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associação teatro experimental do funchal

O Teatro Experimental do Funchal (TEF), associação desde 2015, nasceu em 1975 pela comissão dos serviços culturais da Câmara Municipal do Funchal (CMF) com a denominação de Grupo Experimental de Teatro do Funchal (GETF), após a realização, no teatro municipal Baltazar Dias (TMBD), do Festival de Teatro do Operário promovido pelo Inatel. A 9 de janeiro de 1976, o GETF estreou o Auto do Curandeiro, do poeta popular António Aleixo, numa encenação coletiva sob a orientação de Carlos Abreu. Estreou em 1977 o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, com encenação de Orlando Barros, tendo como primeira parte o exercício teatral “Como se Prepara Um Ator”, da autoria do encenador. O trabalho foi integrado no que foi definido como 1.º Curso de Formação de Atores (CFA). O grupo continuou o trabalho de ator, sob a responsabilidade de Carlos Franquinho. Os serviços culturais da edilidade reabriram o TMBD após a sua recuperação, convidando para esse fim o professor e encenador Leopold Kielanowsky, que fez a adaptação da peça A Noite de Reis ou o que Quiserdes, de William Shakespeare, com cenografia de Gino Romoli. O trabalho de preparação do espetáculo começou em novembro de 1977 e a peça estreou em janeiro de 1978, tendo reunido não só os atores que já faziam parte do grupo – Carlos Franquinho, Juvenal Garcês, Paula Camacho e Bento Abreu – como também outros elementos que faziam teatro na Região – Bernadette Andrade, Isaura Melim, Raúl Silva, Ambrosina Barbeito, Eduardo Luiz, António Plácido, Paulo César, Rui Honorato, Énio Gomes, Porfírio Fernandes e Ana Gouveia, entre outros. Desde 1978, o grupo manteve o firme propósito de não se deixar extinguir. Nesse mesmo ano, a Fundação Calouste Gulbenkian apoiou a contratação do encenador Roberto Merino que, durante quatro anos, além de montar espetáculos, preparou e formou intérpretes de teatro, potenciando no grupo uma consciência do estar e do ser ator, como amador ou profissional. Este percurso tornou o ator mais coeso e consciente do seu trabalho, concorrendo beneficamente para o seu desenvolvimento, e o do teatro em geral, na Região. Ainda nesse ano, a CMF, através dos serviços culturais, atribuiu um valor monetário simbólico aos atores, contribuindo para a responsabilização e a dignificação do seu trabalho. Roberto Merino e Júlio Couto dirigiram o 2.º CFA e o grupo participou no 1.º Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), com a peça Woyzeck, de Jorg Büchner, com encenação de Roberto Merino. Durante os quatro anos seguintes, Roberto Merino formou atores, e dirigiu e encenou várias peças: Histórias de Hakim, de Norberto D’Ávila, em estreia mundial, com a presença do autor (peça reposta em 1981); Tartufo, de Molière (reposta em 1980); Da Arte de Bem Governar, de John Arden; O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry; Vinicius de Moraes – Homenagem, a partir de Vinicius de Moraes (1980); Farsas Populares, de Lope de Rueda, Cervantes e um anónimo francês do séc. XV (com que participou no 4.º FITEI e no Encontro Regional do Funchal, em Lisboa); Enquanto o Mundo For Mundo, de Francisco Ventura e Carlos Lélis (1981); Uma Terra de Paz e O Círculo de Giz de Augsburgo, a partir do Almanaque de Bertolt Brecht, e Liberdade, Liberdade, Liberdade, de vários autores (1982), que fez apenas uma representação para uma plateia convidada. A saída de Roberto Merino obrigou o grupo a procurar novo diretor artístico e encenador. A 27 de setembro, após uma reunião de atores, o grupo passou a denominar-se TEF. Agora constituído por Carlos Franquinho, Bernardette Andrade, Eduardo Luiz, António Plácido, Fátima Rocha, Paulo Brazão, Nuno Gonçalves, António Ascensão e Henrique Vieira, iniciou um novo percurso. De 1983 a 1985, Fernando Heitor foi o encenador do TEF, realizando também o 4.º e o 5.º CFA. Os serviços culturais da CMF propuseram ao encenador a montagem de um espetáculo diferente, com um cunho regional, o que veio a acontecer no princípio de 1983 com Noites da Madeira, escrito por vários autores de revista a partir do romance O Bairro, de Vasco Pratolini, com dramaturgia de Fernando Heitor. Foi o segundo espetáculo que contou com música ao vivo (o primeiro fora Uma Terra de Paz), numa antestreia apresentada com o grupo Algozes, mais tarde denominado Xarabanda. Em 1983 – ano que marcou a saída do TEF dos serviços culturais da CMF, devido a prioridades de ordem política –, Fernando Heitor encenou Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Williams. Na impossibilidade de manter o grupo durante a presidência do edil João Fernandes, foi sugerida a formação em cooperativa, para o TEF poder concorrer aos diversos apoios existentes. Formaram a cooperativa Eduardo Luiz, António Plácido, Bernardette Andrade, Anita Abreu (que entrara em Doce Pássaro da Juventude), António Ascensão, Elmano Vieira, Henrique Vieira, Fernando Matta, Paulo Brazão, Fernando Heitor e Mavélia da Guia. Com a produção de Doce Pássaro da Juventude, ainda foi esboçado um plano para novas apresentações fora do TMBD. Porém, a logística inviabilizou a concretização da ideia. A 12 de abril de 1984, o TEF constituiu-se como cooperativa de responsabilidade limitada. Nesta condição, o grupo foi apoiado financeiramente pela Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC) e pela CMF. Nesse mesmo ano, o Ateneu Comercial do Funchal (AtCF) recebeu o grupo, cedendo espaço para ensaios e espetáculos. O TEF apresentou-se como uma entidade cultural e artística de teatro, obtendo um apoio da Secretaria Regional de Turismo e Cultura (SRTC), através da DRAC. O guarda-roupa do grupo acabou por ser todo o espólio do grupo de teatro Os Cómicos, do qual Fernando Heitor fazia parte e que acabara de fechar as portas; foi o início dum extenso património que durante anos o grupo foi construindo. Nesse ano, estreou Nostalgia, a partir de vários autores, com dramaturgia e encenação de Fernando Heitor, um espetáculo de café-concerto que aconteceu na sala de bailes do AtCF. Abrilhantaram o espetáculo, em algumas apresentações, o bailarino Michel e a atriz Maria Emília Correia. Ainda em 1984, Fernando Heitor fez a dramaturgia e encenou A Andorinha e as Árvores Falantes, um projeto da autora Bernardette Falcão, com apoio da DRAC e com apresentações no TMBD. No ano de 1985, o TEF apresentou A Mosqueta, de Ângelo Beolco, com dramaturgia e encenação de Fernando Heitor, no palco do salão nobre do AtCF. Este trabalho foi o percursor dos espetáculos de itinerância por todo o arquipélago, concluindo mais tarde com uma apresentação no TMBD. Fernando Heitor regressou a Lisboa, mas não sem deixar a encenação de um espetáculo preparada (trabalho de cooperação entre o TEF e os grupos de teatro Colagem e 2+1), possibilitando a Eduardo Luiz a direção dos ensaios de As Criadas, de Jean Genet, com a assistência de Lília Bernardes e Ester Vieira (duas das intérpretes da peça). Neste mesmo ano, Eduardo Luiz iniciou o seu percurso como encenador residente no TEF. O grupo subiu ao palco do Casino da Madeira com um espetáculo para crianças: O Bosque Encantado, com textos, encenação e direção artística de Eduardo Luiz, integrado no Clube da Malta do Manel, uma rubrica da responsabilidade do Diário de Notícias (DN) da Madeira. Com encenação de Miguel Martins, Fantastomático, a partir da peça Kikerikist, de Paul Maar, espetáculo para crianças, estreou no AtCF, partindo depois em itinerância. Em 1986, estreou As Criadas, de Jean Genet, com encenação de Fernando Heitor e direção de ensaios de Eduardo Luiz. O Natal em Casa de Castafiore estreou também neste ano, com texto e direção artística de Eduardo Luiz e integrado no Clube da Malta do Manel. O Emigrante, de João França, pelo grupo de teatro Colagem, tornado sócio da cooperativa, e ainda As Maçãs de D. Abúndio, da autoria de Roberto Merino, foram trabalhos encenados por Eduardo Luiz para o público infanto-juvenil e que seguiram a linha da itinerância. Ainda em 1986 decorreu o 6.º CFA, dirigido por Eduardo Luiz, no Inatel. O 7.º CFA realizou-se em 1987 e foi dirigido por Raija Kaeste, no TMBD. Por sugestão do edil do município, João Dantas, o TEF voltou às instalações do TMBD e a CMF, através da Junta de Freguesia de S. Pedro, disponibilizou uma sala da escola primária da Carreira para sede do grupo. Estreou O Amoroso, a partir de O Morgado de Fafe Amoroso, de Camilo Castelo Branco, encenado por Eduardo Luiz, que assumira as funções de diretor artístico da cooperativa. O público infanto-juvenil contou também com o espetáculo O Grilo Perlimplim, com texto e encenação do grupo de teatro 2+1, que se apresentou no TMBD, e com O Avarento Maruf, de Norberto D’Ávila, com encenação de Eduardo Luiz, ambos em itinerância. Eduardo Luiz encenou um texto com adaptação e dramaturgia do próprio e de Ester Vieira: Teatroscópio, a partir de Paulo César. Este espetáculo foi a primeira tentativa de elaborar um projeto de teatro para a infância e a juventude. Ainda subiram ao palco Lembrar Pessoa… Conhecer os Nossos Músicos – um espetáculo poético com declamação e momentos musicais com direção de António Plácido – e Teatro Diaporama, com textos de vários autores, dirigido por Ester Vieira. Todos os espetáculos desse ano se realizaram no TMBD, com grande envolvência do grupo. Durante o ano de 1988, Eduardo Luiz encenou A Estalajadeira, de Carlo Goldoni, além de diversos projetos de bar: Café-Concerto I, II e III, bem como Theatron e Saltimbancos, ambos com textos de Karl Wallentin, Raymond Devos, Vasco Santana, entre outros. Encenou ainda um espetáculo de poesia: Noite de Poesia Madeirense, com textos de vários poetas selecionados por José António Gonçalves. O ano de 1989 é o ano em que A Farsa do Advogado Pedro Pantaleão – de um anónimo francês do século XV, com adaptação e encenação de Eduardo Luiz, a partir de Léon Chancerel – serviu como base para um trabalho de itinerância por todo o arquipélago. Seguiu-se a gravação de um teledramático – Um Dia Em Cada Ano – para a RTP Madeira, com texto de Lília Bernardes e realização de Paulo Valente. Ainda no mesmo ano, uma versão continuada do texto escrito para a RTP Madeira estreou no Festival de Teatro Madeirense promovido pelo Inatel, na Camacha, com o título de Gente e com encenação de Eduardo Luiz. Iniciou-se também o 8.