Mais Recentes

aluviões

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o termo “aluvião” pode significar inundação muito grande, grande cheia ou enxurrada. Este é o significado atribuído na ilha da Madeira. A rede hidrográfica da Madeira, composta por ribeiras que se desenvolvem da cordilheira montanhosa central para a costa, em vales profundos, estreitos e de declive acentuado, com regime de escoamento intermitente e torrencial, quando associada a eventos de precipitação intensa dá origem a inundações repentinas designadas por aluviões, correntes de detritos ou debris flow. Estas cheias caracterizam-se por concentrações elevadas de material sólido, incluindo blocos de grandes dimensões, que conferem ao escoamento um enorme poder destrutivo. As características geológicas e geomorfológicas das bacias hidrográficas, e das respetivas ribeiras, potenciam a ocorrência de fluxos muito significativos de materiais sólidos, os quais constituem o componente mais perigoso das aluviões. Esta produção de sedimentos é desencadeada pela ação da precipitação e da consequente ocorrência de escoamentos líquidos que mobilizam grandes quantidades de material sólido com elevado potencial geomórfico. A produção dos fluxos de material sólido resulta de diferentes processos, tais como a erosão distribuída nas vertentes, a erosão em sulco e ravinamento, movimentos de massa, e a erosão fluvial nos fundos e margens dos leitos das ribeiras. Segundo a bibliografia, ocorreram no arquipélago da Madeira, desde o início do séc. XVII até 2013, 42 aluviões de intensidade significativa, constituídas por cheias rápidas e violentas com transporte de concentrações elevadas de material sólido. É de destacar, neste contexto, o ano de 1803, no qual se verificaram inundações catastróficas em toda a Ilha, particularmente na região sudeste, entre o Funchal e Machico, tendo perecido cerca de 1000 pessoas. Em consequência desta aluvião, as ribeiras da cidade do Funchal foram canalizadas, sob a direção do Brig. Reinaldo Oudinot, entre 1804 e 1806, continuando uma considerável extensão desta obra a cumprir, no início do séc. XXI, a sua função de canalização dos cursos de água. Já no séc. XXI, merece destaque o dia 20 de fevereiro de 2010, em que, na sequência de um prolongado período chuvoso na ilha da Madeira, aliado a um cenário meteorológico adverso, se gerou uma aluvião excepcional que atingiu, com elevada intensidade, alguns concelhos da vertente Sul da Ilha, em particular o Funchal e a Ribeira Brava. São de lamentar 51 vítimas mortais, bem como os elevados danos materiais e a destruição de muitas infraestruturas públicas e privadas. O quadro que apresentamos (fig. 1) compila os registos históricos de aluviões ocorridas no arquipélago da Madeira entre o início do séc. XVII e o ano de 2013, e as suas principais consequências. [table id=75 /] Sucessivos eventos da mesma natureza têm ocorrido por toda a ilha da Madeira desde o início da sua história geológica, há cerca de sete milhões de anos, até a atualidade. Testemunhos de fluxos concentrados ou torrentes de escoamento bifásico com uma fase sólida muito abundante são visíveis em todos os complexos vulcânicos que constituem a Ilha. Como diz Susana Nascimento, “trata-se de espessos depósitos de enxurrada, bastante compactados e cimentados que se encontram intercalados nos complexos vulcânicos. [...] Formado em clima caracterizado por abundantes e concentradas chuvadas, estes depósitos conglomerático-brechóides, são constituídos por, aproximadamente, 95 % de clastos, em geral mal calibrados, com dimensões que vão, desde escassos milímetros, até cerca de 2 metros” (NASCIMENTO, 1990, 36). O fenómeno das aluviões na Madeira tem sido referenciado em vários trabalhos de carácter mais ou menos científico. Ao abordar os cursos de água da ilha da Madeira, Eduardo Pereira, em Ilhas de Zargo, sublinha a quase ausência de caudal das ribeiras na estação do verão, sendo que no inverno “crescem torrencialmente, transbordam das margens e arrastam das montanhas toneladas de penedos, rolando-os e batendo uns contra os outros num ruído sinistro e aterrador, ao mesmo tempo que arrebatam terrenos de cultura, derrubam pontes e chegam por vezes a causar enormes prejuízos em habitações, pessoas, terras e animais” (PEREIRA, 1989, I, 283) Orlando Ribeiro, ao comentar o regime das águas na ilha da Madeira, refere algumas “inundações catastróficas” que assolaram a Ilha. Tais calamidades estão associadas a “chuvas excepcionais [...] frequentemente desastrosas, que enchem as ribeiras, arrastam blocos com algumas centenas de quilos, destroem pontes, danificam casas, inundando a parte baixa das aglomerações situadas à beira-mar, e pondo em perigo bens e pessoas” (RIBEIRO, 1985, 33). Merece ainda destaque a descrição feita por Cecílio Silva de um cenário de aluvião num texto intitulado “Eu Tive Um Sonho”, publicado no Diário de Notícias da Madeira. Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da ilha da Madeira, nomeadamente da região a norte do Funchal, que constitui a cabeceira das bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para a capital, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma dessas ribeiras (Santa Luzia), o mundo dos seus sonhos, frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira, descreve: “Tive um sonho […], subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu… […] De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. […] Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. […] As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. [...] Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer…” (SILVA, DN, 13 jan. 1985). O impacto que as aluviões têm no imaginário coletivo dos madeirenses é por demais evidente, ou não fossem estas um dos principais perigos naturais que os habitantes da Ilha enfrentam, sendo responsáveis pela maioria dos prejuízos, humanos e materiais, provocados por catástrofes desde o início da ocupação humana.   Susana Prada Celso Figueira (atualizado a 14.12.2016)

