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energia elétrica

Antes de se poder usar eletricidade para a iluminação, o azeite era o combustível mais utilizado para esse fim. Até ao final do séc. XIX, os madeirenses utilizaram velas ou candeeiros alimentados a azeite (e posteriormente a petróleo) para a iluminação. À noite, as ruas e os espaços públicos mergulhavam numa completa escuridão. “De longe em longe, um traço de luz coado pelas vidraças das habitações ou uma lanterna guiando algum transeunte noctívago, vinham quebrar momentaneamente as trevas em que a cidade [do Funchal] se achava sepultada” (SILVA e MENESES, 1998, II, 268). A iluminação pública do Funchal surgiu em 1846, numa iniciativa do governador civil José Silvestre Ribeiro, que mandou colocar alguns candeeiros a azeite em pontos centrais da cidade, como forma de melhorar a segurança da população madeirense. A esta iniciativa juntaram-se outras de carácter privado, de pessoas abastadas e de alguns britânicos estabelecidos no Funchal, que contribuíram para a iluminação das ruas com candeeiros instalados nas suas próprias habitações. Os candeeiros teriam dois ou três bicos e tinham como combustível o azeite, o óleo de peixe ou de purgueira. Em 1849, chegaram a existir cerca de 70 candeeiros para a iluminação da cidade do Funchal. Mais tarde, em 1870, a Câmara do Funchal assumiu os encargos com a iluminação e instalou candeeiros em mais alguns pontos da cidade. “Da extremidade de umas hastes de ferro horizontais, de pouco mais de um metro de comprimento, pendiam os candeeiros, sendo os mais antigos amarrados a uma corrente, que, ao longo da haste e da parede, se vinha prender numa fechadura que era aberta para fazer subir ou descer o depósito do combustível e assim proceder-se à sua limpeza e também acender-se ou apagar-se o candeeiro. Depois passaram a estar fixos na extremidade de varas de ferro, sendo preciso o auxílio de escadas para todo o serviço de iluminação” (SILVA e MENESES, 1998, II, 138). Por esta altura, o petróleo começou a ser utilizado como alternativa ao azeite, por gerar uma chama mais intensa. Acompanhando o desejo de progresso que se verificava noutras cidades europeias, houve algumas tentativas, aliás sem sucesso, de mobilização para a implementação da iluminação pública do Funchal a gás. No entanto, o passo decisivo, em termos de progresso, deu-se com a instalação da luz elétrica. A 22 de maio de 1895, a Câmara fez uma concessão ao engenheiro portuense Eduardo Augusto Kopke para a iluminação pública do Funchal. Passado um ano, este engenheiro transferiu o seu contrato para a empresa inglesa The Madeira Electric Lighting Company Limited, conhecida na Madeira como Companhia da Luz Elétrica. Esta empresa implementou a primeira rede de iluminação elétrica e procedeu à instalação da Central Térmica do Funchal, para a produção de energia elétrica. Em 1897 inaugurava-se a luz elétrica no Funchal. A primeira central tinha apenas um grupo gerador a vapor, com potência de 35 cv. No período de 20 anos que se seguiu à inauguração da Central Térmica do Funchal, o uso da energia elétrica foi-se tornando essencial no quotidiano dos madeirenses. O objetivo do contrato de concessão com a empresa inglesa foi totalmente cumprido. Existiam “em toda a cidade e subúrbios 14 arcos voltaicos e 1400 lâmpadas, estendendo-se a mesma iluminação até o Lazareto, quinta Reid, no Caminho do Meio, Conceição, em S. Roque, Quinta do Leme, em Santo António, Nazaré, em São Martinho, e Confeiteira, no Monte” (SILVA e MENESES, 1998, II,269). Para dar resposta às exigências do crescente consumo de eletricidade, a empresa inglesa ampliou, por diversas vezes, a pequena central elétrica do Funchal, já conhecida como Casa da Luz. Em 1925, foi alargado o prazo do contrato de concessão à Madeira Electric Light Company, de 45 para 50 anos. A empresa construiu uma nova central, num espaço contíguo ao anterior, onde foram instalados, ao longo de 11 anos, 6 grupos eletrogéneos. A potência total nominal era, então, de 1890 kW. Mas a Segunda Guerra Mundial trouxe muitas dificuldades à empresa inglesa no que diz respeito ao abastecimento de combustível. Um pouco por toda a Ilha, nasciam iniciativas privadas para a produção hidroelétrica, com vista a responder às necessidades de energia elétrica em locais mais remotos. Entretanto, o Governo português enviou à Madeira uma missão técnica, liderada pelo Eng.º Rafael Amaro da Costa, para estudar o aproveitamento das águas da Ilha para rega e energia elétrica. Foi aprovado em 1943 o plano dos novos aproveitamentos hidráulicos da Madeira e constituída a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), que se instalou no Funchal em 1944 e deu imediatamente início à execução do novo plano. Findo o prazo do contrato de concessão à empresa inglesa, e apesar do seu manifestado interesse em não a renovar, aquele foi novamente alargado por mais cinco anos. Em abril de 1949, o município do Funchal assumiu a substituição das funções da Madeira Electric Lighting Company pelos Serviços Municipalizados de Eletricidade. A produção e o fornecimento de energia elétrica do arquipélago, essenciais para o seu desenvolvimento, são assim transferidos para o sector público. Nos anos 50, foram atribuídas à CAAHM as funções de produção, transporte e distribuição de energia elétrica em toda a Ilha. Em 1953, começaram a funcionar as centrais hidroelétricas da Serra de Água e da Calheta, que garantiram energia elétrica a zonas rurais. A Ribeira Brava foi a primeira vila a receber energia elétrica. A aprovação do plano de eletrificação rural, que se veio a estender à ilha do Porto Santo, alargou a rede elétrica a todo o arquipélago. No Funchal, foi construída a sede da CAAHM, na Av. do Mar, e reequipou-se a sua central térmica com novo grupo eletrogéneo de 1000 kW. Edificou-se a Central Térmica do Porto Santo, que foi inaugurada a 9 de agosto de 1954. O consumo crescente de energia elétrica esteve na origem da construção de uma nova sala de máquinas, que ficava localizada a leste da anterior, onde foram colocados três grupos, um de 5145 e dois de 4320 kW. Na déc. de 70, conquistada a autonomia para a Madeira, o Governo regional transformou a CAAHM, então responsável pela produção, transporte e distribuição de eletricidade, numa empresa pública, a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM). A EEM lançou-se a grandes obras com vista à eletrificação de toda a ilha da Madeira: foi construída a Central da Vitória, em 1980; a rede de baixa tensão estendeu-se por 456 km; e foram instalados 786 postos de transformação e 8498 focos de iluminação pública. Foram também criados mais três grupos de 5145 e 4329 kW para dar resposta à maior necessidade de consumo derivada do acelerado ritmo de desenvolvimento socioeconómico da Região. A produção de energia hidroelétrica, a partir de 1951, e a produção de outras energias renováveis, em finais do séc. XX, fizeram do arquipélago da Madeira um exemplo de inovação na diversificação de fontes de energia e de sustentabilidade energética. Nos anos 90, a EEM passou a sociedade anónima de capitais exclusivamente púbicos (dec. leg. regional n.º 14/94/M, de 3 de junho).   Casa da Luz O edifício sede da EEM, situado na Av. do Mar, foi sempre conhecido pelos madeirenses como Casa da Luz. Este edifício foi construído em 1956, tendo sido projetado pelo Arqt. Chorão Ramalho. Nele funcionam os serviços administrativos e técnicos da EEM e a subestação do Funchal. É frequente ouvir a população falar da necessidade de ir à Casa da Luz para tratar de demandas administrativas relacionadas com a conta da eletricidade. Neste edifício estava situada a Central Térmica do Funchal, que foi desativada em 1989, após um século de funcionamento. Para não deixar cair no esquecimento o esforço de muitos madeirenses que, desde o fim do séc. XIX, se empenharam nos primeiros passos da eletrificação da ilha da Madeira, foi inaugurado o Museu Casa da Luz, a 24 de novembro de 1997, por altura das celebrações do centenário da introdução da eletricidade na Ilha. Este Museu, situado no antigo espaço da Central Térmica do Funchal, ocupa cerca de 2000 m2 de exposição e concentra uma valiosa coleção de materiais e equipamentos, que contam a história da eletricidade na Madeira.     Ana Londral Cátia Teles (atualizado a 23.03.2017)

