Mais Recentes

almada, lourenço de

O Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) descendia de alguns dos principais fidalgos que tinham aclamado D. João IV, tendo sido de sua casa que os mesmos partiram para o Paço da Ribeira no dia 1 de dezembro de 1640. Essa situação parece explicar a sua nomeação para a Madeira sem serviço militar prévio e o facto de ter ocupado o lugar somente por 2 anos, embora as funções desempenhadas tivessem dado mostras de estar preparado para o lugar. A pedido da Coroa preparou uma leva de 100 soldados para Angola, resolveu uma série de problemas pendentes na Fazenda Régia e concluiu a construção da muralha de frente mar, que fez rematar com o Portão dos Varadouros. Ocupou depois os lugares de governador de Angola e do Brasil, tendo-se escrito que em Luanda se portara com tanta circunspeção que, além do bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa. Palavras-chave: Defesa; Levas militares; Muralhas do Funchal; Nobreza de Corte; Portão dos Varadouros; Relações institucionais.   Filho de D. Luís de Almada (c. 1620-1666) e de sua segunda mulher, D. Luiza de Meneses, veio a herdar a casa de seus pais pelo falecimento prematuro do irmão mais velho, D. Antão de Almada (1644-1669). A partir dessa altura, passou a usar os vários títulos da família, tais como 12.º senhor dos Lagares d’El Rei e 7.º senhor do Pombalinho, a que juntou ainda, em 1675, a comenda de S. Vicente de Vimioso e a alcaidaria de Proença-a-Velha, na Ordem de Cristo, que pertencera ao seu avô materno, D. Antão de Almada (1573-1644). Embora o pai já houvesse acompanhado o avô na aclamação de D. João IV (1604-1656), sendo assim esta família da alta nobreza da corte de então, D. Lourenço de Almada (1645-1729) ter-se-á fixado em Condeixa-a-Nova, onde a família também possuía residência. Antes da sua nomeação, em 1687, para governador da Madeira, não há conhecimento do exercício de especiais funções – ao contrário, aliás, da grande maioria dos seus antecessores e sucessores, praticamente todos com provas dadas na vida militar – apesar de ter tido um papel de certo relevo em Condeixa-a-Nova, mesmo que circunscrito à localidade, designadamente na Fundação da Confraria das Almas, em 19 de novembro de 1679, de que foi o primeiro juiz. Mas foi o papel desempenhado na Madeira que demonstrou que D. Lourenço de Almada estava preparado para o lugar de governador e que o projetou como uma das primeiras figuras na nobreza da corte da sua época, vindo mais tarde a ocupar outros altos cargos nos domínios ultramarinos. Casa de Almada 1509. Arquivo Rui Carita. Foi nomeado governador da Madeira a 4 de agosto de 1687, mas só prestou menagem a 1 de abril de 1688 e tomou posse no Funchal a 13 do mesmo mês, onde substituiu Pedro de Lima Brandão (c. 1640-1718) (Brandão, Pedro de Lima). Uma das suas primeiras funções foi preparar uma leva de 100 soldados, determinada em Lisboa, a 21 de fevereiro de 1688, logo antes de prestar menagem; do Funchal, a 28 de maio, veio a informação de que tal leva se encontrava em preparação e de que, dada a existência de grande número de criminosos e vadios na Madeira, não seria difícil cumprir a ordem da Coroa. A leva destinava-se a acompanhar o Gov. D. João de Lencastre (1646-1705) e deveria estar pronta quando aquele governador passasse pelo Funchal, a caminho de S. Paulo de Luanda, em Angola. A leva foi assumida pelo morgado Pedro de Bettencourt Henriques (1632-1687). Em 1689, por esse serviço e pelas suas qualidades pessoais, seu segundo filho, Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) (Noronha, Henrique Henriques), receberia alvará de moço-fidalgo com 1$000 réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia.   Família Almada 1525. Arquivo Rui Carita. Logo no início do seu governo, o Rei D. Pedro II (1648-1706), por carta de 2 de abril de 1688, determinou-lhe a arrecadação das avultadas quantias em dívida ao erário régio, que se encontravam nas mãos de tesoureiros e recebedores, e que as remetesse através de letras para Lisboa. O trabalho decorreu ao longo dos seus dois anos de governo, no termo dos quais o Rei determinou, a 9 de setembro de 1690, a prisão dos culpados na “devassa dos descaminhos da Fazenda Real”, tirada pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade (ANTT, Ministério do Reino, Decretos, mç. 8, n.º 13, docs. DLA), e também a execução dos bens de Diogo Fernandes Branco (filho) (c. 1636-1683), por dívidas à Junta do Comércio Geral (Junta Geral do Comércio). Desta última execução foi efetuada certidão por João de Bettencourt, escrivão judicial, a 25 de outubro do mesmo ano, transcrita na Câmara do Funchal, a 24 de março de 1695. O provedor chegou também a escrever ao Rei registando a colaboração que recebeu da parte do governador. Um dos casos registados envolveu o Cap. Gonçalo de Freitas Correia, que tentou raptar uma jovem escrava da casa de um depositário, ao qual tinha sido entregue por mandado judicial. O problema foi agravado por ter ocorrido à porta da Alfândega e por ter desencadeado tumulto, para além de o capitão ter oferecido resistência à justiça. O provedor entendeu, por fim, que toda a situação tinha colocado em causa a segurança da Alfândega e poderia ter levado a algum descaminho da Fazenda Real. A intervenção atempada, prudente e eficaz do governador, segundo o provedor, tinha conseguido repor a normalidade. O capitão viria a receber mandado de prisão, a 21 de março de 1689, para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa; o Rei voltou a escrever ao governador, a 23 de março do mesmo ano. Logo no início do seu governo, D. Lourenço de Almada, na carta de 28 de maio de 1688 em que aborda a organização da leva de 100 soldados para Angola, justificava o excesso de crimes na ilha da Madeira pela falta de uma rigorosa aplicação da justiça. Nessa altura, não havia corregedor de comarca na Ilha, e D. Lourenço observa que fazia muita falta. Constava-lhe ainda ser prática corrente colocar suspeições ao juiz de fora; nas vilas, a justiça estava a cargo dos juízes ordinários, em sua opinião, pouco esclarecidos na matéria e comprometidos por laços de parentesco e vizinhança. Assim, o governador solicitava ao Rei que mandasse “considerar muito esta matéria pelo grande prejuízo de que padece este Povo” (Ibid.). O conde de Castelo Melhor (Castelo Melhor, conde e marquês de), Luís de Vasconcelos e Sousa (1636-1720), antigo escrivão de puridade de D. Afonso VI (1643-1683), entretanto caído em desgraça, mas depois reabilitado, tentou tomar posse dos seus antigos senhorios. Nesse quadro, em 1689, João Pereira de Paiva, seu procurador, apresentou-se no Funchal para tomar posse da Fortaleza de S. Lourenço , de que os condes de Castelo Melhor e da Calheta eram alcaides-mores. Perante o inusitado da situação, o Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada prendeu-o, dando conhecimento a D. Pedro II; numa carta de 22 de junho desse ano, o Rei condescendeu com a atitude do procurador por “supina ignorância” (Ibid.) e recomendou que João Pereira de Paiva fosse libertado quando o governador considerasse suficiente o castigo. Pedra de armas. Jardim Quinta das Cruzes_2000. Arquivo Rui Carita Na vigência do Gov. Lourenço de Almada, houve nova pressão de Lisboa para se acabarem as demoradas obras da fortificação do Funchal. A carta do Rei, de 2 de abril de 1688, logo no conjunto de ordens determinadas mesmo antes de prestar menagem (que, todavia, só viria a ser registado no Funchal a 24 de setembro de 1689), insiste para se acabarem “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 968, fl. 61) as obras iniciadas pelo Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700) (Brito, João da Costa de), recorrendo-se ao parecer dos oficiais de guerra mais experientes no assunto. Foi ainda chamada a atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e para outras estruturas que poderiam precisar de revisão ou reconstrução total (Defesa Muralhas do Funchal). É neste enquadramento que se deve filiar a deslocação à Madeira dos técnicos continentais, em março de 1689: o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que finalmente completaram a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional – o chamado Portão dos Varadouros (Portão dos Varadouros), onde, no ano de 1689, o governador mandou colocar uma inscrição em latim, que se pode traduzir por “Cada um dos antecedentes governadores debalde se esforçou por concluir estas muralhas; ao Senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão” (SILVA e MENESES, 1998, II, 467). Refere o provedor Ambrósio Vieira de Andrade, em certidão de 30 de setembro de 1690, que o governador “fez findar a muralha com toda a perfeição, brevidade e comunidade”, para além de ter mandado reparar “com grande cuidado” algumas vigias e fortins da ilha da Madeira (VERÍSSIMO, 2000, 321). Os registos deixados por D. Lourenço de Almada referem ainda algum aumento do número das companhias de ordenanças, que de cerca de 70, em 1683, passaram em 1688 para 75. Talvez pelo aumento desses efetivos e do serviço militar geral, em 1689, o juiz do povo solicitou ao Rei dispensa do serviço de vigias e de trabalhos nos entulhos das ribeiras para os aprendizes dos ofícios. O juiz argumentava que, desviando-se os mesmos da aprendizagem da sua arte para essas ocupações, faltariam, no futuro, oficiais na cidade devidamente habilitados, “pois muitos mestres os não querem ensinar com estas pensões” (ANTT, Ministério do Reino, mç. 8, n.º 13, docs. DLA). O pedido foi enviado de Lisboa a D. Lourenço de Almada, a 26 de agosto desse ano, para o governador dar o seu parecer, mas D. Lourenço de Almada não lhe deve ter dado seguimento. O governador veio a ser substituído, dois anos depois (um dos mais curtos governos da época), por D. Rodrigo da Costa (1657-1722) (Costa, D. Rodrigo da), filho de D. João da Costa (1610-1664), 1.º conde de Soure, general de Artilharia, mestre de campo general e governador da província do Alentejo, que tomou posse a 20 de outubro de 1690 e foi depois vice-rei da Índia. A residência do Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada revelou uma atuação considerada exemplar e em conformidade com as obrigações e disposições do seu regimento. O Rei D. Pedro II, no despacho de 4 de abril de 1691, elogiou e agradeceu os bons serviços deste governador, escrevendo ter “procedido com muita vigilância, esforço, cristandade e zelo”, “muita limpeza de mãos” e, inclusivamente com gastos pessoais, sem, porém, deixar de garantir o aumento da Fazenda Real (ANTT, Ibid.). D. Lourenço de Almada fixou-se na corte de Lisboa, dedicando-se a recuperar o Palácio Almada ou Palácio da Independência, no Lg. de S. Domingos, onde foram depois instaladas a Sociedade Histórica da Independência de Portugal e a Comissão Portuguesa de História Militar. As primeiras obras de reconstrução deste edifício devem datar de 1684, quando D. Lourenço de Almada pediu à Câmara de Lisboa que lhe aforasse o chão público necessário para endireitar as suas casas; e continuaram em 1713, quando lhe foi concedido outro aforamento, que deve corresponder a uma nova campanha de obras de remodelação e ampliação, com um alinhamento diverso do original. Permaneceram, no entanto, algumas portas manuelinas, painéis de azulejos dos anos 70 do séc. XVII, assim como outros de 80, assinados pelo célebre mestre Gabriel del Barco (c. 1650-c. 1708). Tinha-se casado a 28 de outubro de 1671 com D. Catarina Henriques (c. 1650-1721), dama da Rainha D. Maria Francisca de Saboia-Nemours (1646-1683), filha de D. João de Almeida, vedor da Casa Real, e de D. Violante Henriques, irmã de D. Tomás de Noronha, 3.º conde dos Arcos; teve larga geração e os seus herdeiros residiram neste palácio até aos inícios do séc. XIX. Palácio Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita. D. Lourenço de Almada foi mestre-sala da Casa Real de D. Pedro II e de D. João V (1689-1750), fidalgo do Conselho Real, deputado da Junta dos Três Estados e, por último, Presidente da Junta do Comércio. Deveria, entretanto, ter usado o título de conde de Abranches, a que em princípio teria direito, mas não consta que alguma vez o tenha feito; esse título só voltaria a aparecer na família no séc. XIX. Em 1702, foi um dos fidalgos nomeados em Santarém para acompanhar D. Pedro II na primeira fase da Guerra de Sucessão de Espanha e, em 1705, foi nomeado governador de Angola, lugar de que tomou posse a 20 de novembro desse ano, tendo governado até 4 de outubro de 1709 “com grande prudência e integridade, mas com tanta circunspeção, que além do Bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa” (TORRES, 1825, 230). A 29 de novembro, o Rei escreveu-lhe a convidá-lo para governar a capitania-geral do Estado do Brasil, sob o mesmo preito de homenagem – convite esse que ele aceitou. No entanto, a situação nesse local revelou-se muito difícil, coincidindo com a Guerra dos Mascates no Recife e mais tarde, em setembro de 1711, com o assalto à cidade do Rio de Janeiro, levado a cabo pelo corsário francês René Duguay-Trouin (1673-1736). A circunstância do assalto francês – a que a guarnição da cidade quase se entregou sem resistência, limitando-se a negociar um importante resgate – levou D. Lourenço de Almada a apresentar a demissão, regressando algum tempo depois ao continente. Faleceu a 2 de maio de 1729, sendo sepultado na capela de S. Fulgêncio da igreja do convento de N.a Sr.a da Graça, em Lisboa, pertencente à sua família.     Armas dos Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita.     Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