Física, Química e Engenharia Geologia

zona franca ou centro internacional de negócios da madeira

A criação da Zona Franca da Madeira (ZFM), que veio também a ser designada por Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), resultou de um conjunto de circunstâncias e causas de natureza diversa, sendo umas remotas e outras próximas: por um lado, as aspirações ancestrais dos madeirenses, fundadas na existência de um porto franco de consumo existente nas ilhas Canárias, e, por outro, o movimento que, sob a égide da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), conduziu, face à situação da economia da Madeira na década de 70 do séc. XX, à reflexão do modelo de zona franca mais adequado e consentâneo com as características geográficas, geológicas, morfológicas, económicas e sociais da Madeira. Este desiderato havia já sido ensaiado através da lei n.º 265, de 24 de julho de 1914, que autorizou o Governo a adjudicar a construção e a exploração duma zona franca na Madeira que seria instalada no local julgado mais conveniente por uma comissão técnica, durante 60 anos. Na zona franca, seriam permitidas todas as operações de beneficiação, empacotamento e transformação dos géneros do arquipélago da Madeira em outros produtos comerciáveis, com a exceção do vinho, beneficiando de isenção de direitos para embarcar, desembarcar e depositar aqueles géneros, isenção que não abrangia o cacau e o azeite não destinado a conservas. A zona franca ficava sujeita ao regime fiscal dos armazéns gerais francos, aprovado pelo dec. de 27 de maio de 1911, e a sociedade adjudicatária garantia as suas obrigações legais e contratuais nos termos previstos pela lei de 13 de junho de 1913, que havia autorizado a construção e a exploração de um porto franco em Lisboa. Esta iniciativa legislativa não foi prosseguida e, na déc. de 1970, a ACIF levou a cabo as providências necessárias ao apuramento e à definição do modelo da zona franca mais adequado à Madeira com base nesta dicotomia: uma zona franca comercial ou de consumo, como a das Canárias, ou uma zona franca empresarial, como na Irlanda e nas ilhas do Canal. Para esse efeito, a ACIF promoveu, em 1974, a realização de um estudo da viabilidade e oportunidade da criação de uma zona franca, sustentado em inquérito destinado a recolher a opinião de largos sectores da população sobre o projeto, tendo sido consultados todos os organismos oficiais, os representantes dos vários sectores da vida económica da Região, bem como outros profissionais de diversas atividades. Neste inquérito, a área abrangida pela zona franca admitia três hipóteses: um porto franco, uma zona franca extensiva a toda a ilha da Madeira, ou uma zona abrangendo todo o arquipélago da Madeira. Assente em participação ativa e relevante das entidades consultadas e nos resultados desse inquérito, a ACIF assegurou a elaboração de um estudo prévio, cujo texto provisório foi colocado à apreciação e discussão em 1975, através da consulta às entidades e aos profissionais já auscultados no inquérito anteriormente realizado. O texto preliminar e provisório desse estudo foi publicado na íntegra na imprensa diária, tendo, assim, o debate sido alargado a toda a população. O texto definitivo do estudo prévio resultou da inserção dos contributos obtidos através das diligências efetuadas, contendo uma análise das vantagens advenientes da criação da zona franca – então referenciada como regime de franquia aduaneira –, bem como um projeto de diploma legal e respetivo regulamento atinentes ao correlato regime. Este estudo foi apresentado, em 1975, à então Junta de Planeamento da Madeira, a qual entendeu que, dada a natureza e a importância de que o projeto se revestia, devia o mesmo ser objeto de aprofundamento através de uma entidade internacional especializada na matéria. A ACIF, tendo em consideração que o estudo em causa devia abranger uma perspetiva global, integrada e de longo prazo da economia regional, obteve propostas de três empresas especializadas: a americana International Finance Consultants, a britânica M. L. H. Consultants Ltd e a alemã Agrar und Hydrotechnik, cujos representantes se deslocaram à Madeira para a prestação de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, em reuniões em que também participaram os vogais para o Planeamento e Finanças e para a Indústria, Agricultura e Pescas da então Junta Regional da Madeira. Em 1976, a realização do estudo foi adjudicada à sociedade International Finance Consultants, a qual apresentou o estudo em 1977, tendo o mesmo sido objeto de ajustamentos face ao pedido formulado em 1978 pelo Governo da República de adesão do país à então Comunidade Económica Europeia. Com base neste estudo e nas diligências efetuadas junto do Governo da República, foi, em 1980, criada a Zona Franca da Madeira visando satisfazer uma velha aspiração dos Madeirenses e tendo como pressupostos a especial situação geoestratégica da Madeira, onde se conjugam as características específicas da economia regional com a sua peculiar configuração sócio-política, de molde a facultar o aparecimento de novos sectores voltados para o desenvolvimento económico e social da Região. Na iminência da criação da zona franca, o conselho do Governo regional procedeu à definição da localização e demarcação da área onde a mesma seria instalada, tendo a escolha recaído na freguesia do Caniçal, em território que se delimitava, devido aos princípios e orientações do ordenamento territorial da zona litoral, entre o Garajau e a Ponta de São Lourenço, pela pertença de imóveis afetáveis da Região na referida freguesia, pela localização do aeroporto, pela melhoria do eixo rodoviário que o liga ao Funchal, e pela previsível construção de viadutos previstos sobre as ribeiras em Santa Cruz e no Porto Novo. Em 1988, o Governo regional voltou a pronunciar-se sobre os critérios de implementação da Zona Franca Industrial, tendo em consideração os interesses legítimos do agregado populacional do Caniçal, a localização definitiva das instalações escolares e desportivas, a existência de um porto de pesca e os campos agrícolas experimentais do Governo. Nessa primeira data, ficou assente que seriam definidos posteriormente o regime jurídico-fiscal aplicável, a natureza, o âmbito territorial e as características da zona franca, bem como a regulamentação da atividade nela desenvolvida, tendo em consideração os condicionalismos resultantes das negociações encetadas para a adesão de Portugal à então CEE. Essa definição foi efetuada em 1982, ficando determinado que poderiam ser autorizadas, na zona franca, todas as atividades de natureza industrial, comercial ou financeira, sendo os pedidos de instalação das empresas apreciados e decididos com base em dois parâmetros fundamentais: a idoneidade da firma impetrante e o interesse económico da atividade a desenvolver. Nessa mesma data, ficou a zona franca industrial definida como um enclave territorial onde as mercadorias que nele se encontram são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeito de aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e de mais imposições ou medidas de efeito equivalente. A zona franca deveria ser exteriormente resguardada por uma vedação, de harmonia com o disposto no Código da Reforma Aduaneira, e disporia de uma estância aduaneira e de um posto fiscal próprios, que vieram a ser criados em 1990. A regulamentação operada teve em atenção as normas comunitárias concernentes ao funcionamento de zonas francas e ao denominado regime de aperfeiçoamento ativo, em subordinação ao princípio de conformação das disposições legais aplicáveis à zona franca ao ordenamento jurídico comunitário. Nesse mesmo ano, foi constituída a comissão instaladora da ZFM, composta por dois representantes do Governo regional da Madeira e dois representantes – um efetivo e um suplente – da ACIF. O período compreendido entre 1982 e 1985 foi dedicado à conceção e definição do regime fiscal da zona franca e da sua administração e exploração em regime de concessão. Assim, em 1985, foi aprovado um regime fiscal que se traduziria num sistema contratual de usufruição dos benefícios fiscais, fortemente inspirado pelo regime constante do Código de Investimento Estrangeiro então vigente, mas, que, por não corresponder à proposta apresentada pelo Governo regional ao Governo da República, foi substituído, seis meses depois, por novo decreto-lei, que consagrou o princípio da usufruição automática dos benefícios e incentivos fiscais e financeiros pelas empresas, logo após o seu licenciamento no âmbito da zona franca. Na conceção do regime de incentivos foi tido em consideração o disposto no Tratado de Roma relativamente ao desenvolvimento regional e as regras de salvaguarda da distorção da concorrência no seio da Comunidade Económica Europeia. Paralelamente, a Assembleia Regional da Madeira aprovou o regime de administração e exploração da ZFM, autorizando o Governo a adjudicar, em regime de concessão e com dispensa da realização de concurso, a sua gestão a uma entidade privada nacional ou estrangeira, na qual a Região Autónoma da Madeira (RAM) viesse a participar ou à qual viesse a associar-se. A previsão da existência de uma comissão para assegurar uma simplificação dos procedimentos administrativos, bem como um desburocratizado acompanhamento e fiscalização das atividades licenciadas, foi uma antevisão do gabinete da Zona Franca criado no ano seguinte com esse escopo e essa missão funcional, com a concomitante extinção da comissão instaladora da Zona Franca. O prazo da concessão foi estabelecido em 30 anos, sem prejuízo da sua eventual renovação ou prorrogação, ficando o Governo regional autorizado a regular as condições de exercício das atividades, quer da concessionária quer dos utentes da zona franca. Nesse mesmo ano de 1986, foi regulado o exercício de atividades financeiras através das denominadas sucursais financeiras exteriores, tendo o Governo regional procedido, em 1987, à regulamentação das condições de instalação e funcionamento daquelas sucursais. O exercício destas atividades foi alargado, em 1994, quer às instituições constituídas de raiz quer às sucursais financeiras internacionais, as quais podiam realizar operações com residentes, faculdade que se encontrava vedada às sucursais financeiras exteriores. Em 1987, o Governo regional da Madeira adjudicou a administração