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igrejas e capelas erguidas pela força da fé

A Ordem de Cristo com o Infante D. Henrique como Grão Mestre teve um papel fundamental na expansão portuguesa. Um dos territórios descobertos por nobres pertencentes à casa do Infante foi o arquipélago da Madeira, que viria a tornar-se uma posse da Ordem de Cristo até D. Manuel se ter tornado rei de Portugal, em 1495. Mas a relação de grande proximidade à Igreja Católica Romana manteve-se ao longo dos séculos, cristalizando-se na paisagem através das igrejas e capelas, algumas das quais de cariz particular. Igreja Nova do Jardim da Serra A nova Igreja do Jardim da Serra, desenhada por Cunha Paredes, arquitecto português de origem madeirense, e inaugurada em 2009 tem invocação a São Tiago e constitui-se como símbolo da forte religiosidade católica da população e da melhoria das condições económicas que caracterizou nas últimas décadas a ilha da Madeira. A comparação das suas características e dimensão com as da anterior sede paroquial, situada bem próxima desta, é elucidativa. Capela da Mãe de Deus - Caniço A Capela da Mãe de Deus ou Madre de Deus, de traça manuelina, foi construída em 1536 e é um dos mais antigos templos marianos na Madeira. Integra-se num pequeno núcleo de construção mais antiga que se confronta com a construção mais recente que o rodeia, constituído por uma mercearia, e duas habitações particulares, que mantêm as características originais. Nas casas é possível observar a distinção das cores, o vermelho e o ocre, resultantes do facto de estes serem os únicos pigmentos disponíveis, mas também do facto de as cores carregarem o símbolo de classe ou de status social. O vermelho estava reservado para as casas senhoriais e mais abastadas. Observe-se ainda o banco em pedra, espaço de socialização e de lazer. Capela de São José - Largo da Achada, Camacha Foi mandada erigir por Alfredo Ferreira Nóbrega Júnior em 1924 e concluída em 1928, que pretendeu desde o início criar um espaço educativo de cariz religioso. Possui um altar-mor rico em ornamentação e bem conservado bem como uma obra de Martin Canan. O livro “Ao Redor de um Ideal”, de Eutíquio Fusciano, publicado com a chancela da Câmara Municipal de Santa Cruz, é um dos documentos que podem ser consultados. Igreja Paroquial da Camacha A construção deste imóvel dedicado ao culto católico data do século XVII. Trata-se de uma estrutura arquitectónica com planta longitudinal de nave única e capela-mor. Completam o conjunto uma torre sineira e duas capelas laterais. Como elemento decorativo destaca-se a tela do retábulo da capela-mor, ali colocado no ano de 1914 e com provável autoria dos Irmãos Bernes. Aquando da sua recuperação descobriu-se que a mesma tapava outra tela, a original, provavelmente da autoria de Nicolau Ferreira Igreja Paroquial da Achada de Gaula Uma das duas paróquias da freguesia de Gaula, denominada Achada de Gaula, encontra sede nesta igreja construída já no século XX. Tem por padroeira a Nossa Senhora da Graça. Das festividades que aqui ocorrem destaque-se a festa em honra da sua padroeira, realizada no primeiro fim-de-semana depois de 15 de Agosto. Em Janeiro realiza-se, desde há relativamente pouco tempo, a Festa de Santo Antão, padroeiro dos animais. Igreja de Santa Beatriz - Água de Pena Construída no ano de 1745, no local onde antes existia a Capela de Santa Beatriz, e a partir de onde segundo as crónicas, cresceu a freguesia. Foi mandada construir por Lançarote Teixeira, que lhe deu o nome da Santa Beatriz, por ser o mesmo de sua esposa. A fachada principal ostenta a cantaria regional, de basalto, e no cimo da mesma uma Cruz de Cristo. No último Domingo de Julho realiza-se uma festa popular em honra de Santa Beatriz e que tem nesta Igreja o seu epicentro. Igreja Paroquial do Porto da Cruz Sendo de construção recente (1958), a Igreja matriz alberga no seu interior alguns pormenores muito interessantes no que respeita ao património imaterial e móvel. No interior, observa-se um moderno lambril de azulejos padronados do prestigiado artista Querubim Lapa. O templo guarda ainda alguns elementos decorativos barrocos provenientes da antiga igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Uma Nossa Senhora de Guadalupe (séc. XVI ou XVII, em madeira policromada) e um Santo António (em terracota). Os quadros da Via-sacra são de autoria de João Gomes Lemos, de pseudónimo "Melos", médico natural da freguesia. É uma obra do Arquitecto Raul Chorão Ramalho.   textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho

