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mouros

As populações árabes e os berberes oriundos do noroeste de África eram identificados como mouros. O termo mouriscos, por sua vez, era aplicado aos muçulmanos batizados. Ambos os grupos marcam presença na Madeira, dada a proximidade da Ilha à costa africana e os vínculos que se criaram entre o Funchal e a praças portuguesas aí estabelecidas. Palavras-chave: escravos; ataques corsários; batalhas; Norte de África.   Nome dado às populações árabes e aos berberes oriundos do noroeste de África. O termo “mouriscos”, por sua vez, era aplicado aos muçulmanos batizados. Ambos os grupos marcaram presença na Madeira, dada a proximidade da Ilha à costa africana e dos vínculos que se criaram entre o Funchal e as praças portuguesas aí estabelecidas. Perante o Tribunal do Santo Ofício, mourisco era, muitas vezes, sinónimo de professo do islão e não se confundia com a ideia de escravo, na medida em que era numeroso o grupo de mouriscos alforriados ou livres. Ao contrário, aos mouros, passou a estar associada a noção de escravo. As condições particulares da presença portuguesa no Norte de África definiram para este mercado madeirense uma forma peculiar de intervenção. Os escravos eram os presos de guerra resultantes das múltiplas pelejas em que se envolviam Portugueses e mouros. Para os madeirenses que defenderam com valentia a soberania portuguesa nessas paragens, os escravos mouros eram, ao mesmo tempo, um prémio e um testemunho dos seus feitos bélicos. Os principais obreiros do reconhecimento e ocupação da Madeira, como criados da casa do infante D. Henrique, foram impelidos para a aventura africana, destacando-se nas viagens henriquinas de 1445 e 1460 e nas aventuras bélicas nas praças norte africanas, nos sécs. XV e XVI. O capitão de Machico, Tristão Vaz Teixeira, participou pessoalmente numa das expedições de 1445, e João Gonçalves Zarco mandou duas vezes uma caravela, sob comando do sobrinho Álvaro Fernandes. Enquanto Zarco interveio apenas para bem servir o infante, Tristão Vaz fê-lo por “bom desejo para serviço do infante e muito ao seu proveito” (VIEIRA, 1991, 22). Mas Álvaro Fernandes, escudeiro da casa do mesmo senhor, armou caravela “por fazer alguma cousa de sua honra” (Id., Ibid.). Os filhos dos primeiros povoadores madeirenses evidenciaram-se, também, em diversas façanhas bélicas nas praças marroquinas e no oriente, guiados pelo ideal cavaleiresco e interesses económicos. Nas praças marroquinas, intervieram várias casas madeirenses, com especial relevo para os Câmara, os Abreu, os Correia, os Bettencourt, os Dória, os Freitas, os Lomelino, os Vasconcelos, os Ornelas, os Catanho e os Moniz, entre outros. Os Câmara, nomeadamente João Gonçalves, segundo capitão do Funchal, e Simão Gonçalves, terceiro da capitania, marcaram bem a sua presença nestas praças, empenhando nelas os seus haveres e aplicando aí as suas capacidades militares. A participação madeirense no norte de África não se resumiu ao apoio humano efetivo nas diversas campanhas de defesa das respetivas praças, mas também no provimento de cereais e materiais de construção para as diversas fortificações aí implantadas. Todas as despesas inerentes ao socorro das praças foram custeadas com as receitas dos direitos do açúcar. Só em 1508, com o envio de uma armada de socorro a Safim, despenderam-se as receitas da venda de 963 arrobas de açúcar dos direitos reais, enquanto em 1514 se gastaram 83$815 reais. A Madeira, porque próxima do continente africano e envolvida no seu processo de reconhecimento, ocupação e defesa do controlo da Coroa portuguesa, tinha as portas abertas ao comércio de escravos. Deste modo, a Ilha e os madeirenses destacaram-se, nas primeiras centúrias da ocupação da Madeira, pelo seu empenho na aquisição e no comércio desta pujante e promissora mercadoria do espaço atlântico, os escravos. À Ilha chegaram os primeiros escravos guanches (Canárias), marroquinos e africanos que contribuíram para o arranque económico do arquipélago. Este comércio entre a Ilha e os principais mercados fornecedores existiu e foi, em alguns momentos, fulgurante. Ignoramos, todavia, o número de escravos de diversas origens étnicas que entraram na Ilha: as lacunas documentais para os sécs. XV a XVII não permitem a conhecê-lo. De facto, faltam os respetivos registos de entrada da Alfândega do Funchal e as atas notariais. No séc. XIV e inícios do seguinte, o principal mercado de escravos situava-se no mar Mediterrâneo, sob a égide dos mercadores venezianos, mas, a partir de meados do séc. XV, o movimento foi orientado, por iniciativa portuguesa, para o Atlântico. A penetração portuguesa no continente africano, primeiro no norte, em Ceuta (1415) e depois ao longo da costa, a partir da passagem do Bojador (1434), contribuiu para a posição hegemónica dos Portugueses no tráfico de escravos na costa ocidental africana. Os escravos que surgiram no mercado madeirense eram, na sua quase totalidade, de origem africana, sendo reduzidas ou nulas outras proveniências. Apenas o mercado africano, onde se destacava a extensa costa ocidental em poder dos Portugueses, não foi alvo de quaisquer proibições. Aí, as únicas medidas foram no sentido de regular o tráfico, como atestam os contratos e arrendamentos de escravos. O litoral atlântico do continente africano, definido, num extremo, pelas Canárias e costa marroquina e, noutro, pela costa e golfo da Guiné e Angola, era a principal fonte de escravos. A Madeira foi buscar aí a mão de obra necessária para a cultura dos canaviais. Primeiro, foram os escravos das Canárias e de Marrocos, depois, os negros da Guiné e de Angola. Na costa africana, para lá do Bojador, os meios de abastecimento de escravos eram outros. De início, interveio-se violentamente, por meio de assaltos e razias; em seguida, estabeleceu-se um trato pacífico com as populações indígenas. Todavia, um dos meios mais importantes de aquisição de escravos era o corso marítimo nas áreas adjacentes ao mundo muçulmano. Até à definição da rota atlântica para o comércio de escravos negros, a fonte de abastecimento era quase somente as iniciativas de corso no estreito de Gibraltar, as incessantes incursões nas Canárias e os prisioneiros da guerra de cruzada contra os muçulmanos, na Península Ibérica ou em Marrocos. A guerra de corso foi uma prática comum nas primeiras décadas do séc. XV, intervindo nela homens como João Gonçalves Zarco. A tradição diz-nos que terá sido numa destas ações que ele conheceu, pela primeira vez, o arquipélago da Madeira. Aliás, desde 1433, os infantes D. Pedro e D. Henrique usufruíram da isenção do quinto do valor das capturas realizadas, devido à Coroa. Com a tomada de Ceuta, em 1415, abriu-se a possibilidade de novas fontes de abastecimento de escravos. Os cronistas do séc. XV e XVI relevam o ativo protagonismo dos madeirenses na manutenção e defesa das praças em Marrocos. A principal aristocracia da Ilha fez delas um meio para o reforço das tradições da cavalaria medieval, uma forma de serviço ao senhor e uma fonte granjeadora de títulos e honras. Essa ação tornou-se evidente e determinante para a sua presença, na primeira metade do séc. XVI, destacando-se, no contexto, diversas armadas de socorro a Arzila, Azamor, Mazagão, Santa Cruz de cabo Gué e Safim. Aí, assumiram especial função os capitães do Funchal e de Machico, bem como a aristocracia da Ribeira Brava e do Funchal. Foi também a Madeira quem abasteceu estas praças, durante algum tempo, dos cereais necessários à manutenção das gentes. O mesmo sucedeu com o tabuado e a cal para a construção ou reparo de fortalezas. Na déc. de 70 do séc. XV, num momento em que a Madeira se debatia com a quebra da produção cerealífera, este provimento às praças marroquinas e feitorias da costa da Guiné passou a ser assegurado pelos Açores, mantendo-se, no entanto, a Madeira como centro redistribuidor. A dupla intervenção da Ilha no provir das praças marroquinas e portos da costa além do Bojador terá contribuído para a abertura das rotas do comércio de escravos daí oriundos. No