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Jerónimo Dias Leite (c. 1540 – c. 1598) Clérigo madeirense, com comprovadas origens na comunidade cristã-nova do Funchal, foi vigário de Santo António de Arguim, cónego de meia prebenda, primeiro, e de prebenda inteira depois, na sé do Funchal. Autor da primeira obra sobre a História da Madeira, intitulada Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha, a qual serviu de base a Gaspar Frutuoso para a redação do segundo volume de As Saudades da Terra, constitui, ainda hoje, uma referência no panorama da historiografia madeirense, não obstante as críticas que têm sido feitas aos seus registos. Palavras-chave: História, Madeira, cónego, cristão-novo.   Jerónimo Dias Leite foi um clérigo madeirense, filho de Gaspar Dias, alfaiate, e de Isabel Fernandes (GUERRA, 2003, 153). Foi, igualmente, irmão de Gaspar Leite, causídico que estudou Leis e Cânones em Coimbra, entre 1578 e 1584, (RAHM, vol. II, fasc. 2-3, 60) e que foi fintado em 1606 (GUERRA, 2003, 266), estabelecendo-se, assim, a pertença inequívoca dos irmãos ao grupo dos cristãos novos que vivia na Madeira nos fins do século XVI. O registo de batismo de Jerónimo Dias Leite tem data de 14 de março de 1540, mas o facto de ter recebido ordens de Epístola em fins de 1558 ou princípios de 1559 (COSTA, 1994, 159) e da obtenção desse grau supor uma idade mínima de 22 anos, deixa no ar a possibilidade de o batismo se ter dado alguns anos depois de ter nascido, nomeadamente por volta de 1537 (MACHADO, 1947, LXXIX; GUERRA, 2003, 155). Outra possibilidade que se poderia, igualmente, equacionar é a de o recebimento das ordens não ter ocorrido na idade canonicamente prevista, o que também acontecia. Da sua carreira eclesiástica consta o ter sido provido na vigararia de Santo António de Arguim em 1567, à qual se sucedeu nova colocação, desta vez na igreja da Conceição e capelania de S. Jorge da Mina, em 1571, registando-se entre uma nomeação e outra um período em que foi residente em Oeiras (MACHADO, 1947,LXXXII). Desconhece-se o que o terá levado a Oeiras, mas Machado põe a hipótese de Jerónimo Dias Leite ter ficado no reino, mais perto dos centros de decisão, a tentar movimentar influências que o impedissem de voltar ao golfo da Guiné. Se foi este o caso, as suas diligências deram resultado, pois em 1572, viu-se promovido a cónego de meia prebenda na sé do Funchal, lugar que ocupou por pouco tempo, pois, a 30 de outubro de 1572, por morte de um cónego, acabou por lhe herdar o benefício, sendo provido como cónego prebendado (MACHADO, 1947, LXXXV). Em 1573, aparece, pela primeira vez, como escrivão do cabido, funções de que foi intermitentemente incumbido, a que se acresceram outras, de “procurador geral dos negócios e causas do dito cabido e sé e fábrica dela” (MACHADO, 1947, LXXXVI). Em data não apurada, poderá ter passado a capelão régio, segundo se constata de uma procuração, com data de 27 de junho de 1590, na qual é testemunha e que assim o designa (GUERRA, 2003, 156). A mesma atribuição lhe faz Gaspar Frutuoso, quando afirma ter recebido do “Reverendo Conigo Hieronymo Leite, Capellão de Sua Magestade”, informações preciosas para a redação de As Saudades da Terra, cujo Livro II se reporta ao arquipélago da Madeira (FRUTUOSO, 2008, 165). Sobre este assunto, declara João Franco Machado não saber em que baseava Diogo Barbosa Machado para atribuir ao cónego a categoria de capelão real, mas hoje a confirmação documental acabou por se impor, a partir da fonte citada por Jorge Guerra. Em 1575, Jerónimo D. Leite figura como testamenteiro de seu pai, então residente na Rua Direita, no Funchal, e em 1581, um outro testamento, desta vez de António Rodrigues de