História da Arte Religiões Rotas Madeira Cultural

camacha moldadora do vime

A partir de finais do século XIX a indústria do vime desenvolveu-se na Camacha até ocupar lugar central na economia local e ao ponto de, a par do folclore, se tornar um dos embaixadores da localidade serrana. Atualmente, o setor perdeu a importância detida outrora, muito por força das transformações sociais e económicas de uma região especializada nos serviços, com o turismo a desempenhar o papel que antes cabia ao setor primário. E é neste contexto que urge conhecer, não só os modos tradicionais de produção, mas também os processos inovadores. Bazar Flor da Achada Este bazar é atualmente mantido pelas filhas do proprietário, as quais têm outra ocupação profissional. Fazem-no dado ser uma tradição familiar. Para além de através desta relação familiar e da decisão das filhas em manter o negócio, é igualmente demonstrativo da importância da indústria na Camacha e do estatuto social detido. Entre algumas peças importadas do exterior é possível encontrar alguns trabalhos dos artesãos locais. A cobertura interior do teto em vimes é um pormenor que não nos escapa dada a sua particularidade. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associa ao vime, o Café Relógio está de forma directa relacionado com a história do vime, dado que para além de comerciar vimes alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além desta facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, tendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. José de Jesus Fernandes Aprendeu com um tio quando tinha 12 anos a arte da obra de vime e aos 19 anos instalou-se por conta própria. Os intermediários traziam o vime do Porto da Cruz, de Santana e de Boaventura. Contribuindo na criação de modelos, chegou a empregar 200 pessoas. Hoje, ocupa sozinho a sua fábrica onde ainda guarda os moldes e as máquinas rudimentares usadas. Cada artesão tendia a especializar-se em determinadas peças. O mestre José Fernandes especializou-se na cestaria. José Pedro O artesão José Pedro, que começou a trabalhar na obra de vime com 8 anos, é um exemplo da inovação e criatividade que os artesãos colocam no seu trabalho. Se a reprodução a partir de outras peças está presente, a inovação surge como reflexo do desejo de aperfeiçoamento da peça segundo a perspetiva individual. Resultam daqui peças funcionais. Para lá chegar, contudo, é necessário várias etapas de confeção. Esta afirmação aplica-se aos trabalhos em que não recorre aos moldes, de dimensão média e grande, como móveis. Nesse caso faz-se o desenho da peça, moldando-se o ferro para o cobrir e ligar nas diversas partes com vime. José Fernandes da Silva Junto à Levada da Meia Serra, José Fernandes da Silva tem o seu pequeno atelier onde tece a arte do vime para com ela fazer cestaria em vime da Camacha. Ocorre também que José Fernandes da Silva é um dos artesãos que mais tem contribuindo para a perpetuação da arte da obra em vime, dando cursos de formação e participando em ações de divulgação. Plantação de Vimes Segundo registos, o início da produção e do uso na confeções de cestaria em vime data do século XIX, embora outras fontes apontem para um período bem anterior, isto é, no século XVI. Em todo o caso, foi no século XIX que o vime, primeiro introduzido na Camacha, veio a desempenhar um papel fundamental na freguesia, sendo sustento de parte significativa da população. Os campos deste pequeno vale eram ocupados na totalidade com vimeiros, restando uma pequena parcela na margem direita da ribeira. Cuidar dos vimeiros requer a execução de tarefas simples, sendo a principal a poda.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Património História Económica e Social Rotas Madeira Cultural

a arte da tradição e de ser artesão

Se os artesãos moldam as formas dos artefatos tradicionais, em simultâneo procedem igualmente à reinterpretação do legado. Na demanda diária as pequenas transformações da tradição não são visíveis, reafirmando-se neste contexto a sua pureza. As transformações são descortinadas apenas quando analisadas na perspetiva diacrónica ou através de inovadores movimentos trazidos por novos artesãos, os quais são influenciados por dinâmicas externas. É esta mescla de perspetivas sociais e de motivações idiossincráticas relativas aos próprios artistas que transforma constantemente a tradição. Isabel da Eira Isabel da Eira é fiandeira e tece barretes de orelhas, ou barretes de vilão, conhecidos pelo menos desde 1857. Fá-lo desde os 14 anos de idade com um rigor que os torna peças de artesanato consideradas de boa qualidade. Este barrete de orelhas é um dos que eram usados na Madeira, conhecendo-se variação entre as localidades, sendo preparados juntamente com os casacos para as condições meteorológicas extremas da alta montanha. A textura macia da lã resulta do modo como se fia e Isabel da Eira é considerada uma excelente fiandeira, sendo o seu trabalho reconhecido entre os colegas de actividade. As etapas da preparação consistem no lavar, secar, cardar e fiar. O Borracheiro Este bar tem uma relação especial com a história do transporte de carga da Madeira e, em particular, com a história dos borracheiros. A carga na ilha da Madeira era transportada por veredas e pelos Caminhos Reais. Este ponto situa-se num dos extremos da vereda que liga ao Porto da Cruz, terra de vinho. Os borracheiros, assim designados porque transportavam o vinho nos borrachos, avançavam em grupo de entre dez a quinze homens. Aqui chegados, anunciavam-se com o toque do búzio, instrumento musical que os acompanhava nas viagens e que servia de comunicação. Maria Vasconcelos Iniciou a aprendizagem da tapeçaria aos treze anos por vontade própria, e seguiu o modelo comum na época. Aprendeu com uma artesã, a quem eram reconhecidas competências pedagógicas, a troco de remuneração, enquadrando-se numa lógica particular de investimento educativo semelhante ao que ocorre na actualidade. A formação durou sete meses e incentivou a autonomia. Para além dos tapetes de retalhos, caraterizados pela criatividade quanto aos padrões e cores, as quais dependem na maior parte das vezes dos retalhos que os clientes trazem, tece casacos de lã numa parceria com a fiandeira Isabel da Eira, sendo a responsabilidade quanto às decisões relativas ao trabalho nas suas diversas dimensões partilhada. Artesão Humberto Ex-pedreiro, com o abrandar da construção civil na Madeira, iniciou a atividade de artesão em 2007. Faz peças em madeira para fins de natureza diversa: móveis, utensílios diversos, brinquedos, miniaturas, carrinhos de mão, colheres de pau, piões, bengalas. As peças são vendidas nas diversas feiras que se realizam na ilha. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associam ao vime, o Café Relógio, está de forma directa relacionado com a história da indústria, dado que para além de comerciar vimes, alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além deste facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, havendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho  