º CFA, orientado por Eduardo Luiz e realizado nas instalações do TMBD. A companhia fez a reabertura do teatro municipal em 1990, após nova recuperação do edifício, levando à cena Os Fantasmas, de Eduardo de Filippo, com encenação de Eduardo Luiz, e Há Festa no Céu, a partir de um conto do Nordeste brasileiro e com encenação de Ester Vieira, para o público infantil. Gravou também, para a RTP Madeira, em vários episódios, o espetáculo Teatroscópio, num conjunto de programas para o público infanto-juvenil, com realização de Paulo Valente. Realizou ainda o 9.º CFA, orientado por Eduardo Luiz. No ano de 1991, o TEF montou dois espetáculos com textos de Raul Brandão: O Gebo e a Sombra e O Nojo da Vida. Este último integrou textos como “Eu Sou um Homem de Bem”, “O Rei Imaginário”, “O Avejão” e “O Doido e a Morte”. O TEF preparou ainda um espetáculo de itinerância –A Comélia de Espavento –, a partir de Ângelo Beolco, e o espetáculo A Bruxa Carpidim, de Fernando Passos, todos com encenação de Eduardo Luiz. O TEF retomou com A Bruxa Carpidim – projeto idealizado para estruturar um elenco fixo de atores para espetáculos regulares infanto-juvenis – organizando uma agenda de contactos com as escolas, de forma didática e com programas devidamente preparados para sensibilizar para a ida ao teatro. Promoveu em 1992 o 1.º [Diogo: esta alteração de romano para árabe foi confirmada? Idem abaixo] Encontro Regional de Teatro (ERG Teatro). O projeto Teatro para a Infância e Juventude começou a ganhar forma, com dois espetáculos encenados por Eduardo Luiz: Ana e o Pássaro Azul, de Roberto Merino, e As Aventuras do Príncipe de Zaratustra, de Carlos Manuel Rodrigues, onde se tornou visível a presença das escolas nos espetáculos que a companhia programava anualmente. As Preciosas Ridículas, de Molière, com encenação de Eduardo Luiz, completou a produção definida para aquele ano artístico. Em 1993, o 2.º ERG Teatro realizou-se no TMBD. Deu-se a estreia de: Pluft o Fantasminha, de Maria Clara Machado; O Diabrete Encantado, de Manuel Couto Viana e Oscar Von Pfuhl; e A Maluquinha de Arroios, de André Brun – todos encenados por Eduardo Luiz. Com encenação e interpretação dos formandos do 8.º CFA, Élvio Camacho, Duarte Rodrigues e Miguel Vieira fizeram a montagem de Frémitos, Virgindade e Sucedâneos, com textos de August Strindberg e Virgílio Martinho, utilizando diversos espaços do edifício do TMBD. Neste mesmo ano, em cerimónia realizada no teatro da Trindade, em Lisboa, o ator, diretor artístico e encenador Eduardo Luiz foi galardoado com o prémio Miguel Torga, com o título de Mérito ao Teatro Amador, juntamente com Joaquim Benite e Carlos Oliveira. No ano de 1994, numa encenação de Eduardo Luiz, o TEF apresentou, no palco do TMBD, O Dragão Atchim, de José Jorge Letria, e História para Um Tesouro de Natal, de Roberto Merino e José Vaz, para as crianças. Esta última obra foi gravada posteriormente para a RTP Madeira, com realização de António Plácido. Uma nova versão, em oito sketches, do original Teatroscópio foi estruturada para os programas ao vivo no palco do TMBD, integrados no programa infantil O Comboio Corre. O espetáculo para itinerância Quase por Acaso Um Emigrante – a partir de João França, que se manteve em reportório até 1997 – e um outro integrado nas comemorações do aniversário do teatro municipal – O Homem no Seu Berço Natal, sobre Baltazar Dias, também de João França –, ambos com encenações de Eduardo Luiz, definiram um ano artístico que incluiu As Vedetas, de Lucien Lambert, em mais uma encenação experimental de dois formandos do 8.º CFA: Miguel Vieira e Duarte Rodrigues. Concluiu-se o ano artístico com a realização do 3.º ERG Teatro e – integrado no projeto de itinerância – a peça Quase por Acaso um Emigrante, de João França e encenação de Eduardo Luiz, apresentou-se no teatro Circo, em Braga. Os ensaios passaram a decorrer no auditório do jardim municipal. Foi no ano de 1995 que, no palco do TMBD, o TEF apresentou O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado. A Floresta dos Sonhos, a partir de Mendes de Carvalho e Orlando Neves, marcou a estreia da companhia no cineteatro municipal de S.to António (daqui por diante, Cineteatro), cedido pela edilidade para residência artística do grupo. Ainda para o público adulto, seguiu-se a estreia de A Excomungada, de Bernardo Santareno, e de A Boda, de Bertolt Brecht. As quatro encenações do ano artístico ficaram à responsabilidade de Eduardo Luiz. No ano de 1996, teve lugar o 10.º CFA, por Eduardo Luiz. Estrearam: O Natal do Gato Amarelo, de Marcela Costa; Antes… Que a Noite Venha, de vários autores; O Papão e o Sonho, de José Jorge Letria (gravada posteriormente para a RTP Madeira, com realização de António Plácido); e Soprou Vento Leste, de Lília Bernardes, que se manteve em itinerância até 2006 – todas encenações de Eduardo Luiz. O TEF, em 1997, celebrou um contrato-programa com a RAM, através da Secretaria Regional do Plano e da Coordenação e da SRTC, passando a receber um subsídio anual e a contar com uma nova sede para o funcionamento integral das suas atividades. Estreou as peças Big Bang – Missão (Im)Possível, de Kiko Palmeira, e Hakim – O Contador De Histórias, de Norberto D’Ávila, ambas com encenação de Eduardo Luiz. Subiram à cena no TMBD A Ilha de Arguim, de Francisco Pestana (mais tarde gravada para a RTP Madeira, com realização de António Plácido) e o recital Fugas – Sons, Palavras e Movimentos, com seleção de textos de Fátima Marques, ambas com encenação de Eduardo Luiz. Em dezembro de 1998, a sede passou da rua nova de S. Pedro para o centro cívico Edmundo Bettencourt. Com o apoio do Inatel e do departamento cultural da CMF, realizou-se o 4.º ERG Teatro. Ocorreu também o 11.º CFA, dirigido por Eduardo Luiz. Estrearam: A Viagem De Um Barquinho, de Sílvia Ortoff, com encenação e adaptação de Cíntia (Kiko) Palmeira, no Cineteatro; No Limiar da Loucura, de Michel de Ghelderode, com encenação de António Plácido, e A Ilha Dos Escravos, de Marivaux, com encenação de Élvio Camacho, ambas apresentadas no TMBD. Estrearam ainda A Outra História da Carochinha, de Natália Teles, com encenação de Ester Vieira; e O Enterro, de Fernando Augusto e encenação de Carlos Cabral, no Cineteatro. Em 1999, o Estabelecimento Prisional do Funchal e o TEF celebraram um protocolo de serviços. Estreou Era uma Vez... Duas Histórias Duma Vez, de António Manuel Couto Viana, com encenação de Miguel Vieira. Foi um espetáculo infanto-juvenil representado durante três semanas no TMBD, alcançando 9000 espetadores. Estreou também o espetáculo de café-concerto Strip – Apêndice de Humores, de vários autores, e Iria E. Biritá, de Magda Paixão, ambos com encenação de Eduardo Luiz e representadas no Cineteatro. No ano de 2000, realizou-se o 5.º ERG Teatro. O grupo, ao fim de 25 anos, registou uma série de espetáculos e de outras atividades que lhe permitiram estruturar de maneira diferente os seus serviços. A designação de “Companhia Teatro Experimental do Funchal” surgiu como forma de definir o grupo, constituindo para isso um elenco artístico para os espetáculos infanto-juvenis. Estrearam novas produções: O Noivado, de Almeida Garrett, com encenação de Márcia das Dores, no palco da Juventude Antoniana; e Ema, a partir do romance de Maria Teresa Horta, com dramaturgia e encenação de Duarte Rodrigues, no teatro municipal. No Cineteatro ocorreram os seguintes espetáculos: O Feiticeiro De Oz, de Lyman Franck Baum e encenação de Kot-Kotecki, para o público infanto-juvenil; As Rosas Suicidam-se, de Ramon Gómez de la Sierra (baseado na tradução de Jorge Silva Melo), com encenação de Bruno Bravo e Élvio Camacho, em itinerância até 2001; e A Tia Proezas, de Magda Paixão, com encenação de Eduardo Luiz. Os seguintes espetáculos definiram o ano artístico de 2001: O Planeta De Cristal, com autoria e encenação de Fátima Rocha, e Pastéis de Nata Para a Avó, de Fernando Augusto, com encenação de Eduardo Luiz, ambos no TMBD; A Menina do Sorriso Branquinho, de Magda Paixão, com encenação de Eduardo Luiz, no jardim municipal; À Porta Fechada, de Jean Paul Sartre, com encenação de Kot-Kotecki, também no TMBD; e A Canção Do Realejo, com autoria e encenação de Ester Vieira. No ano de 2002, fizeram parte da programação: Um Gil, Agora o Direi, com textos de Gil Vicente, compilação e encenação de Carlos Cabral, integrado nas comemorações vicentinas no TMBD; A Máquina Do Tempo, de Natália Teles, com encenação de Fernando Augusto; Max, espetáculo de improvisação dirigido por Fabrizio Pellagatti; As Aventuras Do Pinóquio, a partir de Carlo Collodi, com encenação de Kot-Kotecki; Mééé, Tudo É Como É, com textos de Fernando Pessoa e do seu heterónimo Alberto Caeiro, com encenação de Élvio Camacho e Paula Erra. Estes espetáculos mantiveram-se em itinerância até 2009. No ano artístico de 2003, quatro espetáculos se destacaram: Caminhos em Lama, de Magda Paixão, com encenação de Eduardo Luiz para palco (mais tarde gravado para a RTP Madeira, com realização de António Plácido); Quem Tem Medo de Anton Tchékhov, de Anton Tchékhov, com encenação de Bruno Bravo; Atirem-Se ao Ar, de António Torrado e com encenação de Rui Sérgio; e O Circo dos Bonecos, de Oscar Von Pfuhl e com encenação de Eduardo Luiz. Subiram à cena em 2004: A Menina Do Sorriso Branquinho, de Magda Paixão, com encenação de Eduardo Luiz (reposto no jardim municipal); Audição com Daisy ao Vivo no Odre Marítimo, de Armando Nascimento Nóbrega, com encenação de Eduardo Luiz, no TMBD; Maria Minhoca, de Maria Clara Machado, com encenação de Kot-Kotecki; e Rometa e Juliú, com versão cénica de Eduardo Luiz e Magda Paixão, a partir do texto de Yara Silva, com encenação de Eduardo Luiz. No ano de 2005, o TEF acolheu a teatroteca Fernando Augusto, um espólio de livros e revistas de teatro do ator Élvio Camacho. Subiram à cena no TMBD: O Tartufo, de Molière, com encenação de Bruno Bravo; e Matemáticas Assassinas, de Magda Paixão, a partir de Kjartan Poskitt, com encenação de Eduardo Luiz, Os espetáculos definidos no plano artístico foram: Atores de Boa-Fé, de Marivaux, com encenação de Kot-Kotecki; e Lianor no País Sem Pilhas, de Armando Nascimento Rosa, com encenação de Élvio Camacho. O TEF foi nomeado para a 1.