caso das praças de Marrocos, a presença assídua dos madeirenses na sua defesa trouxe-lhes algumas contrapartidas favoráveis em termos dos prisioneiros de guerra. Daí terão resultado os escravos mouriscos encontrados na Ilha. Gaspar Frutuoso refere, a propósito da ilha de São Miguel (Açores), que, em 1522, quando do sismo e derrocada de terras que soterraram Vila Franca do Campo, o grupo de escravos mouros que o capitão Rui Gonçalves da Câmara e acompanhantes detinham era numeroso; ora estes, anos antes, haviam ido socorrer Tânger e Arzila. Idêntico foi o comportamento dos madeirenses que participaram, com frequência, nestas campanhas. Os mouros surgiram com maior incidência no Funchal e Ribeira Brava, áreas ondes as personalidades principais mais se distinguiram nas guerras marroquinas. Eles situam-se quase que exclusivamente no séc. XVI, se excetuarmos um caso isolado no Funchal, na déc. de 30 do séc. XVII. Isto resultou das medidas restritivas à posse de escravos dessa origem estabelecidas pela Coroa a partir 1597. A intervenção madeirense nas praças marroquinas aproximou os corsários argelinos da costa do arquipélago, podendo esta ser entendida como uma ação de represália. Eles surgem com assiduidade a partir de 1566, sendo de referenciar, em 1617, o assalto às ilhas de Porto Santo e Santa Maria. Da primeira ilha, levaram como cativos 900 vizinhos, escapando apenas 18 homens e 7 mulheres. O tratamento dado a estes cativos era quase idêntico ao dos escravos da civilização ocidental. O que os diferenciava era a possibilidade que lhes era dada pelos marroquinos, de alcançarem a liberdade antes de entrarem no mercado de escravos, caso fosse possível o pagamento do resgate. A gravidade do assalto de 1617, mercê do avultado espólio, motivou uma ativa intervenção da Mesa de Consciência e Ordens. A celeridade procurada para a resolução do resgate devia-se à presença de inúmeras crianças entre os prisioneiros, temendo-se a sua conversão ao islamismo. O resgaste de cativos era feito pelos alfaqueques. No caso do assalto de 1617, eram frades, Fr. Paulino da Apresentação e Fr. André de Albuquerque. Os contactos entre as partes interessadas faziam-se em Ceuta, Argel e Valença, onde se estabeleciam as formas de resgate. Ele poderia consistir numa troca mútua de cativos ou no pagamento de uma certa quantia em dinheiro. O dinheiro para esta rendição era resultado das esmolas, legados, rendas e multas, e era reunido, pelo mamposteiro-mor dos cativos, no “cofre dos cativos”. Todavia, dos cativos do Porto Santo de 1617, 200 atingiram a liberdade por outros meios, pois o navio que os conduziu à costa da Berberia naufragou e eles foram recolhidos por embarcações portuguesas. Mas nem todos tiveram igual sorte e, em 1656, ainda se providenciava a libertação de cativos do Porto Santo. Alguns porto-santenses entregaram ao governador da Ilha o dinheiro necessário para que, em Lisboa, se providenciasse o resgaste, o que nunca aconteceu. Também as vizinhas ilhas de Lanzarote e Forteventura foram alvo de incessantes assaltos mouros que causaram inúmeros problemas às populações de ambas as ilhas. Gaspar Frutuoso descreve um assalto a Lanzarote, em 1586, mas outros tiveram lugar na centúria imediata. O mesmo autor refere que os lanzarotenhos “são leais a Portugueses e a Castelhanos, e inimigos de mouros da Berberia, aonde vão fazer muitos saltos e trazem muita presa deles, que vendem para a ilha da Madeira” (Id., Ibid., 40). Note-se que o senhorio destas ilhas usufruía do quinto das presas feitas na Berberia. A partir de 1566, estabeleceram-se entraves a estas entradas e, em 1572, ficou exarada a sua total proibição, como forma de evitar as represálias que tinham tido local nesta segunda metade da centúria. A par da organização de armadas castelhanas para saque na área da Berberia, surgiram outras, para resgate dos cativos. Situação semelhante teve lugar em Portugal, em 1461, com a proibição da posse de escravos mouros. A proximidade das ilhas das Canárias à costa africana e as incursões à Berberia para capturar escravos conduziram à valorização deste grupo étnico nas Canárias, havendo em Lanzarote e Forteventura mais de 1500 escravos oriundos daí. Também em Grã Canária e Tenerife eles eram numerosos, como levam a crer as incessantes intervenções do cabido contra a sua presença: primeiro, em Tenerife, no ano de 1530 e, depois, na Grã Canária, em 1541. Diferente foi a situação da Madeira, onde eles não ganharam expressão significativa. Este mútuo temor de represália dos mouros condicionou o comércio e a presença de escravos também mouros, na Madeira e nas Canárias. No caso madeirense, o abandono de algumas praças, no período de 1541-1550 (Alcácer Ceguer, Arzila, Azamor, Safim e Santa Cruz), será um dos fatores que contribuíram para o paulatino decréscimo do número de mouros, que, num e noutro caso, foram substituídos, em condições mais favoráveis, pelos da costa da Guiné. Facto curioso é que o desinteresse canário-madeirense pela rota marroquina de escravos coincide, precisamente, com o avolumar das investidas de represália às ilhas de Lanzarote, Forteventura, Porto Santo e Santa Maria. A partir desta data, inverte-se a situação, surgindo os ilhéus, como vimos, na condição de cativos ou escravos dos mouros. Não obstante os números sobre a presença desta população, na condição de livre ou escrava, serem escassos, são vários os vestígios que revelam a sua permanência no arquipélago. A capela de N.ª Sr.ª da Penha de França (Faial) foi instituída em 1680 por António Teixeira Dória, no local onde, segundo a tradição, terá funcionado uma mesquita clandestina dos escravos mouros. De origem tipicamente mourisca são, no vestuário, o capuz e, na alimentação, o cuscuz e o bolo do caco. Há ainda quem aponte o borracho ou odre como sendo de origem norte africana, o mesmo sucedendo com a canavieira ou roca. Todavia, ainda está por saber se esta importação derivou da presença dos escravos mouros no arquipélago ou das assíduas deslocações dos madeirenses a África, em defesa das fortalezas portuguesas aí existentes. É no Porto Santo, a exemplo do que sucede na ilha de Santa Maria, nos Açores, que se nota uma maior influência, havendo bastantes razões para que isso aconteça. Neste ponto, merecem especial referência os incessantes assaltos de corsários argelinos que, por diversas vezes, levaram como reféns os habitantes da ilha (por exemplo, em 1616). O cativeiro poderá ter sido o meio mais eficaz para a assimilação da tradição do Norte de África. Por outro lado, estes elementos etnográficos de afinidade norte africana poderão ter vindo com os primeiros colonos algarvios, também permeáveis a tais influências. Na toponímia madeirense, a presença dos mouros pode ser testemunhada através dos nomes de alguns acidentes geográficos. Assim, temos o Lombo do Mouro (Paul da Serra), a Cova do Mouro (Porto Moniz), a Cova do Moirão (Arco da Calheta e Serra de Água) e a Furna do Mouro (sítio do Pomar Novo). Já a rua da Mouraria e das Pretas, na cidade do Funchal, terá uma origem diferente: a investigação levada a cabo por Ernesto Gonçalves aponta para que este nome decorra do apelido de pessoas que aí viveram e não da existência de um bairro de “mouros” e “pretos”, coisa que nunca existiu na Madeira. Neste sentido, vale a pena indicar que persistem na tradição oral duas expressões: “há mouro na costa” e “vai-te p’ra Argel”. A primeira, dá conta da permanente insegurança dos insulares, devido às investidas de corsários, em especial, oriundos do Norte de África. O séc. XVII foi o momento mais significativo destas investidas, com os assaltos ao Porto Santo e à Fajã dos Padres, anteriormente referidos. A segunda expressão sinaliza o cativeiro de madeirenses, nomeadamente de porto-santenses, fruto das investidas feitas a esta ilha. Assim, parece existir no imaginário madeirense uma visão pouco abonatória dos mouros, definidos como violentos, o que conduziu a apertadas medidas, expressas nas posturas, quanto à sua mobilidade na sociedade madeirense. Alberto Vieira (atualizado a 01.02.2018)