Cultura e Tradições Populares Rotas Madeira Cultural

do ouro branco e pela vinha às quintas

Desde o Século XV, a Madeira recebeu comerciantes e turistas de diversas nacionalidades. Pela Madeira passaram, por exemplo, comerciantes venezianos e flamengos no contexto do afamado período do “ouro branco” deixando a sua marca na toponímia da cidade do Funchal e no sobrenome de famílias madeirenses, mas a partir do século XVII, com a paulatina substituição da cultura do açúcar pela da vinha, os comerciantes britânicos tornaram-se a comunidade estrangeira mais importante no arquipélago. A influência desta comunidade manifestou-se em alguns de setores económicos e na edificação, entre as quais se contam as tão conhecidas quintas da Camacha e do Santo da Serra.     Quinta do Jardim da Serra Esta Quinta, construída no século XIX pelo Cônsul Inglês Henry Veitch, tem importância fulcral na história da própria freguesia. Foi o nome desta propriedade que deu origem à denominação da freguesia: Jardim da Serra. Adaptada em 2010 numa excelente unidade hoteleira, preserva um edifício com arquitetura tradicional. É ainda possível contactar com as práticas de agricultura biológica e alguns exemplares de flores madeirenses nos amplos jardins da propriedade. Realce para o facto da quinta ter sido fonte de inspiração para Max Römer, e estar representada numa gravura do século XIX, patente na reitoria da Universidade da Madeira, no Funchal. Quinta das Romeiras Esta quinta foi desenhada pelo conhecido arquiteto português Raul Lino e foi mandada construir pelo Drº Alberto Araújo, como residência de férias. Foi construída no ano de 1933, ano em que a 14 de Abril o Diário da Madeira noticiava que se estava “trabalhando afanosamente na construção de uma opulenta vivenda de campo, no sítio das Romeiras, desta freguesia, donde se desfruta um largo e aprazível panorama. O povo já a baptizou de Quinta dos Penedos”. A escritora Maria Lamas em 1956 descrevia assim seus jardins: “Do branco de neve ao salmão, ao carmesim, ao amarelo-oiro e ao roxo, passando por todas as escalas de tons - quem poderá imaginar, sem a ter visto, aquela sinfonia de cores?” Quinta do Vale Paraíso Constituída por um edifício principal, construído em meados do século XIX, e por outros 9 de dimensões mais reduzidas, transformadas em pequenas residências de férias, as quais mantêm de um modo geral o nome da sua função original. Este espaço oferece ainda amplos jardins compostos por plantas endémicas e exóticas pertencentes a cerca de 220 espécies. A partir desta quinta acedemos, através de uma vereda, à Levada da Serra do Faial. fonte: ariscaropatrimonio.wordpress.com Quinta do Revoredo Esta propriedade foi mandada construir por John Blandy, em 1840, que depois de conhecer a Madeira como marinheiro de um navio inglês nas guerras napoleónicas viria a tornar-se no mais importante homem de negócios da ilha e cuja família ainda é uma das mais influentes na Região. Hoje a quinta é propriedade da edilidade e é nela que se encontra a sede da orquestra filarmónica de Santa Cruz, sendo utilizada também como Casa da Cultura do município. Quinta de São Cristóvão Esta quinta com caraterísticas da arquitetura portuguesa, foi mandada construir em 1692 pelo morgado Cristóvão Moniz de Menezes e manteve-se como propriedade da família até que recentemente Carlos Cristóvão da Câmara Leme Escórcio de Bettencourt, sem descendentes, o cedeu ao Governo Regional da Madeira. Chegou a albergar o Conservatório de Música e actualmente funciona como casa do artista. Este solar está ainda relacionado com a Paróquia do Piquinho, uma vez que foi aqui erigida a Capela de São Cristóvão, a qual recebe em Maio a festa religiosa de São Cristóvão. Também aqui funcionou uma escola fundada pela irmã Mary Jane Wilson, entre 1904 e 1910.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Arquitetura Património História Económica e Social Rotas

luzia (luísa susana grande de freitas lomelino)

  Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino, cujo pseudónimo era Luzia, nasceu a 15 de Fevereiro de 1875, em Portalegre (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). O pai era o capitão Eduardo Dias Grande, bisneto do Dr. Francisco Grande e Metelo, este último nascido em 1755 na freguesia de Galinde, reino de Leon, e formado pela Universidade de Salamanca. Dr. Francisco Grande e Metelo casou em 1797 com D. Antónia Isabel Caldeira d’Andrade, natural do Crato e oriunda de uma família brasonada, fixando a sua residência em Portalegre. Dos sete filhos do casal, apenas uma teve descendência, Antónia Benedita Grande e Caldeira (CONDE, 1990, p.40). Luzia com 26 anos de idade. Fotografia tirada em 12 de Março de 1901, chapa nº 19.009, Luísa Grande de Freitas Lomelino, espólio de José de Sainz-Trueva, Arquivo Regional da Madeira. O pai de Luzia tinha dois irmãos, o general José Maria Grande e D. Sofia Cândida Dias Grande, que foram os padrinhos de Luzia (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Eduardo Dias Grande foi Secretário-geral do Governo Civil do Distrito do Funchal (CLODE, 1983, p.251) e casou com uma rapariga da alta sociedade madeirense, Luísa de Freitas Lomelino, filha do morgado da Quinta das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino e D. Ana Welsh de Freitas Lomelino provenientes de uma antiga família madeirense, «Os primeiros deste apelido que passaram à Madeira, por 1470, foram Urbano Lomelino e seu irmão Baptista Lomelino, aristocratas de Génova, que fizeram assento em Santa Cruz» (CLODE, 1950, p. 188). Do casamento de Eduardo Dias Grande e Luísa de Freitas Lomelino nasce a primeira filha do casal, Ana Luísa, a 7 de Dezembro de 1867, na freguesia de S. Pedro, no Funchal (cf. Registo de batismo de Ana Luísa, Arquivo Regional da Madeira, livro 1372). Luzia nasce oito anos depois, já no continente, e logo ao nascer, o seu percurso de vida fica marcado por uma ausência, a da mãe, que morre após o parto (cf. Registo de óbito de Luísa Lomelino Dias Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Escreve José Martins dos Santos Conde que «a infeliz criança, envolta num cobertor, foi imediatamente transportada da casa onde nasceu, na Rua 1º de Maio, para a casa grande de sacadas de ferro, na Rua dos Canastreiros, onde morava a tia Sofia Cândida» (CONDE, 1990, p.40). O mesmo autor refere também que foi com a tia que Luzia viveu dois períodos importantes da sua vida: os seis meses que passou com ela quando nasceu, e, mais tarde, aos nove anos, quando é mandada de novo para casa da tia Sofia. Ao fim dos seis meses passados em Portalegre, o pai de Luzia, que sofria de uma grave doença pulmonar, decidiu mudar-se para a Madeira com as duas filhas, em busca de um clima mais favorável à sua doença. Foram viver para a Quinta das Cruzes (homónima da de Portalegre), propriedade dos avós maternos de Luzia (CONDE, 1990, p.42). Com nove anos apenas, Luzia vê a vida levar-lhe a pessoa que mais adora, o pai, que falece vítima de tuberculose. Aos catorze anos, é enviada pelos tios para o colégio das Salesas, em Lisboa (CONDE, 1990, p.42). Atingida a maioridade, Luísa «viveu algum tempo em Lisboa em casa dos viscondes de Geraz de Lima. Seguidamente acompanhou-os até à Madeira e passou a residir em casa da avó Ana, na Rua dos Netos, nº 19» (CONDE, 1990, p.42). É na Madeira que Luzia casa com Francisco João de Vasconcelos, a 4 de Abril de 1896 (cf. Registo de casamento de Luísa Grande de Freitas Lomelino e Francisco João de Vasconcelos Couto Cardoso, Livro 6814 A, Arquivo Regional da Madeira). Após os primeiros tempos na Quinta das Cruzes, os noivos rumaram ao Jardim do Mar e passaram a residir no Solar de Nossa Senhora da Piedade. Mas o casal não era feliz, e a Lei do Divórcio (de 3 de Novembro de 1910), que foi um dos primeiros atos legislativos do Governo Provisório saído da revolução de 5 de Outubro 1910, foi imediatamente aproveitada por Luzia. A 19 de Novembro de 1911, Luzia escreve no seu Jornal: «Seulette, seulette, sans compagnon ni maître… E agora, julgo que para sempre. Mas não me sinto feliz… Ai de mim! Ai de todos nós! Passamos a vida a dizer: se não fosse isto, se tivéssemos aquilo… Isto deixa de ser, temos enfim aquilo, e ri dos nossos vãos, temerários “ses”, a cruel, irónica felicidade!...» (CONDE, 1990, p.51). Posteriormente a esta fase da sua vida, Luzia vai ainda passar por grandes sofrimentos, já que para além do divórcio, terá vários problemas de saúde dos quais a tuberculose (SAINZ – TRUEVA, nº 20, 1989, p. 304) e a neurastenia, cultivará a solidão, com receio de uma nova desilusão, o que quase a conduziu à loucura, à destruição dos seus sonhos, a um desequilíbrio emocional e físico que a levaram a desejar a morte. Luzia recorre a um sanatório em França para se restabelecer e após esse período passa anos de uma interessante vida intelectual, tendo começado a publicar os seus livros, envolvendo-se na vida em sociedade, que era circunscrita a um pequeno mundo elegante, e inicia as suas viagens pelo estrangeiro Luzia, pelas várias terras pelas quais vai passando, sente a nostalgia de todos os lugares por onde foi deitando raízes (LUZIA, 1923, p. 172), como refere, em Cartas do