ª Gala da RTP-DN, onde foi galardoado com o troféu vencedor, na categoria Teatro. Foi em 2006 que a natureza jurídica do TEF passou para “associação cultural sem fins lucrativos”. Estrearam nesse ano: Zaragata no Calhau, de Carlo Goldoni, com encenação de Élvio Camacho, no TMBD; A Princesa Dos Pés Grandes, de Natália Teles, com encenação de Élvio Camacho; e O Patinho Feio, a partir de Maria Clara Machado e Hans Christian Andersen, com encenação de Eduardo Luiz, no Cineteatro. A 19 de dezembro, o Governo Regional da Madeira homenageou o TEF “pelos relevantes serviços prestados na área da cultura”. Em 2007, foi atribuído à associação o estatuto de “utilidade pública de pessoa coletiva”. Produziram-se diversos espetáculos, como: Verdes Aventuras de D. Quixote, de Fernando Augusto e com encenação de Élvio Camacho; Credo, de Craig Lucas, com encenação de Élvio Camacho; e, com encenação de Eduardo Luiz, Branca Como A Neve, mais uma produção para o público infanto-juvenil, com texto e dramaturgia de Magda Paixão, a partir do original do encenador. Zaragata no Calhau foi reposta no Cineteatro. No ano de 2008, estreou-se Strip, Bang-Bang – Mixórdia do Gargalho, de vários autores, com encenação de Eduardo Luiz. Para as comemorações dos 500 anos da cidade do Funchal, montou-se no TMBD um espetáculo a partir de Thornton Wilder: A Nossa Cidade, com encenação de Élvio Camacho. O ano artístico completou-se no Cineteatro com Histórias da Deserta Grande, de José Viale Moutinho, e Aventura no Funchal, de Avelina Macedo, também com encenações de Élvio Camacho. Apresentou-se em 2009: Greve de Sexo, de Aristófanes, com encenação de Élvio Camacho, no TMBD e no Cineteatro; O Pomar de D. Abundância, a partir de Roberto Merino; e Amigos e Diabretes, com versão de Eduardo Luiz e Magda Paixão, a partir de Kikerikiste, de Paul Maar, com encenações de Eduardo Luiz. No ano de 2010, durante as comemorações do centenário da República, o TEF estreou: O Conde Barão, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, com encenação de Eduardo Luiz, no Cineteatro (reposto ainda nesse ano, no TMBD); Zé Pateta, Zé Poeta, de Natália Teles, com encenação de Élvio Camacho; e O Príncipe que Queria um Castelo no Ar, de Avelina Macedo, com encenação de Eduardo Luiz. Em 2011, foram apresentados os seguintes espetáculos: A Mandrágora, de Maquiavel, e A Estrela Perdida, de Magda Paixão, a partir do conto de Francisco Fernandes, com encenações de Eduardo Luiz; Madeira My Dear, a partir de Ernesto Leal, que se manteve em itinerância até 2013; e Vampirilda, de Paulo Sacaldassy, com encenações de Élvio Camacho. Os espetáculos da temporada artística de 2012 foram: Schweik na Segunda Guerra Mundial, de Bertolt Brecht, com encenação de Élvio Camacho; O Príncipe com Orelhas de Burro, a partir de Fernando Passos, com encenação de Eduardo Luiz; O Amansar da Fera, de William Shakespeare, com encenação de Diogo Correia Pinto; Os Prisioneiros, a partir de Mário Golen, com encenação de António Plácido; e Um Bolo de Mel para o Cusca, de Magda Paixão, com encenação de Eduardo Luiz. A teatroteca Fernando Augusto deixou a associação devido à dificuldade de gestão desse fundo. No ano de 2013, com dramaturgia e encenação de Diogo Correia Pinto, estrearam: Dramas e Papaias, em parceria com o grupo QuandoéqueteCalasTeatro, e, com produção do TEF, O Avarento, de Molière. Estrearam ainda: Hakim e a Arca de Sândalo, a partir de Norberto D’Ávila; e Big-Bang, Missão (Im)Possível, de Cíntia Palmeira (versão diferente da apresentada em 1997), com dramaturgia e encenação de Eduardo Luiz. Durante o ano artístico de 2014 o TEF apresentou: A Vizinha do Lado, de André Brun, com encenação de Eduardo Luiz; As Três Cidras do Amor, de Yvette K. Centeno, com encenação de Duarte Rodrigues; e A Gata Borralheira, a partir de Maria Clara Machado, com encenação de Eduardo Luiz. Até julho de 2015, subiu à cena Uma Freira dos Diabos, a partir de Miguel Mihura, e Tio Elvão e a Boneca Abandonada, de Eduardo Luiz, a partir de Alphonse Sastre, ambos com dramaturgia e encenação de Eduardo Luiz. Em 2015, faziam parte da associação Eduardo Luiz, António Plácido, Pedro Cabrita, Emanuel Abreu, Paulo Renato, Duarte Rodrigues, Norberto Ferreira, Mário Bettencourt, Eugénio Cabral, Sílvia Marta, Ester Vieira, Magda Paixão, Márcia das Dores, Margarida Gonçalves, Ana Graça, Ana de França, Henrique Vieira, Maria dos Anjos, Cristina Loja e Carlos Pereira. Pela direção artística passaram: entre 1975 e 1978, Orlando Costa e Leopold Kielanowsky; entre 1978 e 1983, Roberto Merino; entre 1983 e 1985, Fernando Heitor; entre 1985 e 2015, Eduardo Luiz (em parceria com Élvio Camacho entre 2005 e 2012). Dentro da área de interpretação, o TEF contou com os seus sócios e com outros intérpretes, quer independentes, quer de outros grupos de teatro. Desde os anos 1990 até julho de 2015, conforme os arquivos existentes na associação, assistiram aos espetáculos do TEF mais de 428.000 espetadores, perfazendo uma média, nos últimos 25 anos, de 17.000 espetadores por ano. Dos 134 espetáculos produzidos desde a sua formação, 62 foram especificamente para o público infanto-juvenil. O grupo apresentou um variado género de espetáculos: performances e instalações teatrais, bem como animação, teatro e poesia de rua. Na sede do grupo, situada no centro cívico Edmundo Bettencourt, além dos serviços administrativos, encontrava-se também, em 2015, o espólio de guarda-roupa e adereços do grupo, assim como um pequeno salão para ensaios, formações e trabalhos. No Cineteatro, local para ensaios e espetáculos, mantinha-se armazenada parte do material cenográfico, assim como toda a sua aparelhagem de luz e som. Desde 1984 até 2015, o grupo obteve diversos apoios sendo o Governo Regional através da DRAC, o seu principal patrocinador. Entre 2012 e 2014, o TEF usufruiu de um apoio subsidiário de 20.000 € por ano e da cedência do espaço onde funciona a sede da associação. A CMF, por seu lado, tem apoiado com a cedência do Cineteatro. O TEF tem contado também com apoios de várias empresas em géneros, que faz diminuir em muito os custos de produção. A existência de um património que foi sendo acumulado ao longo dos 40 anos de atividade teatral permitiu-lhe continuar a montar peças de teatro a baixo custo, contando também com a colaboração gratuita de artistas e técnicos de todas as áreas. O TEF promoveu várias oficinas de formação para artistas e para a comunidade (crianças, jovens e adultos) em diversas áreas de teatro, contando com professores e artistas da associação, do país e do estrangeiro. Apoiou animações culturais, diversos grupos de teatro na RAM e instituições de solidariedade social. Contou, no seu percurso, com a colaboração do AtCF, do Inatel, da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, do teatro nacional D. Maria II, da Secretaria Regional da Educação e da Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo Chapitô. Desde 1999, apoiou o Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira Eng.º Luiz Peter Clode no empréstimo e cedência de adereços, de guarda-roupa e de espaços para as apresentações dos exercícios práticos do Curso Profissional de Artes do Espetáculo – Interpretação. Sob parceria protocolar, os formandos do 3.º ano realizaram a sua formação em contexto de trabalho, através de um estágio, integrando um dos espetáculos do TEF. Apoiou também diversas entidades (escolas, juntas de freguesia, grupos de teatro e privados), emprestando adereços e guarda-roupa, e cedendo espaços para ensaios e apresentações. Em 1997, iniciou o programa de rádio A Voz do Teatro (mais tarde Bastidor), emitido durante 17 anos (inicialmente no posto emissor do Funchal e, mais tarde, na RDP Antena 2). Os principais objetivos e a missão da associação – além dos mencionados estatutariamente, através do seu grupo TEF e do seu núcleo de formação para crianças, jovens e adultos (Núcleo de teatro infantil Tefos [ex-Tefinhos], grupo de teatro juvenil e 12.º CFA) – foram sempre sensibilizar e promover o teatro no arquipélago da Madeira, centrando-se no teatro para a infância e a juventude e num trabalho de itinerância, de forma a abranger os diversos níveis etários, sociais e intelectuais. A companhia estabeleceu o seu trabalho artístico de forma eclética, estruturando-o pontualmente, tendo sempre em atenção a atualidade, o tipo de público e o seu conhecimento de teatro e das suas obras. Eduardo Luiz (atualizado a 04.10.2016)

