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Em termos de contabilidade, devemos considerar a Conta do Ano Económico, a Conta de Gerência e a Conta Geral de Administração Financeira do Estado (CGAFE), que engloba as duas. Ao nível das diversas operações orçamentais, podemos, ainda, definir as contas ordinária, extraordinária, dos serviços autónomos e uma exceção, a chamada “conta excecional”, resultante da guerra, que existiu nos períodos de 1914-15 e de 1927-28, tendo sido criada pela Lei n.º 372, de 31 de agosto de 1915. A CGAFE é o resultado da execução do orçamento. De acordo com a constituição de 1822, estas deveriam ser apresentadas para aprovação em Cortes, juntamente com o orçamento do ano seguinte. Na Carta Constitucional de 1926 e na Constituição de 1838, alude-se ao mesmo, sendo referido como o balanço geral da receita e despesa do tesouro público. Por lei de 18 de setembro de 1844, foi determinado que a Conta deveria ser submetida a parecer do Tribunal do Conselho Fiscal de Contas. A partir do ato adicional à Carta de 1852, ficou definida a separação entre a Conta e o orçamento. Durante a República, não tivemos qualquer alteração, o que só veio a ocorrer com a Constituição de 1933, que determinou que a sua submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma exarados pelo Tribunal de Contas (TCo). A CGAFE foi substituída, a 21 de novembro de 1936, pela Conta Geral do Estado. De acordo com a lei de 20 de março de 1907, existiam dois tipos de conta: a Conta do Ano Económico e a Conta de Gerência do mesmo. Enquanto a primeira ficava aberta por um período de cinco anos, a segunda deveria ser encerrada a cada ano e ser o registo de todas as operações financeiras realizadas. Esta segunda conta deveria igualmente ser publicada no prazo de quatro meses após o final do ano, enquadrada na CGAFE, que englobava as duas. Como já referido, a partir de 1936, esta Conta passou a designar-se Conta Geral do Estado (CGE). Com o Dec. n.º 3519, de 8 de maio de 1919, somos confrontados com a falta de cumprimento desta determinação que estabeleceu normas, no sentido de simplificar o processo, reduzindo para dois anos o período em que as contas dos anos económicos estariam abertas e o alargamento do prazo de publicação da conta para sete meses. Mesmo assim, não foi solução, e, em novo decreto, com força de lei, n.º 18381, de 24 de maio de 1930, estabeleceram-se novas regras, no sentido de obviar esta situação. Assim, o ano económico ficaria aberto apenas por 45 dias e acabava-se com as duas contas, passando a figurar apenas a Conta de Gerência. Em 1935, alargou-se o prazo da sua publicação para 12 meses e, no ano seguinte, insistiu-se na prioridade que deveria ser dada à publicação da CGE. A publicação regular das contas iniciou-se com as do ano económico de 1833-34, mas a agitação política levou, por vezes, ao não cumprimento desta ordem, como sucedeu nos anos económicos de 1845-46 a 1859-1950. Antes disso, deveremos assinalar a apresentação de três contas à Câmara dos Deputados juntamente com o orçamento respeitante aos anos económicos de 1926, 1832 e 1832-33. A partir de 1850, juntaram-se à Conta do Tesouro as contas dos Exercícios, as dos Ministérios e a da Junta de Crédito Público. Como já referido, a CGE surgiu, a 21 de novembro de 1936, para substituir a CGAFE, sendo o resultado da execução financeira do orçamento. A conta é preparada pela Direção-Geral de Contabilidade, que deveria apresentar, até 15 de março de cada ano, os mapas de execução e publicar a conta até 31 de dezembro do ano seguinte. Esta, depois de parecer do TCo, é apresentada à Assembleia para votação. A Constituição de 1976 refere, a exemplo da de 1933, que a submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma, exarados pelo TCo, e acrescenta o prazo de 31 de dezembro para a sua apresentação à Assembleia. A partir de 1977, a lei determinou a publicação mensal de contas provisórias, o que, em 1991, passou a ter uma periodicidade trimestral. A Conta da Região é a conta das regiões autónomas, tendo surgido para o ano fiscal de 1976. De acordo com a Lei n.º 98/97, de 27 de agosto, o Governo Regional é obrigado a submeter, à Secção Regional do TCo, esta Conta, que, depois de julgada, é submetida à aprovação da Assembleia Legislativa Regional, conforme lei n.º 28/92, de 1 de setembro. A Conta da Região assinala a execução orçamental da Região Autónoma da Madeira (RAM) e apresenta, detalhadamente, os valores constatados em agrupamentos como as Receitas e as Despesas do Arquipélago. Dados da Direção Regional de Orçamento e Contabilidade permitem identificar a evolução favorável das receitas, tanto as correntes como as de capital. Em 1977, o total de receitas correntes era de 8932 milhões de euros, sendo que o total de receitas de capital cifrava-se em 232 mil euros, fazendo com que a receita total se quantificasse em 9374 milhões de euros. Em 1981, o total de receitas de capital aumentou para 44.348 milhões de euros, um crescimento de cerca de 191 vezes quando comparado com o valor verificado em 1977. Ainda no mesmo ano, foi igualmente notória a evolução das receitas correntes, já que no seu total somaram o valor de 26.325 milhões de euros. Em 1985, a receita total atingiu o valor de 139.023 milhões de euros, e, no ano seguinte, o valor quase duplicou, passando para 252.542 milhões de euros, muito por conta de as receitas de capital terem passado de 32.955 milhões de euros, em 1985, para 130.162 milhões de euros, em 1986, quase igualando o valor da receita total do ano anterior. Todavia, cabe destacar que as receitas correntes aumentaram, neste período, em 14.211 milhões de euros. Para a déc. de 90, os montantes verificados foram reflexo de um aumento das receitas da RAM, tendo especial destaque o ano de 1990, em que a receita total assumiu o valor de 733.975 milhões de euros. Este valor justifica-se pelo montante assumido pelas receitas de capital, que no seu total foi de 500.346 milhões de euros, valor que atingiu tais proporções devido a um passivo financeiro assumido pela RAM de 439.473 milhões de euros. Em 1991, embora inferior à do ano anterior, que não constitui um bom elemento de comparação por conta da excecionalidade verificada, a receita total foi superior à de 1989, devido ao aumento das receitas correntes, impulsionado pelo incremento das receitas fiscais. A partir de 1995, a receita total da RAM superou os 700 milhões de euros, assumindo, nesse ano, o valor de 703.678 milhões de euros, sendo que o valor das receitas correntes foi de 337.777 milhões de euros e o das receitas de capital de 214.729 milhões de euros. Em 1996, a receita total foi de 822.373 milhões de euros, sendo que no ano seguinte o valor diminuiu para 765.446 milhões de euros, voltando a aumentar, em 1998, para 782.498 milhões de euros. No início do novo século, as receitas da RAM atingiram valores nunca antes verificados. Em 2001, a receita total da RAM foi de 1105.302 milhões de euros, aumentando no ano seguinte para 1129.110 milhões de euros e tomando o valor de 1167.048 milhões de euros em 2003. As receitas correntes em 2001 foram de 545.424 milhões de euros, tendo-se verificado um aumento das mesmas em 2002 e 2003 para 671.637 e 672.472 milhões de euros, respetivamente. As receitas de capital, pelo contrário, reduziram de 2001 para 2002, na medida em que no primeiro ano as mesmas somavam o valor de 364.151 milhões de euros e no segundo diminuíram para 271.664 milhões de euros. 2008 marca a primeira década do século no que concerne à receita total, que se cifrou em 1317.770 milhões de euros, ano em que as receitas correntes foram de 931.883 milhões de euros e as receitas de capital de 385.887 milhões de euros. Os anos seguintes foram marcados por diminuições constantes. A partir de 2009, inicia-se uma tendência que é caracterizada pelo decréscimo das receitas totais, sendo que, para esse ano, o valor das mesmas foi de 1074.878 milhões de euros. Em 2010, com uma receita total de 1201.411 milhões, é claro o aumento em relação ao ano anterior, situação que não se verificou em 2011, com uma diminuição para 1076.962 milhões de euros. Em 2012, a receita total cifrou-se em 1597.936 milhões de euros, um aumento significativo relativamente ao do ano anterior, ocasionado pelo valor assumido pela rubrica das receitas advindas de passivos financeiros, de 635.070 milhões de euros. Em 2013, os dados provisórios apontavam para um valor das receitas totais de 2492.607 milhões de euros. Para o mesmo ano, as receitas correntes eram de 1091.643 milhões de euros e as receitas de capital de 1400.964 milhões de euros. No que diz respeito à estrutura da receita, cabe destacar o peso que as receitas fiscais foram assumindo ao longo do tempo. Para 1977, as receitas fiscais eram de 6721 milhões de euros, representando 75,2 % das receitas correntes e 71, 7% das receitas totais. O ano seguinte deu início a um período que se prolongou até 1981, caracterizado pela diminuição da proporção das receitas fiscais nas receitas totais. Note-se que, em 1981, as receitas fiscais representaram 21,6 % do total das receitas e 67,7 % das receitas correntes, sendo que as mesmas mantiveram uma percentagem relativamente baixa no que concerne à receita total em 1982 e 1983, com 28,7 % e 31,0 %, respetivamente. 1989 é um ano de destaque para as receitas fiscais, já que as mesmas ascenderam aos 155.862 milhões de euros, o que se traduziu em 92,3 % das receitas correntes e 55,4 % das receitas totais. A déc. de 90 apresentou receitas orçamentais com um peso superior a 40 % das receitas totais, com exceção de 1990, ano em que a receita fiscal representou apenas 23,8 % das receitas totais. De destacar o ano de 1992, em que as receitas fiscais foram de 293.702 milhões de euros, cerca de 61,0 % da receita total desse ano. No novo século, a proporção das receitas fiscais nas receitas totais aumentou significativamente. Esta situação é identificada com maior realce no período compreendido entre 2008 e 2013. Em 2008, as receitas fiscais foram de 786.249 milhões de euros, e, embora nos anos seguintes o valor absoluto das mesmas tenha sido inferior, tomando os valores de 643.499, 682.954, 666.690 e 651.970 milhões de euros em 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente, o impacto nas receitas totais foi superior em algumas ocasiões. Isto porque, se em 2008 as receitas fiscais representavam 59,7 % das receitas totais, em 2009 a proporção aumentava para 59,9 %. Em 2010, a proporção diminuía para 56,8 %, voltando a aumentar no ano seguinte, representando 61,9 %. As previsões para 2013 deixavam antever um aumento do valor absoluto das receitas fiscais, já que a estimativa apontava para um valor a rondar os 847.255 milhões de euros, substancialmente superior ao verificado no ano anterior. Todavia, e apesar do aumento do valor da mesma, a sua influência na receita total decresceu para 33,99 %. Cabe destacar que, desde 1977 até 2012, para cada um dos anos em apreço a receita fiscal apresentou-se sempre superior à receita fiscal do ano imediatamente anterior, com exceção de 1994, 2003, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. Nesse espaço temporal, o valor mais elevado da receita fiscal, considerando os dados definitivos, foi constatado em 2008, ano em que foi verificada, de igual forma, a maior receita total, que ascendeu aos 1317.770 milhões de euros. No que concerne à componente de capital, as receitas associadas à mesma ganharam uma importância relativa bastante significativa, já que, enquanto em 1977 representavam aproximadamente 2,5 % da receita total e assumiam o valor de 232.000 mil euros, em 2012, o valor absoluto ascendia aos 703.562 milhões de euros, com um peso de 44,0 %. Não obstante, é de ressaltar que a conjuntura com a qual a RAM se viu confrontada a partir de 2008, com a crise financeira, e especialmente desde 2012, ano em que foi assinado o PAEF-RAM – Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da RAM, deturpou, em certa medida, os pesos das receitas de capital nas receitas totais verificados em anos anteriores. Se foi notável o aumento das receitas da RAM, a evolução das despesas foi semelhante. Em 1977, a despesa total da RAM rondava os 7490 milhões de euros, passando no ano seguinte a ser de 16.827 milhões de euros, ultrapassando o dobro do ano anterior. O total da despesa aumentou anualmente até ao fim da déc. de 80, com exceção de 1984, ano em que tomou o valor de 106.213 milhões de euros, e de 1987, ano no qual a despesa total foi de 224.099 milhões de euros. Na déc. de 90, sobressai o valor verificado em 1990, em que a despesa ascendeu aos 728.808 milhões de euros. Contudo, e apesar de em 1991 se ter verificado uma diminuição do total da despesa para 392.018 milhões de euros, o período entre 1991 e 1996 apresentou um crescimento anual da mesma, tomando o valor de 816.206 milhões de euros no último ano considerado. No início do séc. XXI, a despesa total assumiu um valor nunca antes verificado, de 1100.651 milhões de euros. Não obstante o facto de em 2001 se ter atingido tal patamar, nos três anos seguintes foram constatados aumentos de tal variável, chegando, em 2004, a ser de 1306.510 milhões de euros. Os anos seguintes são caracterizados por uma diminuição da despesa total, quando comparada com a constatada em 2004, salvo em 2008, em que foi atingido um novo máximo de 1317.102 milhões de euros. 2012 marca um novo máximo da variável de 1533.094 milhões de euros, sendo que os dados provisórios de 2013 permitem vislumbrar um aumento significativo, que situa a despesa total em 2368.748 milhões de euros. A estrutura da despesa total modificou-se parcialmente ao longo dos anos em apreço, embora continue a ser maior o peso das despesas correntes, comparativamente com o das despesas de capital. Em 1983, as despesas correntes representavam, aproximadamente, 52,55 % da despesa total, sendo de cerca de 62,12 % em 2012, enquanto o peso das despesas de capital variou de 33,33 % para 37,79 % no mesmo período. Analisando as componentes que conformam cada um dos agregados da despesa, é possível constatar o peso significativo das despesas afetas ao pessoal. As mesmas cresceram cerca de 24,43 vezes entre 1983 e 2012, chegando a tomar o valor de 375.070 milhões de euros, o seu valor mais elevado, em 2009. Relativamente às despesas de capital, a rubrica que se apresenta com maior relevância é aquela que diz respeito às aquisições de bens de capital, embora em 2012 se tenha verificado uma situação na qual a despesa referente aos ativos financeiros, e que em si engloba as operações financeiras com a aquisição de títulos de crédito e com a concessão de empréstimos e subsídios reembolsáveis, foi superior à referente às aquisições de bens de capital. Não obstante, não é possível subestimar a evolução desta última rubrica, já que em 1983 a mesma tomava o valor de 2.422 milhões de euros, enquanto em 2012 o mesmo era de 217.947 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 89,99 vezes. Em 1983, representava 2,18 % da despesa total, e em 2012, 14,22 %. Para efeitos da análise efetuada anteriormente, foram consideradas as despesas e as receitas orçamentais executadas afetas ao subsector do Governo Regional da Madeira, por permitir uma análise temporal mais ampla. O saldo efetivo, que reflete a diferença entre as receitas e as despesas efetivas, permite verificar a relação entre ambas as variáveis. Entre 1977 e 2012, o saldo foi negativo, com exceção dos anos: 1977, com 1896 milhões de euros; 1989, com 167 mil euros; 1992, com 1694 milhões de euros; e 2005, 2006 e 2007, com um saldo de 1302, 1070 e 1105 milhões de euros, respetivamente. Os valores deficitários mais importantes, pela expressividade que assumiram, foram os constatados nos anos: 2012, com as despesas a superarem em 491.703 milhões de euros as receitas; 2008, quando o saldo efetivo foi de -255.113 milhões de euros; e 1990, em que o diferencial entre as receitas efetivas e as despesas efetivas foi de -220.349 milhões de euros. O saldo efetivo calculado não inclui a utilização do produto da emissão de empréstimos, nem os encargos com a amortização da dívida pública.   Alberto Vieira  Sérgio Rodrigues (atualizado a 30.12.2016)