Campo e da Cidade, mas à medida que os anos vão passando é da Madeira que sente mais falta, «a Madeira parece-me a minha terra de promissão onde hei de enfim descansar de tantos temporais que têm batido a minha pobre vida» (SOARES, s.d., p. 72). Tendo passado algum tempo nas terras portuguesas do norte, no Buçaco, nas suas estâncias de águas, decide voltar à Madeira. Nos primeiros anos, no Funchal, tudo lhe correu a seu gosto, num ambiente calmo e alegre, como refere Feliciano Soares: «Depois de vagabundear por hotéis, instalou-se logo adiante da Ponte Monumental, de tão estranha, impressionante paisagem, na quinta Nogueira de que ela, com os seus quadros, as estantes dos seus livros ricamente encadernados, as suas flores sempre renovadas, fez um petit chateau de France» (SOARES, s.d., p. 82). Luzia mudou-se da Quinta da Nogueira para a Quinta Carlos Alberto, na rua do Jasmineiro, número 3, onde, como constata Feliciano Soares, mão amiga lhe proporcionou o seu cantinho confortável e convidativo, pois Luzia não suportava qualquer esforço físico, e, desde que se mudou, «todos os males do mundo nela se reuniram para lhe demolirem a vida, numa lentidão tal que os seus amigos chegavam a iludir-se sobre a gravidade do seu estado» (SOARES, s.d., p. 86). Luzia deixara de se queixar, mostrando relativa boa disposição. Mais tarde, vem a confessar que «olhando o inaudito sofrimento da humanidade inteira, não se sentia com o direito de se queixar» (SOARES, s.d., p. 86). Os achaques foram-se multiplicando, o declínio acentuava-se, os médicos redobravam os cuidados e os amigos começavam a alarmar-se. Após sofrimentos físicos e morais que se prolongaram ao longo da vida, Luzia falece a 10 de Dezembro de 1945, pelas 14h, na Quinta Carlos Alberto (cf. Registo de óbito de Luísa Grande, nº 1569, Arquivo Regional da Madeira). Relativamente ao seu percurso literário, é desde tenra idade que Luzia sonha ser escritora. O seu primeiro conto é publicado a 8 de Janeiro de 1894, no Correio da Manhã (cf. Correio da Manhã, 08.01.1894, “A lenda das estrelas”). Luzia colaborou também na imprensa da Madeira, com o pseudónimo de Lady Butterfly (SOARES, s.d., p. 14).O lançamento do primeiro livro de Luzia, Os que se divertem, a comédia da vida, aconteceu quando a escritora tinha já quarenta e cinco anos, em 1920, e não foi uma surpresa no mundo das letras portuguesas. Como refere Feliciano Soares, na frequência assídua do salão de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi conhecida de perto e logo admirada. Dir-se-ia que já se esperava que ela se afirmasse grande desde a primeira hora. O sucesso foi enorme e imediato e a obra conheceu três edições, a primeira em 1920 (229 pp.), a segunda em que não aparece data de publicação (223 pp.) e a terceira edição em 1929 (305 pp.), esta última uma edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques (nesta edição novos capítulos são acrescentados, mas um é retirado, “As Cartas de Clara”, sendo substituído pelo capítulo “A Récita de Caridade”, já publicado em Rindo e Chorando). Os que se divertem, a comédia da vida é um retrato da alta sociedade em que Luzia se movimentava. Os novos e velhos ricos, os vestidos, os eventos, a sociedade das aparências em que se movia são simultaneamente cenário e protagonistas das suas histórias. A ironia prevalece praticamente sobre todos os quadros que “pinta”, apontando os ridículos do que a rodeia. Dos retratos mais comuns, aparece o das mulheres: a mulher vaidosa, que só se importa com a aparência e tudo faz para ocultar a idade; a mulher que inveja, que desdenha das amigas íntimas e de outras mulheres; a escrava do chic; a intriguista; os flirts; as novas-ricas com seu mau gosto, a falta de cultura e educação; entre outras situações ridículas e pequenas. Rindo e Chorando (291 pp.) é publicado dois anos depois, em 1922, e mantém os mesmos traços e até as mesmas personagens do livro anterior. Sente-se quase como uma continuação das “comédias da vida”, mas revela uma ironia mais trágica que faz o leitor flutuar entre episódios de riso genuíno e de sorriso amargurado, de tão terrível que pode ser a ironia da vida. Cartas do campo e da cidade vem a público em 1923 (222 pp.), e, tal como o próprio nome indica, situa-se entre as paisagens e ambientes opostos destes dois lugares: das quarenta e quatro cartas, vinte e oito são escritas na cidade, algumas em Lisboa, outras no Funchal, e dezasseis no campo, a maioria delas nas Quintas de Portalegre. Cartas d’uma vagabunda é o quarto livro de Luzia (310 pp.), no qual não aparece a data de publicação. Esta obra revela a enorme paixão que Luzia tem pela epistolografia e como ela própria se destaca neste género. Nas cartas, Luzia testemunha que acaba de chegar de França e descreve como encontra Lisboa e os seus hotéis favoritos. Depois de instalada, retrata de novo a cidade e os seus ridículos. Nada escapa ao olhar de Luzia, dos políticos à moda, dos hábitos culturais à alta sociedade, todos são alvo da sua ironia. Mas um grupo em particular é alvo do seu mais violento sarcasmo, os novos-ricos. Nesta obra, Luzia continua a caracterizar-se pela sua irreverência, não faltando exemplos, como o trecho: «Parece-me que escolheste péssima conselheira. Por distração e... talvez por um bocadinho de implicação também, faço sempre o contrário do que o código elegante manda fazer» (LUZIA, s.d., p.31). Em Cartas d’uma vagabunda, Luzia também relembra os doces momentos passados no colégio das Salesas, e algumas das histórias da temporada passada em Pau, no sanatório, fazendo referência ao conflito mundial que o mundo tinha atravessado. A chegada a Portugal, a estadia em Lisboa, seguidamente, em Pedras Salgadas e, por fim, de novo a sua amada França. É o percurso que Cartas d’uma vagabunda leva o leitor a fazer. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões surge em 1931 (84 pp.) e é um livro de pequeno formato em que Luzia faz reflexões sobre o que lhe ensinaram as suas vivências, iniciando um diálogo com a morte. Tem cinquenta e seis anos e abate-se sobre a sua alma a desilusão de sonhos desfeitos, de uma vida muito sofrida até ao momento: «Não sejas tão severo com os novos. Lembra-te que já seguiste a sua esperança e que eles caminham já para a tua desilusão…» (LUZIA, 1932, p.45). Como refere José Martins dos Santos Conde, Luzia, inteligente, culta e viajada, já sofrera «a morte dos seres mais queridos, a separação cruel do marido gastador e os espinhos da depressão e da doença, estava credenciada para transmitir aos menos experientes, em forma de breves sentenças e avisos, as suas experiências sobre a vida e os seus pensamentos sobre a morte» (CONDE, 1990, p.23). Almas e terras onde eu passei é publicado em 1936 (285 pp.) e é constituído por relatos de fragmentos da vida de Luzia, pedaços de memórias, das pessoas, das coisas e dos lugares por onde passou. O texto fixa impressões dos tempos vividos no Jardim do Mar, pedaços de histórias vividas em Portalegre, as “personagens” que com ela conviviam no sanatório, a vida elegante de Lisboa, o colégio das Salesas, a Madeira, a revolução, os seus bem-amados livros, entre muitos outros assuntos. Tudo desfila, de forma aprazível e bem contada, com toques de nostalgia e saudade, perante o leitor. Última Rosa de Verão (cartas de mulheres) surge quatro anos depois, em 1940 (329 pp.), com toda a probabilidade inspirado na leitura de Chéri (1920), da escritora francesa Colette, conta a história de Ana Guiomar, que é incumbida de “educar” o primo da sua amiga íntima Maria do Carmo, que vai uns tempos para fora. O primo de Maria do Carmo, Nuno, tem metade da idade de Ana Guiomar, e com a convivência ambos se apaixonam. O romance entre os dois é contado maioritariamente em cartas escritas de Ana Guiomar a Nuno. Como Conde refere, «manejando o género epistolar com a destreza que já lhe conhecemos – neste caso o uso da carta poderá ser um artifício literário – Luzia consegue uma perfeita urdidura de romance» (CONDE, 1990, p.26). São aqui retratados um amor impossível, a expressão de genuínos sentimentos e as condenações sociais. As semelhanças com a história de vida são evidentes. A morte da mãe de Ana Guiomar, o marido que a despreza, o divórcio, as vivências de infância, tudo no romance encontra um paralelo com vida real de Luzia. Como sublinha José Martins dos Santos Conde, «Luzia está aqui retratada de corpo e alma. Ninguém diga que este romance não é profundamente autobiográfico» (CONDE, 1990, p.28). Quatro anos antes da sua morte, em 1941, Luzia lança Lições da Vida, Impressões e Comentários (108 pp), mais um livro de pequeno formato, com reflexões sobre as efemeridades da vida, o amor, a beleza, as ilusões, os sonhos, a morte. Dias que já lá vão foi publicado um ano depois da morte de Luzia, em 1946(248 pp.), pois: «apesar de muito doente e quase cega Luzia continuava a escrever. Estava preparando um novo livro, intitulado Dias que já lá vão. Não teve tempo de o acabar» (CONDE, 1990, p.32), conta J. Conde. A edição apresenta um prefácio de Fernanda de Castro e Teresa Leitão, com ilustrações de Anne Marie Jauss. A maior parte das narrativas deste livro lembram os episódios da infância de Luzia em Portalegre, o início da sua paixão pelos livros, as aulas em casa, os invernos rudes que passava de livro na mão em frente à lareira, e descrevem a Quinta das Assomadas, nos meses de bom tempo, que fazia as suas delícias, cheia de flores campestres, águas da ribeira, onde brincava com a sua amiga Georgina e fingia ser D. Quixote. Os episódios do livro constituintes da segunda parte não sofreram os retoques da autora e isso faz-se notar. Sobressai um estilo definido pelo ritmo dos apontamentos, a que Luzia teria acrescentado sem dúvida graça e vivacidade se tivesse tido oportunidade de os trabalhar. José Martins dos Santos Conde refere que, logo após Luzia ter publicado o romance Última Rosa de Verão, tencionava editar um original intitulado Pelos Caminhos da Vida, e, de facto, é o que é anunciado na página seguinte à capa de Última Rosa de Verão, referindo-se à preparação daquela obra. O mesmo autor esclarece: «Desconhecemos os motivos por que o original em causa, já datilografado e rigorosamente corrigido, não chegou nunca a ser editado. Há, no entanto, uma suposição, que é quase uma evidência: as referências constantes a pessoas ainda vivas poderiam vir a melindrar muita gente» (CONDE, 1990, p.32). O estudioso informa que o