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lira, antónio veloso de

Autor de Espelho de Lusitanos em o Cristal do Psalmo Quarenta e Tres, Cuja Vista em Summa, Representa Este Reyno em Tres Estados, uma obra publicada no contexto da Restauração da independência do reino de Portugal, António Veloso de Lira nasceu na freguesia da Calheta, a 16 de junho de 1616. Segundo uma informação veiculada por Diogo Barbosa Machado, no vol. I da Bibliotheca Luzitana, António Veloso de Lira descendia de uma família nobre e era filho de Manuel Dias de Lira e de Mécia Rodrigues do Couto. Entre os eventos relevantes da sua biografia, além da composição da obra referida, em 1643, destaca-se a sua nomeação, em 1671, para cónego da Sé do Funchal. A sua passagem por Salamanca, onde cursou Teologia e Filosofia, documentada em Espelho de Lusitanos, proporcionou a Camilo Castelo Branco matéria para a escrita de um artigo intitulado “Estudantes Portugueses em Salamanca”, publicado em Cousas Leves e Pesadas. Seguindo o modelo genealógico da História de Portugal (c. 1580) de Fernão de Oliveira, no que concerne a uma mitificação das origens lusas com base na narrativa fundacional de Tubal, neto do patriarca bíblico Noé, Veloso de Lira estabeleceu, em Espelho de Lusitanos, um paralelismo entre o povo lusitano e o povo de Deus. Através da exposição ilustrativa do salmo n.º 43 (Deus auribus nostris audiuimos…), o autor pretendeu representar, como se indica em frontispício, o reino de Portugal em três estados: o estado desde as origens do país, com todas as felicidades e grandezas, até à morte de D. João III; o estado das calamidades e dos infortúnios começados em D. Sebastião e continuados pelo governo castelhano; e, por fim, o terceiro estado, ou as maravilhas obradas por Deus na feliz aclamação e restauração de D. João IV. Exaltando as qualidades das terras, dos recursos, do clima e das gentes, e acentuando a passagem de um tempo de conquistas e de glória a um tempo de usurpação, onde imperariam sobre a monarquia portuguesa “as calamidades infaustas” trazidas pela morte do “sempre lamentado Sebastião” e o subsequente consórcio com Castela (LIRA, 1753, I, 88-91), este texto insere-se na corrente da história providencialista portuguesa que tem na Monarquia Lusitana (1597-1632), uma obra composta por Bernardo de Brito e por António Brandão, os seus exemplos paradigmáticos. Assim, à narrativa dos tormentos que assolavam o país durante o domínio filipino, qual Israel no meio dos horrores babilónicos – um tempo em que “Ardia a má, e corrupta vontade castelhana […], procurando a ruína total de todos nós” (Id., Ibid., 165), e em que, refere o autor, “Muito é de sentir um Rei, e um ministro estranho; e o que mais eficaz é, que ignorando os estatutos, e leis donde governa, dá lugar a que seja industriado por ânimos, e ministros, a quem o interesse traz desencadernados: sendo estes os que como feros verdugos vendem suas pátrias” (Id., Ibid., 164) –, Veloso de Lira acrescentou a enumeração dos milagres e profecias pelos quais Deus sempre aliviou e confortou o reino de Portugal, da mesma maneira que, por intermédio de Isaías, Deus prometera ao seu povo o fim de todos os tormentos e todas as angústias. Entre esses vaticínios são trazidos à colação a narrativa do milagre de Ourique, a profecia do Sepulcro de S. Tomé, a profecia de S. Metódio e ainda as trovas de Bandarra. O documento forjado das Cortes de Lamego, usado como justificação da legitimidade da Coroa portuguesa, também foi convocado neste contexto. Revestindo-se, pois, de um forte teor de exaltação nacionalista, com base no texto bíblico, a que se juntam, em comentário paratextual, referências a autores como Virgílio, Plutarco, Políbio, Lucano, Orósio e António Brandão, Espelho de Lusitanos termina com uma apoteose do destino lusitano, na aclamação de D. João IV, conferindo um sentido histórico às tribulações que haviam assolado o reino e o império de Portugal. A Restauração do trono português testemunhou, desta maneira, o esplendor do poder e da misericórdia divinos, que sempre acompanhou este povo, como nação “da honra de JESU[S] Cristo mais zelosa, […] que por seu nome maiores cousas obrasse” (Id., Ibid., 55). De notar, na parte final do texto, a inserção de um capítulo em que Veloso de Lira revela o seu testemunho pessoal relativamente às contendas entre Portugueses e Espanhóis no momento da aclamação de D. João IV, vistas a partir de Salamanca, onde estudava e residia em 1640. Barbosa Machado atribui ainda a este autor a composição dos seguintes títulos: Politica Christiana (dirigido a Filipe IV), Zodiaccus Ecclesia, Stella Matutina in Medio Nebula, Domus Sapientiae, Philosofia Muta, Glossa Sobre os Evangelhos, e Antiguidades da Ilha da Madeira, uma obra também intitulada Ubi Troya Fuit e pronta para a impressão no ano de 1658. Veloso de Lira morreu no Funchal, no ano de 1691. Obras de António Veloso de Lira: Espelho de Lusitanos em o Cristal do Psalmo Quarenta e Tres, Cuja Vista em Summa Representa Este Reino em Tres Estados (1643).     Marta Marecos Duarte (atualizado a 14.12.2017)