Física, Química e Engenharia

clima e meteorologia

O arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical do Atlântico oriental, centrado aproximadamente a 32 ° 45 ’ de latitude norte e 17 ° 00 ’ de longitude oeste, a cerca de 900 km de Portugal continental (Sagres) e dos Açores (Santa Maria). É formado pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, com áreas da ordem dos 730 km2 e 23 km2, respetivamente, e pelos ilhéus das Desertas e das Selvagens, estes últimos a cerca de 300 km a sul da Madeira. A orografia é bastante acidentada, com as formações de maior altitude na parte oriental (pico Ruivo, com 1862 m) e na parte ocidental (planalto do Paul da Serra, com altitude da ordem dos 1300 m). De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, as ilhas da Madeira e de Porto Santo apresentam clima temperado húmido, com zonas de verão seco e quente e outras zonas de verão seco e suave, dependendo da proximidade ao mar, da exposição solar e principalmente da altitude. Em intervalos de tempo regulares, com base em instrumentos específicos, é feita no arquipélago a observação à superfície dos principais descritores meteorológicos, designadamente a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a humidade relativa do ar. A respetiva difusão sincronizada aos níveis regional, nacional e internacional constitui a informação primária para a descrição do tempo presente e, por acumulação sucessiva, do conhecimento do clima. As primeiras observações meteorológicas à superfície, executadas com regularidade e de forma continuada no Funchal remontam a meados do séc. XIX, tendo sido executadas até meados do séc. XX no Palácio de S. Lourenço, e posteriormente no sítio dos Louros, na orla costeira leste da cidade, onde foi instalado o Observatório Meteorológico do Funchal. Graças à observação regular efetuada, no mínimo diariamente, às 09.00 h, estava disponível, em 2015, uma série longa de dados para o Funchal, o que permitia conhecer, e.g., a variação da temperatura média do ar e da quantidade de precipitação dos 151 anos anteriores e da temperatura da água do mar à superfície dos 65 anos anteriores, executada no porto do Funchal. Fig. 1 – Gráfico com a média anual da temperatura do ar à superfície, registada no Funchal entre 1865 e 2015 (151 anos) (Palácio de S. Lourenço e sítio dos Louros); e a média anual da temperatura da água do mar registada na Pontinha entre 1951 e 2015 (65 anos). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. Dos registos anuais, destaca-se a subida da média anual da temperatura do ar a partir do início dos anos 70 do séc. XX. Desde 1971 até 2015, a temperatura média anual subiu cerca de 2,2 °C, o que corresponde a um valor médio da ordem de 0,5 °C por década. No entanto, entre 1996 e 2015, período em que as observações foram feitas sempre com o mesmo equipamento, devidamente calibrado, verificou-se que a temperatura do ar subiu cerca de 0,3 °C, o que corresponde a um valor da ordem de 0,15 °C por década, tendo a subida sido mais acentuada entre 1996 e 2004 (8 anos) do que entre 2005 e 2015 (11 anos). À semelhança da temperatura média do ar, a temperatura média da água do mar começou a subir no início da déc. de 70 do século XX, embora de forma menos significativa entre 1995 e 2015. Desde o início da déc. de 70, a diferença entre a temperatura média do ar e da água do mar variou entre 1,3 °C e 0,5 °C, embora nos últimos anos do intervalo essa diferença se tenha mantido próxima dos 0,5 °C. Entre 1995 e 2015, a temperatura média anual do ar variou entre 20,0 °C e 20,4 °C, e a temperatura da água do mar entre 20,4 °C e 21,1 °C. Fig. 2 – Gráfico com a evolução da precipitação média anual registada no Funchal entre 1865 e 2015, desde 1865 no Palácio de S. Lourenço e desde 1951 no sítio dos Louros (Observatório Meteorológico do Funchal). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. A partir de uma análise simples da fig. 2, conclui-se que a quantidade de precipitação apresenta variabilidade interanual significativa. No 65 anos que medeiam entre o momento em que começou a haver registos no Observatório Meteorológico do Funchal e 2015, a precipitação anual mais baixa foi registada em 2015 (299,5 mm), correspondendo ainda ao quarto valor mais baixo desde 1865 (em 151 anos). O maior valor da quantidade de precipitação anual ocorreu em 2010 (1477 mm) e um valor próximo deste foi registado em 1895 (1420 mm). Entre 2010 e 2015, registou-se o maior período de anos consecutivos com os valores mais baixos da quantidade de precipitação no Funchal. Rede de observação A rede meteorológica do Funchal começou a ser construída em meados dos anos 30 do séc. XX, com a instalação de vários postos meteorológicos. Nos anos 50, a rede meteorológica era constituída por 15 postos, tendo 7 sido desativados durante a déc. de 80; restaram as estações do Funchal (1865), do Areeiro (1936), de Santana (1937), do Porto Santo (1939), do Lugar de Baixo (1941), do Santo da Serra (1942), da Bica da Cana (1950) e de Santa Cruz/Aeroporto (1958). No acompanhamento da modernização tecnológica registada particularmente durante a déc. de 80 do séc. XX, iniciou-se em 1995 a modernização da rede meteorológica do arquipélago da Madeira, com a instalação de duas estações meteorológicas automáticas em Porto Santo/Aeroporto (78 m) e no Funchal/Observatório (58 m); em 2002, foram instaladas cinco estações: Funchal/Lido (25 m), São Jorge (257 m), Chão do Areeiro (1590 m), Lugar de Baixo (40 m) e Ponta do Pargo (298 m); em 2009, e para reforçar a melhoria da previsão meteorológica, foram ainda instaladas duas estações automáticas no Caniçal/Ponta de São Lourenço (133 m) e nas Achadas da Cruz/Lombo da Terça (931 m). Posteriormente, e após o violento temporal de 20 de fevereiro de 2010, reconheceu-se a necessidade de aumentar a densidade de estações, pelo que foram instaladas, em finais de 2010, mais cinco estações automáticas em Quinta Grande (580 m), São Vicente (97 m), Santana (380 m), Bica da Cana (1560 m) Santo da Serra (660 m), tendo as três últimas substituído as estações clássicas existentes, das quais havia apenas uma observação diária, às 09.00 h. Posteriormente, e para completar a rede planeada em 2010, foram instaladas, em 2013, uma estação no Pico do Areeiro (1799 m), e em 2014 três estações: Porto Moniz (35 m), Pico Alto (1118 m) e Santa Cruz/Aeroporto (58 m), aqui para substituir a estação clássica. Estas 18 estações estão equipadas com instrumentos de observação da temperatura e humidade relativa do ar, precipitação e radiação solar global, estando 12 – Funchal/Observatório, Funchal/Lido, São Jorge, Areeiro, Lugar de Baixo, Ponta do Pargo, Caniçal/Ponta de São Lourenço, Santo da Serra, Porto Moniz, Pico Alto, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto – equipadas com instrumentos de medição do vento. Três destas estações estão ainda equipadas com instrumentos de medição da pressão atmosférica: Funchal/Observatório, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto. Assim, para a Madeira, a densidade de estações meteorológicas é da ordem de uma estação por cada 45 km2 para a temperatura e humidade relativa do ar e radiação solar global, e uma estação por 65 km2 para o vento. Para ilustração, apresenta-se na fig. 3 a distribuição e a localização das estações meteorológicas no arquipélago da Madeira, em 2015. Fig. 3 – Mapa com a distribuição e localização das estações meteorológicas no Arquipélago da Madeira em 2015. A redução na densidade de estações decidida para o arquipélago da Madeira resultou, em particular, da necessidade de melhoria da vigilância meteorológica, sentida após vários episódios de tempo rigoroso, em particular associados a precipitação forte, registados a partir do início de 2009, dos quais se apresentam alguns mais significativos: 27 fevereiro 2009: Funchal 82,7 mm/Areeiro 145,1 mm; 18 de dezembro de 2009: Funchal 36,7 mm/Areeiro 130,1 mm; 2 de fevereiro de 2010: Funchal 42,5 mm/Areeiro 184,7 mm; 20 de fevereiro: Funchal 144,3 mm/Areeiro 389,6 mm; 21 de outubro de 2010: Funchal 82,7 mm/Areeiro 147,0 mm; 26 de novembro de 2010: Funchal 155,1 mm, tendo sido o maior valor diário registado desde sempre/Areeiro 185,2 mm; 28 de dezembro de 2010: Funchal 50,7 mm/Areeiro 95,7 mm; 26 de janeiro de 2011: Funchal 103,4 mm/Areeiro 321,0 mm; 30 de outubro de 2012: Funchal 55,7 mm/Areeiro 258,1 mm; 6 de novembro de 2012: Funchal 19,3 mm/Areeiro 201,1 mm; 3 de março de 2013: Funchal 40,9 mm/Areeiro 274,4 mm; e muitos outros episódios em toda a ilha da Madeira, sendo de registar também os da Ribeira da Janela no dia 5 de novembro de 2012: 186 mm no Lombo da Terça/Porto Moniz; e de Porto da Cruz a 29 de novembro de 2013: 325 mm no Santo da Serra durante dois dias.   