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telegrafia sem fios (tsf)

De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal, a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, com a Ponta do Pargo e Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. A descoberta da telegrafia sem fios, patenteada a 2 de junho de 1896, veio alterar para sempre o panorama das comunicações em Portugal e, em particular, na Madeira. Palavras-chave: comunicação; Madeira; Marconi; telegrafia; telegrafia sem fios. De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de transmissão por combinações de luzes, que teve a primeira aplicação prática no exército de Alexandre, o Grande. Todavia, os grandes aperfeiçoamentos do sistema tiveram lugar muito mais tarde, sendo obra de Lippershem, Galileu e Kipler. Esse sistema manteve-se até finais do séc. XVIII, altura em que os irmãos Chappe, em França, criaram o primeiro sistema semafórico, cujo princípio estará na origem do telégrafo (1844). Ambos foram também aplicados em Portugal e na Madeira, servindo de meio de comunicação das embarcações entre si, com os portos e entre os vários núcleos de povoamento. Uma das principais utilidades do sistema na Madeira, foi o aviso da presença de corsários, prontos a assaltar barcos e povoações. Desde o início da ocupação da Ilha que os seus habitantes estiveram expostos ao livre arbítrio de piratas e corsários, que frequentavam com assiduidade o mar madeirense e se apresentavam como uma permanente ameaça para as populações costeiras. Ficaram célebres os assaltos dos franceses ao Funchal, em 1566, e dos argelinos ao Porto Santo, em 1616. Perante esta permanente ameaça, foi necessário estabelecer medidas de vigilância e proteção na costa. No primeiro caso, destacam-se as vigias colocadas em locais estratégicos, ao longo da vertente sul da Madeira, onde permaneciam turnos de guarda da ordenança local. A presença de um navio estranho, indiciador de um pirata ou corsário, era, de imediato, avisada aos comandantes das ordenanças que reuniam as hostes, através de um sinal sonoro: o repicar dos sinos da igreja ou o toque do tambor. Todavia, as populações costeiras também precisavam de ser avisadas, de modo a poderem preparar a defesa – daí a utilização destes sinais, que eram mais rápidos do que um mensageiro a cavalo. Estabeleceu-se, em toda a Ilha, um sistema de comunicação por sinais luminosos (os fachos), que circulavam ao longo da orla costeira por intermédio das elevações que propiciavam este contacto. A rede terminava no Pico da Cruz, em São Martinho, que foi conhecido como o Pico Telégrafo. Daí resultou a designação de Pico do Facho às elevações onde se faziam os sinais luminosos; com este nome, surgem-nos dois picos, um no Porto Santo e outro na Madeira (em Machico). A forma de organização desta comunicação por sinais óticos é-nos apresentada, em 1805, pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, num regimento que estabeleceu para tal fim. Desta forma, existia uma linha visual de comunicação que ligava o Pico do Facho, no Porto Santo, com o de Machico, o Pico da Água (Caniço), o Pico da Cruz (São Martinho) e Cabo Girão (Câmara De Lobos). Como é óbvio, o sistema não permitia uma perfeita e total comunicação entre os dois interlocutores, atuando apenas como um meio de aviso, rápido e eficaz. Por outro lado, inúmeros obstáculos se colocavam à sua concretização, numa ilha marcada pelo acidentado do terreno. Estas dificuldades só podiam ser ultrapassadas com o aparecimento de um novo meio de comunicação – no caso, o telégrafo elétrico, surgido em 1837. Foi neste ano que William Cooke e Charles Whatstone registaram a patente. Aqui há a considerar a telegrafia com fios e sem fios, sendo de destacar, na primeira, a que se realizava por via terrestre ou marítima (cabo submarino). O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, à Ponta do Pargo e a Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e dos Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. Recorde-se que, a 7 de abril de 1859, os deputados madeirenses, Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos, Moniz de Bettencourt, Luís de Freitas Branco, Luís da Câmara Leme, requereram, ao Governo, informações sobre os custos e a instalação de cabo elétrico, bem como sobre despesas de instalação e funcionamento de uma estação, certamente a pensar na sua instalação no Funchal. Para trás, ficaram a telegrafia semafórica, surgida em 1803, e a ótica de 1810. Mesmo assim, na Ilha, continuaram a conviver com esta nova forma de comunicação, permanecendo ativas as estações semafóricas da Ponta do Pargo e da Ponta de São Lourenço. Atente-se a que a semafórica continuou por muito tempo a marcar presença na baía do Funchal, servindo a comunicação entre os navios e o Calhau. Para isso, usava-se o Pilar de Banger. O facto de, a 10 de março de 1876, Alexandre Bell ter patenteado o seu novo invento, o telefone, fez com que o sistema de telegrafia se tornasse obsoleto. Todavia, ele tardou em chegar à Madeira: em 1881, foi concedido o alvará de exploração à companhia Edison Gower Bell Company, para a rede de Lisboa, mas só em 1911 é que os madeirenses puderam usufruir dele. A primeira ligação telefónica teve lugar a 6 de outubro entre o governador e o Diário de Notícias, que tinha o número 32. Entretanto, no ano seguinte, a Câmara solicitava o seu alargamento a toda a Ilha, o que só foi conseguido nos 40 anos que se seguiram. Para as ligações com o exterior, continuou a manter-se o sistema telegráfico, e o usufruto do mesmo, por meio do TSF ou cabo submarino, teve lugar muito mais cedo, mercê do facto de a Ilha se situar num eixo importante das comunicações com o continente africano. A conjuntura da primeira metade do século foi favorável ao rápido desenvolvimento da TSF. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e os conflitos militares isolados, como o dos bóeres na África do Sul, criaram a necessidade de um rápido e eficaz sistema de comunicações, só possível com a telegrafia sem fios. A utilização do rádio, a partir de 1905,  nas comunicações militares, e a acuidade destes conflitos, nos primeiros decénios do séc. XX, traçaram o caminho para a plena afirmação das comunicações via rádio. Foi Marconi quem, durante a guerra, divulgou, no seu país, o serviço de telegrafia e telefonia. O invento patenteado por Marconi ia dando os primeiros resultados. Dos iniciais 4 km de comunicação, passou-se para os 400 km e para a total cobertura do mundo. As experiências realizadas entre julho e dezembro de 1902, a bordo do vapor Carlos Alberto, levaram ao desenvolvimento do sistema de transmissão em morse e à receção telefónica de ondas, que lhe propiciaram, em 1902, a transmissão da primeira mensagem radiotelegráfica entre o Canadá e a Inglaterra e, no ano imediato, com os EUA. A 16 de setembro de 1906, foi inaugurado o primeiro serviço radiotelegráfico regular entre a Europa e os EUA. Os benefícios deste novo sistema de comunicações tornam-se evidentes na guerra e no salvamento de embarcações naufragadas, como sucedeu, em 1909, com os vapores Florida e Republica e, em 1912, com o grande paquete Titanic. Em 1916, Marconi apresentava o primeiro aparelho de telefonia por ondas curtas e contribuía assim, decisivamente, para o progresso das comunicações a longa distância, e para a afirmação de uma nova realidade que marcou a sociedade mundial a partir da déc. de 20. Foram os anos da rádio: primeiro, nos EUA, desde 1914, depois na Europa, com a BBC (1922). Após isso, o inventor desenvolveu as investigações sobre o sistema de ondas curtas, servindo-se, para o efeito, do vapor Electra. Deste modo, em maio de 1924, transmitia, pela primeira vez, a voz humana, por meio da radiofonia entre a Inglaterra e os EUA. A descoberta da TSF, patenteada a 2 de junho de 1896, colocou-o entre as personalidades ilustres e mais badaladas da primeira metade do séc. XX, e levou-o ao panteão do prémio Nobel, ao receber o da Física, em 1909. O iate Electra, o seu mundo ambulante, considerado pelos italianos “nave del miracolo”, tornou-se no centro das experiências, enquanto Roma e Londres funcionavam como o