História Económica e Social

monteiro, josé leite

José Leite Monteiro nasceu no Porto a 27 de setembro de 1841. Foi advogado, professor, escritor e político. Fez o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em que ingressou em 1859, tendo concluído os estudos em 1864. Estabeleceu-se, em seguida, no Funchal, onde abriu um escritório de advocacia. Diz o Elucidário Madeirense que José Leire Monteiro nutria pela Madeira uma “carinhosa idolatria”, semelhante à que seria possível num filho natural da Ilha (SILVA e MENESES, II, 1998, 227); foi aí que desenvolveu a sua atividade profissional e intelectual. Foi professor no liceu do Funchal, depois de, em 1867, ter alcançado a nota mais elevada no concurso público para professor de Filosofia dos liceus. Passou a sua vida profissional na Ilha, a qual representaria um dos vértices das suas preocupações e dos seus interesses. Na vida pública, desempenhou funções em várias comissões de serviço, como governador civil substituto, como membro do Conselho do Distrito, como presidente da Junta Geral e como presidente da Câmara Municipal do Funchal. De salientar ainda que fez parte do Partido Fusionista e que entrou nas lutas políticas madeirenses de 1868, no âmbito das quais prestou serviços ao Partido Regenerador. José Leite Monteiro colaborou com vários jornais do Funchal, chegando a ser redator do jornal O Direito, órgão da política regeneradora. Também publicou vários livros, entre os quais se destacam O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal, de 1863, e Elementos de Direito Civil Portuguez, de 1895. Foi sócio efetivo da Associação de Direito Internacional. Em colaboração com o Cón. Alfredo César de Oliveira, coligiu diversos poemas dispersos de autores madeirenses, que acabariam por ser publicados num volume com o título Flores da Madeira. Morreu no Funchal, a 10 de março de 1920. Obras de José Leite Monteiro: O Ultramontanismo na Instrucção Publica de Portugal (1863); Elementos de Direito Civil Portuguez (1895).   Raquel Gonçalves (atualizado a 01.02.2018)

História da Educação Personalidades

meneses, rufino augusto

Rufino Augusto Meneses foi um sacerdote católico madeirense, nascido na freguesia da Ponta do Sol, a 27 de abril de 1877. Foi filho de Rufino Augusto de Meneses e de Carolina de Jesus. Quando ainda era criança, partiu para Angola com o pai, que foi para lá como colono, e estudou no Seminário de Huíla, sendo ensinado pelos padres do Espírito Santo. Regressado à Madeira, matriculou-se no Seminário Diocesano do Funchal, seguindo a vida eclesiástica. Foi ordenado sacerdote a 21 de dezembro de 1901 e foi capelão da Sé do Funchal até 1902. A 22 de fevereiro de 1902, foi nomeado pároco do Caniçal, função que exerceu durante os dois anos seguintes, passando a desempenhar, desde 20 de fevereiro de 1904, o múnus de cura de Machico. Em 1905, após o falecimento do P.e Jordão do Espírito Santo, que era vigário na freguesia de Água de Pena, foi nomeado sacerdote daquela paróquia, no dia 4 de julho, ocupando o cargo durante 48 anos. A par da sua vida clerical, Rufino Augusto Meneses foi um homem dedicado às letras, colaborando na imprensa regional e escrevendo textos literários, sobretudo poéticos. Exerceu a sua atividade jornalística no periódico O Jornal, como correspondente em Machico, e assinou, naquele jornal, algumas das suas produções poéticas sob o pseudónimo “C.”. Em 1950, publicou um volume de versos intitulado Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares. Neste livro, descreveu em verso a visita da imagem de Nossa Senhora de Fátima à Madeira, no dia 7 de abril de 1948, desde a chegada a bordo do Lima e o desembarque no cais da Pontinha até ao cortejo em direção à Sé do Funchal, onde aquela obra passou a noite. Descreveu as manifestações de regozijo da população, que aguardava a chegada da imagem acenando com lenços, dando vivas e palmas, e evocou os sinos da igreja a tocar e o lançamento de foguetes. Nos seus versos, todo o povo, as autoridades regionais, o clero e outras individualidades madeirenses de diferentes profissões manifestaram o seu contentamento e a sua fé por aquele momento da visita da imagem da Virgem Peregrina. Narrou ainda a visita da imagem a outras freguesias da Madeira, onde, nos dias 8, 9 e 10 de abril, foi sempre aguardada por uma multidão. Depois, mencionou o regresso da imagem ao Funchal, destacando a sua passagem pelas ruas da cidade até chegar à Pontinha, onde embarcaria no Guiné para prosseguir viagem até outras paragens. Estes versos constituem um testemunho de um momento importante da história religiosa da Ilha e oferecem alguns quadros representativos das manifestações de fé do povo madeirense na primeira metade do séc. XX. Rufino Augusto Meneses faleceu em Machico, a 30 de março de 1966. Obras de Rufino Augusto Meneses: Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares (1950).   Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2018)