Literatura

lemos, jorge de

Em 1556, logo após a promoção de D. Fr. Gaspar de Casal para a mitra de Leiria, D. João III procedeu à indigitação do novo prelado para a Diocese do Funchal, tendo, desta vez, a escolha recaído em D. Fr. Jorge de Lemos, Dominicano, licenciado em teologia, nascido em Lisboa e filho de D. Francisco Velho e de D. Brites de Lemos. A opção por esta figura insere-se num contexto em que se operaram algumas alterações nos critérios de provimento episcopal, que começaram a verificar-se na segunda metade do reinado do Piedoso, patentes, e.g., na preferência de que passaram a ser alvo os religiosos filiados em congregações regulares, particularmente os Dominicanos e os Jesuítas. Com a indigitação de frades militantes naquelas congregações, pretendia-se dotar as Dioceses, sobretudo as ultramarinas, de prelados que acedessem a deslocar-se para as partes mais ou menos remotas do império, a fim de promoverem uma ação evangelizadora e atenta à defesa dos interesses da monarquia nessas paragens. Falhada a tentativa de prover o Funchal com o também Dominicano Fr. Gaspar dos Reis, o Rei escolheu, então, D. Fr. Jorge de Lemos, figura em que se começavam a evidenciar algumas das qualidades que o concílio tridentino, na altura em curso, elegia como curiais para o desempenho do múnus episcopal, a saber, a disponibilidade para a residência e a vivência de uma espiritualidade intensa, a par de necessárias competências administrativas. Confirmado pelo Papa Paulo IV a 9 de março de 1556, o novo bispo tornou-se o primeiro prelado a assumir pessoalmente a condução dos destinos da Diocese. Desembarcado na Ilha em 1558, foi D. Fr. Jorge, naturalmente, bem recebido pelos seus fiéis e logo deu início a um conjunto de reformas de que entendia estar o bispado carecido. Após analisar a composição e as remunerações do cabido, decidiu o bispo proceder a algumas alterações, as quais vieram a resultar na criação de lugares para mais dois moços de coro e no aumento dos vencimentos dos cónegos e capelães. Amante da música, da qual era tão “ciente […] como se professasse”, tinha o bispo trazido de Lisboa um músico a quem encarregou de proceder à reforma do coro da Catedral, tendo desta intervenção resultado a criação do cargo de mestre de capela e do lugar de subchantre, o que, em conjunto com outras modificações que introduziu no regimento interno da Sé, muito contribuiu para que os ofícios religiosos, a que assiduamente assistia, ganhassem nova dignidade (NORONHA, 1993, 90). Outra das situações a que o bispo acudiu logo no próprio ano em que chegou à Ilha dizia respeito à necessidade de se proceder a ordenações, pois os intervalos, relativamente largos, que tinham mediado entre as anteriores visitas episcopais haviam deixado a Ilha carente de clérigos devidamente habilitados. Para suprir essa falta, D. Fr. Jorge de Lemos rapidamente procedeu a um conjunto de ordenações que ficaram registadas em dois livros, um para ordens de epístola e outro para ordens de missa, com data de 10 de dezembro de 1558 e assinaturas de António Costa e do próprio bispo; os livros pertencem ao espólio do cabido da Sé do Funchal. Consciente de que a prolongada ausência de prelado tinha permitido a instalação de um clima de pouca observância dos preceitos religiosos, D. Fr. Jorge de Lemos empreendeu uma campanha de correção dos abusos com recurso a um programa visitacional de que ficaram, porém, muito poucos registos. Da veemência desta intervenção, sobrou para o bispo a fama de ser rigoroso e severo nas punições, mas resultou, também, a promulgação de uma série de medidas que refletiam o empenho episcopal na correção dos desmandos e se traduziram numa produção legislativa que acentuava a necessidade de as justiças seculares auxiliarem as religiosas, tendo em vista o cabal cumprimento das determinações destas últimas. Assim, a 18 de fevereiro de 1588, D. Sebastião fazia publicar alvará onde se ordenava que o corregedor da capitania do Funchal, o provedor dos resíduos e o juiz de fora se disponibilizassem para acudir ao bispo sempre que as pessoas condenadas em visitação a penas até 2000 réis se recusassem a cumprir o castigo. Logo de seguida, a 12 de março, o monarca promulgava nova determinação, que constrangia o corregedor e outros oficiais de justiça na Madeira a prestarem ao prelado toda a ajuda e o auxílio requeridos. Apesar da clareza da mensagem, nem tudo terá corrido da melhor forma na articulação entre os dois braços da justiça, porque, em 1564, o Rei voltava a publicar um alvará em que deixava claro que incumbia aos oficiais judiciais seculares a punição de qualquer pessoa que afrontasse a justiça eclesiástica com más palavras, injúrias ou de qualquer outro modo. A produção de toda esta legislação demonstra bem a vontade de o Rei colocar as justiças mais diretamente dependentes da Coroa ao serviço da administração eclesiástica, à qual, em contrapartida, também era solicitado auxílio para intervir, e.g., quando se detetassem devedores à Fazenda Real nas visitações, e mostra igualmente bem que a monarquia tinha perfeita consciência da importância da Igreja, localmente representada pelos bispos, enquanto instrumento a utilizar no reforço da autoridade dos poderes do centro. D. Fr. Jorge de Lemos, por seu lado, também se esforçava por dar o devido andamento aos processos decorrentes das visitações, e é nesse sentido que devem ser entendidas as diligências que efetuou para comprar, a 5 de março de 1565, umas casas para servirem de aljube, ou seja, de prisão eclesiástica para encarcerar todos aqueles que não tivesse sido possível condicionar de outro modo. Outra área em que foi sensível, e deixou marcas, a intervenção de D. Fr. Jorge de Lemos foi a da reorganização eclesiástica do território urbano do Funchal. Até àquele momento, a cidade não tinha tido mais que uma freguesia, primeiro sedeada junto a Nossa Senhora do Calhau, depois mudada para ocidente da ribeira de João Gomes, quando da elevação do Funchal a cidade e da transferência dos principais serviços religiosos de Santa Maria do Calhau para a igreja grande, e futura Sé, em 1508. O crescimento populacional que entretanto se verificara não se compadecia mais com a estrutura vigente, pelo que o bispo decidiu voltar a autonomizar a paróquia de Santa Maria, a qual se viu transformada em colegiada e dotada de três beneficiados e um pároco, aos quais se veio juntar um cura em 1589. Por alvará de D. Sebastião, com data de 1 de agosto de 1566, foi igualmente criada a freguesia de S. Pedro, que mais tarde se veria também elevada à categoria de colegiada. Em 1561, D. Fr. Jorge de Lemos acedeu a ser provedor da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, mas em 1563 já estava a caminho do reino, pondo fim a um período de residência de apenas 5 anos e a um episcopado que durou, na totalidade, 13. Na corte, onde ia tratar de assuntos relativos à sua Diocese, conseguiu obter de D. Sebastião a carta régia que fundava o Seminário do Funchal. No referido documento, com data de 20 de setembro de 1566, o Rei encomendava a D. Fr. Jorge que “assim o faça fazer e ponha logo em efeito”, mas a celeridade manifestada pela vontade real acabou por ser gorada pela decisão do bispo de não regressar à Diocese, ficando assim o projeto do seminário adiado para um pouco mais tarde (SILVA, 1964, 2). Um dos fatores que, porventura, mais terão contribuído para a recusa do prelado foi o saque de corsários franceses que a Madeira sofreu nesse mesmo ano de 1566, e durante o qual, por um período de vários dias, o Funchal e as zonas vizinhas se viram violentamente atacados e pilhados. Este acontecimento, aliado aos dissabores que a sua intervenção corretiva lhe acarretara, à idade e ao seu precário estado de saúde, foram certamente motivos bastantes para D. Jorge de Lemos ter desistido de retornar à Ilha, ainda que não tenha abandonado as preocupações com ela, como se vê, e.g., pelo facto de a criação da freguesia de S. Pedro ocorrer já no período em que o prelado se encontrava no reino. Como resultado do ataque dos corsários, o capitão donatário da Madeira, João Gonçalves da Câmara, organizou rapidamente no reino uma pequena armada para ir em socorro dos madeirenses e, em conjunto com a tripulação, levou dois Jesuítas com o objetivo de prestar apoio religioso e moral à população. Tão bem se desincumbiram eles da tarefa, que os moradores do Funchal, agradados das prédicas e dos sermões que lhes tinham sido prodigalizados, logo começaram a fazer pressão no sentido de ser a cidade dotada de um colégio daquela ordem, de fundação ainda recente. O Rei, sensibilizado, anuiu às pretensões insulares e, por alvará de 20 de agosto de 1569, autorizou a fundação de um colégio da Companhia de Jesus no Funchal, tendo este sido o último ato digno de registo que ocorreu no período da vigência do episcopado de D. Fr. Jorge de Lemos. Com efeito, a 11 de novembro de 1569, o bispo alcançou, finalmente, a resignação das funções episcopais, que há muito pedia. Depois da renúncia, ficou D. Fr. Jorge de Lemos ocupado no cargo de esmoler-mor de D. Sebastião, o que, segundo Noronha, muito se adequava à personalidade do antigo prelado, cuja disposição para distribuir largas esmolas se tornara patente ainda enquanto bispo, como prova o facto de ter aceitado ser provedor da Misericórdia. Em 1573, faleceu, em Lisboa, o quarto prelado do Funchal, tendo sido sepultado no convento da ordem em que professara. Foi um bom representante da novo perfil episcopal preconizado por Trento, na medida em que não se furtou à residência e, durante o tempo em que, pessoalmente, assumiu a condução dos destinos da Diocese, se manteve atento à correção dos desvios morais dos seus diocesanos, visitando ou fazendo visitar o território, à gestão do território eclesiástico, e aos mais desfavorecidos, a quem distribuía esmola sempre que se lhe deparava ocasião. A sua devoção pessoal traduzia-se na frequência com que assistia aos ofícios divinos na Sé e nos esforços que envidou para que aquelas celebrações decorressem com a maior dignidade. Por tudo isto, seria, com certeza merecedor do elogio que saiu da pena do grande cronista da Ordem de S. Domingos, Fr. Luís de Sousa, que declarou ter o seu priorado sido abençoado pela presença de duas personalidades que muito o honravam: Fr. Bartolomeu dos Mártires, e “frei Jorge de Lemos, Bispo do Funchal, na ilha da Madeira”, acrescentando que, se outras coisas se não pudessem dizer de frei Jorge Vogado, prior da ordem, “senão esta última, assaz merecedor ficava com ela deste lugar” (NORONHA, 1993, 89).     Ana Cristina Machado Trindade (atualizado a 14.12.2017)