meio de concretização técnica dos inventos, nomeadamente por meio da companhia que criara em julho de 1897. Entre as primeiras experiências, em 1896, e a generalização do uso da TSF nas comunicações marítimas, terrestres e aéreas, desde 1913-14, medeia um curto período, pelo que estes anos e os seguintes foram de intensa atividade para o cientista. Entre 1922 e 1924, percorreu o Atlântico, desde Cabo Verde aos Açores e à Madeira, no sentido de encontrar uma solução adequada à dirigibilidade das ondas de pequena extensão: de 17 a 18 de julho de 1922 esteve na Horta (Faial-Açores) e, de 26 de agosto (madrugada) a 2 de setembro de 1924, passou pela Madeira. Esta curta estância na Madeira enquadrava-se no plano de experiências traçado para o mesmo ano e que o levou a Lisboa, ao Funchal, ao Porto Santo, a Cabo Verde e a Gibraltar. Foram três meses de demoradas pesquisas que contribuíram para a solução das principais dificuldades resultantes da comunicação radioeléctrica. Deste modo, aquando do regresso a Londres, a 3 de novembro, deu início à construção da primeira estação equipada com o novo invento. Até à inauguração do serviço radiotelegráfico da Marconi, em 15 de dezembro de 1926, todo o serviço de comunicação entre a ilha da Madeira e o exterior fazia-se por cabo submarino ou por uma incipiente estação de TSF, montada em junho de 1922, na estação Rádio Telegráfica do Funchal, situada na R. de João Gago. Durante a Primeira Guerra Mundial, o Governo inglês havia montado uma estação na Qt. Santana, que foi encerrada a 2 de abril de 1919. Um despacho do Ministério das Finanças, de 12 de dezembro de 1921, determinava a instalação de um posto radiotelegráfico na Madeira, o que nunca aconteceu. Entretanto, já em 1925, o semfilismo teve novo impulso na ilha da Madeira, por iniciativa de Alberto Carlos d´Oliveira, funcionário da estação telegráfica do Funchal, que havia sido transferido para aqui, em 1920. Este, que havia exercido idênticas funções em São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, tinha iniciado, em 1912, as transmissões, e estabelecido inúmeros contactos com embarcações. A abertura da estação, em 1925, abriu as portas para novos adeptos, de forma que, passados 4 anos, eram já 12 os radioamadores em funcionamento na Ilha. Assim, à saída de Alberto Oliveira para a Estação Telegráfica de Lisboa, em 1931, havia, na Ilha, um grupo significativo de radioamadores. Com a Segunda Guerra Mundial, todavia, em 1939, todos os radioamadores foram obrigados a silenciar a sua presença. Através dos debates parlamentares, sabemos da preocupação dos deputados madeirenses relativamente ao facto de as duas ilhas do arquipélago estarem devidamente servidas de telegrafia sem fios. A par disso, pretende-se que este novo meio não fique ignorado, apelando-se, a 5 de março de 1904, pela voz dos deputados Alexandre José Sarsfield e Frederico dos Santos Martins, à criação de uma escola prática de telegrafia no Funchal. Apenas a ilha do Porto Santo continuava isolada do mundo. Desta forma, são insistentes as reclamações de alguns dos deputados madeirenses no sentido de levar a cabo a instalação de um cabo submarino ou de uma estação de TSF. Sabemos de um projeto de cabo submarino que deveria ligar aquela ilha à Ponta de São Lourenço, mas que não passou de projeto, pois, entre 1922 e 1925, César Procópio de Freitas insiste na necessidade de atender a este problema, nem que seja com um simples posto de telegrafia sem fios, sugerindo, também, que se transferisse a estação existente no Funchal quando a Marinha instalasse a sua nova estação. Entretanto, em março de 1926, o Funchal estava servido de duas estações telegráficas, uma na estação dos correios, e outra, nova, na Marinha no Castelo do Pico; o Porto Santo, contudo, continuava à espera. A telegrafia sem fios era considerada importante para a Madeira. A 5 de novembro de 1919, para voltarmos um pouco atrás nas datas, o deputado Pedro Pita era perentório: “A navegação afasta-se da Madeira, preferindo os portos das Canárias – essas ilhas rivais – porque aí tem telegrafia sem fios, e, portanto, uma maior facilidade para os pedidos de fornecimentos. De modo que em vez de virem à Madeira procurar mantimentos e refrescos, que só podem ser-lhes preparados depois de cá estarem, porque também só depois disto é que os podem pedir, preferem as Canárias, para onde comunicam a distância por intermédio da telegrafia sem fios, e onde, mal chegam, podem fornecer-se e retomar a sua marcha” (VIEIRA, 2014, 1747). Os mesmos argumentos são repetidos a 4 de julho de 1922 pelo deputado Vasco Marques, que reclamava da perda de competitividade do porto madeirense em relação aos das Canárias, por falta deste meio: “O porto do Funchal deixou, sim, de ser visitado como era antes da guerra, por dois principais motivos: Primeiro, porque só agora, e não obstante as reclamações dos parlamentares e de toda a Madeira, é que montaram uma estação de telegrafia sem fios, cujos aparelhos de transmissão, por sinal, são insuficientes; tal melhoramento só agora começou; por isso a navegação preferia as Canárias, porque lá, devido aos sem fios, encontraria tudo ao fundear, ao passo que na Madeira, só depois da chegada ao porto é que podiam dizer aquilo de que necessitavam, o que forçava a navegação a perder um tempo precioso; em segundo lugar, porque o decreto chamado de proteção à marinha mercante lançou impostos gravosos sobre os vapores estrangeiros, pelo que muitos destes deixaram de tocar na Madeira” (Id., Ibid., 2174). A 6 de fevereiro de 1925, Procópio de Freitas insiste na ideia de que o porto do Funchal era o único sem posto telegráfico e que, com isso, perdia em relação aos demais: “Hoje todos os portos bastante frequentados têm postos de telegrafia sem fios com a altura suficiente para poder receber as comunicações dos navios que desejam, ao demandarem esses portos, que neles haja todas as facilidades para embarque e desembarque de passageiros, e abastecimentos” (Id., Ibid., 2342). Atente-se que esta ausência de uma estação de TSF em condições, no Funchal e no Porto Santo, é entendida pelos deputados madeirenses – como era o caso de Procópio de Freitas, Juvenal Araújo e Pedro Góis Pita – como uma expressão do abandono a que o arquipélago continuava votado, funcionando como um entrave ao progresso e à afirmação da Ilha na navegação oceânica, face às Canárias. Por outro lado, era assinalada como uma injustiça, quando nos Açores todas as ilhas já estavam ligadas. O cabo submarino, como meio privilegiado de comunicação com o exterior, não durou muito, devido à concorrência da telegrafia sem fio e do desenvolvimento do correio aéreo, que o tornaram obsoleto e de elevados custos; deu por isso lugar a uma complexa rede de TSF. Foi o primeiro passo para uma rápida ligação entre todo o mundo, sistematizada por completo, no séc. XX, com os satélites. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação conduziu ao paulatino apagamento da Wireless Telegraph Company, que acabou por ser silenciada em 1982, com o aparecimento de uma via alternativa para o cabo submarino, com a inauguração da estação de satélites. Desde esta data, com as remodelações posteriormente realizadas, passou a funcionar apenas uma estação do serviço móvel marítimo e uma casa de repouso para os funcionários da empresa. Na déc. de 50, redobram as responsabilidades da Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM), ao ser-lhe atribuída a exploração do rádio móvel marítimo. O Garajau permanece como central, dispondo apenas das antenas de receção, enquanto o Caniçal é reativado como posto de emissão e, no Funchal, ficavam centralizados desde 4 de julho de 1951 todos os serviços de escuta rádio naval. A mudança técnica das instalações do Caniço só ficou concluída em 25 de março de 1968, com a inauguração da nova estação do Caniçal. Os radioamadores foram os primeiros a apostar, com total confiança, neste suporte de comunicação, sendo o seu elo de continuidade. A Madeira tem uma tradição significativa de semfilismo, estando ligada a esta atividade desde os primórdios do seu aparecimento em Portugal.   Alberto Vieira (atualizado a 23.01.2017)