Religiões Personalidades

mendonça, duarte jorge de

Duarte Jorge de Mendonça nasceu na freguesia de São Jorge, concelho de Santana, ilha da Madeira, em 2 de setembro de 1936 e faleceu em São Paulo, Brasil, a 22 de novembro de 1977. Era filho de Noé Joaquim de Mendonça e de Maria Tolentina Jardim Brazão de Mendonça, também de São Jorge. Em julho de 1947, juntamente com sua mãe e seus irmãos, emigrou para o Brasil, a fim de se juntar a seu pai, que lá se encontrava desde há alguns anos. Em janeiro de de 1948, entrou para o Seminário São Fidélis, pertencente aos Frades Capuchinhos, na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo. Ali se formou em Filosofia, Teologia e Pastoral. Em 25 de dezembro de 1957, na cidade de Mococa, no interior do Brasil, fez a sua profissão solene na Ordem dos Frades Capuchinhos, tomando o nome de Fr. Jorge Maria do Funchal. Com apenas 24 anos, mediante licença especial do Vaticano, foi ordenado sacerdote em 1 de julho de 1961 e, no dia seguinte, celebrou a primeira missa no Santuário da Imaculada Conceição. Detentor de uma memória privilegiada e singular inteligência, foi convidado a estudar na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde se doutorou em Filosofia. Paralelamente, licenciou-se em Filosofia franciscana no Studio Francesco do Collegio Internazionale S. Lorenzo da Brindisi, dos Frades Capuchinhos de Roma. Os seus conhecimentos de latim e grego permitiam-lhe o domínio das línguas francesa, espanhola, italiana, inglesa e alemã, tendo-se aperfeiçoado em cursos feitos em Bregenz, Innsbruk e Paris. Na viagem de regresso ao Brasil, em agosto de 1963, visitou a sua terra natal e celebrou a missa nova na igreja paroquial de São Jorge. Ali, foi recebido com grande entusiasmo pelos seus familiares, autoridades locais e demais conterrâneos, como atesta o Diário de Notícias do Funchal de 1 de agosto de 1963. No Brasil, foi professor de Filosofia nos seminários de Veneza e Londrina, na Pontifícia Universidade de Campinas e na Faculdade de Filosofia de Nossa Senhora Medianeira; participou ativamente em diversos congressos e encontros de Filosofia realizados no Brasil. Entre 1966 e 1968, foi guardião do Convento de São José em Mococa, onde fundou equipas de jovens e de casais. Em São Paulo, foi ecónomo dos Capuchinhos e orientador espiritual de movimentos religiosos que se estendiam às cidades de Nova Veneza Americana, Campinas e Sumaré. Filantropo e benemérito, é autor de textos e artigos publicados em várias revistas, assim como de poesias, algumas das quais se encontram reunidas em Encontros, coletânea de poemas de sua autoria. Após o Concílio Vaticano II, colaborou na implementação das novas diretrizes e passou a usar o seu nome de batismo. Um aneurisma cerebral ceifou-lhe a vida aquando da realização do capítulo da sua congregação onde seria eleito provincial da Ordem dos Capuchinhos. A missa de corpo presente foi concelebrada por 56 padres, 3 bispos e pelo Cardeal D. Evaristo Arns, o qual na homilia, relembrou “o sacerdote que frei Jorge foi, a santidade com que viveu. A ciência da vida e sabedoria que pregou a todos que puderam conhecê-lo” (MENDONÇA, 2001, 8). Em 1979, o prefeito da Cidade de São Paulo, Olavo Egydio Setúbal, pelo dec. 15.929, homenageou este “Português de nascimento e Brasileiro de coração” (MENDONÇA, 2001, 8), atribuindo o nome de Fr. Duarte Jorge de Mendonça a um logradouro situado entre a Av. Giovanni Gronchi e a Rua H14, no 29.º subdistrito de Santo Amaro. Obras de Duarte Jorge Mendonça: Encontros (2001)   Lígia Brazão (atualizado a 01.02.2018)