Fig. 4.1 – Fotografia de balão meteorológico com radiossonda. A rede de observação no arquipélago da Madeira inclui ainda um sistema de radiossondagens para observação da pressão atmosférica, do vento, da temperatura e da humidade relativa do ar, desde a superfície até cerca de 30 km de altitude, recorrendo ao lançamento de balão com radiossonda (fig. 4.1), executado uma vez por dias às 12.00 h, e ainda quatro estações de tempo presente, instaladas no Funchal/Observatório Meteorológico, em Chão do Areeiro, Pico do Areeiro e São Jorge, para observação da visibilidade horizontal e identificação do tipo de meteoros (chuva, chuvisco, granizo, saraiva e neve).   Fig. 4.2 – Estação meteorológica automática, em teste no Observatório Meteorológico do Funchal, para ser instalada nas Selvagens. Para completar a rede do arquipélago da Madeira, foi instalada uma estação meteorológica automática nas ilhas Selvagens no verão de 2016 (fig. 4.2), a qual permitirá essencialmente acompanhar a evolução de sistemas meteorológicos que se formem a sul da Madeira, para além de que os dados registados nestes ilhéus permitirão o estudo do clima local e o apoio de estudos científicos nos domínios dos ecossistemas locais.     Condições meteorológicas caraterísticas na região da Madeira Fig. 5.1 – Imagem de aproximação de superfície frontal fria As condições meteorológicas predominantes na região do arquipélago da Madeira são principalmente determinadas pela intensidade e localização do anticiclone dos Açores e pelas perturbações da superfície frontal polar que se fazem sentir especialmente de novembro a março, quando se deslocam do Atlântico Norte em direção à Europa, vindas de oeste. Durante o inverno, o anticiclone dos Açores está geralmente deslocado para sul da sua posição média, a sudoeste dos Açores. Importantes também na determinação das condições meteorológicas nesta época do ano são as depressões frontais que se deslocam sobre o Atlântico, que dão origem à aproximação e passagem de superfícies frontais, em particular de superfícies frontais frias (fig. 5.1), mais frequentes e mais ativas do que as superfícies frontais quentes, as quais dão origem a grande nebulosidade, chuva e aguaceiros por vezes fortes, em particular nas zonas montanhosas, e a ventos fortes dos quadrantes de sul. Fig. 5.2 – Imagem de localização do anticiclone dos Açores em dia de verão. Durante o verão, o anticiclone dos Açores, desloca-se frequentemente para nordeste relativamente à sua posição média anual, a sudoeste dos Açores, fortalece-se e estende-se com uma crista de altas pressões, que atinge o Nordeste da Europa (fig. 5.2). Fig. 5.3 – Imagem de depressão estacionária centrada entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Também de outubro a março, estabelecem-se por vezes, entre a Península Ibérica, os Açores e a Madeira, depressões frias estacionárias que afetam as condições meteorológicas nesta região e podem permanecer cerca de uma semana, dando origem, na região da Madeira, a grande nebulosidade com ocorrência de períodos de chuva ou aguaceiros por vezes fortes (fig. 5.3). Importantes são também as situações em que se observa um anticiclone muito desenvolvido, centrado a norte da latitude da Madeira, e orientado na direção oeste-leste, por vezes associado a baixas pressões sobre o continente africano, e em que a região da Madeira é atingida por vento de leste, muito quente e seco, vindo do deserto do Sahara, com poeira fina que dá origem a bruma. Nesta situação, a temperatura do ar na Madeira pode chegar aos 35 °C e a humidade relativa do ar descer para valores da ordem de 5 % nas regiões montanhosas. O clima da Madeira Para a caraterização do clima da Madeira, recorreu-se à classificação climática de Köppen-Geiger, a qual divide os climas em cinco grandes grupos, identificados por letras maiúsculas, e na qual o arquipélago da Madeira se integra no grupo [C], definido como clima temperado húmido. Para cada grande grupo, o tipo de clima é ainda especificado através de uma letra minúscula que refere o regime da precipitação, que para o arquipélago da Madeira, definido como húmido, é [s]; e uma segunda letra minúscula, que está relacionada com a temperatura média mensal, que para o arquipélago da Madeira é [a] ou [b], correspondendo a verão seco e quente (VSQ) ou verão seco e suave (VSS). No fig. 6, apresenta-se a metodologia utilizada com os limites relativos às temperaturas e precipitações mensais, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger. [table id=88 /] Recorrendo à série de dados de 1971-2000 (30 anos), em particular às normais climatológicas, da temperatura do ar e da precipitação média mensal, para as estações do Funchal (costa sul, 58 m), do Areeiro (montanha, 1590 m), de Santana (costa norte, 380 m) e da ilha de Porto Santo (78 m), representadas graficamente na fig. 7, e aplicando a classificação de Köppen-Geiger, temos para o Funchal e para Porto Santo clima do tipo Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e para o Areeiro e Santana clima do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). Fig. 7 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 1971-2000, registadas nas estações meteorológicas do Funchal (58 m), do Areeiro (1590 m), de Santana (380 m) e de Porto Santo (78 m). Aplicando a mesma classificação para as estações que se apresentam na fig. 8, com séries de dados de cinco anos (2011-2015), verifica-se que no Funchal (58 m), no Lugar de Baixo (40 m), na Ponta do Pargo (298 m), em São Vicente (97 m), no Caniçal (133 m) e em Porto Santo (78 m) o clima é Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e nas estações de Quinta Grande (580 m), São Jorge (257 m), Santana (380 m), Santo da Serra (660 m), Areeiro (1590 m), Bica da Cana (1560 m) e Lombo da Terça (931 m) o clima é do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). [table id=89 /] Legenda: H – Altitude T1 – Temperatura média do ar do mês mais frio I1 – Grupo climático R1 – Precipitação no mês mais seco R2 – Precipitação no mês mais chuvoso I2 – Indicador de tipo T2 – Temperatura média do ar do mês mais quente I3 – Indicador de subtipo TC – Tipo de clima Csa – Clima temperado húmido com verão seco e quente Csb – Clima temperado húmido com verão seco e suave   Na fig. 9 apresenta-se de forma gráfica, para nove das estações indicadas na fig. 8, os valores médios mensais da temperatura do ar e da precipitação para o período 2011-2015. Fig. 9 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 2011-2015, registadas nas estações meteorológicas de São Vicente (97 m), São Jorge (257 m), Ponta do Pargo (295 m), Bica da Cana (1560 m), Santana (340 m), Lugar de Baixo (40 m), Funchal (58 m), Caniçal (133 m) e Porto Santo (78 m). Dos resultados anteriores, conclui-se que, para além da latitude, os fatores determinantes do clima da Madeira são a altitude e a proximidade ao mar. Assim, toda a faixa costeira sul até à cota de 500 m (a avaliar pelos valores da Quinta Grande), a faixa costeira norte até à cota de 100 m, aproximadamente (a avaliar pelos valores de São Vicente e de São Jorge), e o Porto Santo apresentam clima temperado húmido com verão seco e quente, e as restantes regiões clima temperado húmido com verão seco e suave. Resumo de apuramentos estatísticos (1971-2000) A fim de se conhecer com mais detalhe a variação dos vários parâmetros climáticos, apresenta-se uma descrição dos apuramentos estatísticos, também conhecidos por normais, para o período 1971-2000, relativos às estações do Funchal (58 m, costa sul), do Areeiro (1590 m, montanha), de Santana (380 m, costa norte) e do Porto Santo (78 m). (Todos estes dados foram recolhidos no Instituto do Mar e da Atmosfera.)   