Física, Química e Engenharia Sociedade e Comunicação Social

cem – construindo o êxito em matemática

No final da déc. de 90 do séc. XX, a Associação de Professores de Matemática (APM) realizou um estudo, Matemática 2001 – Diagnóstico e Recomendações sobre o Ensino e Aprendizagem da Matemática, “com o propósito de elaborar um diagnóstico e um conjunto de recomendações sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática no nosso país” (ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, 1998, 1). Este estudo tinha a preocupação de contribuir para a melhoria do ensino da matemática no início do séc. XXI. Dele emergiram recomendações específicas para uma reorganização curricular, repensando as finalidades do ensino da disciplina para as práticas pedagógicas dos professores em sala de aula e para a formação de professores, entre outras. Em 2001, seguindo as recomendações advindas do estudo supracitado, o Ministério da Educação lançou o Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, definindo as aptidões fundamentais que um aluno deveria ter desenvolvido no final de cada ciclo (1.º, 2.º e 3.º ciclos). Esta finalidade do ensino da matemática implicava mudanças nas práticas dos professores. Visando ir ao encontro das necessidades de formação para implementar tais mudanças, realizou-se na Madeira uma formação para professores de matemática. Em 2005, no âmbito do Plano de Ação para a Matemática, iniciou-se em todo o país uma formação de professores que teve como propósito melhorar a preparação para uma mais profícua implementação do novo programa da disciplina, então em experimentação, e que veio a ser homologado em 2007. Esta formação decorreu entre 2005 e 2011 e alcançou milhares de professores. O projeto CEM O CEM – Construindo o Êxito em Matemática é um projeto de formação contínua de professores de matemática do ensino básico que teve início no ano letivo 2006-2007, no âmbito do Plano Regional de Ação para a Matemática, e que conta com o apoio da referida Direção Regional e da Universidade da Madeira (UMa). Com uma visão ampla do que é a aprendizagem no geral e a aprendizagem da matemática em especial, foram adotadas três teorias sociais de aprendizagem que seriam o suporte teórico de toda a conceção e implementação do projeto. A teoria da aprendizagem situada, que vê a aprendizagem como participação, defende que, para aprender, as pessoas têm de se empenhar conjuntamente, sendo igualmente necessário que participem nas práticas e tenham uma meta a alcançar. Outra das teorias que sustentam o projeto é a teoria da atividade, que entende a aprendizagem como transformação, seja das práticas em que as pessoas (professores e alunos) se envolvem, seja das pessoas que aprendem (professores e alunos). O terceiro pilar teórico do projeto é a educação matemática crítica, que discute a aprendizagem como ação dialógica, defendendo que para aprender é preciso existir intencionalidade por parte de quem aprende, o que envolve ação e reflexão sobre essa ação. A partir destas três ferramentas teóricas, idealizou-se um projeto com cenários de aprendizagem para os professores e para os alunos. O projeto criado visou melhorar as aprendizagens e desenvolver as competências matemáticas nos alunos, trabalhando com os professores do ensino básico da Região Autónoma da Madeira (RAM) com os seguintes objetivos: a) promover um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos e didáticos dos professores; b) favorecer a realização de experiências de desenvolvimento curricular que contemplem a planificação e a implementação de aulas, e posterior reflexão; c) promover o trabalho cooperativo entre docentes (intra e inter escolas). Com estes objetivos, foi promovida uma formação que teve em conta os conhecimentos matemático, didático e curricular, de acordo com os conteúdos matemáticos a abordar, e procurando atender às necessidades e solicitações dos professores. A realização de experiências de desenvolvimento curricular contemplou a planificação de aulas, a sua condução e posterior reflexão por parte dos professores envolvidos, apoiados pelos pares e pelas formadoras que integravam a equipa do projeto. No ano letivo de 2006-2007, iniciou-se o projeto CEM para professores do 3.º ano do 1.º ciclo. Cada equipa de formação era constituída por uma professora do 1º ciclo e por uma professora de matemática do 3.º ciclo e do secundário. Esta exigência prendeu-se com a procura de assegurar que tanto o conhecimento matemático quanto o didático e curricular estavam salvaguardados. Metodologia de trabalho do projeto CEM As equipas de professores destacados pela DRE prepararam a formação construindo propostas de trabalho adequadas ao tipo pretendido e criaram materiais visando o trabalho dos alunos na sala de aula e considerando a sua adequação a uma metodologia de atuação onde o discente é o elemento central do seu processo de aprendizagem. Quinzenalmente, as equipas de formação reuniam com os docentes, organizados em pequenos grupos (de não mais de 12), apresentavam e discutiam com os professores em formação as propostas de trabalho e os materiais construídos, refletindo sobre as metodologias de trabalho e as consequências das mesmas para a implementação das propostas. Finalmente, prestavam apoio aos professores, em contexto de sala de aula, na execução das propostas de trabalho construídas e amplamente discutidas nas reuniões. Cada professor envolvido na formação tinha a liberdade de adaptar à(s) sua(s) turma(s) a proposta construída pelo CEM, sendo essa adaptação apresentada e discutida com as equipas de formação. Os cenários de aprendizagem dos professores também tinham momentos de discussão e reflexão conjunta (professor, equipa formadora, restantes professores em formação) acerca da prática pedagógica resultante da implementação das propostas de trabalho na sala de aula. Os formandos tinham ainda de refletir sobre o processo e apresentar ao grupo de trabalho, com base em artigos científicos fornecidos pela equipa de formadores, diversas temáticas, como sejam, a avaliação das aprendizagens matemáticas e a comunicação matemática. Como estratégia complementar, os professores envolvidos no projeto dinamizavam, com o apoio da respetiva equipa formadora, seminários trimestrais nos estabelecimentos de ensino a que pertenciam, como meio de troca e partilha de experiências com os restantes colegas da escola. Dos cenários de aprendizagem criados para os docentes faziam também parte a análise e interpretação (por parte dos professores, apoiados pelas equipas de formação) dos documentos curriculares que foram emergindo ao longo de todos os anos de projeto. Este aspeto do trabalho é bastante apreciado pelos professores. A evolução do CEM Em 2006-2007, 57 professores do 3.º ano de escolaridade aderiram voluntariamente ao projeto. Em 2007-2008, entraram 119 novos professores, também do 3.º ano, e deu-se continuidade ao trabalho realizado com 49 dos docentes que integraram o projeto no ano anterior, na altura lecionando 4.º ano de escolaridade. Em 2008-2009, o projeto funcionou com 106 professores do 4.º ano (dos que tinham entrado para o projeto no ano antecedente) e entraram cerca de 100 novos professores do 3.º ano. Ainda em 2008-2009, foram preparadas propostas para o 1.º ano de escolaridade, disponibilizadas numa plataforma Moodle, introduzida nesse ano letivo como mais um meio de comunicação entre a equipa de formação e os professores em formação. A preparação das propostas para o 1.º ano foi a forma de garantir o elo de ligação aos professores que tinham terminado a formação presencial. No mesmo ano letivo, chegaram ao 2.º ciclo os primeiros alunos do projeto CEM. O CEM, para o 2.º ciclo do ensino básico (CEM2), surgiu como a continuidade natural e desejável a dar ao trabalho realizado por esses alunos no 1.º ciclo do ensino básico (CEB). Aderiram ao projeto 65 professores de matemática que estavam a lecionar ao 5.º ano de escolaridade e entraram para o projeto mais duas equipas de formação, cada uma delas constituída por duas professoras de matemática (uma do 2.º e outra do 3.º ciclo). Em 2009-2010, o projeto CEM (1.º ciclo) funcionou com cerca de 70 professores do 4.º ano. Foram preparadas propostas para o 2.º ano de escolaridade, disponibilizadas na plataforma Moodle. No CEM2, deu-se continuidade ao trabalho realizado no ano anterior com os professores de matemática do 5.º ano que se encontravam já a lecionar ao 6.º ano. Em 2010-2011, chegaram os primeiros alunos do projeto CEM (1.º e 2.º ciclos) ao 3.º ciclo. Assim, como forma de dar continuidade ao trabalho realizado nos ciclos anteriores, o projeto CEM estendeu-se ao 3.º ciclo do ensino básico (CEM3). Os objetivos do CEM3 são, basicamente, semelhantes aos que tínhamos para o 1.º e 2.º ciclos. Neste ano letivo, foi feita a generalização dos novos programas de matemática do ensino básico. Todo o trabalho desenvolvido teve em conta as orientações do novo programa, até então em experimentação. Iniciou-se o CEM3 com 56 professores do 7.º ano de escolaridade e com três formadoras licenciadas em matemática destacadas pela DRE. Entretanto, nesse ano letivo (2010-2011), a DRE quis alargar o projeto a um maior número de professores. Estreou-se assim uma nova modalidade do CEM para o 1.