e a exploração da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A., e aprovou o Regulamento das Atividades Industriais, Comerciais e de Serviços Internacionais no âmbito institucional da ZFM. No reconhecimento da proeminência económica e social, contributiva do desenvolvimento da Região, e da concomitante necessidade de uma gestão célere, proficiente e atempada, considerada como pressuposto e condição essencial para uma maior simplicidade e eficiência do processo decisório, o Governo regional não só rejeitava e removia os processos de antanho, os quais recorriam a desnecessárias complexidades e delongas processuais, desencorajadoras do investimento prosseguido por entidades caldeadas em regimes mais simplificados, como também fundamentava a opção por uma gestão empresarial em termos privados da zona franca. O diploma em causa estabeleceu o regime de licenciamento das atividades em consideração, as competências da concessionária nesse licenciamento, na aprovação dos projetos de instalação e funcionamento das empresas industriais e na fiscalização das obras com base em licença emitida pela concessionária, assim como o regime de uso dos imóveis por via da subconcessão do domínio público em autoconstrução ou de direito de uso em pavilhões construídos pela concessionária, os quais, finda a concessão, revertem gratuitamente para a RAM. Em 1988, os princípios de simplificação, desburocratização e de celeridade fundamentaram a criação da Conservatória do Registo Comercial Privativa da Zona Franca da Madeira e do Cartório Notarial também privativo da zona franca, cujo início de funcionamento foi fixado para o dia 1 de abril de 1989, tendo sido estabelecido que os atos praticados por aqueles serviços privativos se encontravam isentos de qualquer taxa ou emolumento. Os mesmos princípios determinaram, em 1989, a criação da IV Série do Jornal Oficial, destinada exclusivamente às empresas licenciadas na zona franca – cujas publicações, não exigidas em regimes europeus congéneres, foram também isentas de pagamento de taxas –, a autorização da constituição, em 1994, das sociedades comerciais por quotas e anónimas unipessoais e, em 1995, o reconhecimento da faculdade de as sociedades licenciadas usarem palavras ou parte de palavras estrangeiras ou de feição estrangeira na composição das suas firmas ou denominações. Estes princípios, pioneiros no país quer em relação à autorização das sociedades unipessoais, mais tarde autorizadas só para o tipo por quotas, quer em relação à simplificação administrativa e à prática e objetivos empresariais, permitiram que, na sua conceção, a ZFM constituísse o primeiro exercício unitário, integrado e coerente de internacionalização da economia portuguesa. Nesse mesmo sentido, em 1988, tendo em consideração que muitos dos investidores seriam oriundos de países com ordenamentos jurídicos diversos do sistema português, designadamente dos países da common law, e reconhecendo a necessidade de dotar a ZFM de instrumentos mais eficazes na captação do investimento direto estrangeiro, foi autorizada a instituição de instrumentos de trust, instituto jurídico até à data inexistente no ordenamento jurídico português. Este regime de propriedade fiduciária, envolvendo uma relação tripartida entre o settlor ou instituidor, o trustee e os beneficiários ou a causa específica por eles prosseguida, que nos regimes romano-germânicos encontram fronteiras com as fundações, o usufruto, o mandato sem representação e o fideicomisso ou a fidúcia, permitiu à zona franca disponibilizar aos seus utentes um meio jurídico que lhes era facultado noutros regimes e jurisdições congéneres. Em 1989, foi criado o quarto sector de atividades, acrescentando-se à Zona Franca Industrial, aos serviços financeiros e aos serviços internacionais o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), o qual foi criado visando a prossecução de dois fins: em primeiro lugar, estancar os processos de saída de navios do registo convencional português para registos de conveniência (flagging-out) e, em segundo lugar, atrair novos armadores e navios, oferecendo condições de custos semelhantes às apresentadas pelos registos mais competitivos. Nesse sentido, o MAR foi dotado de uma somissão técnica, composta por um representante do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes, um representante da RAM e um representante da Inspeção Geral de Navios. Adentro das condições indispensáveis à atratividade do MAR, a Lei do Orçamento do Estado para 1989 procedeu à consagração da isenção do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) para os tripulantes embarcados nos navios matriculados no MAR e o próprio diploma que procedeu à sua criação não só aplicou aos navios o regime fiscal da zona franca, como também permitiu às partes que designassem a lei que regula a constituição das hipotecas, tendo o aprofundamento do regime de graduação dos privilégios creditórios determinado o recesso da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, assinada em Bruxelas em 10 de abril de 1926, que se havia tornado um impedimento à adesão dos armadores devido às objeções colocadas pelos credores hipotecários em relação à graduação dos seus créditos. Paralelamente, foi facultado aos tripulantes dos navios o acesso ao regime do seguro social voluntário. A reforma fiscal operada em 1989, com a extinção da contribuição predial e industrial, da sisa e do imposto profissional, e a concomitante criação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT), determinou que o regime fiscal da ZFM ficasse, em grande parte, plasmado no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), então aprovado. Nesse sentido, o primeiro regime fiscal (regime i) da zona franca, que vigorava desde 1986, passou a constar do EBF e permitiu o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2000, usufruindo as empresas que as desenvolvessem da isenção de IRC até 31 de dezembro de 2011. O regime ii, com uma taxa de tributação em IRC de 1 %, 2 % e 3 %, respetivamente nos anos de 2003-2004, 2005-2006 e de 2007 a 2011, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2006, com o usufruto desse benefício pelas entidades que as prosseguissem até 31 de dezembro de 2011. O regime iii, com uma taxa de tributação em IRC de 3 %, 4 % e 5 %, respetivamente nos anos de 2007-2009, 2010-2012 e de 2013 a 2020, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2007, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2013, prazo que, de acordo com a legislação comunitária adrede posta em vigor, foi prorrogado, por duas vezes, até 31 de dezembro de 2014, com usufruição dos benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2020. As empresas licenciadas no CINM são contribuintes fiscais portugueses para todos os efeitos, pendendo sobre elas as obrigações gerais a que se encontram adstritos os contribuintes em geral, e pagam uma taxa de instalação aquando do licenciamento, e uma taxa anual de funcionamento, através de depósito nos cofres da concessionária nos termos previstos na lei e no contrato de concessão. Os resultados obtidos pela aplicação destes regimes são de natureza qualitativa e quantitativa. Os primeiros, já referidos, permitiram que o CINM constituísse o primeiro exercício político-económico de internacionalização da economia portuguesa, rasgando novos rumos para o ordenamento jurídico português, introduzindo princípios e regras de simplificação administrativa e desburocratização do processo decisório e de licenciamento e exercício de atividades no âmbito do CINM. Do ponto de vista quantitativo, pela aplicação do regime i, constata-se que, em 2000, se encontravam licenciadas cerca de 5900 entidades, congregando 2900 empregos diretos e indiretos, e com o registo de 264 embarcações no MAR. A remuneração média dos quadros qualificados que trabalhavam no CINM era superior em cerca de 60 % à média da Região. Os capitais sociais agregados das sociedades ascendiam ao equivalente a 8600 milhões de euros e os investimentos efetuados pela concessionária na construção e manutenção das infraestruturas internas da ZFI eram de cerca de 18,7 milhões de euros, tendo os utentes investido mais de 143 milhões de euros nas suas unidades industriais. Nesta data, o CINM erigia-se já como um dos pilares fundamentais da economia da Região com um contributo de cerca de 20 % para a formação do respetivo PIB. Em 2000, com o procedimento formal de investigação instaurado pela Comissão Europeia, por força da entrada em vigor das Orientações sobre os Auxílios de Fiscalidade Regional, cujo início de prazo não coincidia com o fim da vigência do regime i, e com a aprovação do regime ii, que só entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003 e que introduziu limites máximos (plafonds) ao benefício fiscal usufruído em IRC pelas entidades licenciadas no CINM, verificou-se não só um hiato de dois anos sem licenciamento de atividades, como um retrocesso na atratividade do regime e na adesão dos investidores. Esse retrocesso foi acelerado pela interrupção, em 2010, do processo negocial para revisão e aumento dos plafonds, que havia sido iniciado em 2009, junto da Comissão Europeia, o qual veio a ser retomado em 2011, com conclusão favorável em 2013. Também contribuiu para o agravamento desse retrocesso a revogação do benefício da isenção de dividendos aos sócios e acionistas das empresas licenciadas, benefício que, de acordo com a Comissão Europeia, não se encontrava sujeito a limitação temporal. O referido retrocesso foi reconhecido em 2012 pela Assembleia Legislativa da Madeira que, tomando as suas questões como causas e fundamentos, solicitou ao Governo da República a reabertura do processo negocial dos plafonds, no cumprimento dos deveres para-constitucionais que impendem sobre os órgãos de soberania para assegurarem a rentabilidade e competitividade internacional do CINM. Desse modo, em finais de 2014, encontravam-se licenciadas 1868 entidades, com a criação de cerca de 3000 empregos diretos, estando matriculadas 323 embarcações no MAR. Os capitais sociais agregados das entidades licenciadas ascendiam a 6,4 mil milhões de euros e os investimentos em infraestruturas e equipamentos na ZFI eram de 24 milhões de euros pela concessionária e de 200 milhões pelos utentes. José António Câmara (atualizado a 11.10.2016)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

