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São tratados de forma sintética aspetos relacionados com: administração municipal, funcionários, atividades socioeconómicas, a evolução da população, património e principais personalidades que se destacaram. Palavras-chave: concelho, município, Achadas da Cruz, Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal.   O povoamento do local conhecido como Ponta do Tristão, onde terminava a delimitação da capitania de Machico pela costa norte, ganhou importância a partir da fixação de Francisco Moniz, o primeiro sesmeiro. Foi ele quem mandou construir a capela sob invocação de N.ª S.ra da Conceição, que serviu de sede à capelania e, depois, à paróquia. No séc. XVII, foi construída outra capela para sede de paróquia em sítio mais abrigado, que se tornou, até ao séc. XXI, igreja paroquial. Sabemos que, em 1520, Francisco Anes deixou de servir na capelania, dando lugar a António Anes, que, em 1527, é já referenciado como vigário, o que indicia uma mudança de estatuto. O local começou por ser designado Ponta do Tristão em homenagem a Tristão Vaz, capitão desta capitania de Machico. Deste modo, até 1577, a paróquia era conhecida como de N.ª S.ra da Conceição da Ponta do Tristão; a partir daí, tomou o nome do primeiro povoador, Francisco Moniz, natural do Algarve, que se fixou ali em 1533, sendo casado com Joana da Câmara, uma das netas de João Gonçalves Zarco. Porto Moniz, 1965. Arquivo Rui Carita Em 1817, Paulo Dias de Almeida, na sua Descrição da Ilha da Madeira, defende a criação, no vale do Porto Moniz, de uma nova vila, separada da de São Vicente, devido aos sacrifícios que os seus moradores faziam para se deslocar a São Vicente através do Paúl. Foi aqui que se assentou, em 1835, a nova vila do norte da Ilha. Assim, o novo município seria composto pelas freguesias de Achadas da Cruz, do Porto Moniz, da Ribeira da Janela e do Seixal. No que toca a Achadas da Cruz, o nome deverá resultar da conjugação do acidente natural – as achadas –, com a invocação de Vera Cruz, da capela aí fundada no séc. XVI, cujo curato, criado em 1548, foi extinto em 1577. Por alvará de 28 de dezembro de 1676, foi restabelecido um curato de N.a S.ra da Conceição do Porto Moniz, com obrigação de o cura residir na localidade, sendo o primeiro cura o P.e Manuel Ferreira da Silva. Apenas a 24 de julho de 1848 se tornou paróquia. A primitiva freguesia de Porto Moniz era, pois, conhecida como Ponta do Tristão; com a morte do primeiro povoador, Francisco Moniz, terá passado a ter esta designação; não há consenso quanto à criação da paróquia, sendo apontadas as datas de 1520 e 1574. O Seixal esteve, durante muito tempo, isolada em relação a São Vicente e ao Porto Moniz. Paulo Dias de Almeida afirmava que era “a povoação mais remota da ilha e não tem comunicação por terra”. Além do mais o “porto de mar é muito mau e desembarca-se em uma grande lage” (CARITA, 1982, 69). O nome de Ribeira da Janela provém do facto de, a cerca de 100 m da foz da ribeira, se erguer um ilhéu com uma reentrância que faz lembrar uma janela aberta. Em 1516, era conhecida como Janela de Clara. Aí existiu, desde 1558, uma ermida sob a invocação de N.ª S.ra da Encarnação, destruída por uma aluvião, tendo sido erguida nova capela em 1699. Por carta régia de 4 de fevereiro de 1733, foi estabelecido um curato, filial da freguesia do Porto Moniz e, por carta régia de 24 de julho de 1848, foi elevada a paróquia. Paulo Dias de Almeida refere a povoação da Ribeira da Janela como lugar da “mais indecente igreja em toda a ilha”, devido à humidade, onde “a povoação é muito pobre e as choupanas dos camponeses estão entre os ramos, sendo por consequência muito húmidas” (Id., Ibid., 68). A presença da estrutura municipal na encosta norte do Porto Moniz foi tardia. Somente em 1744 tivemos o primeiro município com sede em São Vicente, com alçada sobre a área. Desta forma, a administração era feita a partir da vila de Machico. A vereação desta vila nomeava os oficiais da administração nas localidades, como eram o alcaide, o juiz e o escrivão dos lugares do Seixal, Porto Moniz e Ribeira da Janela. Com a criação do município de São Vicente, passa a ser maior a proximidade da vila e os moradores destes lugares podem participar na vereação. Assim, em 1774, o Alf. Francisco João da Costa foi nomeado almotacel e, em 1834, J. J. P. Machado, da freguesia do Seixal, era juiz ordinário. Não será, então, por acaso que os do Seixal, por intermédio de Manuel Inízio da Costa Lira, pediram ao Rei, em 1878, para serem incluídos no concelho de São Vicente. A Revolução Liberal abriu uma nova era à administração municipal, iniciada com a reforma de Mouzinho da Silveira. Assim, pela carta de lei de 25 de abril de 1835, o território foi dividido em distritos, concelhos e freguesias, donde resultou o aparecimento de novos municípios na Madeira. Na costa norte da Ilha foram criados os municípios de Santana e Porto Moniz, cujo território foi desmembrado dos territórios de São Vicente e da Calheta. O concelho do Porto Moniz, criado em simultâneo com os concelhos de Câmara de Lobos e Santana, por decreto de 25 de outubro de 1835, foi instalado a 31 de outubro do mesmo ano; foi suspenso por três vezes: a primeira, a 27 de novembro de 1849, para ser restabelecido a 24 de novembro de 1867; a segunda a 26 de junho de 1867, para ser restabelecido por decreto de 10 de janeiro de 1868, de forma que a vereação voltou a funcionar a 13 de abril; a terceira a 8 de novembro de 1895, para ser restabelecido por decreto de 13 de janeiro de 1898, de forma que a vereação estava instalada em 13 de fevereiro de 1899. A freguesia da Ponta do Pargo estava incluída no concelho, mas, por decreto de 26 de junho de 1871, passou para a Calheta. Com o Código Administrativo aprovado em 1878, ficou estabelecida uma estrutura de poder abaixo do município, coincidente com a área da circunscrição religiosa, conhecida como paróquia civil, que, com a lei n.º 621 de 23 de junho de 1916 passou a designar-se freguesia. Daqui resulta a confusão que é comum estabelecer-se entre a freguesia como circunscrição religiosa e como jurisdição religiosa. À luz da documentação disponível, não é possível esclarecer qual a data exata de criação da freguesia, entendida como circunscrição religiosa. Alguns autores apontam o ano de 1540, mas tudo indica que isto terá sucedido na década anterior. A freguesia, como circunscrição administrativa, surgiu por força da já referida carta de lei de 25 de abril de 1835. Mas esta é uma determinação genérica e não específica para o Porto Moniz. Daqui resulta que, à falta de melhor referência cronológica, podemos socorrer-nos da data que evoca o orago da freguesia. Note-se que, durante o período do Estado Novo, quando se decidiu estabelecer a data para o feriado e dia do município, optou-se, na maioria dos casos, pela do santo patrono da freguesia-sede. Porto Moniz. 1934. Arquivo Rui Carita O dia do concelho não deve confundir-se com o dia do santo patrono da freguesia que lhe serve de sede, pois, enquanto o primeiro tem uma abrangência total a todas as freguesias que integram a circunscrição, o segundo limita-se ao espaço da freguesia. Desta forma, a data mais adequada para o dia do concelho deve ser a da criação e não a de evocação no calendário religioso do santo patrono. No caso do Porto Moniz, a situação torna-se complicada devido ao seu processo conturbado de criação e dos primeiros anos de vida do concelho. O Elucidário Madeirense não apresenta dados credíveis. Assim, depois de enunciar que é “uma das mais antigas freguesias do Norte da Madeira” (SILVA e MENESES, 1978, 104), conclui que se ignora a data de criação, sendo o diploma mais antigo que a referência de 12 de março de 1572. Entretanto, no Dicionário Corográfico do Arquipélago da Madeira (Id., 1934, 279), o mesmo autor refere que a paróquia foi criada em meados do séc. XVI. João Adriano Ribeiro, no texto Porto Moniz, diz, de forma incorreta, que a freguesia foi criada “cerca” de 1572; e depois afirma que a primeira referência à igreja é de 1518. Com o advento do liberalismo, ao contrário do que sucedia no período monárquico, a cria­ção ou suspensão do município ou freguesia não eram obrigatoriamente personalizadas, acontecendo sob a forma de decreto conjunto, de acordo com a conjuntura política. Mesmo assim, a data não deixa de ter interesse, pois marca o início da estrutura de poder. Embora o ato de criação seja o momento mais importante da vida da instituição municipal, é a sua instalação que marca o momento do exercício pleno. Pelos decretos de 7 de novembro de 1849 e de 10 de dezembro de 1867, que extinguiram o concelho do Porto Moniz, ficaram as freguesias do Porto Moniz, do Seixal e da Ribeira da Janela incorporadas no concelho de São Vicente, e a da Ponta do Pargo no da Calheta. Quando o mesmo concelho voltou a ser extinto pelo decreto de 18 de novembro de 1895, todas as freguesias que dele faziam parte passaram para o concelho de São Vicente, à exceção da das Achadas da Cruz, que foi incorporada no concelho da Calheta, ao qual pertencia já, como se viu, a freguesia da Ponta do Pargo. População Não obstante o Porto Moniz oferecer boas condições em termos de abordagem, tendo-se mesmo pensado, no séc. XIX, transferir para lá o principal porto da Ilha, a questão da distância em relação aos principais núcleos populacionais da vertente sul deve ter tido peso no atraso do arranque da sua valorização em termos populacionais. Diz-se que terá sido com Francisco Moniz que se deu esse arranque decisivo. Na déc. de 90 do séc. XVI, Gaspar Frutuoso refere 30 casais no Seixal e na Madalena, com 30 fogos, e nada refere acerca do local que delimitava as duas capitanias e que era referido como a Ponta do Tristão. Porto Moniz, Praça do Lyra. Arquivo Rui Carita De acordo com o recenseamento de 1598, tinha então 104 fogos e 374 almas de confissão, e o Seixal tinha 18 fogos e 200 almas de confissão. Não aparece, todavia, qualquer referência à Ribeira da Janela e às Achadas da Cruz, o que poderá dizer que ainda não tinham população. António Carvalho da Costa, em Da Geografia Insulana (1713-1714), refere a freguesia do Seixal com 300 vizinhos e o Porto Moniz com 30 vizinhos, mas nada refere acerca dos demais núcleos de povoamento. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha, por sua vez, dá conta, no Seixal, de 423 almas em 121 fogos, o Porto Moniz com 304 fogos e 1114 almas. Já A Descrição (1817-1827) de Paulo Dias de Almeida refere 4019 habitantes e 861 fogos. Para o período de 1835 a 1847, temos apenas a indicação do número de habitantes: 7332 em 1835, 7164 em 1839, 7243 em 1843, 6141 em 1847. Em 1850, temos, no Porto Moniz, 601 fogos e 2295 habitantes; o Seixal com 256 fogos e 986 habitantes; e a Ribeira da Janela com 179 fogos e 607 habitantes. Na segunda metade do séc. XIX, o movimento populacional decresce por força do fenómeno da emigração. Assim, em 1864, contam-se 5964 habitantes no concelho, que em 1878 eram já de 4559, em 1890 de 4265, e em 1900 de 4206. O Porto Moniz tinha, em 1930, 5058 habitantes. Nos censos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1990, contabilizam-se, respetivamente, 6170, 6382, 6175, 6422, 5917, 4480, e 3963 habitantes. Economia A economia do concelho assenta na terra e na floresta vizinha. A pecuária assume aqui um papel importante, como se vê pela feira do gado iniciada em 1956, bem como pela construção de uma fábrica de manteiga, de iniciativa do advogado e proprietário João de França Cosme (1874-1952). No começo, porém, as riquezas do lugar geriam-se à medida das condições e das necessidades. Podemos observá-lo na fazenda de Francisco Moniz, que era o principal polo de atividade na localidade. De acordo com um documento de 1516 (SOUSA, 1985, 186) sabemos que tinha 14 escravos ao seu serviço. Para além de grandes extensos de terreno de meios indispensáveis ao processo produtivo, o património da casa estava organizado da seguinte maneira: no sector pecuário, temos 4 bestas de albarda, 8 éguas, 5 poldros, e 8 asnos e burros, certamente usados no transporte; destinados à lavoura e criação, 28 vacas e bezerros, 30 porcos, 70 cabras e 1 bode. As terras produziam maioritariamente cereais, pois sabemos que Francisco Moniz tinha um compromisso de pagar 50 moios ao Convento de S.ta Clara, e a sua mulher refere, em 1516, que tinha 23 moios, sendo 3 para semear e 5 para comer. Refere, ainda, 2,5 moios de centeio, e 4,5 moios de cevada; e 6 pipas de vinho encascado. Não podemos esquecer que o Porto Moniz tinha na terra cultivada a sua principal riqueza, complementada com uma importante retaguarda de pastos e florestas. O bom porto da Fajã dava, assim, escoamento a lenhas, tabuado, gado, cereais, vinho e inhame para abastecer especialmente o Funchal. Esta ideia da riqueza agrícola e pecuária é testemunhada, na déc. de 90 do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso, que refere que o Seixal “tem muitas terras de grandes criações, e lavrança de pão, e vinho, e fruta de toda sorte” e que a Madalena “tem muitas criações e lavoura de pão, e muitas águas” (FRUTUOSO, 1966, 134). Em termos de testemunhos históricos sobre a riqueza do concelho, só voltamos a ter informação em 1787, nomeadamente sobre os cereais na Ribeira da Janela e Achadas da Cruz: 155 moios de trigo, 27 de cevada e 8 de centeio; e, no Seixal, 17 moios de trigo, 6 de centeio e 30 alqueires de cevada. Paulo Dias de Almeida refere a produção de 1733 pipas de vinho e 294 moios de trigo, afirmando, relativamente às Achadas da Cruz e a Santa Maria Madalena, que o terreno é “muito bom” (CARITA, 1982, 84). O vinho do Porto Moniz era escoado para o Funchal e existia, em torno deste processo, uma especulação por parte dos compradores, que assumiu tal escândalo que a Igreja viu-se na obrigação de intervir para condenar as usuras. Em 1726, o bispo intervém, condenando a compra de vinho por adiantado. Note-se que, em 1787, o Seixal produzia 380 pipas, e o Porto Moniz (incluindo Ribeira Janela e Achadas da Cruz) tinha 318 pipas de vinho. Em A Descrição, mais uma vez, lê-se que o Porto Moniz “é o melhor porto que se encontra na ilha”, e que a população vive no alto, “nos magníficos terrenos de Santa Maria Madalena” e que “os habitantes mais ricos tem as suas propriedades em baixo, no porto, e ali têm os armazéns” (Id., Ibid., 67) A cultura da semilha encontrou, aqui, terreno propício, apesar de ter sofrido os efeitos da doença de 1846-47, falando-se, ainda em 1877, dos seus efeitos nefastos sobre a colheita. O vinhedo não foi muito danificado com o oídio, de forma que, em 1863, havia 23 lagares em funcionamento, 7 dos quais nas Achadas, 3 na Ribeira da Janela, 2 no Porto Moniz e 11 no Seixal, o que releva a importância da cultura da vinha nas Achadas da Cruz e no Seixal. Aliás, em 1877, esta freguesia produziu 1000 pipas de vinho. A produção de vinho era considerada excelente. Os cereais estão também presentes na atividade agrícola do concelho – os terrenos, aliás, apresentavam boas condições para isso; além disso, eram fundamentais para a dieta alimentar das populações. Escasseiam os dados da produção, mas temos informação sobre os moinhos em funcionamento: em 1836, temos um nas Achadas da Cruz, dois no Seixal e na Ribeira da Janela, e sete no Porto Moniz; entre 1856 e 1863, são referidos dois na Ribeira da Janela, nove no Porto Moniz e cinco no Seixal; em 1911, temos seis no Porto Moniz, um no Seixal, um na Ribeira da Janela, e um nas Achadas da Cruz; e em 1936 temos cinco no Porto Moniz, um no Seixal e outro nas Achadas da Cruz. O interesse e valorização da cana-de-açúcar no concelho é testemunhado pela presença de engenhos. No espaço do município do Porto Moniz, só temos notícia da presença de engenhos a partir de meio do séc. XIX. A cultura da cana sacarina e, de modo especial, o sorgo, expandiram-se até aqui. No Seixal, existiram três engenhos movidos a água para o fabrico de aguardente, instalados por José Homem de Gouveia: um no sítio da Serra de Água, em 1857; e outros dois em 1890, um no sítio do Corpo Comprido e outro no Lombo do Moinho, respetivamente. Surgiram ainda, em 1895, duas novas destiladoras uma de Manuel Luísio da Costa Lira e a outra de uma sociedade composta por João António de Andrade, Manuel Estêvão Pereira Machado, Daniel Joaquim de Souza Pinto e António Rodrigues Gouveia Jardim. No Porto Moniz, a única fábrica de moer cana doce e fabricar aguardente – conhecida como Fábrica da Conceição –, surgiu na vila, em 1907, propriedade da sociedade Gouveia Lima e C.ª, dividida entre Manuel de França Dória, António Domingos de Gouveia, João Correia e Manuel de Lima Júnior. A fábrica laborou até 1923, mas o edifício e a chaminé mantiveram-se de pé até 1990. No concelho, e neste contexto económico, é de sublinhar ainda a presença da norça (Tamus edulis Lowe), planta trepadeira que dá um tubérculo muito parecido ao inhame, comestível, no qual foi feito um investimento, e da floresta Laurissilva, causa do desenvolvimento da produção de azeite de louro, usado na medicina popular. Acresce que o aproveitamento dos recursos florestais foi, sem dúvida, fundamental para as populações do concelho. A criação de gado – vacas, porcos, cabras e cavalos – está entre as atividades mais relevantes. Em 1726, o bispo refere a usura no gado dado de meias, como vacas, cabras e ovelhas. Em 1876, a partir de um inventário do gado do concelho, sabemos existirem 1700 porcos, 1400 cabras, 1600 ovelhas, 2000 vacas e 30 cavalos. O mar, neste quadro, não é um recurso muito importante, apesar da sua proximidade. Em 1863, o concelho não dispunha de condições para se abastecer de peixe e estava sujeito ao que vinha de fora. Em 1894, havia na vila uma praça do peixe. Já nos princípios do séc. XX, parece que, no Seixal, a pesca teve um grande incremento. Há referência a muitos pescadores da localidade que iam a São Vicente vender os excedentes, permitindo que as populações rurais do concelho pudessem trocar peixe pelos produtos da terra. Além disso, desde inícios do séc. XVIII que temos notícia da pesca à baleia, que veio a acontecer, de forma provisória, em 1939, com a Companhia Açoriana de Pesca à Baleia, que aí instalou a sua fábrica, antes de passar de forma definitiva ao Caniçal. Porto Moniz. Caça à baleia. Arquivo Rui Carita O mar é uma presença atribulada e incerta na economia destas terras do Norte. A ondulação e os ventos fortes geram dificuldades e perdas no comércio de cabotagem interna. Por terra, a dificuldade era ainda maior, como nos conta Paulo Dias de Almeida, em 1817: “É a povoação mais remota da ilha não tem comunicação por terra com as outras freguesias, senão com muito perigo, A este lugar não se pode ir a cavalo e mesmo de rede é com muita dificuldade. Para S. Vicente há uma comunicação dos vilões pela rocha, que devia ser proibida, porque sempre dela cai gente ao mar. É esta feita em grande distância, com paus presos na rocha à semelhança de escada, amarrados com vimes, e tem sucedido muitas vezes desatarem-se os paus, e irem pela rocha abaixo, sempre caindo gente ao mar. Chega a temeridade destes povos ao ponto de transitarem ali carregados com um borracho de vinho que leva dois almudes e meio” (Id., Ibid., 69). Desta forma, não obstante os contratempos, não esmorece esta facilidade que o transporte marítimo concede no escoamento dos produtos, por falta de adequados transportes terrestres. Mas as populações do Porto Moniz sempre tiravam algum lucro desta ligação e da presença do mar, quer por salvados, que eram frequentes nas costas do Porto Moniz, no séc. XIX, quer pela proximidade de navios estrangeiros, que permitiam algumas trocas de legumes, vinhos, cereais, gado e aves, fora dos olhares dos guardas da Alfândega. Por isso, a partir de 1849, discutiu-se a necessidade de estabelecer um posto alfandegário e de criar condições para que aqui existisse um desembarcadouro e para que os