Religiões

júnior, daniel josé de frança

Daniel José de França Júnior (1906-1973) foi um poeta popular, natural de São Vicente, onde era conhecido como o “Poeta do Lanço” ou o “Poeta”. Era agricultor e escrevia, à noite, as suas histórias em verso; contudo, perderam-se muitos dos seus registos literários. Os versos que foram possíveis recuperar foram compilados em 2011, no opúsculo História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945, de edição póstuma, pela Câmara Municipal de São Vicente, em colaboração com a família do poeta. Palavras-chave: “Poeta do Lanço”; Poesia Popular; São Vicente; Cultura e Tradições populares.   Daniel José de França Júnior foi um poeta popular madeirense. Nasceu a 27 de novembro de 1906, no Sítio do Passo, freguesia e concelho de São Vicente, situado na costa norte da ilha da Madeira, e faleceu a 17 de julho de 1973, na sua residência, no Sítio do Lanço, vítima de uma queda. Era filho de Daniel José de França, lavrador de condição, e de Teresa Joaquina Rosa, doméstica. Casou-se com Maria de Jesus, também natural de São Vicente, a 16 de junho de 1932, de quem teve 10 ou 12 filhos, dos quais sobreviveram apenas 3 (Teresa de Jesus de França, Belmiro José de França e António José de França). Aos 17 anos, foi com o pai e o irmão para o Brasil, designadamente para a cidade de Santos, onde esteve emigrado. Regressou algum tempo depois à Madeira e dedicou-se à agricultura, atividade que ocupava o seu quotidiano. À noite escrevia poemas e as suas histórias em verso, que aos domingos declamava no adro da igreja. Por vezes também improvisava alguns versos, quando encontrava alguém no seu caminho. Em São Vicente era conhecido como o “Poeta do Lanço” ou o “Poeta”. Num poema autobiográfico, o poeta dá-se a conhecer desta forma: “Eu sou um pequeno poeta do Sítio do Lanço / chamo-me Daniel José de França / moro acima da levada / como batatas graúdas /e feijão de grafada” (JÚNIOR, 2011, 4). Enquadrando-se na “literatura popular escrita tradicionalista”, segundo a nomenclatura proposta por João David Pinto-Correia (PINTO-CORREIA, 1985, 391), a ação destruidora do tempo fez desaparecer boa parte dos seus registos literários em folhas volantes. Ainda assim, o interesse do poder local por esse património literário permitiu resgatar alguns textos. Daniel José de França Júnior descreveu em verso vários acontecimentos relacionados com a Segunda Guerra Mundial, com o título de “História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945”. Neste longo poema, narra de modo original factos históricos, expostos de forma simples e fáceis de entender pelo povo. O poema é composto por 104 quadras e segue o esquema de rima alternada (abcb). Começa por pedir licença para contar a história, declarando que tem pouca habilidade. Considera a data de setembro de 1939, para falar do início da Guerra, e evocar as grandes lutas travadas por mar, ar e terra, bem como os sofrimentos causados à humanidade. É uma história de dor, de miséria e de fome, passada nas várias nações que estavam envolvidas no conflito. Fala dos milhares de mortos ocorridos, menciona o choro dos órfãos e das mulheres que ficaram viúvas e salienta a dor causada pela separação de filhos ou maridos, que partiam para a guerra com a convicção de que iriam morrer. Indica os meios usados nos combates, como os transportes (aviões, barcos) e as armas (granadas, bombas, canhões), referindo ainda os recursos que iam faltando, como o petróleo e a gasolina. Anuncia um cenário de destruição nos campos de batalha, mas também no mar, com navios afundados, muitos carregados de comida, e marinheiros que morriam nas águas. Refere alguns episódios, nomeadamente ataques da Alemanha à Polónia e outros bombardeamentos e ofensivas alemãs a diversas cidades, causando destruição e milhares de mortos. Além de considerar a Alemanha causadora da Guerra Mundial, o poeta menciona também as mulheres germânicas que ingressaram no exército, para combater ao lado dos homens, e lembra a figura de Hitler como responsável pelo sofrimento de muitos pais e filhos. Nas quadras finais, o vate popular avança com a data de 5 de maio de 1945 como o dia em que chegou a paz a muitas nações. Este poema foi publicado em 2011, no livro História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945, pela Câmara Municipal de São Vicente, em colaboração com a família do “poeta do Lanço”. O opúsculo, lançado no dia 24 de agosto de 2011, no âmbito do programa das Festas de São Vicente, reúne ainda algumas quadras soltas de Daniel José de França Júnior, resultado da compilação que foi possível resgatar. Destes poemas, destaque-se os versos que escreveu sobre o Funchal, onde salienta alguns locais e detalhes relacionados com aqueles pontos da cidade, provavelmente resultantes das suas impressões pessoais: “No meio das pedras brancas, / p’ra não acontecer mal, / são umas passagens livres / lá nas ruas do Funchal. // Da Pontinha para o Cais / e do Cais para a Cidade, / é um grande brilho / que faz, a sua eletricidade. // Da Pontinha para o Cais / e do Cais para a Pontinha, / onde descarregam o milho / e de lá sai a farinha. // Ao chegar à cidade / uma estátua é a primeira / é João Gonçalves Zarco / o descobridor da Madeira” (JÚNIOR, 2011, 13). Obras de Daniel José de França Júnior: História da Guerra de 1939 e a Paz de 1945 (2011).   Sílvia Gomes (atualizado a 18.12.2017)