º CEB (CEM1): formação de formadores. As equipas do CEM1 prepararam 30 professores para fazerem formação a outros docentes por toda a RAM. Cada um destes formadores seria responsável por dinamizar a formação de um grupo de 12 professores. Esta modalidade perdeu a componente de trabalho conjunto na sala de aula. Seguiu-se um esquema semelhante para os professores do 5.º ano. 40 docentes das diferentes escolas da RAM receberam formação com a equipa do CEM2 e depois deram-na aos colegas da sua escola que lecionavam ao 5.º ano. Em 2011-2012, foram 48 os professores do 8.º ano que estiveram envolvidos na formação na sua modalidade original, sendo que muitos deles já tinham tido formação no âmbito do projeto CEM3 no ano anterior, quando lecionavam ao 7.º ano. Ao longo deste ano letivo, 19 professores do 1.º CEB receberam formação e replicaram-na a grupos de 12 professores. Também 33 professores do 6.º ano receberam formação e dinamizaram-na nas suas escolas para os colegas que lecionavam no mesmo ano de escolaridade. Em 2012-2013, o projeto CEM3 atingiu o último ano de escolaridade do 3.º ciclo, trabalhando na sua modalidade original (com acompanhamento na sala de aula). Foram 60 os professores do 9.º ano que frequentaram a formação. Para esse ano letivo (2012-2013), a DRE propôs que se adotasse uma metodologia semelhante à dos 1.º e 2.º ciclos para os 7.º e 8.º anos. Ou seja, professores dos 7.º e 8.º anos indicados pelas próprias escolas fariam formação com as equipas do CEM3 e depois dinamizariam a mesma formação nos seus estabelecimentos de ensino para os colegas que lecionavam ao 7.º ou 8.º ano, respetivamente. Mas esta formação para os 7.º e 8.º anos não teve o sucesso esperado, nomeadamente, devido à obrigatoriedade da mesma e à falta de critérios adequados para a seleção dos professores que iriam receber a formação com as equipas do CEM3 e replicá-la nas escolas. Em relação ao 1.º CEB, nesse ano, fez-se formação para todos professores da RAM que se encontravam a lecionar ao 4.º ano de escolaridade: 153 frequentaram essa formação. Note-se que muitos destes docentes já tinham frequentado o projeto CEM na sua modalidade original e, portanto, conheciam muito bem as metodologias de trabalho em questão. Este aspeto foi uma mais-valia para a formação e refletiu-se na profundidade das reflexões elaboradas pelos professores, quer sobre as propostas apresentadas, quer sobre a implementação das mesmas na sala de aula, e também no aproveitamento dos alunos. No que concerne ao 2.º CEB, no mesmo ano letivo, 26 professores do 5.º ano e 27 do 6.º ano participaram na formação. Muitos já tinham frequentado o CEM2 na sua modalidade original. Em 2013-2014, estando a DRE muito agradada com os resultados dos exames nacionais de matemática do ano anterior, solicitou novamente formação para todos os professores do 4.º ano da RAM e para os professores do 1.º e do 3.º (anos em que o novo programa de matemática, definido em 2013, estava a ser implementado). Iniciou-se com os professores destes 1.º e 3.º anos uma nova modalidade do CEM e apostou-se no b-learning, uma vez que muitos destes professores já tinham participado no projeto, numa das outras modalidades. No 2.º e 3.º ciclo, a formação foi para os professores que lecionavam aos 5.º e 7.º anos, respetivamente, uma vez que eram anos de implementação do novo programa de matemática (2013), como se disse. No 7.º ano, na modalidade original e no 5.º, sem acompanhamento na sala de aula. Os números do CEM  Ao longo destas linhas foi indicado o número de professores que participaram na formação do CEM nos três níveis de ensino. Quanto aos discentes, cada professor que participou no CEM tinha mais do que uma turma e terá trabalhado com uma metodologia semelhante nas várias turmas que tinha e pelas quais foi passando ao longo dos anos pós-projeto CEM. Não se consideram esses valores no quadro da fig. 1, mas somente o número de alunos no ano e turma com que o professor participou no projeto. Muitos destes discentes foram “alunos do CEM” durante diversos anos e ciclos de escolaridade. Também vários professores dos diferentes ciclos participaram no CEM durante vários anos. Ano letivo N.º de professores por ciclo N.º de alunos por ciclo 1.º  2.º 3.º 1.º 2.º 3.º 2006-2007 57 - - 1140 - - 2007-2008 168 - - 3360 - - 2008-2009 206 65 - 4012 1625 - 2009-2010 70 31 - 140 775 - 2010-2011 15 40 56 1920 1000 1046 2011-2012 19 33 48 2400 825 772 2012-2013 153 53 113 3060 1300 2418 2013-2014 235 36 29 4700 900 658 Fig. 1 – Quadro com o número de docentes e discentes que participaram no projeto CEM entre os anos letivos de 2006-2007 e 2013-2014. Os resultados do projeto CEM Os resultados obtidos são, em termos gerais, semelhantes para o CEM1 e para os CEM2 e CEM3. Podemos avaliar o projeto tendo em conta: as aprendizagens matemáticas dos alunos e as transformações nas práticas dos professores. Para avaliar as aprendizagens matemáticas dos alunos, temos disponíveis os seguintes elementos: resultados das provas de aferição e dos exames nacionais; observação do trabalho dos alunos aquando da participação das equipas de formação nas aulas dos professores em formação; partilha feita pelos professores nas reuniões quinzenais sobre o desempenho dos alunos nas aulas; inquéritos realizados aos alunos; portefólios elaborados pelos professores; múltiplas teses de mestrado realizadas na UMa. No que diz respeito aos resultados das provas de aferição dos alunos do projeto CEM1, CEM2 e CEM3, podemos constatar, ao longo dos anos, que estes são ligeiramente melhores do que os resultados globais dos alunos da RAM. A grande diferença está na ausência da classificação mais baixa (nível E) nos alunos do projeto e de uma percentagem maior de alunos com classificação superior (nível C). No ano 2012-2013, a média dos resultados dos exames nacionais dos alunos da RAM foi superior à média dos resultados dos exames nacionais dos alunos de Portugal continental. Da observação direta do trabalho dos alunos, denota-se aprendizagens significativas ao nível dos conteúdos matemáticos, maior interesse e empenho para com a aprendizagem da matemática, mudança de atitude em relação a esta disciplina, mais competência na resolução de problemas matemáticos e utilização da matemática de forma crítica. Os professores que recebem “os alunos do CEM” referem que estes aprenderam a discutir ideias matemáticas e a comunicar matematicamente, quer por escrito, quer oralmente; têm um forte poder de argumentação; sabem trabalhar cooperativamente, com materiais manipulativos e com software informático, mantendo uma postura crítica face à aprendizagem da matemática; têm muita facilidade em discutir estratégias e procedimentos, bem como em fundamentar as suas opiniões. Estes resultados são também corroborados pelos autores das várias teses e relatórios de mestrado em ensino da matemática no 3.º CEB e no secundário elaboradas na UMa, por professores que frequentaram o CEM. Para avaliar as transformações nas práticas dos professores, dispomos dos seguintes meios: reuniões quinzenais, idas às escolas, reflexões; planificação e execução das aulas, escolha dos materiais e seleção de estratégias; portefólios elaborados pelos docentes; inquéritos realizados aos mesmos; e a dissertação de doutoramento da Eva Gouveia. Da análise de todos estes instrumentos de avaliação podemos afirmar que houve mudanças ao nível dos conhecimentos científicos e didáticos dos professores envolvidos no projeto, visíveis através de um maior rigor científico-matemático e de uma maior necessidade de aprofundamento dos conhecimentos matemáticos. Houve também mudanças no que diz respeito à planificação e condução das aulas, bem como à reflexão que passaram a fazer sobre as aulas participadas. As planificações tornaram-se mais sistematizadas e fundamentadas; as aulas, menos expositivas e mais centradas no aluno; os conteúdos matemáticos, tratados com maior rigor científico; os professores, mais críticos em relação ao seu desempenho. No geral, ao final de um ano de projeto, a prática pedagógica dos professores envolvidos no mesmo sofreu transformações, quer na diversificação de estratégias, quer na crescente inclusão de materiais manipulativos nas suas planificações e nas suas práticas, bem como na segurança com que passaram a trabalhar a matemática. No que diz respeito ao trabalho cooperativo entre os docentes, houve alguns casos de sucesso, mas, de um modo geral, os professores ainda resistem ao trabalho cooperativo intra e inter escolas. As formadoras do projeto As formadoras do CEM são uma parte fundamental do projeto. Para que tudo decorra da melhor forma possível, quando em contacto direto com os professores em formação, é necessário um forte trabalho de bastidores que também merece ser destacado. Semanalmente, houve reuniões de trabalho entre as formadoras do projeto e a sua coordenadora. Foi nessas reuniões que se definiram ou redefiniram estratégias de trabalho, se discutiram as propostas apresentadas e debatidas com e pelos professores, e se consideraram artigos científicos sobre a aprendizagem da matemática, a avaliação das aprendizagens matemáticas, a utilização de materiais manipuláveis e softwares educativos e applets na aula de matemática, entre outros.   Elsa Fernandes (atualizado a 29.12.2016) 