Mondragão, afirma que se deve dar à sua terça “as casas da Rua Direita em que ora vive o conigo Ierónimo Dias…”, o que parece indicar que o filho manteve a casa de moradia dos progenitores (GUERRA, 2003, 156). A última referência que a seu respeito se encontra em documentos tem data de julho de 1593, e dá-o como presente num dos autos realizados no Cabido, sendo que do auto seguinte, de 25 de agosto do mesmo ano, já o seu nome não consta. Uma vez que não foi possível localizar o assento do seu óbito, ignora-se se o cónego saiu da Madeira, ou faleceu na ilha, mas é relativamente seguro afirmar que já não viveria em 1598, por não se encontrar mencionado no testamento de sua mãe, que refere o nome de outros filhos mas não deste (GUERRA, 2003, 157). Em paralelo com a carreira eclesiástica, Jerónimo Dias Leite também deixou obra no campo da História da Madeira, sendo considerado o primeiro autor que se dedicou a elaborar um registo dos acontecimentos assinalados relativos à sua terra natal. Aparentemente tê-lo-ia feito a pedido de Gaspar Frutuoso, que através de algumas pessoas, de que é exemplo Marcos Lopes, mercador que residira nos Açores, lhe solicitara que diligenciasse, junto a João Gonçalves da Câmara, sexto capitão da Madeira, o envio de um documento conservado nos arquivos da casa dos Câmaras, cuja autoria se atribuía a Gonçalo Aires Ferreira, companheiro de Zarco (GUERRA, 2003, 154). De posse dessa informação, que cabia em três folhas de papel, Jerónimo Dias Leite “ajudando-se (…) dos tombos das câmaras de toda a Ilha, que todos lhe foram entregues” conseguiu, consertando e recopilando tudo, compor a história do descobrimento e dos feitos dos capitães (FRUTUOSO, 2008, 303). Essa obra, que passou para a posteridade com o título de Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha, foi escrita em antes de 1590, pois serviu de base ao manuscrito de Frutuoso, que abundantes vezes refere o papel desempenhado na sua obra pelas informações recolhidas nas onze folhas que lhe enviara Jerónimo Dias Leite (NASCIMENTO, 1927, 27). Como se vê, pelas declarações de Frutuoso, o primitivo manuscrito, com origem em Gonçalo Aires, ou em outros autores, conforme sinaliza João Cabral do Nascimento, que até admite a sua inexistência, teria passado das três páginas iniciais, traçadas pela mão pouco douta do companheiro de Zarco, para as onze com que o cónego as “recopilou e lustrou com seu grave e polido estilo” (FRUTUOSO, 2008, 304). Sobre este assunto, o da autoria do manuscrito inicial que serviu de base para a escrita de Dias leite, o padre Pita Ferreira aduz outro entendimento, quando considera que a fonte onde o cónego foi beber pertenceria, não a Gonçalo Ferreira, mas sim a Francisco Alcoforado, conclusão a que chegou através da comparação do texto de Leite com o da Relação de Alcoforado (FERREIRA, 1956, 22). Cabral do Nascimento assinala, ainda, que, tendo como base as ditas onze folhas, Jerónimo Dias Leite deverá ter escrito “para uso próprio, uma história mais desenvolvida”, o que explica o tamanho que hoje tem o texto (NASCIMENTO, 1937, 85), podendo para além disso ter redigido, também, um poema sobre o assunto, intitulado Insulana ou Descobrimento e louvores da Madeira (GUERRA, 2003, 155). A suportar a ideia da autoria do poema pronuncia-se Diogo Barbosa Machado que, na sua Biblioteca Lusitana (1747, vol. II, 452) revela que o cónego, “doméstico dos Condes da Calheta, donatários desta ilha [Madeira] pelos anos de 1590” teria tido “inclinação para a poesia e estudo da história”, a ele se devendo a referida Insulana, “poema em oitava rima, que consta de sete cantos” (NASCIMENTO, 1937, 85). João Cabral do Nascimento, não valoriza, no entanto, a obra que Frutuoso