Literatura

jogos florais

Os jogos florais, conhecidos como “floralia”, eram festividades religiosas consagradas à deusa grega Flora, divindade que reinava sobre as flores dos jardins e dos campos, no mês que corresponde a abril do calendário romano. Segundo alguns estudiosos, nestes jogos, as cortesãs participavam dançando, sendo a vencedora coroada com um ramo de flores. Ao longo dos tempos, a forma de celebração dos jogos florais mudou. Na Baixa Idade Média, deu-se a instituição dos jogos florais como se tornaram posteriormente conhecidos, ou seja, como competições literárias. No ano de 1323, em Toulouse, França, segundo a tradição, um grupo de jovens poetas, com o desejo fazer renascer o brilhantismo da língua d’Oc e mantê-la em uso (mais tarde conhecidos pelos “mantenedores”), decidiram organizar uma competição das suas composições nessa mesma língua. No séc. XVIII, Luís XIV institui a Academia dos Jogos Florais com o objetivo de manter as tradições culturais da região e promover a criação literária. O aparecimento dos jogos florais em Portugal data de fevereiro de 1936. A Emissora Nacional, com o propósito de comemorar os 10 anos da revolução nacional que levou ao poder a ditadura do Estado Novo, lança ao público os primeiros jogos florais. Os autores podiam concorrer nas áreas da prosa e poesia, cada uma nas suas mais variadas formas, sendo dada maior importância à poesia e prosa que exaltasse nos versos o orgulho da pátria e o ser português. Os jogos florais em Portugal gozaram de grande vitalidade e visibilidade na época como grande evento público, em cuja comissão de honra apareciam as mais importantes figuras do Estado, sendo as obras vencedoras lidas nas emissões radiofónicas da Emissora Nacional. Na ilha da Madeira, a iniciativa dos jogos florais foi lançada pelo periódico Eco do Funchal, no dia 21 de setembro de 1941. O principal impulsionador e organizador dos primeiros jogos florais da Madeira foi o jornalista e poeta César Pestana (Pausania) que, conjuntamente com o diretor do Eco do Funchal, José da Silva, organizou o concurso literário tendo como modelo os primeiros jogos florais realizados pela Emissora Nacional e o Secretariado de Propaganda. Segundo o regulamento do concurso, os jogos florais da Madeira constituíam uma competição que tinha como objetivos valorizar a poesia madeirense e fomentar o cultivo das letras entre os poetas da Ilha. Os poetas podiam participar com as suas composições em quatro modalidades poéticas: soneto, quadra, poemeto e glosa. Na criação da glosa, eram obrigados a escrever composições com a seguinte mote: “Não canto por bem cantar/Nem por bem cantar o digo:/Canto só para espalhar/Mágoas que trago comigo”. Foram atribuídos três prémios para cada modalidade poética. O primeiro e o segundo prémio equivalia a uma flor e o terceiro a uma menção honrosa. O soneto vencedor do 1.º prémio receberia um Lys de Oiro e o do 2.º prémio um Lys de Prata. A quadra vencedora do 1.º prémio receberia um Cravo de Oiro e a do 2.º prémio um Cravo de Prata. O poemeto ao qual fosse atribuído o 1.º prémio receberia uma Túlipa de Oiro e o do 2.º prémio uma Túlipa de Prata. A glosa teria como 1.º prémio um Malmequer de Oiro e como 2.º prémio um Malmequer de prata. Nos números seguintes do Eco do Funchal foram sendo publicadas regularmente as poesias que em grande número afluíam à redação do jornal, gerando enorme entusiasmo entre a intelectualidade madeirense da época. Um entusiasmo que teve eco nos jornais do continente e dos Açores, sendo largamente transcrito um artigo escrito no Comercio do Porto a louvar a iniciativa, mas criticando a falta de empenho da Câmara Municipal e da presidência de Fernão de Ornelas em reunir as poesias num volume. O mesmo entusiasmo não chegou aos dois jornais diários madeirenses, que se manterão em silêncio relativamente à iniciativa do Eco do Funchal. No dia 18 de janeiro de 1942, o Eco do Funchal dá por encerrado a receção e publicação dos trabalhos, com um total de 75 poetas e poetisas, que concorreram com 30 sonetos, 37 quadras, 35 poemetos e 36 glosas, num total de 138 poesias inéditas. O júri que procedeu à leitura e avaliação dos primeiros jogos florais da Madeira foi constituído por cinco personalidades da sociedade madeirense, Eugénia Rego Pereira, Cón. António Homem de Gouveia, Jaime Vieira Santos, João Velez Caroço e Manuel Higino Vieira. A declamação dos poemas vencedores ficou a cargo da poetisa Idalina Salvador (Inah). A sessão solene para a entrega dos prémios dos jogos florais realizou-se no Ateneu Comercial do Funchal, no dia 12 de novembro de 1942. No sarau literário, reuniram-se as mais altas individualidades, contando com a presença, entre outros, de A. Branco Camacho, chefe do gabinete do governador do distrito, de Alberto Araújo e de Eduardo Homem de Gouveia e Sousa. Na sessão solene, celebraram-se várias iniciativas de cariz artístico antes da entrega de prémios aos concorrentes e da recitação dos poemas vencedores. Nas várias categorias poéticas, os grandes vencedores dos primeiros jogos florais foram: no soneto, Humberto Nunes da Silva com o poema “Filha”; na quadra, um poeta que permaneceu anónimo; no poemeto, Viterbo Dias, com o poema “Ilha da Madeira”; e na glosa, Abel Nunes com “Glosa n.º 9”. Deste primeiro concurso ressalva-se a promessa, por parte dos organizadores, da edição de um volume das melhores composições poéticas dos primeiros jogos florais da Madeira. No entanto, apesar do sucesso dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal, a organização do concurso literário não voltaria a ter o apoio desta empresa, passando assim a ser organizados pelo Ateneu Comercial do Funchal. A 27 de agosto de 1945, o Diário de Notícias da Madeira anuncia a realização dos jogos florais pelo Ateneu do Funchal, presididos por Luiz de Sousa, com o objetivo de movimentar e tornar conhecidas as obras dos escritores madeirenses. No quadro organizativo da prova literária, encontravam-se como colaboradores Horácio Bento Gouveia e Manuel Silvério Pereira. As modalidades literárias em que os autores podiam participar eram o conto, o conto infantil, o soneto, a poesia alegórica à Madeira, a quadra popular, o poema filosófico e o poema lírico. O júri dos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal era constituído pelo presidente da instituição, Alberto Jardim, e por Ernesto Gonçalves, Horácio Bento de Gouveia, Jaime Vieira Santos e Marmelo e Silva. Os prémios atribuídos aos vencedores eram de valor monetário e, conforme a modalidade literária, iam dos 1.000$00 aos 300$00. A cerimónia solene de encerramento dos primeiros jogos florais do Ateneu Comercial realizou-se no dia 23 de maio de 1946, no edifício da associação recreativa e cultural, à semelhança do encerramento dos primeiros jogos florais do Eco do Funchal. Na cerimónia, discursaram o presidente do Ateneu Comercial do Funchal, Luiz de Sousa, Alberto Jardim e Jaime Vieira Santos; seguiu-se a entrega dos prémios aos vencedores nas várias categorias. Os primeiros classificados nas diversas modalidades literárias foram: no conto, “A última luz da candeia tem três bicos”, por Manuel dos Canhas, pseudónimo de Elmano Vieira; no conto infantil, o prémio foi para “Viagem ao Polo”, por Maria de Roma, pseudónimo de Lisetta Zarone D’Arco Vieira; na poesia alegórica à Madeira, o vencedor foi Silvado Prado, pseudónimo de Manuel Silvério Pereira, com o poema “Madeira”; na categoria do soneto, o vencedor foi Florival dos Passos, que assinou como Emanuel Jorge; no poema filosófico, o prémio foi para Humberto Nunes da Silva, Plauto, com o poema “Carta”; na poesia lírica, o vencedor foi António Jorge Gonçalves Canha, com o poema “Voltar à Escola”. Por fim, na categoria da quadra popular, foi A. Cílio, pseudónimo de Aurélio Nelson Pestana, o vencedor. Nos jogos florais do Ateneu Comercial do Funchal destacou-se a presença feminina entre os laureados do torneiro literário: o primeiro prémio para a modalidade de conto infantil foi ganho por Lisetta Zarone D’Arco Vieira e, na modalidade de poesia alegórica à Madeira, J. Crus Baptista Santos, com o nome de Ana Rosa, ganhou uma menção honrosa com o poema “Poesia à Madeira”. A tradição dos jogos florais na Madeira conta com dois momentos importantes, ou dois inícios por assim dizer, o Eco do Funchal inaugura a novidade da competição literária na Ilha e o Ateneu Comercial do Funchal continua com a competição dando-lhe um novo e renovado impulso até ao último quartel do séc. XX.     Carlos Barradas (atualizado a 18.12.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