refrescos dos navios se fizessem de forma legal. Em 1863, dizia-se que “quase todos os dias por aqui passam dezenas e dezenas de navios, uns lá por tão longe que apenas se apercebem no horizonte, outros tão próximo que a olho nu é vista a tripulação” (RIBEIRO, 1966, 149). Ribeira da Janela. Foto BF Ribeira da Janela. Foto BF Este contacto permanente com os navios estrangeiros, que demandavam esta costa, abriu as portas ao contrabando, pois o mar era aberto e nada impedia que ele se fizesse, tal era a precariedade da vigilância costeira. Desta forma, em 1853, o diretor da Alfândega é contrário à pretensão da construção de um ancoradouro do Porto Moniz, alegando que “era oferecer aos contrabandistas uma paragem segura para ali virem os navios escudados com a lei, a título d refrescar, descarregar os contrabandos que introduziriam facilmente em terra, aquem e alem do desembarcadouro” (Id., Ibid., 148). Na verdade, um grupo numeroso de barqueiros, pescadores e adelos atuava aqui licitamente, mas fundamentalmente à espera de uma oportunidade para o contrabando. A abertura desta costa e a quebra do isolamento do Seixal acontecem a partir de meados do séc. XX, com a construção da estrada que liga São Vicente ao Porto Moniz, que se assumiu como um dos principais cartazes nos itinerários turísticos. O último troço a ser aberto foi entre o Seixal e a Ribeira da Janela, a 28 de maio de 1954. Património e personalidades a recordar No que diz respeito ao património do local, já no séc. XXI, merece referência o Aquário da Madeira e o Centro de Ciência Viva, no centro da vila. A memória patrimonial em termos artísticos e arquitetónicos não merece uma referência especial, pois espelha a situação histórica do concelho em termos de criação de riqueza. Daí a aposta na funcionalidade e sobriedade dos templos que, ainda hoje, servem de sede às paróquias. A propósito das personalidades dignas de memória, refiram-se as seguintes. Manuel Inísio da Costa Lira (1805-1877), comerciante e cidadão benemérito natural do Seixal, que fez muito pelos seus vizinhos e pelo Funchal. No Seixal, temos João de Azevedo (1807-1843), que se destacou pela sua ação como soldado durante as Guerras Liberais; foi um dos 7500 bravos que desembarcaram no Mindelo a norte do Porto em 8 de julho de 1832. Também se destacou na batalha do Cabo de São Vicente em 1833, tendo recebido o colar da Ordem da Torre e Espada, o que motivou, no séc. XXI, a designação de uma rua em sua homenagem no Seixal. Nas Achadas da Cruz, temos outro cidadão benemérito, o comendador Manuel de Pontes Câmara (1815-1882), que emigrou para o Brasil, onde foi um importante empresário. A estas três, que merecem especial destaque, somem-se ainda outras personalidades que merecem figurar no panteão de cidadãos ilustres deste concelho e ser referidas por nome, ao menos. No Porto Moniz: os médicos Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939), e Fernando Tolentino da Costa (1874-1957), os padres João Joaquim Pinto (1853-1919) e Manuel Joaquim de Paiva (1867-1935), o Dr. João de França Cosme (1874-1952), o militar Francisco Maria Henriques (1879-1942), o Cón. Manuel Gomes Jardim (1881-1949), o Cón. Jaime de Gouveia Barreto (1887-1963), o Eng.º Américo Homem de Gouveia (1891-1970); nas Achadas da Cruz: o militar Carlos Alberto Gonçalves Marques (1879-1962), o advogado Heliodoro Hermenigildo José de Sousa (1894-1974), o P.e Angelino Sousa Barreto (1905-1985), o P.e José Gonçalves da Costa (1899-1967), o médico José Diamantino Lima (1908-1965), o P.e Manuel Joaquim de Paiva (1867-1935), o P.e João Joaquim Pinto (1853-1919), o Prof. Francisco dos Anjos França (1891-1955), o Eng.º Américo Homem de Gouveia (1891-1970), o proprietário Elias Homem de Gouveia (1848-1944). No Seixal: o militar Ernesto França Mendes Machado (1883-1966), o médico António Maria Vasconcelos Jardim (1918-1984), o proprietário Francisco Alexandrino da Costa Lira (1806-1877), o militar Ernesto França Mendes Machado (1883-1966), o P.e Joaquim Plácido Pereira (1885-1966). Por fim, na Ribeira da Janela: o advogado João Rodrigues Ponte (1903-1963). Ilhéu Mole, Porto Moniz. Foto BF   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

História Política e Institucional

jardim, luís antónio

Figura do direito e da política madeirense, nasceu no Funchal, presumivelmente em 1780. Foi bacharel em Leis pela Universidade de Coimbra, tendo sido sócio da Sociedade dos Amigos das Ciências e Artes. Exerceu advocacia na cidade do Funchal. Integrou a primeira Câmara Constitucional do Funchal, tendo, em 1822, sido eleito por esta deputado substituto pela Madeira às cortes. Publicou na imprensa, no Patriota Funchalense, uma coleção poética, um volume de 122 páginas, e, sob o título Parabéns Poético-Políticos, uma oitava, dezoito sonetos e uma ode, num folheto de 29 páginas. Faleceu no Funchal a 14 de Fevereiro de 1825. Obras de Luís António Jardim: Parabéns Poético-Políticos à Grandiosa Regeneração Portugueza (1822).     Miguel Fonseca (atualizado a 18.12.2017)

História Política e Institucional

sociedade de desenvolvimento da madeira

A constituição da sociedade concessionária da administração e exploração da Zona Franca da Madeira (ZFM), o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), inscreveu-se no quadro da Convenção de Quioto de 1973, que admite a gestão de zonas francas por autoridades públicas ou por pessoas singulares ou coletivas. Para esse efeito, a Região Autónoma da Madeira (RAM) assinou, em 1984, em Nova Iorque, um protocolo com a Pelican Finance Corporation, a qual se comprometeu a constituir a Madeira Investment Company como veículo para um investimento até 20 milhões de dólares na ZFM, enquanto sócia da sociedade a constituir em parceria com a RAM, ficando estipulado que a RAM deteria 25 % do capital social, com direitos especiais de voto. No desenvolvimento e aprofundamento do protocolo foi constituída a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), em cerimónia decorrida a 30 de novembro de 1984 na Quinta Vigia, sede da Presidência do Governo Regional da Madeira (GRM), com a intervenção do notário privativo do Governo. Em 1986, a Assembleia Regional da Madeira autorizou o GRM a adjudicar a administração e exploração da ZFM em regime de concessão de serviço público, o que veio a acontecer em 1987. Nesse ano, a SDM transformou-se em sociedade anónima e o capital social detido pela Madeira Investment Company foi adquirido pelo empresário madeirense Dionísio Pestana. A opção por uma gestão em moldes empresariais privados derivou não só da aplicação dos princípios de simplificação e desburocratização administrativas, com reconhecimento da detenção de know-how por parte da concessionária, mas também da conveniência e vantagem de a interlocução com o mundo empresarial ser assegurada num plano e registo de igual natureza e pulsação. A concessão foi adjudicada por um prazo de 30 anos, sem prejuízo da sua renovação ou prorrogação. No exercício das suas competências, por força da lei e do contrato de concessão, a SDM procedeu à construção das infraestruturas internas da Zona Franca Industrial (ZFI), cabendo ao GRM adquirir os imóveis, que permanecem na sua titularidade, necessários à instalação da ZFI e assegurar o abastecimento dos serviços básicos até ao perímetro da ZFM. Após a celebração do contrato de concessão, a SDM iniciou a atividade concessionada e, em 1989, procedeu à primeira ação promocional do CINM, através de um seminário realizado na Law Society, na cidade de Londres, dando, assim, o primeiro passo formal para a promoção da Madeira em mercados onde o seu nome era desconhecido na sua qualidade de centro internacional de negócios. Esse trabalho foi desenvolvido por meio de seminários, de conferências, de reuniões com instituições, de empresários e escritórios de advogados, de auditores e consultores económicos e financeiros em todos os continentes, como também mediante uma rede de correspondentes e representantes contratados para o efeito pela SDM. Em 2012, a Assembleia Legislativa da Madeira, a propósito do processo de revisão dos limites máximos aos benefícios fiscais (plafonds), reconheceu o trabalho da SDM, numa resolução tomada sem votos contra e com os votos favoráveis dos três partidos do arco governamental (PSD, CDS e PS), considerando que a promoção efetuada era tão difícil como eficaz, tão complexa como eficiente e persistente. Além destas competências, a concessionária tem, ainda, a faculdade de emitir uma pronúncia sobre o mérito das candidaturas ao licenciamento de atividades, com emissão, por delegação de poderes, da respetiva licença, de aprovar os projetos de instalação, com emissão de licença de construção, das empresas na ZFI e de fiscalizar o exercício das atividades pelas entidades licenciadas. Para além das obrigações legais e contratuais, a concessionária, com o estatuto de parceiro institucional do Governo da República e do Governo Regional, participa, desde sempre, no processo de produção legislativa e de solução de questões emergentes, nas negociações dos regimes fiscais do CINM junto da Comissão Europeia, bem como na modelação inicial dos tratados, para evitar a dupla tributação, e ainda no Código de Conduta para a Fiscalidade das Empresas, no âmbito da União Europeia, e no Fórum para as práticas fiscais prejudiciais, que foi encetado no contexto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. A concessionária permitiu ao erário público, inclusivamente, a existência de um regime flexível e exequível de cobrança das taxas de instalação e anuais de funcionamento, pagas pelas empresas licenciadas no CINM, recebendo a RAM uma percentagem das mesmas, assim como a usufruição de dividendos, enquanto acionista da concessionária.   José António Câmara (atualizado a 31.12.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

silbert, albert