quercus-madeira

A Quercus-Madeira, fundada a 28 de janeiro de 1995, é o Núcleo Regional da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma das principais organizações não-governamentais de ambiente em Portugal, e é constituída pelos sócios residentes no Arquipélago da Madeira. O Núcleo Regional da Quercus na Madeira, tal como os restantes núcleos desta Associação, organiza-se internamente numa Assembleia de Núcleo, que reúne pelo menos uma vez por ano os associados residentes, e numa Direção de Núcleo, eleita em Assembleia de Núcleo e composta, no mínimo, por presidente, tesoureiro e secretário. A Quercus-Madeira tem como objetivos os que decorrem dos Estatutos da organização em que se insere, destacando-se os de alertar e apoiar os cidadãos em relação às disfunções ambientais, fomentar e promover a educação cívica e ambiental, defender e promover a conservação dos valores naturais, e desenvolver estudos que contribuam para o conhecimento e a defesa dos valores do património natural e cultural. Decorrente da sua Declaração de Princípios, a Quercus norteia a sua intervenção cívica e política pelos valores da independência e da autonomia, sendo uma organização apartidária, liberta de qualquer tutela económica, religiosa ou racial, e consubstanciando a sua ação no lema “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. A Quercus-Madeira, como toda a estrutura nacional da Associação, aborda as mais variadas áreas essenciais à sustentabilidade ambiental, tendo dado particular atenção à educação ambiental, à gestão dos resíduos, à escassez e qualidade da água, à conservação da natureza, ao ordenamento do território, à poluição, à eficiência energética e à energias renováveis. A origem do Núcleo Regional da Quercus na Madeira está diretamente associada à vontade de um grupo alargado de alunos que, no ano letivo de 1994/1995, frequentava o 3.º ano do curso de Biologia na Universidade da Madeira. Estes jovens, que tinham vontade de se organizar e constituir uma associação de defesa do ambiente, fizeram-se sócios da Quercus e constituíram o Núcleo Regional. A reunião preparatória que resultou no pedido formal à Direção Nacional da Quercus para a constituição de uma estrutura regional na Madeira ocorreu a 27 de outubro de 1994. Face à vontade subscrita por 15 alunos da licenciatura em Biologia e ao apoio do professor Jorge Paiva, a Direção Nacional autorizou a constituição do Núcleo Regional da Madeira a 28 de janeiro de 1995. A primeira Direção da Quercus-Madeira foi eleita a 15 de fevereiro de 1995 numa Assembleia de Sócios do Núcleo que decorreu no Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, tendo Hélder Spínola sido eleito Presidente, Maria Cristina de Matos Niza Secretária, Dília Maria Góis Gouveia Menezes tesoureira, e Odília Maria Freitas Garcês e Irene Gomez Câmara vogais. A apresentação pública da constituição da Quercus-Madeira ocorreu a 12 de abril de 1995, numa sala do Ateneu Comercial do Funchal, tendo suscitado uma forte curiosidade por parte da comunicação social regional. A Quercus-Madeira, sem sede, abriu um apartado na estação de correios e começou por usufruir de algum apoio logístico da própria Universidade da Madeira: dispunha de um armário para o seu arquivo, utilizava as salas para reuniões e fazia uso dos serviços de telecópia da instituição para contatos com a comunicação social. Em maio de 1996, com a eleição do primeiro Reitor da Universidade da Madeira, foi perdendo este apoio, passando a manter o seu arquivo em casa dos dirigentes e estabelecendo contactos com a comunicação social via serviço de telecópia dos Correios de Portugal. À medida que a Quercus na Madeira vincava a sua discordância com as opções que considerava desviadas da sustentabilidade – nomeadamente o atraso na aprovação dos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos de ordenamento do território, a gestão da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, que estava a criar problemas de contaminação das águas subterrâneas, os despejos de terras para dentro das ribeiras e diretamente para o mar e a falta de medidas para evitar os efeitos sobre a saúde pública da aplicação de materiais contendo amianto –, foi dando a conhecer o seu trabalho e atraindo novos sócios. Passado o primeiro ano desde a sua fundação, este Núcleo Regional deixou de ser um projeto de um grupo de estudantes de Biologia para passar a integrar elementos de outras proveniências da sociedade madeirense. Efetivamente, aquando da constituição de uma nova direção, a 27 de fevereiro de 1997, a maioria dos dirigentes eleitos já não pertencia ao grupo inicial de fundadores. No início de 1997, a Quercus-Madeira, ainda sem sede própria, passou a contar com um espaço na Escola da APEL para manter o seu arquivo e fazer as suas reuniões de trabalho. A utilização deste novo espaço resultou dos contactos estabelecidos entre a nova Secretária da Direção da Quercus-Madeira, Carina Martins Nunes, e o diretor da escola, Mário Casagrande (1930-2009). Um ano depois, também este espaço ficou indisponível e até ao ano 2000 a Quercus-Madeira funcionou sem sede, fazendo as suas reuniões em cafés, na casa dos dirigentes ou em espaços solicitados à Câmara Municipal de Machico. No ano 2000, fruto de uma colaboração que vinha a ser mantida com a Câmara Municipal de Machico, foi estabelecido um protocolo para a constituição de um centro de educação ambiental que passou a ser também a sede da Associação. A Quercus-Madeira passou assim a ter sede fixa num antigo quiosque, onde iniciou também a dinamização do novo Centro de Educação Ambiental de Machico. Em 2004, o Centro de Educação Ambiental e a sede da Quercus-Madeira passaram a funcionar no Mercado Municipal de Machico. A partir de 2011, por indisponibilidade da autarquia local, o Centro de Educação Ambiental de Machico cessou funções, mas a sede da Quercus-Madeira manteve-se no local. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza é uma Organização Não Governamental de Ambiente que se formalizou a 31 de outubro de 1985, mas que já desenvolvia atividade desde finais de 1984. A sua constituição resultou da união de esforços entre vários ativistas e associações ambientalistas, que sentiram a necessidade de uma organização mais forte e de âmbito nacional dedicada à conservação da natureza. A base da sua fundação foi determinante na definição do tipo de estrutura interna que adotou, a qual, além dos órgãos nacionais, é marcada pelas existência de Núcleos Regionais espalhados de norte a sul do país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os primeiros Núcleos Regionais da Quercus foram constituídos a partir da integração de associações locais de defesa do ambiente previamente existentes, algumas que participaram na fundação da Associação e outras que se juntaram mais tarde. Numa segunda fase, já na década de 90 do século XX, e à semelhança do que aconteceu na Madeira, a organização local dos sócios deu origem a Núcleos Regionais nascidos dentro da própria Quercus. O facto de os Núcleos Regionais da Quercus constituírem estruturas democráticas, com dirigentes eleitos pelos seus sócios, e possuírem autonomia de funcionamento, proporcionou a esta Associação uma grande agilidade de atuação que é, em grande medida, responsável pela forte implantação e influência em todo o território português. Apesar de estes Núcleos Regionais possuírem autonomia estatutária para definir a sua estrutura organizativa, nomeadamente criando delegações na sua área geográfica, são muito raros os exemplos de concretização dessa faculdade. O Núcleo Regional da Madeira chegou a aprovar, em outubro de 1995, a criação de uma Delegação no Concelho de Santana, mas, à semelhança de tentativas para o Estreito de Câmara de Lobos e para o Porto Santo, essas estruturas acabaram por não vingar. A Quercus possui como órgãos sociais a Assembleia-Geral, a Mesa da Assembleia-Geral, a Direção Nacional, o Conselho Fiscal e a Comissão Arbitral, possuindo ainda um Conselho de Representantes que reúne os membros da Direção Nacional e os presidentes dos Núcleos Regionais. Se os Núcleos Regionais permitem à Quercus uma forte implantação geográfica, os órgãos nacionais, em particular a Direção Nacional, apoiados em estruturas como os grupos de trabalho e os projetos nacionais, garantem uma atuação global coerente e sólida. Ambas as estruturas, nacionais e regionais, na sua ação concertada, completam um modelo de organização que consubstancia de forma eficaz o lema: “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. Apesar de a Quercus ter atualmente uma intervenção muito diversificada, abrangendo áreas temáticas como a gestão dos resíduos, a qualidade do ar, a eficiência energética, as energias renováveis, a qualidade e escassez dos recursos hídricos, entre muitas outras, a preocupação predominante dos seus fundadores centrou-se essencialmente nas questões associadas à conservação da natureza. Esse foi justamente o motivo para a adoção do nome Quercus, o nome científico do género a que pertencem os carvalhos, sobreiros e azinheiras, que são as árvores predominantes do coberto vegetal primitivo do território continental português, e do símbolo da organização, uma folha e uma bolota de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Os dirigentes da Quercus são eleitos para mandatos de dois anos de entre os sócios da Associação e exercem os seus cargos de forma não remunerada. Tendo em conta as estruturas nacionais e regionais definidas estatutariamente, o número de dirigentes necessários para completar todos os cargos é superior a 80. Além dos dirigentes, o funcionamento da Associação requer também a ocupação de outros cargos, nomeadamente na coordenação de grupos de trabalho e de projetos. Entre 1995 e 2000, 0 presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira foi Hélder Spínola, biólogo e um dos fundadores deste núcleo, que mais tarde, entre 2003 e 2009, foi também presidente da Direção Nacional desta Associação. A segunda Direção do Núcleo foi eleita a 27 de fevereiro de 1997, tendo Hélder Spínola sido acompanhado por uma equipa maioritariamente constituída por sócios não pertencentes ao núcleo de fundadores: Carina Martins Nunes, como Secretária, Élvio Duarte Martins de Sousa, como Tesoureiro, e Élia Maria Basílio Rodrigues, Idalina Perestrelo Luís, Joselino Humberto Henriques Silva, Maria Conceição Andrade Silva, Odília Maria Freitas Garcês e Ysabel Margarita Amaro Gonçalves, como vogais. Idalina Perestrelo Luís foi a segunda presidente da Quercus-Madeira, tendo iniciado funções a 5 de agosto de 2000, por nomeação da própria Direção do Núcleo, e sido eleita para o cargo a 28 de outubro de 2000. Desde 2000, e ao longo dos sete mandatos sucessivos para os quais foi eleita, Idalina Perestrelo Luís foi sempre acompanhada na Direção do Núcleo por Elsa Maria Freitas Araújo, como vice-Presidente. A partir de outubro de 2013, Elsa Araújo passou a ser a Presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira. Desde 1995, o Núcleo Regional da Quercus na Madeira envolveu-se em inúmeras atividades com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e para uma mudança de paradigma na sociedade madeirense. À semelhança da matriz que caracteriza a ação nacional da Quercus, toda a atividade do Núcleo Regional foi marcada por duas formas principais de atuação, os projetos e a intervenção pública, em ambas abrangendo os mais diversos temas ambientais. A mudança de atitudes e comportamentos para com os valores ambientais foi um dos objetivos em que a Quercus-Madeira apostou desde início, tendo desenvolvido várias