construiu, com base nos escritos de Dias Leite, considerando o volume que toca a Madeira como “uma cousa sem plano, disparatada de cronologia, com retrocessos e repetições constantes” (NASCIMENTO, 1927, 8), mas antes considera que ao cónego se deve “a maior culpa em tudo o que Frutuoso conta de menos verdadeiro sobre a Madeira” (NASCIMENTO, 33). Independentemente do rigor da factologia apresentada por Jerónimo Dias Leite, a sua obra, cuja versão impressa apenas surgiu em 1947 é, ainda hoje, uma referência no panorama da historiografia madeirense para quem quer sondar o primeiro século e meio da vida no arquipélago, conforme se demonstra pelas abundantes referências que lhe são feitas em trabalhos académicos, ainda hoje.     Cristina Trindade (atualizado a 05.02.2018)

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darwin, charles robert

Charles Darwin nasceu a 12 de fevereiro de 1809 em Shrewsbury no condado de Shropshire a uns 35 km de Birmingham como quinto filho de Robert Darwin e Susannah Wedgwood (Desmond & Moore, 1992). Ambos os pais advinham de famílias com tradições académicas e comerciantes. O seu pai era um médico abastado, o seu avô paterno Erasmus Darwin foi filósofo e abolicionista, e o avô materno Josiah Wedgwood industrial e também abolicionista. A partir dos 8 anos de idade Darwin atendeu a escola de Shrewsbury (Darwin & Barlow, 1958; Desmond & Moore, 1992) como aluno interno. Em 1825 com 16 anos ingressou na Escola Médica da Universidade de Edimburgo embora não se tenha aplicado muito nas matérias centrais, preferindo a história natural e o museu da Universidade. Isso motivou o pai a mandá-lo para a Universidade Cambridge ao “Christ’s College” em 1827 (Van Wyhe, 2014, p. 20) para prosseguir uma carreira de religioso anglicano. Darwin chegou a Cambridge em janeiro de 1828 aos 18 anos de idade (Van Wyhe, 2014, p. 27). Mas mesmo aqui dedicou grande parte à história natural e caça, embora tenha obtido boas notas nos exames finais. Incitado pelo seu primo mais velho William Darwin Fox (1813-1881) começou a colecionar sistematicamente escaravelhos (Van Wyhe, 2014, p. 42). Foi em Cambridge que Darwin conheceu o então já distinguido mas jovem professor revd. John Stevens Henslow (1796-1861) padre, botânico e geólogo (Barlow, 1967; Walters & Stow, 2001). No seu segundo ano universitário Darwin começou por ser um visitante regular dos serões científicos em casa de Henslow (Van Wyhe, 2014, p. 76) tornando-se seu seguidor e depois amigo. De 1829 a 1831 assistiu à cadeira de botânica por ele lecionada "Botanical Lectures” (Henslow, 1829, p. 77; Van Wyhe, 2014) e ajudou na preparação das aulas práticas e na recolha e herborização de plantas britânicas sendo considerado favorito de Henslow (Van Wyhe, 2014, p. 89). Henslow prestava atenção à variação intraespecífica das plantas, ao contrário do costume praticado na época, identificando cada espécimen com data, local e nome do recolector, prática que influenciou os seus alunos, entre eles Darwin (Kohn et al. 2005). Em janeiro de 1831 Darwin completou o seu Bachelor of Arts (BA) como décimo de 178 candidatos (Hodge & Radick, 2009, p. 27; Van Wyhe, 2014, p. 93). Para obter o título faltava-lhe atingir o número de trimestres residentes obrigatórios, tempo que, sem a pressão das aulas, teve a oportunidade de se aproximar mais ainda de Henslow, jantando com ele regularmente e acompanhando-o em saídas de campo (Van Wyhe, 2014, p. 96). Foi nesta fase que, inspirado pelo relato de viagem de Humboldt (Von Humboldt, 1865), começou a planear com Henslow uma excursão a Tenerife nas ilhas Canárias com a finalidade de ver um ambiente mais tropical (Hodge & Radick, 2009, p. 27; Van Wyhe, 2014, p. 96). Muito embora tenha