Historiador francês, nascido em 1915, que desenvolveu de forma pioneira vários estudos sobre a história contemporânea de Portugal, a qual teve uma destacada importância na nova geração de historiadores portugueses que despontaram nas décs. de 60 e 70, como foi o caso de Miriam Halpern Pereira. Nesta fase, há uma grande ligação da história das ilhas e do mundo atlântico à historiografia francesa. Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II (1949), que, às ilhas, foi atribuída uma posição-chave na vida do oceano Atlântico e do litoral dos continentes. Foram, na verdade, os franceses que, a partir dos anos 40, deram um impulso decisivo à história do espaço atlântico. Segundo Pierre Chaunu, foi ativa a intervenção dos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores – o “Mediterrâneo Atlântico” – na economia europeia dos sécs. XV a XVII. Para além desta valorização do espaço atlântico, temos uma chamada de atenção para os estudos de história contemporânea, em que a figura de Albert Silbert foi central com as suas teses de 1966: a dissertação complementar sobre Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (publicada em 1968) e a tese sobre Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (publicado em 1978). A ligação de Albert Silbert à Madeira começou já em 1949, através da apresentação do trabalho de Orlando Ribeiro no Congresso Internacional de Geografia, realizado em Lisboa. É na sequência disso que apresenta, em 1954, ano em que publica o seu ensaio sobre a Madeira, uma breve nota sobre a publicação de Orlando Ribeiro, dando a entender a sua passagem pelo Funchal no intervalo de tempo que medeia o congresso e a publicação do texto nos Annales. O presente ensaio, que cobre o período de 1640 a 1820, pretende clarificar o papel da Madeira no emaranhado de relações que se estabelecem no espaço atlântico. O ponto de partida, tal como o autor refere, são os relatórios dos cônsules franceses, aos quais junta dados de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino e do British Museum. A documentação do consulado reporta-se ao período de 1671 a 1793 e revela-se fundamental para saber dos interesses franceses nestas paragens. O estudo, embora hoje em dia seja visto com algumas reticências por certos historiadores e estudiosos madeirenses, continua a ser uma referência no âmbito dos trabalhos que envolvem, de forma clara, a Madeira nos mundos gerados pelo oceano atlântico a partir do séc. XVII, nos quais se articulam várias formas de expressão do poder do mar e dos impérios. Em 1954, a propósito da intervenção de Orlando Ribeiro no Congrès International de Géographie de 1949 sobre a Madeira e da publicação que se lhe seguiu em livro, aproveita para fazer um breve apontamento sobre a Ilha, destacando múltiplos aspetos relativos ao turismo e à história. Assim, nos Annales, considera que “a sua reputação de paraíso terrestre parece merecida”, concluindo que “a Madeira, ilha atlântica, deve tudo à circulação oceânica. As produções da ilha não suscitaram o tráfego deste espaço, antes foi o tráfego atlântico que fez a Madeira, foi ele que, em particular, permitiu o desenvolvimento da vinha” (SILBERT, 1954, 516). Atente-se que esta informação é depois utilizada no artigo que fez publicar sobre a Madeira nos referidos anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Não podemos esquecer que foi ele quem abriu as portas da investigação sobre a ilha a outro francês, Frederic Mauro, que, na déc. de 60, volta a seguir os mesmos caminhos de valorização da Madeira no espaço atlântico, mas, desta feita, escudado com a documentação disponível nos arquivos locais. Por força da criação do arquivo distrital em 1949, esta oferecia aos investigadores nacionais e estrangeiros um campo de investigação inexplorado que, felizmente, mereceu os estudos que conhecemos. Obras de Albert Silbert: Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (1968); Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (1978).       Alberto Vieira (atualizado a 30.12.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional História da Educação

serviço de estrangeiros e fronteiras

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é um serviço de segurança que depende do Ministério da Administração Interna, tem autonomia administrativa e se integra no quadro da política de segurança interna do país. O controlo de estrangeiros, no que respeita à sua entrada, permanência e saída de território nacional, foi desde os anos 40 do século XX uma tarefa cometida à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, depois designada por Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e, após 1968, por Direção Geral de Segurança (DGS), a qual esteve sedeada durante muitos anos na rua da Carreira n.º 155, no Funchal. A PIDE/DGS tutelou os estrangeiros e fiscalizou a sua estadia em Portugal desde os anos 40 do século XX até ao dia 25 de abril de 1974, data da Revolução dos Cravos. Nos finais de abril, tal incumbência e os seus ficheiros passaram para a tutela da Guarda Fiscal (GF). Existiriam nessa altura cerca de 30.000 processos de cidadãos portugueses e estrangeiros, devidamente organizados e arquivados; o número de processos de cidadãos portugueses ultrapassava os 10.000. Sobre os portugueses, existia um ficheiro pormenorizado referente às viagens, quer internas, isto é, para o Continente e Açores, quer para o estrangeiro, fosse em férias, fosse por emigração, com um número de fichas individuais muito superior aos 10.000 processos acima referidos. Nessas fichas eram anotados os movimentos de cidadãos na condição de passageiros, quer por via marítima quer, posteriormente a 1964, por via aérea, uma vez que a mesma organização controlava as fronteiras portuguesas e, por tal razão, as da Madeira. A PIDE/DGS era dirigida, à altura da sua extinção na Madeira, pelo inspetor Anatólio, que tinha sob a sua direção cerca de 12 agentes da polícia política, os quais foram enviados para Lisboa nos finais de abril de 1974 sob escolta da PSP, sendo presos, após julgamento, por um período indeterminado e variável, no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Nessa altura, estariam domiciliados na Madeira com processos ativos cerca de 400 cidadãos estrangeiros, muitos deles nascidos na Madeira ou nela residentes de longa data. Em 1976, existiriam legalizados na Madeira cerca de 700, sendo as mais importantes comunidades a inglesa, a alemã, a venezuelana – muitos de cujos membros eram de origem portuguesa – e a nórdica; nos anos 80, juntaram-se-lhes angolanos, cabo-verdianos e guineenses e, já nos anos 90 e inícios do século XXI, ucranianos, russos, romenos, moldavos e brasileiros, que foram legalizados em três processos de regularização extraordinária, respectivamente em 2001, 2003 e 2005, este último exclusivamente para cidadãos brasileiros. As fichas que se encontravam na posse da PIDE/DGS foram mandadas queimar, cerca de um mês após a revolução de abril, à ordem da PSP, a quem o controlo de cidadãos estrangeiros foi cometido no dia 28 de maio de 1974; por essa razão, todo o acervo referente a estrangeiros passou da tutela da GF para a da PSP, tendo ficado sedeado no comando desta polícia, sito na rua do Carmo da cidade do Funchal, com a designação interna de Serviço de Estrangeiros (SE) e sob a autoridade do Ministério de Interior, posteriormente designado por Ministério da Administração Interna. Desse acervo referente a cidadãos nacionais não restou uma única ficha, ou um simples processo, escapando apenas os documentos de identidade ou de viagem que haviam sido apreendidos pela PIDE/DGS, nomeadamente bilhetes de identidade e passaportes, alguns dos quais foram devolvidos aos seus legítimos titulares. Os documentos que não foi possível devolver, por impossibilidade de localização do seu titular foram devolvidos à Conservatória dos Registos Centrais (os bilhetes de identidade) e entregues no Palácio de São Lourenço (os passaportes), ficando à guarda do Governo Civil da Madeira. Os processos de cidadãos estrangeiros da PIDE/DGS que transitaram para o novo serviço mantiveram-se até 2005 sob a jurisdição e guarda do Serviço de Estrangeiros, depois Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Este acervo incluía peças documentais únicas, muitas delas referentes a cidadãos estrangeiros nascidos na Madeira e ligados por sangue e nome a muitas das principais e mais influentes famílias da Região, como os Blandy, os Hinton, os Welsh, os Garton ou os Gesch. A estes processos juntaram-se também documentos estatísticos, carimbos, selos brancos, chancelas e demais parafernália administrativa e de controlo de fronteiras da PIDE/DGS, cuja destruição foi ordenada, em 2005, pelo Diretor Regional, ficando na sede do serviço, sita à rua Nova da Rochinha, apenas os designados processos ativos. O SE esteve sedeado na PSP de 28 de maio de 1974 até ao verão de 1977. A partir de 1977, passou à tutela direta do MAI, ganhando autonomia administrativa e funcional e uma nova designação: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) Enquanto esteve na PSP, o SE foi chefiado administrativamente por Gabriel Oliveira, coadjuvado, na qualidade de oficial de diligências, por Manuel Abreu. Na qualidade de operacionais, na fiscalização de estrangeiros e de instalações hoteleiras trabalhavam 5 agentes e subchefes da PSP. A partir de 1977, o SE foi dirigido por um diretor, o primeiro dos quais foi o capitão França Machado, originário do Porto da Cruz. O controlo de fronteiras manteve-se, nos postos de fronteiras, sob a tutela da GF até agosto de 1992 em Portugal continental e até 7 de outubro desse mesmo ano no aeroporto do Funchal, data em que se deu a transferência desse comando para o SEF. Foi nomeado Inspetor Responsável desse Posto de Fronteira, designado por PF004, o inspetor SEF José Felisberto de Gouveia Almeida e como adjunta de comando a inspetora SEF Fátima Teixeira, com 24 inspetores-adjuntos SEF. A fronteira aérea do Porto Santo, PF007, passou para a tutela SEF em 1997, sob o mesmo comando, e o mesmo aconteceu pouco depois com as fronteiras marítimas, tanto a do Porto do Funchal, PF 208, quanto a da Marina do Porto Santo, PF223, todas unificadas sob o mesmo comando. O SE, depois SEF, tem também uma delegação no Porto Santo; teve uma delegação em Machico, a qual foi extinta no final de 1980. A partir de 2004, o SEF na Madeira ocupou um balcão duplo na Loja do Cidadão do Funchal, local onde a partir de 2006 se passaram a fazer todos os atendimentos de cidadãos estrangeiros que solicitavam os seus serviços. Os diretores da Direção Regional do SE/SEF na Madeira entre 1977 e 2015 foram: de 1977 a 1979, o capitão França Machado; de 1979 a 1983, o capitão Fonseca Ferreira; de 1983 a 1993, o major Renato Trindade; de 1993 a 2004, o inspetor SEF José Felisberto de Gouveia Almeida; de 2004 a 2007, o inspetor SEF César de Jesus Inácio; de 2007 a 2009, o inspetor SEF Luís Frias; de 2009 a 2012, a inspetora SEF Fátima Teixeira; de 2012 a 2015, o inspetor SEF Paulo Torres. O SEF Madeira é um Serviço com tutela directa do SEF e, por via deste, do Governo Central, via Ministério da Administração Interna.     José Felisberto Almeida (atualizado a 30.12.2017)