iniciativas e projetos com esse fim. Nesse âmbito, destaca-se uma parceria com a Câmara Municipal de Machico e a criação do Centro de Educação Ambiental de Machico (CEAM), cuja abertura oficial, em julho de 2000, contou com a presença do Presidente da Direção Nacional da Quercus. Ao longo dos seus 13 anos de funcionamento, o Centro de Educação Ambiental dinamizado pelo Núcleo Regional da Quercus desenvolveu largas centenas de ações de sensibilização, em particular nas escolas da Madeira, tendo abordado temáticas tão diversas como a defesa do património natural, os incêndios florestais, o ordenamento do território, a redução, reutilização e reciclagem de resíduos, a gestão sustentável dos recursos hídricos, e a eficiência energética, entre muitos outros. Além de palestras e debates, a Quercus-Madeira dinamizou, através do CEAM, atividades de reflorestação e manutenção no Parque Ecológico do Funchal, editou publicações, preparou exposições e promoveu passeios a pé. De entre os vários recursos de divulgação e educação ambiental publicados pela Quercus-Madeira é de particular realce a revista Raízes, uma publicação periódica que lançou o seu primeiro número em outubro de 2001. Ao longo de sete anos e de 34 números, a revista Raízes apresentou em capa uma grande variedade de temas, como o património malacológico do Porto Santo e dos seus ilhéus, a fauna cavernícola de Machico, a avifauna da lagoa do Lugar de Baixo, as florestas da ilha da Madeira, a qualidade ambiental das ribeiras e o problema dos incêndios florestais. Associados a estes e outros temas, muitos foram os cidadãos que deram o seu contributo voluntário na preparação de conteúdos, em particular profissionais da área da biologia, mas também juristas, professores e estudantes, entre outros. Um dos temas a que o Núcleo Regional da Quercus na Madeira tem dedicado especial atenção tem sido a gestão de resíduos, não só ao nível da educação e sensibilização ambiental, nomeadamente com o projeto Ponta de Sol Mais Brilhante em 2004 e 2005, mas também através da implementação de projetos iminentemente práticos. Exemplo disso foi a recolha de pilhas usadas, um projeto nacional da Quercus que o Núcleo Regional estendeu à Madeira logo no início de 1995, reunindo mais de 10 quilos de pilhas, as quais se juntaram, em 1998, às 11 toneladas recolhidas em todos os Núcleos da Associação para serem encaminhadas para reciclagem em França. Ainda em 1998, com a ajuda de algumas dezenas de jovens voluntários, esta estrutura regional da Quercus fez um levantamento exaustivo da quantidade e do tipo de resíduos existentes nas praias e calhaus da Madeira, tendo encontrado um litoral pejado de lixo com origem na própria ilha. A disponibilidade de bebidas em embalagens retornáveis, como forma de prevenir a produção de lixo, foi um assunto constante nas preocupações da Quercus-Madeira, que insistiu sempre na fiscalização e cumprimento da Lei. Em fevereiro de 2009, a Quercus trouxe à Madeira mais um projeto pioneiro, tendo, primeiro em parceria com o centro comercial Dolce Vita e depois com os hipermercados Continente, iniciado a recolha seletiva de rolhas de cortiça para posterior reciclagem no âmbito do projeto Green Cork, cujos lucros são utilizados para a reflorestação. Nos primeiros dois meses, o projeto Green Cork conseguiu reunir na Madeira mais de meia tonelada de rolhas de cortiça. Ainda na mesma área, uma das batalhas em que a Quercus-Madeira mais investiu foi a oposição à opção pela incineração como destino final dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira. Em 1998, assim que o governo regional anunciou a intenção de construir uma central de incineração, a Quercus-Madeira promoveu uma petição para que o projeto não fosse concretizado, tendo recolhido mais de 700 assinaturas, que foram entregues na Assembleia Legislativa da Madeira. Quando, em janeiro de 1999, o Governo Regional da Madeira iniciou a discussão pública do estudo de impacte ambiental da obra de Ampliação e Remodelação da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, o Núcleo Regional da Quercus foi a única organização que se opôs a este projeto. A 22 de Agosto de 1999, a Quercus-Madeira organizou a iniciativa Ar Puro que, junto à igreja do Rochão, na Camacha, reuniu cidadãos e representantes de partidos na sensibilização para os perigos decorrentes das emissões de uma central de incineração. A 7 de dezembro de 1999, ao início da noite, devido à queda de um muro que ameaçava ruir já há algum tempo, ocorreu uma derrocada de resíduos do aterro sanitário da Estação da Meia Serra para o interior da lagoa de arejamento dos lixiviados, provocando uma enxurrada que desceu ao longo da ribeira da Cerejeira, destruiu por completo uma habitação e danificou três viaturas no sítio do Ribeiro Serrão. O sobressalto causado por esta calamidade terá estado na origem do ataque cardíaco que vitimou, no decorrer dessa mesma noite, um residente, o senhor José Arnaldo das Neves Vieira, com 39 anos, que, ao longo desse ano, vinha colaborando abertamente com a Quercus-Madeira por uma solução diferente para a gestão dos resíduos. Este facto levou a um envolvimento maior da população da Camacha, em particular dos moradores dos sítios do Ribeiro Serrão e Rochão, que, juntando-se à Quercus, se manifestaram contra o projeto à entrada da Estação a 27 de dezembro de 1999, reunindo perto de uma centena de pessoas. A manifestação repetiu-se a 2 de janeiro de 2000, envolvendo cerca de 300 pessoas. Nesse dia, as barreiras metálicas e a Brigada de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública, liderada no local pelo próprio comandante regional da PSP, não foram suficientes para demover a população de entrar na Estação para constatar in loco a estabilidade dos resíduos depositados no aterro e o que estava a ser feito para garantir a sua segurança. Apesar destas iniciativas, o projeto foi avante e a incineradora foi inaugurada em 2004. Possuindo o Arquipélago da Madeira um património biológico extraordinariamente importante, a conservação da natureza foi outra área onde o Núcleo Regional da Quercus mais interveio. Além dos contributos que deu na divulgação do património natural insular, a Quercus-Madeira agiu inúmeras vezes na tentativa de alterar o curso de algumas ações que entendia serem lesivas à biodiversidade. Desde a sua fundação, insistiu na retirada do gado ovino, caprino e bovino que pastoreava em regime livre nas serras da Madeira e impedia a regeneração da vegetação, deixando as serras escalvadas e à mercê dos processos erosivos, pondo em causa a biodiversidade e a segurança das populações pelo risco de aluvião. Também por insistência do então Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Funchal, Raimundo Quintal, mentor da criação do Parque Ecológico do Funchal, onde implementou essa medida, o Governo Regional da Madeira acabou por aceitar a retirada do gado das serras, tendo dado por concluído esse processo em 2003. Outra ameaça à biodiversidade que a Quercus-Madeira sempre combateu foi o flagelo dos incêndios florestais, tendo desenvolvido o projeto Vigilância Contra Fogos Florestais em 1997 e 1998 e, nos anos seguintes, criado uma rede informal de vigilância com mais de 100 voluntários no âmbito do projeto De Olhos na Floresta. Para minimizar o problema dos incêndios florestais, esta Associação insistiu constantemente numa estratégia para a Madeira apostada na prevenção, na vigilância e numa primeira intervenção rápida e eficaz. Em 1999, em colaboração com a Câmara Municipal de Machico, a Quercus-Madeira elaborou a candidatura do projeto Recuperação da Floresta Laurissilva das Funduras ao programa LIFE Natureza, projeto que foi submetido em nome da Direção Regional de Florestas e obteve um financiamento europeu superior a meio milhão de euros. A execução do projeto teve início em janeiro de 2000 e decorreu até ao fim de 2003, tendo a Quercus-Madeira assegurado a implementação das medidas de educação ambiental que ficaram à responsabilidade da Câmara Municipal de Machico. A Quercus-Madeira também se mobilizou várias vezes para tentar evitar a concretização de alguns projetos no coração da floresta Laurissilva. Por exemplo, no início do século XXI, quando o Governo Regional avançou com a asfaltagem da estrada do Fanal, entre a Ribeira da Janela e o Paul da Serra, a Quercus, além das intervenções públicas, procurou, sem sucesso, que a UNESCO, que em 1999 reconheceu o estatuto de Património Natural Mundial à floresta Laurissilva, negasse essa pretensão. Ainda assim, a contestação à asfaltagem levou a que, a partir do Fanal e até ao Paul da Serra, a largura da estrada fosse reduzida. Já em 2008, unindo esforços com a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal e com um conjunto alargado de cidadãos, a luta foi contra a pretensão do Governo Regional da Madeira de viabilizar a construção de um teleférico no Rabaçal, na cabeceira da ribeira da Janela, em plena floresta Laurissilva, tendo pedido a intervenção da UNESCO e da Comissão Europeia, às quais enviou uma petição com mais de 5000 assinaturas. Adicionalmente, em Março de 1999, estas duas associações de defesa do ambiente interpuseram em Tribunal uma ação judicial a pedir a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental favorável assinada pelo Secretário Regional do Ambiente. Devido a esta forte contestação, a construção do teleférico não avançou e a Declaração de Impacte Ambiental acabou por caducar por ter sido ultrapassado o prazo da sua validade, situação que levou o Tribunal Administrativo e Judicial do Funchal, em setembro de 2011, a encerrar o processo. Ao longo do tempo, a Quercus-Madeira alertou para inúmeras situações e opções que constituíam ameaças ao ambiente: Contestou as ações de abate ao Pombo Trocaz (Columba trocaz), espécie protegida e exclusiva da Madeira, , iniciadas pelo Governo Regional em 2004; opôs-se, a partir de 2002, à construção de um Radar Militar no Pico do Areeiro, em Sítio da Rede Natura 2000, junto ao único local no mundo onde nidifica a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), uma ave marinha fortemente ameaçada; alertou insistentemente para as consequências negativas sobre os ecossistemas marinhos costeiros decorrentes dos despejos de terras provenientes de obras públicas e privadas; colocou na ordem do dia os perigos para a saúde pública decorrentes da inalação de fibras de amianto, presentes em materiais utilizados na construção de inúmeros edifícios no Arquipélago da Madeira; insistiu na necessidade de melhorar os transportes públicos de modo a garantir uma alternativa válida ao transporte individual e reduzir a poluição dentro da cidade do Funchal; defendeu uma maior aposta na eficiência energética e nas energias renováveis; pressionou inúmeras vezes para o cumprimento da Lei no que diz respeito à realização de análises e divulgação dos resultados relativos à água para consumo humano; insistiu na necessidade de serem adotados e respeitados os instrumentos de ordenamento do território previstos na legislação portuguesa, em particular os Planos Diretores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira e a Reserva Ecológica Nacional; cooperou com a organização internacional Save the Waves na contestação contra a destruição das ondas para a prática de surf no Jardim do Mar; cooperou com a Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste numa solução para a preservação da Lagoa do Lugar de Baixo na Ponta do Sol; e, entre muitas outras iniciativas, tentou impedir o avanço de projetos turístico-imobiliários sobre o litoral.   Hélder Spínola (atualizado a 11.10.2016)