mesmo iniciado aulas de espanhol a excursão acabou por nunca se realizar. Em meados de agosto de 1831, no regresso de uma excursão geológica ao norte do País de Gales com o famoso professor geólogo Adam Sedgwick, Darwin recebeu uma carta de Henslow oferecendo-lhe o lugar de naturalista a bordo da brigue HMS Beagle numa viagem de levantamento hidrográfico à volta do mundo. De fato Darwin não foi a primeira escolha para essa posição. O convite inicial tinha sido formulado pelo comandante da expedição cap. Robert FitzRoy (1805-1865) ao seu superior hierárquico na marinha Francis Beaufort (1774-1857) o qual o enviou a Cambridge ao professor de matemática e astronomia George Peacock (1791-1858) a fim deste sugerir uma pessoa indicada com experiência nas ciências naturais. Peacock pensou primeiro no próprio Henslow o qual não pôde aceitar, sugerindo o entomólogo pastor Leonard Jenyns (1800-1893) e depois deste também não aceitar, sugerindo Darwin (Van Wyhe, 2013; Van Wyhe, 2014, p. 104). Depois de convencer o seu pai, Darwin aceitou ser o naturalista oficial da expedição, partilhando a cabina com o comandante (Van Wyhe, 2013). A única condição que Darwin impôs para aceitar a nomeação foi a de que possa desistir da expedição a qualquer momento e de que custearia a sua cota parte da alimentação (Fitzroy, 1839, v. 1, p. 19; Van Wyhe, 2013). Darwin manteve assim a sua independência da hierarquia naval, não recebendo salário e custeando também o material de trabalho e envio de espécimes para o Reino Unido. Várias cartas de Darwin (Burkhardt & Et Al., 1985-2014, cartas [117, 118, 120, 121,122, 147, 158]) documentam a intenção de que a primeira paragem programada do Beagle com duração de uma semana seria no Funchal na Madeira. No seu relato da viagem FitzRoy (Fitzroy, 1839, p. 22) enumera as ordens de itinerário que diziam explicitamente que o navio deve aportar “(…) sucessivamente na Madeira ou Tenerife; Cabo Verde; Fernão de Noronha; Estação na América do Sul (…)”. A justificação para que isso não tenha acontecido é também dada por FitzRoy (Fitzroy, 1839, pp. 46-47). Os ventos mudaram subitamente para sudeste acompanhados de vagas grandes e dificultando a passagem do Beagle a sul do Porto Santo e a sua entrada na travessa entre a Madeira e as Desertas. Tinham avistado o Porto Santo no dia 04 de janeiro de 1832, e passaram a poucas léguas da Madeira (1 légua inglesa corresponde a cerca de 3 milhas náuticas). O comandante optou por tomar rumo a Tenerife tendo avistado as Selvagens na manhã seguinte e chegando a Tenerife nesse mesmo dia. Numa carta datada de 6 de setembro de 1831 à sua irmã Susan Elizabeth (1803-1866) (Burkhardt & Et Al., 1985-2014, carta [119]), Darwin reforça a ideia de que ele está livre de abandonar a expedição quando bem entender, mas que se desengane a irmã se pensar que ele irá regressar já a partir da Madeira, pois desde que lhe subsista um pedaço de estômago, ele não irá desistir. De fato Darwin passou muito tempo enjoado a bordo do Beagle, não sendo claro se chegou a ver alguma ilha do Arquipélago da Madeira. Mas mesmo em Tenerife não puderam desembarcar devido a uma quarentena de 12 dias imposta aos navios oriundos do Reino Unido onde havia uma epidemia de cólera (Fitzroy, 1839, p. 48). Nem ancoraram e zarparam imediatamente em direção a Cabo Verde, pisando terra firme pela primeira vez em Santiago/Cabo Verde no Porto da Praia a 16 de janeiro. A restante viagem do Beagle está descrita em muitas obras sendo os relatos originais os de Darwin e FitzRoy (Darwin, 1839; Fitzroy, 1839, v.2). A circunavegação levou o navio a Fernando de Noronha, Baia, Abrolhos, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevideo, Ilhas Malvinas, Cabo Horn e