Temperatura do ar Nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo, a temperatura mínima do ar raramente desce abaixo de 10 °C no inverno e a temperatura máxima poucas vezes ultrapassa 30 °C no verão. No entanto, nas terras altas da ilha da Madeira, consideradas acima dos 1000 m, observam-se com frequência valores da temperatura mínima do ar inferiores a 0 ºC. A região do Lugar de Baixo, na vertente sul, a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha da Madeira. Os valores médios anuais da temperatura do ar na ilha da Madeira são maiores na costa sul do que na costa norte e diminuem para o interior da ilha, com a altitude. A temperatura média anual é de 19,0 °C no Funchal (58m), 8,8 °C no Areeiro (1590 m), 15,5 °C em Santana e 18,6 °C na ilha de Porto Santo (78 m). A temperatura média mensal varia pouco ao longo do ano, sendo maior no verão – 22,6 °C no Funchal, 14,3 °C no Areeiro, 19,0 °C em Santana e 22,5 °C em Porto Santo – e menor no inverno: 16,1 °C no Funchal, 4,9 °C no Areeiro, 12,8 °C em Santana e 15,6 °C em Porto Santo. As amplitudes térmicas diárias são pequenas, com valores médios mensais que variam de 5,7 °C a 6,5 °C no Funchal, de 5,9 °C a 8,5 °C no Areeiro, de 4,8 °C a 6,2 °C em Santana e de 4,8 °C a 6,1 °C em Porto Santo. O número médio de dias de verão, definidos como dias em que a temperatura máxima do ar é superior ou igual a 25 °C, é de 72 no Funchal, 7 no Areeiro, 7 em Santana e 39 no Porto Santo; o número de noites tropicais, ou seja, dias de temperatura mínima do ar superior ou igual a 20 °C, é de 28 no Funchal, 1 no Areeiro, 1 em Santana e 37 em Porto Santo. Os dias quentes, com temperatura máxima do ar superior ou igual a 30 °C, podem ser registados tanto nas regiões costeiras como nas regiões montanhosas da ilha da Madeira e também em Porto Santo, mas são bastante reduzidos; em média, inferiores a um dia por ano. As temperaturas máximas absolutas registadas foram 38,5 °C no Funchal, 30,6 °C no Areeiro, 34,1 °C em Santana e 35,3 °C em Porto Santo; e as temperaturas mínimas absolutas foram 7,4 °C no Funchal, -7,0 °C no Areeiro, 5,1 °C em Santana e 6,4 °C no Porto Santo. O número médio de dias do ano com temperatura mínima inferior a 0 ºC é praticamente nulo, exceto no Areeiro onde é de cerca de 40 dias. Precipitação De todos os elementos climáticos, a precipitação é a que apresenta maior variabilidade, existindo um contraste significativo entre a vertente norte e as zonas mais altas, onde ocorrem valores muito elevados de precipitação, e a vertente sul e o Porto Santo, com valores baixos de precipitação. No inverno, a precipitação ultrapassa os 1000 mm nas zonas mais altas, enquanto na costa sul é inferior a 300 mm. Nos meses de verão, a quantidade de precipitação varia entre os 150 mm nas zonas mais altas e menos de 50 mm na costa sul da ilha. O facto de chover mais na parte norte da Madeira durante o verão está claramente associado à direção dominante do vento do quadrante norte nesta estação do ano, e ao facto de a precipitação ser essencialmente de origem orográfica. Os valores médios anuais da precipitação na ilha da Madeira são maiores na costa norte do que na costa sul, aumentando com a altitude, sendo em regra maiores nas encostas voltadas a norte do que nas encostas voltadas a sul para regiões da mesma altitude. Os valores variam de 596 mm no Funchal a 2620 mm no Areeiro, com 1383 mm em Santana. No Porto Santo, o valor médio anual da quantidade de precipitação é 361 mm. Os valores médios mensais da quantidade de precipitação variam muito durante o ano, sendo os meses de outubro a março os mais chuvosos, com valor médio mensal mais elevado nos meses de novembro a janeiro. As maiores quantidades de precipitação diárias variam de local para local, desde o máximo de 215,0 mm no Areeiro, passando por 194,0 mm em Santana, até aos 97,7 mm no Funchal; em Porto Santo, o maior valor diário registado foi 73,0 mm. O número médio anual de dias em que a quantidade da precipitação é igual ou superior a 10 mm é máximo no Areeiro (70) e mínimo em Porto Santo (9), sendo 19 dias no Funchal e 40 dias em Santana. A assimetria norte-sul do número anual de dias com precipitação (≥0,1 mm) é muito significativa. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa sul, ocorrem menos de 90 dias com precipitação por ano, enquanto na costa norte se observam mais de 150 dias por ano. Por outro lado, nas zonas mais altas registam-se mais de 200 dias por ano com precipitação, dos quais mais de 70 são dias com precipitação elevada, superior a 10 mm. Insolação A insolação (número de horas diárias de exposição solar) mensal varia durante o ano com bastante regularidade, Fig. 10 – Gráfico da insolação mensal no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. tendo o valor mínimo em dezembro: 134 h no Funchal, 102 h no Areeiro e 133 h na Ilha de Porto Santo. O máximo mensal é 231 h em agosto no Funchal, 241 h em agosto no Porto Santo e 285 h em julho no Areeiro. A insolação apresenta uma ligeira descida em junho no Funchal e em Porto Santo, mas que não se observa no Areeiro. A insolação mensal média tem assim, para o Funchal e para Porto Santo, uma distribuição bimodal, com máximos em maio e em agosto (fig. 10). Anualmente, o Porto Santo totalizou, neste período, 2157 h de sol e o Funchal 2057 h, estando o maior número de horas de sol em Porto Santo associado à menor orografia, que não favorece tão fortemente a formação de nebulosidade local. O Areeiro totaliza 2053 h de insolação, apresentando uma amplitude mensal de 183 h; o Funchal, com um número anual de horas de sol quase igual ao do Areeiro, tem uma amplitude mensal de 96 h. O número anual de dias sem insolação é de 11 no Funchal, 9 em Porto Santo e 42 no Areeiro; para este valor, contribui essencialmente o número de dias com muita nebulosidade que se registam nos meses de outubro a março. Evaporação (mm) Os valores médios mensais da evaporação nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo variam pouco e com bastante regularidade durante o ano. Em geral, os máximos ocorrem em julho e agosto. A quantidade média anual de evaporação é maior em Porto Santo, com 1423 mm, seguindo-se, por ordem decrescente, na ilha da Madeira, o Funchal, com 1109 mm, o Areeiro, com 970 mm, e Santana, com 753 mm. A amplitude mensal é de 23 mm no Funchal, 117 mm no Areeiro, 19 mm em Santana e 36 mm em Porto Santo, sendo de concluir que a evaporação é máxima nas regiões montanhosas.   Humidade relativa do ar A humidade relativa do ar é em regra maior na costa norte do que na costa sul da ilha da Madeira, sendo a variabilidade mensal maior nas regiões montanhosas. Fig. 11 – Gráfico dos valores médios mensais da humanidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera.   Nas regiões costeiras da ilha da Madeira, os valores médios mensais da humidade relativa do ar apresentam pequena variação durante o ano, sendo menores no inverno do que no verão. Com efeito, o mês mais seco é abril no Funchal, com 69 %, e fevereiro e março em Santana, com 80 %. No Areeiro, os valores médios são mais altos no inverno, 85 %, do que no verão, 64 %. Também na ilha de Porto Santo a humidade relativa é maior no inverno, com 80 %, sendo nos meses de abril a julho da ordem dos 76 %. Na fig. 11, apresentam-se os valores médios mensais da humidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.   