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nunes, diocleciano francisco de assis

Professor e poeta, nasceu na freguesia de Santa Maria Maior, Funchal, a 4 de outubro de 1928, desconhecendo-se o local e a data do seu falecimento. Era filho do Enf.º José Francisco Nunes e de Beatriz Adelaide Freitas Nunes. Estudou, a partir de 1940, no Liceu Jaime Moniz, no Funchal, formando-se como professor primário e diretor de colégio. Foi professor do ensino oficial e do particular, nomeadamente no curso de férias da Escola de Enfermagem de São José de Cluny. Lecionou também em Luanda, Angola, onde pertenceu ao quadro docente oficial. No âmbito da educação, fundou ainda, na Radiodifusão do Funchal, o programa “Meia-Hora dos Estudantes”, nele proferindo várias palestras. Para além do ensino, também se dedicou à escrita, principalmente à poesia. As suas primeiras publicações, crónicas e poemas tiveram lugar na revista Presente, na qual foi ainda responsável pela secção “Cartas para Longe”. Colaborou depois no Jornal da Madeira, na Página dos Estudantes, de que foi cofundador, n’A Madeira Nova, no Almanaque Madeirense, na revista Pérola do Atlântico, do Porto, e também em vários jornais da colónia madeirense em New Bedford e em Fall River, nos EUA. Por fim, colaborou no Intransigente, de Benguela, n’O Comércio de Angola e na revista Ensino, igualmente de Angola. Assinava os seus textos como Assis Nunes, usando, por vezes, o pseudónimo Guido de Monte Cristo. É autor do estudo A Criança – Sua Revelação perante a Sociedade e a Escola, editado como folheto pela Página dos Estudantes. Segundo Luís Marino, em Musa Insular, terá deixado inédita uma vasta bibliografia: Primeiros Versos, Combate, Temas Incompletos, Pecados, África, Quando o Vento Uivar dos Montes, Ao Céu Subiu Uma Estrela, Inveja e O Deputado. Na referida obra de Marino, pode ser apreciado o seu longo poema encomiástico “Tributo à Ilha”, cuja classificação oscila entre a ode, a elegia e a canção. Obras de Diocleciano Francisco de Assis Nunes: A Criança – Sua Revelação perante a Sociedade e a Escola.   António José Borges (atualizado a 03.03.2018) artigos relacionados: poetas liceu / escola secindária jaime moniz arte na educação formação de professores