Direito e Política História Política e Institucional

segurança social

De acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (LBSS), lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, o sistema de Segurança Social português encontra-se estruturado em três sistemas: o sistema de proteção social de cidadania (que se decompõe nos subsistemas de ação social, de solidariedade e familiar), o sistema previdencial e o sistema complementar. O sistema de proteção social de cidadania tem por objetivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais. Ele inclui, em primeiro lugar, o subsistema de ação social, cujos objetivos centrais são os da reparação e prevenção de situações de carência e desigualdade socioeconómica, de dependência, de disfunção e de vulnerabilidade sociais, designadamente de crianças, jovens, pessoas com deficiência e idosas, bem como a integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respetivas capacidades. A sua concretização faz-se sobretudo mediante o desenvolvimento de um conjunto de serviços e equipamentos sociais, bem como de programas de combate à pobreza, disfunção e marginalização sociais. Em segundo lugar, o sistema de proteção social de cidadania integra o subsistema de solidariedade, que visa assegurar, a partir de um princípio de solidariedade nacional, direitos essenciais de forma a prevenir e erradicar as situações de pobreza e exclusão, e garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar, não incluídas no sistema previdencial. E, de facto, este subsistema garante a atribuição aos beneficiários, desde que cumprindo condições de residência e de recursos, de prestações de carácter não contributivo, num conjunto de eventualidades sociais, a saber: falta ou insuficiência de recursos económicos dos indivíduos e dos agregados familiares, invalidez, velhice e morte, e situações de insuficiência dos rendimentos de trabalho ou da carreira contributiva dos beneficiários. Das prestações deste subsistema (que grosso modo equivale ao anterior regime não contributivo), destacam-se três: as pensões sociais (de velhice e invalidez); o Rendimento Social de Inserção (constante da lei n.º 13/2003, de 21 de maio, alterada); e os complementos sociais, estes destinados a completar o valor da pensão estatutária quando este se situe abaixo do valor fixado para a pensão mínima do regime geral da Segurança Social. Finalmente, o sistema de proteção social de cidadania integra ainda o subsistema de proteção familiar, que tem por objetivo assegurar a compensação de encargos familiares, garantindo o pagamento de prestações nesta eventualidade (v.g., abono de família, cujo regime consta da conjugação de vários diplomas: dec.-lei n.º 176/2003, de 2 de agosto, alterado, dec-lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado, dec.-lei n.º 77/2010, de 16 de junho e dec.-lei n.º 116/2010, de 22 de outubro) e, bem assim, nas situações de dependência e de deficiência. O sistema previdencial visa garantir, na base de um princípio de solidariedade de base laboral, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas (doença, parentalidade, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte). Voltaremos a este sistema, mais à frente. Por último, o sistema complementar, marcado pela sua natureza facultativa, concretiza-se num regime público de capitalização e em regimes complementares de iniciativa coletiva e individual. O regime público de capitalização foi uma novidade da LBSS (art. 82.º). Tratou-se de instituir, numa base facultativa (a adesão por parte dos contribuintes/beneficiários da Segurança Social é voluntária), um esquema complementar de reforma que, em contrapartida das contribuições adicionais feitas pelo subscritor, concede, logo que verificados os requisitos de acesso mormente quanto à idade de acesso à pensão, complementos de reforma, sob a forma de pagamentos únicos (devolução integral do capital aplicado mais rendibilidade) ou de rendas vitalícias. As taxas contributivas a pagar, a incidir sobre o valor de remuneração referente, resultam de uma opção do subscritor, entre três hipóteses: 2 %, 4 % ou 6 %. O regime público de capitalização foi efetivamente instituído e regulamentado com a aprovação do dec.--lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro, que regulou ainda o respetivo Fundo de Certificados de Reforma. A esta diferença de estrutura no sistema da Segurança Social correspondem formas diferentes de financiamento. Por força do princípio da adequação seletiva (art. 89.º da LBSS), enquanto o sistema de proteção social de cidadania é financiado através de transferências do Orçamento do Estado (OE) para o orçamento da Segurança Social ou pela consignação de receitas fiscais (fundamentalmente o chamado IVA social), o sistema previdencial financia-se a partir de contribuições sociais (vide também art. 90.º da LBSS, desenvolvido pelo dec.-lei n.º 367/2007, de 2 de novembro, o qual concretiza as formas de financiamento da Segurança Social). Pela sua razão de ser histórica e utilidade – a necessidade de garantir que o Estado cumpra a suas responsabilidades em matéria de financiamento das áreas não contributivas da Segurança Social –, poder-se-á afirmar que o princípio da adequação seletiva tem um significado unidirecional. Quer isto dizer que, se é certo que ele pretende evitar que as contribuições sociais (fonte de financiamento primacial das prestações garantidas no sistema previdencial) sejam desviadas para financiar as despesas com as prestações de natureza não contributiva e assentes num princípio de solidariedade nacional (é o caso das prestações e apoios na área da Ação Social e do subsistema de solidariedade), já a inversa é questionável. Pois que, se é verdade que o n.º 1 do art. 90.º da LBSS manda financiar o sistema de proteção social de cidadania por transferências do OE e por consignação de receitas fiscais, isso não quer (não pode) significar que estas mesmas fontes de financiamento não possam ser utilizadas para financiar o sistema previdencial, especialmente se e quando a situação financeira deste o reclamar. Defender o contrário significaria aceitar que o Estado, enquanto tal, se mantivesse totalmente alheio e não responsável perante a proteção social garantida no sistema previdencial (que é um sistema público) – i.e., perante a proteção na ocorrência dos riscos sociais –, designadamente em situações de dificuldade financeira ou de défice deste. Esta possibilidade é aceite no dec.-lei n.º 367/2007, o qual prevê, de forma expressa que, sem prejuízo das receitas próprias do sistema previdencial (elencadas no n.º 1 do art. 14.º), possam ser efetuadas, em favor deste sistema, transferências do OE, sempre que a sua situação financeira o justifique (cf. n.º 3). Este mesmo dec.-lei, concretizando o disposto no art. 91.º da LBSS, estabelece ainda a distinção entre sistema previdencial de repartição, aquele que genericamente assegura a cobrança de receita (das contribuições sociais) e o pagamento das prestações sociais, e o sistema previdencial de capitalização, encarregue de gerir, em regime de capitalização coletiva, os saldos excedentários do orçamento da Segurança Social (do sistema previdencial repartição) e, bem assim, o montante equivalente a dois a quatro pontos percentuais da quotização devida pelos trabalhadores por conta de outrem, com vista a formar um “bolo” financeiro capaz de assegurar o pagamento de pensões ao longo de dois anos (em caso de necessidade financeira). A capitalização faz-se no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, cuja gestão compete ao Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social. Este regime coletivo, intitulado também de capitalização pública de estabilização, não se confunde com o supra mencionado regime público de capitalização. Neste, está em causa uma capitalização individual que visa assegurar aos subscritores, e apenas a estes, complementos de reforma. Naquele, pelo contrário, a capitalização é coletiva e tem em vista criar uma folga financeira com intuitos de estabilização do sistema previdencial, na sua globalidade. Além do princípio da adequação seletiva, releva ainda, no domínio financeiro, o princípio da diversificação das fontes de financiamento (art. 88.º da LBSS). O princípio permite assegurar que o sistema de Segurança Social possa ser financiado não apenas através de contribuições sociais, mas também através de outras fontes de receita, maxime de natureza fiscal. Por ora, no caso português, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos, essa possibilidade confina-se ao chamado IVA social (uma percentagem do IVA resultante do aumento das taxas deste imposto em 1996), o qual é afeto ao financiamento do sistema de proteção social de cidadania e, dentro deste, preferencialmente, ao subsistema de proteção familiar. A redação do art. 88.