Educação História da Educação

cardoso, gabriel

Gabriel Faustino de Abreu Cardoso é o nome de um cantor português de música ligeira nascido em Arco de São Jorge a 15 de março de 1943. Era filho do maestro e fundador da banda da freguesia do Arco de S. Jorge e irmão de Cecília Cardoso, também cantora conhecida com vários discos gravados. Gabriel Cardoso integrou, com outros estudantes, o movimento estudantil musical gerado pela “febre dos Beatles” na déc. de 60 do século XX. Cumpriu o serviço militar em Angola, para o que teve de interromper os estudos em Direito. De regresso à pátria, estreia-se nos Açores, no Teatro Micaelense, de Ponta Delgada. Em janeiro de 1967 foi lançado num programa da RTP, “Lugar aos Novos”, produzido pelo Maestro Melo Pereira. No mesmo ano, lançou o EP Como Um Calhau Rolado. Foi convidado a integrar o elenco da peça de teatro de revista intitulada Pois, Pois..., que estreou no Teatro Variedades, ao Parque Mayer, em Lisboa, a 9 de dezembro de 1967. Participou como convidado no programa de entretenimento Riso e Ritmo, da RTP. Em 1970, venceu o título de Rei da Rádio, atribuído pela Rádio Antena 1. Na déc. de 1980, foi diretor artístico da discoteca Monte Carlo, mais tarde denominada Loucuras. De Carlos Paião gravou os temas “Tímido” e “Engarrafamento”. Com produção de Toy, gravou “Viver a Cantar 25 Anos”. Entre os seus maiores sucessos, merece especial destaque “Festival do Amor”, “Ericeira” e “Venham Amigos”. Participou em diversos festivais de música, programas de televisão e digressões, tanto em Portugal como no estrangeiro, designadamente nos Estados Unidos e no Canadá, em espetáculos junto das comunidades portuguesas. Morreu em Lisboa, a 8 de fevereiro de 2000. Discog.: Canto Estes Dias Felizes, Limão; Cigano, Vão As Nuvens Vem o Sol; Como Um Calhau Rolado (1967); De Dia Para Dia, É Inútil, Quem Manda Neste Mundo É O Dinheiro, Poema A Meu Irmão; Emigrante, Miragem; Ericeira, Custa a Crer; Estrada Minha Verdade (1971); Eu Já Não Creio; Festival Do Amor, Ao Meu Amor (1970); Moreninha; Oh Meu Amor, Engarrafamento (1982); Tímido, Aleluia Para o Sonho (1985); Tu Sabes, Um Certo Outono; Vamos Sorrir e Cantar, Amiga Dê Tempo Ao Tempo; Viver a Cantar 25 Anos, Sonho Por Sonho.   Teresa Norton Dias (atualizado a 20.12.2016)

Artes e Design Sociedade e Comunicação Social

caldeira, joão da silveira

Uma importante informação abre a entrada relativa a João da Silveira Caldeira no Elucidário Madeirense: “escassos dados possuímos para a biografia deste madeirense” (SILVA e MENESES, 1984, I, 366). Ainda assim, o Elucidário apresenta-o como um médico e investigador na área da química, nascido na Madeira no terceiro quartel do séc. XVIII, que terá sido lente na Escola Militar do Rio de Janeiro e provedor da Casa da Moeda nessa cidade, informação que, no entanto, não nos parece correta. Confrontando estas indicações com outras, nomeadamente com uma relação de “Irmãos e Irmãs sepultados no Cemitério [de Catumbi, São Francisco de Paula, Rio de Janeiro] a partir de 1850, em carneiros arrendados e/ou em perpetuidade” (BARATA, Colégio Brasileiro de Genealogia, s.p.), parece-nos haver uma confusão entre dois homónimos – pai e filho –, na medida em que as referências apresentadas pelos dois documentos são similares, exceto no local e na data de nascimento: no registo n.º 54 desta relação, há referência a um João da Silveira Caldeira, filho de um outro João da Silveira Caldeira e de Bárbara Joaquina, sepultado no cemitério de S. João Batista, no bairro de Botafogo, dado como nascido a 28 de junho de 1800, no Rio de Janeiro, e falecido na mesma cidade, a 4 de julho de 1857, vítima de suicídio. Neste sentido, o pai terá nascido na Madeira e saído para o Brasil, onde terá nascido o filho, João da Silveira Caldeira, que veio a ser uma figura importante da cultura. João da Silveira Caldeira, filho portanto, era, então, médico formado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, detentor do grau de doutor, com tese escrita em latim. Destacou-se na química, área na qual desenvolveu algumas investigações e trabalhos. Aperfeiçoou os seus estudos em Paris, tendo privado e aprendido com os químicos Louis Nicolas Vauquelin   (1763-1829) e André Laugier (1770-1832), e com o mineralogista René Just Haüy (1743-1822). Publicou, em 1926, a tradução anotada do Manual do Ensaiador de Vauquelin. Sobre a personalidade, refere Joaquim Augusto Simões de Carvalho, na Memoria Historica da Faculdade de Philosophia: “químico muito apreciado […]. É autor da memória sobre o ondeado metálico, publicada nos Annaes das Sciencias e Artes, e de outros trabalhos realizados no laboratório químico de Paris” (SILVA e MENESES, 1984, I, 188). Em Paris, foi preparador do Jardim das Plantas, cargo que manteve até regressar ao Brasil, onde, juntamente com o bispo de Anemuria e Manuel de Arruda Câmara, procedeu à revisão e publicação da obra Flora Brasiliensis, de  José Mariano da Conceição Veloso. Em 1823, fez parte da junta de diretores de uma escola do método de ensino mútuo para instruir as corporações militares. Nesse ano, foi nomeado diretor do Museu Imperial e Nacional e, no ano seguinte, criou o laboratório químico do Museu, o primeiro laboratório para análises fundado no país, do qual foi, também, o primeiro diretor. O Imperador, percebendo a importância deste laboratório, autorizou a compra, em Paris, de instrumentos solicitados por João da Silveira, que, deste modo, pôde contribuir para o desenvolvimento da investigação médica e da mineração do Brasil, realizando, então, as primeiras análises de combustíveis nacionais e de amostras de pau-brasil. Foi durante a sua gestão que o Museu passou a ser um estabelecimento consultivo, tendo, por essa época, o Governo imperial incentivado a participação de vários naturalistas estrangeiros, Natterer, von Sellow e Langsdorff, tendo este último oferecido ao Museu a sua própria coleção de mamíferos e aves da Europa. Durante a sua direção, o Museu recebeu ainda acervos vários, nomeadamente múmias, estatuetas funerárias, vasos, mãos e pés mumificados de origem egípcia, bem como vários objetos etnográficos oriundos do Pará e das ilhas do Pacífico. Na correspondência enviada para publicação, há referência a diversas pesquisas realizadas, nomeadamente em torno da obtenção do ácido cítrico puro e de zircónia pura, descoberta cujos créditos dividiu com o químico francês M. du Bois-Reymond. A Nova Nomenclatura Química Portuguesa, um dos primeiros compêndios de assuntos químicos no Brasil, datado de 1825, é assinada por João da Silveira Caldeira. Obras de João da Silveira Caldeira: Nova Nomenclatura Química Portuguesa (1825).     Graça Alves (atualizado a 14.12.2016)