Economia e Finanças História Económica e Social

clube funchalense

Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes, apontam o Clube Funchalense, criado a 3 de dezembro de 1838, como um dos primeiros clubes do Funchal, tendo os seus estatutos sido aprovados em assembleia geral, ocorrida a 18 de dezembro de 1876, e novamente aprovados pelo governador civil, Francisco d’Alburquerque Mesquista e Castro, a 16 de fevereiro de 1877. Odília Pereira refere todavia que o Clube Funchalense teve dois estatutos ao longo da sua existência: os que foram aprovados em 1853 e os datados de 1876, sob a direção de Gregório Francisco Perestrello da Câmara, J. de Salles Caldeira, Francisco de Castro e Almeida, e Filipe Acciaiolli Ferraz de Noronha. A referida autora, adianta que os estatutos aprovados a 30 de março de 1853 tornam claro que o objetivo desta instituição era “promover, por todos os meios que se possa dispôr, a modesta convivência dos sócios, e de suas famílias: para mútua recreação, e progresso instrutivo” (PEREIRA, 1996, 33). De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, a primeira sede do Clube foi uma residência situada na R. do Carmo, tendo sido depois transferida para a R. dos Ferreiros, espaço que ocupou até à sua extinção. Importa notar que este Clube era elistista: o alto comércio tinha admissão imediata e as figuras ilustres que visitavam a Madeira eram convidadas para os bailes e as soireés. Faziam parte do Clube pessoas do continente português e até mesmo estrangeiros. O Clube Funchalense admitia quatro tipos de sócios, a saber: o sócio proprietário, cuja quota rondava os 30$000 réis, acrescidos do pagamento mensal de 1$000 réis; o sócio subscritor residente no Funchal, que pagava a mensalidade de 1$500 réis; o sócio supranumerário que não residia no Funchal e pagava de mensalidade a quantia de 1$200 réis; e, por último, o sócio temporário, que estava sujeito a uma mensalidade de 2$400 réis. Estes pagamentos tinham de ser feitos até ao dia 10 de cada mês. A cada tipo de sócio estavam atribuídos direitos e deveres diferentes, já que os primeiros gozavam de privilégios mais alargados, nomeadamente o de propor candidatos, o de convocar a assembleia geral, o de analisar os livros de contas e o de apresentar uma senhora em cada baile. No entanto, havia um critério comum a todos, tal como consta do art. 7.º dos estatutos aprovados em 1876: só era admitida “pessoa decente, de boa educação e bons costumes, contanto que seja de maior idade ou emancipada” (Id., Ibid., 37). Na realidade, a adesão ao Clube superou a expetativa, como se pode constatar na nota publicada no periódico Chronica, a 18 de maio de 1839: “Este Estabelecimento merece cada vez mais a aprovação dos seus Proprietários e assinantes, e esperamos que continuará a receber o seu apoio para que progrida e melhore se ainda é suscetível de algum melhoramento”. O Clube Funchalense destacou-se nas áreas recreativas, com particular destaque para os jogos, os concertos e, sobretudo, os bailes, que acabaram por lhe dar protagonismo. Era no Carnaval e na Páscoa que se realizavam com maior frequência, embora se tenham encontrado referências a bailes de primavera e de Natal, e ainda a bailes mensais. A publicidade para estes eventos era feita através dos jormais locais. Em 1839, há notícia de um baile realizado a 6 de abril, seguido de um outro, no dia 15 de abril, e ainda de um baile de primavera, realizado a 16 de maio; o que confirma a regulariadade deste tipo de convívio. Um folheto publicado na revista Islenha, em 1857, dá conta da eleição de uma rainha do baile. Importa notar, tal como relembra Susana Caldeira, que o Clube tinha uma missão abrangente no seio da sociedade, já que parte das receitas dos espetáculos era canalizada para instituições, ficando assim demonstrado o carácter benemérito da associação e dos seus membros. No dia 5 de junho de 1839, e.g., foi realizado um baile de subscrição em favor do Asilo de Primeira Infância, tendo-se elogiado na impressa local esta louvavél iniciativa. De acordo com a autora anteriormente referida, os anos 40 mantiveram o glamour das festividades, mas trouxeram novidades, já que Ricardo Porfírio da Fonseca abdicou do cargo, tendo-se convocado os sócios para uma assembleia geral, que ocorreu a 3 de dezembro. Em consequência, a 23 de dezembro, são aprovados novos estatutos , assim como a mesa da assembleia geral e da direção para o ano de 1840. A presidência foi assumida por José da Fonseca e Gouveia, barão de Lordelo e administrador geral do distrito, a vice-presidência por Webster Gordon, e o secretário eleito foi Almeida e Azevedo. A estes juntaram-se Ricardo T. Eduardo Kollway, Oliveira, Júlio Fernandes, T. Burnett, V. de Brito, J. Castello Branco, Burder Taylor Sant’ Anna, Bean, António de Almeida, e Diogo Tellei. Durante os anos seguintes, a impressa local testemunha a ação do Clube Funchalense, dando notícia dos bailes que se vão realizando e dando conta do valor arrecadado pelas subscrições com vista à beneficiência. Todavia, em 1856,  o Clamor Público explica que o Clube enfrentava dificuldades, adiantando, no entanto, que uma nova direção tinha tomado posse e tinha promovido a renovação das salas do edifício. Na verdade, o morgado Diogo d’Ornelas de França Frazão toma as rédeas da instituição e sabe-se que o baile de Páscoa foi muito concorrido e animado. No que diz respeito ao edifício propriamente dito, foi possível apurar que o seu estado de degradação se foi acentuando com o passar dos anos, pelo que, em junho de 1867, foram levados a cabo trabalhos de manutenção e melhoramentos sob a direção de Pedro Júlio Vieira, ao qual a imprensa local tece os maiores elogios. Tendo por base os estatutos, sabe-se que existiam várias salas de reuniões, uma sala de leitura, salas de jogo, nomeadamente para bilhar, xadrez e outros. A sede funcionava todos os dias entre as 10 h e as 24 h, exceto nos dias de baile, em que encerrava mais tarde. Gradualmente, a frequência dos bailes foi diminuindo e durante o final de Oitocentos, as referências a estes convívios tornam-se cada vez mais escassas. Porém, e aquando da visita de Sua Majestade, a Imperatriz da Austria, e de Sua Alteza Real, o infante D. Luiz, a 17 de abril de 1861, o Clube promoveu um baile em sua honra. Surge ainda, em 1874, uma notícia acerca de um baile a favor do Asilo de Mendicidade e Orfãos, cuja receita atingiu 320$000 réis, situação que se repetiu a 17 de janeiro de 1877, tendo a imprensa local elogiado a “deslumbrante decoração da entrada e das salas onde domimavam as luzes e as flores” (Id., Ibid., 34).  O esforço de João de Freitas da Silva, tesoureiro do Clube, que teve a seu cargo a decoração das salas, por recuperar de tempos mais recuados o bom gosto em que os bailes primavam e a sociedade refinada que os frequentava, foi visível. Em meados do séc. XIX, alguns periódicos locais encheram-se de uma animada troca de críticas; acusavam-se alguns cavalheiros de jogar no Clube a dinheiro. Em 1899, há notícia de que se jogava à roleta todas as noites, enumerando-se os sócios que frequentavam o Clube assiduamente, entre eles: Joaquim Simões Cantante, juiz de Direito, Joaquim Augusto Machado, delegado do procurador régio, conde do Ribeiro Real, e José Maria Malheiro, administrador do concelho. Por volta de 1899, houve uma tentativa de dissolver o Clube Funchalense, tendo sido agendada uma reunião para o dia 18 de fevereiro com o objetivo de debater a questão. Apurou-se que a assembleia geral foi adiada para o dia 15 de junho. A intenção inicial de pôr termo ao Clube, manifestada por um grupo de 14 sócios, foi abandonada. No entanto, uma notícia saída a público no Diário de Notícias da Madeira a 5 de abril de 1901 dá conta de que o Grémio dos Bordados pretendia ocupar o espaço que tinha servido de sede ao Clube Funchalense, fazendo supor que o mesmo deixara de existir.   Cláudia Faria (atualizado a 30.12.2016)