História Militar História Política e Institucional Personalidades

almada, joão francisco de

Nascido em Santana, na ilha da Madeira, a 9 de julho de 1874, era filho de João Francisco de Almada e de Maria Emília Cardoso de Almada. Casou-se a 23 de outubro de 1907 com Ilda Beatriz Pinto Prado de quem teve três filhos: Maria Prado de Almada, Manuel Prado de Almada e António Manuel Prado de Almada. Estudou no Liceu do Funchal e, depois, entrou na Faculdade de Medicina de Coimbra, concluindo a licenciatura a 26 de julho de 1899. De regresso à Madeira, fixou morada em Santana ao ser nomeado subdelegado de saúde do concelho, por alvará de 17 de junho de 1905. Depois, a 21 de outubro de 1905, assumiu as funções de médico municipal da Câmara Municipal do Funchal, passando a residir na cidade, onde desenvolveu um importante trabalho como médico. Da sua ação como médico ao serviço da população madeirense, destaca-se o facto de ter sido o impulsionador da luta contra a tuberculose na Madeira. Assim, a ele se deve a criação do primeiro dispensário de luta antituberculosa, no Campo da Barca, posteriormente designado por Centro Dr. Agostinho Cardoso. Agostinho Cardoso (1908-1979), genro deste médico e também profissional da mesma área, seguiu a mesma linha de luta contra a tuberculose, daí ter o seu nome vinculado ao centro do Campo da Barca. Devemos, ainda, ter em conta a ação de João Francisco de Almada no sentido da instalação do sanatório da Qt. de Santana, no Monte, que foi inaugurado a 8 de dezembro de 1940 e que viria a receber o seu nome a 2 de julho de 1942, por deliberação da comissão executiva da ANT – Assistência Nacional aos Tuberculosos. A par disso, foi diretor clínico do Hospital Princesa D. Amélia e dos manicómios de Câmara Pestana e Casa de Saúde do Trapiche. Acresce, ainda, a sua ação no sentido da mudança do Hospital da Misericórdia do centro do Funchal (das instalações onde depois funcionaria o Governo regional) para o local dos Marmeleiros, no Monte. A sua obra em prol da Madeira e da saúde da sociedade madeirense foi reconhecida em vida, tendo sido agraciado, a 7 de dezembro de 1933, pela comissão administrativa da Câmara Municipal, com o título de cidadão benemérito da cidade do Funchal. Depois, em 1937, recebeu do Governo francês o grau de oficial da Academia, pelo trabalho como presidente da comissão de receção ao cruzeiro médico francês que teve na Madeira, em 1932 e em 1936. João Francisco de Almada faleceu no Funchal a 14 de junho de 1942. A lembrança da sua memória e da sua obra está registada publicamente na designação atribuída ao Hospital Dr. João de Almada e no busto em bronze, obra do escultor Anjos Teixeira, de 1974, que foi inaugurado a 22 de março de 1988 no pátio do referido Hospital (Qt. de Santana, Funchal). É ainda de referir a existência, na Quinta Grande (freguesia do concelho de Câmara de Lobos), desde 9 de julho de 1998, do caminho Dr. João Francisco de Almada, o que se relaciona com o facto de a Qt. do Pomar, na Quinta Grande, ter sido propriedade familiar por via da sua esposa.   Alberto Vieira (atualizado a 13.11.2016)