inédito Pelos Caminhos da Vida tem como subtítulo Jornal, e trata-se, na verdade, de um diário íntimo da autora, de trezentas e cinquenta e nove páginas datilografadas. Abrangendo um período que vai de 24 de Julho de 1902 a 10 de Maio de 1915, Luzia começa-o com vinte e sete anos, quando era casada, e termina-o quando tinha já quarenta, depois do divórcio, na fase da sua vida em que não queria nada, apenas morrer. Apesar de Luzia ser uma presença estimada, e de se pressentirem naquela alma tantos sonhos, adivinhava-se também nela uma imensa solidão. Luzia redigiu uma última versão do seu testamento a 21 de Julho de 1945, no qual integrou dois apontamentos referentes às suas obras e aos seus papéis que deixou a duas amigas distintas: Laura de Castro Soares e Teresa Leitão de Barros. Laura de Castro, que usou o pseudónimo de Maria Francisca Teresa, nasceu no Funchal em 1870 e casou com o escritor e jornalista de Aveiro, Feliciano Soares. Foi a grande e íntima amiga de Luzia, desde a infância (CRUZ, III volume, 1953, p.49). No seu testamento Luzia escreve: «Lego à minha amiga Laura de Castro Soares a quantia de dez mil escudos, um anel rodeado de pérolas que pertenceu à sua mãe, o par de castiçais de prata que está na sala, uma bolsa de prata antiga e ainda todas as minhas cartas, papeis e retratos podendo-lhes dar o destino que quiser» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). É a esta amiga que Luzia confia os seus papéis mais privados, todas as cartas, todos os retratos e também todos os diários íntimos, não deixando a nenhum familiar o precioso legado. Tal como não é a nenhum familiar que Luzia entrega a propriedade das suas obras e os seus inéditos que tinha deixado prontos para publicação, mas sim à amiga de Lisboa, Teresa Leitão de Barros, jornalista e escritora: «Deixo a Teresa Leitão de Barros, residente em Lisboa, a quantia de vinte mil escudos e a propriedade de todos os livros escritos e publicados por mim, a minha maior bandeja de prata e um tinteiro antigo de latão amarelo» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). Após a morte de Luzia, Teresa Leitão de Barros, em parceria com Fernanda de Castro, publicam o livro Dias que já lá vão, a obra que Luzia tinha começado, mas que tinha deixado a meio. Não se consegue compreender o porquê desta escolha das escritoras, pois Luzia tinha deixado Pelos Caminhos da vida, Jornal I, já pronto para ser editado, estava dactilografado e rigorosamente corrigido. Foram várias as personalidades que depois da morte de Luzia a continuaram a referenciar e elogiar nos anos seguintes. O Visconde do Porto da Cruz refere que, depois de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi a Senhora que mais ilustrou a Literatura feminina de Portugal: «Pelo seu imenso talento, pela sua vastíssima cultura literária e pela elegância do seu estilo, foi uma das maiores Escritoras de Portugal» (CRUZ, III volume, 1953, p.85). Um interessante livrinho composto de recortes de notícias sobre Luzia, bem como alguns inéditos da mesma, e sem autor, encontrado na biblioteca da Universidade da Madeira, testemunha que, em 1956, por algum motivo que se desconhece, foi feita uma grande evocação a Luzia na imprensa madeirense, bem como na nacional. Um dos artigos é considerado um texto inédito de Feliciano Soares, grande amigo de Luzia que acompanhou de perto a sua vida literária, e que já tinha falecido na data desta evocação à escritora. Neste artigo, Feliciano Soares revela um acontecimento extremamente importante e que demonstra o quanto Luzia era lida, reconhecida e apreciada na sua época: «É ainda digno de nota o facto de que quando a Lisboa chegou a dolorosa notícia do falecimento de Luzia, as livrarias exporem nas suas montras, lado a lado, os livros de Eça e os de Luzia» (Evocação de Luzia, no 11º aniversário da sua morte, Funchal, s.e., s.d.). Mesmo depois da sua morte, Luzia continuou a ser referenciada e elogiada, existindo um consenso comum entre as personalidades da época em considerar Luzia como uma das maiores escritoras portuguesas, existindo a convicção de que Luzia tinha criado uma obra que jamais seria destruída com o passar do tempo. Obras de Luzia:“A lenda das estrelas” in Correio da Manhã, 08.01.1894. Os que se divertem, A comédia da vida, 1ª edição, Lisboa, s.e., 1920. Os que se divertem, A comédia da vida, 2ª edição, Lisboa, Guimarães &C.ª, s.d. Os que se divertem, A comédia da vida, 3ª edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques, Lisboa, s.e., 1929. Rindo e Chorando, Lisboa, Portugália, 1922. Cartas do Campo e da Cidade, Lisboa, Portugália, 1923. Cartas d’uma Vagabunda, Lisboa, Portugália, s.d. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões, Lisboa, s.e., 1931. Almas e terras onde eu passei, Lisboa, Edições Europa, 1936. Última Rosa de Verão, Lisboa, Portugália, 1940. Lições da vida, Lisboa, Portugália, 1941. Dias que já lá vão, Porto, Livraria Tavares Martins, 1946. “Ruas”, Bem Viver (dir. Fernanda Castro), ano 1, n.º 7, 1953, Lisboa.   Cláudia Sofia Neves   artigos relacionados nogueiras, viscondessa das areosa, matilde das neves e melo matos soares, laura veridiana castro e almeida (pseud. maria francisca teresa) fernandes, olímpia pio