Sociedade e Comunicação Social

centro de química da madeira

O Centro de Química da Madeira (CQM) foi criado em 2004, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este projeto nasceu da vontade de um punhado de investigadores que aceitaram o desafio de criar, na Universidade da Madeira e para a Região, um centro de investigação de qualidade internacional nas áreas da química e da bioquímica. O CQM foi, desde a sua criação, o CQM auditado regularmente por painéis internacionais de avaliação, sendo os seus relatórios de atividades públicos e os resultados mensuráveis através de critérios internacionalmente aceites. Os órgãos de governo emanam da vontade dos investigadores que constituem o Centro, sendo o respetivo coordenador eleito por voto secreto dos seus membros seniores, e os resultados do domínio público. Para além disso, o Centro cumpre as regras de contratação pública e as leis em vigor. O financiamento do CQM, que tem sido obtido através de concursos altamente competitivos, provém, fundamentalmente, da FCT e de fundos europeus. Graças ao trabalho efetuado nas vertentes de investigação, desenvolvimento, inovação, formação de recursos humanos, e apoio e serviços às empresas, bem como na divulgação da ciência, o CQM é, no início do séc. XXI, uma referência para a Madeira e para o país. Tendo por base a experiência e o conhecimento do pequeno grupo de investigadores doutorados que estiveram na sua génese, o CQM cedo definiu como estratégia de desenvolvimento uma forte ligação às necessidades científicas e de formação da Região, procurando sempre, nas parcerias e na internacionalização, a janela de oportunidade para o reconhecimento e para a complementaridade do trabalho produzido. Assentando em dois grupos de investigação interdisciplinares: “Produtos Naturais” e “Materiais”, o CQM é o elemento central de promoção e dinamização da investigação, do desenvolvimento e da inovação em química e bioquímica na Região Autónoma da Madeira, desenvolvendo a sua atividade nas seguintes áreas: Química Analítica, Química Alimentar, Saúde, Materiais, Modelação Molecular, Nanoquímica e Fitoquímica. No final de 2014, o CQM era constituído por 57 investigadores, 15 dos quais eram doutorados; outros 15 investigadores tinham o mestrado, 11 eram estudantes de doutoramento e 14 estudantes de mestrado; do total, 22 % eram investigadores estrangeiros e 54 % do sexo feminino. De acordo com o estudo bibliométrico realizado pela FCT a todas as unidades de investigação nacionais, no período de 2008-2012, a produtividade do CQM foi uma das mais altas do país; além disso, nos critérios: número de citações por investigador a tempo inteiro (full-time equivalent researcher), impacto, e publicações mais citadas, o CQM destaca-se entre todos os centros de investigação portugueses. Nos seus primeiros 10 anos de existência, o CQM estabeleceu e fortaleceu parcerias, não só no espaço português e da Macaronésia, como na China, Índia e Brasil, destacando-se a constituição de protocolos ou colaborações com várias instituições científicas e laboratórios. Tendo por unidade de acolhimento o CQM, foi criada na Universidade da Madeira a primeira cátedra em Nanotecnologia do país. Em resultado deste projeto, a Universidade da Madeira assinou o primeiro protocolo com uma Universidade Chinesa (Universidade de Donghua – Xangai), começou a receber alunos chineses de doutoramento e mestrado para realizarem estágios no CQM, e os investigadores do CQM passaram a visitar regularmente a China para desenvolverem trabalho de investigação. Desta intensa atividade científica conjunta resultou a publicação de vários trabalhos em revistas de elevado fator de impacto, e ainda um aumento do número de alunos estrangeiros, quer no Mestrado em Nanoquímica e Nanomateriais, quer no Doutoramento em Química da Universidade da Madeira. A localização específica do Centro de Química da Madeira na Região é uma característica inerente de apresentação do próprio Centro. A investigação desenvolvida no CQM está, por isso, prioritariamente ligada à comunidade que integra. Desta forma, há uma forte relação entre o CQM e as entidades regionais, como o hospital, o governo e várias empresas locais. As atividades educativas, como o “Ciência Viva nas Férias”, “A Química é Divertida” e os “Estágios de Verão”, têm sido ao longo de vários anos um importante ponto de contacto com as escolas da região e com a população, a que se juntou em 2015 o projeto “Bridging the Gap”. As atividades do CQM permitiram a formação de vários jovens investigadores madeirenses, tendo muitos deles permanecido a trabalhar em empresas da Região. As atividades de investigação e de inovação, além da participação em projetos internacionais, contribuíram para colocar a Madeira e o Porto Santo numa posição de destaque, seja pela divulgação e valorização dos produtos da região, seja pela atração de investigadores e estudantes internacionais, seja ainda pela obtenção de fundos nacionais e internacionais que fomentam a economia regional. No que concerne à internacionalização, o Centro de Química da Madeira tem procurado a excelência e o profissionalismo em todos os domínios da sua atuação, captando conhecimento externo e dinamizando atividades que levam ao enriquecimento dos seus investigadores. O estabelecimento de protocolos e intercâmbios com diferentes universidades – como a Universidade de Nova Delhi (Índia) e a já referida Universidade de Donghua (China) –, a existência da Cátedra em Nanotecnologia, a visita frequente de conferencistas e professores estrangeiros (com a consequente troca de experiências com os investigadores do Centro), a captação de estudantes e investigadores de outros países, e a possibilidade de o Centro oferecer condições para que os investigadores nacionais tenham experiências noutros países e conheçam outra realidade, são pontos fortes que apoiam a contínua internacionalização do trabalho realizado no CQM. A possibilidade de desenvolver colaborações cada vez mais estreitas com entidades internacionais enriquece e revitaliza a investigação no Centro, permitindo aconselhamento científico externo, e fazendo com que a oferta formativa que o CQM disponibiliza seja mais abrangente e a investigação mais competitiva. Após os primeiros 10 anos de existência e passada a fase da criação, o CQM foi colocado perante o desafio de crescer e se sustentar, reforçando o forte compromisso social através da investigação e dos programas educacionais, aumentando a massa crítica do Centro com um maior número de investigadores seniores, dando continuidade ao programa de internacionalização com colaborações capazes de exponenciar o impacto do CQM. No domínio educacional, o objetivo é garantir um ambiente inovador, preparando os estudantes para se tornarem investigadores e empreendedores de excelência, proporcionando-lhes as melhores condições para poderem ter sucesso no mundo empresarial e académico. Ao nível da investigação, o plano estratégico do CQM para o período de consolidação assentou no desenvolvimento de novas abordagens analíticas para aplicação no ramo alimentar e no controlo de qualidade, na identificação precoce de biomarcadores característicos de diferentes doenças, na identificação de compostos moleculares com potencial atividade biológica, no desenvolvimento de novos nanomateriais e sensores para aplicações biomédicas, com especial relevo para as doenças emergentes e para as doenças ressurgentes (malária e dengue). O Centro de Química da Madeira tem a missão de servir a comunidade investigando, desenvolvendo a Região e o país, formando e criando emprego para o mundo e, por isso mesmo, o conhecimento acumulado no CQM destina-se a todos e encontra-se ao serviço de todos.   João Rodrigues (atualizado a 29.12.2016)