Religiões

madeiras

O nome da Ilha está inevitavelmente associado à madeira: foi este o material que proporcionou à terra a primeira imagem e o primeiro atributo, permitindo aos europeus compreenderem o potencial que apresentava para o povoamento e para a exploração de recursos. “Passamos a grande ilha da Madeira/Que do muito arvoredo assim se chama” (CAMÕES, 1613, Canto V, est. 5). O nome dado à Ilha referenciava a abundância e o aspeto luxuriante do seu bosque; no entanto, as queimadas com o objetivo de abrir clareiras para as culturas e para a habitação, e o desbaste para a fruição das lenhas e das madeiras fizeram-na, em pouco tempo, desmerecer tal epíteto. A tradição popular refere que quando os navegadores portugueses atearam um incêndio na densa floresta para poderem penetrar nela, aquele teria ganhado tais proporções que os teria atemorizado: teriam sido sete anos de chama acesa! Todavia, esta versão, divulgada por Francisco Alcoforado e repetida por Cadamosto e por outros autores da época, não é credível. No séc. XV, a Europa partiu à procura do Éden, bíblico ou descrito na literatura clássica greco-romana. Foi este um dos motivos não só do empenho de Colombo, mas também dos navegadores portugueses. O seu reencontro era encarado como uma conciliação com Deus e como o apagar do pecado original de Adão e Eva. Esta imagem perseguiu quase todos os navegadores quinhentistas e deveria estar também por detrás do empenho daqueles que aportaram à Madeira. Considere-se que as duas primeiras crianças nascidas na Ilha, as filhas de Gonçalo Aires Ferreira, tiveram os nomes bíblicos de Adão e Eva. Era o retorno ao Éden que, aos poucos, foi sendo perdido. A recuperação desta imagem aconteceria mais tarde, no séc. XVIII, durante o qual a Ilha se tornaria de novo o paraíso redescoberto para o viajante ou o tísico inglês, recuperado e revelado ao cientista. A Madeira não se posicionou apenas nos anais da história universal como a primeira área de ocupação atlântica, mas também como a terra pioneira na cultura e na divulgação do açúcar. A expansão europeia não se resumiu ao encontro e ao desencontro de culturas, mas também marcou o início de um processo de transformação ou degradação do meio-ambiente. O europeu carregou consigo a fauna e a flora de valor económico, que iriam provocar profundas mudanças nos novos ecossistemas. Com isto, o espaço vivido e a natureza universalizaram-se. Nos sécs. XV e XVI aconteceram as viagens de descobrimento, enquanto no séc. XVIII se sucederam as de exploração e de descoberta da natureza, comandadas por Ingleses e por Franceses. A Madeira foi o viveiro de aclimatação relacionado com as viagens nos dois sentidos: da Europa, propiciava-se a transmigração da fauna e da flora identificada com a cultura ocidental; por outro lado, as plantas do Novo Mundo também realizavam uma passagem obrigatória pela Ilha. A riqueza botânica do Funchal resultou disso. O processo de imposição da chamada biota portátil europeia, no dizer de Alfred Crosby, foi responsável por alguns dos primeiros e mais importantes problemas ecológicos, como a praga dos coelhos do Porto Santo e o incêndio que lavrou na Ilha durante sete anos. Estas situações são assiduamente referenciadas pela historiografia norte-americana que se dedica ao estudo da história do meio ambiente. Os arquipélagos da Madeira e das Canárias foram os primeiros a sentir os efeitos devastadores da cultura açucareira. O espaço limitado das ilhas não permitiu a continuidade desta cultura, que rapidamente devastou a sua reserva florestal. O processo agrícola em torno da cana sacarina fez abater as árvores de grande porte para abrir caminho ao desenvolvimento dos canaviais. A laboração dos engenhos obrigou ao desbaste das árvores para alimentar os próprios engenhos. Em pouco tempo, as encostas sobranceiras ao Funchal ficaram escalvadas. Os reflexos desta situação cedo se fizeram sentir obrigando as autoridades a intervir no sentido de limitar o avanço das áreas de cultivo e de controlar o referido abate de madeiras. Em 1466, os moradores do Funchal contestavam o regime de concessão de terras e de arvoredos, e o modo de as esmoutar, devido aos efeitos nefastos que causavam à safra açucareira. Perante tal reclamação, o senhorio ordenou aos capitães e aos almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos e que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o capitão de Machico continuava a distribuir de sesmarias os montes próximos do Funchal, com um prejuízo excessivo para os lavradores do açúcar; por conseguinte, D. Manuel repreendeu-o, solicitando que tais concessões fossem feitas na presença do provedor. Em 1485, o Rei proibiu finalmente a distribuição de terras de sesmaria nos montes e nos arvoredos do norte da Ilha, e, em princípios do séc. XVI (1501 e 1508), acabou definitivamente com a concessão de terras naquele regime. A única ressalva seriam as terras que pudessem ser aproveitadas em canaviais e em vinhedos. Entre o último quartel do séc. XV e os meados do séc. XVI, a política da Coroa debateu-se entre a necessidade de preservação da floresta e a criação de incentivos à produção açucareira. Várias medidas foram estabelecidas em 1508, em 1515 e em 1562, no sentido do uso controlado das lenhas para as necessidades da atividade quotidiana da Ilha. Entretanto, em 1502, o Rei também proibiu o funcionamento de uma serra de água na Ribeira Brava, face à reclamação de um morador relacionada com a falta de lenha. As reclamações dos moradores e as medidas consequentes do senhorio atestam a pressão do movimento demográfico sobre a concessão de terras. Na Madeira, das facilidades da déc. de 20 do séc. XV, entrou-se na déc. de 60 com medidas limitativas, como forma de preservar o pascigo de usufruto comum e de apoiar os principais proprietários de canaviais, cuja exploração dependia da existência dos referidos montes e arvoredos. A questão dos baldios e dos espaços de logradouro comum foi um motivo de acesa polémica entre as diversas entidades e criou diversos conflitos, nomeadamente quanto à utilização do Paul da Serra que, segundo a carta régia de 1811, era considerado o logradouro comum da maior parte dos concelhos e de muitas freguesias da Ilha. Em 1841, foram estabelecidas medidas no sentido de definir as confrontações destes baldios e destes logradouros comuns. As exorbitâncias dos capitães, desrespeitando as ordenações régias e senhoriais, conduziram a uma diminuição da área de pasto. Saliente-se que o próprio D. Manuel contrariou, em 1492, o regimento de dadas de terras ao permitir que o capitão do Funchal distribuísse não só terrenos na serra para os currais e para a cultura de cereais, mas também as bermas das ribeiras para a plantação de árvores de fruto. Aproveitamento dos recursos O espaço natural oferece diversos recursos que podem ou não ter utilidade e aproveitamento por parte do Homem. Durante o início do povoamento da ilha, as madeiras e as lenhas foram os primeiros recursos utilizados, pois iam ao encontro das necessidades imediatas. Recorde-se que nas instruções régias dadas aos primeiros povoadores sobre a distribuição de terras, se referia: “que vivam do seu trabalho, e de cortar e talhar madeiras, e de criações de gado” (O Infante…, 1994, 96). O seu usufruto pertenceria aos trabalhadores, por 10 anos: “todalla que nos ditos dez amos proueytarem lhe pasaraa y nom a outra que nom proueytarem y pidiram de nouo autoridade nosa pera a poderem protieytar, E nas madeyras paaos lenhas matos arboredos fontes tornos y olhos daugua pastos heruas paçignos nem folhas ramas heruagzes bagas boletas landes de arbores prayas e costas do mar rios e ribeyras particular algíi nom teraa nem jaa mays em tempo algü possa teer nem aquerir dominio nem dereyto per titollo algum nem per fose imemoriall uso nem costume em comtrayro se posa filhar nem introduzir” (PEREIRA, 1991, 58). Assim, no âmbito da silvicultura, sobressaiu não só o aproveitamento das madeiras na construção de embarcações, de engenhos de açúcar, de casas, de meios de transporte, mas também o aproveitamento da lenha como combustível caseiro e industrial (engenhos e forjas) e do pez para a calafetagem dos navios. A imagem da redução do manto florestal desenvolveu-se desde o início, com as chamadas serras de água (mecanismos movidos a água para serrar as madeiras), trazidas do reino, que se tornaram um importante meio para conseguir as madeiras. A primeira estrutura terá sido construída na Ilha em 1454 por Diogo de Teive, no local, certamente, que mereceu o nome de Serra de Água. As serras de água surgiram, por vezes, ligadas aos engenhos de açúcar. Era o caso, em 1454, de dois engenhos do mesmo Diogo de Teive na Ribeira de Santa Luzia, então conhecida como Ribeira da Serra de Água, e, em 1492, do engenho de Bartolomeu de Paiva, na Ribeira de S. Bartolomeu. No início da ocupação da Ilha, as serras de água tiveram um grande incremento, fruto da exploração das madeiras, para a exportação para o reino, para o uso nos engenhos e para a construção de habitações. As madeiras foram, aliás, a primeira riqueza com que os primeiros colonos depararam. Nas cartas de doação das capitanias, foi considerada uma fonte de receita para o capitão, que recebeu duas tábuas por semana ou dois marcos de prata ao ano. As serras de água existiram em toda a Ilha, em especial no recinto da capitania de Machico, que detinha uma importante mancha florestal. Gaspar Frutuoso, em finais do séc. XVI, referiu que se encontravam ali cinco em laboração, de que descreve a do Faial: “Está nesta freguesia uma serra de água, que foi um grande e proveitoso engenho, em que dois ou três