Biologia Terrestre Geologia Ciências do Mar Ecologia

beneden, barão charles van

Escritor. Publicou Au Nord Ouest de l'Afrique: Madère, Les Îles Canaries, Le Maroc, em Bruxelas em 1882. Colaborando na revista belga La Jeune Wallonie, deu à estampa a narrativa Voyage aux Îles Sauvage e as comédias Les Titularisés e Le Mariagicide. Considerava, afetuosamente, a Madeira como sendo a sua terra adotiva. Palavras-chave: literatura; dramaturgia; comédia.   Nasceu na Bélgica, a 4 de julho de 1854, e faleceu no mesmo país, em dezembro de 1929. Fixou-se no Funchal, estabelecendo moradia no arquipélago durante muitos anos, na Qt. dos Cedros, em Santo António e, em fins do séc. XIX, na ilha do Porto Santo. Contraiu matrimónio na Madeira com D. Isabel Constança, filha da 3.ª viscondessa e 1.ª condessa de Torre Bela (D. Filomena Gabriela Correia Brandão Henriques de Noronha, em títulos de Correias e Uzeis, e de Russel Manners Gordon, 1.º conde de Torre Bela, pelo seu casamento, em título de Gordon), de quem não teve filhos. Apesar de ser um súbdito belga, o barão Charles van Beneden considerava afetuosamente a Madeira como a sua terra adotiva. Apreciado como distinto escritor no país de origem, era famoso pelos seus conhecimentos de literatura. Publicou várias obras, nomeadamente Au Nord-Ouest de l'Afrique: Madère, les Îles Canaries, e Maroc, em Bruxelas, em 1882. Colaborador na revista belga La Jeune Wallonie, publicou a interessante narrativa Voyage aux Îles Salvages, que ocupa 50 páginas da mesma revista e que vem acompanhada de excelentes gravuras. Há quem afirme que nas comédias deste autor Les Titularisés e Le Mariagicide se encontram incarnadas em várias personagens algumas pessoas conhecidas na sociedade funchalense (SILVA e MENESES, 1978, 264). Existe um estudo bibliográfico de 1911 sobre Charles van Beneden (Etude Bibliographique sur Charles van Beneden), da autoria de Joseph Chot, com 116 páginas, publicado em Bruxelas pela Dechenne.Existe um estudo bibliográfico de 1911 sobre Charles van Beneden (Etude Bibliographique sur Charles van Beneden), da autoria de Joseph Chot, com 116 páginas, publicado em Bruxelas pela Dechenne. Obras de Charles van Beneden: Au Nord-Ouest de l'Afrique: Madère, les Îles Canaries, le Maroc (1882); Entre Névropathes (1888); Généalogie (1891); Le Mariagicide: Comédie Humaine en Cinq Actes et Six Tableaux (1898); Michel Côme (1899); Les Titularisés (1902); Une Interview au Transformisme (1905); Attale: Tragédie en 5 Actes (1908); La Floche du Soldad (1908); Clara Camacho (1908); La Peste de Trigalet: Tragi-Comédie en Trois Actes et Quatre Tableaux (1908); Pendant Dix-Sept Ans (1911); L’Empire de Belzébuth (1920).   António José Borges (atualizado a 10.10.2016)