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andrade júnior, francisco de

Francisco de Andrade Júnior nasceu em 1806, no dia 6 de junho, no Funchal, cidade onde recebeu a sua instrução inicial, cursando os estudos que então aí existiam, e onde morreria a 23 de fevereiro de 1881. Após a criação, em 1836, do ensino liceal, por decreto de 17 de novembro desse ano, que determinava a existência de um liceu na capital de cada distrito do continente e das ilhas, terminando assim a dispersão da lecionação das aulas pelo país, Francisco de Andrade Júnior foi nomeado, por decreto de 4 de setembro de 1838, professor de Gramática Portuguesa e Latina e de Clássicos Portugueses e Latinos no Liceu Nacional do Funchal (fundado em setembro de 1837 no edifício das antigas Aulas do Pátio), cargo que exercia já interinamente, por carta do Conselho Provincial de Instrução Pública de 23 de março do mesmo ano. Professor respeitado, considerado um dos mais distintos do Liceu do Funchal (posteriormente, a Escola Secundária Jaime Moniz), aí desempenhou também a função de reitor, de 1866 – sucedendo a Marceliano Ribeiro de Mendonça, autor da obra Principios da Grammatica Applicada á Lingua Latina (1835) – até ao ano da sua morte, sendo também, e por inerência do cargo de reitor que exercia, comissário dos estudos do distrito do Funchal, com responsabilidades de vigilância e direção das escolas do ensino primário e secundário com subordinação ao Conselho Superior de Instrução Pública. Neste âmbito, é da sua autoria o Relatorio sôbre as Escholas Municipaes de Instrucção Primaria do Concelho do Funchal, Seguido de um Projecto de Lei ácerca da Creação e Frequência das Escholas (1849). Além de desempenhar estes cargos, Francisco de Andrade Júnior, que foi também vereador na Câmara Municipal do Funchal, dedicou-se ao estudo da gramática da língua portuguesa, sendo autor das obras Principios de Grammatica Portuguesa, editada em 1844, Grammatica Portuguesa das Escholas Primarias, cuja primeira edição data de 1849, sendo reeditada cinco vezes até 1879, e Grammatica das Grammaticas da Lingua Portuguesa…, publicada em 1850.   Aida Sampaio Lemos (atualizado a 22.09.2016)

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alterações climáticas

As alterações climáticas apresentam-se nos alvores do séc. XXI como um dos temas que mais atenção tem recebido por parte da comunidade científica, decisores políticos e económicos. Esta importância advém não só da magnitude dos impactes negativos que lhes têm sido associados ao nível dos ecossistemas e atividades económicas, como também da magnitude dos impactes potenciais previstos em função de projeções climáticas produzidas. As mudanças climáticas são um processo comum ao longo da história geológica da Terra, sendo mesmo interpretado como uma norma e não como a exceção. Vários registos fósseis permitem inferir mudanças profundas nas condições paleoambientais, onde se identificam oscilações climáticas que contemplam tanto períodos quentes e húmidos, aos quais se associa a expansão das massas florestais, como períodos frios, caracterizados pela expansão das massas de gelo continentais e calotes polares. Esta oscilação climática bastante pronunciada é evidente em escalas temporais da ordem dos milhares ou milhões de anos. Se a escala temporal for reduzida para a ordem das centenas de anos, então essas variações assumem uma oscilação muito menos significativa, como é possível inferir a partir da análise de registos históricos, onde apenas é possível identificar, no caso das plantas, mudanças fenológicas com base nos registos da época das colheitas, induzir impactes associados através da arte, como no caso da pintura durante a Pequena Idade do Gelo na Europa (séc. XV a séc. XVIII), ou através dos anéis de crescimento de árvores (dendrocronologia). Mas foi o registo contínuo do comportamento dos elementos climáticos  (v.g.: temperatura, precipitação, humidade relativa, etc.) que permitiu identificar mudanças climáticas a escalas ainda mais finas que o século. Foi com base nos registos efetuados (séries climáticas), numa parte significativa do globo terrestre durante o séc. XX, que foi possível confirmar as tendências de aquecimento climático na segunda metade deste século, determinado por um aumento da temperatura média. Identificado como “aquecimento global”, vários são os impactes que lhe são associados, nomeadamente a fusão dos gelos dos glaciares continentais e calotes polares, maior intensidade e frequência dos paroxismos climáticos (ciclones tropicais, precipitações intensas, secas prolongadas), alterações nas rotas de espécies migratórias, modificações na distribuição de animais e plantas, redução do número de dias com cobertura nivosa, bem como a antecipação da fusão da cobertura nivosa, entre outros. Esta tendência climática, evidente a partir dos anos 70 nas análises de tendências climáticas, tem sido relacionada com o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, uma consequência da intensificação e expansão de atividades humanas que dependem energeticamente do consumo de combustíveis fósseis, cuja combustão é responsável pela libertação de grande quantidade de gases com efeito de estufa para a atmosfera (v.g.: dióxido de carbono). Além de ter sido considerada estatisticamente significativa, esta tendência climática teve já reflexos, nomeadamente em termos fenológicos, promovendo uma antecipação da época de floração e frutificação nas plantas. O impacte das mudanças climáticas nas ilhas da Macaronésia Apesar das diferenças em termos de magnitude e direção nas mudanças climáticas projetadas, é expectável que os impactes associados às mudanças climáticas sejam inflacionados por sinergias entre fatores em pequenas ilhas habitadas, nomeadamente devido às consequências do uso do território pelas atividades humanas. O grau de vulnerabilidade destes territórios depende muito dos respetivos atributos geográficos e do domínio em análise. No caso de alguns arquipélagos da Macaronésia (Madeira, Canárias), o seu caráter insular e posicionamento foi determinante para explicar o seu papel como refúgios para elementos florísticos relacionados com a flora paleotropical, que aqui sobreviveram às crises climáticas plio-pleistocénicas, responsáveis pela sua extinção nos territórios continentais próximos, uma dinâmica confirmada por estudos filogenéticos e registos fósseis. Estes arquipélagos mantiveram condições ambientais adequadas à permanência de vegetação perenifólia de folhas largas, já extinta no território europeu desde o final do Pliocénico (Piacenziano – 3,6-2,6 Ma), devido a um processo de degradação climática iniciada no final do Miocénico. Na verdade, um clima quente, húmido e sem estações bem definidas, que permitiu a presença de flora paleotropical na Europa ocidental até ao Miocénico (23-5,3 Ma), deverá ter persistido até ao Pliocénico médio (4,1 Ma) nos arquipélagos atlânticos, uma inferência suportada na presença de registos fósseis em depósitos marinhos mio-pliocénicos nas Canárias orientais, nomeadamente gastrópodes marinhos de águas pouco profundas atualmente associadas a latitudes tropicais. O arrefecimento climático associado aos reajustes na circulação oceânica e atmosférica decorrentes do encerramento definitivo do istmo do Panamá (2,5 Ma) deverá ter implicado algumas mudanças espaciais, e talvez florísticas, na organização dos tipos de vegetação neste grupo de arquipélagos atlânticos, sem que no entanto possam ser comparadas com as alterações que ocorreram nesse período nos territórios continentais Europeu e Norte Africano. É precisamente neste período, marcado pela formação de calotes polares no hemisfério Norte, que se define a influência da cintura de altas pressões subtropicais, reforçando a estacionalidade das condições climáticas no sentido da mediterranização do clima devido a uma redução e concentração dos totais pluviométricos, suportando a definição de um regime climático estruturado em função de uma estação seca. O vigor desta estação seca terá sido menor nas ilhas oceânicas, principalmente nos arquipélagos mais setentrionais, onde a posição latitudinal (arquipélago dos Açores), o predomínio de massas de ar húmido, e as condições orográficas (ilha da Madeira) garantiram valores de precipitação anual mais elevados comparativamente aos territórios continentais. As condições orográficas terão sido mesmo determinantes no caso dos arquipélagos da Madeira e Canárias, pela presença de barreiras montanhosas perpendiculares aos ventos dominantes de nordeste. As massas de ar húmido, impelidas contra as ilhas durante a estação mais seca pelo impulso gerado pelos ventos Alísios, deveriam garantir valores de humidade relativa elevados, principalmente nas vertentes a barlavento, onde, à semelhança do padrão climático registado ao longo do séc. XX, seria muito frequente a formação de nevoeiros. Aliás, é neste enquadramento topográfico que se encontram as manchas mais significativas de laurissilva na ilha da Madeira e algumas ilhas do arquipélago das Canárias (Tenerife, La Gomera, La Palma). A favorecer a permanência desta flora esteve ainda o facto de o rigor do inverno, traduzido no registo de temperaturas negativas que promovem a formação de geada ou a ocorrência de precipitação no estado sólido, apenas tocar ligeiramente os picos mais elevados das ilhas (ilha do Pico nos Açores, maciço central na ilha da Madeira, pico Teide na ilha de Tenerife e maciço do Roque de los Muchachos na ilha de La Palma – Canárias). Poderá, no entanto, ter sido mais importante nos períodos mais frios, como na Pequena Idade do Gelo, provocando mesmo uma significativa