História da Educação Literatura

nascimento, joão do

A 21 de setembro de 1684, nasceu dentro do castelo de Lisboa João Marques de Afonseca, que viria a ser o 16.º bispo do Funchal, com o nome de D. Fr. João do Nascimento. Foram seus pais Inácio de Mira Solteiro, capitão de cavalos do terço do duque de Cadaval, e D. Garcia Ferreira de Afonseca, membros de uma pequena nobreza rural e morgados da Torre da Giesteira, Montemor-o-Novo. Sendo os progenitores gente piedosa, o jovem João cresceu e foi educado na observância de estritos princípios religiosos e habituado à frequência da comunhão e confissão, bem como à prática da oração mental, cumprindo, desde o nascimento, um programa que em muito se aproximava do da corrente jacobeia, na qual militou depois de adulto. Terminados os seus estudos em Humanidades na corte, transferiu-se para Coimbra, em cuja Universidade concluiu, com louvor, o doutoramento em Cânones. O seu desempenho enquanto aluno fê-lo sobressair de entre os companheiros, pelo que, dentro de pouco tempo, já se encontrava a lecionar na Universidade, tendo-lhe posteriormente sido oferecido o lugar de mestre-escola na Sé de Évora. Apesar das boas perspetivas de carreira eclesiástica que tão cedo se lhe depararam, João Marques de Afonseca, seu nome no século, sentiu o apelo da vida monástica e, renunciando aos cargos que se encontravam à sua disposição, decidiu ingressar no Convento franciscano do Varatojo, onde se fez noviço, em 1713, e frade, em maio de 1714, passando a chamar-se Fr. João do Nascimento. No convento, continuou a dar provas de um talento especial no púlpito e no confessionário e, por isso, em breve se transformou em confessor e missionário. Durante anos, percorreu o interior do país, lutando por uma reforma de costumes e pelo estabelecimento da prática da oração mental em público, isto é, trilhando o caminho proposto pelos ideais da jacobeia. Quando Fr. Gaspar da Encarnação, figura emérita da jacobeia e futuro conselheiro de D. João V em matéria de provimentos episcopais, abandonou o lugar de guardião do Varatojo para, por ordem régia, ir para Coimbra reformar um convento agostinho, passou Fr. João do Nascimento à qualidade de presidente do Seminário varatojano, e o modo como se desincumbiu da função levou a que ascendesse ao lugar de guardião do Convento em 1734. Nessa situação se encontrava quando, em 1740, D. João V se lembrou dele para a mitra do Funchal, então vaga por promoção de D. Fr. Manuel Coutinho para Lamego. Informado da decisão real, procurou Fr. João do Nascimento livrar-se daquele peso, rogando ao monarca que o aliviasse de “uma Dignidade para a qual não tinha ombros” (SANTÍSSIMA, 1804, 247). Não tendo a escusa sido aceite, viu-se o frade nomeado bispo do Funchal a 5 de janeiro de 1741, vindo a ser confirmado a 5 de março, na Patriarcal de Lisboa, na presença, entre outros, do Cardeal e do também jacobeu e bispo de Angra, D. Fr. Valério do Sacramento. Chegado à Madeira a 4 de setembro, recolheu-se provisoriamente ao Convento dos seus confrades no Funchal, de onde saiu para, a 17 do mesmo mês, solenemente assumir na Sé a condução dos destinos da Diocese. Depois de instalado no paço episcopal, pôde D. Fr. João do Nascimento começar a pôr em prática as ideias que trazia para governo do bispado, as quais se começaram a descortinar a partir da sua primeira pastoral, publicada a 5 de janeiro de 1741. Nesse documento, tornam-se visíveis aquelas que eram as preocupações do novo prelado e que respeitavam, em primeiro lugar, ao exemplo que se esperava provir dos eclesiásticos, nomeadamente no tocante à responsabilidade que lhes estava cometida do ensino da doutrina, ainda que partilhada com os pais de família e os mestres de estudantes, como o bispo também referia. Em paralelo com a doutrinação religiosa, chamava-se, ainda, a atenção para a transmissão da importância dos bons costumes, do respeito aos superiores e da devoção a Nosso Senhor e mais santos, reforçando, assim, a mensagem do devocionário tridentino. Como para o cabal cumprimento deste desígnio eram precisos clérigos instruídos e capazes, o prelado apelava, depois, ao estudo da teologia moral, condição necessária à continuação do exercício da função de confessor cometida aos párocos e curas de almas, dando a todos um prazo para se apresentarem a exame. Para os clérigos de ordens menores e outros estudantes que esperassem promoção a ordens maiores, era exigida a frequência da lição de moral no Colégio da Companhia de Jesus. Outro assunto que avultava desta primeira pastoral tinha a ver com a obrigação de residência, impondo-se as devidas penalizações a todo aquele que a não respeitasse. Logo de seguida, eram abordadas as questões da intervenção dos párocos na correção dos pecados públicos, na satisfação das obrigações testamentárias, assunto que muito preocupou o bispo durante todo o episcopado, e no cumprimento das determinações relativas ao modo de trajar dos eclesiásticos. A 6 de Maio de 1742, D. Fr. João do Nascimento fazia publicar a sua segunda pastoral, desta vez mais destinada a chamar a atenção para a necessidade de ouvir missa nos dias de preceito, a lembrar a obrigação de os clérigos participarem nas procissões e os cuidados espirituais a prodigalizar aos doentes. Numa terceira pastoral, de 1743, o prelado voltava a insistir em pormenores do vestuário eclesiástico, sublinhando a proibição do uso de anéis e outros atributos de luxo