Literatura

azevedo, antónio bon de sousa schiappa de

Regente florestal de formação, desempenhou importantes funções silvícolas no distrito do Funchal nos finais do séc. XIX e início do séc. XX. Nasceu em Lisboa em 1870, no seio de uma família distinta, sendo o seu avô materno o Ten.-Gen. Pedro Paulo Ferreira de Sousa, primeiro barão de Pernes. Foi para a ilha da Madeira em finais do séc. XIX, onde casou com uma madeirense, filha de José António de Almada, passando a viver no Funchal. Desempenhou um importante papel na área florestal, tanto na ilha da Madeira como na ilha do Porto Santo. Na primeira, foi responsável pela preservação das manchas de floresta natural que se encontravam ameaçadas na época; na segunda, foi responsável pelos primeiros trabalhos de reflorestação daquele espaço, que estava há séculos desprovido de um coberto florestal. Fruto da riqueza existente na floresta indígena da Madeira e do Porto Santo, iniciou-se, após a descoberta destas ilhas, um processo de delapidação do coberto florestal existente com os objetivos de exploração de madeira e carvão, implementação de áreas agrícolas e constituição de pasto para os animais que, de forma asselvajada e desregrada, se alimentavam em zonas serranas. Deste modo, o coberto florestal indígena foi bastante afetado e delapidado na ilha da Madeira, chegando mesmo a desaparecer na ilha do Porto Santo. A falta de técnicos e de pessoas conhecedoras da flora e da floresta madeirense, bem como das consequências da sua devastação, fez com que esta situação se perpetuasse e agravasse durante séculos. A situação na ilha do Porto Santo ainda era mais grave, piorando consideravelmente em meados do séc. XVIII e levando quase à completa desertificação da Ilha. O conhecimento e os principais estudos sobre a floresta madeirense pertenciam, nessa época, a naturalistas estrangeiros que, por diversos motivos, passavam na Madeira ou iam até esse arquipélago atraídos pela riqueza da sua flora e fauna e dos inúmeros endemismos existentes. Segundo Rui Carita, os naturalistas estrangeiros que mais se evidenciaram na época com trabalhos de divulgação da fauna e flora desse território foram o reverendo inglês Thomas Lowe, que preparou os álbuns com que a Madeira participou na célebre exposição internacional de Londres, em 1851, e que forneceu as informações a Charles Darwin, e o padre alemão Ernesto Schmitz, que, tendo-se radicado no Funchal em 1874, depois se naturalizou português e foi o fundador do primeiro museu de história natural da Madeira. A crescente importância que a floresta ia adquirindo, assente no seu papel imprescindível na captação da água, quer de regra, quer de consumo, e na sustentação dos solos, levou, desde os meados do séc. XIX, à criação de departamentos governamentais que se debruçaram sobre os trabalhos de reflorestação e preservação da floresta das ilhas da Madeira e Porto Santo. Nos finais desse século, a Madeira passou a possuir técnicos portugueses habilitados nessa área, sendo o mais notável o regente florestal António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo, que focou a sua ação principalmente na ilha do Porto Santo. A erosão e desertificação nesta ilha era de tal forma grave que Schiappa de Azedo, escolhendo o cume do pico Castelo para iniciar, em 1921, o seu trabalho de reflorestação, teve que armar o terreno e constituir muretes em pedra para suporte e sustentação da pouca terra que existia na encosta, conseguindo assim solo e condições para plantar árvores. Tratou-se de uma obra notável, visível no terço superior da encosta do pico. Para este trabalho, Schiappa de Azevedo utilizou nas suas plantações essencialmente o Cupressus macrocarpa e o Pinus radiata. Após a sua morte, o seu trabalho foi continuado, tendo-se arborizado a parte alta do pico Castelo utilizando a metodologia de plantação por si desenvolvida. Na ilha da Madeira, os frondosos Cupressus macrocarpa que se encontram na ribeira das Cales junto àquela que se tornaria a estrada regional n.º 103 foram mandados plantar também por Schiappa de Azevedo, tendo infelizmente algumas destas árvores sido afetadas de forma irreversível pelo grande incêndio de 2010, que devastou toda aquela zona. António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo possui uma estátua com o seu busto no pico Castelo em homenagem ao trabalho efetuado no combate à desertificação e à reflorestação naquela ilha. A estátua foi inaugurada em julho de 1957. Fig. 1 – Fotografia do busto de Schiappa de Azevedo existente no cimo do pico Castelo no Porto Santo. Fotografia de Manuel António Filipe.   António Bon de Sousa Schiappa de Azevedo faleceu no Funchal a 17 de dezembro de 1926.   Manuel António Marques Madama de Sousa Filipe (atualizado a 10.10.2016)