Física, Química e Engenharia

ferraz, joão higino

Filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz, foi um destacado técnico e cientista do engenho Hinton entre 1888 a 1946, tendo sido o responsável por muitas das inovações introduzidas nos processos de produção de açúcar e de vinho. Palavras-chave: açúcar; vinho; engenhos; Hinton. Nascido no Funchal em 1863, é filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto Ferraz (1792-1856), o primeiro a construir um engenho a vapor na ilha da Madeira, em 1856. Terá também sido o seu avô quem estabeleceu, entre 1848 e 1856, uma fábrica da família na Ponte Nova, onde João Higino começou a trabalhar e cuja direção assume em 1882. Era um jovem de 18 anos que se tornava responsável pela fábrica e que se manteve no cargo de direção até 1886, altura em que a família foi forçada a vender o edifício e os equipamentos em praça pública. Liquidada a fábrica, esteve dois anos sem emprego até que, em 1888, arrendou, em sociedade com o tio, João César de Carvalho, a fábrica de destilação da Ponte Deão, de Severiano Cristóvão de Sousa. No ano imediato, entrou para a fábrica do Torreão, da firma William Hinton & Sons, como técnico de fabrico de açúcar e álcool, assumindo a gerência industrial e técnica. Num manuscrito lavrado pela mão do próprio, João Higino Ferraz diz que, em 1900, assinou contrato com a fábrica do amigo Harry Hinton, a que ficou vinculado até à morte, em 1946. Todavia, e de acordo com o primeiro copiador de cartas, sabemos que estava ao serviço da firma desde 18 de outubro de 1898, como se pode confirmar pela carta enviada ao amigo e patrão Harry Hinton, solicitando a sua presença no engenho em construção para poder decidir sobre a forma de disposição das máquinas. No sentido de dar continuidade ao processo de modernização da fábrica do Torreão, esteve de visita aos complexos industriais franceses que laboravam a beterraba para o fabrico de açúcar. A visita foi proveitosa, refletindo-se nas modernizações do sistema do engenho de Hinton. Esta experiência terá sido importante para a saída que fez, em 1930, a Ponta Delgada (São Miguel), para dar alguns ensinamentos sobre o processo de fabrico de açúcar, nomeadamente a fermentação do melaço. Em julho de 1927, embarcou para o Lobito com Charles Henry Marsden (1872-1938), um engenheiro natural de Essex responsável pela modernização do engenho da casa Hinton, para montar uma estrutura mais moderna no engenho Cassequel, propriedade da casa Hinton. Aí permaneceu 103 dias, regressando ao Funchal a 13 de dezembro de 1928. O diário da saída, compilado numa agenda, documenta o processo de montagem da fábrica e as dificuldades de adaptação das peças ao conjunto da estrutura. Em 1945, lamentava-se: “sou pois técnico em fabricar açúcar e álcool, desde 1884 a 1945 = 61 anos. Não tenho direito a ter o título de técnico de fabricar açúcar e álcool oficialmente em Portugal? […] Desejava pois obter o título oficial de técnico de fabricar açúcar e álcool ou como técnico prático de fabricar açúcar e álcool” (FERRAZ, 2005b, 44). Mas acabou por morrer sem que fosse reconhecido o seu gigantesco trabalho como técnico, tendo sido a principal alma da permanente atualização tecnológica e química da fábrica do Hinton, que foi na época uma das mais avançadas tecnologicamente. A ideia está presente também no testemunho do próprio: “Nestes longos (60) anos assisti a variados sistemas de fabrico, desde quase do início de maneiras antigas no fabrico do açúcar de cana, destilação, etc., etc., acompanhando sempre os progressos nestas indústrias até hoje, principalmente desde 1900 a 1944, na fábrica do Torreão, onde pusemos em trabalho consecutivamente os sistemas os mais aperfeiçoados e mais modernos no fabrico de açúcar e álcool” (Id., 2005a, 39). Na correspondência com Harry Hinton, transparece uma perfeita sintonia entre os dois, que favoreceu o processo de permanente atualização tecnológica e química; partilhavam a mesma paixão pela indústria e desenvolvimento do engenho do Torreão. João Higino Ferraz não receia manifestar, diversas vezes, a amizade que o prende ao patrão. Em 1917, confessa: “Harry Hinton é um dos meus melhores amigos”. Passados 10 anos, confessa que a viagem a África sucedeu apenas “para ser agradável ao senhor Hinton a quem devo amizade e reconhecimento” (Id., Ibid., 40). João Higino Ferraz era o superintendente, mas acima de tudo um cientista que procurava aperfeiçoar os conhecimentos de química e tecnologia, através do confronto entre a literatura estrangeira e a sua capacidade inventiva. Manteve-se, assim, atualizado através da leitura de publicações, fundamentalmente francesas. Nos estudos, manifesta-se um cientista arguto que não detém a atenção apenas na cana sacarina, pois estuda e opina sobre o uso de outros produtos no fabrico de açúcar e álcool, como é o caso da batata e da aguardente.   Se confrontarmos a literatura científica mais significativa dessa altura, de finais do séc. XIX até à Segunda Guerra Mundial, verificamos que os conhecimentos e as técnicas mobilizados no engenho de Hinton são permanentemente atualizados e que se pautam por padrões de qualidade, integrando informações sobre os métodos mais avançados, como os estudos dos engenheiros químicos e industriais que marcaram o processo tecnológico do momento. Aliás, mantém contacto com inúmeras associações científicas europeias, como era o caso da Association des Chimistes de Sucrerie et de Distillerie. Na correspondência, surgem assiduamente nomes de cientistas europeus, como Barbet e Naudet. É de João Higino Ferraz o invento de um aparelho de difusão cujos direitos cedeu, em 19 de novembro de 1898, à firma William Hinton & Sons. Naquilo que resta da sua biblioteca, encontra-se um conjunto valioso de tratados de química e tecnologia relacionados com o açúcar. Sob a sua orientação, foram feitas várias experiências e adaptações dos sistemas tecnológicos importados. Em 1929, em carta ao amigo Avelino Cabral, que estava no Lobito, refere: “Como tenho tido tempo estou em estudos e experiências com o fermento Possehl’s no laboratório, e tenho obtido coisas bastante curiosas nas culturas feitas”. Ainda em carta ao mesmo refere a utilidade das inovações e experiências: “para que a parte comercial de uma indústria dê o resultado, é necessário ver também a parte industrial ou técnica” (Id., Ibid.). Apenas em 1922 temos informação de quanto auferia João Higino Ferraz pelos serviços prestados à fábrica Hinton. Para o novo contrato a celebrar reclamava 63 libras mensais, sendo o câmbio realizado mensalmente, ficando “com pulso livre para fazer e dirigir as minhas pequenas indústrias fora de açúcar, álcool e aguardente, não prejudicando por estes meus trabalhos a direcção técnica da fábrica de açúcar e álcool do Torreão” (Id., Ibid.). João Higino Ferraz fica para a história como um dos principais obreiros da modernização do engenho do Hinton ocorrida na primeira metade do séc. XX. Enquanto esteve à frente dos destinos da fábrica, de 1898 a 1946, foi imparável na sua adequação aos novos processos e inventos que iam sendo divulgados, não se coibindo mesmo de fazer algumas experiências com o equipamento e os produtos químicos. Opina sobre agronomia, bem como sobre mecânica e química, mantendo-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente em França. Da sua lista de contactos e conhecimentos fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e da mecânica. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos com frequência os estudos de Maxime Buisson, M. E. Barbet, M. Saillard, F. Dobler, M. D. Sidersky, Luiz de Castilho, M. H. Bochet, M. Effort e M. Gaulet. À frente do engenho, a sintonia e empenho de Ferraz e Hinton fizeram com que a Ilha apresentasse, entre finais da centúria de oitocentos e inícios da seguinte, uma posição destacada no sector, atraindo as atenções a nível mundial. O Hinton acolhe especialistas de todo o mundo, na condição de visitantes ou como contratados para a execução dos trabalhos especializados. O Eng.º Charles Henry Marsden foi um deles, tendo aí trabalhado entre 1902 e 1937, altura em que saiu doente para Londres, onde faleceu no ano seguinte. A sua presença está documentada pelo menos em 1918, 1929 e 1931. Destaca-se também o Eng.º químico agrícola Maxime Buisson, que, em 1902, trabalhava no laboratório. Para o fabrico de açúcar, contratavam-se os afamados cuiseurs em França, de forma a seguir-se à risca as orientações de Naudet. O empenho de João Higino Ferraz não ficou por aqui, pois apostou também no processo de vinificação, âmbito no qual protagonizou algumas inovações que marcaram as primeiras décadas do séc. XX. A documentação disponível refere o seu empenho no processo de fabrico de vinho, aguardentes e outras bebidas, como a cidra, a cerveja e o vinho espumoso. A partir de 1905, J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o fabrico do açúcar, manteve-se permanente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas e destiladas. São frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a um conjunto de títulos sobre o tema, de que era possuidor de alguns exemplares. Na déc. de 20, construiu uma vinharia onde foi possível montar o aparelho de evaporação Barbet e um moderno sistema de refrigeração. Ao nível da destilaria, devemos assinalar a sua presença em Almeirim, em 1916, para montar um aparelho francês. As experiências levaram-no a produzir cidra, cerveja e malte, e, com vinho branco, xarope de uva, vinho de mesa e espumoso – que chamava de “fantasia” para não se confundir com o francês –, vinagre, vinho cidre maltine, licores finos, anis escarchado e genebra, que vendia localmente e exportava para alguns mercados como a Alemanha. Por outro lado, tentou imitar os vinhos franceses, o sauterre e o champagne. Da sua lista de experiências, constam ainda as que fez para o fabrico de geleia de pêro, marmelada de bagaço de pero e fermento puro de uva para uso medicinal. Ferraz apostou, pois, no aperfeiçoamento do processo de