Vento O regime anual do vento é diferente na costa norte e na costa sul da ilha da Madeira, sendo os ventos predominantes de NE (10 %) e SW (10 %) no Funchal, de NE (38 %) no Areeiro, de WNW (14 %) e SE (10 %) em Santana/São Jorge, e de N (20 %) em Porto Santo. A frequência de calma é de 13,4 % no Funchal, 1,7 % no Areeiro, 4,0 % em Santana/São Jorge, e 2,3 % no Porto Santo. As rajadas superiores a 40 km/h ocorrem no Funchal com frequência de 1 % e muito raramente são registadas rajadas superiores a 70 km/h. Rajadas superiores a 70 km/h são registadas no Areeiro em 5 % das observações, em Santana/São Jorge em 0,6 % das observações e em Porto Santo em 0,2 %. Entre 1995 e 2015, a maior rajada do vento no Funchal foi de 86 km/h, em março de 2010; no Areeiro, foi de 160 km/h, em Santana/São Jorge, de 159 km/h e em Porto Santo, de 104 km/h, todas no mês de fevereiro de 2010. Assinale-se que os ventos fortes e muito fortes a que por vezes correspondem temporais, particularmente nas terras altas da Madeira e em Porto Santo, estão associados normalmente aos valores mais baixos da pressão atmosférica que em regra ocorrem entre novembro e março.   Temperatura da água do mar Os valores médios mensais da temperatura da água do mar à superfície variam com regularidade durante o ano. Os valores máximos ocorrem em agosto ou em setembro e os mínimos em fevereiro ou março. A temperatura média mensal é relativamente alta ao longo do ano, variando entre 17,8 °C em março e 23,3 °C em setembro no Funchal, e entre 17,3 °C em fevereiro e março e 22,4 °C em setembro no Porto Santo. A temperatura média anual é 20,2 °C no Funchal e 19,5 °C em Porto Santo. A amplitude média da variação mensal é 5,5 °C no Funchal e 5,1 °C em Porto Santo. Os valores observados na região raramente descem abaixo dos 15 °C e raramente ultrapassam os 25 °C.   Ondulação A ondulação na região da Madeira é geralmente fraca ou moderada, com rumos predominantes de NW a NE, exceto junto ao litoral sul da ilha da Madeira, em que predominam rumos de SE a SW. As situações que ocorrem mais frequentemente nos meses de inverno, e que correspondem à ocorrência de depressões no Atlântico Norte em latitudes entre 35° e 55° N, conduzem à geração de ondulação do quadrante NW na região da Madeira. A ondulação do quadrante NE é proveniente, em geral, de áreas de geração localizadas no bordo SE do anticiclone dos Açores, quando este se estende sobre a Europa Ocidental. Durante os meses de verão, cresce a importância desta situação relativamente à anterior, quer pela localização habitual nestes meses do anticiclone dos Açores, quer pelo menor número de depressões a atravessar o Atlântico Norte a latitudes suficientemente baixas para que a ondulação por elas provocada atinja a Madeira.   Pressão atmosférica Os valores da pressão atmosférica ao nível da estação apresentam diferenças quase constantes de local para local, resultantes das diferenças de altitude. Os valores médios mensais reduzidos ao nível médio do mar, registados no Funchal e em Porto Santo, variam pouco durante o ano – 3 hPa no Funchal e 3,3 hPa no Porto Santo –, sendo maiores no inverno e no verão, com diferença de cerca de 1 hPa, e menores na primavera e no outono. A variabilidade interanual dos valores médios mensais nos vários anos é maior durante o inverno e menor durante o verão: 15,0 hPa em janeiro e fevereiro e 2,4 hPa em agosto. Os valores mínimos ao nível médio do mar observados em anos recentes foram 985,9 hPa no Funchal, em 20 de fevereiro de 2004, e 985,8 hPa em Porto Santo, em 4 de março de 2013; os valores máximos foram 1037,2 hPa no Funchal, em 1 de janeiro de 2007, e 1039,3 hPa, em 25 de Janeiro de 2014, em Porto Santo.   Trovoada, granizo, neve e nevoeiro O número de dias com trovoada é de 7 no Funchal, 4 no Areeiro, 4 em Santana e 5 em Porto Santo, sendo a frequência maior no outono e na primavera. O número de dias com precipitação de granizo e saraiva é de 1 no Funchal, 14 no Areeiro, 2 em Santana e inferior a 1 no Porto Santo; a frequência é maior desde meados do outono até à primavera. O número médio de dias do ano com precipitação de neve e com geada é praticamente nulo na Madeira, exceto no Areeiro, em que são registados 7 e 16 dias, respetivamente, com maior frequência em janeiro e março. O número de dias com nevoeiro tem valores desde 1 no Funchal e em Porto Santo, 8 em Santana e 227 no Areeiro, sendo pouco nítida a variação ao longo do ano. É muito nítida e acentuada a variação em altitude. Victor Prior (atualizado a 29.01.2017)

Física, Química e Engenharia Geologia Ciências do Mar

teatro, salas de

Do grego théatron, o teatro procura, inicialmente, representar as ligações do humano com o divino, por um lado, e envolver os espectadores num ambiente mágico, por outro, até se tornar naquilo que é nos tempos modernos: a representação de ações através de vozes e gestos, levada à cena por atores. Na Madeira, os locais das primeiras representações teatrais são os locutórios dos conventos e as igrejas, espaços improvisados que nem sempre respeitam a santidade do lugar. Ainda que as constituições do bispado do Funchal determinem “que se não façam nas igrejas ou ermidas representações [...] de dia nem de noite, sem especial licença do prelado, pelos muitos inconvenientes e escândalos que disso se seguem” (SILVA e MENESES, 1998, III, 602), tal como aconteceu em 1578, aquelas não deixaram de se realizar nas centúrias seguintes. Em 1622, é representado um auto religioso na igreja de São João Evangelista, por ocasião da canonização de S. Francisco Xavier, e, em 1718, na igreja ou convento de Santa Clara, há uma representação dramática, da autoria de Francisco de Vasconcelos Coutinho, representada pelas freiras residentes, por ocasião da despedida do governador e Cap.-Gen. João de Saldanha da Gama, em que eram personagens a Ilha, a corte, a saudade, a religião e a fama. A partir do séc. XVIII, as casas de espetáculo tornam-se uma preocupação para as autoridades municipais. A Casa da Ópera, no Lg. da Restauração, uma modesta casa de espetáculos na rua das Fontes, nomeada Comédia Velha nos princípios do séc. XIX, e o teatro Grande, edificado em frente do palácio de S. Lourenço, são os principais espaços de representação existentes no Funchal. O teatro Grande ocupa, em 1780, uma grande parte do então Lg. da Restauração. É uma construção ampla, dispendiosa e demorada, o maior teatro do país depois do teatro S. Carlos, o qual, diziam as vozes mais dissonantes, não seria necessário para uma localidade pequena como o Funchal. Consumido pelo fogo no final do século, é utilizado como arrecadação de víveres e de apetrechos das tropas inglesas no início da centúria seguinte, na altura da ocupação, entre 1801 e 1802, embora se encontre em estado adiantado de ruína. Após a reedificação, nos anos seguintes, é habilitado com 90 camarotes, 300 assentos de plateia e 100 de varanda, e nele representam várias companhias, nacionais e estrangeiras, como a Companhia Grotesca, de Fabri, que canta operetas e executa bailados, segundo noticia o Patriota Funchalense, em 1821. No ano seguinte, num espetáculo solene, é apresentada uma sinfonia composta por António Francisco Drumond e a representação de A Festa do Olimpo, drama em três atos, de Manuel Caetano Pimenta de Aguiar. Durante as lutas civis, o teatro é encerrado por longos períodos. Quando episodicamente se abre ao público, é palco de manifestações de carácter político, com alterações da ordem e com intervenções da força armada. Em algumas noites de espetáculo, os partidários das ideias constitucionais aproveitaram a reunião do grande número de espectadores para expandirem os sentimentos liberais, tanto no palco como na plateia, apesar da afronta que causam às instituições vigentes. Desta forma, o despotismo do governo absoluto e a guerra civil que assolam o país privam o Funchal desta grandiosa e bem ornamentada casa de espetáculos. Os adeptos da demolição defendem que se trataria de uma construção contígua à fortaleza, que causaria embaraços à defesa da cidade, e que o alargamento da rua e o embelezamento da entrada do palácio dos governadores seriam necessários: argumentos que contribuem para o fim do teatro em 1833. Cerca de 1820, o teatro Bom Gosto é erguido a poucos metros de distância do teatro Grande. Situado entre a R. de São Francisco e o edifício da Misericórdia, possui entrada para aquela rua e para o lado do antigo Passeio Público. Presume-se que a sua edificação tenha sido um capricho do 1.