º da LBSS sugere contudo que possam ser equacionadas outras fontes de financiamento no próprio sistema previdencial, na medida em que objetivo assumido do princípio é o de assegurar a redução dos custos não salariais da mão-de-obra. Tratar-se-á assim de desonerar o fator trabalho, encontrando-se, em alternativa, outras formas de incidência (consumo, património, capital) e de tributação. O epicentro do sistema de Segurança Social está no sistema previdencial. Este sistema baseia-se num princípio de contributividade (art. 54.º da LBSS), que significa, por um lado, que o sistema é autofinanciado (financiando-se nas contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras) e, por outro lado, que existe uma relação sinalagmática entre a obrigação de contribuir e o direito a receber prestações sociais, nas eventualidades típicas, verificadas estas e cumpridos os demais requisitos legais. No entanto, tal princípio sofreu uma dupla entorse: por um lado, o sistema vai sendo cada vez menos autofinanciado, na medida em que as receitas próprias do sistema (as contribuições sociais) tendem a crescer a um ritmo menor do que a despesa (sobretudo a despesa com pensões); por outro lado, a relação sinalagmática a que se refere o preceito legal é cada vez menos evidente, na medida em que, relativamente a diversas prestações (desde logo, quanto às pensões), não existe já hoje uma integral proporção entre aquilo com que se contribui e aquilo que se recebe em contrapartida. O sinalagma é incompleto e imperfeito. A análise do sistema previdencial implica olhar com atenção para os seus dois domínios financeiros primaciais, as receitas e as despesas. Sobre as receitas – as contribuições sociais – rege o Código Contributivo (CC), aprovado pela lei n.º 110/2009, de 16 de setembro (alterada). As contribuições sociais são prestações monetárias pagas pelos trabalhadores e, se for caso disso, pelas respetivas entidades empregadoras, destinadas a financiar a atribuição, pelo sistema público de Segurança Social, de um conjunto de prestações sociais, mas também a prossecução de algumas políticas nas áreas laboral e do emprego. Sobre a natureza jurídica das contribuições sociais, muito se tem discutido entre nós e no estrangeiro, divergindo as opiniões). Todos reconhecem, porém, a sua natureza ambivalente e ambígua, a qual resulta de uma oscilação ontológica entre uma fisionomia bilateral, fundada no princípio do benefício (que a levaria a aproximar-se mais de uma taxa ou de uma contribuição financeira) e uma fisionomia unilateral, assente numa lógica de capacidade contributiva (que a aproximaria mais de um verdadeiro imposto). Mas essa ambivalência resulta também da bicefalia própria deste tributo, resultante de ser suportado por trabalhadores e por entidades empregadoras. Entre nós, para lá da discussão, e no que diz respeito ao regime aplicável, o Tribunal Constitucional tem defendido a aplicação às contribuições sociais, nos mesmos termos dos impostos, do princípio da legalidade fiscal (art. 103.º, n.º 2, em articulação com a alínea i) do n.º 1 do art. 165.º, ambos da Constituição da República Portuguesa). De acordo com este princípio, os impostos são criados por lei (lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo precedido de autorização legislativa), à qual compete definir também os respetivos elementos essenciais: incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. Por outro lado, e agora já numa ótica económica, importa notar que as contribuições sociais constituem encargos não salariais sobre a mão de obra, cujo efeito financeiro se repercute a montante e a jusante. Na verdade, os custos induzidos por esta tributação são repercutidos pelas empresas que os suportam, a montante, nos salários pagos aos trabalhadores e a jusante, nos preços praticados, designadamente junto dos consumidores. Sobre a matéria contributiva dispõe o CC. Dele resultam reguladas as principais relações jurídicas da Segurança Social, a saber: i) Relação jurídica de vinculação ao sistema de Segurança Social. Traduz o estabelecimento de um elo estável entre as pessoas interessadas e o sistema de Segurança Social, mediante a sua identificação pessoal, através do ato de inscrição dos beneficiários ou registo das entidades empregadoras (vejam-se os arts. 6.º a 8.º do CC). O objetivo fundamental da vinculação é o de determinar o titular do direito à Segurança Social, bem como o respetivo conteúdo; com a inscrição o beneficiário ou contribuinte obtém o Número de Identificação na Segurança Social. ii) Relação jurídica de enquadramento nos regimes de Segurança Social (art. 9.º do CC). Os regimes de segurança social podem ser de vários tipos (vide art. 53.º da LBSS), destacando-se os regimes gerais dos trabalhadores por conta de outrem (TCO) e dos trabalhadores independentes (TI), sendo que o enquadramento dos trabalhadores num ou noutro dependerá naturalmente da qualificação do respetivo vínculo e, existindo mais do que um, daquele que prevalece. iii) Relação jurídica contributiva. Esta recai sobre trabalhadores e, se for caso disso, suas entidades empregadoras. Traduz-se em dois tipos de obrigações: a) por um lado, no pagamento das contribuições e quotizações (vulgarmente tratados como descontos para a Segurança Social); b) obrigações declarativas diversas, tais como a declaração dos tempos de trabalho e das remunerações devidas aos trabalhadores. A obrigação de declarar remunerações cabe às entidades empregadoras no caso do regime geral dos TCO (cf. art. 40.º), a quem cabe também o pagamento quer das contribuições próprias, quer da quotização dos seus trabalhadores – neste caso através de retenção na fonte (cf. art. 42.º). No regime geral dos TI, estes são equiparados às entidades empregadoras (cf. n.º 2 do art. 150.º), cabendo-lhes inteiramente o cumprimento da obrigação contributiva: pagamento de contribuições e cumprimento de obrigações declarativas (art. 151.º). As contribuições sociais são tributos assentes em taxas proporcionais, cuja base de incidência são os rendimentos do trabalho. Do CC resultaram importantes novidades, quer ao regime geral dos TCO, quer no regime geral dos TI. Em relação ao regime geral dos TCO, assinale-se, antes de mais, o alargamento da base de incidência contributiva, passando o conceito de remuneração relevante para efeitos de segurança social a aproximar-se do conceito de remuneração que encontramos no Código do IRS (CIRS) (sobretudo prestações remuneratórias da categoria A de rendimentos, a que se refere o art. 2.º do CIRS) e, bem assim, do próprio conceito jus-laboral de remuneração. Assim, diversas prestações remuneratórias, sobretudo de natureza variável (fringe benefits), que estavam fora do conceito de remuneração em sede de Segurança Social foram objeto de inclusão (cf. arts. 46.º e 46.º-A do CC). Para além disso, o mesmo Código introduziu alterações importantes a nível das taxas das contribuições sociais. A TSU é de 34,75 %, sendo paga numa parte pela entidade empregadora (23,75 %), noutra parte pelo trabalhador (11 %). Esta taxa contributiva destina-se a pagar o custo técnico das diferentes eventualidades sociais que aparece devidamente desagregado no próprio CC (cf. art. 51.º). Depois, estão previstas taxas contributivas mais favoráveis, as quais podem ficar a dever-se a diferentes razões, tais como: redução do âmbito material de proteção (em certo de tipo trabalho, não há lugar, por exemplo, à proteção no desemprego, pelo que, nesse casos, a taxa se reduz em conformidade – o caso do trabalho no domicílio); natureza não lucrativa da entidade empregadora (v.g., trabalho prestado para instituições particulares de solidariedade social; serviço doméstico); natureza débil da atividade económica (o caso da agricultura e das pescas); promoção do emprego junto de certas camadas especialmente frágeis (v.g., desempregados de longa duração, jovens à procura do primeiro emprego, portadores de deficiência). O CC ficou ainda marcado por uma previsão inovadora (a qual, todavia, até ao momento, não foi objeto de regulamentação, nem de concretização prática): tratou-se de proceder à adequação das taxas contributivas à modalidade de contrato de trabalho; assim, a taxa é reduzida, em um ponto percentual (pp) por cada trabalhador contratado, se a modalidade for o contrato de trabalho por tempo indeterminado, e a taxa é aumentada, em três pp por cada trabalhador, se a modalidade for o contrato de trabalho a termo resolutivo (cf. art. 55.º). Em relação ao regime geral dos TI, também resultaram do CC diversas novidades. Em primeiro lugar, a aproximação do âmbito material de proteção do regime do TCO. Isto desde logo em virtude da supressão, já na primeira versão do CC, da distinção, que resultava da legislação anterior (dec.-lei n.º 328/93, de 25 de setembro), entre regime obrigatório (proteção nas eventualidade velhice, invalidez, morte e parentalidade) e regime alargado de proteção (que incluía, além daquelas, também os encargos familiares, a doença e as doenças profissionais). As taxas eram diferentes, consoante os regimes (25,4 % no primeiro caso, 32,5 % no segundo). No novo quadro, o âmbito material de proteção no regime dos TI é único e inclui todas as eventualidades, com exceção do desemprego. Tratando-se de prestação de serviços, a cessação de atividade não é reconduzível a uma situação de desemprego. No entanto, reconhecida a existência dos falsos recibos verdes, situações que materialmente se aproximam de um verdadeiro contrato de trabalho, não o sendo formalmente, justificou-se mais tarde garantir, para essas situações, e na base de determinados indícios, a proteção no desemprego. Assim, na sequência da aprovação do dec.-lei n.º 35/2012, de 15 de março, o CC foi alterado pela lei n.º 20/2012, de 14 de maio (alteração à lei do OE para 2012), contemplando-se a possibilidade de atribuição de subsídio de desemprego (melhor, subsídio por cessação de atividade), aos TI (prestadores de serviços), considerados economicamente dependentes (vide novo art. 141.