a todos os que não os pudessem exibir como marca de estatuto, num apontamento consistente com o ideário jacobeu que repudiava o luxo, a ostentação e a vaidade. Em 1744, os cuidados pastorais de D. Fr. João do Nascimento voltaram-se, claramente, para o cabal cumprimento dos legados pios, uma das vertentes da sua ação em que melhor se demonstrou que, apesar de procurar agir com brandura em todas as circunstâncias em que tal fosse possível, o bispo poderia ser duro, se fosse caso disso. O problema do incumprimento dos encargos pios na Madeira vinha de longe, e já tinha custado ao bispo anterior, D. Fr. Manuel Coutinho, bastantes dissabores, estando, no entanto, muito longe de se achar resolvido. O problema radicava sempre nos testamenteiros que, ou por falta de meios, ou por negligência pura e simples, não acudiam às almas do purgatório com os devidos ofícios divinos. A responsabilidade de assegurar que essa obrigação era satisfeita cabia, em meses alternados, à Igreja e ao juiz do resíduo secular, o qual, era, porém, particularmente remisso neste particular. Com esta pastoral, dava D. Fr. João do Nascimento sinal de que este assunto lhe era caro e de que estaria vigilante em relação ao cumprimento do estipulado. O juiz dos resíduos, porém, parece não ter levado em linha de conta as advertências episcopais e a situação manteve-se inalterada até 1747, altura em o bispo decidiu ordenar aos seus visitadores que averiguassem o que se passava também nos meses em que, de acordo com a regra da alternativa, o cumprimento competia ao juiz dos resíduos. Este, ofendido, instou junto do prelado para que suspendesse a medida, comprometendo-se a tratar da questão. Como tal não se chegasse a verificar, o bispo acabou por assumir a responsabilidade integral da satisfação dos encargos, atitude que lhe valeu a apresentação de uma queixa contra si nos tribunais da Coroa, cuja resolução, tendo-lhe sido favorável, não impediu a continuidade de uma relação conflituosa com as entidades envolvidas no processo. Em 1746, D. Fr. João do Nascimento publicou nova pastoral, desta vez dedicada ao problema do sigilismo. O sigilismo foi uma questão que surgiu como decorrência da atuação de alguns bispos jacobeus que, por perseguirem e condenarem desmandos, foram acusados de pressionar os clérigos para obterem dados sobre os cúmplices dos confitentes. Desta situação foi apresentada queixa ao patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida, e ao inquisidor geral, D. Nuno da Cunha, os quais, por sua vez, a fizeram chegar ao Papa, Bento XIV. O pontífice reagiu à denúncia com um breve em que liminarmente proibia tal prática e foi na sequência desta proibição que D. Fr. João promulgou a sua pastoral, na qual, apesar de declarar não ter conhecimento de que na Diocese se praticassem tais infrações, não deixava de exortar os seus confessores a que nunca caíssem no erro apontado, sob pena de afastarem os fiéis da frequência do sacramento da confissão. Em 1753, o bispo mostrava-se preocupado com o devido cumprimento do ritual a ser observado pelo corpo de eclesiásticos ao serviço da Sé, pelo que publicou uma última pastoral que continha o novo regimento a observar na Catedral, onde se encontravam bem evidenciados os cuidados postos na observação dos comportamentos e no respeito pela hierarquia e pela formalidade, honrando assim um outro princípio da jacobeia, que era o de dar “às práticas da vida espiritual notável dose de exterioridade”, com vista a fazer “contagiosa a virtude” (SILVA, 1963, 266). No que diz respeito às visitações, D. Fr. João do Nascimento também as executou, pessoalmente ou por delegação, revelando, quer o louvor que lhe mereciam os párocos comprometidos com obras e cuidados com as suas igrejas, como aconteceu em São Jorge, quer a atenção que dedicava à prática do ensino da doutrina, à satisfação dos encargos pios, à criteriosa contabilidade das confrarias, ao adequado comportamento dos fiéis, ou ainda, e mais uma vez, às formalidades a observar nas procissões e nos ofícios religiosos, como aconteceu em São Pedro, em 1743. Nunca esquecendo a sua anterior prática missionária e conhecedor dos frutos que as missões de interior poderiam prodigalizar aos fiéis, levou consigo do reino, quando da sua ida para o Funchal, dois pregadores franciscanos, Fr. Lourenço de Santa Maria, futuro arcebispo de Goa e Fr. João do Sacramento, que, durante 20 meses, percorreram todo o arquipélago, tendo operado, com o seu labor, “conversões inumeráveis” (SANTÍSSIMA, 1804, 248). Regressados os dois pregadores ao Varatojo, em 1743, o bispo manteve o interesse na prossecução de um trabalho deste teor, continuando a promover a deslocação de missionários para as paróquias tanto da Madeira como do Porto Santo, embora agora tivesse de se socorrer dos meios que o Convento local de S. Francisco podia disponibilizar. Em relação aos dois conventos sobre os quais exercia tutela direta, a saber, o Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação e o de N.ª Sr.ª das Mercês, mostrou-se o bispo empenhado na observação criteriosa das normas da vida conventual, visitando-os com regularidade e zelando para que fossem garantidos os rendimentos necessários à subsistência das freiras. No tocante ao Convento de N.ª Sr.