º conde de Carvalhal, a quem pertenceu. Ao regressar do exílio, em 1834, manda fazer reparações e o espaço é transformado numa regular casa de espetáculos com 18 camarotes de primeira ordem, 6 de segunda, 230 lugares na plateia e 2 varandas, uma para homens e outra para mulheres. Não se sabe quando é encerrado, apenas se sabe que, em 1838, ali se realiza um espetáculo, embora se encontre em estado adiantado de ruína. O teatro Prazer Regenerado, inaugurado em Dezembro de 1840, é um aproveitamento do refeitório e de outras dependências do extinto convento de São Francisco. A sua existência não tem larga duração. As sociedades dramáticas são uma realidade na Madeira, embora nem sempre possuam espaços próprios para as representações. A escola Lancasteriana é, entre outros, um local utilizado para a execução de concertos musicais e representações. O teatro Concórdia, elevado na R. do Monteiro em 1842, é impulsionado pela sociedade dramática com o mesmo nome. O conhecido ator Robio é um dos elementos que integra o elenco. Em 1844, é ali levado à cena o drama Amor e Pátria, de Sérvulo de Medina e Vasconcelos, um dos seus marcos históricos. Em 1851, ainda se dão récitas no seu espaço. Por 1858, funda-se no Funchal uma sociedade dramática conhecida pelo nome de Thália. Dá representações em diversos locais e, posteriormente, arrenda uma casa no Lg. do Pelourinho. Não se sabe quando deixa de existir nem quem eram os seus sócios e dirigentes, mas ainda apresenta récitas ao público em 1859. Em 1858, o teatro Esperança nasce de uma sociedade dramática que propõe concretizar representações teatrais e proceder à construção duma pequena casa de espetáculos, e de que fazem parte Júlio Galhardo de Freitas e Pedro de Alcântara Góis. O comerciante João de Freitas Martins cede um armazém na R. dos Aranhas, e a Câmara e o conde de Carvalhal impulsionam as obras e assumem a manutenção do grupo. A inauguração solene realiza-se a 10 de março de 1859. António José de Sousa Almada, compositor dramático e redator duma revista teatral, presta à sociedade Esperança vários serviços, tanto na escolha como no ensaio e na representação de peças, até ao início dos trabalhos de abertura da rua 5 de Julho, altura em que são demolidas algumas das dependências do espaço. Em 1887, o mesmo é adquirido pelo conde de Canavial e, até 1888, ano em que é inaugurado o teatro D. Maria Pia, o pequeno teatro Esperança é a única casa de espetáculos da Madeira, levando ao palco várias companhias dramáticas e de opereta. Em 1915, é vendido ao empreiteiro João Pinto Correia, que pouco depois procedeu à sua demolição. Até à construção do teatro D. Maria Pia, as salas usadas para espetáculos, como o teatro Thália, o teatro Concórdia, o teatro Esperança e o teatro Conde do Canavial, estabelecem-se aproveitando espaços já existentes, ligados a empreendimentos privados, e dependentes da vontade de sociedades dramáticas, de orquestras musicais e de outros entusiastas das artes. O objetivo destes locais, e dos que funcionam colateralmente com o D. Maria Pia, é a criação de espaços de lazer e a divulgação das produções artísticas dos amadores, associadas a iniciativas culturais de cariz filantrópico. A segunda centúria do séc. XIX é marcada por várias tentativas de carácter particular e oficial para dotar a cidade do Funchal com um espaço grandioso e belo como o teatro S. Carlos de Lisboa. O desejo da população é concretizado durante a presidência de João Sauvaire da Câmara. Os trabalhos de construção são iniciados em 1884 e concluídos em 1887. O edifício possui 18 frisas, 20 camarotes de primeira ordem, 21 de segunda, 100 fauteuils, 160 cadeiras e 200 lugares de geral. A inauguração solene é realizada a 11 de março de 1888, altura em que sobe à cena a zarzuela Las Dos Princesas, pela companhia espanhola de José Zamorano. Nos anos seguintes, importantes companhias de zarzuelas, de líricas, de operetas, dramáticas, de concertistas, de prestidigitadores e de variedades levam à cena nomes sonantes da cultura e do espetáculo, nacionais e estrangeiros. Inicialmente, no tempo da monarquia, é denominado teatro D. Maria Pia, passando a teatro Manuel de Arriaga em 1910, com a chegada da República. Mas o antigo deputado pela Madeira recusa que seja dado o seu nome ao espaço e a Câmara Municipal batiza-o de teatro Funchalense. Só após a sua morte, e até à posterior designação de teatro Balthazar Dias, na década de 30 do séc XX, é denominado teatro Manuel de Arriaga. Apesar da existência de outros espaços de lazer, é no teatro principal que o público se revê. Expressões como “o nosso teatro”, “o elegante teatro”, “o nosso primeiro teatro”, “a nossa primeira casa de espetáculos” leem-se frequentemente na imprensa, dado ter sido um sonho dos madeirenses. Pelo seu palco, passam grandes companhias internacionais e nacionais, as melhores produções dramáticas e musicais de madeirenses, nos seus espaços organizam-se exposições de pintura, e as figuras públicas sobem ao palco em datas comemorativas, ocasiões em que a sociedade vai em peso ao teatro para participar dos momentos solenes. Pelo pavilhão Paris e pelo teatro Circo passam sobretudo companhias portuguesas, onde permanecem dois e três meses seguidos, contrariamente ao que acontece no teatro principal, onde raramente excedem um mês de permanência. Durante a estadia, os artistas mais conhecidos organizam uma festa artística, ou um dia de destaque na representação, que geralmente dedicam a coletividades ou a personalidades, como forma de atração do público. As companhias nacionais dão récitas de caridade, uma tradição na Madeira, por ser uma região com elevados índices de pobreza. As grandes companhias, dado o elevado custo das deslocações, pedem auxílio à Câmara do Funchal, e a sua ida só se concretiza mediante a recolha de assinaturas para conjuntos de 10 récitas, como nos casos da companhia de Italia Vitaliani, em 1913 e 1914, considerada pelo engenho erudito da edilidade funchalense um elemento educativo de inapreciável valor prático. Eventos desta envergadura são acautelados pelas autoridades locais que, a pensar no proveito, fazem melhoramentos na plateia do teatro, de modo a obterem um maior número de lugares; assim aconteceu por ocasião da vinda de Henrique Beut, em 1914, com a criação de melhores condições elétricas, e na altura da estadia de Italia Vitaliani e da representação da Guiomar Teixeira, de João dos Reis Gomes, com a colocação de lâmpadas mais económicas e mais intensas, ficando o teatro com o triplo da luz de que dispunha. Nos anos de 1910 e 1911, marcados pelas enfermidades da cólera e da tuberculose, e também em 1914, por ocasião da deflagração da Primeira Guerra Mundial, dado a navegação ser reduzida, as companhias dramáticas fazem-se anunciar, mas não chegam a vir deslocar-se ao Funchal, sendo as produções locais e os concertos musicais as principais distrações dos madeirenses neste tempo. Efetivamente, nos períodos em que as companhias de profissão não visitam a Ilha, a elite social, com o propósito de realizar ações de caridade e de beneficência, organiza os mais variados eventos e leva ao palco das várias salas de espetáculo da Madeira, mais especialmente do teatro Funchalense, artistas amadores. Alguns deles celebrizam-se no meio, sendo aplaudidos como profissionais e bem vistos pelos críticos de arte. Outros chegam a ter projeção nacional e internacional. Os principais artistas amadores são nomes de famílias ilustres, como Emma Trigo, Isabel Soares, Angelique Beer Lomelino, que representam peças conhecidas do reportório das companhias nacionais e de autores madeirenses, e que, não raras vezes, se inserem nas companhias de fora, representando ao seu lado. Os concertos musicais são um marco do teatro na Madeira durante a República, destacando-se a atuação de músicos no início e nos intervalos das representações e das exibições cinematográficas, não apenas no teatro Funchalense, mas também no pavilhão Paris e no Teatro Circo. Os madeirenses revelam um apurado gosto pelo teatro, repugnam as imitações e a fraca qualidade da revista, condenam o excesso de obras estrangeiras, incentivam o trabalho dos amadores, escrevem peças de teatro de elevado mérito, representadas nos melhores teatros do país, e sobressaem na área da crítica teatral.     Elina Baptista (atualizado a 30.01.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares Madeira Cultural