Ciências da Saúde Personalidades

albuquerque, manuel de saldanha de

Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha e de D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso, pertencia a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira. O seu governo da Ilha marca o início da implantação do despotismo iluminado, com uma nova forma de governar e a produção de uma série de relatórios para a corte de Lisboa. Exercendo tal cargo durante o conflito conhecido como a Guerra dos Sete Anos, deveu-se-lhe a construção do molhe do porto da Pontinha. Palavras-chave: colonia; comércio internacional; despotismo iluminado; Guerra dos Sete Anos; porto do Funchal.   Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1681-1756), pertenceu a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira, entre os quais o seu avô João de Saldanha e Albuquerque (c. 1630-1723) (Albuquerque, João de Saldanha e). Seu pai era da câmara do infante D. António (1695-1757), filho de D. Pedro II (1648-1706) e de sua segunda mulher, a Rainha D. Maria Sofia Isabel de Neoburgo (1666-1699), tendo sido governador e capitão-general do Rio do Janeiro, e a mãe, D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso (c. 1685-1731), segunda mulher de Aires de Saldanha, era filha do 5.º conde de Santa Cruz e 2.º marquês de Gouveia. Manuel de Saldanha de Albuquerque foi sargento-mor de batalha com exercício na torre de Belém e, antes, fora mestre de campo, coronel e brigadeiro com exercício em ocasião de guerra, bem como comendador de Santa Maria de Castro Laboreiro, na Ordem de Cristo e no arcebispado de Braga. Manuel de Saldanha de Albuquerque e Castro ou Coutinho Matos e Noronha, apelidos que também utilizou, nasceu em 1712 e casou-se tardiamente, a 24 de fevereiro de 1754, com D. Ana Ludovina de Almada Portugal (1722-1790) – filha de D. Luís José de Almada (c. 1680-1735), mestre-sala da Casa Real, e neta do ex-governador da Madeira D. Lourenço de Almada (1645-1729) –, que, em 1748, se casara com o secretário de Estado Marco António de Azevedo Coutinho (1688-1750), tendo enviuvado sem descendência. Os primeiros anos do governo de D. José (1714-1777) marcam o progressivo protagonismo de uma nova nobreza de corte, parte da qual ligada ao Iluminismo europeu, situação já patente nos últimos anos do governo de D. João V (1706-1750). Tendo falecido em 1750, Marco António de Azevedo Coutinho foi substituído na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra por Fr. Gaspar da Encarnação (1685-1752), religioso do Convento do Varatojo e irmão do 3.º marquês de Gouveia que, antes de professar, se chamava Gaspar de Moscoso e Silva (Jacobeia e Coutinho, D. Fr. Manuel). Substituído à frente dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 1750, por Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), posterior conde de Oeiras e marquês de Pombal, teria sido ainda ele a orientar, por certo, o casamento de D. Ana Ludovina com o seu sobrinho Manuel de Saldanha de Albuquerque, embora tal casamento ocorresse somente após o seu falecimento. A família Saldanha foi uma das que o futuro marquês de Pombal, nos primeiros tempos do seu Governo, favoreceu e elevou aos mais altos cargos do Império, embora depois, dadas as suas ligações aos Távora e aos Cunha, também tenha contribuído para a sua queda. Manuel de Saldanha de Albuquerque estaria já apontado para o lugar desde os inícios de fevereiro de 1754, mas só teve patente de governador e capitão-general da Madeira, título do Conselho e ajuda de custo com data de 6 de maio desse ano. Tomou menagem no dia seguinte, a 7 de maio, e seguiu para o Funchal, com D. Ana Ludovina, logo no dia 8, tomando posse a 16 do mesmo mês. O novo governador substituiu, na Madeira, D. Álvaro José Xavier Botelho de Távora (1708-1789), 4.º conde de São Miguel (Távora, D. Álvaro Xavier Botelho de) e ainda seu parente, que foi entretanto nomeado para o Governo de Goiás, no Brasil. Aguardando desde fevereiro a chegada do seu sucessor, D. Álvaro acabou por seguir diretamente da Madeira para o Brasil sem se deslocar a Lisboa a prestar menagem do lugar, entregando assim o governo a D. Manuel. Tendo tomado posse a 16 de maio de 1754, Manuel de Saldanha, após alguns meses de análise da situação, elaborou, a 1 de outubro, um extenso e interessante relatório, no qual começava por referir a inexistência de um regimento em que estivessem consignadas as competências do governador da Madeira. O futuro conde da Ega mostrava mesmo os inconvenientes de tal situação, ressaltando que tal falta não podia “deixar de servir de embaraço em muitas ocasiões” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 48) e que, na melhor das intenções, poderia levar a interferências entre os vários poderes instituídos, quer da justiça, com o corregedor, o juiz de fora e o ouvidor, quer da Fazenda, com o provedor. Assim, o governador insiste: “este tão justo receio, me obriga a rogar e pedir a Vossa Majestade, com o mais profundo respeito e a maior submissão [...], que para este governo se passem ordens que declarem qual é a jurisdição dos seus governadores” (Ibid.). A resposta seria, no entanto, mais ou menos vaga. Em maio do ano seguinte, o governador agradece as cartas de 20 de fevereiro e de 6 de março, em resposta às questões levantadas sobre a leva de casais para Santa Catarina, no Brasil (Levas de casais), assunto que se arrastava desde 1747, e sobre o estado geral da Ilha. O agradecimento e a citação do governador não deixam dúvidas de que tudo tinha ficado na mesma: “Fico advertido pelo que pertence à jurisdição deste governo, ser a mesma que em todos os outros” (Ibid., doc. 73). Apesar de tudo, acrescenta o governador que tinha ficado mais sossegado “nessa parte, por saber o que diretamente me toca, para não exceder, nem faltar ao que sou obrigado” (Ibid.). Não restam assim dúvidas de que nada de especial se adiantara. Nos meados do século já se adivinhava um novo conflito, que veio a eclodir na Europa em 1756, ficando conhecido como a Guerra dos 7 Anos. O governador Manuel de Saldanha de Albuquerque, pouco depois de tomar posse, logo enviou para Lisboa mapas detalhados das forças e das fortificações da Ilha, com uma descrição pormenorizada que só voltamos a encontrar no séc. XIX e que é sinal de uma nova filosofia governativa, depois personalizada no gabinete do marquês de Pombal. O mapa das forças, ligeira e ingenuamente aguarelado e decorado, tem como título “Ilha da Madeira. Mapa do Presídio Militar da Dita Ilha, do das Milícias da Ordenança Que a Guarnecem e Vigiam, das Suas Fortalezas, Armas, Munições e Apetrechos de Guerra Existentes. Ano de 1754” (Ibid., anexo ao doc. 48). Em quadro lateral, apresenta o seguinte genérico: “O Presídio pago de Ilha consta do seu Governador e Capitão General, de dois capitães entretenidos, com exercício de ajudantes de ordens, um dos quais se acha vago, de uma companhia de Infantaria de 100 praças, oficiais de Artilharia, artilheiros e os mais seguintes” (Ibid.). Em face disso, especifica depois tais elementos, dando conta de que a companhia paga é dotada de 1 capitão de infantaria, 1 alferes, 1 sargento, 2 tambores, 4 cabos de esquadra e 96 soldados. Ainda pagos, encontravam-se 2 “aposentados com praças mortas” (Ibid.), termo que tinha evoluído ao longo do tempo e que, nessa altura, indicava simplesmente um aposentado. Neste quadro de 1754, junto com a fortificação, citam-se ainda como pagos os 2 sargentos-mores das capitanias e respetivos ajudantes, somando um total de 146 elementos que, ao todo, recebiam por ano 8276$700 réis, acrescidos de 11 pipas de vinho, pagamento tradicional da Ilha aos iniciais bombardeiros, não se pagando já qualquer quantitativo em moios de trigo, mas indicando-se o espaço correspondente e colocando-o em zero (Artilheiros e Bombardeiros). Na faixa de baixo, vem este genérico: “As Ordenanças constam de 88 companhias nas duas capitanias da Ilha, das quais se acham sem capitães, 23 e faltas de 2 alferes e 2 sargentos. São todas exercitadas pelos 2 sargentos-mores e 2 ajudantes acima [citados]” (Ibid.) (Companhias de ordenanças). Os quantitativos são depois discriminados pelo tipo de armamento utilizado, acrescido ainda dos artilheiros da ordenança para as diversas fortalezas: 338 na capitania do Funchal, 54 na de Machico e um total de 392 homens, não pagos. As ordenanças guarneciam ainda 13 vigias na capitania do Funchal e 12 na de Machico, num total de 25 vigias. Para além destes quantitativos, o governador ainda indica no mapa, de forma quase exaustiva, os materiais existentes. O preenchimento dos lugares militares superiores foi abordado pelo governador, em 1754, no relatório elaborado logo depois da sua chegada à Ilha. Refere então ter encontrado uma série de lugares militares providos indevidamente, i.e., contra o que estipulava o alvará de 18 de outubro de 1709, que determinava o preenchimento dos lugares de capitães de ordenanças através de eleições efetuadas nas câmaras, especificando os prazos e os trâmites legais por que deveriam passar. No entanto, até meados do século, nenhum dos governadores teve coragem de tocar nesta situação, dado que, quando tomavam posse, já encontravam providos nesses lugares uma série de capitães, e outros já apresentados e funcionando interinamente como tal, o que tornava a situação melindrosa. Acrescenta então Manuel de Saldanha: “esta mesma ordem tem vindo a este governo repetidas vezes aos meus antecessores e todos eles acharam inconvenientes na sua execução” (Ibid., doc. 48), pelo que optava pela mesma posição até se definirem mais corretamente os princípios de aplicação da mesma lei. Em maio de 1755, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque advoga uma série de medidas para fazer face à crise geral das propriedades agrícolas, citando, inclusivamente, o cultivo do Paul da Serra. No entanto, com a chegada das primeiras informações sobre este projeto às zonas rurais, logo rebentaram motins na Calheta, Ponta do Sol e São Vicente, pelo que o assunto não foi avante (Ibid., doc. 54). Em carta de 15 de junho de 1756, o governador volta a referir que, depois de ter tomado “mais conhecimento desta Ilha, por ter visto já alguma parte dela” (Ibid., doc. 73), achava que os moradores só cultivavam as terras vizinhas do mar, deixando as demais incultas. Os agricultores apresentavam então como razão a necessidade de pastos para o gado, mas o governador acrescentava que não seria verdade, dada a configuração alcantilada do terreno, que não permitia a sua utilização para gado. Teria então este averiguado a verdadeira causa e chegado à conclusão de que a maior parte daquelas terras tinha sido dada aos avós dos atuais proprietários por sesmaria, com a obrigação de as aproveitarem, pelo que, não tendo tal sido feito, deviam voltar à Coroa. Nessa carta, no entanto, alertava para os cuidados a ter neste campo – “sem fazer sangue” (Ibid.) –, ao mesmo tempo que obrigava os proprietários a cultivar essas terras. Alvitra mesmo que se poderia fazer como na América do Sul, “ainda que fosse só por empréstimo, para eles em alguns anos o satisfazerem” (Ibid.). Segundo a opinião do futuro conde da Ega, em breve a Madeira seria uma terra farta e não precisaria de se valer “tanto das nações estrangeiras que aqui comerciam” (Ibid.). Assim, na sua opinião, ganharia a Madeira e a Coroa Real, porque dessa forma não sairia tanto dinheiro como na altura acontecia. Neste ofício de 1756, referia ainda que “a maior parte do povo desta Ilha são caseiros, ou para melhor dizer, meeiros da nobreza dela, ou daqueles que têm algumas fazendas, nas quais os senhorios, por um antigo costume, não gastam um só real e são os caseiros ou