contração da floresta de planifólios e formações termófilas de caráter mediterrâneo durante o último máximo glaciário (18-11,6 Ka), em paralelo com a expansão de comunidades dominadas por urzes, zimbro e teixo (nas Canárias verifica-se a expansão de Pinus canariensis), um cenário suportado pela análise de sequências sedimentares de fundos marinhos. Esta variação das condições climáticas pode ainda ser inferida a partir de depósitos costeiros, onde a alternância de fácies permite diferenciar: i) períodos mais frios e secos, caracterizados pela acumulação de areias eólicas de origem marinha, disponibilizadas num contexto de nível do mar mais baixo; ii) períodos mais quentes com alguma humidade, onde se identificam processos de pedogénese (construção de solo), embora muitas vezes incipientes, e restos vegetais, indicando condições ecológicas adequadas à colonização vegetal; iii) períodos de grande aridez, identificados por níveis de calcretos (precipitação de carbonatos). Todas estas variações climáticas permitiram, no entanto, que nestes arquipélagos atlânticos tivessem subsistido elementos florísticos com afinidade à flora paleotropical, como sejam alguns taxa associados à laurissilva, como fanerófitos perenifólios de folha larga, e pteridófitos, os quais estão incluídos no registo fóssil do território europeu, principalmente na Península Ibérica, onde terão permanecido até mais tarde, comparativamente à restante Europa. Um dos últimos momentos em que as mudanças climáticas implicaram significativas alterações ao nível dos ecossistemas ocorreu há cerca de 18.000 anos, e ficou conhecido por último máximo glaciário, tendo-se caracterizado por um período de arrefecimento muito pronunciado. Neste período, o território continental europeu registou um aumento significativo de glaciares de montanha, e registou uma redução significativa das florestas caducifólias temperadas, ao passo que se verificou um aumento significativo de vegetação associada a ambientes frios. Os arquipélagos atlânticos, dada a sua condição insular, beneficiaram do efeito suavizante do oceano, pelo que o processo de arrefecimento não terá sido tão pronunciado. No entanto, é expectável que tivessem ocorrido ajustes espaciais na representatividade dos tipos de vegetação presentes nas ilhas, no sentido de uma expansão dos tipos de vegetação mais tolerantes ao frio, como sejam os dominados por espécies como as urzes, o teixo, o zimbro e a sorveira. Mudanças climáticas na ilha da Madeira Nos registos históricos produzidos após a ocupação das ilhas no séc. XV é possível detetar o reflexo atenuado de mudanças climáticas, que no território continental europeu produzem impactes significativos. Na ilha da Madeira, a um avanço registado no período das colheitas nos sécs. XV e XVI, associado a um período mais quente, sucede um período mais frio e húmido nos sécs. XVII e XVIII, com o consequente atraso no período das colheitas. Esta oscilação corresponde à transição entre o período quente da Alta Idade Média e o período identificado como Pequena Idade do Gelo, sendo este último período caracterizado pela frequência de invernos muito rigorosos e longos, bem como verões muito curtos. Em termos de tendências climáticas no séc. XX, a análise das séries climáticas do Funchal, uma das estações com registo mais longo no arquipélago da Madeira, permite verificar alguma coincidência temporal ao nível das tendências climáticas identificadas para territórios europeus para o mesmo período. O padrão identificado mostra um aumento mais significativo da temperatura média a partir de 1975, suportado principalmente por uma diminuição da amplitude térmica diária, já que a temperatura mínima sofre um aumento superior ao registado pela temperatura máxima. Verifica-se mesmo um aumento do número de dias com temperaturas superiores a 25 °C no verão, bem como um aumento do número de noites tropicais (temperatura mínima superior a 20 °C). Ainda que não se identifique uma tendência clara em termos de precipitação, é identificado um aumento do número de verões sem registo de precipitação. Estas tendências climáticas, nomeadamente as associadas ao comportamento da temperatura média, que parecem configurar uma situação de tropicalização do clima, podem ter reflexos ao nível da saúde pública, nomeadamente pela ocorrência de doenças associadas aos ambientes tropicais, como é o caso de registos de dengue, cuja ocorrência no início do séc. XXI é consistente com esta suposição. Projeções climáticas para a ilha da Madeira feitas no começo do séc. XXI As projeções climáticas criadas para a ilha da Madeira estão baseadas no modelo Clima Insular à Escala Local (CIELO), um modelo climático construído para regionalizar (downscaling) parâmetros climáticos para o contexto de pequenas ilhas montanhosas, a partir dos resultados produzidos por modelos oceano-atmosfera de larga escala, como os modelos Hadley Centre Coupled Model, versão 3 (HadCM3) ou CSIRO Atmospheric Research, Australia (CSIRO_MK3.6), os quais suportam as projeções climáticas em cenários de emissão de gases com efeito de estufa (Special Reports on Emission Scenarios – SRES). Dadas as incertezas que subsistem em termos de comportamento futuro dos vários parâmetros que servem de base à criação destas projeções, são consideradas várias situações, identificadas como cenários possíveis: A1B, A1T, A1Fl, A2, B1 e B2. Cada cenário climático está associado a um determinado cenário de emissão de gases com efeito de estufa, que por sua vez está ancorado em parâmetros sócio-demográficos, económicos e tecnológicos precisos. Isto porque a dinâmica de emissão de gases com efeito de estufa está muito associada à variação em termos de consumo de combustíveis fósseis, o qual é condicionado pela dinâmica ao nível dos referidos parâmetros. Esta relação é a base da teoria que apresenta o aumento da concentração de gases com efeito de estufa como fator determinante para o fenómeno de aquecimento global identificado no final do séc. XX e início do séc. XXI, sendo este aumento o reflexo da dinâmica económica e demográfica, das condições sociais e do desenvolvimento tecnológico pós-Revolução Industrial. No caso da ilha da Madeira, as projeções climáticas, regionalizadas pelo modelo CIELO, baseiam-se no modelo de larga escala HadCM3. Em termos de precipitação, os cenários projetam um decréscimo dos valores anuais na ordem dos 20 a 35%, com perdas mais acentuadas na face Sul da Ilha. Em termos absolutos, as perdas mais elevadas são projetadas para os topos da Ilha, e podem atingir os 800 mm. Estes valores médios escondem, no entanto, tendências contraditórias ao nível estacional. Os cenários projetam um aumento dos valores de precipitação no período de verão, particularmente importantes na face Norte da Ilha no âmbito do cenário A2. Apesar de este aumento projetado para o verão não permitir superar o decréscimo previsto para o inverno, outono e primavera, revela-se como importante do ponto de vista ecológico, pois ocorre no período em que a disponibilidade de água representa uma limitação importante para as funções dos ecossistemas da Ilha. Ao nível da temperatura projeta-se um aumento em todos os cenários (v.g.: A2: 2,4-3 °C; B2: 1,6-2.2 °C), um aumento que se prevê mais pronunciado nas áreas costeiras da face Norte da Ilha. No inverno o aumento projetado para a temperatura média está estruturado principalmente pelo aumento mais significativo da temperatura mínima, promovendo uma redução das amplitudes térmicas diárias, sendo este aumento previsto mais significativo nos topos da Ilha. Estas projeções desencadearão um processo de reajuste dos sistemas naturais, o que certamente terá reflexos nos recursos naturais, principalmente em pequenas ilhas, como é o caso da ilha da Madeira, com reflexos importantes nas sociedades cujas atividades dependem da exploração destes recursos. No caso da ilha da Madeira, os reflexos podem ocorrer em vários domínios, de forma direta ou indireta: i) na disponibilidade de recursos hídricos, fortemente dependente das condições climáticas; ii) no aumento da vulnerabilidade à ocorrência de paroxismos climáticos, como o aumento da frequência e intensidade de eventos de precipitação intensa, favorecendo um aumento da suscetibilidade à ocorrência de episódios de aluvião; iii) pela subida do nível do mar, com importantes reflexos na área costeira, principalmente devido à concentração das áreas urbanas e infraestruturas ligadas ao turismo em áreas de baixa altitude junto mar; iv) o aumento da vulnerabilidade à proliferação de doenças tropicais (dengue, malária, febre do Nilo Ocidental), pela possibilidade de ocorrer a instalação de vetores, com implicações na saúde pública e na atratividade do destino turístico; v) devido a mudanças nas florestas nativas da Ilha, não só por fatores internos, associados às exigências ambientais das espécies que as constituem, como por fatores externos, como o aumento do risco meteorológico de incêndio florestal; vi) a extinção/extirpação de espécies endémicas por alterações nos habitats. Todas estas alterações, com múltiplas relações com diferentes sectores, podem promover um “efeito cascata”, provocando um impacte muito forte no equilíbrio da Ilha. Ao nível dos recursos naturais, os recursos hídricos, as florestas nativas e a biodiversidade mereceram já especial atenção ao nível da definição de medidas de mitigação de impactes e adaptação a novas condições, dadas as vulnerabilidades identificadas. Impactes previstos nos recursos hídricos Tendo em conta a redução prevista dos totais pluviométricos anuais e o possível reforço da irregularidade ao nível do regime pluviométrico, é de esperar uma redução