seminário

Uma determinação do concílio de Trento apontava para a necessidade de criação de seminários como instrumento de formação de um clero mais preparado e capaz de contrariar a Reforma Protestante. Pouco depois desse decreto, no século XVI, e ainda que a sua concretização tardasse alguns anos, a Ilha da Madeira viu ser formalmente criado o seminário. Esta escola caracterizou-se, desde a sua fundação, por uma longa itinerância por diversos espaços da cidade e por um esforço continuado de renovação curricular que pudesse ir acompanhando os tempos. Palavras-chave: Concílio de Trento, seminário, currículo, edifício. A preocupação da Igreja com a formação do clero é muito anterior à existência de seminários, que só foram formalmente instituídos com o Concílio de Trento. Assim, nos períodos anteriores ao Concílio, os futuros eclesiásticos recebiam a sua educação em escolas conventuais ou paroquiais, ministrada por frades para isso deputados ou por párocos que acumulavam as funções de assistência espiritual da sua comunidade de fiéis com as da docência possível. Sendo a falta de uma instrução capaz uma das insuficiências mais sentidas no momento em que a dissidência protestante cindiu a cristandade, a ela se atribuiu grande responsabilidade na facilidade com que se disseminaram os ideais reformistas, sendo essa a razão que levou o Concílio tridentino a determinar a abertura de escolas consagradas à educação dos jovens que pretendiam seguir a carreira eclesiástica. De acordo com Pallavicino, historiador do Concílio, a instituição destas escolas foi mesmo a mais importante obra de Trento, “pois é sabido que em todas as repúblicas, os cidadãos não são mais do que o produto da educação recebida” (SILVA, 1964, 1). Neste sentido, a criação dos seminários representava a intenção de travar o progresso da Reforma Protestante, disponibilizando aos fiéis um corpo de sacerdotes doravante bem mais preparado. No caso do bispado do Funchal, a primeira tentativa de fundar um seminário foi prosseguida pelo bispo D. Fr. Jorge de Lemos (1556-1569), que foi também o primeiro que pessoalmente assumiu a condução dos destinos da Diocese criada em 1514. Nomeado ainda antes do fim do Concílio (1563), o prelado, que após cinco anos de governo presencial se retirou para o reino, instou junto do Rei, D. Sebastião, no sentido de se instaurar no bispado um seminário, isto apenas três anos volvidos sobre o decreto que instituía aquela escola. O Rei deliberou, em carta régia com data de 20 de setembro de 1566, a fundação do seminário, o qual, todavia, apenas seria realmente criado no decurso do episcopado de D. Jerónimo Barreto (1574-1585), que foi indigitado bispo do Funchal em 1573 e foi para a Ilha no ano seguinte. Ainda antes de abandonar o reino, D. Jerónimo Barreto voltou a abordar o Soberano para lhe solicitar cópia da carta que instituía o Seminário, dado ter-se perdido o primeiro exemplar do documento, ao que o Rei prontamente acedeu. Chegado à Ilha – e em data indeterminada, que Fernando A. Silva situa entre 1575 e 1585 e que Abel Silva propõe ter sido num momento mais próximo de 1575-1576, com o argumento de que o interesse manifestado pelo prelado não se compadeceria com grandes delongas –, o Seminário do Funchal é finalmente instituído. A urgência da instalação não permitia as necessárias demoras com a construção de um edifício de raiz para abrigar os seminaristas, até porque, na altura, nem o próprio bispo gozava, ainda, do privilégio de habitação construída para paço episcopal, o que só viria a acontecer no virar do século XVI, com D. Luís de Figueiredo Lemos (1586-1608). Assim, o Seminário ficou inicialmente alojado na morada do prelado, situada perto da que foi depois chamada ponte do Torreão, nas cercanias, portanto, do Colégio dos Jesuítas, que, por esse tempo, começava a lecionação de algumas das disciplinas que integravam o currículo dos seminaristas: Teologia, Moral, Latim e Retórica. A cargo do Seminário propriamente dito ficariam o ensino da Gramática e do canto, conforme se pode depreender do documento de fundação da escola, no qual mandava o Rei atribuir à instituição os 45.000 reis que até ao momento se pagavam aos mestres de gramática e de canto que havia na cidade. Em 1590, um relatório de visita ad sacra limina, da autoria de D. Luís Figueiredo de Lemos, dava conta do funcionamento da escola, da renda de que dispunha (850 ducados concedidos pelo Rei) e de um número indeterminado de seminaristas que frequentavam as aulas do colégio, onde eram “instruídos em letras e virtudes, para depois, com honestidade, se desempenharem do cuidado das almas” (SILVA, 1964, 5). Este mesmo prelado deliberou a construção do paço episcopal, que igualmente se situava nas imediações dos Jesuítas, ao qual anexou o Seminário, passando então os jovens alunos a residir numa rua que, a partir do paço, tomou o nome de R. do Bispo. A determinação do número de colegiais que poderiam frequentar o Seminário foi tarefa atribuída pelo Rei ao prelado, que o deveria fazer tendo em conta as rendas disponíveis; e foi assim que D. Jerónimo Barreto se decidiu por 10 estudantes, quantitativo que se manteve até 1789, quando passou a 12, tendo posteriormente sido alargado a 18. Cerca de 100 anos depois da sua instalação no paço episcopal, o Seminário viu-se transferido para umas casas inicialmente destinadas a um convento que nunca se chegou a concretizar. A razão da mudança prende-se com a vontade do bispo de então, D. José de Sousa de Castelo Branco (1698-1721), de alargar os aposentos episcopais, pelo que os seminaristas foram ocupar as instalações devolutas situadas na rua que, a partir daí, ganhou a designação “do Seminário”. Ali se mantiveram os jovens candidatos ao sacerdócio até que, em 1748, um sismo de magnitude considerável abalou a cidade, provocando danos em muitas habitações, nas quais se incluía o prédio do Seminário. Governava, então, a diocese D. Fr. João do Nascimento (1741-1753), que muito se empenhou na reconstrução do edifício, tal como já antes se comprometera com a reforma da instituição, para o que fizera publicar, a 12 de dezembro de 1746, uns estatutos que deveriam regular toda a vida do Seminário. Assim, logo no capítulo I, dispunha o bispo as condições de admissão de colegiais ou porcionistas (que se distinguiam dos primeiros por pagarem parte do seu sustento, enquanto alunos), indicando que deveriam ter no mínimo 12 anos, ser filhos de legítimo matrimónio, não ser suspeitos de raça moura, negra ou judaica ou de “outra nação infeta”, e saber ler e escrever. Acrescentava, o bispo que, apesar de o texto do Concílio dispor que não seria necessária mais ciência para além destes conhecimentos iniciais, lhe parecia conveniente virem já instruídos de alguns princípios de gramática e solfa, pois a ignorância destas bases dilatava excessivamente o tempo de permanência dos alunos na instituição. Nos mesmos estatutos, mas agora no capítulo V, preconizava-se o programa total de estudos que, de uma duração total de sete anos, dedicava os primeiros quatro ao Latim e à Solfa, e os últimos três à Moral e à Filosofia. Ao arruinar o edifício do Mosteiro Novo, o já referido terramoto de 1748 vai obrigar os alunos a abandonarem o prédio e a andarem itinerantes por um período de 12 anos, sendo possível que se tivessem abrigado nas instalações do antigo convento seráfico, nas margens da Ribeira de S. João. Na sequência do abalo, pretendeu o prelado mudar a localização da escola para mais perto da Sé, no local correspondente ao que foi depois o Lg. da Restauração, mas não logrou obter do Rei a necessária autorização, pelo que o estabelecimento se manteve onde estava, sujeito a um processo de deterioração que já tinha obrigado D. José de Sousa Castelo-Branco a agir. A intervenção do prelado não se revestiu, contudo, da profundidade suficiente, o que explica que o bispo seguinte, D. Fr. Manuel Coutinho (1725-1741), constatasse a emergência de obras que orçaram em 300.000 réis, os quais, segundo ele informava em relatório de visita ad sacra limina de 1735, se supririam em parte pelos rendimentos de alguns benefícios vagos, e em parte a expensas do próprio prelado. Apesar da boa vontade de D. João do Nascimento e dos novos estatutos da escola, o prelado seguinte, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1757-1785), chegou ao Funchal acompanhado por dois missionários lazaristas que, entre as tarefas de pregação e visitações, também vinham incumbidos de proceder às de reorganização do seminário. Contudo, o estado de degradação do edifício continuou a configurar-se como um impedimento que obstou à pretendida intervenção dos lazaristas, conforme afirma Luís Machado de Abreu. Na narrativa da sua estadia na Madeira, os dois