meeiros que as beneficiam à sua custa, utilizando para essa despesa de metade do que rendem as fazendas” (Ibid.). Sendo a Ilha uma terra essencialmente montanhosa, era necessário, para que as terras não fossem para o mar, fazer grande “multidão” de paredes, nas quais “despendem os pobres todo o seu cabedal e subsistência, sucedendo que, quando querem largar as fazendas e procuram as suas benfeitorias aos senhorios, estes, ou porque estão bem servidos, ou porque não têm com que lhes paguem, o não fazem e os obrigam a que busquem outro caseiro, a contento dos donos das propriedades, que lhes satisfaça o seu trabalho e despesa, dizendo que eles não são obrigados a comprar o que lhes não rende e estão de tal sorte persuadidos deste uso, que lhes parece que o contrário é violência e injustiça” (Ibid.). Salientava, no entanto, que “é bem certo, que a maior parte das fazendas são tais, que não valem a terça parte das benfeitorias e que, se obrigarem os senhorios à satisfação daquelas, ficariam muitos deles miseráveis" (Ibid.). Os aspetos económicos gerais da Madeira e os particulares do próprio governador foram logo referidos oficialmente na carta e no relatório de 31 de outubro de 1754, dirigida ao conde de Oeiras. O governador começa por notar que na cidade do Funchal a vida era mais cara que na cidade de Londres, o que levava qualquer governador a ter de contrair dívidas para aí sobreviver, “pela carestia com que aqui se vende tudo”, “bem mau princípio para um filho segundo, com pouco ou nada de seu” (Ibid., doc. 46). Refere, então, que “os governadores desta Ilha, sem exceção nenhuma, têm todos feito negócio” (Ibid.) e vai ainda mais longe, dizendo, e.g., que o conde de São Miguel, seu antecessor, tinha mesmo feito um contrato com os comerciantes ingleses para “lhe darem um tanto, para que não o fizesse” e que, apesar disso, tinha mantido negócios por intermediários, “e se utilizava assim por dois caminhos” (Ibid.). Uns governadores teriam feito comércio em nome próprio, outros por interposta pessoa, e outros ainda de ambas as formas. Manuel de Saldanha pede assim que não se estranhe se tiver de recorrer a essa situação para sobreviver como governador; em alternativa, propõe que o pagamento de metade do seu ordenado e de 6000 cruzados que lhe eram devidos fosse feito em espécie, em trigo e vinho, como se fazia com o clero, o que representaria uma franca melhoria na sua vida de casa. Explicava que “seria o único modo de aqui poder viver sem dívidas” (Ibid.). A carta remata com a oferta de “casquinha desta terra, que é muito gabada” (Ibid.) – i.e., de citrinos em calda ou cristalizados – a Sebastião José de Carvalho e Melo, assim como de um barril de vinho para a sua mulher, a condessa de Daun, “que é alemã”, “para lhe ser oferecido da sua parte” (Ibid.). Manuel de Saldanha de Albuquerque, no entanto, iniciou os seus negócios pessoais com vinho da Madeira ainda em Lisboa, à semelhança do seu avô João de Saldanha e Albuquerque, negócios que continuou na Ilha e que depois transferiu para a Índia, quando para ali partiu como conde da Ega e vice-Rei, chegando a fretar navios para o efeito. No Funchal, também não resistiu a outros negócios que aí eram habituais, importando móveis de Londres que o Rei, a 14 de julho de 1756, autorizou que entrassem na Ilha sem pagarem direitos através do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, como faziam os cônsules ingleses, por certo a pedido do governador. As condições económicas da Ilha eram francamente adversas nesses anos, sentindo-se uma grande falta de cereal com a recessão provocada pela Guerra dos 7 Anos, agora a decorrer com especial intensidade no quadro da América do Norte. Neste quadro, foi proibido pelo futuro marquês de Pombal o embarque de qualquer marítimo português em embarcação estrangeira, sob pesadas penas, ordem que depois se repete nos anos seguintes, sinal de não estar a ser cumprida. O continente americano era então o principal fornecedor de cereais na Ilha, citando o governador a falta de tais produtos em carta de 1757: “por faltarem há meses na terra os navios ingleses, única nação que aqui comercia [...] ou porque a guerra tenha interrompido o seu comércio, se acham inteiramente desanimados, do que da sua América, donde eles tiravam a maior porção para esta Ilha, possam tirá-lo tão cedo” (Ibid., doc. 108). Neste quadro, o governador optou mesmo por enviar navios a Cádis e às Canárias para tentarem obter trigo. Saliente-se que, nos meados desse ano de 1757, aportou ao Funchal uma corveta da praça do Funchal vinda de Dublin, com abastecimento para mantimento de algumas naus de guerra dos ingleses, que vinham proteger o comércio britânico, o que é sinal de se terem entretanto encontrado outras soluções. Assim, ao longo de todo o século, ocorreram contínuos atritos entre as autoridades superiores da Ilha por motivos vários, entre os quais se conta o facto de receberem ordens de diferentes entidades. O Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque chegou mesmo a reclamar instruções precisas junto do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, a 25 de novembro de 1755, sobre a sua competência na determinação das obras de que careciam as fortificações do Funchal, “a fim de evitar conflitos com o provedor da fazenda” (Ibid., doc. 63). No entanto, a situação só foi sanada com a extinção da Provedoria e com a criação da Junta da Fazenda, a que presidiria o próprio governador. Deve-se ao Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque o início das obras do porto do Funchal, para o que foi expressamente enviado o engenheiro de origem italiana Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770). Não são muito percetíveis os primeiros passos deste engenheiro na Ilha, pois, em carta de 15 de janeiro de 1756, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque alvitra a Diogo de Mendonça Corte Real a conveniência de enviar este engenheiro à América, onde efetivamente esteve entre 1751 e 1756. Ora, como oficialmente este engenheiro só teve patente em março e se apresentou ao serviço na Madeira em julho, parece entender-se que teria passado particularmente pela Madeira, propondo-se então levar a cabo as obras do porto do Funchal, após o que estagiou alguns meses no Brasil e só então se fixou na Madeira. Os estudos levados a cabo pelo engenheiro foram transmitidos a Lisboa, recebendo-se, com data de 22 de março de 1756, a ordem de execução do porto de abrigo (Porto do Funchal). A 29 de julho de 1757, o governador dava conta para Lisboa do bom ritmo das obras, informando que já se havia consultado as nações estrangeiras para parecer e apoio às mesmas, bem como que se encontravam em pagamento as expropriações dos terrenos para a construção de um caminho que ligaria o novo cais à cidade por debaixo dos arrifes de Santa Catarina. Na mesma data, o provedor da Fazenda Manuel Teixeira de Castro confirma as informações do governador, acrescentando que, com o desenvolvimento geral do comércio, também seriam necessárias obras em Santa Cruz, Machico e Ribeira Brava. O controlo das verbas desta primeira fase do porto do Funchal, então da ligação do chamado Ilhéu Pequeno aos arrifes da Penha de França, com a construção de um pequeno forte sobre aquele ilhéu, à época denominado S. José (Forte de S. José da Pontinha), iria envenenar as relações entre o governador e o provedor, colocando continuamente em causa os trabalhos de Francisco Tosi Colombina. Face às contínuas queixas de parte a parte, em julho de 1757 o provedor Manuel Teixeira de Castro foi repreendido pelo secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte Real e afastado do controlo das obras, que passaram para a administração direta do governador e para as quais lhe foram entregues 3000 cruzados. As relações entre o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque e o Eng.º Francisco Tossi Colombina também teriam sido postas em causa, chegando o governador a duvidar das capacidades do engenheiro para levar a cabo uma obra de tal envergadura. No entanto, Colombina, regressado do Brasil, dissipou completamente essa impressão e passou a acompanhar o governador como seu oficial às ordens, havendo uma perfeita comunhão de opiniões e interesses, patentes, e.g., nas cartas enviadas por ambos a propósito da lei e alvará relativos à libertação dos índios do Brasil. Em 1758, tendo Manuel de Saldanha de Albuquerque sido nomeado vice-Rei da Índia, fez-se acompanhar depois precisamente por este engenheiro. A 5 de agosto de 1757, chegava ao Funchal o novo bispo, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1703-1784) , criteriosamente selecionado pelo gabinete pombalino, e Manuel Saldanha de Albuquerque era apresentado para vice-Rei da Índia. A 13 de fevereiro de 1758, o bispo tomava posse do governo de armas interino da Ilha e dava a Tomé Joaquim Corte Real lisonjeiras referências sobre o governador. O governador da Madeira, que recebera ordem para ir a Lisboa para ser empregado numa comissão de serviço, parte, assim, para o Oriente com a nomeação de vice-Rei da Índia, de 10 de março de 1758, e é agraciado com o título de conde da Ega, por decreto de 25 de março seguinte. O governo do conde da Ega no Oriente foi muito complicado, com as várias guerras em que o Estado da Índia andava empenhado e, depois, com a extinção da Companhia de Jesus, em 1759, situação em que o vice-Rei cumpriu fielmente as ordens do marquês de Pombal, prendendo e enviando para o reino 231 padres que então existiam na Índia e que eram um dos principais suportes da presença portuguesa no Oriente. Nesse mesmo ano, foi residir em Pangim, mas a despesa causada por esta mudança, o ambiente faustoso em que sempre vivia, bem como alguns atos despóticos e pouco regulares que praticou, deram origem à grave acusação de ter delapidado a fazenda pública por ocasião do sequestro dos bens dos Jesuítas. O facto de o seu primo, o cardeal Francisco de Saldanha da Gama (1713-1776), ter votado no Conselho de Estado contra o marquês de Pombal, no caso dos meninos de Palhavã, também concorreu muito para o seu desmerecimento no agrado do ministro, sendo o conde de Ega exonerado do cargo e substituído por um conselho constituído por D. António Taveira de Neiva Brum da Silveira, arcebispo de Goa, João Baptista Vaz Pereira e D. João José de Melo. Entregou o governo a 25 de dezembro de 1765, saindo de Goa a bordo do navio Nossa Senhora de Brotas. Ao entrar no Tejo, foi preso e encarcerado na torre do Otão, em Setúbal, aí permanecendo mais de dois anos. Já de saúde muito debilitada, conseguiu autorização para se recolher na casa de família, à Junqueira, onde, totalmente cego, veio a falecer a 6 de dezembro de 1771, sendo sepultado na igreja do Convento dos Marianos. Assumiu, tenazmente, a sua defesa D. Ana Ludovina de Almada, que consegue, pelo decreto de 27 de maio de 1777, após o falecimento de D. José e o afastamento do marquês de Pombal, a nomeação de um novo juiz relator do processo acusatório, podendo assim provar a improcedência das acusações e, por sentença da Relação de Lisboa, de 26 de janeiro de 1779, ilibar a conduta do conde da Ega como vice-Rei da Índia. Foi só então que o seu filho Aires de Saldanha e Albuquerque (1755-1827) herdou o título paterno. O 2.º conde da Ega haveria de casar, em segundas núpcias, com a filha de D. Leonor de Almeida (1750-1839), 4.ª marquesa de Alorna, a condessa de Oyeinhausen-Grave, D. Juliana Luísa Maria Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida (1784-1864), assim também condessa da Ega e, depois ainda, condessa de Strogonoff, na Rússia, ambas mulheres notáveis no seu tempo.    Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

