) viria a opor-se à existência do cargo de tenente-general após a sua tomada de posse a 20 de outubro de 1672. Deste modo, suspendeu Inácio da Câmara Leme, retirou-lhe o ordenado e deteve-o na fortaleza do Pico durante oito meses. O tenente-general recebeu uma sentença que lhe era favorável e foi novamente empossado; tinha, além disso, boas relações com a corte de Lisboa. Todavia, o conflito entre governador e tenente-general manteve-se: quando, por poucos dias, deixou a cidade, o governador preferiu que o bispo o substituísse, o que suscitou o protesto de Inácio da Câmara Leme. O assunto foi apresentado ao Conselho de Guerra a 25 de setembro de 1676, tendo este sido informado da queixa de que não “pertencia aos ministros eclesiásticos o governo militar”, o que demonstra tanto os princípios de centralização régia por que se regiam os membros do Conselho, como o seu desconhecimento das especificidades da expansão portuguesa. Os conselheiros recomendaram que o capitão-general fosse advertido de que, quando ausente do Funchal, deveria transferir as suas competências para o tenente-general “por ser o oficial maior de guerra que há naquela Ilha” e por lhe competir “essa proeminência”. As Câmaras Municipais da Madeira, através dos seus procuradores, tinham informado o Conselho de que o bispo do Funchal dava garantias de isenção e de respeito, enquanto o tenente-general, porque “natural da terra”, sendo “parcial e vingativo, inimigo de muitos homens nobres daquela Ilha, a quem com o poder do governo poderá vexar e molestar, de que se seguirão grandes discórdias e novidades”, atuaria contra os propósitos de paz do príncipe regente, o que não convenceu os membros do Conselho (ANTT, Conselho da Guerra, Consultas, cx. 103, mç. 35). O governador seguinte, Alexandre de Moura de Albuquerque (Albuquerque, Alexandre de Moura e), tomou posse a 9 de junho de 1676. Em janeiro de 1677, haveria de receber uma recomendação do príncipe regente no sentido de evitar futuros desentendimentos, pelo que deveria deixar o tenente-general encarregue dos assuntos militares; na mesma data, renovou-se a patente de tenente-general, a qual a Câmara do Funchal só posteriormente haveria de registar. Uma carta régia de 2 de junho de 1681 fixava que o tenente-general receberia uma tença anual de 20$000 réis, estabelecida a partir dos dízimos da renda da Deserta e do Bugio, em recompensa dos seus serviços, designadamente enquanto tenente-general da ilha da Madeira; por carta régia de 30 de abril de 1683, determinava-se ainda que o tenente-general deveria ter à sua porta uma guarda militar. No final de 1683, a Câmara do Funchal, ouvindo em vereação o juiz-de-fora, pediu ao Rei a suspensão do cargo de tenente-general, que o lugar não fosse provido, que o ordenado revertesse para a manutenção dos lázaros e enjeitados da Ilha, conseguindo aprovação da proposta pelo Conselho da Fazenda, com data de 10 de dezembro de 1683. No entanto, o alvará em causa citava que, em caso de necessidade, se poderia prover, “nos sobejos da Alfândega”, o lugar do tenente-general, o que levou a que o mesmo continuasse em funções. O Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme faleceria a 22 de novembro de 1694; a animosidade que, em vida, suscitara contra si levou ao seguinte apontamento do cura Francisco Bettencourt e Sá no livro de óbitos da Sé do Funchal: “faleceu o tenente-general que foi o primeiro e poderá ser o último” (ABM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 75, fl. 19v.) – o cura da Sé, porém, enganou-se, pois não fora o primeiro nem seria o último. A 13 de março de 1698 foi passada carta patente de governador da Madeira a D. António Jorge de Melo (c. 1640-1704), mestre-de-campo dos auxiliares de Lisboa. O governador solicitou a alguém da sua confiança “instruções de como se devia portar” “para fazer bem a sua obrigação”, e informações sobre quais os “interesses” envolvidos no lugar (BNP, Reservados, PBA 526, fls. 275-282). As informações recebidas demonstram um profundo conhecimento da Ilha, pelo que se supõe que tenham sido fornecidas pelo desembargador da Casa do Cível e do Conselho do Estado, o Dr. António de Freitas Branco (1639-c. 1700). Segundo essas “instruções”, o governador era assistido por um tenente-general, lugar que, de acordo com a documentação conhecida, não se encontrava preenchido. Data de 17 de março de 1699 a nomeação de Cristóvão de Ornelas de Abreu (1639-1709) como tenente-general, com um soldo de 40$000 réis “pagos pelos rendimentos da fortificação” (BNP, Reservados, cód. 8391, fl. 9); Cristóvão de Ornelas de Abreu era ex-governador da Colónia do Sacramento (posteriormente Uruguai), neto e filho dos sargentos-mores de Machico Jerónimo e João de Ornelas de Abreu (Sargento-mor). O ex-governador da Colónia do Sacramento só estaria esporadicamente na Ilha; por conseguinte, a 30 de julho de 1699, Inácio Bettencourt de Vasconcelos foi nomeado ad honorem, recebendo o soldo de sargento-mor. Cristóvão de Ornelas de Abreu faleceu a 7 de julho de 1709, sendo então nomeado, em carta de 4 de fevereiro de 1710, Inácio Bettencourt de Vasconcelos como tenente-general por D. João V; Inácio Bettencourt de Vasconcelos auferiria de 28$470 réis anuais “para fava e cevada do seu cavalo”, acrescentados ao soldo de 240$000, o que perfaria o vencimento anual de 268$470 réis (BNP, Reservados, cód. 8391, fl. 9). O novo tenente-general seria, no entanto, de idade avançada, o que justifica a carta de nomeação de Francisco Berenguer de Lemilhana (ou Francisco Berenguer de Andrada) a 15 de dezembro de 1716; esta nomeação é confirmada com novo alvará de mantimento, de 3 de junho de 1720, onde é referida a morte de Inácio Bettencourt de Vasconcelos. Ao longo do séc. XVIII, chegaram pontualmente a existir, no governo da Madeira, um coronel e um tenente-coronel com as habituais funções de inspeção: sabe-se, designadamente, de uma carta patente de coronel, passada por Duarte Sodré Pereira (Pereira, Duarte Sodré) a Jorge Correia de Vasconcelos Bettencourt a 10 de abril de 1710, a qual foi confirmada em Lisboa a 16 de novembro de 1712. Em 4 de abril de 1737, idêntica patente foi passada em Lisboa ao Cor. António de Brito Correia, o qual deveria ser pago no Funchal por intermédio de procuradores, algo que se supõe ser indicação de que não se deslocou à Madeira. Ao longo deste século, parece ter havido o posto de “ajudante do tenente-general”; por ocasião da tomada de posse do Cap.-mor Diogo Luís Bettencourt (m. 1771), a 8 de dezembro de 1756 em Machico, motivada “pelo falecimento de Francisco Ferreira Ferro”, faz-se referência ao “serviço de capitão de ordenanças e soldado pago, ajudante de tenente-general”, com um ordenado de 60$000 réis (ABM, Câmara Municipal de Machico, Registo Geral liv. 86, fl. 126; ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 974, fl. 94). O lugar de tenente-general não voltaria a ser preenchido. Contudo, nos finais do séc. XVIII, mais concretamente em 1784, com a possibilidade de esse posto ressurgir no âmbito da reforma das forças de “segunda linha” – os novos terços e as milícias (Milícias, Terços) –, a Câmara do Funchal alegou terem-se “perdido os papéis originais” do decreto de 19 de novembro de 1683, que extinguira o cargo (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 977, fls. 30-31). A reforma das forças militares portuguesas criaria um lugar de brigadeiro – e, depois, de general – na Madeira, no quadro das forças militares nacionais (Governo militar).   Rui Carita (atualizado a 23.01.2017)

Direito e Política História Política e Institucional