sousa, jacinto antónio de

Fig. 1 – Jacinto de Sousa.   Meteorologista, Comendador e Lente na Universidade de Coimbra, nasceu no Funchal, a 3 de janeiro de 1818, e morreu em Coimbra, a 15 de agosto de 1880. Doutorou-se em Filosofia, a 6 de janeiro de 1858, na Universidade de Coimbra. Destacou-se desde cedo por possuir não só os graus de bacharel (10/06/1848) e Licenciado (18/12/1857) em Filosofia, mas também o grau de Bacharel em Matemática (26/07/1850) e em Direito (10/06/1854). Durante a sua formação, encarregou-se da educação científica e literária dos filhos do Duque de Palmela. O contributo relevante de Jacinto António de Sousa está, indelevelmente, associado à Física, em especial à Meteorologia e ao Magnetismo Terrestre. Ao serviço da Universidade de Coimbra, ministrou as seguintes cadeiras: Mineralogia (1857-1858), Física (1858-1859) e Química Inorgânica (1858-1859), como substituto extraordinário; Física (1859-1860), Química Inorgânica (1859- l 864), Química Física (1860-1861) e Física Experimental (1861-1864), como substituto; e Física Experimental (1864-1880), enquanto lente. É nomeado (13/06/1860) para participar na comissão enviada pelo Governo português a Espanha para observar o eclipse total do Sol de 18 de Julho desse mesmo ano (no Cabo de Oropesa). Cumprida esta tarefa, seguiu viagem para a Europa, tendo visitado os mais notáveis estabelecimentos científicos de Espanha, França, Bélgica e Inglaterra, sobretudo os observatórios magnéticos e meteorológicos. Desta viagem resultou a seguinte publicação: Relatório duma visita aos estabelecimentos científicos de Madrid, Paris, Bruxelas, Londres, Greenwich e Kew. Este texto é um contributo fundamental para a empresa de dotar a Universidade de Coimbra de um Observatório Meteorológico e Magnético. A existência deste laboratório ficara dependente do claro empenho de Jacinto de Sousa, dos contributos recolhidos na viagem científica que empreendeu e do apoio e compreensão de El-Rei. Dadas as circunstâncias, adversas à criação, em Coimbra, de um Observatório que permitisse resultados confiáveis e úteis à ciência, a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra recorre ao auxílio do Governo de Sua Majestade, El-Rei D. Pedro V (1837-1861). Este pedido teve a melhor recetividade por parte de Sua Majestade, pois apenas três meses depois Jacinto de Sousa (então diretor do Gabinete de Física) foi autorizado a empreender aquela viagem aos estabelecimentos científicos europeus a fim de encontrar um modelo adequado para a construção do futuro Observatório. Encontrou em Kew o modelo para o novo Observatório por ele tão desejado e contou com o entusiasmo dos ilustres geofísicos: Edward Sabine (1788-1883) e Balfour Stewart (1828-1887). Jacinto de Sousa acompanhou a construção do Observatório desde a encomenda dos instrumentos, em Inglaterra, aos demais aspetos técnicos que esta empresa exigiu. Dirigiu aquela instituição desde 1862, aquando da sua construção, e nesse cargo se manteve até 1880. Tornou possíveis as primeiras observações meteorológicas diárias em Coimbra (desde 1864) e determinações do Magnetismo Terrestre (desde 1866). A ausência de pessoal competente para executar as observações impôs-lhe um esforço hercúleo, pois apenas ele e um observador asseguravam todo o serviço, que incluía observações em três horários, entre as seis da manhã e a meia-noite. A sua dedicação conduziu-o à edificação de uma casa junto do Observatório (na Cumeada) para assegurar eficazmente os trabalhos. Em 1874, aquando da celebração do tricentenário da Universidade de Leida (Holanda), Jacinto de Sousa é nomeado para fazer parte da representação da Universidade de Coimbra naquela instituição. Desta viagem resultou uma publicação, em conjunto com Augusto Filipe Simões: O Tricentenário da Universidade de Leida. Relatório Dirigido ao Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Vila Maior, Reitor da Universidade de Coimbra. Publicou ainda: Observações Meteorológicas Feitas no Observatório Meteorológico e Magnético da Universidade de Coimbra, 1870-1871. Seguiram-se-lhe Observações Meteorológicas 1871-1872 e Aditamento à Memória Histórica da Faculdade de Filosofia. Colaborou na revista Instituto, entre outras publicações nacionais e estrangeiras. Comendador da Ordem de Cristo e da Ordem do Império do Brasil, morreu na casa que edificou junto do projecto que o inspirou a superar-se, pois dedicou a toda a sua inteligência e agilidade ao Observatório de Coimbra. Obras de Jacinto António de Sousa: Relatório duma visita aos estabelecimentos científicos de Madrid, Paris, Bruxelas, Londres, Greenwich e Kew (1862); O Tricentenário da Universidade de Leida. Relatório Dirigido ao Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Vila Maior, Reitor da Universidade de Coimbra. Publicou ainda: Observações Meteorológicas Feitas no Observatório Meteorológico e Magnético da Universidade de Coimbra, 1870-1871 (1872); Observações Meteorológicas 1871-1872 (1873); Aditamento à Memória Histórica da Faculdade de Filosofia (1873).   Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 10.02.2017)

Física, Química e Engenharia Personalidades

sousa, eurico fernando fernandes correia de

(1933-2015) Arquiteto, professor, poeta, Eurico de Sousa revelou interesse por todos os assuntos relacionados com a literatura e a arte, o cinema, a biologia (ecologia) e a etnologia. Desde cedo, a escrita e o desenho tornaram-se o veículo expressivo da sua preferência, tendo realizado diversos trabalhos nestas áreas, alguns deles apresentados em jornais, revistas literárias e na rádio. Depois da preparação básica e secundária, iniciou-se em Coimbra no curso de Medicina, ideia que rapidamente pôs de parte, por não se adaptar física e psicologicamente às condições que lhe eram exigidas. A propensão natural para seguir as artes levou-o a hesitar na escolha entre o curso de Pintura e o de Arquitetura. Decidiu-se finalmente pela arquitetura e partiu para o Porto, onde se matriculou na Escola de Belas-Artes, terminando o curso em Lisboa (ESBAL). Aqui frequentou o Café Gelo, centro de encontro de intelectuais da época, cuja convivência marcou de modo particular o seu percurso literário. Viajou pela Europa, Brasil e América Latina. Publicou dois livros de poesia e integrou algumas coletâneas. Nos últimos anos de vida, a fragilidade da sua saúde acentuou-se, o que o impediu de concretizar mais alguns projetos de publicação do seu espólio poético. Palavras-chave: Poesia; História da Arte; Biologia; Desenho; Arquitetura.   Fig. 1 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa (arquivo particular). Eurico de Sousa nasceu no Funchal a 17 de maio de 1933, na R. da Levada dos Barreiros, n.º 32, casa paterna. Filho de Fernando de Sousa e de Alice Fernandes Correia de Sousa, ainda criança foi residir com os pais numa casa herdada pela mãe no Sítio do Papagaio Verde (S. Martinho), onde frequentou por curto espaço de tempo a escola mais próxima, situada no Areeiro. Mais tarde, o pai matricula-o no Colégio Nuno Álvares e aqui completa a instrução primária, com a Prof.