missionários referem que trabalharam com os ordinandos, propondo-lhes exercícios espirituais “num hospício fora da cidade com capela dedicada a S. João Batista”, o que permite conjeturar que durante algum tempo o referido hospício pudesse ter alojado os seminaristas (SILVA, 1964, 11-12). A expulsão dos Jesuítas, em 1759, tornou devolutas as instalações do seu colégio, o que levou D. Gaspar Afonso da Costa Brandão a reivindicar aquele espaço para aí alojar o Seminário. Este desiderato, porém, só veio a materializar-se no episcopado seguinte, de D. José da Costa Torres (1786-1796), que obtém de D. Maria I a ansiada autorização, por provisão de 22 de setembro de 1787, onde também se faz eco das queixas do bispo em relação à falta de mestres para ensinar os seminaristas, função que era dos Jesuítas, e ficara a descoberto, por força da sua expulsão. Para suprir esta carência, adianta Fernando Augusto da Silva a possibilidade de os Franciscanos terem assegurado a lecionação, mas a falta de suporte documental inviabiliza a confirmação desta hipótese. Poderá, porém, supor-se que o facto de os seminaristas receberem formação no antigo convento seráfico de S. João da Ribeira possa ter deixado instalar a ideia de que as aulas seriam ministradas por Franciscanos, e não por Lazaristas, como efetivamente aconteceu. A disponibilidade de D. Maria I para ajudar a melhorar a situação do Seminário traduziu-se ainda no aumento de rendas para a instituição, às quais anexou os rendimentos de algumas capelas que, por estarem vagas, tinham passado a integrar o património do Fisco da Real Coroa e que, no seu conjunto, disponibilizaram mais 936.400 réis, que assim se vinham juntar aos anteriores 663.000 réis com que a Alfândega do Funchal já financiava a instituição. O facto de o edifício do Colégio já estar desabitado há cerca de 30 anos obrigava a que também nele houvesse que fazer obras, tarefa que D. José da Costa Torres abraçou, em paralelo com outra intervenção que visava a reorganização do plano de estudos. Essa reorganização encontra-se espelhada num edital, com data de novembro de 1787, que o bispo fez afixar na porta da Sé, onde se determinava que os candidatos à primeira ordem sacra teriam de mostrar suficientes conhecimentos de Latim, Retórica e Filosofia Racional e Moral, o que seria certificado por um exame prévio. A instrução em Ciências Eclesiásticas era também requisito para a prossecução de estudos, sendo, porém, adequada ao grau a que se apresentavam os candidatos. Para o acesso ao sacerdócio exigia-se ainda algum domínio de Direito Canónico, Direito Público Eclesiástico, Dogmática e Teologia Moral, assuntos sobre os quais deveriam ser instruídos “pelo tempo que nos parecer necessário” (SILVA, 1965, 15). O número de seminaristas estava agora fixado em 12, embora o prelado manifestasse vontade de aumentar esse quantitativo logo que a disponibilidade financeira o permitisse. Concluídas as obras de reparação do Colégio, a mudança do Seminário para o novo edifício operou-se a 31 de março de 1788. Mas o facto de a doação das capelas operada pela Rainha não ter sido um processo linear, uma vez que algumas delas já tinham sido atribuídas a pessoas que agora delas não queriam prescindir, levou a que o bispo tivesse de empreender novas diligências no sentido de vir efetivamente a desfrutar dos rendimentos prometidos, sem os quais não seria possível manter o ambicioso projeto de reforma do Seminário. Ultrapassada essa questão, poderia supor-se que a escola eclesiástica pudesse, finalmente, estar disponível para o crescimento que se desejava; mas algumas circunstâncias da política internacional encarregar-se-iam de trazer novos dissabores à instituição. Assim, em 1801, e já em tempo do novo antístite, D. Luís Rodrigues Vilares (1797-1810), a conjuntura política internacional, marcada pela ação de Napoleão Bonaparte, determinou que os Ingleses fossem para a Madeira, a fim de defender a Ilha, e os seus interesses em particular, da cobiça dos Franceses. O desembarque de um contingente de alguns milhares de homens trouxe consigo o problema das acomodações dessa tropa, e, depois de várias reclamações britânicas, entre as quais a de estarem mal instalados os seus homens, o comandante inglês forçou o então governador da Madeira, D. José Manuel da Câmara, a desocupar o edifício do Colégio para aí se aboletarem os soldados britânicos, que viriam a permanecer nesse local até abandonarem a Ilha, em 1802. De novo sem acomodações, o Seminário viu-se, uma vez mais, transferido para o paço episcopal; mas a saída dos Ingleses veio permitir ao prelado a reclamação da cedência do Colégio, agora vago, a fim de aí se reinstalar a escola. Esta pretensão episcopal não encontrou, contudo, eco no governador, que a ignorou, optando por entregar o Colégio a militares portugueses, que o transformaram em quartel. A atitude do governador veio agravar as já tensas relações entre ele e o prelado; a inflexibilidade demonstrada pelas duas partes naquilo que cada uma considerava ser seu direito tornou-se um fator determinante no exílio a que o governador sujeitou o bispo, obrigando-o a um desterro de alguns meses na freguesia de Santo António da Serra. O facto de o governador ter sido posteriormente sancionado pelo reino com a destituição do cargo não veio, contudo, trazer melhorias dignas de registo à situação do Seminário, que continuou abrigado no paço do bispo até 1810, altura em que novamente foi transferido para as antigas instalações no Mosteiro Novo, onde haveria de permanecer até à construção de edifício de raiz, em 1909. Neste período de aproximadamente 100 anos, o plano curricular da escola foi sendo objeto de sucessivas alterações, que procuravam pô-lo a par das transformações que o mundo à sua volta sofria. Assim, se em 1812 apenas se conseguiam ministrar as aulas de Teologia Moral, já no ano seguinte vinham-se juntar a esta disciplina as de Teologia Dogmática e Filosofia Racional, o que era obviamente escasso mas era o possível nos tempos conturbados que então se experimentavam. Em 1814, o vigário capitular, D. Joaquim de Meneses e Ataíde (1811-1819), pretendeu implementar um programa formativo bem mais ambicioso, do qual constavam cadeiras novas como Francês, Inglês, Geografia e Desenho, que surgiam a par das já habituais Teologia Dogmática e Moral, História Eclesiástica, Música, Cantochão e Latim, mas não se conseguiu determinar se este projeto chegou, de facto, a ser experimentado. As notícias do currículo do seminário que se reportam ao ano de 1822 dão conta de um curso onde apenas figuram aulas de Gramática Latina, Latinidade, Francês, Retórica, Filosofia e Teologia. As dificuldades políticas que então sofria a Madeira, que se ressentia de nova ocupação inglesa (entre 1807 e 1714), e a posterior implantação do liberalismo (em 1820) foram trazendo dificuldades acrescidas à vida do seminário. Apesar de uma lei de 1845 determinar que nas escolas eclesiásticas funcionasse “um curso de estudos teológicos e canónicos” que englobasse as matérias de “instrução prática do catecismo, de explicação do evangelho, da forma de administração dos sacramentos, da prática dos ritos e das cerimónias da Igreja, do canto e de todos os mais exercícios espirituais e eclesiásticos”, a verdade é que, dois anos depois, apenas se conseguia assegurar a lecionação de Teologia Moral, estando suspensa a Dogmática, que só veio a ser reintroduzida por ação do bispo D. Manuel Martins Manso (1850-1858), que conseguiu ainda restabelecer o ensino de Escritura Sagrada, em 1858. Esta formação deficitária procurava completar-se com alguns cursos esporádicos sobre assuntos teológicos e morais (SILVA, 1946, 264). Entretanto, a nível nacional, foi promulgada legislação que obrigava à organização de cursos teológicos trienais, compostos por, no mínimo, oito cadeiras. Na Madeira, a implementação desta determinação foi levada a cabo por D. Patrício Xavier de Moura (1859-1872), que a 1 de outubro de 1865 fez publicar um edital do qual constavam as novas regras a aplicar ao ensino religioso. O desenho curricular proposto compreendia a lecionação de História Eclesiástica e Sagrada, Filosofia do Direito e Teologia Dogmática no 1.º ano, a que se seguiam, no 2.º, Teologia Dogmática Especial, Direito Canónico e Teologia Moral. Para o 3.