ª da Encarnação, e talvez para dissipar a crispação que se estabelecera entre esta casa monástica e o seu antecessor, D. Fr. Manuel Coutinho mandou D. Fr. João que se instituísse uma capelania perpétua, a qual dotou com a quantia de três contos de reis anuais, a fim de que nela se rezasse missa diária por sua alma e a de seus familiares, tendo até estipulado que o sacerdote encarregado dessa celebração não poderia ser o capelão e confessor do Convento, o que daria às religiosas o privilégio do contacto com uma forma renovada de ouvir a palavra divina. Na gestão do corpo eclesiástico da sua Diocese, os cuidados de D. Fr. João do Nascimento dirigiram-se, por um lado, ao melhoramento das condições materiais para o exercício das funções, tendo conseguido a anuência real para o aumento dos ordenados do provisor e vigário geral, para o reforço das côngruas dos beneficiados de algumas das colegiadas, e para o sustento dos colegiais do seminário, instituição que protegeu e dotou de novo regimento. Apesar desta preocupação com o bem-estar do seu clero, o bispo não deixou de intervir com rigor quando o procedimento de alguns dos seus subordinados não se revelava correto. Foi o que aconteceu quando, estando o prelado já doente, em 1753, se registou um diferendo entre o cabido e o provedor da Fazenda a propósito de um embargo por este movido contra uma nomeação capitular. A queixa que o provedor apresentou a Lisboa foi prontamente atendida e, na sequência de uma recomendação régia para que o prelado mandasse averiguar responsabilidades, D. Fr. João do Nascimento não hesitou em mandar prender um cónego e o prioste na torre da Sé e um padre no Aljube. Por outro lado, esforçou-se por fazer os provimentos dos benefícios nos sujeitos mais capazes, não tendo tido, neste processo, os problemas que afetaram o episcopado do seu antecessor. Sensível à escassez de recursos humanos de que enfermavam algumas paróquias, o bispo também lutou pela criação de cinco novos curatos, apesar de alguns não terem chegado a ser ocupados em tempo da sua vida. Durante os 13 anos que durou o seu episcopado, foi D. Fr. João do Nascimento ainda convocado para desempenhar as funções de governador militar do arquipélago, cargo que ocupou, durante 4 anos, a partir de 1747. Enquanto responsável militar, foi solicitado a resolver a questão do envio de 200 soldados para acudir a Angola, a facilitar a ida para o Brasil de um conjunto de casais madeirenses, em resposta a um pedido do reino, e a gerir as prepotências perpetradas por alguns juízes ordinários que, nas relações com as partes que tinham de arbitrar, trocavam a justiça pela opressão. Em tais casos, não lhe tremeu a mão e mandou, inclusivamente, prender os prevaricadores, encarcerando-os em “Cadeias e Torres conforme a qualidade das pessoas” (SILVA, 1964, 254). Em 1748, durante o seu exercício do cargo de governador, foi o território da Madeira abalado por um tremor de terra que destruiu parte da cidade e não só, tendo-o obrigado à pronta adoção de um conjunto de medidas. Entre estas, contam-se a reconstrução do paço episcopal, tão severamente danificado que o prelado procurou reedificá-lo, desta vez nas imediações da Sé. As dificuldades na aquisição de um terreno para o efeito decidiram-no, porém, a recuperar o edifício primitivo, aí levantando a construção que sobreviveu. A destruição provocada pelo terramoto atingiu, igualmente, a igreja de N.ª Sr.ª do Monte, com cuja recuperação também o prelado se comprometeu, designadamente através da criação da Confraria dos Escravos de Nossa Senhora do Monte, estabelecida em todas as paróquias, a partir das quais se recolheram esmolas que muito ajudaram à recuperação do edifício. No lugar do Estreito de Câmara de Lobos também se fizeram sentir os efeitos do sismo e a igreja paroquial, que já se encontrava em processo de reconstrução, teve igualmente de ser intervencionada, embora a documentação existente remeta o protagonismo da campanha de obras mais para o pároco, Manuel Borges Alemanha, do que para a figura do prelado. A responsabilidade episcopal está, contudo, mais evidenciada na reparação de algumas fortalezas, bem como na edificação, de raiz, de um novo reduto militar – a Fortaleza de S. Francisco, em Santa Cruz. O desempenho de D. Fr. João do Nascimento como governador militar, tanto nas atitudes já referidas, como nas que assumiu em termos dos critérios utilizados para prover lugares de chefia militar, ou até, de subalternos, e que, à semelhança do que fizera em relação aos benefícios eclesiásticos, se pautaram pelo mérito, levou a que o exercício do cargo se prolongasse até agosto de 1751, altura em que foi substituído por D. Álvaro Xavier Botelho de Távora. Em dezembro desse mesmo ano, adoeceu gravemente com uma paralisia que lhe deixou comprometido o lado esquerdo do corpo, ainda que intacto o entendimento. Por conselho médico, procurou obter licença para se ausentar para o reino, na demanda de alívio para o mal que o afligia, mas a progressiva deterioração do seu estado de saúde, agravada por repetições dos ataques, acabou por inviabilizar a deslocação e por conduzir à sua morte, ocorrida a 5 de novembro de 1753. Depois de um episcopado pautado por um espírito rigoroso, mas não autoritário, por uma vida pessoal austera e regrada, por uma preocupação com os pobres, pelos quais fazia, frequentemente, distribuir esmolas, e por uma capaz chefia militar do arquipélago, foi D. Fr. João do Nascimento a sepultar na capela-mor da Catedral do Funchal, no findar do ano de 1753.   Ana Cristina Machado Trindade (atualizado a 03.03.2018)