dos recursos hídricos disponíveis. Esta previsão é reforçada pelo facto de a redução prevista de totais pluviométricos ocorrer principalmente nos sectores de maior altitude, sectores onde ocorre preferencialmente o processo de recarga do sistema aquífero da Ilha. Esta previsão, com potenciais problemas no abastecimento, desencadeou a necessidade de definir planos de adaptação. Estes impactes poderão ser mais significativos se for considerado o importante contributo da precipitação oculta para o balanço hídrico da Ilha, o qual pode sofrer uma redução devido a uma alteração na posição e intensidade dos centros barométricos que determinam o padrão climático da Ilha. Refira-se a ação do anticiclone dos Açores, motor responsável pela frequência dos ventos Alísios, e um fator determinante para a formação de nevoeiros de origem orográfica na face a barlavento da Ilha, responsáveis pela ocorrência do tipo de precipitação mencionada. Impactes previstos na distribuição da flora endémica A flora endémica, nomeadamente as espécies exclusivas de distribuição mais restrita, pode apresentar maior suscetibilidade às mudanças climáticas projetadas, sofrendo alterações mais significativas na sua distribuição. Além de estarem associados a condições ecológicas específicas, a elevada suscetibilidade é reforçada pela elevada fragmentação e perturbação dos seus habitats, resultantes do padrão de uso do solo vigente durante séculos nas suas áreas de distribuição potencial. É expectável que as espécies endémicas, cuja distribuição atual está resumida a um reduzido número de populações constituídas por poucos efetivos nos topos das ilhas, figurem como o tipo de endemismo que apresenta susceptibilidade mais elevada aos impactes das mudanças climáticas, podendo verificar-se a extinção de condições adequadas à sua ocorrência. Entre os endemismos que mais se associam a esta descrição está o ameixieiro de espinho (Berberis maderensis Lowe), a sorveira (Sorbus maderensis (Lowe) Dode), a arméria da Madeira (Armeria maderensis Lowe) ou a urze da Madeira (Erica maderensis (Benth.) Bornm). [caption id="attachment_11692" align="aligncenter" width="807"] Fig. 1 – Área de ocorrência potencial, para as condições climáticas dos começos do séc. XXI, dos endemismos Berberis maderensis (A) e Sorbus maderensis (B).Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] São espécies que apresentam uma reduzida área de ocorrência potencial nos começos do séc. XXI (fig. 1), e os modelos preveem que em cenários climáticos futuros deixem de estar reunidas as condições adequadas à sua presença na Ilha, o que, aliado à sua atual restrição geográfica nos cumes da Ilha e reduzido número de populações de poucos indivíduos, pode configurar uma combinação deletéria de fatores, favoráveis à sua extinção. Impactes previstos nas florestas nativas Os impactes das alterações climáticas podem acarretar mudanças ao nível da área ocupada e composição florística das comunidades vegetais, pois os diferentes organismos, árvores ou arbustos, terão respostas diferenciadas perante as alterações das condições ecológicas derivadas. Dada a resiliência que massas florestais adultas apresentam em relação a mudanças ao nível das condições ambientais, é possível que os impactes das mudanças climáticas projetadas se manifestem primeiro em termos de vulnerabilidade a pragas e doenças, e só depois sejam percetíveis em termos de alterações de distribuição de algumas plantas, sem que a estrutura seja de imediato especialmente afetada. Segundo A. Figueiredo, e considerando apenas as projeções para dois cenários climáticos (A2 e B2), as alterações na área de distribuição potencial dos diferentes tipos de florestas presentes na Ilha (florestas e micro-florestas) variam conforme o cenário considerado, podendo mesmo apresentar tendências opostas. [caption id="attachment_11698" align="aligncenter" width="673"] Fig. 2 – Área de ocorrência potencial da laurissilva do til para as condições climáticas e começos do séc. XXI (A) e para o cenário A2 (B). Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] Segundo o autor, os modelos prevêem um aumento da área adequada à ocorrência do zambujal, principalmente na face Sul da Ilha, e da área adequada à ocorrência da laurissilva mediterrânea (laurissilva do barbusano), resultado de uma expansão em altitude na face Norte, superando a perda prevista para os sectores de menor altitude no lado Sul da Ilha. Apesar de os resultados dos modelos apontarem para um aumento da área potencial de ocorrência destes bosques, a verdade é que vários fatores podem condicionar esta previsão. Ambos os tipos de bosque estão na atualidade reduzidos a pequenas manchas limitadas a enclaves, o que limitará certamente a possibilidade de se reinstalarem nas áreas envolventes, a maior parte associadas a uso agrícola ao longo de séculos. Ou mesmo colonizarem novas áreas, dado o reduzido número de áreas-fonte de propágulos disponíveis. Mesmo considerando a importância da área agrícola afetada pelo abandono, o que poderia ser um fator favorável, desconhece-se a capacidade que as espécies estruturantes destes bosques apresentam em termos de competição com espécies exóticas invasoras, com algumas das quais apresentam uma sobreposição muito significativa em termos de áreas previstas como adequadas à sua ocorrência. No caso da laurissilva do til, também designada por laurissilva temperada, a floresta nativa que ocupa maior área no começo do séc. XXI, as alterações na sua distribuição, nomeadamente uma redução da área potencial, podem significar perdas importantes, dado o papel relevante ao nível do fornecimento de serviços (turismo, biodiversidade, proteção dos solos, balanço hídrico). A perda significativa da área adequada à ocorrência deste tipo de bosque, no âmbito dos resultados obtidos para o cenário A2 (fig. 2), está prevista para os sectores de menor altitude, enquanto se verifica uma expansão da área adequada a esta floresta nos sectores de maior altitude da Ilha, nomeadamente nas cabeceiras dos vales que se instalam nos maciços montanhosos e na bordadura norte do Paul da Serra. Esta expansão para sectores de maior altitude determinará certamente uma redução da área potencial dos urzais de altitude, reduzidos a pequenas manchas no início do séc. XXI. A avaliação dos impactes das mudanças climáticas na distribuição dos organismos na ilha da Madeira, nomeadamente das plantas, deve ter em conta o facto de que grande parte dos habitats foi de alguma forma perturbado pelas atividades humanas. Assim, a distribuição das espécies está certamente enviesada pela fragmentação de habitats, uso do solo, etc., o que favorece um aumento da incerteza nos resultados dos modelos. Como a área profundamente alterada pelas atividades humanas constituirá um obstáculo à ocupação de novas áreas pela vegetação nativa, ajustando-se a um novo padrão climático, será benéfico considerar possíveis cenários de mudança no uso do solo, tendo em conta tendências observadas no final do séc. XX e início do séc. XXI, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados dos modelos, considerando a sua importância para a definição de medidas de mitigação e adaptação a novas condições climáticas.   Albano Figueiredo Miguel Sequeira (atualizado a 14.09.2016)

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alçadas

Infante D. Henrique Leopoldo de Almeida   A justiça era o atributo máximo dos reis; em relação à Madeira, logicamente, e dada a distância e descontinuidade territorial, foi de início delegada, mas parcialmente, nos representantes dos monarcas. Primeiro, no donatário, o infante D. Henrique (1395-1460), e nos seus capitães, pois o Rei D. João I, na doação do arquipélago ao infante, a 26 de setembro de 1433, reservara para a coroa o princípio da maioria da justiça e da cunhagem da moeda. Depois, nos capitães do donatário e, logo, também nas vereações camarárias, que eram ainda um tribunal; mais tarde, igualmente nos ouvidores e corregedores, eles próprios “com alçada”, ou seja, com determinado âmbito de jurisdição. Denominavam-se alçadas, antigamente, os tribunais coletivos e ambulantes que, percorrendo o território, administravam a justiça em nome do rei. Escreve António de Morais Silva, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, a partir de Vida do Arcebispo de frei Luís de Sousa, que “chamamos alçada a uns tribunais ou casa de justiça, que constam de presidente e companhia, e autoridade de ministros, os quais em forma de ‘Relação’ discorrem por todos os povos com poderes reais, como em visita geral, a desfazer agravos, castigar insultos, tolher forças e humilhar poderosos, que mal usam do seu poder” (SILVA, 1949, I, 568). O termo é, ainda, sinónimo de competência, jurisdição, limite de ação e influência, e aplica-se igualmente à Igreja (Auditório eclesiástico, Jurisdição eclesiástica). Certamente, não com a frequência com que ocorreu com a jurisdição real e não-alçadas eclesiásticas vindas do reino, cuja competência canónica era muito restrita na diocese do Funchal, nem de Roma, cuja distância colocava a Ilha a coberto de uma intervenção desse género através do prelado diocesano, que, face a queixas recebidas e a informações transmitidas pelos seus visitadores, e encontrando-se por vezes em Lisboa, determinava o envio de alçadas a várias freguesias da Madeira. Assim aconteceu com a maioria dos prelados, primeiro, pessoalmente e, depois, por delegados, com especial relevância no caso de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742) (Jacobeia). Inclusivamente, o bispo possuía prisão própria para os chamados delitos de foro misto, o aljube, sendo os eclesiásticos presos na