homens chegam por engenho um pau de vinte palmos de comprido e dois e três de largo à serra, e, por arte, um só homem, que é o serrador, com um só pé (como faz o oleiro, quando faz a louça) leva o pau avante e a serra sempre vai cortando e, como chega ao cabo com o fio, com o mesmo pé dá para trás, fazendo tornar o pau todo, e torna a serra a tomar outro fio; de maneira que quem vir esta obra julgará por mui grande e necessária invenção a serra de água naquela Ilha, onde não era possível serrarem-se tão grandes paus, como nela há, com serra de braços, nem tanta soma de tabuado, como se faz para caixas de açúcar, que se fazem muitas, e para outras do mais serviço, que vem ser cada ano muito grande soma” (FRUTUOSO, 1979, 130). Foi no norte da Ilha que as mesmas indústrias persistiram ao longo de cinco séculos. Ainda no princípio do séc. XXI, eram visíveis vestígios da indústria em São Jorge, no Sítio do Pé do Pico. Para além disso, a sua memória perpetua-se nas designações atribuídas a uma freguesia e a algumas localidades. Como medida preventiva e de proteção da laboração dos engenhos, proibiu-se, primeiro em 1503, a exportação de madeiras, e, depois, em 1507, a construção de naus ou de navios, porque as madeiras eram necessárias para os engenhos. Ainda em 1514 e 1520, a Coroa determinou a forma de utilização das lenhas para os engenhos, que deveriam ser adquiridas na área da capitania de Machico. De acordo com recomendação de 1520, as licenças para o seu corte não eram controladas em Machico, mas no Funchal, por Rui Dias de Aguiar e por Martim Mendes de Vasconcelos. Este procedimento foi renovado pela Coroa em 1596. São várias as informações que referiam uma exploração e uma exportação desmesurada das madeiras da Ilha. Lisboa sofreu o benefício destas madeiras, de forma que Zurara afirmava que com elas se transformou a construção em altura na cidade de Lisboa, referindo as “grandes alturas das casas, que se vão ao céu” (MESTRE, 2002, 221). A Madeira foi, ainda, obrigada a abastecer de lenhas as embarcações que escalavam o Funchal, e bem como a prover as necessidades daquelas para o Porto Santo e o Cabo Aguer, uma situação que foi documentada em 1536. A incessante exploração conduziu o homem à busca de medidas de defesa da natureza que surgem em circunstâncias e em conjunturas de crise deste inestimável recurso. A par do usufruto da floresta como fonte de combustível, as madeiras de til, de vinhático, de aderno e de barbuzano cativaram a atenção de colonos e de forasteiros, e foram muito cobiçadas e elogiadas. Disto, realçam-se dois testemunhos que atestam a admiração dos europeus pela riqueza e pela importância das madeiras da Ilha. Em 1455, Cadamosto referia que tinha cerca de oito regatos muito grandes, que atravessavam a Ilha, e sobre os quais estavam construídas oficinas de serra que continuamente trabalhavam madeiras e tábuas de muitas maneiras, de que se provia Portugal inteiro e outros países. Destas tábuas menciono o cedro do qual se fazem belíssimas pranchas largas e compridas, caixas e outros trabalhos e o teixo de cor róseo encarnado. Em 1482, Diogo Gomes afirmava: “Encontraram no Funchal madeira de que fazem arcos, em língua vulgar teixo, de grossura como uma pipa e muito alta. E acharam também muitíssima madeira de cedro [...] e árvores que chamam barbusano e outra madeira pesada como chumbo, que nem a água nem a terra a podem corromper. E se algumas destas madeiras for posta em qualquer edifício permanece sã para sempre. Há ainda outra madeira chamada barrabulano, que é bastante branca, enquanto que o barbusano é vermelho tendendo para o preto. E ainda há madeira de til e outras árvores diversas das nossas” (FERREIRA, 1959, 249). A Ilha tinha condições para oferecer aquilo que os europeus precisavam para se lançarem em produções extensivas com grandes exigências do meio ambiente, em recursos silvícolas e aquíferos. As madeiras, pela sua abundância e qualidade, contribuíram para revolucionar a construção naval e civil, como já se referiu, beneficiando com isso a marinha e a cidade de Lisboa. Outra utilidade significativa foi o mobiliário, cuja situação está já documentada a partir dos inícios, quando Cadamosto afirmava que “trabalhavam obras de carpintaria, e bufetes de muitas invenções, de que se provê todo o Portugal e outros países” (ARAGÃO, 1981, 36). Devido aos processos de aproveitamento económico da Ilha, surgia uma situação particular que era evidenciada por todos os visitantes: o sul escalvado contrastava com o norte, onde ainda persistia a floresta indígena. Foi evidente o perigo de desaparecimento de algumas espécies da flora indígena. Em 1792, J. Barrow referiu a situação do cedro, enquanto, em meados do séc. XIX, J. Mason mencionou também o progressivo desaparecimento do dragoeiro, do folhado e do vinhático. Este processo de desflorestação mereceu alguns reparos. Em 1817, Paulo Dias de Almeida acusou os carvoeiros da situação em que encontrava a Ilha: “As montanhas que não há muitos anos vi cobertas de arvoredos, hoje as vejo reduzidas a um esqueleto. O centro da Ilha se acha, todo descoberto de arvoredo, com apenas algumas árvores dispersas, e isto em lugares onde os carvoeiros não têm chegado” (CARITA, 1982, 53). A cultura da cana de açúcar teve um efeito devastador sobre o coberto floresta da ilha da Madeira. Com efeito, para plantar a cana, derrubava-se ou queimava-se a floresta; depois, para fabricar o açúcar, era necessária a madeira para manter acesa a chama dos engenhos ou para construir as infraestruturas. A cana teve, na floresta, o seu maior amigo, e a floresta teve, na cana, o seu maior inimigo. A história do açúcar revela-nos que o período médio de afirmação das culturas não chegou a um século. O litígio entre as capitanias do Funchal e Machico, quanto ao usufruto da floresta, foi uma constante no séc. XVI. Acontece que a capitania do Funchal dispunha da maior área de produção de açúcar da Ilha, superior a 2/3, mas era na de Machico que se encontrava o mais importante manto florestal necessário para alimentar os engenhos. O vedor da Fazenda Real determinou, em 1581, que as madeiras destinadas ao fabrico do açúcar fossem de fruição comum. A situação manteve-se nos anos imediatos, sendo necessária a intervenção da Coroa. No sentido de controlar o consumo de lenhas pelos engenhos, a Câmara nomeava um estimador de lenhas. Considere-se que muitas das inovações no domínio da indústria açucareira surgiram por necessidade de poupar energia. Assim, a partir do séc. XVII, a generalização do chamado trem jamaicano podia ser considerada um contributo significativo. Como solução, recorreu-se ao uso de apenas uma fornalha para alimentar três caldeiras. Assim, o fabrico de 1 kg de açúcar deixou de necessitar os então habituais 15 kg de lenha, passando para um 1/3. No séc. XIX, generalizou-se a máquina a vapor, diminuindo a exploração da floresta, uma vez que os engenhos passaram a ser alimentados por carvão mineral. No entanto, a par disso, houve a necessidade de madeiras para embalar os pães de açúcar. De acordo com o regimento das madeiras, de 5 de maio de 1546, só era permitida a saída de caixas de til com açúcar, sendo proibida a saída das de vinhático e de cedro. As madeiras da ilha da Madeira também foram muito apreciadas no séc. XV, na construção naval, no reino e na Ilha. Considere-se o testemunho de Jerónimo Dias Leite: “E neste tempo pela muita madeira que daqui levavam para o reino começaram com ela a fazer navios de gávea, e castelo da vante, porque dantes não havia no reino” (LEITE, 1989, 28). Em 1507, proibiu-se a exportação de tabuado e limitou-se a construção naval à construção de caravelões a barcas, apenas para serviço na Ilha. Em 1515, especificava-se que a madeira apenas deveria satisfazer as necessidades da pesca do carreto, sendo interdita a sua venda para fora. Em 1555, por provisão régia, Nuno Pessoa e Belchior de Moura foram autorizados a cortar madeiras nas matas de Boaventura, do Porco, do Seiçal e de São Vicente, para remos de galés e para reparos de artilharia. Por esta razão, em 1541, André Lourenço, mestre de moinhos de açúcar em Santa Cruz, foi incriminado por ter construído uma embarcação com maiores dimensões do que as permitidas no regimento. Os estaleiros de reparação e de construção naval da Madeira situar-se-iam no Funchal, o principal porto da Ilha, e em Machico, a sede da capitania do norte, onde as madeiras eram abundantes. Os sécs. XVII e XVIII, de forte competência das potências europeias no domínio do mar e do Novo Mundo, conduziram ao incremento da construção naval. Até 1862, altura em que se atingiu a idade do ferro, a madeira era, portanto, a matéria-prima da construção das embarcações. O caso mais evidente disto encontrou-se na Inglaterra, que, ao ver perdida a floresta, se socorreu das madeiras de América do Norte para assegurar o poderio marítimo. Aliás, este continente foi a principal reserva europeia: a Nova Inglaterra foi a base das madeiras para os Ingleses, e o Canadá, para os Franceses. A Madeira assumiu, aqui, um lugar de destaque. S. Pyne afirmou que a situação da Madeira não era uma caricatura do processo de desflorestação, mas a sua evidência. Sendo o mar o meio de comunicação mais usual e importante da comunidade insular, admitir-se-á que a construção naval teria adquirido um grande relevo. Ela surgiu não apenas com a finalidade de assegurar o fornecimento de embarcações de cabotagem, mas também para dar apoio à navegação atlântica, no reparo das embarcações fustigadas pelos acidentes ou pelas tempestades oceânicas. Os estaleiros de construção e de reparação naval proliferavam nas principais