Física, Química e Engenharia Educação

cidra

A cidra é o fruto da cidreira [Citrus medica], planta nativa do Oriente que chegou à Madeira em data desconhecida, sendo usada no fabrico de conservas e utilizada na doçaria da Ilha e na exportação para o exterior em forma de conserva. Não confundir com o vocábulo “sidra”, que pode significar o chamado vinho de peros que, na Madeira, teve grande incremento e ainda continua a estar presente em alguns locais da Ilha, como o Santo da Serra. Para além disso, o seu consumo, como o da casca de outras frutas cítricas, vulgarizou-se por força da necessidade de suprir a dieta das tripulações, que quase sempre sofriam de deficiência de vitamina C, sendo vítimas do escorbuto. Palavras-chave: cidra; escorbuto; casquinha. A cidra é o fruto da cidreira (Citrus medica), planta nativa do Oriente que chegou à Madeira em data que desconhecemos, sendo usada para o fabrico de conservas, com utilização na doçaria da Ilha e na exportação para o exterior em forma de conserva. Não confundir com o vocábulo “sidra”, que pode significar o chamado vinho de peros que, na Madeira, teve grande incremento e continua a estar presente em alguns locais, como o Santo da Serra. Para além disso, o seu consumo, como o da casca de outras frutas cítricas, vulgarizou-se, desde o séc. XVI, por força da necessidade de suprir a dieta das tripulações, que quase sempre sofria de deficiência de vitamina C, sendo vítimas do escorbuto. A cidra pertencia ao grupo das frutas de espinho que, segundo edital camarário de 28 de dezembro de 1842, estavam sujeitas ao respetivo dízimo, devendo os proprietários proceder ao seu manifesto no ato da venda. Na cidade do Funchal, existe a chamada rampa do Cidrão, que não deve estar associada diretamente à cidra, mas sim a João Cidrão. Com nomes relacionados, temos Pedro Gonçalves Cidram e o Cón. Simão Gonçalves Sidrão. Ainda na Ilha, temos a destacar a ribeira Cidral, no Funchal, e o pico do Cidrão, junto ao pico Ruivo. A cultura da cidreira encontra-se no Curral das Freiras, mas também na Ponta do Sol, Ribeira Brava e Machico. Gaspar Frutuoso refere também para o Porto da Cruz a presença de limões e cidras. Como mercado produtor de açúcar, a Madeira especializou-se desde muito cedo neste tipo de indústrias de conservas para abastecimento das armadas da Coroa e de outras embarcações que demandavam a Ilha à sua procura. Desta forma, a partir da segunda metade do séc. XV, uma escala na Ilha fazia-se obrigatória para refresco, o qual incluía abastecimento de água, vinho, víveres frescos e estas frutas secadas em açúcar, que também faziam parte da dieta de bordo, para combater o escorbuto. Desta forma, esta provisão era entendida como uma necessidade. Luxo era o que acontecia na mesa da Casa Real portuguesa e de algumas outras famílias das nobrezas nacional e europeia, onde os manjares doces, de alfenim, casca seca e cidra, estavam sempre presentes, mas aqui apenas por gula.   Alberto Vieira (atualizado a 29.12.2016)

História Económica e Social

união, clube de futebol

A associação de recreio União Foot-Ball Club nasce em 1913 com o objetivo de promover os exercícios desportivos, náuticos e terrestres. Todavia, a vertente náutica deste clube, fortemente contemplada nos estatutos a que tivemos acesso, quer por fixar o registo das embarcações e material adquirido, quer pelas provas e concursos desportivos a desenvolver, não se viria a materializar. O União Foot-Ball Club, cuja nomenclatura deixava clara a intenção maior da sua origem, surge, à semelhança de inúmeros clubes da época, na R. de Santa Maria, no Funchal, fruto de uma contenda entre membros que integravam a equipa do Grupo União Marítimo, uma equipa de infantis constituída por jovens residentes junto ao campo D. Carlos, rapidamente batizado, com a República, campo Almirante Reis, em homenagem ao mártir Carlos Cândido Reis (1852-1910). Era uma equipa associada ao Marítimo até ter existido uma discussão em torno da compra, sem autorização, de duas balizas que haviam custado 2$70 e que eram pertencentes ao entretanto extinto Clube Operário Madeirense. Dessa discussão resultou a separação da equipa, tendo César da Silva levado para sua casa a primeira sede do União Foot-Ball Club, a 1 de novembro de 1913, coadjuvado por Ângelo Olim Marote, Luís Vieira Guerra, João Fernandes Rosa,  Alexandre de Vasconcelos,  José Anastácio do Nascimento  e  João Ferreira. O logótipo do União é aquele de que mais versões se conhecem. Muito semelhantes entre si, mantém-se o azul e o amarelo, listado, cores que mais tarde seriam escolhidas para representar a Região. O símbolo em forma de escudo com listas azuis e amarelas é rasgado por uma faixa branca com as iniciais do clube “U.F.C.”, mais tarde “C.F.U.”, tendo no cimo o capacete de Hermes, deus da fertilidade na mitologia grega. Nos primeiros anos do futebol na Madeira, sentiu-se a necessidade de contribuir para que a modalidade seguisse por um caminho de prestígio e de seriedade. Nesse âmbito, do União e do Insulano – grupo desportivo, inaugurado oficialmente a 4 de junho de 1916, que terá um papel muito importante no futebol da Madeira, uma vez que será, entre outros, o responsável pela redação dos primeiros estatutos da Associação de Futebol do Funchal, anos mais tarde denominada de Associação de Futebol da Madeira – partia a iniciativa de reunir as direções dos vários clubes, na sede do segundo, à R. da Queimada de Baixo, também no Funchal. O objetivo central seria a fundação de uma liga desportiva, o único meio de se acabar com as rivalidades que tanto prejudicavam o desporto madeirense. A proposta em discussão seria constituir na cidade uma liga entre clubes, destinando-se, inicialmente, a acordar entre todos os grupos, clubes ou associações desportivas um projeto de estatutos de uma associação, ao exemplo do que acontecia em Lisboa. Assim, em 1916, nascia a Associação de Futebol do Funchal (AFF), tendo sido organizado nesse mesmo ano o primeiro campeonato de futebol da Madeira. Nem oito dias depois da publicação, nos periódicos da época, do que é ser um bom futebolista, o jogo entre o União e o Marítimo, com vitória do primeiro sobre o segundo, acabava envolto em polémica. O jogo é anulado pela AFF com o intuito de ser repetido, mas o União não aceita a decisão, recorrendo junto deste órgão, que, pela pressão de não conseguir resolver o conflito, acabará por ficar inativo dois anos após a sua criação, e por dois anos, não havendo, por isso, competições oficiais em 1919 e 1920. A Associação ressuscita e, na época  1920/1921, a competição regressa, com a disputa do 3.º Campeonato da Madeira, acabando com a vitória do  União.  A partir da época 1921/1922, começa a realizar-se o  Campeonato de Portugal, mas o representante madeirense apenas entrará na competição na época seguinte. O União alcança esse feito na época 1927/1928, defrontando e quase vencendo o Sport Lisboa e Benfica. O União vivia muito para as atividades de lazer, para as excursões com jogos à volta da Ilha, mas também para causas solidárias. Na rubrica “Vida Sportiva” do Diário da Madeira de 4 de julho de 1915, anunciava-se que o União iria, em excursão, a Santa Cruz, acrescentando que “registamos sempre com prazer excursões desta natureza em que a nossa mocidade abandonando a vida ociosa da cidade vai retemperar o seu físico em exercícios proveitosos”(DM, 4 jul. 1915, 1). Outras notícias de 1917 davam conta de que o Club Sports Madeira e o União faziam reverter as entradas do jogo disputado entre ambos em benefício da viúva de António Fernandes, antigo jogador do Marítimo, provando, uma vez mais, que a solidariedade e a preocupação social não distinguem cores nem se alimentam de clubismos, realidade corroborada pelo sucedido no jogo noticiado pelo Diário da Madeira, na antevéspera do Natal de 1917, revelando que num jogo entre o Marítimo e uma equipa mista a verba angariada seria entregue a um fundador do União que à data se encontrava doente e em precárias circunstâncias. Na déc. de 40, o clube entra em crises sucessivas. A modalidade-rainha, o futebol, já não conseguia fazer ignorar os problemas internos. Em julho de 1945, o Diário de Notícias anunciava que o delegado da Direção-Geral dos Desportos havia dissolvido a direção do União, à exceção do presidente, após os desacatos entre jogadores e a direção, na final da Taça da Madeira. Depois de resolvido o conflito, o União vai entrar numa era de grande atividade desportiva, em muito devido ao mestre Medina, jogador que fez furor na déc. de 50 e que, através do hino, o União imortalizou. De facto, as décs. de 50 e 60 representaram as décadas de maior sucesso do clube. A nível regional, o União venceu, por sete vezes consecutivas, o Campeonato da Madeira, entre a época desportiva 1955/1956 e 1962/1963. Tomando presença na luta nacional contra o analfabetismo, o União dispõe, em 1954, de cursos de instrução primária na sua sede para os seus atletas, desde os infantis até à equipa de honra. O clube promove ainda, e sempre que possível, palestras e ações de formação, nomeadamente conferências técnicas e sociais destinadas aos árbitros. Com a autonomia política administrativa da Madeira, assiste-se à passagem de um desporto elitista para um desporto massificado. A ascensão do clube aos nacionais de futebol ocorreu na temporada 1979/1980, com o clube a entrar na III Divisão Nacional. Após duas épocas, sobe à II Divisão Nacional. Mas será na época de 1988/1989 que se viverá o momento mais alto da história do União, então liderado por Jaime Ramos e treinado por Rui Mâncio. Após vencer a Zona Sul da II Divisão Nacional, disputa a sua primeira época nos mais importantes palcos nacionais na época 1989/1990, juntando-se ao Marítimo e ao Nacional. Ficará no escalão máximo do campeonato nacional de futebol durante duas épocas até descer à  II Divisão de Honra, em  1991/1992. No entanto, volta a subir na época seguinte, igualando a melhor classificação obtida, em  1993/1994, na época em que regressa ao Campeonato Nacional da I Divisão, abandonando-a logo na época seguinte. Na época de 1998/1999, com o advento da Sociedade Anónima Desportiva (SAD), o clube cai na  II Divisão Zona Sul, conseguindo em 2001/2002 vencer a Zona Sul e regressar à II Liga. No entanto, os sucessivos sobe-e-desce teimam em repetir-se, ficando em último lugar, indo competir novamente na Zona Sul da II Divisão B. A estrutura da  competição onde o União está inserido muda no final de  2004/2005, passando a ter acesso às competições profissionais apenas dois clubes de um conjunto de quatro séries com 16 equipas. O União é colocado na Série B, conseguindo na primeira época o segundo lugar, tendo ganho a Série na época  2006/2007, contudo falha a qualificação ao perder com o Freamunde. O União consegue subir de divisão, garantindo lugar na Liga de Honra, após dois anos consecutivos a perder no play-off. Em 2011/2012, integrou a II Liga, lugar que ocupa até à época 2014/2015. Ao longo de 100 anos de existência, e apesar de se ter dedicado ao futebol, o União brilhou em outras modalidades importantes, como o andebol, o voleibol, o hóquei em patins, a esgrima, o basquetebol e o râguebi, modalidade introduzida na Madeira pelo clube, movimentando, na temporada de 2005/2006, cerca de 310 atletas federados e conquistando vários prémios, entre os quais a medalha de bons serviços desportivos, a medalha de prata do Instituto de Socorros a Náufragos e a medalha de ouro da Cidade do Funchal. Garantiu, ainda, 1 presença no Campeonato de Portugal (1927/1928), 6 presenças na I Liga (1989/1990, 1990/1991, 1991/1992, 1993/1994, 1994/1995 e 2015/2016), 5 presenças na Liga de Honra (1992/1993, 1995/1996, 1996/1997, 1997/1998 e 1998/1999), 6 presenças no Campeonato Nacional da II Liga (2002/2003, 2003/2004, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014 e 2014/2015), 2 presenças na III Divisão Nacional, 37 presenças na taça de Portugal, 62 presenças e 17 títulos no Campeonato da Madeira, 59 presenças e 15 títulos na taça da Madeira, 8 títulos na taça Cidade do Funchal e 3 títulos na taça de Honra e no torneio Autonomia.     Andreia Micaela Nascimento (atualizado a 04.01.2017)