º do CC). E assim sendo, o âmbito material de proteção no caso destes TI coincide integralmente com o âmbito definido para os TCO. Em segundo lugar, assistimos no CC a uma mudança tendencial e progressiva do conceito de remuneração relevante: da remuneração convencional à remuneração real. Assim, o escalão de rendimento, para efeitos de tributação, deixou de ser escolhido livremente pelo trabalhador, antes resulta da conversão do duodécimo do rendimento obtido e declarado fiscalmente, numa percentagem do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), com o limite de 12 IAS (o último escalão). Finalmente, assinalamos como novidade do CC, o novo regime aplicável às entidades contratantes: a previsão de que as pessoas coletivas e singulares que beneficiem da prestação de serviços de um TI são também entidades contribuintes da Segurança Social (art. 140.º do CC). Assim, passam a considerar-se entidades contratantes de serviços as pessoas coletivas e singulares com atividade empresarial que, no mesmo ano civil, beneficiem de pelo menos 80 % do valor da atividade independente, caso em que o TI é, portanto, nos termos supra, considerado trabalhador economicamente dependente. Na verdade, esta medida está intimamente relacionada com aqueloutra antes referida, a da concretização da atribuição de subsídio de desemprego aos TI (constante da lei n.º 20/2012, de 14 de maio). A taxa contributiva a suportar pelas entidades contratantes é de 5 % sobre o valor dos rendimentos resultantes de prestações de serviços, e esses 5 % correspondem precisamente ao custo do desemprego. iv) Relação jurídica sancionatória. Repare-se que no CC apenas é regulada a parte contraordenacional e, dentro desta, a parte contraordenacional respeitante ao incumprimento das regras impostas pelo CC relativas às demais relações jurídicas de segurança social, antes aqui mencionadas (vide a regulação desta matéria, nos arts. 221.º e seguintes do CC). Assim sendo, não são objeto de regulação no CC os aspetos sancionatórios que tenham a ver com contraordenações no seio da relação jurídica prestacional (pois as prestações sociais não são tratadas no CC), nem a matéria relativa aos crimes contra a Segurança Social. Quanto àquelas, regulam desde logo os diplomas específicos aplicados a cada uma das prestações (por exemplo, contraordenações em virtude do recebimento indevido de prestações no desemprego são reguladas pelos arts. 64.ºss do regime geral da proteção no desemprego, dec.-lei n.º 220/2006, de 3 de novembro e suas alterações). Quanto aos crimes contra a Segurança Social, regula o Regime Geral das Infrações Tributárias (lei n.º 15/2001, de 5 de junho, e suas alterações) e aqui se tipificam dois tipos de crimes nesta matéria, um tanto podendo respeitar à relação jurídica contributiva como à relação jurídica prestacional (o crime de fraude contra a Segurança Social – art. 106.º), outro apenas relacionado com a obrigação contributiva e, concretamente, com a obrigação, da parte da entidade empregadora, de proceder à retenção na fonte da quotização do trabalhador, garantindo o pagamento desta junto da Segurança Social (crime de abuso de confiança – art. 107.º). Repare-se que, no seio da obrigação contributiva, o Direito valora diferentemente, de um lado, o desrespeito pelas obrigações declarativas ou obrigações tributárias acessórias (incluindo a obrigação de proceder à retenção na fonte) e que constituem, no caso do regime geral dos TCO, basicamente obrigações das entidades empregadoras e, do outro lado, o incumprimento pontual da obrigação de pagamento de contribuições próprias (para as entidades empregadoras no regime geral dos TCO e para os trabalhadores no regime dos TI). No caso do desrespeito por obrigações declarativas, o domínio é, como vimos, o do Direito Contraordenacional ou do Direito Penal. No caso do incumprimento da obrigação de pagamento, a situação é de mora (havendo lugar à cobrança de juros), pelo que estamos no âmbito do Direito Civil. As dívidas à Segurança Social podem ser regularizadas através de processos de execução cível ou de execução fiscal (n.º 1 do art. 186.º do CC), prevendo-se ainda a verificação de situações excecionais de regularização de dívidas (cf. art. 190.º), nos termos das quais pode haver lugar à isenção ou redução de juros de mora. O prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social é de cinco anos contados da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida (art. 187.º). Para além da área contributiva, o sistema previdencial é composto pelo domínio das prestações sociais. Tais prestações são pagas nas eventualidades típicas previstas, desde logo, na LBSS (velhice, invalidez, morte, desemprego, parentalidade, doença, incluindo doenças profissionais). Os acidentes de trabalho integram também o âmbito material de proteção neste sistema, se bem que a Segurança Social pública externaliza para as seguradoras privadas a responsabilidade pela provisão do risco social: é junto das seguradoras que as entidades empregadoras são obrigadas a subscrever um seguro de acidentes de trabalho. As prestações sociais distinguem-se entre prestações imediatas (nas eventualidades desemprego, parentalidade e doença), cujos períodos de formação são curtos (aferíveis ao mês) e prestações diferidas ou pensões, cujos períodos de formação são longos, reportados ao ano. Trata-se de pensões de velhice, de invalidez e de sobrevivência. Seguindo o ensinamento de Ilídio Neves, podemos diferenciar, como requisitos de acesso às prestações sociais, os seguintes: i) requisitos relativos ao cumprimento da obrigação contributiva (matéria que vimos no ponto anterior); ii) requisitos relativos ao período de tempo contributivo, havendo que considerar aqui a noção de prazo de garantia (período mínimo de contribuição para se poder beneficiar da abertura do direito), que, como dissemos, é curto nas prestações imediatas e longo, nas pensões; iii) requisitos relativos aos eventos típicos e que são as eventualidades supra mencionadas – repare-se que falamos de verdadeira tipicidade legal; o sistema previdencial de Segurança Social não garante proteção para lá destes eventos; iv) requisitos relativos a características específicas dos beneficiários, e que relevam particularmente em relação a esta ou aquela prestações sociais, tais como: idade (mínima, máxima ou ambas); situação escolar; estatuto laboral ou profissional (v.g., índice de profissionalidade); requisitos médicos; requisitos de natureza económica (v.g., condição de recursos – se bem que neste caso, apenas ainda para as prestações do sistema de proteção social de cidadania, não para o previdencial); v) requisitos relativos ao cumprimento de exigências administrativas, de que se destacam a necessidade e apresentação de requerimento (as prestações sociais são sempre requeridas) e a apresentação de certos meios de prova (v.g., prova de que se está grávida ou de que se teve um filho). Na Segurança Social, importa diferenciar entre abertura do direito à proteção social e cálculo ou apuramento do valor das prestações. Só depois de verificado que o beneficiário tem direito à prestação, é que se passa à determinação do valor da mesma. Quanto à abertura do direito, ele depende, como vimos antes, da verificação do prazo de garantia, determinado em meses para as prestações imediatas (no caso por exemplo de atribuição do subsídio de desemprego é de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego – art. 22.º do dec.-lei n.º 220/2006) e aferido em anos, para as pensões (é de três ou cinco anos, para a invalidez, consoante seja absoluta ou relativa – art. 16.º do dec.-lei n.º 187/2007, de 10 de maio – e é de 15 anos para a velhice – art. 19.º do mesmo diploma). Relativamente ao cálculo ou apuramento do valor das prestações, as regras tendem a ser mais complexas quando se trate de calcular pensões, do que no cálculo das prestações imediatas. Nestas, o apuramento do valor da prestação começa por fazer-se a partir da determinação da remuneração de referência. Determinada essa remuneração (que na verdade é uma média de remunerações registadas ao longo de um determinado período), procede-se ao apuramento da prestação, o qual dependerá da aplicação, àquela remuneração, de uma taxa de substituição. No caso das prestações de maternidade, e para o gozo pelo período de 120 dias, a taxa de substituição é de 100 % (ou seja, o valor da prestação equivale inteiramente ao valor da remuneração de referência previamente apurada) – veja-se o art. 30.º do dec.-lei n.º 91/2009, de 9 de abril, que estabelece o regime de proteção na parentalidade. Noutros casos, a taxa de substituição é menor: por exemplo, no subsídio de doença, a taxa é progressiva e aumenta em função da duração da situação de incapacidade temporária. Assim, nos termos do 16.º do dec.-lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, alterado (regime jurídico da proteção na doença), as percentagens de substituição são: a) 55 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração inferior ou igual a 30 dias; b) 60 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração superior a 30 e que não ultrapasse os 90 dias; c) 70 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração superior a 90 e que não ultrapasse os 365 dias; d) 75 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária que ultrapasse os 365 dias. O cálculo das pensões é mais complexo. Regula aqui fundamentalmente o já referido dec.-lei n.