ilhas do meio insular, sendo esta atividade de transformação regulamentada e apoiada pelas autoridades locais e centrais, que, e.g., asseguravam as licenças necessárias para o corte das madeiras e definiam as dimensões e a capacidade das embarcações a construir. Os europeus foram portadores de plantas fruteiras que faziam parte da sua dieta alimentar. Esta presença persistiu em algumas localidades. O Curral das Freiras e a Serra de Água ficaram conhecidos como as terras dos castanheiros e das cerejeiras. A sobrevivência disto está no facto de, no começo do séc. XXI, se celebrar a Festa da Cereja no Jardim da Serra e, no Curral das Freiras, a da castanha. A feiteira também foi um recurso de não menor importância, que, a exemplo do abate de madeiras, era gerido pelo município. Para os concelhos rurais, como Porto Moniz, Ponta de Sol e Calheta, a feiteira do Paul da Serra era uma importante riqueza pelo seu uso na cama do gado e na posterior adubação das sementeiras. Políticas florestais e de florestação Foi com um violento incêndio que os povoadores, segundo Cadamosto, varreram grande parte da dita madeira, fazendo terra de lavoura, de forma que, em 1466, o senhorio proibiu as queimadas e estipulou que as terras fossem limpas a machado para que não faltasse lenha. Esta medida repetiu-se de forma insistente no tempo: em 1485, em 1490, em 1491, e em 1495. Todas estas recomendações têm um documento fundamental: o chamado regimento dos fogos, de 9 de março de 1490. Com ele, surgiu o cargo de juiz dos danos dos fogos, que teve uma missão importante em fazer cumprir todas as determinações sobre o uso da floresta. Tal como se verifica, houve, desde o início do povoamento, uma preocupação com a salvaguarda dos recursos florestais. Em 1461, face a uma reclamação dos moradores acerca do corte de madeiras, o duque D. Fernando esclareceu que “saluo se pera ellas cortardes çedro ou teyxo [...] das quaees mamdo que requeira a dizima por que lhe nõ praz que pera has ditas cousas se corte adita madejira pois doutra muyta e de mujtas manejras [...] tem em gramde abastamça e aymda que agora pareca que adita madeyra de çedro e teyxo norn pode fazer mimgoa deue se creer que o fara ao longe e em especial naquelles lugares de que mais sem trabalho pode seer tirada e carregada” (PEREIRA, 1991, 79). A legislação florestal madeirense foi prolixa, sendo de destacar o regimento das madeiras de 1562, o mais antigo que se conhece (pois faltam notícias sobre aquele que teria existido em 1515), o regimento das matas e dos arvoredos, de 1839, o plano de organização dos serviços florestais, de 1886, e o Regimento do serviço de polícia rural e florestal, de 1913. Estas regulamentações genéricas tiveram uma réplica nas posturas e nas correições, completando, assim, o quadro das medidas protetoras do manto florestal. As contingências de cada época ditaram, sem dúvida, a sua ineficácia. As medidas resumiam-se à preservação daquilo que existia através de limitações ao abate de árvores e à recuperação do coberto florestal, com uma política de reflorestação das zonas ermas ou em abate. Também se registaram, desde 1627, várias medidas no município de Machico para reflorestar as serras, que se somam a outras existentes sobre as testadas das ribeiras. Estas medidas do município juntam-se a outras relacionadas com a proibição de saída de madeiras (1652), com a proibição de corte de madeiras sem autorização do meirinho da serra, e com a proibição de trabalhos de desmoita (1673-74). A par disso, houve indicações de devassas para apurar o cumprimento das medidas sobre o corte de madeiras em 1606, em 1638, em 1641, em 1645, em 1649, e em 1704. Existia a mesma preocupação com as serras de água em funcionamento que, a partir de 1708, por ordem do governador, deixaram de ser autorizadas. Na déc. de 30, retornaram as novas licenças e, em 1780, as posturas de Machico determinavam a existência de uma única serra de água a funcionar em toda a vasta área do concelho. Mas a política de reflorestamento da Ilha só assumiu uma dimensão clara a partir da segunda metade do séc. XVIII, sendo uma preocupação evidente dos governadores, tal como José António de Sá Pereira. Naquele tempo, a aposta estava nos castanheiros. A primeira indicação foi de 1677, altura em que se recomendava o plantio em Machico, em Santa Cruz e em Porto Santo. O grande promotor da política foi o corregedor Francisco Moreira e Matos. Em 1769, ele estabeleceu, em Santa Cruz, várias medidas que determinavam a obrigatoriedade de plantar árvores nas terras baldias. Na Ponta de Sol, em 1789, explicitou-se que o plantio deveria ser de árvores silvestres e de fruto. A solução tornou-se extensiva a toda a Ilha, através da carta circular de 25 de dezembro de 1770. Em Santa Cruz, sabe-se que esta medida era fiscalizada pelos próprios moradores, nomeando, para a vereação, dois homens por cada localidade. Além dos baldios, consideraram-se as escarpas montanhosas e as áreas de cultivo. Assim, em 1791, recordava-se aos lavradores das meias terras acima que eram obrigados a plantar meio alqueire ou uma quarta de castanheiros, dependendo da extensão das terras, enquanto os outros deveriam plantar pelo menos duas laranjeiras e um limoeiro. Por outro lado, as terras escalvadas e as do interior deveriam ser semeadas com pinheiros no decurso do mês de setembro. Outra das propostas era a amoreira. Note-se que nos dois anos que antecederam a visita do corregedor à Ponta de Sol, em 1795, se plantaram 35.000 árvores. Esta medida salutar teve diversas formas de concretização. Assim, em 1800, aquele que cortasse uma árvore era obrigado a plantar outra no seu lugar. Esta medida foi, aliás, testemunhada por W. Combe em 1821. No séc. XIX, aconteceram diversas aluviões que devastaram a cidade e levantaram, de imediato, a necessidade de apostar numa política de reflorestamento. Em 1813, o governador Luiz Beltrão de Gouveia referia, em carta ao conde de Galveias, diversas iniciativas nesse sentido, estando o batalhão de artilharia empenhado no plantio de 14.000 árvores na serra. Depois, em 1823, José Maria da Fonseca, inspetor geral de Agricultura da Madeira, apresentou um projeto de arborização da Madeira em que foram sugeridas várias medidas, sendo uma delas a criação de condições para a importação e a generalização do consumo do carvão vegetal na cidade. A partir de 11 de março de 1911, a Direção dos Serviços Florestais passou a Estação Agrária e depois, em 22 de fevereiro de 1951, surgiu a publicação do plano de repovoamento florestal dos baldios do arquipélago da Madeira. O decreto em questão criou a circunscrição florestal do Funchal para o arquipélago da Madeira que, graças à ação de Eduardo de Campos Andrada, contribuiu de forma clara para o processo de reflorestação de ambas as ilhas com espécies indígenas e outras exóticas de valor comercial. Neste contexto, surgiram viveiros florestais no Santo da Serra, em Poiso, no Pico das Pedras (Santana), na Encumeada, em Santa Maria Madalena, e em Salões (Porto Santo). Nos princípios do séc. XX, era pouca a mancha de flora indígena que persistia, de forma particular no norte da Ilha; com a criação, em 1982, do Parque Natural da Madeira, deu-se um forte incentivo à sua preservação. Os espaços envolventes deixaram de sofrer abusos relacionados com os derrubes e começaram a acolher veraneantes e turistas amantes da natureza. A Madeira persistiu, assim, como uma reserva científica para o conhecimento da flora atlântica. Direitos e tributos A floresta como recurso importante em termos económicos mereceu, desde o início, a atenção do senhorio da Ilha; o infante D. Henrique detinha o monopólio das estruturas para o corte de madeira e das serras de água trazidas do reino. A 1 de novembro de 1446, acrescentaram-se outras regalias à atribuição da ilha do Porto Santo a Bartolomeu Perestrelo, como os direitos sobre as serras de água, uma situação que não estava referida na carta de Machico de 1440, e também outros engenhos e o usufruto comum do gado bravio, exceto o pastorado, de acordo com a carta de João Gonçalves Zarco: “E me praz que aja de todas has serras dagoa que se y fizerem de cada huma hum marco de prata em cada hum anno ou seu çerto valor ou duas tabuas cada semana das que custumarem serrar nas serras” (O Infante…, 1994, 104). Na mesma carta de doação das capitanias de Porto Santo e Funchal, referiu-se a dízima das serras de água: “pagando a mim o dízimo de todas as ditas serras, segundo pagam das outras, assim como pagam das outras coisas que serrarem as ditas serras” (Ibid., 113). Em 1461, o infante D. Fernando referiu a dízima das madeiras, estabelecida por foral do infante D. Henrique, cujo teor desconhecemos. Mas, nesta data, isenta os moradores deste tributo “da madeyra que colhees pera as [...] casas fazer e repairar e das forcas e trizeas e outra madeyra delgada que se poem nas latadas e vinhas e tapadura e yso mesmo da lenha que queimaes em vosas cassas” (PEREIRA, 1991, 78). Em 1485, alertou-se, de novo, os moradores da Ilha para o facto de, desde os inícios do povoamento, com o infante D. Henrique, os teixos e os cedros sofrerem a dízima. Em 1471, João Garcia era o rendeiro do dízimo das madeiras. Em 1485, D. Manuel apenas estabeleceu, no espaço de três anos, a isenção da madeira usada na construção de casas, em resposta ao pedido de isenção da dízima da madeira de “quaees queer teyxos que forem neçesareos pera eyxos esteos cassas latadas emgenhos e tapumes e que nom fosem pera arcos e mesas e yso mesmo cedros que cada hum se podese aproueytar delles sem pagar cousa algua” (Id., Ibid., 79).   Alberto Vieira (atualizado a 01.02.2018)