Literatura

bettencourt, edmundo

Edmundo Bettencourt De seu nome completo Edmundo Alberto de Bettencourt (Funchal, 7 de agosto de 1899-Lisboa, 1 de fevereiro de 1973), revelou-se como poeta quando era ainda aluno do Liceu do Funchal, tendo publicado o primeiro poema (sonetilho) no Diário de Notícias. Findo o curso liceal, partiu, em 1918, com 19 anos, para Lisboa, onde, por pouco tempo, frequentou a Faculdade de Direito da Univ. de Lisboa, transferindo-se, mais tarde, para a de Coimbra, cidade da sua sagração como poeta-cantor, mas sem chegar a licenciar-se.   Colaborador assíduo da imprensa insular e continental, destacou-se como membro fundador da revista Presença (1927), tendo-se-lhe juntado mais tarde Casais Monteiro e Miguel Torga. Conhecida também como Folha de Arte e Cultura, congregou um movimento vanguardista, digno herdeiro do Orpheu. Edmundo de Bettencourt colaborou também noutras importantes revistas, com destaque para Bysâncio, Vértice, Ocidente e Seara Nova. Foi incluído por António Pedro no Cancioneiro do 1º Salão dos Independentes, por Campos de Figueiredo, na Breve Antologia de Poesia Moderna e, por João Carlos, no Cancioneiro de Coimbra. O seu estro refletiu-se ainda na Gacete Literaria de Madrid, bem como noutras revistas estrangeiras, tendo sido incluído por Vitorino Nemésio e Carlos Queirós noutras antologias. Em 1930, rompeu definitivamente com o movimento presencista, no que foi secundado por Branquinho da Fonseca e Miguel Torga, por achar que os presencistas se haviam demitido da defesa de valores sociais e políticos pelos quais sempre se batera e ainda por desejar seguir um caminho novo, eminentemente moderno. Recusou-se, também por isso, a colaborar na revista dissidente Sinal, mantendo-se, a partir de então, à margem de grupos literários, deixando igualmente de cantar e gravar discos e fixando-se definitivamente em Lisboa. Republicano, laico e anarquista convicto, pautava a sua vida pela vivência de ideais, tendo sempre recusado servir-se da política para benefício pessoal. Repudiava abertamente o salazarismo, tendo sido perseguido, sobretudo quando, por altura da Segunda Guerra Mundial, apôs a assinatura num abaixo-assinado de reivindicação sindical. Era então trabalhador na Comissão Reguladora do Comércio de Metais, na capital. Exerceu ainda outras profissões, a última das quais foi a de delegado de propaganda médica. Por haver, nos seus tempos de Coimbra, ousado cantar “Samaritana”, de Álvaro Leal, foi altamente atacado pela hierarquia da Igreja Católica, mas debalde, pois a sua voz de “rouxinol da Madeira” ou “bicho canoro” (como era conhecido) celebrizou para sempre esta canção. Publicou em vida quatro livros de poesia, nos quais reuniu poemas de vários anos, a saber: O Momento e a Legenda (1917-1930); Rede Invisível (1930-1933), que Herberto Helder muito elogiou; Poemas Surdos (1934-1940) e Ligação (1936-1962). Anos mais tarde, em 1963, o poeta Herberto Helder, de quem se tornou grande amigo e com o qual participou nas tertúlias dos cafés Gelo, Royal e Montanha, reuniu a sua poesia toda sob o título Poemas de Edmundo de Bettencourt, prefaciou-a e fê-la publicar pela Portugália Editora, na coleção Poetas de hoje. Por sua vez, a Assírio & Alvim, em 1981, procedeu a uma reedição de Poemas Surdos, livro no qual o poeta revela a sua faceta surrealizante. Herberto Helder considerou-o, com toda a justiça, uma das mais importantes vozes do modernismo português, bem como precursor do surrealismo em Portugal. João de Brito Câmara, outro poeta “madeirense” próximo da Presença, na importante entrevista que lhe fez para a separata literária do semanário Eco do Funchal, em 1944, aquando de uma breve passagem pela Madeira, levou-o a discorrer sobre a modernidade, afirmando-se então Bettencourt como um poeta 100% moderno. Não fora a sua natural timidez e o seu progressivo afastamento dos meios literários, mais cedo teria sido reconhecido como o grande poeta que efetivamente foi. Revelou-se também um exímio intérprete da canção de Coimbra, que revolucionou, e de canções populares, ombreando com António Menano, Paradela de Oliveira e Armando Góis, entre outros. Foi na república do Funchal, em Coimbra, que estilizou a arte canora, acompanhado, à guitarra, por Artur Paredes, mestre neste desempenho. Com ele e António Menano, realizou digressões a Espanha, atuando em Valhadolid, Salamanca e Madrid, e ao Brasil. Teve um retumbante êxito. Gravou na altura muitos discos, que lhe renderam bom dinheiro. Entusiasmado com o seu estro, o maestro Fernando Lopes Graça transformou o seu poema“Liberdade” num canto heróico. Foi elogiado por Manuel Alegre e Zeca Afonso, que o considerou o maior cantor de fados de sempre e precursor da canção de intervenção em Portugal. Edmundo de Bettencourt foi ainda crítico de cinema, tendo tentado introduzir, em Portugal, a fotografia experimental, no que foi pioneiro. Pelo seu alto valor como poeta-cantor, mereceu as caricaturas que dele fizeram vários artistas. Em 1999, aquando do centenário do seu nascimento, o Governo Regional da Madeira o homenageou com uma sessão pública e a colocação de uma placa de metal na casa onde nasceu, à R. dos Murças, no Funchal. No mesmo ano, a então Direção Regional dos Assuntos Culturais editou, em parceria com a Assírio & Alvim, a sua obra completa, Poemas de Edmundo de Bettencourt, bem como o livro de António Nunes, intitulado No Rasto de Edmundo de Bettencourt. Uma Voz para a Modernidade. Pela mesma altura, publicaram-se alguns estudos, mormente na revista Islenha, sobre a sua poesia. Obras de Edmundo Bettencourt: O Momento e a Legenda (1930); Rede Invisível (1933); Poemas Surdos (1940); “Liberdade” (1946); Ligação (1962); Poemas de Edmundo de Bettencourt (1963).     Fátima Pitta Dionísio     artigos relacionados poetas cancioneiro geral (poetas madeirenses no) música joão cabral do nascimento  

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