º ano estavam reservadas as disciplinas de Teologia Pastoral, Eloquência Sagrada, Hermenêutica e a prossecução de Teologia Moral, excedendo-se, assim, em uma disciplina, o mínimo preceituado (ACDF, cx. 32-A, doc. 10). A partir da criação do Liceu do Funchal, em 1837, a preparação dos alunos anterior ao ingresso no Seminário era assegurada por aquela instituição, situação que se manteve até 1877 – ano em que a ida para o Funchal do bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1877-1911) determinou, mais uma vez, uma profunda alteração na vivência educativa do Seminário. Com efeito, D. Manuel Agostinho Barreto, chegado à Ilha em fevereiro, dedicou-se de imediato ao problema da reforma da escola, onde interveio não só para a dotar de um currículo novo, mas também com o propósito de melhorar o clima interno de convivência dos alunos, segundo ele demasiado desacompanhados, por terem a liderar a instituição um reitor e um prefeito ocupados em diversas tarefas para além das de supervisão do Seminário. Dispondo, no momento, apenas das velhas e degradadas instalações do Mosteiro Novo, o prelado não se deixou amedrontar pelas circunstâncias; e, mesmo nesse edifício decrépito, deu início ao processo de transformação da escola, que passava por recriar os serviços religiosos e disciplinares, bem como pela introdução de um curso preparatório de ensino secundário, anterior à frequência dos três anos finais da formação. Com a transferência do ensino secundário para o interior do Seminário, o prelado pretendia evitar as perturbações que a saída diária para o Liceu provocava nos alunos, que a partir de então se poderiam concentrar de forma mais consistente no programa de estudos que lhes estava destinado. Ignorando o coro de críticas que lhe foi dirigido, quer pela sociedade em geral, quer mesmo por alguns elementos do clero que consideravam o plano de reforma demasiado radical e ambicioso, D. Manuel Agostinho Barreto conseguiu abrir as aulas em outubro do ano em que chegou. Para levar a bom termo este arrojado projeto de inovação, o bispo fez-se rodear de auxiliares preciosos, que o ajudaram a concretizar os seus objetivos. Foi um deles o P.e Ernesto Schmitz, membro da Congregação da Missão que, em 1878, fora para o Funchal para desempenhar a função de capelão do Hospício. Logo no ano seguinte, foi-lhe confiada a tarefa da direção espiritual do Seminário, que acumulava com a de capelão. A partir de 1881, contudo, passou a dedicar-se em exclusivo às atividades escolares, vindo depois a alcançar a posição de vice-reitor do Seminário. Foi sob a direção do P.e Schmitz que a reforma de D. Manuel Agostinho Barreto começou a concretizar-se, quer na vertente da alteração do comportamento dos seminaristas, doravante submetidos a este “disciplinador inflexível”, quer no tocante ao corpo curricular, que passou a integrar o estudo de matérias como a Zoologia, a Física, a Química e até a Sociologia (SILVA, 1946, 273). Foi, sobretudo, na área da Zoologia que o P.e Schmitz se notabilizou, investindo numa investigação que tornou a Madeira parte do mundo culto daquela época, nomeadamente através da produção de importantes coleções de exemplares de fauna terrestre e marinha do arquipélago, que mais tarde deram origem a um Museu de História Natural. Por pertencer a uma congregação religiosa, o P.e Schmitz estava obrigado a uma obediência que o forçou a abandonar a Madeira em 1899, a fim de ir dirigir um colégio na Bélgica. Regressado ao Funchal e ao Seminário em 1902, deixou definitivamente a Ilha em 1908, desta vez rumo a Jerusalém, onde veio a falecer em 1922. A transformação que o prelado pretendia fazer no Seminário contemplava a construção de raiz de um edifício para a instalação da escola que, até então, não desfrutara de tal privilégio. A ocasião veio a proporcionar-se em 1902, altura em que o bispo, por ter recebido vultuosa herança, se achou capaz de meter ombros à tarefa. Na busca de terreno apropriado para erguer o Seminário, o prelado deparou-se com as ruínas do antigo Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação, cujas instalações se tinham vindo a degradar consideravelmente depois da morte da última freira, ocorrida em 1890, e que acabou por ser cedido à Diocese pelo Governo do reino em decreto de 11 de julho de 1905. Logo no ano seguinte começaram as obras, que deitaram abaixo tudo o que restava do velho mosteiro, exceto o coro e a capela. Em 1909 estava pronta metade da construção, e D. Manuel Barreto entendeu haver condições para operar a transferência dos alunos, o que se processou em outubro do mesmo ano. Mas, quando esperava poder concluir o empreendimento, foi surpreendido pela Implantação da República, a 5 de outubro de 1910, e pela obrigatoriedade da extinção do Seminário, decretada pela lei da separação da Igreja e do Estado, datada de 20 de abril de 1911. Este conjunto de circunstâncias poderá ter contribuído para apressar a morte deste bispo (que se encontrava com mais de 70 anos), ocorrida apenas dois meses mais tarde. Iniciava-se então novo período no já acidentado percurso daquela escola, que nunca fora possível fixar num espaço. Os antigos seminaristas voltaram ao velho edifício do Mosteiro Novo, onde permaneceram até 1916; no ano letivo seguinte, instalaram-se no paço episcopal e dali passaram, em 1918, para uma quinta no Trapiche, nos arredores do Funchal, rumando em 1919, e mais uma vez, para o Mosteiro Novo. Em 1913, o abandonado edifício da Encarnação foi destinado ao funcionamento de uma escola exclusivamente feminina de Utilidades e Belas Artes, projeto que acabaria por se extinguir em 1919. Nesse mesmo ano, a Junta Geral solicitava ao Governo central licença para instalar no prédio diversas repartições suas, o que lhe foi concedido mediante o pagamento de uma renda. A Igreja madeirense, e designadamente o novo bispo, D. António Manuel Ribeiro (1914-1947), considerou injusta a apropriação do edifício da Encarnação por parte dos poderes civis e foi repetidamente tentando fazer regressar o prédio à sua tutela. Desta insistência, da promulgação de nova legislação que autorizava a existência dos seminários suprimidos e de um estudo que mostrava a ilegalidade cometida pelo Estado na apropriação do edifício da Encarnação acabou por resultar, em 1927, um decreto que previa a restituição do prédio à Igreja. Esta decisão desagradou à Junta Geral, que a ela se opôs, negando-se à devolução e interpondo variados recursos, com que conseguiu protelar a decisão final por mais seis anos. Resolvido, finalmente, o contencioso, em outubro de 1933 os seminaristas regressaram ao edifício, nele se mantendo até 1975. Entre 1933 e 1958, o Seminário da Encarnação era o único que existia na Madeira. Mas como, a partir daquele último ano, as normas de Roma passaram a exigir a presença de dois seminários, um maior e um menor, o bispo que então dirigia a Diocese, D. David de Sousa (1957-1965), diligenciou, com auxílios quer da Igreja quer da sociedade civil, a aquisição do antigo Hotel Bela Vista, situado na R. do Jasmineiro, depois transformado em seminário maior. Quando, em 1974, D. Francisco Santana (1974-1982) se tornou bispo do Funchal, decidiu transformar o edifício da Encarnação em centro pastoral diocesano, para o que o libertou da presença dos alunos a fim de se realizarem algumas obras. Os tempos conturbados que então se viviam, ainda muito próximos da Revolução de 25 de abril, a convicção de que o prédio estaria devoluto e o enorme acréscimo de alunos que então assoberbava a escola pública levaram a que, em outubro desse mesmo ano de 1974, o edifício fosse ocupado por alunos e professores. Perante a consumação daquele facto, a Diocese optou por cobrar uma renda e autorizar a instalação da Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclos Bartolomeu Perestrelo, que ali se manteve até ser ela própria dotada de um edifício de raiz, o que veio a acontecer em 2005. Os seminaristas que estudavam no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico passaram então a ter aulas numa escola apostólica criada para o efeito, antes de prosseguirem a sua carreira académica fazendo o secundário na R. do Jasmineiro. Com vista a resolver o problema dos jovens que não dispunham de recursos económicos, decidiu-se que eles pernoitariam no seminário e frequentariam o ensino público. Após a morte do prelado, a escola apostólica passou a funcionar no Seminário Menor. A partir dos anos 60 do séc. XX, as funções do Seminário Maior transitaram para Lisboa, passando os jovens a formar-se em variados seminários e na Universidade Católica. Isto deu-se depois de se ter tentado acomodar o Seminário Maior do Funchal nas instalações dos Dehonianos em Alfragide, experiência que não deu os resultados pretendidos, passando os seminaristas a ficar alojados nos seminários maiores de Braga, Porto e Lisboa. No Funchal, no início do séc. XXI, os candidatos à vida sacerdotal mantinham-se na R. do Jasmineiro, fazendo a sua formação escolar até ao 9.º ano em escolas públicas e transitando depois para a Associação Promotora do Ensino Livre, fundada em 1978, onde concluíam o ensino secundário.   Cristina Trindade (atualizado a 30.12.2017)