Estreito de Magalhães, costa pacífica da América do Sul, Galápagos e outras ilhas no Pacífico, Nova Zelândia e Austrália, Ilhas Cocos e Maurícias e regressando pelo Cabo da Boa Esperança, as ilhas de Santa Helena e Ascensão, e de novo Brasil, Cabo Verde e Açores. Chegaram aos Açores a Angra do Heroísmo na ilha Terceira, permanecendo de 19 a 25 de setembro, pararam em S. Miguel para a recolha de correspondência e seguiram em ruma à Inglaterra (Darwin, 1839, pp. 594-598). A 2 de outubro de 1836 o Beagle ancorou em Falmouth após uma ausência de 4 anos e nove meses, chegando pouco depois a Plymouth e Londres (Fitzroy, 1839, p. 638). Darwin desembarcou em Falmouth (Darwin, 1839, p. 598). Regressou a Cambridge e depois Londres para trabalhar em colaboração com outros naturalistas na publicação do vasto espólio que recolheu durante a viagem. A 29 de janeiro de 1839 Darwin casou com a sua prima Emma Wedgwood (Darwin & Barlow, 1958, p. 82; Van Wyhe, 2014, p. 111) e em 1842 tomou residência no meio rural do sudeste de Londres em Down House (Darwin & Barlow, 1958, p. 114). Nunca mais viajou ao estrangeiro. Ao todo Darwin escreveu 16 livros sem contar com reedições (Freeman, 1977, p. 9). A primeira obra em que Darwin se empenhou depois da viagem do Beagle foi a Zoologia da Viagem do Beagle publicada em vários volumes entre 1838 e 1843 (Freeman, 1977, p. 26). Em paralelo trabalhou na narrativa da viagem publicada em 1839 (Darwin, 1839), revista posteriormente (Darwin & Barlow, 1958, p. 116) e publicada como Diário das Investigações (Darwin, 1845). Nesta obra, de índole mais genérica e popular, a Madeira praticamente não é mencionada. Este é o livro mais lido de Darwin e o qual estabeleceu a reputação internacional de Galápagos como arquipélago de Darwin. Darwin depois concentrou-se na geologia com obras ainda hoje importantes sobre a formação dos recifes de corais (Darwin, 1842) ou as ilhas vulcânicas (Darwin, 1844). Nesta última obra a Madeira não é também mencionada, pese o fato de Darwin ter lido e se inspirado nos trabalhos de Charles Lyell (Lyell, 1840) o qual esteve na Madeira e escreveu sobre a sua geologia (Lyell, 1854). Outras obras emblemáticas de Darwin não relacionadas diretamente com evolução são os seus trabalhos sobre cirrípedes (Darwin, 1851; Darwin, 1854), trabalhos sobre botânica como o sobre a fertilização de orquídeas (Darwin, 1862), e uma biografia do seu avô Erasmus (Krause & Darwin, 1879). No entanto, são as obras relacionadas com a teoria da evolução que ficaram mais conhecidas. O livro sobre a variação sobre domesticação (Darwin, 1868) é já um prenúncio da sua teoria. Segundo as palavras de Darwin a viagem do Beagle foi o mais importante evento da sua vida e determinante para toda a sua carreira (Darwin & Barlow, 1958, p. 76). As ilhas Galápagos forneceram das primeiras ideias para a teoria que viria a publicar. O vice-governador da Ilhas Nicholas Lawson tinha-o informado de que as tartarugas diferem de ilha para ilha, e de que ele seria capaz de identificar a ilha da qual cada uma é originária (Darwin, 1845, p. 394). Devido a isso Darwin prestou mais atenção à recolha de espécimes, admiravelmente não aos famosos tentilhões-de-Darwin, mas sim aos mockingbirds, os sabiás de Galápagos (Sulloway, 1982). A ideia de que as espécies não são estáveis tinha emergido (Darwin, 1963, p. 262). Cada ilha do arquipélago alberga um conjunto diferente de espécies. A obra mais importante de Darwin A origem das espécies (Darwin, 1859; Darwin, 2009) foi publicada em 1859, um ano depois da publicação conjunta com Alfred Russel Wallace de um esboço da teoria (Darwin, 1858; Darwin & Wallace, 1858; Wallace, 1858). Darwin tinha passado cerca de 20 anos a recolher sistematicamente