Sociedade e Comunicação Social

urbanismo do estado novo

A arquitetura em Portugal sofreu alguma estagnação entre o final do século XIX e a Primeira República, em parte motivada por um certo isolamento da sociedade da época e, neste caso particular, pelo frequente aproveitamento e adaptação dos edifícios das comunidades religiosas extintas para alojar serviços e repartições públicas. Para tal, muito terá contribuído a crescente contestação à governação monárquica e a afirmação dos ideais republicanos, que preconizavam o afastamento da Igreja do poder político, bem como a cativação de muitos dos seus bens, que passaram para a posse do Estado. Cumulativamente, podia constatar-se que os arquitetos, como classe profissional, tinham então também escassa relevância social e cultural, por um lado devido à escassez de projetos, mas também à concorrência com os engenheiros civis, que lhes disputavam as encomendas. Entre arquitetos e engenheiros travou-se um contínuo debate, pois considerava-se que aos primeiros se associavam, fundamentalmente, as questões formais e estéticas, minimizando os problemas construtivos, meramente técnicos ou estruturais. Deste modo, inicialmente os arquitetos não exploraram devidamente as potencialidades dos novos materiais e sistemas construtivos, dando oportunidade aos engenheiros de ensaiarem e concretizarem nas obras públicas e utilitárias os novos elementos como o ferro, o vidro, o aço e o betão armado. Assim, os engenheiros assumiram particular importância, pois a aposta estava na criação de um mundo moderno, baseado nas potencialidades e inovações da máquina. Em Oitocentos o contributo para o aparecimento de obras, sobretudo utilitárias, deveu-se ao avanço da industrialização no país, onde se evidenciou a arquitetura do ferro. Este material, conjugado com materiais tradicionais e trabalhado com desenhos e formas revivalistas, contribuiu para a expansão de uma arquitetura eclética, sendo gradualmente substituído pelo betão armado. A diversidade que se podia observar na arquitetura portuguesa de então traduzia bem as incertezas estilísticas da época. A esse ecletismo o arquiteto Raul Lino (1879-1974) soube contrapor, com grande intuição cultural, o seu princípio de casa portuguesa. Ao apelar para um romântico ruralismo e até mesmo eclético nacionalismo, a casa portuguesa de Raul Lino procurou a definição do sentido da cultura e da alma portuguesas. Lino baseava-se, sobretudo, na nostalgia e na procura metafísica das raízes culturais e mentais do nosso país, sendo contra a importação de modas estrangeiras, nomeadamente francesas, protagonizadas pelos arquitetos Ventura Terra (1866-1919) e Marques da Silva (1869-1947). O singular modo de Raul Lino abordar a arquitetura, bem diferente das ideias que Marques da Silva e Ventura Terra tinham adquirido em Paris, terá, certamente, provindo da sua educação repartida por Portugal, Inglaterra e, especialmente, a Alemanha. Ali, Raul Lino frequentou a Handwerker und Kunstgewerbeschule e a Technische Hochshule de Hannover tendo praticado no atelier de Albrecht Haup (1852-1932), arquiteto conhecedor e apreciador da arte portuguesa da Renascença. Com ele, certamente, terá aprendido que a reinvenção da arquitetura deveria basear-se no conhecimento da mais brilhante época de cada país, que em Portugal se situava por volta dos séculos XVII e XVIII. Na sua obra sente-se a procura constante por uma perfeita integração no meio, que o levou a adotar técnicas e materiais das regiões às quais se destinavam os projetos. Deste modo valorizou, por um lado, o nacionalismo, por outro, uma arquitetura de caráter regional. Miguel Ventura Terra e Marques da Silva, arquitetos da mesma geração, protagonizavam um outro modo de ver e projetar. De regresso a Portugal, ambos em 1896, fixaram-se o primeiro em Lisboa e o segundo no Porto. Ventura Terra, republicano convicto, ganha nesta data o concurso internacional de adaptação do velho convento de S. Bento a Palácio das Cortes e inicia assim o seu percurso de arquiteto em Portugal projetando a transformação de um espaço religioso às suas novas funções. Estes dois arquitetos cosmopolitas desenvolveram os seus projetos numa linha mais conforme com o gosto dos grandes centros europeus, aliando-os a uma prática eclética dominante na arquitetura portuguesa de inícios do século XX. Da sua produção destaca-se essencialmente a introdução de um racionalismo e de um sentido europeizante numa arquitetura que passara por um período de pouco desenvolvimento. À volta destes pressupostos construía-se o percurso da arquitetura moderna em Portugal. Foi um percurso com avanços e recuos, numa adesão formal a vários revivalismos historicistas ou ecletismos mais académicos, que se articulavam com uma progressiva utilização de novos materiais. Num país política e culturalmente conturbado, a aprendizagem parisiense não pôde ser plenamente exercida, apesar dos esforços por encontrar caminhos de prosperidade para a sua implantação. A burguesia que se afirmava nos grandes centros urbanos não se revia numa arquitetura de feição europeia nem se ajustava ao gosto parisiense. Nos inícios da década de 20 de Novecentos alguns fatores contribuíram para relativas mudanças no domínio da arquitetura portuguesa. Por um lado, o registo de uma ligeira recuperação no setor económico português, que originou algum investimento na arquitetura, especialmente na de caráter particular. Por outro lado, a acompanhar este desenvolvimento esteve um fator de ordem política, mais concretamente a substituição do governo republicano pelo governo do Estado Novo, que apoiou a construção de alguns edifícios modernistas, apostou nas obras públicas e contribuiu para a crescente relevância e ascensão da classe dos arquitetos. A progressiva utilização do betão armado, inicialmente em paralelo com processos tradicionais de construção, favoreceu a assimilação de novas formas arquitetónicas ligadas a uma estética modernista. O betão armado permitiu uma grande flexibilidade na construção de elementos com maior simplicidade formal, numa clara adesão à art deco de características internacionais. Assistimos, nesta fase, a uma renovação técnica e estilística da arquitetura, a que correspondem edifícios que ainda ostentam uma estrutura convencional, com linhas verticais nas fachadas, paredes de alvenaria e tijolo, pavimentos de madeira e uso esporádico do betão. A decoração adotada é geometrizante e de alguma forma sublinha o abandono do gosto barroquizante, característico dos finais de século XIX. Ao longo dos anos 20 inicia-se a atuação da primeira geração de arquitetos modernistas, conhecida por Geração do Compromisso e constituída pelos cinco grandes: Cassiano Branco (1897-1970), Pardal Monteiro (1897-1957), Cristino da Silva (1896-1976), Carlos Ramos (1897-1969) e Jorge Segurado (1898-1990). As suas propostas deram o arranque para uma nova mentalidade arquitetural que se afirmou nos anos 30, sobretudo associada a programas fomentados pelo Estado Novo, que se caracterizou por um forte investimento em obras públicas, como programa de melhoramentos materiais e estratégia de absorção do desemprego. O engenheiro Duarte Pacheco (1900-1943) foi o grande impulsionador deste vasto programa, até à sua inesperada morte em 1943, tendo sido criadas novas oportunidades para os jovens artistas e arquitetos que foram chamados a intervir. Segundo José Manuel Fernandes, é evidente a apropriação de uma estética vanguardista com conotações diversificadas, que passam pelo futurismo italiano e o nacionalismo funcionalista alemão, se algumas vezes de forma superficial, noutras já bem eclética (OLIVEIRA, 2000, 10). Este programa estético encontrou obstáculos nos autores que pugnavam por uma arquitetura mais conservadora e nacionalista, que deveria mostrar a especificidade portuguesa com referências genuinamente retiradas dos chamados estilos nacionais. Em 1933, Raul Lino defendia que «o internacionalismo na arquitetura devia ser proibido superiormente, se não houvesse já razões de ordem técnica e material para ser condenado». E afirmava mesmo que deveria ser imposta a máxima: «Façam-se casas portuguesas em Portugal» (Ibid.). A discussão iria gerar ainda mais polémica nos anos 40, quando Arnaldo Ressano Garcia (1880-1947), presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes e seguidor das teorias estéticas nazis, se opôs determinantemente aos modernismos suspeitos de internacionalismo marxista e preconizou uma arte de regime celebrativa, monumental e fortemente académica. Com esta atitude, nos anos 40 ganharam força o gosto revivalista e um certo retrocesso estilístico que foi ao encontro de encomendas estatais de obras de representação com a sua monumentalidade, algo bem patente na arquitetura dos pavilhões da Grande Exposição do Mundo Português, de 1940. Esta iniciativa concretizou-se em Lisboa, na zona de Belém, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, tendo reunido trabalhos dos principais arquitetos, artistas e decoradores portugueses e obedecendo plasticamente a um estilo português de 1940. É um estilo oficial, de cariz historicista e monumentalista, que associa elementos representativos da arquitetura nacional com elementos de tendências clássicas. Com este evento, sobressaiu não apenas o aspeto retrospetivo, mas também a celebração da política do Estado Novo. Duarte Pacheco [Campo] e António Ferro (1895-1956) foram os grandes mentores deste acontecimento, incluído num vasto programa de comemorações centenárias que aconteceram por todo o país. É a fase da exaltação do portuguesismo, em que a arquitetura é chamada a expressar os valores da tradição, ordem e autoridade, com António Ferro no Secretariado da Propaganda Nacional. Surgem assim projetos urbanísticos de grandes espaços, como o Parque Eduardo VII e a Fonte Luminosa, e nas cidades portuguesas os prédios de habitação dos anos 40 a 50 seguem este modelo. No caso de Lisboa, «A Câmara fornecia as plantas, convidava certos projetistas e obrigava à inspiração em fachadas de três ou quatro imóveis do século XVIII existentes em Lisboa» (FERNANDES, 1990, 279). Também na construção da habitação individual se recorre a uma gramática decorativa de cariz regionalista e ruralizante, bem como no equipamento das províncias, em escolas primárias ou edifícios dos correios. Muitas das intervenções dos primeiros anos da década de 40 espelham a busca do rigor clássico, da monumentalidade, de estádios e alamedas, de uma retórica de poder. São de assinalar, como núcleos de excelência, a construção da Cidade Universitária (1940 a 1953), da Biblioteca Nacional (finais da década de 50) ou do Estádio Nacional (1943-1944) de Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970). Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a condenação internacional dos fascismos, instala-se um clima de agitação cultural e afirma-se um grupo de arquitetos oposicionistas liderados por Keil do Amaral (1910-1975). Forma-se o grupo ICAT (Iniciativas Culturais Arte e Técnica) e constitui-se no Porto a Organização dos Arquitetos Modernos (ODAM). Com a realização do I Congresso Nacional de Arquitetura, em 1948, que coincide com a Exposição Quinze anos de Obras Públicas, dá-se o ponto de viragem, pois são feitas ácidas críticas à arte oficial e exige-se a liberdade de criação e a valorização da modernidade. A década de 50 irá ser confrontada com a resistência dos modelos da Europa pós-guerra e de Brasília, que tiveram grande peso, enquanto se mantém o estilo oficial na construção dos hospitais escolares de Lisboa e Porto, do alemão H. Distel, ou da Cidade Universitária de Coimbra, de José Ângelo Cottinelli Telmo (1897-1948). Como sinais de uma certa renovação, são de salientar o plano de urbanização de Alvalade, do arquiteto urbanista João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), também com obra no Funchal, em 1945, o cinema S. Jorge, em 1947, e o cinema Império, de 1949 a 1951, de Cassiano Branco. Na Madeira, no campo da arquitetura, poder-se-ão constatar idênticas facetas na evolução da arquitetura urbana de 1900. Tal como no Continente, poucas obras de vulto se edificaram nas duas primeiras décadas. Na cidade do Funchal, surgiram projetos de menor vulto, sobretudo de adaptação de edifícios urbanos a estabelecimentos comerciais ou pequenos projetos de habitação civil, que ficavam a cargo de mestres-de-obras ou desenhadores técnicos com formação adquirida na antiga Escola António Augusto de Aguiar, que passou a designar-se por Escola Francisco Franco. Fernando Augusto Câmara (1880-1949), nascido na freguesia de Santa Luzia, e António Agostinho Câmara (1872-1949), nascido em Machico, eram então desenhadores técnicos da edilidade funchalense que se ocupavam daquele tipo de projetos. No Funchal já os autores do Elucidário Madeirense referiam, em pleno Estado Novo, que «o número dos seus moradores vai diminuindo consideravelmente, porque o movimento comercial tende sempre a desenvolver-se e as casas de habitação vão-se transformando em estabelecimentos de comércio» (SILVA e MENESES, 1998, I, 183). Estes profissionais respondiam às solicitações do mercado regional traçando o panorama regional da arquitetura urbana. Eram escassos os edifícios de utilidade pública construídos para a função a que se destinavam, apesar das necessidades sentidas pela população. Com a visita dos reis de Portugal, D. Carlos e D. Amélia, ao Funchal, em 1901, surgiram novas promessas e no ano seguinte foi criado o Auxílio Maternal do Funchal. Ganhou força também a necessidade de construir sanatórios de altitude para tratamento de tuberculosos, constituindo-se no ano de 1904 a Companhia dos Sanatórios da Madeira. Foram adquiridos terrenos para esse efeito e no ano seguinte foi lançada a primeira pedra do edifício do Sanatório dos Marmeleiros, na freguesia do Monte. Já no ano de 1906 foi criado em São Gonçalo o Manicómio Câmara Pestana, cujos doentes do sexo masculino foram transferidos para a Casa de Saúde de João de Deus, no sítio do Trapiche, em 1924. No centro da urbe funchalense, tem lugar, em 1906, a demolição de edifícios na embocadura da Rua dos Ferreiros, para permitir o prolongamento da Rua do Príncipe, posteriormente chamada Rua 5 de Outubro, até à Ponte do Bettencourt e a conclusão do prolongamento da Rua do Bom Jesus, desde a Rua das Hortas até ao Campo da Barca, troço que passou a designar-se por Avenida João de Deus. Também nesse ano, efetuaram-se obras junto ao Forte de São Filipe do Pelourinho, ao lado do qual se ergueu um estabelecimento de moagem denominado Fábrica de São Filipe, e foi demolido o Portão da Rua dos Aranhas, localizado na confluência desta artéria com a Rua da Ponte de São Lázaro. Em 1911, um ano após a implantação da República, a Câmara do Funchal procedeu à demolição do Portão dos Varadouros e do Mercado da União, erguido em 1835 no local onde se levantava a Igreja de Nossa Senhora do Calhau, para alargamento da rua. Na sequência das alterações introduzidas pelos republicanos, o edifício do Paço Episcopal, situado na Rua do Bispo, e a respetiva cerca foram cedidos à Direção-Geral de Instrução Secundária no ano de 1913, para ali ser instalado o Liceu do Funchal, que funcionava na Rua dos Ferreiros desde 1881.  No âmbito urbanístico, as obras que se implementaram na cidade do Funchal nas duas primeiras décadas de 1900 seguiram o modelo de crescimento ditado na capital portuguesa. Ao conceituado arquiteto Miguel Ventura Terra, as entidades regionais solicitaram um Plano de Melhoramentos para o Funchal. Em 1915 a Câmara acusou a receção de uma das cópias; a segunda ficou com a então Junta Agrícola. Nos primeiros anos da República, se em Lisboa houvera a abertura da Avenida da Liberdade, assente na destruição do Passeio Público, no Funchal procedeu-se à demolição do velho edifício que servira de Cadeia, possibilitando o prolongamento do Largo da Sé até à Rua da Praia, dando origem à então Avenida António José de Almeida. Esta Avenida beneficiou de novo prolongamento em 1920, altura em que, com a necessária autorização do Ministério da Guerra, se procedeu à demolição de um troço da muralha da cidade. Neste arquipélago, o gosto pelas grandes vias públicas prosseguiu com a construção da Avenida Elias Garcia e de parte da Avenida de Oeste, projetada por Ventura Terra no seu Plano de Melhoramentos. Na primavera de 1914, a edilidade funchalense colocou-se em acordo com a Junta Geral do Distrito, tendo decidido destacar do projeto apenas a construção da parte compreendida entre a Sé e o Jardim Pequeno, troço que se concluiu em maio de 1916 e que foi designado por Avenida Dr. Manuel de Arriaga, altura em que a Junta Geral oficiou ao comandante militar da Madeira pedindo para que a banda regimental ali atuasse, visto «se acharem concluídos os trabalhos» (VASCONCELOS, 2008, 35). A instabilidade política da época, com sucessivas quedas de governo e a entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, a partir de março de 1916, fez agravar as dificuldades já sentidas no arquipélago madeirense, deixando para trás a concretização do plano de Ventura Terra que se revelou «demasiado luxuoso» para a época (Id., Ibid., 40). As circunstâncias da época arrastariam no tempo a concretização parcial de um projeto demasiado arrojado e megalómano que não foi capaz de reunir as condições para a sua efetivação, e que por isso, não passaria de uma intenção, tal como foi projetado. Precisamente no ano em que Ventura Terra conclui o seu Plano de Melhoramentos, que propunha uma profunda remodelação urbana do Funchal, a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, criada em 1913, solicitou ao engenheiro Furtado de Mendonça a elaboração de um projeto para o prolongamento e alargamento do cais da Entrada da Cidade. Enquanto se projetavam estas ideias, vão realizar-se no Funchal imponentes festejos e um cortejo histórico comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Madeira, que se prolongou até janeiro de 1923. Numa fase de amplo debate acerca do alargamento da autonomia insular e de grande instabilidade republicana, diversas personalidades difundiram na imprensa local a sua opinião, destacando-se o fundador do Jornal da Madeira, Luís Vieira de Castro (1898-1954), que defendia que a Madeira deveria “poder impor a sua vontade às orelhas demasiadamente surdas do Terreiro do Paço” (GUERRA, 2010, 194). Sobretudo, contestavam-se as precárias condições do porto do Funchal, os reduzidos recursos financeiros da Junta Geral e a excessiva carga tributária, acrescida de um adicional de 5% sobre os direitos de exportação para custear as obras do porto de Leixões. Muitas publicações de periódicos animavam as discussões em torno das questões políticas da época e faziam eco da visita ao Funchal do Presidente da República, António José de Almeida, bem como da participação de António de Oliveira Salazar (1889-1970), que visitou o Funchal, na qualidade de conferencista, por convite de Juvenal Henriques de Araújo (1892-1976), presidente da Juventude Católica do Funchal, em abril de 1925. Após o golpe militar de maio de 1926, chefiado pelo general Gomes da Costa, foi assinado o decreto que aprovou a reparação dos estragos causados no molhe do porto de abrigo da pontinha e seus cais, sendo a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal autorizada a negociar, com a Fumasil Company, de Londres, um contrato para a construção do porto do Funchal. No ano seguinte, foi inaugurado o primitivo Estádio dos Barreiros, construído por iniciativa do Clube Desportivo Nacional, e foram publicados vários decretos do Governo com disposições específicas sobre diferentes setores da vida dos madeirenses. Surgem assim novas determinações sobre o regime do açúcar, do álcool e da aguardente, e extinguem-se as administrações do concelho, revogando legislação anterior. Determina-se nessa altura a ligação do Caminho do Til com a Levada de Santa Luzia e o edifício do Sanatório dos Marmeleiros, que era pertença do Estado, é concedido à Misericórdia do Funchal. Os acontecimentos da época fizeram nascer, em 1929, o humorístico Re-Nhau-Nhau, com a promessa de deixar como grande obra a capacidade de acompanhar e criticar, com sabedoria e sentido de humor, tudo o que estivesse relacionado com a vida dos funchalenses. Nesse mesmo ano, a Câmara do Funchal pretendeu transformar a Quinta Vigia num jardim público com campos de jogos, tendo sido autorizada a contrair um empréstimo de 7000 contos destinados às diversas obras de saneamento da cidade. A vontade de transformar fazia-se sentir e a Junta Geral do Distrito deliberou o prolongamento da Avenida Dr. Manuel de Arriaga, desde a confluência com a Rua de São Francisco até à Ribeira de São João. Estas obras implicavam um corte na parte sul do Jardim Municipal para possibilitar o crescimento da nova avenida. No seguimento desta importante obra e no mesmo ano de 1930, a Junta Geral do Distrito, em parceria com a Câmara Municipal do Funchal, pretendeu ainda proceder à abertura da Avenida Zarco para norte. O projeto suscitou uma imensa polémica, pois implicava a demolição parcial do edifício seiscentista da Misericórdia, pelo que não se concretizou de imediato. A falta de verbas para o efeito serviu também de argumento, numa fase de crise generalizada com que se debatia o arquipélago, e que iria prolongar-se pelos anos 30. Logo em finais de 1930, com efeito, faliram as duas principais casas bancárias desta Ilha, Henrique Figueira da Silva e o Banco Sardinha & Ca. Foi criada uma Comissão Liquidatária e determinou-se que a liquidação da casa bancária de Henrique Figueira da Silva (1868-1956) se efetuasse no prazo de dois anos. O vasto património do banqueiro foi arrematado em praça e incluía a Fábrica de São Filipe do Pelourinho. Os ingleses Harry Hinton (1859-1948) e John Ernest Blandy (1866-1940) foram comprando o que puderam, não só do seu espólio mas também de algumas firmas que o banco financiava. No início do ano seguinte, entre 4 e 8 de fevereiro, surgiram perturbações de ordem pública que ficaram conhecidas pela Revolta da Farinha e associadas ao decreto que concedia aquele monopólio a um grupo específico de moageiros. Dois meses mais tarde, surgia novo levantamento, então um pronunciamento militar, conhecido pela Revolta da Madeira, levando o governo a declarar o estado de sítio na Madeira e a determinar o encerramento do porto a toda a navegação e comércio até ao final do ano. Em 1936, nova perturbação que ficou conhecida pela Revolta do Leite. Perante estes acontecimentos, e considerando o descontentamento acumulado, as vozes de mudança falaram mais alto. A Câmara do Funchal pretendia a modernização da cidade e, em parceria com a Junta Geral do Distrito, encarregou o arquiteto Carlos Ramos, após a sua passagem pela Madeira, em dezembro de 1930, de elaborar um projeto de embelezamento da cidade. Carlos Ramos fora aluno de Ventura Terra e não é de estranhar que tenha retomado algumas propostas do seu mestre e as tenha aplicado no Plano de Urbanização para o Funchal de 1931-1932. Os vários trabalhos que constituíam este plano de 1931-1932, de Carlos Ramos, ficaram expostos, no início de fevereiro de 1932, primeiramente no atelier do arquiteto, em Lisboa, e, logo a 29 do mesmo mês, nos Paços do Concelho, no Funchal. O plano de Carlos Ramos para o Funchal deu seguimento à linha de atuação do novo regime que, sobretudo na sua fase de desenvolvimento e consolidação (1933-1938), já Estado Novo, utilizou o Ministério das Obras Públicas, liderado pelo engenheiro Duarte Pacheco, como veículo de propaganda ideológica, com uma série de realizações que apoiaram e desenvolveram uma política de combate ao desemprego e de fomento económico do país. Este Ministério constituiu, desde logo, a grande aposta do novo poder, em tantos aspetos comparável ao fontismo oitocentista. Mas, enquanto naquele período a política de obras assentou sobretudo em investimentos particulares e na iniciativa privada, no novo regime estas obras foram, acima de tudo, um investimento do Estado e uma forma de combate ao desemprego. Faziam parte do plano de Carlos Ramos o estudo de fontenários para a cidade e a construção de um Pavilhão para Tuberculosos, destinado a construir-se no terreno junto aos Marmeleiros, pertencente à Misericórdia do Funchal. O Plano contava, igualmente, com a abertura de avenidas, onde o arquiteto retomou algumas propostas do seu mestre Ventura Terra quando pretendeu fechar a Ribeira de João Gomes, cobrindo-a de betão, assim como a de S. João e de Santa Luzia, transformando-as em avenidas. Apontava o prolongamento da Avenida Arriaga, para a qual projetou um conjunto de quatro moradias modernistas, tendo-se iniciado o processo de expropriações para o efeito. Tratava-se aqui da Avenida Oeste do projeto de Ventura Terra, reformulado por Carlos Ramos em 1931. Para dar continuidade a esta avenida, em 1934 são concedidos 293 contos à Junta Geral do Distrito para os trabalhos do segundo lanço da obra, entre a Rua do Jasmineiro e a Rua do Favila. Por via do mesmo plano iniciam-se também os trabalhos preliminares para as obras da Avenida Marginal, na Rua da Praia, cuja proposta inicial surgira com Ventura Terra, realizando-se levantamentos topográficos nessa área da cidade e mandando retirar as barracas da praia fronteira à Praça do Marquês de Pombal, antiga Praça da Rainha. Nesta data, iniciaram-se ainda as obras do porto do Funchal com a perfuração do Ilhéu de Nossa Senhora da Conceição e foi apresentado na Junta Geral o projeto de prolongamento da Avenida Zarco até ao Largo da Igrejinha, da responsabilidade do arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983) e do engenheiro Abel Vieira (1898-1972) tendo a mesma Junta, devido às polémicas em torno desta obra, oficiado ao ministro das Obras Públicas e Comunicações a vinda ao Funchal de uma comissão para que emitisse em definitivo a sua opinião sobre a abertura ou não desta artéria no prolongamento da entrada da cidade. Determinou, igualmente, esta comissão da Junta Geral que no cruzamento destas duas avenidas seria colocada a estátua de Gonçalves Zarco, da autoria do escultor madeirense Francisco Franco (1885-1955), vindo a inaugurar-se nos inícios de setembro de 1937 esta nova avenida, que seguiu a direito, não obstante implicar a demolição da parte oeste do frontispício do edifício da Misericórdia do Funchal. Enquanto isto, o engenheiro Aníbal Augusto Trigo (1865-1944) procedia a uma revisão do projeto da rede geral de esgotos elaborado por ele e seu irmão Adriano Augusto Trigo (1862-1926), em 1899. Para rever o projeto, foi chamado também o diretor das obras públicas municipais, em março de 1933. O plano de Carlos Ramos previa outros melhoramentos, como a plantação de árvores no Largo do Socorro e a colocação de bancos de jardim. Previa ainda um jardim público do litoral entre o Savoy e o Hotel Atlantic, até ao Largo António Nobre, com miradouros, relógios de sol, relvados, bar e espaços destinados às crianças. Integrado também neste plano de urbanização de Carlos Ramos estava o projeto, de pesado gosto neopombalino, para a Câmara Municipal de S. Vicente, que nunca chegou a realizar-se. A crise generalizada que persistiu no arquipélago ao longo dos anos 30 teve reflexos no bem-estar da população madeirense. No campo da saúde, perante o crescente número de casos de tuberculose, a Direção da Assistência Nacional aos Tuberculosos resolveu estender à Madeira a sua ação, deliberando mandar edificar no Funchal um dispensário cuja planta foi da autoria do arquiteto Carlos Ramos, que obteve o primeiro lugar no concurso. Com efeito, se analisarmos as características formais do Dispensário Antituberculoso, chamado depois Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), situado no Campo da Barca, no Funchal, concluído em abril de 1933, verificaremos que o mesmo obedece ao estilo adotado para todos os dispensários da Associação Nacional de Tuberculosos. Ali observam-se elementos típicos da arquitetura regional, numa adesão aos conceitos do português suave, de Raul Lino, apoderados pelo Estado Novo, como a utilização de alpendres e floreiras, mas também o uso sistemático de cantaria rija, material abundante na Ilha. O estudo da arquitetura na Madeira nos anos 30 de 1900 passa também por uma análise à obra do professor e arquiteto Edmundo Tavares que, em 1932, se fixou no Funchal após ter sido nomeado professor efetivo na antiga Escola Industrial e Comercial de António Augusto de Aguiar, depois Francisco Franco. Aquela nomeação estará certamente relacionada com a criação, por parte do engenheiro Duarte Pacheco, então ministro das Obras Públicas, de delegações nas diversas regiões do país para cuidarem da introdução do novo figurino oficial do Estado Novo. A obra de Edmundo Tavares é relevante no Funchal, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento da arquitetura moderna, pois são dele os primeiros exemplares arquitetónicos ao gosto moderno construídos na Ilha. O seu percurso no arquipélago reflete uma larga amplitude de opções estilísticas, que traduz uma procura constante e uma oscilação de gosto que então caracterizava o panorama da arquitetura nacional. Tavares assinou alguns exemplares dentro do gosto português suave, dos quais se destaca o Liceu Jaime Moniz, tendo privilegiado uma linguagem mais historicista, ou revivalista, no edifício da agência do Banco de Portugal, inaugurado em 1940, e na Capela de Nossa Senhora da Conceição, de 1936. Por outro lado não deixou de atender ao gosto art deco, com o qual assinou alguns exemplares de habitação doméstica, como a Vivenda Fátima, implantada na Avenida Infante, e o Mercado dos Lavradores, inaugurado em 1940. Edmundo Tavares publicou vários livros de carácter técnico-construtivo e outros sobre temas da arquitetura portuguesa dos quais se destaca a sua participação na obra de Reis Gomes (1896-1950) Casas Madeirenses, com ilustrações de modelos de habitações. Trata-se de uma publicação que coloca em debate a problemática da existência de uma arquitetura madeirense através da apresentação de elementos típicos regionais recolhidos a partir da observação de edifícios existentes na cidade do Funchal. O arquiteto deixou também as suas impressões sobre a Ilha no artigo «Quadros, Presépios e Lapinhas», de 1948. Liderado pelo dinâmico autarca Fernão de Ornelas (1908-1978), este programa de obras contribuiu para a renovação dos edifícios públicos da cidade do Funchal e nele estiveram também incluídos, entre outros, vários edifícios destinados a escolas primárias, o Liceu do Funchal, Bairros Económicos, o edifício do Banco de Portugal, erguido na esquina do novo troço da Avenida Zarco com a Avenida Arriaga, e o Sanatório Dr. João de Almada, edificado na antiga quinta de Santa Ana, no Monte. Foi também a oportunidade para alargamento da rede de água potável, com a construção de fontenários nas freguesias suburbanas, cujo modelo seguiu o projeto-tipo de Carlos Ramos, enviado à edilidade funchalense e redesenhado por Tavares, considerado, então, o arquiteto da Câmara do Funchal. Aproveitou-se o programa para se levarem a efeito importantes obras no porto do Funchal, que passa a ter um molhe com 464 m, e para se efetuarem reparações no Palácio de S. Lourenço, na Avenida Marginal e Avenida do Infante. Procedeu-se à demolição da antiga praça do peixe, denominada Praça de São Pedro, do antigo Matadouro e do Mercado de D. Pedro V, transferindo-se para o átrio dos Paços do Concelho Leda e o Cisne, escultura que remata o chafariz ali existente. Este conjunto de obras destaca-se de entre as muitas iniciativas levadas a cabo por toda a Ilha como forma de mostrar que o Estado Novo respondia às reivindicações da população, tendo sido disponibilizados todos os recursos materiais e humanos disponíveis para a sua efetivação. No âmbito cultural, aproveitaram-se as comemorações centenárias para lançar a obra As Ilhas de Zargo, de Eduardo Clemente Nunes Pereira (1887-1976), depois com várias edições e de excecional importância na cultura madeirense. A Madeira seguia assim, efetivamente, a tendência nacional e, com Fernão de Ornelas na presidência da Câmara Municipal do Funchal, e ao serviço do regime de Salazar, Raul Lino é convidado, em março de 1941, a dar o seu parecer sobre novas alas a edificar a norte e a sul do corpo principal do edifício camarário, que se encontrava em profundas remodelações, com vista a uma integração harmoniosa. Para dar lugar a estas obras, foi expropriado, a norte, o antigo Palácio Torre Bela, permitindo a abertura de nova rua e, mais tarde, em 1962, a construção do Palácio da Justiça do Funchal, da autoria de Januário Godinho Sousa. As preocupações urbanísticas levam a que Raul Lino seja convidado a visitar