Biologia Terrestre Botânica Ecologia

arte na educação

Em matéria de arte na educação, a RAM aproveitou a descontinuidade territorial, que a separa do continente português e a privou de usufruir de muitas valências, invertendo a seu favor o sabor da insularidade. Usufruiu do mar e do que, em matéria social, este podia oferecer, proporcionando uma estreita relação com outros povos que ali paravam. Falamos, e.g., de uma forte relação com a comunidade inglesa, que por lá se estabeleceu no séc. XIX e com individualidades de outras nacionalidades, como a alemã, a espanhola e a russa, que ao longo dos séculos se distinguiram na relação com os autóctones. Pelos registos apurados, podemos afirmar que, desde o início do séc. XIX, as artes fizeram regularmente parte da educação. Existem referências à aprendizagem da música, à prática do canto, às danças de salão, às récitas teatrais e às artes e ofícios, a par de outras atividades de cariz artístico, como os lavores e a aprendizagem das línguas. Fazendo um périplo pelos periódicos entre 1821 e 2015, é possível observar-se o lugar que as artes ocuparam em instituições de ensino regular, bem como confirmar a existência de aulas artísticas de cariz doméstico e até em instituições mais regulamentadas. Na Madeira, as escolas com opção de disciplinas de âmbito artístico fizeram parte da educação ao longo do séc. XIX. Quando, em 1835, se assistiu à implementação do ensino primário obrigatório, uma das consequências foi a criação de múltiplas escolas e colégios. Na Madeira, a rede pública de escolas deveria ser notoriamente insuficiente, visto que encontramos, ao longo de Oitocentos, diversas escolas em espaços domésticos ou sem designação oficial onde era possível as famílias optarem por uma ou mais atividades artísticas, como o ensino do canto, da guitarra, do piano ou da dança, a par do desenho. Além destas atividades, as escolas e os pequenos colégios permitiam igualmente a opção pelo ensino das línguas, nomeadamente a francesa e a italiana, justificando-se esta última, sobretudo, quando do bel canto se tratava. Estas disciplinas (artísticas e línguas) tinham normalmente um custo acrescido. Apesar do ensino feminino já existir no reinado de D. Maria I, foi com a reforma do ensino primário, em 1836, que foram implementadas as “escolas de meninas”. Na Madeira, também encontramos referências ao ensino feminino na imprensa, registando-se que as escolas ou colégios para meninas eram dirigidas por senhoras, como atesta o seguinte anúncio: “Colégio para educação de meninas, direção de Felisberta Augusta Teixeira” (com opção de lições de piano, dança e desenho com pagamento extra) (A Flor do Oceano, 12 set. 1839, 4). Neste contexto, é interessante constatar a presença contínua do ensino da dança, a par de disciplinas ligadas às línguas, à música e ao desenho. As aulas de artes não aconteciam apenas em escolas ou colégios de ensino primário. Ao longo de todo o séc. XIX, há registos de aulas particulares, organizadas nas casas dos professores ou mesmo dos alunos. Entre outros, recolhemos anúncios na imprensa local de aulas de dança ministradas por Eduardo Soares e Paulo Valentino d’Ornelas Costa; lições de música, rabeca, piano, violoncelo e violino dadas por Nuno Graceliano Lino; e de piano e canto pelo P.e João Aleixo de Freitas. Até ao último quartel do séc. XIX, os docentes eram essencialmente masculinos, começando as mulheres, nessa altura, a predominar no ensino das artes. Importante, já então, era a presença de professores de naturalidades diferentes da portuguesa, proprietários, e.g., da Eschola Collegial Inglesa, que tinha lições de música e do Collegio de Jane H. Manly Tello. Estes factos revelam bem, ao nível da educação, a influência da comunidade inglesa na Madeira oitocentista. Além do ensino artístico em contexto doméstico, também era possível desenvolver-se uma prática artística em contexto institucional, principalmente nas sociedades e clubes que proliferaram no séc. XIX, depois da revolução liberal. Neste âmbito, salienta-se o coro da Sociedade Philarmonica; a Academia Marcos Portugal, que proporcionava lições de solfejo para violino, violeta, violoncelo, rabecão grande e instrumentos de metal e palheta; e a Sociedade Recreio Musical, com aulas de dança dadas por Eduardo Soares, que acumulava com aulas que lecionava no Theatro D. Maria Pia. Como se depreende do anteriormente enunciado, a maior parte das instituições e aulas artísticas desenvolvia-se fora do domínio público, embora houvesse algumas exceções. O Liceu, e.g., apresenta-se como uma escola oficial genérica que incluía atividades de educação artística. Outro caso de atividades artísticas promovidas por uma instituição pública é o da escola municipal de D. Francisco Vila y Dalmau, onde era possível estudar canto e dança. Por fim, uma categoria que não deve ser esquecida: as aulas proporcionadas por professores e companhias que passavam pelo Funchal, como, e.g., as aulas de dança do Circo Equestre, em 1865. Era comum que os artistas que passavam pela Madeira para realizar concertos e espetáculos se disponibilizassem também para dar aulas particulares a quem estivesse interessado, situação que se manteve na primeira metade do séc. XX, como mostram os seguintes casos divulgados pela imprensa periódica: maestro Ricardo Nicosia Cortesi (piano); professor Cleto Zavala (lições de piano); cavalheiro inglês, muito competente para ensinar violino; professor D. Domingo Bosch (lições de piano). Na transição do séc. XIX para o XX, qualquer novo estabelecimento de ensino vocacionado para mulheres que fosse criado no Funchal teria mesmo de incluir, quase obrigatoriamente, a disciplina de piano, embora de forma opcional, pois era lecionada em regime de aulas individuais. No colégio para meninas de D. Christina Adelaide Gomes, e.g., o currículo era constituído pelas disciplinas de inglês, francês, português, piano, machete, canto, viola e dança, em 1895. Em 1909, o colégio para raparigas João de Deus informava que as suas alunas podiam ter “aulas especiais de canto, piano e dança” com a professora Cora Cunha, discípula de Maria Capitolina Crawford do Nascimento Figueira (Almanach de Lembranças Madeirense, 1909, 288-289). Poucos anos mais tarde, por volta de 1912, foi criada, no convento de S.ta Clara, a Escola de Utilidades e Belas Artes, que se destinava a raparigas e que incluía no seu currículo também as áreas de música e de dança, assim como o ensino de piano em aulas individuais, de forma opcional.   Mª Adelaide Meneses e alunas. Photographia Vicentes. Fonte: Arquivo Sílvio Fernandes   Este aumento do papel da mulher na educação artística contribuiu, provavelmente, para a sua emancipação profissional através da música. Enquanto noutras áreas era considerado pouco apropriado que a mulher de classe média assumisse uma profissão, no caso da música, a mulher começou regularmente a aparecer como professora, sobretudo nas áreas do canto, do piano e da dança. No período entre 1812 e 1880 surgem poucas mulheres a lecionar, mas a partir de 1870 inverte-se esta tendência, aparecendo frequentemente mulheres a lecionar música como atividade profissional remunerada, desaparecendo, e.g., quase por completo, os professores de piano masculinos. No séc. XX, a par das reformas a no ensino oficial das artes, continuaram a ser criadas diversas escolas particulares de cariz doméstico que ofereciam no seu currículo a opção de atividades artísticas. Temos, assim, o Collegio de Santa Clara (piano e canto); o Collegio Maria José Ferreira (classe de dança, francês, inglês e música); o Colégio do Lisbonense (classes de instrução primária, português, francês, inglês, piano, dança e lavores); e o Colégio Madeira (classes de dança por Eugénia Rêgo). É igualmente relevante encontrarem-se anúncios com a redação que se segue, sem nomear as professoras: “Uma senhora devidamente habilitada dá lições de piano e francês em sua casa ou na das alunas, por preços moderados” (DNM, 9 out. 1911, 1); “Senhora competentemente habilitada dá lições de piano e bandolim” (DNM, 26 mar. 1915, 1); ou ainda, o pormenor, “Classe de dança – Para principiantes e praticantes” (DNM, 6 out. 1911, 2); “Chamamos a atenção para o anúncio que hoje publicamos sob a epígrafe, ‘Classes de piano’, recomendando a professora, que tem toda a competência requerida” (DNM, 19 ago. 1917, 1). No ensino específico e particular, nomeadamente em contexto doméstico, encontramos referências a lições de música dadas por Eduardo Antonino Pestana; Isabel Pamplona Spínola; Nuno Graceliano Lino; Artur Maria Lopes; Alfredo A. Graça, com o pormenor de se referenciar o método (piano e rabeca pelo curso do Real Conservatório de Lisboa, e bandolim pelo método de Christofaro y Gautiero); Angelique de Beer Lomelino; Gabriella Campos (lições de piano e solfejo pelo método do Conservatório de Lisboa); Maria Eugénia de Afonseca Acciaiolly Rêgo Pereira (ensinava coreografia erudita e folclórica a membros das classes alta e média madeirense num salão de dança); M. Graça Rego (ex-aluna dos professores Cleto Zavala, em piano e Beer Lomelino, em canto, dava lições de piano e canto); Maria Izabel Ferraz (aulas de dança). Denota-se uma preocupação com a metodologia aplicada e os fins a que se destinava. Leia-se “Lições de música. Curso geral completo pelos métodos mais modernos adotados no Conservatório de Lisboa” (DNM, 16 maio 1917, 1); “Professor Vasco de Oliveira (curso de violino seguindo todo o programa do conservatório (escola de Leonard)” (DNM, 4 abr. 1919, 1). Mantêm-se as escolas dirigidas por estrangeiros com atividades artísticas e as sociedades e clubes com atividades de educação artística: o artigo “Academia Dançante” referencia já o Atheneu Commercial com a professora Mathilde Xavier Ferraz, que dá lições de dança; o Grupo Recreativo da Mocidade Portuguesa proporciona aulas de música e classes de dança acompanhadas pelo pianista Leandro S. C. de Freitas. No contexto das escolas oficiais de ensino genérico, existem igualmente diversas menções ao ensino de disciplinas artísticas: no Instituto de Ensino Secundário e Comercial, referem-se aulas de música, em que os métodos adotados são os mesmos do Conservatório de Lisboa e um curso de canto regido por uma distinta professora, que dava lições individuais e em classe; no Liceu Jaime Moniz, o professor de canto coral era Júlio Câmara, contanto a tuna académica e o orfeão com a direção de Gustavo Coelho; na Escola de Utilidades e Belas Artes (estabelecimento de ensino feminino), era possível aprender dança, piano e canto. Em 1943 ocorreu um dos principais acontecimentos no campo da educação artística na Madeira, uma iniciativa que, em 2015, continua a dar frutos. Nesse ano, Luiz Peter Clode e seu irmão William Clode fundaram a Sociedade de Concertos da Madeira, que reunia um escola de intelectuais e artistas portugueses e estrangeiros, naturais ou residentes na Ilha, com a finalidade de contribuir para o crescimento de artistas e público especializado. No seguimento da criação dessa instituição, a prática das expressões artísticas cresceu substancialmente e, a partir de 1946, altura em que foi fundada, no âmbito da mesma, a Academia de Música da Madeira, que mais tarde conseguiu o paralelismo pedagógico com o Conservatório de Música de Lisboa, contribuiu para a creditação de professores e alunos madeirenses. Este estabelecimento foi sucessivamente restruturado após o 25 de Abril, vindo a integrar o ensino profissional das artes na viragem do século, alterando a sua designação, em 2000, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira e, em 2006, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira Eng. Luiz Peter Clode, em homenagem ao seu mentor. Os cenários dos sécs. XX e XXI são completamente distintos e acompanham o natural desenvolvimento do ensino artístico na Região, tendo contribuído fortemente para o efeito o trabalho realizado, ao longo de 35 anos (1980-2015), pela Direção de Serviços do Ensino Artístico e Multimédia (antigo Gabinete Coordenador de Educação Artística). A par do trabalho de campo desenvolvido em toda a Região, motivou o surgimento de associações, filarmónicas e grupos de iniciativa privada que, em conjunto, contribuíram para os resultados atingidos: o ensino artístico integra, em 2015, a quase totalidade da rede do pré-escolar como atividade obrigatória e o ensino técnico profissional e especializado abrange já todas as áreas da expressão artística: a dança, a música, o teatro e variantes.   Paulo Esteireiro Teresa Norton Dias (atualizado a 26.09.2016)

Artes e Design Educação História da Educação