informação para fundamentar a sua teoria. É esta recolha sistemática de informação que coloca a Madeira numa posição de vanguarda como fonte de suporte para a teoria. Em dois ensaios inéditos escritos muito antes da publicação da A origem das Espécies (Darwin, 1909 [1842-44]), Darwin esboçou a sua teoria da Seleção Natural pela primeira vez. Aí Darwin somente menciona a Madeira duas vezes: uma para suportar a afirmação de que espécies usualmente migradoras como a galinhola o deixam de ser quando vivem em ilhas oceânicas (Darwin 1909[1842-44], p.120), e a outra para afirmar a dificuldade que mamíferos têm em colonizar ilhas distantes muito embora essas ilhas proporcionem ambientes favoráveis ao seu desenvolvimento como o provam os coelhos introduzidos na Madeira (Darwin, 1909[1842-44], p. 172). A primeira edição da Origem (Darwin, 1859) menciona Galápagos 17 vezes mas a Madeira 20 vezes, os Açores 4, e as Canárias também 4 vezes. A 6 edição que representa o texto final da obra (Darwin, 1876) menciona Galápagos 22 vezes mas a Madeira 32 vezes, os Açores 8, e as Canárias 6 vezes. Esta simples métrica demonstra bem a importância que a natureza da Madeira deteve para aquilo que é a mais importante teoria da biologia com repercussões enormes mundiais, e especialmente sobre a nossa visão da natureza do ser humano. Porque é que a Madeira se destaca como fonte de exemplos insulares? A razão reside em Cambridge e no núcleo de estudantes e académicos em torno do prof. revd. John Stevens Henslow. Henslow. Henslow, um brilhante aluno, educou-se no colégio de St.John em Cambridge e graduou-se em 1818. Em 1822, com apenas 26 anos de idade, foi nomeado professor de mineralogia e em 1822 de botânica, resignando da cátedra de mineralogia 1827 e mantendo a de botânica. Um dos seus alunos foi Richard Thomas Lowe (1802-1874) (Nash, 1990), o qual se tinha matriculado em Cambridge em 1821 graduando-se em 1825. Lowe visitou a Madeira pela primeira vez em 1826 por pouco tempo (Nash, 1990, p. 6), e a segunda vez de 1828-1830 (Nash, 1990, pp. 12, 23). Tomou residência permanente na Madeira, com interrupções entre 1831-1852 sendo capelão anglicano no Funchal entre 1832-1852, mas regressando posteriormente várias vezes. Lowe foi provavelmente aquele naturalista que mais contribui para o conhecimento da flora e fauna da Madeira, tanto marinha como terrestre, tendo publicado inúmeros tratados e estudos sobre a mesma, todos publicados na Inglaterra. Enquanto estudante em Cambridge, ao que parece, não chegou a conhecer Darwin pessoalmente. O segundo aluno de Henslow foi Thomas Vernon Wollaston (Machado Carrillo, 2006) o qual se matriculou em 1841 e se graduou 1845, obtendo ainda o MA em 1845. Foi amigo pessoal de Darwin e de Lowe. Também ele trabalhou na Madeira tendo sido introduzido à ilha por Lowe. Foi um dos grandes entomólogos e malacologistas e os estudos mais detalhados da época sobre a fauna dos coleópteros e dos caracóis terrestres foram produzidos por ele (Wollaston, 1854; Wollaston, 1878). As obras destes dois destacados naturalistas representavam, na altura, o que de melhor se fazia sobre fauna e flora de ilhas, e Wollaston, viajando entre Cambridge e Funchal, levava notícias atualizadas à Inglaterra (Nash, 1990, p. 111). Darwin tinha pois conhecimento detalhado dos estudos sobre fauna e flora da Madeira e não é de admirar que tenha usado esse conhecimento para fundamentar a sua Origem da Espécies. Um levantamento da correspondência de Darwin em que os intervenientes abarcam temas relacionados com a Madeira mostra que o pico das referências se situa entre os anos de 1855-1862 (Dellinger, 2009a). Os exemplos da Madeira citados por Darwin (Dellinger, 2009b) foram variados. Em