novamente o Funchal em novembro do mesmo ano, a fim de se pronunciar sobre diversos problemas de estética citadina, designadamente no que respeita às obras das fachadas laterais do edifício dos Paços do Concelho. Aproveitando a nova passagem do arquiteto pela Madeira, em janeiro de 1942, acompanhado pelo engenheiro agrónomo Francisco Caldeira Cabral (1908-1992) e respetivas famílias, por ocasião dos estudos para a Praça do Município, a Junta Geral encarregou-o de efetuar o anteprojeto para o edifício que daria continuidade ao Palácio da Junta, a edificar na Avenida Zarco. Todavia, em dezembro do mesmo ano, Raul Lino escusou-se, oficiando à Junta que os serviços oficiais de que já ficara encarregado o ocupariam durante vários meses, não podendo deslocar-se à Madeira. A Junta lastimou a situação, tendo pedido de imediato à Direção dos Monumentos Nacionais a indicação de outro arquiteto, que veio a ser Januário Godinho. Em abril de 1943, este apresentou à Junta Geral ofício com as condições pretendidas para prosseguir a tarefa. Decorridos dois anos, o arquiteto esteve na Madeira a fim de assinar o contrato para a realização do projeto das novas instalações e assistir à execução das obras. A Câmara Municipal do Funchal resolveu, no entanto, a 11 de novembro de 1943, autorizar o presidente a assinar o contrato com o arquiteto urbanista João Guilherme Faria da Costa, tendo em conta o plano de urbanização desta cidade e as deliberações de 15 de julho e 5 de agosto respeitantes ao projeto de alinhamento da Rua dos Ferreiros, troço entre as Ruas dos Netos e Severiano Ferraz. Mais tarde, já em abril de 1945, é aprovado o projeto de urbanização da cidade do Funchal da autoria de Faria da Costa, que apresenta o seu estudo do arranjo da Praça do Município e sua zona imediata. O contributo deste arquiteto iria deixar a sua marca numa das principais praças da cidade, transformando toda a área entre a Igreja do Colégio, o edifício da Câmara Municipal e o Paço Episcopal numa das zonas mais privilegiadas da urbe funchalense. As obras de transformação deste quarteirão central são visíveis desde 24 de julho de 1941, data em que foi aprovada a terraplanagem e o calcetamento do largo do município, mas continuam depois de, a 23 de abril de 1942, se ter resolvido adjudicar o trabalho de forrar a parede da escada da Igreja do Colégio e demais trabalhos de arranjo da mesma escadaria. No seguimento destas transformações, em julho de 1942 foi resolvido aprovar e abrir concurso para a execução do projeto de uma Fonte Pelourinho no Largo do Município, da autoria de Raul Lino, obra que foi adjudicada a 17 de setembro do mesmo ano, depois de o chefe de gabinete do Ministro das Obras Publicas e Comunicações ter solicitado, uma cópia do referido projeto, que lhe foi enviada. Trata-se de um chafariz em cantaria rija, considerado uma bela peça de arquitetura civil ao gosto Estado Novo, onde se manifesta uma boa integração dos materiais regionais. Para que a transformação desta ampla praça fosse possível, foi pedida autorização à Junta Geral para ocupar a cerca do edifício do antigo Paço Episcopal, onde funcionava então o liceu Jaime Moniz. Esta obra de Raul Lino, datada de 1942, foi construída no centro da Praça do Município projetada por Faria da Costa em fevereiro de 1945. A planta da nova organização da Praça do Município e o projeto da Fonte Pelourinho deixam perceber as modificações que se pretendiam introduzir na nova praça, como espaço central do município e verdadeiro retrato da vereação de Fernão Ornelas. Outra obra emblemática da vereação camarária que ficou associada a Faria da Costa foi a nova rua de ligação entre a Ponte do Bettencourt e o Mercado dos Lavradores, rua que constava do seu projeto de urbanização para a cidade do Funchal, pensada para ser denominada Rua dos Mercadores e posteriormente conhecida como Rua Fernão Ornelas. Em abril de 1945, o presidente da Câmara foi autorizado a outorgar e assinar, com os respetivos proprietários, os contratos referentes às expropriações, demolições, reconstruções, indemnizações e vendas de terrenos sobrantes para ratificação dos alinhamentos dos prédios, não só nesta rua mas também no alargamento da Rua do Aljube, no Largo do Chafariz, na Rua do Bettencourt, na Rua do Phelps, na Rua do Monteiro e na Rua dos Medinas, e respetivas imediações. Para execução do plano de urbanização da cidade, foi necessário demolir o edifício onde estava instalado o Banco da Madeira, no Largo do Chafariz, levando a edilidade a adquirir o prédio da rua João Gago n.º 16, n.º 18 e n.º 20 de polícia, para demolição e posterior entrega do terreno ao Banco da Madeira, a fim de, conjuntamente com o sobrante do seu edifício, se proceder à sua reconstrução. Dada a importância e localização deste prédio, junto da Sé, torna-se conveniente a aplicação de cantarias que guarnecerão o edifício. A Câmara compromete-se a pagar o custo orçamentado das cantarias e o Banco da Madeira obriga-se a requerer imediatamente o projeto da obra, que será fornecido pela Câmara mediante o pagamento de 2% sobre o orçamento das obras, devendo a reconstrução iniciar-se em junho e estar concluída no prazo de um ano, tudo em harmonia com as indicações da Câmara, designadamente quanto a alinhamentos. Faria da Costa ficaria associado a diversas obras da cidade do Funchal aprovadas sob a presidência de Fernão Ornelas, mas concretizadas já depois do seu afastamento da governação camarária, em finais de outubro de 1946. As muitas obras de urbanização e modernização que se sucederam ao longo dos seus mandatos permitiram uma transformação sem precedentes na organização do espaço citadino do Funchal. Permitiram também a vinda de importantes figuras da arquitetura e da engenharia portuguesa, que deixaram na ilha as marcas do seu conhecimento e da sua arte, construindo com base nos ideais do regime. A continuidade das grandes obras de urbanização do Funchal vai ser uma realidade, apesar da saída do presidente que ficou conhecido como “o terramoto”, porque destruiu para reconstruir, erguendo uma nova cidade, moderna e virada para o progresso. Na tomada de posse do seu último mandato, a 2 de janeiro de 1946, e que se prolongaria até 1949, a equipa camarária propunha-se intensificar ainda mais a sua ação. Para além da conclusão da Rua dos Mercadores, do arranjo e alargamento do Chafariz, da Rua do Bettencourt e do Largo do Phelps, iria retomar as obras interrompidas da Avenida do Mar, concluir a Praça do Infante e sua ligação à Avenida do Mar e a parte municipal do Parque da Cidade. A nível social propõe-se iniciar a construção de mais um bairro para as classes pobres da Madalena em Santo António, propõe-se instalar o Posto Clínico Central em novos edifícios a construir, onde funcionará também a Sede do Serviço de Saúde Municipal. Será também construído um novo edifício para instalação dos Bombeiros Municipais, vários edifícios para instalação de escolas e o novo Cemitério Oriental, e concluído o estudo do abastecimento completo de água ao Funchal e freguesias suburbanas, bem como o estudo da urbanização dos Ilhéus até à Cruz de Carvalho e o estudo do bairro da Ajuda. Nos novos projetos, foi apresentado o da cobertura da Ribeira de Santa Luzia, da Avenida do Mar ao Torreão, onde era construído um largo, que seria o topo desta avenida e da Avenida Zarco. Como complemento das obras de urbanização da parte central do Funchal, estudava-se uma artéria que delimitava a parte baixa da cidade, sendo a continuação da Rua Elias Garcia até ao Torreão e daí pelas Capuchinhas e pelas Cruzes até São Paulo. Com estas ações devem considerar-se concluídas as grandes obras de urbanização do Funchal, reforçando-se a grandeza dos melhoramentos que marcam uma época na história da cidade. Alguns desses melhoramentos destacam-se quer pela sua grandeza e significado, quer pela importância e dimensão dos seus autores. O arquiteto Adelino Nunes (1903-1948) foi o responsável pelo projeto do edifício dos correios na Avenida Zarco, inaugurado em 1942, enquanto Januário Godinho elabora em 1945 um projeto de remodelação do edifício da Junta Geral do Distrito, na sequência da abertura do troço norte da Avenida Zarco. Este projeto englobava também as novas instalações adjacentes à antiga Misericórdia, com entrada pela mencionada avenida. Moreira da Silva (1909-2002), arquiteto urbanista do Porto, envia a sua proposta para a elaboração do projeto do Parque de Santa Catarina em março de 1944, mas após ponderada apreciação, a Câmara classifica de inaceitável o anteprojeto apresentado, desinteressando-se do mesmo. Todavia, em julho de 1946, o engenheiro Raul Andrade de Araújo (1918-1957) propõe a contratação de um técnico especializado para orientar a preparação dos terrenos e plantações do Parque de Santa Catarina. Este mesmo engenheiro é encarregado de ir a Lisboa adquirir o material necessário para a repartição de obras e contratar o pessoal técnico necessário para os serviços de urbanização do Funchal e plano complementar do abastecimento de águas ao concelho. Em 1949, é elaborado novamente um anteprojeto para o mesmo Parque de Santa Catarina, desta vez da autoria de Miguel Jacobetty (1901-1970). A 28 de maio de 1947, é inaugurado o monumento ao Infante D. Henrique, na rotunda do Infante, e, no ano seguinte, o fontenário da mesma rotunda. Já em 1951, é inaugurada a Ponte do Mercado, estabelecendo-se a ligação entre as obras pensadas ao tempo de Fernão Ornelas e a sua efetiva concretização nos anos posteriores à sua saída. Na verdade, nem todas as obras acabariam por ser realizadas mas a transformação do Funchal, essa ficaria manifesta aos olhos dos seus habitantes. Quando, em 1934, se nomeou Fernão de Ornelas para a presidência da Câmara Municipal do Funchal, abria-se uma nova era no município, colocando na praça pública a discussão das grandes obras de arquitetura e urbanismo, dos grandes projetos e dos seus autores, que moldaram a cidade do Funchal na primeira metade do século XX, com uma assinalável transformação da malha urbana do Funchal que teve a colaboração de importantes personalidades. Com a afirmação do Estado Novo e a nomeação de novos dirigentes à frente dos principais destinos da Madeira, vamos assistir, de facto, a um controlo da ação política local e a um estreitar do relacionamento entre a região e o continente. Para essa aproximação muito contribuíram as ideias políticas, mas também a visão de personalidades como Duarte Pacheco e Fernão Ornelas. O primeiro criou condições para o aparecimento de grandes obras de arquitetura e urbanismo que se destacaram a nível nacional, enquanto o segundo teve a dinâmica e ousadia necessárias para implementar no Funchal programas de modernização da arquitetura e do urbanismo que redesenharam a imagem da cidade para o século XXI.   Agostinho Lopes Teresa Vasconcelos (atualizado a 04.01.2017)

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