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pacheco, antónio aires

António Aires Pacheco Nasceu em São Bartolomeu de Vilarouco, concelho de São João da Pesqueira, distrito de Viseu, a 15 de setembro de 1854. Cursou Teologia no Seminário do Funchal e foi ordenado sacerdote, em agosto de 1880, pelo bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), que o levou para a Madeira aquando da sua tomada de posse efetiva da Diocese, em 1877. Exerceu as funções de professor e vice-reitor do Seminário Diocesano e foi elevado à dignidade do canonicato em 1888. De 1882 a 1889, foi redator do semanário madeirense A Verdade que, a partir de 14 de abril de 1883, ostenta como subtítulo: “Semanário religioso, polémico e noticioso”. Este órgão da Associação Católica do Funchal não refere no cabeçalho o nome do redator, mas o Elucidário Madeirense afirma-o e o próprio semanário, numa pequena notícia no n.º 524, de 24 de agosto de 1885, à página 3, informando o regresso ao Funchal do P.e António Ayres Pacheco, vindo de Santana, refere-o nessa função; também o n.º 568, de 21 de julho de 1886, ao noticiar, na página 1, a realização de exéquias na Sé do Funchal por alma do Maj. Daniel Simões, professor do Liceu, informa que o pregador será o P.e Ayres Pacheco, “redator principal desta folha”. Exerceu ainda o cargo de diretor espiritual da Associação Católica do Funchal, que fora criada a 21 de junho de 1874, e que passou a publicar o referido semanário a partir de 10 de Fevereiro de 1875. O envolvimento do semanário em muitas polémicas – com a imprensa local, com o alferes César de Freitas e até com o Cón. Filipe José Nunes, em vários artigos não assinados e que portanto deveriam ser da autoria do redator – terá possivelmente ditado a partida do então já cónego da Sé do Funchal para Lisboa. Efetivamente, a 4 de junho de 1897, pediu a demissão das funções de cónego da Diocese do Funchal, passando a estar incardinado no Patriarcado de Lisboa, onde começou a exercer as mesmas funções em outubro de 1901. Foi ainda capelão e mestre-de-cerimónias da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, bem como desembargador da Relação e Cúria Patriarcal. A 19 de janeiro de 1912, é-lhe passada carta de pároco encomendado para a freguesia de Nossa Senhora das Mercês. Entre 1912 e 1923, foi, por diversas vezes, vigário-geral interino e provisor do Patriarcado. Distinguiu-se como orador sagrado, tendo pregado em diversas localidades, nomeadamente Funchal, Lisboa, Porto e Barcelos, merecendo especial destaque as orações fúnebres proferidas nas exéquias do Rei D. Luís, na Sé do Funchal, no dia 29 de novembro de 1889, e nas exéquias do Rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, a 25 de abril de 1908, no Mosteiro dos Jerónimos. Foi também notável a sua ação como polemista católico, com o opúsculo O Sudário Negro no Banco dos Réus, em resposta ao folheto O Sudário Negro ou Apontamentos para a Biografia de D. Manuel Agostinho Barreto Bispo do Funchal, publicado pelo jornalista Frederico Pinto Coelho (1851-1916) em 1881, e ainda com um opúsculo em defesa de D. António Mendes Belo, no qual apresentou vários documentos relativos à expulsão do patriarca de Lisboa. Para além disso, colaborou nos jornais A Época e Novidades. Foi-lhe atribuída a comenda da Ordem de São Tiago. Faleceu em São João da Pesqueira, a 3 de novembro de 1946. Obras de António Aires Pacheco: O Sudário Negro no Banco dos Réus (1882); El-Rei D. Luís I. Oração Fúnebre (1890); No Templo dos Jerónimos. Oração Fúnebre Proclamada nas Exéquias de El-Rei D. Carlos I e do Príncipe Real D. Luís Filipe, Mandada Celebrar pelo Governo no dia 25 de Abril de 1908 (1908); A Expulsão do Senhor Patriarca D. António I. Documentos para a História da Perseguição Religiosa em Portugal (1912).     Gabriel Pita (atualizado a 19.12.2017)

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