História Militar História Política e Institucional Personalidades

alarcão, joão de

João de Alarcão. 1905. Arquivo Rui Carita.   A nomeação de João de Alarcão, membro do Partido Progressista (Partido Progressista), para governador civil do Funchal, surgiu na sequência do levantamento popular da Parreca, motivado pela tentativa de implantação das Juntas de Paróquia, talvez o mais importante tumulto ocorrido no séc. XIX, que obrigou à demissão do visconde do Canavial, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902). A demissão de João da Câmara foi apresentada a 26 de março de 1888, tendo o governo civil, uma vez mais, sido entregue ao visconde da Calçada, Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa (1812-1906) (Calçada, conde da). João de Alarcão Velasques Sarmento Osório – nome completo que raramente usava – nasceu em Espinhal, Penela, a 5 de novembro de 1854, filho de D. José de Alarcão Sarmento Correia da Fonseca Andrade e Vasconcelos e de Maria do Ó Cabral Pereira Forjaz e Menezes. Foi bacharel em Direito, curso que frequentou entre 1871 e 1876, pela Universidade de Coimbra, instituição de que viria a ser reitor em 1907. Terminado o curso em Coimbra, dedicou-se à atividade político-partidária e ao funcionalismo público superior, tendo ocupado o lugar de governador civil da Guarda em 1886. A sua nomeação foi feita por decreto de 5 de abril de 1888, como comunicaria depois às autoridades locais, por impresso datado da sua tomada de posse, a 8 de maio seguinte. O breve período do seu governo foi ocupado com a resolução dos assuntos da Parreca, amnistiados por decreto de 31 desse mês. O Governo de Lisboa tinha decretado “conceder amnistia geral e completa para todos os crimes contra o exercício do direito eleitoral e em geral para todos os crimes de origem ou carácter político, excetuando aqueles de que resultou homicídio” (“Amnistia”, O Direito, 7 abr. 1888, 1). O decreto levantaria alguns problemas de aplicação, com a salvaguarda das lesões mencionadas nos arts. 360, n.º 5, e 361 do Código Penal, que o novo governador, D. João de Alarcão, como jurista, teria de resolver nos meses seguintes. A ilha da Madeira atravessava uma grave crise económica, como consequência do ataque de filoxera aos vinhedos madeirenses, sendo criada, por iniciativa deste governador, a Associação Protetora dos Pobres, tendo como principal finalidade distribuir alimentos aos pobres e doentes, cujos estatutos foram aprovados por alvará de 2 de maio de 1889. João de Alarcão seria substituído, a 1 de janeiro de 1890, pelo médico militar José de Azevedo Castelo Branco (1852-1923), do Partido Regenerador (Partido Regenerador), dentro da habitual alternância governativa da época da Regeneração (Partidos Políticos). Nesse ano, foi ajudante do procurador da Coroa. Viria a ser deputado pela Madeira nas legislativas de 1894-1895, integrado nas listas por indicação das cúpulas de Lisboa (Eleições), e ainda deputado pelos círculos eleitorais da Guarda, de Coimbra e de Lisboa, vindo a ser par do reino em 1898. Nos anos seguintes, ocuparia os cargos de ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, em 1905, de ministro da Justiça, em 1908-1909, de ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1909, e de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Em 1910, foi um dos envolvidos no escândalo da falência do Crédito Predial Português, retirando-se então da vida política e dedicando-se à genealogia e ao jornalismo, trabalhando, entre outros periódicos, para o Correio da Noite. Faleceria em Montemor-o-Velho, a 11 de setembro de 1918, tendo o seu funeral sido realizado no dia seguinte, com grande solenidade e o acompanhamento dos velhos monárquicos, então reabilitados, no quadro da nova conjuntura política que, na Madeira, levou à eleição, nesse ano, do conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos (1866-1930) (Ornelas e Vasconcelos, Aires de).   Rui Carita (atualizado a 25.11.2016)

História Política e Institucional Personalidades

acordos e tratados internacionais (participação da madeira na negociação de)