História Económica e Social

noronha, adolfo césar de

Naturalista e homem de cultura natural do Funchal, onde nasceu a 9 de setembro de 1873, Adolfo César de Noronha estudou no Liceu do Funchal e nas antigas Escola Politécnica de Lisboa e Academia Politécnica do Porto. A 11 de dezembro de 1914, foi nomeado bibliotecário da Biblioteca Municipal do Funchal (BMF) e, em 1928, seu diretor, cargo que ocupou até à sua aposentação, em 1943. Com ligações familiares ao Porto Santo, efetuou nesta ilha observações meteorológicas, colheitas de espécimes, em particular fósseis, e ainda observações ornitológicas, que, juntamente com outras colheitas no arquipélago, vieram a servir de base a estudos efetuados por eminentes cientistas da época, com destaque para Ernesto Schmitz  (aves), Z. J. Joksimowitsch, P. Oppenheim e J. Böhm (fósseis). Na área do mar, colheu esponjas e briozoários, muitos deles novos para a ciência. À época, causou sensação a descoberta de uma esponja incrustante, simultaneamente com espículas calcárias e siliciosas, Merlia normani, obtida por dragagens no Porto Santo. Estas dragagens foram feitas em conjunto por Noronha e Randolph Kirkpatrick em 1909, tendo este último publicado a descrição desta esponja num extenso artigo publicado no Quarterly Journal of Microscopical Science, em 1911. Em 1922, encabeçou uma expedição científica às ilhas Selvagens (onde já tinha ido em 1906 e 1909), acompanhado de Adão Nunes e Damião Peres. Por vicissitudes com o navio que os deveria trazer de volta ao Funchal, acabaram por lá permanecer dois meses, causando motivos de preocupação na sociedade madeirense. O seu regresso ao Funchal foi motivo de receção pelas mais altas individualidades da Madeira, conforme noticiado pelo Diário de Notícias do Funchal de 13 de junho desse ano. Dessa expedição resultaram observações meteorológicas e colheitas de espécimes que foram enviadas a especialistas mundiais da época. Com o seu vasto conhecimento da história natural da Madeira e sendo fluente no inglês, francês e alemão, Adolfo César de Noronha foi o correspondente por excelência na Madeira de muitas figuras gradas da ciência do início do séc. XX. Como gesto de reconhecimento, várias espécies novas para a ciência foram-lhe dedicadas: Schizoporella noronhai, briozoário abissal, Pecten noronhai e Spondylus noronhai, moluscos bivalves fósseis, entre outras. Estudou com profundidade os peixes da Madeira, tendo publicado em 1925, no Porto, um ensaio intitulado Um Peixe da Madeira. O Peixe Espada Preto, ou Aphanopus carbo dos Naturalistas e, no ano seguinte, nos Annals of the Carnegie Museum, dois artigos sobre duas espécies novas para a ciência: um peixe da família dos escolares, Diplogonurus maderensis, e um tubarão de profundidade raro, que dedicou ao seu amigo Alberto Artur Sarmento, Squaliolus sarmenti. Em coautoria com Sarmento, publicou também, em 1934, um trabalho de divulgação intitulado Os Peixes dos Mares da Madeira e, em 1948, o segundo volume (Peixes) do importante trabalho Vertebrados da Madeira, editado pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Colaborou ativamente com Fernando Augusto da Silva e com Carlos Azevedo de Meneses na elaboração do Elucidário Madeirense (1922), tornando esta obra numa referência da história natural do arquipélago da Madeira. Logo após a sua nomeação como diretor da BMF, à época instalada no edifício dos Paços do Concelho em exíguas condições, começou a defender a aquisição de um edifício para a sua reinstalação e a criação de um museu que pudesse alojar as suas coleções de história natural e outro património artístico, arqueológico e histórico pertencente à Câmara Municipal do Funchal (CMF). Esta intenção foi concretizada em 1929 com a criação do Museu Regional da Madeira e com a aquisição do palácio de S. Pedro, para a qual foi decisiva a ideia por si realizada de emitir um selo postal da Madeira cuja receita reverteu para esta aquisição. Com a preciosa colaboração de Günther E. Maul, o novo Museu abriu as suas portas ao público em 1933, sendo hoje o Museu de História Natural do Funchal. Ao aposentar-se, a 9 de setembro de 1943, a CMF prestou-lhe homenagem atribuindo o seu nome à sala principal do Museu. A Augusto Nobre (1865-1946), distinto cientista português e catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, são atribuídas as seguintes palavras acerca de Adolfo de Noronha: “possui todos os requisitos para ocupar com distinção uma cátedra em qualquer universidade do país” (SILVA e MENESES, 1965, 426). Adolfo César de Noronha morreu no Funchal, a 6 de abril de 1963. Obras de Adolfo César de Noronha: Um Peixe da Madeira. O Peixe Espada Preto, ou Aphanopus carbo dos Naturalistas (1925); “A New Species of Deep Water Shark (Squaliolus sarmenti) from Madeira” (1926); “Description of a New Genus and Species of Deep Water Gempyloid Fish, Diplogonurus maderensis” (1926); Os Peixes dos Mares da Madeira (1934) (coautoria); Vertebrados da Madeira. Peixes (1948) (coautoria).   Manuel José Biscoito (atualizado a 03.03.2018)

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