torre da Sé, embora também tenha havido não eclesiásticos aí detidos. Nos meados do séc. XV, aparecem de imediato na Ilha elementos com determinadas alçadas ou jurisdições enviados pelo donatário como ouvidores, surgindo os primeiros a pedido dos moradores, para uma mais eficaz e correta aplicação da justiça. O primeiro ouvidor do duque D. Fernando (1433-1470), sobrinho e herdeiro do infante D. Henrique, foi Dinis Anes da Grã, nomeado a 10 de maio de 1466 e enviado a pedido dos procuradores da Ilha, então Mem Rodrigues de Vasconcelos, fidalgo da casa do duque, e Gonçalo Anes de Velosa, escudeiro, que o solicitaram por entenderem ser necessário “mandar prover sobre a justiça e boa governação” da Madeira (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 1, fls. 134-135). A jurisdição ou alçada de Dinis Anes da Grã, sob a forma de regimento ou de carta, com competência em ambas as capitanias, Funchal e Machico, permitia-lhe realizar a eleição dos juízes e oficiais do concelho, encarregar-se de “todos os feitos crime que a mim pertencer livrar, e cíveis, que forem sobre dívidas e contratos, e outros feitos semelhantes, ora sejam começados ou por começar”, como escreveu o duque, determinando ainda que “os despacheis”, para “livres, sem mais, virem a mim” (Id., Ibid.). Competia-lhe também decidir conjuntamente com o capitão e o almoxarife sobre “os feitos e demandas” relativos às águas e “doações de terras”, e quando estivesse em desacordo com o capitão nessas matérias, deveria fazer registo de tudo para ser presente ao duque-donatário (Id., Ibid.). Não sabemos quanto tempo Dinis da Grã esteve na Ilha. Ainda aí se encontrava a 4 setembro desse ano de 1466, quando o duque enviou uma carta ao mesmo ouvidor sobre a coutada a estabelecer no Funchal para “os bois de arado e bestas de servidão”, dado que para o trabalho das sementeiras não havia “bois que os possam servir” e que seria situada acima da praia Formosa (Ib., Ibid., fls. 136-136v.). O ouvidor faleceu, entretanto, mas não sabemos se na Madeira. Com efeito, em carta de 6 de agosto de 1468, sobre a jurisdição do Funchal em relação ao lugar de Câmara de Lobos, já o duque refere que “umas posturas que Dinis Anes da Grã, meu ouvidor que Deus perdoe”, tinha dado aos moradores daquele lugar atribuía-lhes determinadas prerrogativas sobre “penas e coimas”, pelo que os mesmos moradores entendiam não ter de participar na procissão de Corpo de Deus da vila do Funchal, determinando-se então que eram parte integrante da mesma vila, devendo obediência à dita (Id., Ibid., fls. 270-271). Simão Gonçalves da Câmara_1527-1531   Com o falecimento do infante e duque D. Fernando, em 1470, assumiu a administração da Ordem de Cristo a infanta D. Beatriz (1430-1506). Na menoridade dos seus filhos, enviou também logo ouvidores com idêntica alçada, designadamente Luís Godinho, em 1478, que serviria depois sob a administração do duque D. Manuel (1469-1521). Seguiu-se, em 1485, Brás Afonso Correia e, em 1493, Fernão de Parada. Nos anos sequentes, subindo D. Manuel ao trono e integrando a Madeira na coroa “para sempre”, a 27 de abril de 1497 (Id., Ibid., fls. 272-273v.), face ao protagonismo excessivo assumido pelo Cap. Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530) (Câmara, Simão Gonçalves da) e a arbitrariedades várias, houve que proceder de uma outra forma, enviando especificamente um corregedor, que veio a suspender aquele capitão e os seus ouvidores. Já antes, o rei D. Manuel, logo após o falecimento do segundo capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1414-1501), fizera partilhar a capitania do Funchal, criando mais duas câmaras: Ponta do Sol, em 1501 e Calheta, em 1502. Depois, em 1508, estando a “igreja grande” do Funchal quase pronta e sagradas as suas paredes, elevou a antiga vila a cidade e ainda, em 1514, conseguiu de Roma a elevação a sede de diocese para a mesma, medidas que fizeram diminuir progressivamente o referido protagonismo local do terceiro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, que veio a ter o cognome de O Magnífico. Porém, tendo chegado a Lisboa queixas da sua atuação, o rei despachou para a Ilha, a 20 de fevereiro de 1516, Diogo Taveira, em correição, que suspendeu o dito capitão do Funchal. As queixas não eram recentes e já o anterior corregedor, Álvaro Fernandes, enviara ao rei, a pedido do mesmo, a 8 de julho 1504, um auto com o rol das dívidas do capitão. Mais tarde, em carta de 25 de outubro de 1515, também a Câmara do Funchal se queixava da intromissão do capitão nos seus assuntos e na jurisdição dos seus ministros. Simão Gonçalves da Câmara tomou a chegada do corregedor como uma afronta e ingerência nos assuntos da sua capitania, queixando-se às instâncias superiores do reino, invocando estar na posse da jurisdição do cível e do crime, sem dar apelação nem agravo, exceto nas sentenças de morte e talhamento de membro, como constava da sua confirmação à frente da capitania, pelo que não via razão para a sua suspensão e dos seus ouvidores. A 8 de outubro de 1516, o corregedor escreveu ao rei, dando conta das diversas irregularidades, nomeadamente fraudes à Fazenda cometidas pelos rendeiros, falta de administração da justiça e demoras nas demandas. Entretanto, também a Câmara se queixava do aumento da tabela dos selos determinada pelo capitão, que subira o imposto de 9 para $036 réis, provocando assim um substancial aumento das suas receitas, pelo que D. Manuel, a 6 de abril de 1517, ordenou ao corregedor que inquirisse dessa ocorrência e não consentisse o aumento. O Cap. Simão Gonçalves da Câmara, logo em 1516, perante a gravidade das acusações recolhidas pelo corregedor, saiu da Ilha com intenções de passar a Castela. No Algarve, terá tido conhecimento de que os reis de Fez e de Mequinez apertavam o cerco a Arzila, mandando organizar um socorro, após o que se instalou em Sevilha, onde ficou a aguardar notícias de D. Manuel. O rei pareceu sensibilizar-se com este rasgo imprevisto e até grandioso e, para não o ver ao serviço de Castela, “escreveu-lhe uma carta com grandes promessas e esperanças de lhe fazer as honras e mercês que tais serviços mereciam, mandando-lhe que viesse logo e tornasse para o reino que ele o despacharia conforme os seus merecimentos” (FRUTUOSO, 1968, 246-247). Mas isso escreveu Jerónimo Dias Leite e transcreveu, depois, Gaspar Frutuoso, assim tentando justificar a conduta do capitão do Funchal, pois o mesmo, em princípio, não voltou à Madeira, tentou vender a capitania e veio a falecer em Matosinhos, em 1530. Nas décadas seguintes, e no âmbito da história da Madeira, o termo “alçada” indica, especialmente, a chegada de um corregedor do desembargo régio com pessoal ao seu serviço, em resposta a um desmando grave ocorrido na Ilha e que alcançara ao conhecimento da corte. A partir dos finais do séc. XVI, o governador passou a ir à Madeira acompanhado de um corregedor; e, em 1681, o Rei começou a nomear também um juiz-de-fora para a Câmara com funções de correição, similar ao provedor que atuava na esfera da Fazenda. Mas a opção foi para desfasar temporalmente os períodos de estadia dos governadores e dos corregedores, que passaram a responder autonomamente à corte de Lisboa e, durante a União Ibérica, também à de Madrid; assim, estes dois elementos passaram a encarnar os lugares cimeiros da administração periférica da Coroa, vindo a ser designados, amiúde, ministros do Rei, tal como consta em muita documentação coeva. Nos finais do séc. XVI, em 1597, o vice-rei bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho, que fora bispo de Angra, enviou o corregedor André Lobo, “do desembargo de S. Majestade, el-rei e com alçada nestas ilhas”, à Madeira. André Lobo tomou posse a 26 janeiro de 1598 e compareceu no Funchal nos últimos dias do ano, tendo-se apresentado na Câmara a 1 de janeiro de 1599. Com este corregedor produziu-se um dos acontecimentos mais marcantes da organização governativa insular, ocorrido com a saída da Ilha do governador Diogo de Azambuja de Melo, em meados de outubro de 1599.   Membros do senado camarário_1821   Assim, a 31 de outubro, reuniram-se os vereadores na sede da Câmara, então nas traseiras da sé, com o bispo do Funchal, D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), o desembargador André Lobo, os vereadores camarários, “fidalgos, gente da governança e capitães” do presídio, “e saiu o bispo”, por 21 votos contra os 9 que teve o desembargador (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações 1599-1600, liv. 1314, fls. 45-47). A eleição faria jurisprudência na administração madeirense e, nos casos seguintes, não houve sequer votação, sendo o governo entregue, de imediato, ao prelado; esta situação do prelado como governador foi, depois, confirmada pela corte de Lisboa.     