A participação da Região Autónoma da Madeira (RAM) na negociação de acordos e tratados internacionais traduz-se na intervenção no procedimento de vinculação internacional do Estado português desta pessoa coletiva territorial, dotada de personalidade de direito público ao abrigo do direito português (art. 2.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM)). Trata-se de uma intervenção inserida no âmbito do processo de conclusão de tratados em Portugal, ou treaty-making power, ao constituir uma questão relacionada com os poderes conferidos às diferentes entidades públicas portuguesas e às competências atribuídas aos órgãos do poder político para intervirem na assunção de um compromisso internacional pelo Estado português. Tendo em consideração os efeitos internos e internacionais que serão potencialmente produzidos pelos compromissos internacionais, a referida intervenção deve ser analisada tendo por base uma abordagem que tenha simultaneamente em conta os contributos do direito regional, do direito interno português e do direito internacional. Os acordos e os tratados internacionais são acordos de vontade entre sujeitos de direito internacional. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (CVDT69), a “expressão ‘tratado’ designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou vários instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular”. Daqui decorre serem determinantes, para a qualificação de um compromisso internacional como acordo internacional ou tratado internacional, a intervenção de, pelo menos, dois sujeitos de direito internacional e a sua sujeição ao direito internacional. O modo como os acordos de vontade entre sujeitos de direito internacional são designados não é, assim, decisivo para os efeitos jurídicos que estes venham a produzir nos planos nacional e internacional, sendo “acordo (internacional)”, “tratado (internacional)”, e “convenção (internacional)” as denominações mais correntemente encontradas na prática dos Estados. Ao nível do direito internacional, relativamente à menor ou maior complexidade do procedimento de vinculação internacional utilizado, entende-se que a distinção entre acordo internacional e tratado internacional resulta da existência de ratificação ou da necessidade da manifestação de vontade a estar vinculado através de assinatura ser confirmada por um órgão do poder político distinto daquele a quem está confiada a negociação dos compromissos internacionais. A Constituição da República Portuguesa (CRP), no seguimento do direito internacional, utiliza os conceitos de convenção (internacional), de tratado (internacional) e de acordo internacional em diversas disposições do seu articulado. As convenções (internacionais) correspondem a compromisso internacional enquanto género (CRP, art. 8.º, n.º 2), enquanto os tratados internacionais são a espécie de vinculação internacional carecida de ratificação pelo Presidente da República (CRP, art. 135.º, alínea b)) e os acordos internacionais correspondem aos compromissos internacionais que não exigem a prática de um ato discricionário de confirmação por parte desse órgão de soberania. O EPARAM, por seu turno, faz expressa referência a tratados e acordos internacionais em quatro disposições distintas: (i) na alínea r) do art. 69.º, relativamente à competência do Governo regional para participar na negociação de compromissos internacionais; (ii) na alínea c) do art. 93.º, no que respeita à conclusão de protocolos de colaboração permanente sobre matérias de interesse comum entre o Estado e a RAM; (iii) no art. 95.º, sobre a representação na negociação de tratados e acordos internacionais que incidam sobre matérias de interesse específico da RAM; e, finalmente, (iv) na alínea e) do art. 108.º, no que concerne às receitas da RAM que sejam geradas por tratados e acordos internacionais respeitantes à Região. A potencialidade de assumir compromissos internacionais é uma prerrogativa reconhecida aos sujeitos de direito internacional, com destaque para os Estados soberanos. Nesse sentido, o art. 6.º da CVDT69 prevê expressamente que “todo o Estado tem capacidade para concluir tratados”. A possibilidade de entidades que integram a organização política e administrativa de um Estado soberano concluírem compromissos com natureza e efeitos jurídico-internacionais é algo que resulta da sua organização interna e exige a expressa concordância do outro ou dos outros sujeitos de direito internacional intervenientes (nesse sentido, o n.º 3 do art. 225.º da CRP, ao estabelecer que a “autonomia político-administrativa não afeta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição”, conduziu o Tribunal Constitucional a afirmar, no ac. n.º 403/2009, de 30 de julho, que os “poderes das regiões autónomas, em matéria de política externa, não as transformam, portanto, em entidades autónomas e diferenciadas do Estado Português, do ponto de vista do Direito Internacional Público”). O procedimento de vinculação internacional do Estado português consiste no conjunto de regras jurídicas e de práticas que são seguidas em Portugal na assunção de um compromisso internacional. Trata-se de um procedimento muito complexo, em resultado de a capacidade de Portugal para a conclusão de compromissos internacionais se ter alterado substancialmente em consequência da sua integração na União Europeia (UE). Daqui decorre que uma adequada compreensão desta matéria implique, por um lado, ter-se em consideração que se trata de uma matéria simultaneamente regulada pelo direito interno, pelo direito internacional e pelo direito da UE e, por outro lado, que a liberdade de atuação internacional do Estado português está limitada em virtude de ser um Estado-membro da União Europeia. O procedimento de vinculação internacional dos Estados vai buscar a sua estrutura básica ao direito internacional, nomeadamente às normas de direito consuetudinário codificado e de direito estritamente convencional que integram os arts. 6.º a 25.º da CVDT69. No direito dos Estados encontram-se, por seu turno, as regras jurídicas que desenvolvem essa estrutura fundamental, com destaque para os órgãos com competência para atuar em cada uma das fases do procedimento de vinculação internacional e os termos em que é feita a publicitação internacional das convenções internacionais que tenham sido assumidas pelos Estados. A participação de Portugal na UE, ao implicar a aceitação de um estatuto genérico de capacidade internacional limitada, integra a obrigação de atuar de forma coordenada ou conjunta com as Comunidades ou com a UE ao nível da vinculação internacional. A conclusão de tratados e de acordos internacionais deixou, em conformidade, de ser uma atividade livre do Estado português, para passar a ser uma atuação em que este só se poderá vincular individualmente se tiver capacidade internacional para o fazer. Em conformidade com a alínea t) do n.º 1 do art. 227.º da CRP, a RAM deve “participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes”. Em sentido concordante, no art. 95.º do EPARAM, integrado na secção IV (“Participação da Região em Negociações Internacionais”) do capítulo II (“Relações entre os Órgãos de Soberania e os Órgãos de Governo Próprio”) do título III (“Relações entre o Estado e a Região”), está expressamente previsto que a “participação nas negociações de tratados e acordos que interessem especificamente à Região realiza-se através de representação efetiva na delegação nacional que negociar o tratado ou o acordo, bem como nas respetivas comissões de execução ou fiscalização”. Da leitura conjugada destas duas disposições resultam três perguntas, a que importa dar resposta quando se pretende saber qual é o significado da participação da RAM no procedimento de vinculação internacional do Estado português: (i) quais são as matérias em relação às quais a RAM deve participar na negociação de um compromisso internacional a celebrar pelo Estado português; (ii) como se concretiza o direito constitucional de participação da RAM nas negociações jurídico-internacionais que sejam prosseguidas pelo Estado português; (iii) por último, quando deve ter lugar a participação da RAM na assunção de um compromisso internacional por parte de Portugal. Em primeiro lugar, antes de mais, importa delimitar os compromissos internacionais que integram o direito constitucional de participação na negociação de um compromisso internacional do Estado português por parte da RAM. Para alcançar esse desiderato devem-se ter em consideração três disposições do EPARAM. Em primeiro lugar, o art. 40.º, que apresenta um longo elenco das matérias de interesse específico que são relevantes como “motivos de consulta obrigatória pelos órgãos de soberania”. Em segundo lugar, o art. 94.º do EPARAM, que elenca as matérias de direito internacional que podem constituir o objeto de protocolos de colaboração permanente que venham a ser celebrados entre o Governo da República e o Governo regional e que integram os “trabalhos preparatórios, acordos, tratados e textos de direito internacional” (alínea c) do art. 93.º do EPARAM), e, ainda, os “benefícios decorrentes de tratados ou de acordos internacionais que digam diretamente respeito à Região” (alínea d) do art. 93.º do EPARAM). E, finalmente, a alínea e) do art. 108.º do EPARAM, ao prever que constituem receitas da Região os “benefícios decorrentes de tratados e acordos internacionais respeitantes à Região, tal como definida nos artigos 1.º, 2.º e 3.º deste Estatuto”, em razão da referência, no n.º 2 do art. 3.º do EPARAM, ao “mar circundante e seus fundos, designadamente as águas territoriais e a zona económica exclusiva”. O art. 94.º do EPARAM é particularmente relevante neste domínio, ao prever que constituem “designadamente matérias de direito internacional […] respeitando diretamente à Região”: “a) Utilização do território regional por entidades estrangeiras, em especial bases militares; b) Protocolos celebrados com a NATO e outras organizações internacionais, em especial sobre instalações de natureza militar ou paramilitar; c) Participação de Portugal na União Europeia; d) Lei do mar; e) Utilização da zona económica exclusiva; f) Plataforma continental; g) Poluição do mar; h) Conservação, investigação e exploração de espécies vivas; i) Navegação aérea; e j) Exploração do espaço aéreo controlado”. O Tribunal Constitucional, no ac. n.º 800/2014, de 26 de novembro de 2014, a propósito do dever de audição dos órgãos regionais, avança, em termos muito gerais, que, de acordo com uma jurisprudência “que remonta ao Parecer n.º 20/77 da Comissão Constitucional […], sendo reiterada posteriormente em acórdãos do Tribunal (v. Acórdão n.º 174/2009 e jurisprudência aí referida e, por último, o Acórdão n.º 747/2014), ‘[…] são questões de competência dos órgãos de soberania, mas respeitantes às regiões autónomas, aquelas que, excedendo a competência dos órgãos de governo regional, respeitem a interesses predominantemente regionais ou, pelo menos, mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios’”. Assim sendo, das disposições citadas, em conjugação com a alínea s) do n.