vinificação, sendo a sua vinharia um exemplo disso. Neste contexto, fez diversas demonstrações sobre o uso dos processos Barbet e Sémichon, sendo defensor da necessidade da compra da uva ao agricultor, medida que contribuía para um maior aproveitamento das massas vínicas e para um maior cuidado no acompanhamento do processo de vinificação que defendia. Numa época em que o vinho jaquet, casta americana, dominava a produção, fez ensaios para o seu uso com o vinho Madeira e com o vinho de mesa para consumo local. Além disso, apresentou um vinho de mesa ligeiramente gasoso, pelo processo de M. Mercey, que, no seu entender, deveria competir com a cerveja. Sucede que, nas experiências de 1914, o vinho posto à venda não teve grande aceitação, porque as garrafas haviam perdido parte do gás carbono por causa da má qualidade da rolha. Mesmo assim, retoma essas experiências em 1927. J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedeu com o conde de Canavial, bateu-se por mudanças radicais no processo de fabrico do vinho, apelando ao abandono das técnicas tradicionais a favor das vantagens das descobertas entretanto ocorridas na centúria de oitocentos no processo de vinificação, com os sistemas Barbet e Sémichon. Todas as experiências e ensaios eram sempre fundamentados com estudos científicos de carácter químico, nomeadamente franceses, e com a apresentação de equipamentos, maioritariamente com origem na tecnologia açucareira, que o mesmo adaptava, pelas suas próprias mãos, ao fabrico do vinho. A tudo juntava estudos minuciosos de viabilidade económica do novo produto, no sentido de convencer a Casa Hinton ou outros parceiros, mas o gosto madeirense não se mostrou favorável à novidade. Os conhecimentos adquiridos com o fabrico de açúcar no engenho do Hinton foram fundamentais para estes ensaios, mas o sucesso da iniciativa não foi coroado de êxito, pelo que acabará por abandonar esta atividade em 1942. O arquivo do engenho do Hinton é, por força das circunstâncias atrás descritas, fundamental para o conhecimento da história contemporânea da agricultura madeirense. Todavia, a forma conturbada como sucedeu o processo de desmantelamento da estrutura para a construção de um jardim público conduziu a que toda esta memória desaparecesse. Felizmente, tivemos a possibilidade de encontrar alguns testemunhos avulsos no arquivo particular de João Higino Ferraz. A documentação disponível, copiadores de cartas, livros de notas e apontamentos, constitui um acervo raro na história da técnica e da indústria. Não se conhecem casos idênticos de livros de apontamentos em que o técnico documenta, quase minuto a minuto, o que sucede na fábrica, desde os percalços do quotidiano às questões técnicas e laboratoriais. Para além disso, se tivermos em conta que a mesma documentação abrange um período nevrálgico da história de indústria açucareira, marcada por permanentes inovações no domínio da metalomecânica e da química, compreendemos claramente a importância deste tipo de espólio, que mais se valoriza pelo facto de ser, até aos começos do séc. XXI, o único divulgado e conhecido. O conjunto de nove livros referentes às cartas abarca um período crucial da vida do engenho do Hinton (1898-1937), marcado por profundas alterações na estrutura industrial, por força das inovações que iam acontecendo. A partir deste acervo de cartas, é possível conhecer tudo isso, mas também deduzir algo mais sobre o funcionamento desta estrutura. Ao mesmo tempo, ficamos a saber que João Higino Ferraz era, em Portugal, uma autoridade na matéria, prestando informações a todos os que pretendessem montar uma infraestrutura semelhante. Assim, em 1928, acompanhou a montagem do engenho Cassequel, no Lobito, onde a família Hinton tinha interesses, e esteve, em junho de 1930, em Ponta Delgada, nos Açores, a ensinar a fermentar melaço de açúcar de beterraba, na Fábrica de Santa Clara. Harry Hinton surge, em quase toda a documentação, como um interveniente ativo no processo, conhecedor das inovações tecnológicas e preocupado com o funcionamento diário do engenho, nomeadamente com a sua rentabilidade. J. H. Ferraz informava-o, de forma quase diária, de tudo o que se passava. A proximidade do Funchal aos grandes centros de decisão e inovação tecnológica da produção de açúcar a partir de beterraba, na França e Alemanha, associados aos contactos de H. Hinton e ao seu espírito empreendedor fizeram com que a Madeira estivesse na primeira linha da utilização da nova tecnologia. Em 1911, documentam-se diversas experiências com equipamento. Além disso, funcionava como espaço de adaptação da tecnologia de fabrico de açúcar a partir da beterraba para a cana sacarina. Daí as diversas deslocações de J. H. Ferraz a França (1904 e 1909) e os permanentes contactos com alguns estudiosos e fábricas. Tenha-se em conta que o mesmo era sócio da Association des Chimistes em França, sendo por isso leitor assíduo do seu Bulletin. Por outro lado, alguns inventores, como Naudet e engenheiros de diversas unidades na América (Brasil e Tucuman), Austrália e África do Sul, estavam em contacto com a realidade madeirense, fazendo, por vezes, deslocações para estudar o caso do engenho madeirense. A erudição de J. H. Ferraz era vasta, dominando toda a informação que surgia sobre aspetos relacionados com o processo industrial e químico do fabrico do açúcar. Para além da leitura do Bulletin de l’Association des Chimistes, temos referências à leitura do Journal de Fabricants de Sucre, e podemos documentar na sua biblioteca a existência de diversas obras da especialidade, muitas delas referenciadas nos livros de notas ou cartas. Aliás, nas cartas que manda a Harry Hinton quando este se encontra no estrangeiro, pede-lhe frequentemente publicações recentes. O corpo documental provém do arquivo privado de João Higino Ferraz e pode ser seccionado em três partes fundamentais: uma primeira constituída por nove copiadores de cartas; uma segunda formada por vários volumes de livros de notas; e, por fim, documentação avulsa. Esta organização do arquivo pessoal de J. Higino Ferraz é, de certa forma, artificial, dado que não foi feita pelo autor; trata-se de uma elaboração arquivística, que decorre da análise do conteúdo e da tipologia dos vários documentos que o compõem. A primeira parte, composta por nove livros onde Higino Ferraz conservou, em cópia, muita da correspondência por si remetida, e não só, cobre o período de 1898 até 1937, com um hiato temporal provavelmente entre finais de 1913 e inícios de 1917, e outro possivelmente de janeiro a outubro de 1919. Julgamos que estas lacunas estariam contempladas em dois volumes autónomos; contudo, se existiram, esses livros não ficaram para a posteridade. A designação “copiador de cartas” foi adotada devido ao facto de os dois primeiros livros, que cobrem o período de 1898 a 1913, terem esse título na capa – não aposto por João Higino Ferraz, mas como denominação da finalidade dos volumes. Entendeu-se por bem atribuir a mesma designação a todos os livros, seguida da referência aos lapsos de tempo que abarcam. Cumpre ainda acrescentar que nem toda a correspondência remetida por João Higino Ferraz está presente nestes livros e que nem toda a documentação neles inserida é composta por epístolas. Ver-se-á que de algumas cartas enviadas, sobretudo as datilografadas, guardou o autor cópia sob a forma avulsa, estando as mesmas – aquelas a que tivemos acesso – transcritas na secção da documentação avulsa. Fizemos preceder cada carta transcrita de uma informação sumária concernente à data, ao destinatário e ao local, quando possível, para permitir uma mais rápida perceção por parte do leitor. Ao longo da transcrição, demo-nos conta de que alguma informação exarada nos copiadores não era, com efeito, composta por epistolografia, mas sim por relatórios, cálculos, estimativas de produção, lucros e despesas, etc. Antepusemos a cada um dos informes deste teor a menção à sua data e ao se destinatário, se conhecido fosse, e uma breve caracterização. Uma segunda secção deste espólio documental transcrito é constituída por anotações e apontamentos vários – inscritos em livros autónomos –, versando sobre produtos, processos, aparelhos e técnicas industriais de produção, bem como sobre a transformação de açúcar, álcool e aguardente; quase todos estes volumes têm título atribuído por João Higino Ferraz, que é respeitado e aceite por nós. Ainda que algo artificial, a denominação dada a este conjunto, “livros de notas”, advém dos próprios títulos atribuídos pelo autor. A última secção é constituída por documentação avulsa, abarcando: documentos epistolares, saídos do punho de Higino Ferraz (particularmente cópias de cartas) ou tendo-o como destinatário (sendo seus autores, por exemplo, Harry Hinton, Marinho de Nóbrega ou Antoine Germain); documentos referentes a aparelhos, processos e técnicas de fabrico e transformação de açúcar, álcool e aguardente (à imagem da informação exarada nos livros de notas); anotações manuscritas que João Higino Ferraz lançou nos forros da capa ou folhas de guarda de alguns livros ou manuais por si usados, que versavam sobre a cultura e produção de cana sacarina e seus derivados; e, ainda, apontamentos autobiográficos. Dividimos esta documentação em duas subsecções: a primeira, composta por todos os documentos que têm por autor Higino Ferraz; a segunda, por todas as fontes que foram produzidas por outros indivíduos. O arquivo privado deste técnico açucareiro, que morre em 1946, permite-nos, pois, ter acesso a informações que ilustram vários aspetos da sua vida pessoal e familiar, nomeadamente as suas condições de vida, relações de amizade e conceções políticas, sociais e económicas. Ao mesmo tempo, esta documentação reveste-se de especial interesse para a história da Madeira da primeira metade do séc. XX, sobretudo no que respeita à história da indústria açucareira nas suas vertentes económica, social e técnica, mas também nos seus meandros e implicações políticas.   Alberto Vieira (aualizado a 06.01.2017)