Religiões

neto, júlia de atouguia de frança

Cantora, pianista, guitarrista; diletante benemérita; produtora agrícola e vinícola. Júlia de Atouguia de França Neto terá nascido no Funchal em 1825, filha primogénita de Jaime António de França Neto e de Carolina Engrácia da Cunha Telo – consorciados na paróquia da Sé, Funchal, a 13 de Maio de 1824 – e irmã de João de Atouguia de França Neto (n. na déc. de 1820) e de Carolina de Atouguia de França Neto (1835-1866). A família emigrou em 1832, tendo visitado diversos países europeus. Aos 11 anos, frequentava aulas de canto em Roma, muito possivelmente com Carolina de Santis, sócia agregada da Accademia Nazionale di Santa Cecilia. Após a mudança da sua família para Genebra, em 1840, Júlia de França Neto prosseguiu o ensino musical no Conservatório de música da cidade, estudando piano com Julie Raffard, canto com Francisco Bonoldi e harmonia com Nathan Bloc, diretor daquele estabelecimento de ensino entre 1835 e 1849. Após um percurso académico sucessivamente condecorado naquela instituição, terá obtido, em 1846, os primeiros prémios nas disciplinas de Piano e Canto. Júlia de França Neto participou na apresentação pública anual dos alunos do Conservatório de Música de Genebra, realizada a 8 de setembro de 1845, com a apresentação da “Chanson du Saule” da ópera Otelo, de Gioacchino Rossini, tendo sido reconhecida pelo seu excelente método de canto. A sua estreia pública – fora do âmbito dos exercícios públicos de alunos do conservatório – ocorreu no ano seguinte, aquando da sua eventual conclusão do curso, num concerto organizado por Bonoldi: Júlia de França Neto interpretou uma ária da ópera Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti. O seu nome não consta da documentação do Conservatório de Genebra referente a 1849, o que sugere que a biografada já não se encontrava ali inscrita nesse ano. Pouco mais se sabe da sua atividade na segunda metade da déc. de 1840 e primeiros anos da década seguinte. Anos mais tarde, em Paris, prosseguiu a sua formação musical, a título particular, com o baixo e compositor Jean-Antoine-Just Géraldy [Geraldis], com Fiocchi, um cantor e professor formado no método do castrato Girolamo Crescentini, e com Caçares, com quem terá aprendido repertório musical espanhol e, possivelmente, guitarra. Júlia continuou a sua atividade como intérprete nesta cidade em saraus privados realizados por senhoras da aristocracia parisiense, em solenidades sacras e em eventos de beneficência. Cantou em Pau (nos Altos Pirinéus) num concerto organizado pelo violinista Louis Eller, que naquela cidade se havia sediado. A cantora madeirense apresentou-se igualmente em diversas récitas da Société Philarmonique de Tarbes. O seu último concerto em França terá ocorrido a 10 de junho de 1854, em Saint-Germain-en-Laye, onde interpretou dois excertos de óperas de Rossini – a cavatina “Una voce poco fa” de Il Barbiere de Siviglia, e o rondó “Nacqui all alfano e al pianto” de La Cenerontela – bem como um dueto com o barítono Morelli. A família França Neto terá residido em Lisboa, no Palácio do Marquês de Sá da Bandeira, até regressar à Madeira, em 1854, e Júlia de França Neto ter-se-á apresentado frequentemente em iniciativas musicais privadas e semipúblicas do conde de Farrobo, nas quais terá privado com D. Fernando II; porém, não se identificam quaisquer menções à intérprete madeirense na documentação recolhida sobre os eventos musicais organizados por Joaquim Pedro Quintela, 1.º conde de Farrobo. É antes credível que tenha privado com Joaquim Pedro Quintela, 2.º conde de Farrobo – governador civil do Funchal entre 1860 e 1862 – e com sua cônjuge, co-organizadora de alguns concertos beneméritos na cidade madeirense, com quem se deslocou a Lisboa em 1864.   No dealbar da segunda metade do séc. XIX, o arquipélago madeirense foi profundamente assolado por uma crise agrícola e comercial, agravada pela devastação vinícola provocada pela mangra (oídio) a partir de 1851, por intempéries, tais como o aluvião de 1853, e ainda por epidemias de cólera, em 1856, e de febre-amarela, em 1858. Sensibilizada pela miséria que afetava as populações madeirenses (e nacionais) mais desfavorecidas, sobretudo os pobres, os órfãos e os enfermos, Júlia de França Neto encetou a realização de concertos de beneficência, tendo realizado 10 récitas entre 1854 e 1861 e participado noutros eventos criados com os mesmos fins. Foram identificados os seguintes concertos: 28 de dezembro de 1854, na Escola Lancasteriana; 2 de fevereiro de 1855, no salão da Escola Central; 2 de março de 1855; 2 de Fevereiro de 1858, na sala grande do Palácio de São Lourenço (destinado às vítimas da febre-amarela em Lisboa); 4 de abril de 1859; 16 de março de 1861; e 18 de março de 1861, organizado com a condessa de Farrobo e realizado numa das salas do Palácio de São Lourenço. Com exceção do concerto de fevereiro de 1858, para auxílio das vítimas da febre-amarela em Lisboa, os lucros destas récitas foram destinados às instituições de beneficência madeirenses, entre as quais o Asilo de Mendicidade do Funchal, a Misericórdia e o Convento das Capuchas. A cantora interpretou, nestes concertos, excertos de óperas de Gioacchino Rossini (o rondó da Cenerentola e o dueto “Dunque io son” de Il barbiere di Siviglia, com Vasconcelos), de Nicola Vaccai (a ária de Giovanna Grey), de Vincenzo Bellini (a cavatina, “Come per me sereno – Sovra il sen la man mi posa”, de La Sonnambula), de Gaetano Donizetti (a ária de Lucia de Lammermoor) e de Giuseppe Verdi (“D’amor sul’alli rosee”, “Scena, Aria e Miserere” de Il Trovatore, e “Ah Fors’è lui – Sempre libera” de La Traviata), a Ave Maria de Luigi Cherubini e boleros (peças espanholas), nestes últimos acompanhando-se à guitarra. Não há referência à sua prática pianística neste período. Vários músicos amadores e profissionais exibiram-se nas suas iniciativas beneméritas: Maria Paula Klinghöffer Rêgo (piano, harpa, machete), Carlota Cabral (piano), Maria Virgínia de Sousa (piano), Júlia Araújo de Ornelas (harpa, piano), Carolina Dias de Almeida (canto), a condessa de Farrobo (canto), a sra. Mascarenhas (harpa), a sra. [Amélia Augusta de?] Azevedo (machete), o sr. Schroter, o sr. Krohn (canto), o sr. Laplont/Laporte (piano), Cândido Drummond de Vasconcelos (machete), Duarte Joaquim dos Santos (piano, seu acompanhador em várias récitas), João Fradesso Belo (piano, diretor dos coros) e Jorge Titel (diretor da orquestra). A 20 de junho de 1864, Júlia de França Neto partiu para Lisboa na companhia de Carolina de França Neto (provavelmente sua mãe), de Mourão Pita e de Joaquim Pedro Quintela, 2.º conde de Farrobo; datarão destes anos as suas apresentações como cantora em Lisboa. Embora não seja feita qualquer referência específica às suas exibições privadas e semipúblicas no esboceto biográfico redigido por Platon de Vakcel quatro anos após aquela visita à capital portuguesa – que tomaria como fonte informações seguramente cedidas pela intérprete –, o autor do seu obituário no Diário de Notícias refere que Júlia de França Neto havia frequentado as soirées da sociedade lisbonense, entre as quais as organizadas pelo 7.