º 1 do art. 227.º da CRP (“participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos”), decorre que um domínio em que a RAM terá um interesse reforçado em participar em negociações visando a assunção de compromissos internacionais pelo Estado português será o relacionado com as matérias relativas às atividades que podem ser prosseguidas no espaço aéreo e nos espaços marítimos adjacentes e circundantes ao território terrestre do arquipélago da Madeira. Em segundo lugar, importa esclarecer como se concretiza o direito constitucional de participação da RAM na negociação jurídico-internacional, tendo em consideração que o art. 95.º do EPARAM estipula que esta se deve realizar através “de representação efetiva na delegação nacional que negociar o tratado ou o acordo”. Ao Governo regional, em conformidade com o art. 69.º do EPARAM, é atribuída competência para “participar na negociação de tratados e acordos internacionais que digam diretamente respeito à Região bem como nos benefícios deles decorrentes” (alínea r)) e para “participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos”. A orgânica da presidência do Governo, aprovada pelo dec. reg. regional n.º 11/2016/M, de 6 de abril, estipula, no n.º 3 do art. 2.º, que o “Presidente do Governo Regional exerce os poderes que a lei confere ao Governo Regional” relativamente a “tratados e acordos internacionais que digam diretamente respeito à Região”, sem fornecer qualquer outro elemento relevante neste domínio. No ac. n.º 403/2009, de 30 de julho, antes citado, e a propósito das alterações ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, o Tribunal Constitucional não avançou com qualquer elemento relevante neste domínio, dado que se limitou a transcrever um passo de Rui Moura Ramos quando este afirmava que “precisa-se, no que respeita à sua concretização, que tal participação traduzir-se-á na representação efetiva dentro da delegação nacional que negociará o tratado ou acordo”. Em termos que merecem concordância, Maria Luísa Duarte defende que a “participação compreende a representação na delegação da República Portuguesa incumbida da negociação, o direito de ser notificada de toda a documentação relevante e ainda a oportunidade de ser ouvida e de se pronunciar, de modo efetivo, sobre as questões da negociação com incidência regional direta” (DUARTE, 2014, 236). Importa realçar, no entanto, como o fez o presidente do Tribunal Constitucional, conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, na sua declaração de voto no ac. n.º 136/2016, de 29 de fevereiro, a propósito de uma questão próxima, ao apreciar os poderes das regiões autónomas ao nível do ordenamento do espaço marítimo, em termos particularmente adequados ao seu esclarecimento, que a posição reconhecida à RAM é corporizada por “poderes cuja natureza e alcance permitem apenas estabelecer ‘fluxos de comunicação e manifestação de vontade’ por parte desses órgãos, mas não dão qualquer garantia de que essa vontade seja minimamente tida em conta ou respeitada na decisão final”. Finalmente, em terceiro lugar, importa esclarecer quando deve ter lugar a participação da RAM no âmbito do procedimento conducente à assunção de um compromisso internacional por parte de Portugal. O Tribunal Constitucional, no ac. n.º 800/2014, de 26 de novembro, antes citado, refere, em termos relevantes para a questão em análise, que em “procedimentos legislativos complexos em que as decisões fundamentais quanto ao regime a definir se não tomam em um só momento mas se vão tomando em fases consecutivas, importa assegurar que a audição regional ocorra naquela fase do procedimento em que mais ampla é a liberdade de conformação do legislador nacional”. No procedimento de vinculação internacional do Estado português podem ser distinguidas cinco fases: (i) a negociação; (ii) a assinatura; (iii) a aprovação interna ou aprovação interna conducente à manifestação definitiva do consentimento a estar vinculado internacionalmente; (iv) a ratificação ou manifestação definitiva do consentimento a estar vinculado internacionalmente; e (v) a publicitação, interna e internacional. Sendo a negociação a primeira fase do procedimento de vinculação internacional, é nela que importa garantir a efetividade da participação da RAM, dado que, sendo uma competência do Governo central negociar compromissos internacionais, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 197.º da CRP, no seu âmbito podem ser autonomizados dois momentos distintos: por um lado, uma subfase prévia, anterior à negociação, que consiste na decisão de vinculação internacional; por outro lado, a negociação propriamente dita, que é uma concretização da decisão de vinculação internacional. Tendo o procedimento de vinculação internacional do Estado português o seu momento propulsor com a decisão de vinculação internacional, deverá ser este o momento a partir do qual a intervenção da RAM é jurídica e factualmente relevante, na medida em que é nesta ocasião que o decisor português deve fazer o cruzamento entre o interesse ou a necessidade de ser assumida uma determinada vinculação internacional e a possibilidade de esta ser concluída, tendo em consideração o preenchimento de determinadas condições de natureza jurídica. Com efeito, antes de mais, o decisor português tem a obrigação de confrontar a intenção de assumir uma determinada vinculação internacional com um conjunto de condicionamentos de natureza jurídica, de carácter interno e externo. De carácter interno, de uma banda, para analisar a compatibilidade da vinculação internacional que pretende assumir com determinadas normas de natureza constitucional, nomeadamente as que regulam o treaty-making power e as que estabelecem princípios relativos à atuação externa do Estado. De carácter externo, de outra banda, para ter em consideração os limites à decisão de vinculação internacional do Estado português que resultam da sua subordinação às normas de ius cogens, do respeito pelos compromissos anteriormente assumidos que estejam em vigor e, finalmente, da participação de Portugal na União Europeia. Entre os condicionamentos de carácter jurídico tem especial importância a questão da apreciação da capacidade de vinculação internacional do Estado português, em resultado da extensão das limitações impostas pela União Europeia à capacidade de vinculação internacional dos Estados-membros. Esta matéria assume, além disso, uma prioridade lógica na decisão de vinculação internacional, na medida em que, nas situações de incapacidade, o Estado português não terá, enquanto tal, e isoladamente, legitimidade para assumir a vinculação internacional em causa. Confirmada a existência de capacidade para a assunção de um compromisso internacional, a decisão de vinculação internacional deverá ainda ponderar a questão da opção pelo tipo de procedimento a ser utilizado. Como referido anteriormente, a CRP utiliza, nesta matéria, a contraposição entre tratado internacional e acordo internacional: o primeiro é um compromisso internacional sujeito a ratificação ou a uma manifestação semelhante do consentimento a estar vinculado; o segundo é um compromisso internacional que não está sujeito a ratificação ou a um tipo semelhante de manifestação reforçada do consentimento a estar vinculado. Vigora em Portugal, em termos gerais, um princípio de liberdade de escolha do procedimento ou da forma que irá assumir a vinculação internacional, do que resulta ser a opção pelo procedimento a utilizar, na maioria das situações, uma decisão dos contratantes em presença. Existem, no entanto, algumas situações em que é imposta a forma de tratado em Portugal, em resultado da alínea i) do art. 161.º da CRP. Daqui resulta só ser exigida a utilização de um procedimento de vinculação solene nos casos dos compromissos internacionais expressamente previstos na segunda parte do primeiro segmento da alínea i) do art. 161.º da CRP, isto é, relativamente aos “tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de retificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares”. Nas outras situações de vinculação internacional poderá ser indiferentemente utilizado o procedimento solene ou simplificado, algo que é distinto da exigência da submissão, à aprovação da Assembleia da República, de um conjunto alargado de compromissos internacionais, em conformidade com a alínea i) do art. 161.º da CRP, anteriormente mencionada. Assim sendo, não existe uma justificação jurídico-constitucional para se defender uma distinção material entre tratados e acordos internacionais, nem uma argumentação convincente para defender, em consequência, uma qualquer subordinação hierárquica do acordo internacional (em forma simplificada) ao tratado internacional. A negociação internacional será levada a cabo por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou dos diversos ministérios ou departamentos sectoriais que integram a administração central do Estado, devendo ser prosseguida com uma efetiva intervenção dos órgãos competentes da RAM. Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, enquanto “departamento governamental que tem por missão formular, coordenar e executar a política externa de Portugal” (nos termos do art. 1.º do dec.-lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro), cabe a apreciação das matérias políticas e técnicas de natureza jurídico-internacional, em conformidade com o que se encontra previsto na sua lei orgânica. Nesse sentido, a alínea j) do n.º 1 do art. 2.º do diploma antes citado prevê que são atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros “conduzir as negociações e os processos de vinculação internacional do Estado português, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades públicas”. Em sentido idêntico, os n.os 1 e 2 da resolução do Conselho de Ministros n.º 17/88, de 7 de abril, estabelecem que cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a coordenação das negociações conducentes à aceitação de vinculações internacionais. Aos restantes ministérios ou departamentos sectoriais, por seu turno, caberá intervir nas negociações relativamente à matéria técnica que constitui o objeto da vinculação internacional. Importa acrescentar que o direito de participação da RAM deve também abranger o modo como os objetivos e os resultados que estiverem a ser alcançados nas negociações dos compromissos internacionais de maior relevância são objeto de informação por parte do Governo ao Presidente da República, aos partidos políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo e aos grupos parlamentares, nos termos, respetivamente, da alínea c) do n.º 1 do art. 201.º, do n.º 3 do art. 114.º e da alínea j) do n.º 2 do art. 180.º da CRP.   Fernando Loureiro Bastos (atualizado a 25.11.2016)