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coper, kurt

Professor de química alemão de origem judaica que trabalhou no Laboratório de Química da Universidade de Coimbra no período entre 1929 e 1938. Nessa altura mudou-se para o Funchal, onde trabalhou na indústria vinícola antes de emigrar para os EUA. Fez parte de um grupo de sábios judeus que muito poderia ter contribuído para o desenvolvimento do país, não fosse Portugal não os ter sabido fixar durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda que não se conheça bem a sua biografia, sabe-se que nasceu em Berlim em 1903 e que estudou na Universidade de Berlim onde se doutorou. Nos anos 20, trabalhou em colaboração com um eminente químico alemão da área dos coloides, o Professor Herbert Freundlich (1880-1941), no Kaiser Wilhelm Institute para Química-Física e Eletroquímica, em Berlin-Dahlem, no âmbito da química dos coloides. Em 1929, Coper candidatou-se ao lugar de professor no Laboratório Químico da Universidade de Coimbra. Nessa cidade, foi colega de um outro alemão que trabalhava ao lado, no Laboratório de Física, Walter Wessel. Em Coimbra, ensinou como professor, primeiro contratado e depois auxiliar, Noções Gerais de Química Física (1931-1933 e 1937-1938), Química (1933-1937) e Química Orgânica (1937-1938). Até 1938, Coper continuou em Coimbra a sua investigação em coloides, em particular sois e géis, tendo publicado três artigos científicos, um deles resultante da colaboração com Freundlich: “The Formation of Tactoids in Iron Oxide Sols”, Transactions of the Faraday Society (1937) (o endereço do primeiro era o Laboratório Químico de Coimbra e o do segundo The Sir William Ramsay Laboratories of Inorganic and Physical Chemistry, University College, em Londres, uma vez que Freundlich tinha abandonado a Alemanha em 1933 como muitos outros cientistas). Foi na Lusa Atenas que Coper encontrou a sueca Ruth Hildur Bugner, com quem casou em 1935. Um tanto ou quanto inesperadamente, talvez receando medidas discriminatórias contra judeus, Coper demitiu-se, a 10 de março de 1938, do seu lugar na Universidade de Coimbra para embarcar para a ilha da Madeira com a sua esposa. Aí permaneceu até ao final da Segunda Guerra Mundial, trabalhando numa empresa de vinhos de proprietários judaicos, a Leacock’s (posteriormente associada com a Blandy na Madeira Wine Company). Foi também na Madeira que nasceu o seu filho Gunnar. Aparentemente, não desenvolveu atividade científica na Ilha, o que aliás seria difícil naquela época. No fim da guerra, emigrou para Filadélfia, nos EUA, tendo morrido com 62 anos num hospital de Livingston, New Jersey, em 1966. Trabalhou como engenheiro químico para a empresa Hepco Inc., embora não se conheça bem a atividade que desenvolveu nos EUA. Gunnar Coper deixou, em 2011, num boletim de uma igreja presbiteriana norte-americana (Collenbrook United Church, em Filadélfia), um depoimento onde faz um resumo da história do seu pai: “Em 1 de setembro, deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Nos próximos seis anos, ficámos retidos na ilha da Madeira; Meu pai, sem cidadania, minha mãe, fora da Suécia, e eu num limbo. Não era nem sueco, nem alemão, nem reconhecido como português. [...] Os meus pais estavam preparados para morrer, mas para me salvarem fizeram um acordo com uma família portuguesa segundo o qual ela me aceitava como membro. A guerra finalmente acabou e os meus pais decidiram que era hora de partir. Para onde? Para os Estados Unidos” (COPER, 2011, 4).   Carlos Fiolhais (atualizado a 31.12.2016)

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