º marquês da Fronteira, e convivido com os monarcas D. Fernando e D. Luís, tidos como grandes apreciadores do seu talento musical. Júlia de França Neto terá regressado à Madeira em 1866. A artista participou também em concertos organizados por outros músicos profissionais e amadores. Cantou com o virtuoso violinista Agostino Robbio os duetos “Per piacer alla signora” da ópera Il Turco in Italia, de Rossini e o “Grand Dueto” da ópera L’Elisire de Amore, de Gaetano Donizetti, no concerto de beneficência (destinado ao Asilo de Mendicidade e Órfãos) organizado por este a 27 de janeiro de 1866. Neste concerto, participaram também Cândido Drummond de Vasconcelos, Platon L'vovich Vakcel (canto) e Eduardo Maria Frutuoso da Silva (piano, canto). Embora tenha sido anunciada a sua colaboração nos três concertos em benefício do mesmo Asilo que ocorreram entre fevereiro e abril de 1866, resultantes da iniciativa benemérita de Maria Paula Klingelhöeffer Rêgo, acabou por não participar neles, em virtude do falecimento de sua irmã. Não há, aliás, qualquer referência na imprensa periódica da época à sua participação nos concertos organizados por esta pianista entre 1866 e 1871. Porém, as duas intérpretes colaboraram em vários eventos realizados neste período. Em janeiro de 1869, Júlia de França Neto tomou parte, com Platon de Vakcel, em dois concertos de benefício ao Asilo de Mendicidade e Órfãos, acedendo ao pedido que lhes havia sido efetuado pela comissão administrativa daquela instituição. Nestas récitas, organizadas pelo cantor amador C. A. Mourão Pita, também participaram Maria Paula Klinghöffer Rêgo, o sr. Sattler (piano), Cândido Drummond de Vasconcelos, Artur Sarmento (canto), José Sarmento (acompanhamento ao piano), Luís Ribeiro de Mendonça (declamação), entre outros; Isidoro Franco, regente da banda de caçadores, foi diretor da orquestra. Nestes concertos, a biografada interpretou a célebre “Valsa” de Luigi Venzano; “La Juanita”, de Sebastián Yradier, o grand duetto “Sulla tomba che rinserra – Verranno a te sull'aure” do 1.º ato da ópera Lucia di Lammermoor, de G. Donizetti, com Platon de Vakcel; e um terceto com Vakcel e Artur [Adolfo] Sarmento. Júlia de França Neto integrou o elenco que apresentou a comédia La Nièce no espetáculo, em benefício do Asilo de Mendicidade, realizado a 18 de maio de 1870 no Teatro Esperança. Não se identificam posteriores referências à sua atividade musical em eventos públicos; não obstante, terá realizado vários saraus artísticos na sua residência. A cantora foi muito elogiada na imprensa periódica parisiense e madeirense pela sua “capacidade vocal notável” e pelo seu “conhecimento da arte do canto, [que a colocava] entre os artistas da bela escola” (“Concerto a Benefício…”, O Clamor Público, 2 fev. 1855, 1). O redator de L’Industriel fazia notar que “dificilmente se encontraria uma cantora” como Júlia de França Neto, “apta a executar bem os domínios vocais da soprano mais ágil e da contralto mais grave” (L’Industriel, 17 jun. 1854). O repertório interpretado pela biografada – que compreendia ainda a valsa “Ah! Je Ris de me Voir si Belle en Ce Miroir” da ópera Faust de Charles Gounod – requer, nas suas versões originais, um âmbito vocal assaz extenso. Os excertos vocais das óperas Il Barbiere de Siviglia e La Cerenentola de G. Rossini requerem um âmbito de sol sustenido 2 a si 4, enquanto os das óperas La Sonnambula de V. Bellini e Il Trovatore e La Traviata de G. Verdi exigem um âmbito de mi bemol 3 a ré 5 e de dó 3 a ré 5; os demais excertos interpretados por Júlia de França Neto requisitam uma tessitura compreendida entre si 2 e si 4. O âmbito vocal extenso e a aptidão para a execução de obras musicais para soprano ou contralto de Júlia de França Neto pode ser explicado pelo uso de uma técnica de canto (ainda vigente no séc. XIX) assente no uso intensivo da “voz de cabeça” e da “voz de peito”, isto é, no recurso à alternância, respetivamente, entre os registos/timbres claro, para as tessituras média e aguda, e escuro, para as tessituras grave e média. Porém, o corpus de excertos musicais interpretado pela biografada requer uma tessitura de duas oitavas e uma quinta diminuta, superior ao âmbito vocal normativo dos cantores, compreendido em duas oitavas. Não obstante, a extensão vocal de duas oitavas e uma quinta diminuta era – ainda que privilegiada – possível para as vozes femininas. Não fosse ela dotada desta excecional extensão vocal, é crível que possa ter recorrido às habituais práticas de transposição dos números musicais que visavam a acomodação dos mesmos à tessitura dos cantores, procurando adaptar aqueles excertos com uso de notas sobre-agudas ou graves de que não dispunha para um âmbito vocal em que lhe fosse possível interpretá-los. Júlia de França Neto foi assim capaz de cantar nas tessituras de soprano e meio-soprano/contralto, possibilitando às audiências madeirenses a fruição de excertos célebres do repertório operático (que, face à inexistência, por largos anos, de companhias e teatros de ópera na região, seriam, seguramente, desconhecidos). Na fase final da sua carreira musical, ter-se-á notabilizado como contralto, fruto, por um lado, do abaixamento da tessitura vocal de cantoras com a idade, e, por outro, da introdução em Portugal das transformações na prática e pedagogia do canto lírico instituídas na centúria oitocentista (grosso modo, a ênfase em timbres escuros – voix sombrée – e o favorecimento dos registos mais robustos e dramáticos da voz). Júlia de França Neto foi também uma reconhecida produtora vinícola e agrícola. Júlia e João de Atouguia de França Neto, seu irmão, herdaram, por falecimento de seu pai em 24 de abril de 1874, várias propriedades agrícolas. As suas diversas propriedades agrícolas e vinícolas – situadas nas freguesias de Câmara de Lobos (sítios da Caldeira e das Fontainhas), Estreito de Câmara de Lobos (sítios do Salão, da Vargem, da Marinheira, do Marco e da Fonte), Quinta Grande (sítios da Câmara do Bispo, da Ladeira, de Pedregais, de Aviceiro, de Vera Cruz e Chiqueiros, de Igreja e Várzea, e do Lombo), Campanário (Fajã [dos Padres], Calhau da Lapa), São Martinho, Funchal (sítios da Ajuda, da Ponta da Cruz e dos Piornais) e Santo António, Funchal (sítio da Madalena) – foram, na sua maioria, colonizadas pela proprietária, pelos seus parceiros agrícolas e por herdeiros destes últimos. As suas propriedades mais reconhecidas eram a Fajã dos Padres e a Quinta do Salão. Júlia de França Neto terá engenhosamente incentivado o cultivo de cana-de-açúcar, de verduras e árvores de fruto, e a produção de vinho. Júlia de França Neto faleceu de hemorragia cerebral aos 77 anos, na sua residência à R. dos Netos, a 14 de maio de 1903, tendo sido sepultada no antigo cemitério de Nossa Senhora das Angústias. Foi reconhecida na historiografia regional e nacional como insigne cantora e pianista, sobretudo através do empréstimo das palavras de Vakcel, que a havia notabilizado, já em 1869, como “glória musical da Madeira e um dos talentos que mais [honravam] Portugal” (SILVA e MENESES, 1978, 797). Este louvor foi quase sempre acompanhado das menções à sua atividade benemérita; nos seus gestos de cuidado e solidariedade para com os desabonados, Júlia de França Neto encetou e muito contribuiu para a instituição, na Madeira, de iniciativas musicais beneméritas de “maternidade social” – empreendimentos femininos de índole cívica e benemérita para provisão das carências dos mais desfavorecidos – no domínio artístico da música. A consolidação dos concertos de beneficência foi realizada por senhoras que com ela colaboraram, como Maria Paula Klinghöffer Rego e Carolina Dias de Almeida, por adjuvantes destas últimas, como Matilde Sauvayre da Câmara, e por outras beneméritas, como Ester Leonor Ferraz, Palmira Lomelino Pereira e Eugénia Rêgo Pereira, que, com o seu préstimo, perpetuaram o modelo de benefício musical de caridade (e o legado de “maternidade social” de Júlia de França Neto) até à segunda metade do séc. XX.   Rui Magno Pinto (atualizado a 03.03.2018)