Direito e Política História Política e Institucional

aclamação de d. joão iv

A notícia da aclamação de D. João IV chegou à Madeira pela altura do Natal de 1640, numa vaga informação veiculada por um navio inglês proveniente de Sevilha. A confirmação oficial chegou a 10 de janeiro seguinte, procedendo-se à aclamação nas câmaras do Funchal, Machico, Porto Santo, etc. No entanto, a 25 de janeiro, um tumulto popular leva à invasão da Câmara do Funchal e à expulsão do juiz Luís Fernandes de Oliveira, que tinha sido contador do presídio castelhano, elegendo-se uma nova vereação e, nessa sequência, também um novo provedor da Fazenda. D. João IV enviou depois um novo governador, acompanhado de uma alçada, para investigar as alterações, mas também as dívidas, à Fazenda, vindo o corregedor a ser assassinado às portas da Câmara. Palavras-chave: alçadas; ordem pública; defesa; Fazenda régia. A notícia da aclamação de D. João IV (1604-1656), dos inícios de dezembro de 1640, chegou à Madeira por alturas do Natal desse ano. Um navio inglês proveniente de Sevilha e com destino às Canárias aportou ao Funchal a 26 desse mês e deixou um vago alerta de que algo de anormal se teria passado em Lisboa. A confirmação oficial chegou a 10 de janeiro seguinte, através das cartas, datadas de 19 de dezembro, enviadas por D. João IV ao governador e ao bispo, e levadas por Cap. Diogo Monteiro na sua caravela, tal como se fez para as ilhas de Cabo Verde (Cabo Verde) e para Angola (África), dando conta de “como aprouve a Deus Nosso Senhor restituir-lhe a coroa destes Reinos” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1328, fls. 7-8) e da maneira como “fora alevantado com muito alvoroço e devida satisfação” (Ibid.). As cartas foram lidas na Câmara no dia seguinte, procedendo-se à aclamação e marcando-se para o domingo seguinte, dia 13 de janeiro, a procissão solene e as festas “como dispõe o regimento” (Ibid.). A sessão camarária registou a presença de todas as autoridades da Ilha: o Gov. Luís de Miranda Henriques (c. 1600-1648) (Henriques, Luís de Miranda), o bispo do Funchal, D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), (Fernando, D. Jerónimo) e sobrinhos, D. António Fernando de Melo e D. José de Melo Fernando, os vereadores, o procurador do concelho, então o castelhano D. António de Herrera y Rojas, filho do falecido marquês de Lançarote (1537-1598) (Lançarote, conde de), o ouvidor e o provedor, incluindo o comandante do presídio castelhano, Cap. Tomás Velasquez Sarmiento, e de tudo foi lavrado auto (Ibid., fls. 8-9v). A 11 de janeiro, o governador escreveu ao Cap. Manuel de Vasconcelos da Câmara de Machico a contar o que se passara em Lisboa e no Funchal. A aclamação em Machico processou-se no dia 13, elaborando-se o Auto do Levantamento do Muito Alto e Poderoso Rei Dom João, o Quarto, Nosso Senhor, a que se seguiu o juramento, no dia 28, “estando presentes os Oficiais da Câmara, de Guerra, e a Nobreza e o Povo dela” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Regimento Geral, t. 2, fls. 44-45v.). Na sequência de Machico, igualmente se escreveu ao Gov. Martim Mendes de Vasconcelos da ilha do Porto Santo. Nesse mês de janeiro, o Porto Santo encontrava-se bloqueado por uma armada turca de 12 de navios de Argel. A missão foi entregue ao filho do governador, Matias de Mendonça e Vasconcelos, juiz ordinário da Câmara de Machico. Conhecedor da costa do Porto Santo, conseguiu, durante a noite, furar o bloqueio da esquadra corsária e levar a notícia ao pai. Recebida a notícia no Porto Santo, logo foi celebrada à maneira da época, com salvas de artilharia e descargas de mosquetes e arcabuzes. A esquadra turca, não estando habituada àqueles ruídos na ilha, pensou tratar-se dum forte reforço e levantou o bloqueio. O sucesso foi logo dado como milagroso, atribuído a um favor divino que não só livrara a terra portuguesa do Rei estrangeiro, como o Porto Santo da esquadra turca, tendo por isso Martim Mendes de Vasconcelos foro de fidalgo um ano depois, a 9 de setembro de 1642, com “hábito da ordem de Cristo para um filho que ele nomear, com 200$000 réis” (Inventários dos Livros das Portarias..., 1909, I, 9v.). No entanto, nem tudo terá corrido a favor, surgindo também dificuldades. As primeiras notícias negativas que aparecem referem a colocação de panfletos contrários à aclamação de D. João IV, “pasquins malsonantes pelas portas das igrejas, contra o respeito e decoro devido ao dito Senhor”, que foram retirados pelo P.e Lourenço Barradas Ferreira (FREITAS, 1973, 173). A informação, no entanto, é vinculada pelo próprio através da sua habilitação de genere, atestada pelo bispo do Funchal, pelo que, a ter ocorrido tal episódio, não teria passado de uma ocorrência pontual. A primeira alteração a processar-se no Funchal foi a extinção do presídio castelhano, levada a cabo pelo governador, que cumpriu assim um desejo antigo da população do Funchal. A guarnição foi inicialmente dispersa pelas vilas da Ilha, no sentido de a afastar do Funchal, e foi depois embarcada para as Canárias, tendo alguns militares optado por ficar nas fileiras da dinastia de Bragança. O mesmo se passou com o presídio do castelo de S. Jorge, em Lisboa, mas não com o de Angra, nos Açores, que resistiu cercado durante um ano, com vários mortos de uma parte e outra nos recontros efetuados. Registe-se, no entanto, que, embora a 25 de janeiro a Câmara do Funchal tenha determinado enviar para Lisboa as cartas a notificar a aclamação na Madeira, só a 26 de fevereiro estas foram assinadas. Saliente-se que a ordem dada ao mestre da caravela Francisco Belo para não sair do Funchal sem levar as cartas para D. João IV foi sob pena de 200 cruzados e quatro anos de degredo, o que parece indicativo da vontade de as enviar. No entanto, os problemas logo surgidos, acarretando distúrbios mais graves, devem ter colocado tudo em causa. Nesse dia 25 de janeiro, o povo acudiu à Câmara em tumulto, expulsando o juiz Luís Fernandes de Oliveira, que tinha sido contador do presídio castelhano, e elegendo novos juiz, procurador do concelho, vereadores e almotacel. Não contente com isso, passou à casa do escrivão da Câmara e fortificações, Paio Rodrigues Pais da Cunha, que estava suspenso e que, mais tarde, seria mesmo enviado sob prisão para Lisboa, e fizeram-no voltar à Câmara, expulsando o Cap. Manuel Teixeira Pereira, que fazia então de escrivão. Em tumulto cada vez maior, lançou-se a multidão contra o escrivão da Fazenda Manuel de Ceia e um seu sobrinho, por se ter falado de tributos, “e os matariam, sem dúvida” (ANTT, PJRFF, liv. 965, fls. 202ss.), caso não interviessem o governador, o bispo e elementos do cabido da Sé. A multidão foi então à Alfândega, expulsando o provedor Manuel Vieira Cardoso e obrigando João Rodrigues de Teive a servir nesse lugar. O provedor escapou ao furor da multidão escondendo-se em casa do bispo, mas os populares ocuparam a sua casa e mataram-lhe as aves de estimação. Todas estas ações foram de imediato confirmadas por autos lavrados na Câmara e na Alfândega, sinal de não serem só por imposição popular, mas de terem por detrás gente informada que sabia o que estava a fazer. No dia seguinte, o bispo foi à Câmara e voltou a fazer a aclamação com a nova vereação. No entanto, não reconhecendo o Gov. Luís de Miranda Henriques a nova vereação, a 28 de fevereiro elegeu-se outra e lavrou-se novamente o auto. A notícia chegou a Lisboa e, a 2 de agosto, D. João IV escreveu à Câmara mandando proceder-se contra os culpados das alterações de 25 de janeiro e nomeando depois um novo governador para a Madeira. Entretanto, a 25 de outubro, voltou a escrever “mandando que enquanto não viesse o Governador e o Corregedor para a Madeira, se não alterasse nada do que se tinha feito sobre as alterações e motins que na Ilha houve” (ARM, CMF, avulsos, cx. 2, doc. 262). No entanto, o novo Gov. Nuno Pereira Freire (c. 1595-c. 1660) (Freire, Nuno Pereira), com a instalação do novo Governo em Lisboa, só se apresentou na Ilha mais de um ano depois, a 19 de agosto de 1642, tomando posse no dia seguinte. Com o novo governador, chegou uma alçada constituída pelo juiz corregedor Gaspar Mouzinho Barba e o oficial de diligências Amaro Godinho Borges, que haveriam de ter um fim triste na Ilha. Este corregedor ia investigar os tumultos de 25 de janeiro do ano anterior, sendo também indicado para tomar conta da Fazenda, dada a pouca ou nenhuma confiança que suscitara em Lisboa a nomeação popular do provedor naquela altura. Acresce que o novo provedor chegava igualmente encarregado da contramarcação da moeda e da revisão dos complicados processos de dívidas em atraso à Fazenda Real, o que causou um ainda maior mal-estar no Funchal. No final do mês de dezembro de 1643, o trabalho do corregedor deve ter estado na origem de um sedição ou um motim contra o governador, que envolveu uma série de morgados, para além de outras figuras menores. Nesse quadro, o governador tinha mandado proceder a alterações no elenco camarário, onde havia alguns elementos indiciados como tendo dívidas em atraso à Fazenda, em princípio, os vereadores Manuel Homem e Luís Manuel Leme da Câmara. Dada a não apresentação na Alfândega dos últimos implicados, o juiz deslocou-se à Câmara para prender os vereadores, a 29 de dezembro de 1643. Interpôs-se então Pedro Bettencourt de Atouguia, que, após breves palavras, assassinou o corregedor com uma estocada de espada. O assassino ainda foi preso, mas, evadindo-se, foi acolher-se ao Convento de S. Bernardino, em Câmara de Lobos, de que a sua família era padroeira, acabando os seus dias no então oratório de S. Sebastião da Calheta como leigo e ao abrigo da justiça. D. João IV condescendeu com a situação, em princípio por não ter ainda a informação do assassinato do corregedor, e, em carta ao governador, recomenda-lhe que “se evitassem os efeitos das inimizades e ódios, ordenando-se às justiças que não procedam contra pessoa alguma por coisas que sucedessem no tempo da sua aclamação” (ABM, CMF, RG, t. 6, fl. 53). No entanto, em poucos meses estava na Madeira um juiz desembargador, desta vez da Relação do Porto, Jorge de Castro Osório, com indicações para investigar a morte do corregedor anterior (Ibid., fl. 65). O novo juiz recebeu na Madeira o apoio do oficial Amado Godinho Borges, que por uns tempos serviu de provedor da Fazenda. Em breve trecho, foram ambos envenenados, “mortos com peçonha”, como refere a mercê régia para a viúva do oficial da justiça e da Fazenda (Inventário dos Livros..., 1909, 411). Na Ilha, os documentos oficiais são sempre lacónicos: “faleceu, não se confessou” (ARM, RP, Sé, Óbitos, liv. 73, fls. 169-170). O velho e experiente bispo do Funchal retirou-se entretanto para Lisboa, ficando a Diocese em sede vacante várias dezenas de anos. O Rei enviou para a Madeira novo governador, Manuel de Sousa Mascarenhas (c. 1595-c. 1660) (Mascarenhas, Manuel de Sousa), com fortes ligações familiares à Ilha e até aqui com propriedades. Esperava assim acalmar os ânimos, o que não veio a acontecer, essencialmente pelos desmandos do governador. Com a subida ao trono de D. João IV e as alterações políticas daí advindas, logo aumentou o movimento do porto do Funchal. Aliás, as primeiras medidas militares de D. João IV em relação à Madeira visaram precisamente o movimento do porto. Para o controlo das principais medidas militares, constituiu-se o Conselho da Guerra, sendo uma das suas primeiras medidas para a Madeira a cativação dos bens, existentes no porto do Funchal, que pertenciam a Pedro de Baessa Diogo Rodrigues, natural de Lisboa, e a Jorge Gomez Alemo, e que era preciso acautelar. Foram expedidas a 20 e 23 de agosto de 1641 e assinadas pelo conde almirante Rodrigo Botelho. Neste quadro, processaram-se diversos melhoramentos no calhau da cidade, como a montagem do cabrestante da praia e, depois, a fortificação do cais da Alfândega (Reduto da Alfândega) e até de cais particulares, como o da família Fernandes Branco, na foz da ribeira de Gonçalo Aires (Forte dos Louros). Com o alvará de franqueamento do comércio e da navegação para Oriente, de 12 de dezembro de 1642, logo vários madeirenses com interesses comerciais entre Lisboa e o Brasil, como Francisco Fernandes Furna, ampliam as suas atividades até à Índia e à China. No mesmo sentido, estabeleceram-se outros contactos com portos europeus, sendo desta altura os contratos comerciais de navios marselheses com a Ilha da Madeira.   Rui Carita (atualizado a 25.11.2016)

História Política e Institucional