º 187/2007, que é o regime jurídico das pensões. O cálculo destas (pensamos fundamentalmente no cálculo das pensões de velhice) atende sobretudo a três tipos de fatores, que consideramos fatores estáticos de determinação da pensão, a saber: i) determinação da remuneração de referência, de acordo com as regras legais aplicáveis; ii) aplicação da taxa anual de formação, definida também por lei; iii) dimensão da carreira contributiva (considerando-se carreira completa, a de quarenta anos). Existem duas formas de cálculo da chamada pensão estatutária. Uma primeira aplicável aos beneficiários inscritos no sistema até 2001 e que é uma fórmula proporcional: a remuneração de referência resulta quer das regras antigas (10 melhores salários dos últimos 15 anos), quer das regras novas (média de salários de toda a carreira contributiva), ponderadas em função do número de anos de carreira em que o contribuinte conviveu com cada uma dessas regras. Além disso, a taxa anual de formação, aplicável à determinação da remuneração de referência, é também diferente: 2 % ao ano quando se aplique à parcela antiga (P1); entre 2 % e 2,3 % (em função quer da dimensão da carreira, quer do próprio valor da remuneração de referência) quando aplicável à parcela nova (P2). Uma segunda forma de cálculo é aplicável aos inscritos no sistema após 2002. Quanto a estes, as regras de cálculo são apenas as regras novas, as regras antes vistas para o P2. Mas para além destes fatores estáticos, há a considerar um fator dinâmico de cálculo da pensão, o fator de sustentabilidade (FS). Ao contrário dos anteriores, este é dinâmico porque se relaciona com a evolução da esperança média de vida: pretende internalizar no valor da pensão os efeitos da evolução demográfica, e em particular o efeito do envelhecimento. É um fator de evolução incerto, pelo que introduz alguma volatilidade no cálculo da pensão. Este fator foi previsto na atual LBSS de 2007 e regulado no referido dec.-lei n.º 187/2007. Recentemente, os termos da sua aplicação foram significativamente alterados, juntamente com a alteração da idade de acesso à pensão de velhice (que passou dos anteriores 65 para 66 anos). As novidades constam do dec.-lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, que alterou aqueloutro decreto-lei. Assim, o FS passou a aplicar-se: a) às pensões iniciadas até 31 de dezembro de 2014 e b) às pensões iniciadas após 1 de janeiro de 2015, mas desde que requeridas antes dos 66 anos. As regras são diferentes consoante os casos. Para pensões iniciadas até 31 de dezembro de 2014, valem as regras iniciais do FS, a saber: resulta do rácio entre a esperança média de vida (EMV) no ano de 2006 e a EMV verificada no ano anterior ao requerimento de pensão (n-1). Este rácio multiplicará pelo valor da PE apurado de acordo com as regras supra, obtendo-se assim o valor da pensão final. Diversamente para as pensões iniciadas após 1 de janeiro de 2015 e nas condições antes indicadas (requeridas antes dos 66 anos), o rácio será EMV2001/EMVn-1. Ainda a propósito do regime de pensões, importa recordar que um dos princípios que esteve presente na reforma do sistema de pensões em 2007 foi o princípio do envelhecimento ativo. Tratava-se de criar incentivos para assegurar a permanência na vida ativa dos trabalhadores mais velhos. Penalizou-se assim, de forma mais pesada do que antes sucedia, a antecipação da idade de reforma no âmbito da flexibilização. A crise financeira que se seguiu e a intervenção da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) acentuaram a necessidade de evitar, tanto quanto possível, o recurso ao expediente das reformas antecipadas. Por isso, em 2012 foram suspensas, para só voltarem a ser admitidas a partir de 2015, e com limites. A crise, de resto, e a austeridade subsequente reavivaram o debate em torno das questões da reforma da Segurança Social. Nos anos noventa, a questão demográfica e o problema da sustentabilidade de longo prazo dos sistemas de pensões levaram alguns estudiosos e políticos a defender a substituição dos sistemas de repartição por sistemas de capitalização. Esta substituição implicava tendencialmente, de igual modo, a privatização parcial da Segurança Social. Para isso, deveriam os países que o não tivessem ainda feito (o caso de Portugal), fixar um teto superior ao valor da remuneração (plafonamento contributivo), acima do qual os contribuintes deixariam de descontar para o sistema público, passando antes a financiar segundas pensões obrigatórias, geridas em capitalização, pelo sistema segurador privado. O objetivo deste plafonamento contributivo seria o de garantir, a longo prazo, poupanças na despesa pública, pois o Estado – a Segurança Social pública –, ficaria apenas responsável por pagar uma pensão de montante limitado, e limitado em função daquele mesmo plafond. A este tipo de reformas, reformas estruturantes, podemos qualificar de reformas sistémicas de primeira geração. O assunto foi muito debatido na sequência do Livro Branco da Segurança Social (1998), mas só viria a ser assumido, como vontade política, em 2002, na Lei de Bases aprovada durante Governo liderado por Durão Barroso. Tal intenção não vingou: esbarrou, já nessa altura, com oposições de natureza ideológica e problemas de eficácia. Na verdade, ao contrário do que se poderia pensar, os modelos de capitalização não são imunes, antes pelo contrário, aos efeitos do envelhecimento demográfico. É no prémio de seguro que esses mesmos efeitos, desde logo, se fazem sentir. Para além disso, uma mudança deste tipo conhecia importantes entraves financeiros. O problema fundamental estaria em como financiar a Segurança Social no período de transição, o período durante o qual esta perderia receita desviada para o sistema de capitalização privado, não se fazendo ainda sentir as poupanças de despesa a longo prazo desejadas. De facto, a Segurança Social teria de continuar a fazer face aos compromissos quotidianos assumidos perante pensionistas em curso. Assim, por causa destas dificuldades, tais intenções foram abandonadas, para se optar, nos Governos seguintes, por introduzir medidas de cariz paramétrico, ou seja, medidas que, não alterando a fisionomia e a filosofia do sistema, procurariam incrementos na receita e poupanças na despesa, reforçando assim a sustentabilidade da Segurança Social. Medidas como a alteração das regras de cálculo das pensões (em 2002 e 2007), a maior penalização das reformas antecipadas e a introdução do fator da sustentabilidade (em 2007) inserem-se nesse catálogo, embora esta última preanunciando reforma de outro calibre. Em 2014-2015, a alteração da idade de acesso à pensão para os 66 anos constituiu também exemplo de medida paramétrica. Agudizados os problemas demográficos e económicos, problemas que a crise mencionada exacerbou, voltou a estar na ordem do dia a reforma da Segurança Social. Ainda que a hipótese de substituição dos modelos de repartição pelos de capitalização não esteja arredada, a verdade é que, dadas as dificuldades financeiras sentidas no período de transição – a que antes fizemos referência – e que podem inviabilizar no limite a eficácia pretendida, outras hipóteses de reformas sistémicas podem ser equacionadas. Serão reformas sistémicas de segunda geração. Trata-se aqui de substituir os modelos de benefício definido, como é o caso português, por modelos de contribuição definida. Aliás, esta é uma tendência que se desenhou em alguns países europeus, antes mesmo da crise. O exemplo sueco costuma ser apontado como o mais emblemático. O grande problema dos modelos de benefício negativo, conquanto sejam bons estabilizadores de direitos e expectativas, reside na sua rigidez, mormente em contextos demográficos negativos. Isto porque, em virtude das regras de cálculo aplicáveis, as pensões, uma vez definidas, não podem ser ajustadas à evolução de vicissitudes relevantes. O modelo português é de benefício definido, porque o montante de pensão fica dependente dos fatores estáticos, de cálculo de pensão, supra. A pensão é, diríamos, automaticamente determinada em função destes elementos, pelo que o contribuinte/beneficiário pode saber com alguma precisão qual vai será o valor da sua pensão, mesmo antes de se reformar, já que eles são conhecidos ou antecipáveis. No modelo de contribuição definida, pelo contrário, os fatores que concorrem para o cálculo da pensão são também fatores dinâmicos, em certo sentido voláteis, podendo ser de natureza demográfica (v.g., evolução da esperança média de vida), económica (taxa de crescimento da economia) ou financeira (saldo do sistema previdencial). Assim, neste modelo, uma pensão que se esteja a formar vai recebendo, como inputs, não apenas aqueles fatores estáticos, dotados de previsibilidade, mas também estes, instáveis e de comportamento menos previsível. Entre nós, a introdução do fator de sustentabilidade no cálculo da pensão (2007) deixou antever essa deriva do modelo de benefício definido para o de contribuição definida, mas ele é ainda um mero embrião. A Suécia foi ainda mais longe, pois incorpora estes elementos voláteis não apenas na fase de formação da pensão, mas também na fase em que as pensões já estão a pagamento, em curso de atribuição, podendo a todo o momento ser recalculadas. Para terminar, uma nota apenas relativa aos aspetos relativos à administração do sistema de Segurança Social. Conquanto da Constituição (art. 63.º) e da LBSS resulte um princípio de unidade na gestão do sistema de Segurança Social; conquanto seja esta uma área tipicamente da responsabilidade do Estado central; conquanto a legislação fundamental esteja uniformizada (veja-se o CC), a verdade é que na prática, em termos de gestão financeira, existe uma boa dose de ‘regionalização’ do sistema de Segurança Social – nas Regiões Autónomas portuguesas. Os Institutos da Segurança Social dos Açores e da Madeira (regulados respetivamente pelos Decretos-Legislativos Regionais nºs. 14/2013/A, de 3 de outubro, e 34/2012/M, de 16 de novembro) têm importantes competências quer no domínio da arrecadação de receita própria da Segurança Social, quer no pagamento de prestações, quer enfim na preparação do orçamento e da conta da Segurança Social regional respetiva. E estão evidentemente sob a tutela dos Governos regionais respetivos, não do Estado central.   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 30.12.2017)

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