primeiro lugar realçou a semelhança entre a fauna de insetos da Madeira e da Europa continental (Darwin, 1876, p. 38). Em segundo lugar argumentou que variedades podem sobreviver por muito tempo, usando como exemplo os caracóis subfossilizados das Dunas da Piedade e do Porto Santo (Darwin, 1876, p. 42). Citou também Oswald Heer e a similitude da laurissilva da Madeira com a vegetação da Europa Terciária (Heer, 1857; Darwin, 1876, p. 83). O exemplo de suporte à seleção natural, a parte central da sua teoria da evolução, vem de novo do mundo dos insetos em que cita Wollaston para mostrar que, em ilhas, as formas aladas são em número inferior do que em faunas continentais, e que, quanto mais pequena a área da ilha, a probabilidade de sobrevivência de formas aladas se reduz por serem transportados pelo vento para o mar onde acabam por morrer (Darwin, 1876, p. 109). Darwin argumenta também que o isolamento aumenta a probabilidade das espécies diferirem, dando como exemplo a Madeira em que os escaravelhos e caracóis terrestres diferem bastantes das continentais, enquanto que os caracóis marinhos e as aves do mesmo arquipélago o não fazem (Darwin, 1876, pp. 291, 349). A razão desta diferença é que o meio marinho ou a capacidade de voar grandes distâncias reduzem o isolamento relativo. Para sublinhar isso cita o enxame de gafanhotos que assolou a Madeira em 1844 (Darwin, 1876, p. 327), ou o número de aves terrestres ocasionais avistadas na Madeira (Darwin, 1876, p. 348), justificando que devem ser os ventos que os transportam. Darwin realça também o fato de que ilhas oceânicas albergam menos espécies do que áreas continentais, mas que têm uma maior taxa de endemismos. É aqui que Darwin faz a única comparação direta entre a Madeira e Galápagos, equiparando a proporção de espécies endémicas de caracóis terrestres na Madeira com as aves terrestes em Galápagos (Darwin, 1876, p. 348). No entanto existem diferenças taxonómicas: anfíbios não são encontrados normalmente em ilhas oceânicas muito embora, quando são introduzidos, consigam sobreviver bem nelas com se observa na Madeira (Darwin, 1876, p. 350). O último exemplo da Madeira serve para reforçar o isolamento relativo das espécies de caracóis terrestres do Porto Santo em relação à Madeira. Muito embora grandes quantidades de pedras de cal são transportadas do Porto Santo à Madeira, e muito embora caracóis vivam debaixo de pedras e nas suas fissuras, as faunas de caracóis existentes nas das duas ilhas são distintas (Darwin, 1876, p. 357). A lógica da argumentação na Origem da Espécies, que Darwin chamou de “um longo argumento”, em especial quanto à importância dos exemplos insulares, está bem delineada e analisada em Gould (Gould, 2002, p. 59). Das obras subsequentes de Darwin, a mais destacada foi aquela que, de forma explícita, alargou a sua teoria ao ser humano (Darwin, 1871). Darwin faleceu na sua casa em Down House, condado de Kent, a 26 de abril de 1882, estando enterrado em Londres na Abadia de Westminster (Van Wyhe 2014, p. 118). Embora revolucionária para a época, a teoria de Darwin foi relativamente bem aceite a nível mundial nas duas décadas subsequentes à sua publicação. Em Portugal “(…) a teoria Darwiniana conheceu (…) dificuldades de implantação” (Pereira, 2001, p. 66) recentemente superada com o bicentenário do seu nascimento. Quanto à Madeira ainda falta um estudo historiográfico do impacto de Darwin que inclua toda a sociedade madeirense e não somente os naturalistas estrangeiros radicados na Madeira. No entanto o papel da Madeira como fonte de exemplos para a teoria da evolução está bem estabelecido.   Thomas Dellinger (atualizado a 25.07.2016)

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