ª Isabel Marina da Encarnação, que o considerava e distinguia pelo seu excelente aproveitamento. Permaneceu neste Colégio durante o tempo de terminar o Curso Geral (antigo 5.º ano), donde transitou para o Liceu de Jaime Moniz. Começou então a afirmar-se pelas suas nítidas tendências nas áreas do desenho e da pintura e era, por isso, solicitado para trabalhos extracurriculares, realizando cenários para récitas e colaborando assiduamente na revista escolar Presente, de que foi nomeado diretor. Nesta data, escreve um poema de carácter neorrealista onde avulta o interesse pelos problemas sociais dos habitantes da vila piscatória de Câmara de Lobos. De tal modo o absorviam essas tarefas, que se alheava do estudo obrigatório, pelo que achou por bem partir para Coimbra, em 1952, onde terminou duas cadeiras do 7.º ano (11.º atual). Dentre as disciplinas do currículo liceal, a Biologia atraía-o particularmente e proporcionava-lhe uma boa opção para a escolha dum curso. Apoiado pela decisão dum colega que se matriculara em Medicina, Eurico de Sousa tentou a experiência. Mas a sua fraca capacidade de resistência perante a degradação humana, nos processos de autópsia, e o ambiente frio e húmido desta região do país não lhe permitiram prosseguir na carreira. Ruma então ao Porto, em 1954, e é admitido na Escola Superior de Belas Artes. Os estudos iniciais eram comuns às várias disciplinas artísticas, e Eurico de Sousa hesitou entre Arquitetura e Pintura. Prevaleceu a Arquitetura e foi este um período promissor em que se revelou, com boas classificações. Trabalhos seus foram apresentados na Exposição Magna da Escola, o que, para um aluno principiante, constituiu um desejado estímulo. Segue-se uma interrupção em que cumpriu o serviço militar. Nesta época, 1956, de regresso à Madeira para um período de férias, conhece Herberto Helder e António Aragão. Escreve muito e colabora na revista literária Búzio, criada por António Aragão, e, a conselho de Edmundo Bettencourt, publica em Lisboa, nos cadernos Folhas de Poesia, dirigidos por António Salvado, cujo primeiro número veio a público em 1957. Esta publicação contava com um núcleo prestigiado de colaboradores, entre os quais, além do seu diretor e de Edmundo Bettencourt, também António Maria Lisboa, Fernando Echevarría, Carlos de Oliveira, Jorge de Sena, João Rui de Sousa, José Carlos González, Helder Macedo, David Mourão-Ferreira, Herberto Helder e René Bertholo e Lourdes Castro na parte ilustrativa. Mais nomes se juntavam a esta plêiade, sendo que, segundo afirmam alguns investigadores, o estudo das Folhas de Poesia continua por fazer. Eurico de Sousa inicia nesta época (fins dos anos 50) uma interessante correspondência com Herberto Helder, que, a ser divulgada, constituirá um documento importante para a história da Madeira. Ao voltar ao Porto, vai frequentes vezes a Lisboa encontrar-se com este poeta, a quem dedica grande consideração e amizade, reconhecido também pelo acolhimento aos seus poemas – no extrato duma carta de Herberto Helder, lê-se “[…] saudando com entusiasmada surpresa a qualidade dos teus poemas”. É nesta fase que frequenta o café Gelo e conhece Mário Cesariny, Luiz Pacheco e outros surrealistas. Anuncia depois a desistência do curso e fixa-se na capital. No convívio com as ideias vanguardistas e certo cariz anárquico praticado pelos frequentadores do Café Gelo, que influenciaram a sua escrita e o estilo de vida, Eurico de Sousa foi desbaratando a mesada, alojado em quartos sórdidos e sobrevivendo mal, até que seu pai, ao emigrar para Caracas, resolveu criar-lhe a oportunidade de continuar ali os estudos. Eurico de Sousa começara a manifestar predisposição para estados depressivos, chegando a recusar oportunidades de colaboração em atividades que o valorizavam profissionalmente. Fig. 2 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa, Leblon, Rio de Janeiro (arquivo particular). Na Venezuela, devido à constante agitação, por vezes violenta, que se vivia nos meios académicos e à falta de intercâmbio cultural entre aquele país e Portugal, tornou-se impossível ali permanecer. Em 1960, outra tentativa de recuperação do curso, agora no Brasil, na cidade de São Paulo, onde tinha familiares. Ao procurar a faculdade que lhe permitisse concretizar esse objetivo, julgou tê-la encontrado no Rio de Janeiro, para onde parte. Novo desaire: a Faculdade de Arquitetura fora retirada para a ilha do Governador, e tão longo percurso era impraticável. Por aqui se manteve durante cinco anos. A última opção foi voltar ao Porto, onde realizou as cadeiras que lhe faltavam. Porém, era mais fácil economicamente fixar-se em Lisboa, onde, mais uma vez, hospedado em habitações insalubres, adoece, com um problema renal, que lhe exige uma cirurgia de urgência. Depois de ter ultrapassado toda esta atribulação, termina o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Foi professor numa escola secundária em Santarém e em Tomar entre 1972 e 1974 e desejou voltar à Ilha. Entre julho de 1974 e outubro de 1981, trabalha no Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal do Funchal, função que acumula com a de professor na Escola Industrial e Comercial desta cidade e no Instituto de Artes Plásticas da Madeira. Neste ano, tenta o estágio profissional para professor. É depois destacado para a biblioteca da Escola Secundária Ângelo Augusto da Silva e ali faz trabalhos de investigação literária de apoio ao currículo da disciplina de Português. Simultaneamente, apresenta na Radiodifusão local (atual Antena 1) um programa sobre temáticas literárias, interessando-se especialmente pela obra de Herberto Helder e Saint-John Perse e pelas propostas modernistas da Bauhaus. Publica, em 1980, o livro de poesia A Festa Sendo em Agosto (Ed. Eco do Funchal), com desenhos da pintora Alice Sousa, sua irmã, e prefácio de António Aragão, um volume espesso que contém quase toda a sua obra e que obteve boas referências de Eduardo Prado Coelho, Assis Pacheco, António Aragão e Herberto Helder. Em 1995, a Direção Regional dos Assuntos Culturais patrocina o seu segundo livro, intitulado Disgrafia Florestal, com desenhos da sua autoria. Integrou as coletâneas de poesia Ilha 4 (organizada por José António Gonçalves e editada em 1994 pela Câmara Municipal do Funchal), Ilha 5 (com organização de Marco Gonçalves e edição da Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008), O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (com organização de José António Gonçalves, editada em 1989 pela Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração), Poet’Arte 90: Poesia Madeirense (publicada pela Associação de Escritores da Madeira em 1990) e Poeti Contemporanei dell’Isola di Madera (organizada e traduzida por Giampaolo Tonini no Centro Internazionale della Grafica di Venezia em 2001). A poesia de Eurico de Sousa posiciona-se num cenário delirante, onde a manipulação das imagens se exerce completamente solta, integralmente livre, e as palavras, as suspensões, omissões, neologismos e sinais gráficos superam a norma significante, para se tornarem elementos estéticos especialmente apelativos. O pensamento expressa-se, assim, através duma sobrerrealidade que reinventa a tessitura da escrita de modo fulgurante, provocatório, criando uma propositada desordem, um ritmo caótico, automático, sufocante, que o poeta utiliza no sentido de denunciar o enigma e a ambiguidade do mundo e da própria natureza humana. Neste automatismo se vislumbram contornos de solidão, claustrofobia, uma velada mágoa que se expressa em versos como este, extraído do livro A Festa Sendo em Agosto: “(Tenho andado como quem não exista)./Só cortando o coração à noite/me apercebi desse absurdo” (SOUSA, 1980, 123). Obras de Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa: A Festa Sendo em Agosto (1980); Disgrafia Florestal (1995).     Irene Lucília Andrade (atualizado a 28.02.2020)

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silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

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