Personalidades

müller, carlos

Carlos Müller nasceu na freguesia de Santa Luzia a 18 de dezembro de 1896, sendo filho de Karl Müller, natural da Bavária (Alemanha), e de Guilhermina da Silva, também natural daquela freguesia. Na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, partiu, a 21 de Julho de 1916, com 23 anos, para os Açores, onde cumpriu o exílio no forte de São João Baptista (Angra do Heroísmo) sob o n.º 384, conforme a lista de 1918. Na verdade, a 7 de fevereiro de 1916, fora aprovada uma lei que previa a requisição de matérias-primas e meios de transporte alemães que estivessem em território português. Em 9 de março de 1916, a Alemanha declarara guerra a Portugal, que reagira com vária legislação, nomeadamente a lei de 24 de abril de 1916, em consequência da qual os residentes alemães em Portugal foram banidos ou presos, especialmente os de idades compreendidas entre os 16 e 45 anos. Antes do referido exílio, Karl Müller não permitira a naturalização dos filhos mais velhos, Humberto e Carlos afirmando que “antes morrer que ser português” (WILHELM, 2000-2001). Sua mãe ficou viúva a 5 de setembro de 1916 e morreu a 25 de janeiro de 1922. Pouco depois, a 22 de Junho de 1922, Carlos Müller casou-se com Olga da Paixão de Castro em regime de comunhão de bens; tinham ambos 25 anos. Em 1934 residiam à rua do Conde Carvalhal e, a 14 de setembro de 1939, Carlos Müller naturalizou-se português. Carlos Müller interessou-se pelo bordado da Madeira e fez a sua aprendizagem desta indústria numa sociedade irregular – baseada num acordo verbal, sem recurso a ato notarial – com seus cunhados, Crispim Izidoro (irmão de sua mulher) e Maria Romana de Castro, em 1922. Posteriormente, Crispim constituiu uma sociedade com seu irmão, Alberto Castro, mas, em setembro de 1924, ficou único sócio da empresa, com sede à rua dos Ferreiros, no Funchal. Nesse ano, Crispim, que entretanto emigrara para a América, mandou de lá uma procuração conferindo a Carlos poderes de administrador e de gerente, com um ordenado que oscilava entre 800$00 e 2.400$00, conforme o seu desempenho, especialmente o volume e o montante de bordados exportados; estas funções foram ratificadas em 1932 por nova procuração. No entanto, com o regresso à Madeira de Crispim Izidoro de Castro, surgiram desentendimentos entre os dois, que fizeram com que Carlos iniciasse uma ação judicial no Tribunal da Comarca do Funchal; na versão de Crispim, a repetida e intolerante indisciplina do cunhado (nomeadamente o incumprimento das instruções recebidas) tinham-no obrigado a demitir Carlos, a 9 de Outubro de 1933. Pouco tempo volvido, Carlos retirou a referida queixa, desconhecendo-se a razão. A 9 de Novembro de 1933, Carlos Müller constituiu com seu cunhado Raul Ladislau da Câmara (casado com uma irmã de Olga) a firma Müller & Câmara, sedeada à rua Conde Carvalhal. A 11 de Abril de 1942, os dois sócios procederam à reformulação da mesma e, a 1 de Julho desse ano, ratificaram as escrituras anteriores, ficando como “primeiro outorgante Karl Müller, que também é conhecido e assina Carlos Müller e como segundo outorgante Raul Ladislau Câmara; ambos casados, comerciantes e moradores à rua Latino Coelho, desta cidade”, assim como o tipo de sociedade: “Müller & Câmara Limitada e Madeira Juvenile Export C.º Ltd” (ARM, 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 1 jul 1942), com nova sede e aumento de capital social. A 4 de abril de 1946, perante o notário Bacharel Frederico Augusto de Freitas, foi constituída a “sociedade comercial por cotas de responsabilidade limitada, Arte Fina, Limitada”, que teve a sua primeira sede e estabelecimento principal na calçada da Saúde, n.º 10 de polícia. A cláusula 3.ª da mesma escritura refere que o “seu objeto é a realização da indústria e do comércio de bordados da Madeira, e a de qualquer outro ramo de indústria ou de comércio que aos sócios convenha explorar, dentro dos limites da lei”. A cláusula seguinte refere que o capital social está integralmente realizado, que é no valor de 200.000$00 “e fica dividido em quatro cotas – sendo uma, com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Carlos Müller, outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Humberto Müller, outra com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Raúl Ladislau Câmara, e outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Avelino Leovigildo Nunes Vieira Aguiar Câmara” (Ibid., escritura de 4 abr 1946). No mesmo cartório, a 3 de agosto de 1957, Raul Ladislau da Câmara e Maria Romana cederam as suas quotas aos restantes outorgantes e, a 2 de outubro de 1957, entraram novos sócios para a firma Arte Fina, Limitada, com sede e principal estabelecimento no Funchal. Os novos sócios são os cônjuges de Avelino Aguiar Câmara e de Carlos Müller, assim como o seu filho, Humberto Müller, médico pediatra, que exercia a profissão em Lisboa. Carlos Müller faleceu na cidade de Lisboa, onde se achava em tratamento, a 15 de dezembro de 1963. No Termo de Apresentação da Relação de Bens constava que residira na Avenida do Infante, no Funchal e que fora casado com Olga de Castro Müller em primeiras e únicas núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão geral de bens. No Termo de Declaração constava que o falecido não fizera testamento nem doação, sendo os herdeiros, por direito de sucessão legítima, seus filhos, o declarante e Dolores Elisabeth Müller Câmara, casada, de 39 anos de idade, moradora à dita Av.ª do Infante, e também a viúva, nomeada, por inerência, cabeça de casal. Em sucessivos pedidos de prorrogação de prazo para apresentação do Termo de Apresentação da Relação de Bens, entre vários documentos, estão o extracto do balanço em duplicado da firma Arte Fina, Limitada, e escrituras da mesma firma, de 4 de abril de 1946, 3 de agosto de 1957 e 2 de outubro de 1957. No mesmo processo, consta a Relação dos bens deixados por óbito de Carlos Müller, sendo os n.os 1 a 4 bens móveis e o n.º 5 as cotas sociais (duas) no capital da sociedade Arte Fina, Limitada, com o valor nominal de 110.000$00, tendo a firma capital no montante nominal de 200.000$00, que está realizado integralmente. Quanto aos bens imóveis, havia prédios urbanos à travessa do Lazareto (Sítio dos Louros), ao beco dos Frias (São Pedro), à estrada conde de Carvalhal (Santa Maria Maior) e à avenida do Infante (São Pedro), onde a família residia, e ainda à rua 31 de Janeiro. Nessa relação consta também a quarta parte de dois prédios rústicos, um na Quinta do Salvador e outro no Arrebentão (Terreiro da Luta), freguesia do Monte.   José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 01.02.2018)

Personalidades

monteiro, josé leite

José Leite Monteiro nasceu no Porto a 27 de setembro de 1841. Foi advogado, professor, escritor e político. Fez o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em que ingressou em 1859, tendo concluído os estudos em 1864. Estabeleceu-se, em seguida, no Funchal, onde abriu um escritório de advocacia. Diz o Elucidário Madeirense que José Leire Monteiro nutria pela Madeira uma “carinhosa idolatria”, semelhante à que seria possível num filho natural da Ilha (SILVA e MENESES, II, 1998, 227); foi aí que desenvolveu a sua atividade profissional e intelectual. Foi professor no liceu do Funchal, depois de, em 1867, ter alcançado a nota mais elevada no concurso público para professor de Filosofia dos liceus. Passou a sua vida profissional na Ilha, a qual representaria um dos vértices das suas preocupações e dos seus interesses. Na vida pública, desempenhou funções em várias comissões de serviço, como governador civil substituto, como membro do Conselho do Distrito, como presidente da Junta Geral e como presidente da Câmara Municipal do Funchal. De salientar ainda que fez parte do Partido Fusionista e que entrou nas lutas políticas madeirenses de 1868, no âmbito das quais prestou serviços ao Partido Regenerador. José Leite Monteiro colaborou com vários jornais do Funchal, chegando a ser redator do jornal O Direito, órgão da política regeneradora. Também publicou vários livros, entre os quais se destacam O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal, de 1863, e Elementos de Direito Civil Portuguez, de 1895. Foi sócio efetivo da Associação de Direito Internacional. Em colaboração com o Cón. Alfredo César de Oliveira, coligiu diversos poemas dispersos de autores madeirenses, que acabariam por ser publicados num volume com o título Flores da Madeira. Morreu no Funchal, a 10 de março de 1920. Obras de José Leite Monteiro: O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal (1863); Elementos de Direito Civil Portuguez (1895).   Raquel Gonçalves (atualizado a 01.02.2018)

História da Educação Personalidades

monteiro, joão antónio

Mineralogista e académico de reputação internacional, nasceu no Funchal a 31 maio de 1769. Doutorou-se em Filosofia a 23/10/1791, na Universidade de Coimbra, onde viria a ser docente, tendo ministrado as seguintes cadeiras: Botânica (1793-1794) e Agricultura (1793-1794) como substituto extraordinário; Física Experimental enquanto demonstrador (1795-1796) e como substituto extraordinário (1796-1801); e Metalurgia na função de 4.º substituto (1801-1804), 6.º lente (1804-1813) e 3.º lente (1813-1822). Ocupou ainda o cargo de fiscal da Faculdade de Filosofia (31/07/1794). Traduziu do inglês, a pedido de D. João, o Príncipe Regente, a obra: Indagação sobre as Causas e Efeitos das Bexigas de Vaca […] e Conhecida pelo Nome de Vacina, por Eduardo Jener, M. D. T. R. S., etc. (Lisboa, 1803). Apesar da sua carreira como lente, a sua reputação decorre do seu percurso original de investigação no domínio da mineralogia. O referido percurso teve um grande desenvolvimento quando foi autorizado, por carta régia de 11 de maio de 1804, a empreender uma viagem científica a Paris, viagem que realizou como se estivesse ao serviço da Universidade, pois esta assegurou-lhe a antiguidade, os ordenados e demais prerrogativas. Em outubro de 1815, parte de Paris para Friburgo, na Alemanha, onde se instrui na doutrina de Werner. Várias publicações reputam-no como autor de sucesso nesses países, tendo publicado em vários periódicos internacionais. Em maio de 1814, publica no Journal des Mines um artigo intitulado “Nouvelle Description du Pyroméride Globaire, ou de la Roche Connue sous le Nom de Pophyre Globuleux de Corse”, onde dá conta de uma nova espécie de rocha, que o mineralogista francês René Just Haüy, considerado o pai da cristalografia moderna, adota na sua obra Nouvelle Distribution Minéralogique des Roches. Na sequência das suas investigações, tornou-se sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa e membro da Sociedade de Mineralogia de Jena, da Sociedade Geológica de Londres e da Academia Real de Munique. Morreu em Paris, em 1834. Obras de João António Monteiro: “Mémoire – Sur une Nouvelle Variété de Cuivre Gris”, “Mémoire – Sur le Fer Sulfuré Blanc de Mr. Hauy”, “Tableau du Cours de Minéralogie de Mr. Hauy pour l’Année 1811”; “Apperçu – De l’Analogie du Wernerite avec Leparanthine” (1809); “Mémoire – Sur plusieurs Nouvelles Variétés de Formes Déterminables de Topaze” (1811); “Mémoire – Sur la Chaux Fluatée du Vesuve” (1812); “Mémoire – Sur la Détermination Directe d’Une Nouvelle Variété de Forme Cristalline de Chaux Carbonatée, et sur les Propriétés Remarquables qu’elle Présente” (1813); “Nouvelle Description du Pyroméride Globaire, ou de la Roche Connue sous le Nom de Pophyre Globuleux de Corse” (1814); “Observations et Considérations Analytiques sur la Composition, et sur la Structure du Pyromeride Globaire” (1814).   Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 01.02.2018)

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