Vereadores da Câmara do Funchal em uniforme de gala-1816-1821   A primeira alçada do séc. XVII ocorreu em 1606, com o envio do desembargador António Ferreira, face às informações chegadas a Lisboa de que o governador João Fogaça d’Eça, descendente de Zarco, se recusara a expulsar quatro holandeses que viviam na Ilha, acusados de serem “correspondentes de rebeldes” (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1476, fl. 41). A indicação fora dada por Filipe III de Castela e configura um certo desnorte do governo, entre Madrid e Lisboa, com ordens e contraordens, acabando o governador por não ser suspenso, mas vindo a ser indiciado, em seguida, o do Porto Santo, Diogo Perestrelo Bisforte, a de 31 de outubro do mesmo ano, sendo impedido de continuar o exercício do cargo somente na alçada seguinte e tendo tido então ordem para se fazer apresentar na corte. Ao longo da primeira metade do séc. XVII e na vigência do governo filipino, foram, ainda, enviadas para a Ilha as alçadas do desembargador Simão Cardoso Cabral, em 1610; do desembargador da Casa da Suplicação, Gonçalo de Sousa, em 1614; do desembargador da Relação do Porto, Estêvão Leitão de Meireles, em 1627; e do desembargador da Casa da Suplicação, Ambrósio de Sequeira, em 1634. Estavam em causa, essencialmente, questões gerais de justiça que iam sendo notícia nas cortes de Lisboa e de Madrid, como queixas de assassinatos e, também, queixas relacionadas com o desvio de dinheiros da Fazenda, aspeto a que essas cortes estavam bastante mais atentas. A última alçada visou a cobrança do “donativo” ou “empréstimo” para o socorro do Brasil no valor de 30.000 cruzados (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1527, fl. 112v.; ANTT, Corpo Cronológico, parte 1, mç. 119, doc. 43; ARM, Câmara. Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1327, fl. 31v) e revela já alguns aspetos do levantamento geral que ocorria em Portugal contra o governo filipino. Face àquele pedido, a 18 de fevereiro de 1637, os representantes dos vinte e quatro mesteres do Funchal (Casa dos 24) apresentaram mesmo em Câmara uma contestação à nova contribuição; ela começa com a declaração seguinte: “A mais natural obrigação que têm os senhores reis e príncipes católicos é não usurparem aos seus povos e vassalos, etc., aqueles privilégios, leis e isenções que os seus” antecessores haviam dado (ARM, Registo geral, tombo 3, fls. 19v.-20v.). Pediam, assim, que as suas “razões de justa escusa” fossem levadas ao conhecimento do rei, pois, “por particulares erros, não por ofensas públicas, que nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, tinham sido castigados, desde 1615, “com três rigorosíssimas alçadas, com cujos custos não têm ficado aos moradores cabedal algum para acudirem às suas notórias e extremas necessidades” (Id., Ibid.). Os custos das alçadas caiam, logicamente, sobre os moradores, incluindo a residência do desembargador e do seu pessoal. Desta realidade já se havia queixado o governador D. Francisco de Sousa, em 1628, pedindo que fosse abreviado o tempo das alçadas, geralmente de três anos, mas, por consulta de 30 de janeiro de 1629, o seu requerimento não teve despacho favorável. A provisão régia de nomeação do desembargador Leitão de Meireles, p. ex., estipulava 1$000 réis por dia para o desembargador, $500 para o escrivão, $600 para o meirinho e mais $160 para cada homem armado, tudo ao dia, montantes que deveriam ser pagos pelos culpados, podendo-se fazer execução das suas fazendas. Mais tarde, em 1653, ao corregedor Dionísio Soares de Albergaria, determinava-se um salário de 1$200 réis por dia à custa da fazenda dos culpados executados; não havendo culpados ou não os podendo executar, seriam pagos 1$000 pela Fazenda Real. Grande parte destas averiguações corriam por denúncia, sendo os indiciados imediatamente espoliados dos seus bens e, não se confirmado depois as acusações, dificilmente os recuperavam, havendo inúmeras queixas a este respeito. A opinião dos representantes dos mesteres na Câmara do Funchal, alegando que “ofensas públicas” “nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, está muito longe de corresponder à realidade, pois sempre existiram e continuariam a existir. Nos finais do séc. XVI, p. ex., organizou-se no Funchal, durante a noite, uma “matraca” contra o desembargador André Lobo (ANTT, Chancelaria de Filipe II, Perdões e legitimações, liv. 3, fl. 108), na qual terá estado envolvido o poeta e novelista Tristão Gomes de Castro (1539-1611) (Alferes-mor), que veio a ter carta de perdão pela acusação a 30 de março de 1605. Mais tarde, o desembargador Gonçalo de Sousa, temendo um atentado, deixou a cidade do Funchal para se refugiar em Machico, como refere, posteriormente, o provedor da Fazenda Francisco de Andrade, em carta de 30 de agosto de 1646, acrescentando que, depois, dois meirinhos e quatro homens da alçada do corregedor Ambrósio de Sequeira tinham sido violentamente atacados e ficado feridos. A 21 de outubro de 1628, os mercadores da cidade também tinham organizado “duas mangas de gente armada com cevadeiros de pedras e fundas” contra o desembargador Leitão de Meireles, ação que culminou com uma surriada e lançamento de imundices à porta deste e que incluiu a colocação de papéis “difamatórios” em vários locais da cidade (VERÍSSIMO, 1995, 262). Nos tumultos tinham estado envolvidos Francisco do Couto e Almeida, perdoado a 11 de outubro de 1640, e Manuel de Atouguia da Costa, que chegara a estar preso em Lisboa. A partir do final desse ano de 1640, a situação da ordem pública no Funchal piorou, não só em relação às questões da Fazenda, que motivaram a carta do provedor, mas também em relação a quase todos os poderes instituídos e, muito especialmente, aos “ministros do rei”. Após a aclamação de D. João IV, na organização dos festejos determinados pela Câmara, a 25 de janeiro de 1641, ocorreram uma série de tumultos graves. O edifício da Câmara foi invadido e foi eleita uma nova vereação; ocupou-se o edifício da Alfândega e foi demitido o provedor Manuel Vieira Cardoso, que teve de se refugiar no paço episcopal, sendo nomeando, por aclamação dita popular, um outro, João Rodrigues Teive. Registam-se, igualmente, tumultos contra o governador Luís de Miranda Henriques, acabando por ser nomeado, um ano depois dos acontecimentos, por provisão régia de 9 de fevereiro de 1642, o corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, que se fez acompanhar pelo oficial Amaro Godinho Borges, apresentando-se ambos na Câmara do Funchal a 22 de março seguinte. Logo nesta apresentação, e perante o novo governador Nuno Pereira Freire, o juiz do povo Francisco Gomes solicitou que não se iniciasse a devassa antes de o governador cessante partir, para se poder apurar a verdade do que se passara. O corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, no entanto, vinha também indigitado como provedor da Fazenda, com provisão datada de 6 de março de 1642, demitindo o provedor nomeado durante os tumultos de janeiro do ano anterior e iniciando uma série de averiguações que levaram a apurar diversas dívidas à Fazenda, especialmente, respeitantes ao comércio com o Brasil e de que conseguiu ainda recuperar algum dinheiro, em agosto. Deste mês em diante, continuaram a ser detetados outros atrasos nos pagamentos à Fazenda e, no final de dezembro, os vereadores Manuel Homem e Luís Manuel Leme da Câmara foram indiciados como tendo também dívidas e, inclusivamente, como tendo estado envolvidos nas nomeações populares para a Câmara e para a Fazenda realizadas em janeiro de 1641. Dada não apresentação de ambos ao corregedor e uma vez que tentaram refugiar-se na Câmara, aquele foi aos paços do concelho com o governador nos últimos dias de dezembro, interpondo-se Pedro Bettencourt de Atouguia, que, após curtas palavras, puxou da espada e atingiu o corregedor. Gaspar Mouzinho de Barba veio a falecer na sé do Funchal, ao lado da Câmara, para onde fora recolhido, registando o assento de óbito, de 29 de dezembro de 1642, ter sido aí “onde morreu e o ilustríssimo e reverendíssimo D. Jerónimo Fernando o mandou sepultar, e tudo se lhe fez grátis” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73, fl. 163). Em nota à margem, ainda se regista que “levantou-se o povo que andava desenfreado e lhe deram uma estocada. Não se confessou” (Id., Ibid.). Pedro de Bettencourt de Atouguia veio a ser preso no castelo do Pico, mas fugiu com a ajuda do pai, acolhendo-se no convento de S. Bernardino (Convento de S. Bernardino), em Câmara de Lobos, de que a família era padroeira, acabando por ali ficar como leigo e ao abrigo da justiça, passando depois ao oratório de S. Sebastião da Calheta, que ajudou a fundar, vindo a professar como frei José da Encarnação, falecendo no local. O bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), conhecido como O Bravo, que ocupara por três vezes o lugar de governador, perante o caso e, acrescente-se, dado ter já uma certa idade, retirou-se para Lisboa, em finais de 1643, vindo aí a falecer; a diocese haveria de ficar em “sé vacante” durante mais de 20 anos. O rei D. João IV, numa primeira fase, condescendeu com a situação e, a 26 de janeiro de 1644, em carta ao governador, transcrita pelas câmaras do Funchal e de Machico e enviada ao cabido, recomendava que “se evitassem os efeitos de inimizades e ódios, ordenando-se às justiças que não procedessem contra pessoa alguma por coisas que sucedessem no tempo da sua feliz aclamação” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fl. 53; Id., Câmara Municipal de Machico, tombo 2, fls. 92-94; ANTT, Cabido da Sé do Funchal, mç. 4, doc. 17). À data, porém, não teria ainda conhecimento do assassinato do corregedor e, seis meses depois, a 28 de julho de 1644, como era hábito, enviou o juiz desembargador da Relação do Porto, Jorge de Castro Osório, com indicações especiais e ordem para investigar a morte do juiz corregedor anterior. Jorge de Castro Osório recebeu, na Madeira, o apoio do escrivão da alçada Amaro Godinho Borges, que, por uns tempos, chegara a servir como provedor da Fazenda. Faleceriam ambos num curto espaço de tempo, em princípio, envenenados: “mortos com peçonha”, como refere a mercê régia de D. João IV para a viúva do oficial de justiça e da Fazenda, concedendo dois lugares de freira para as filhas (Inventário dos Livros..., 1909, 110 e 213). Na Ilha, no entanto, refere-se apenas que morreram, como indicam os registos de óbitos da sé, de 17 de janeiro de 1646 e de 5 de maio seguinte, lendo-se, no primeiro: “Morre o Dr. Jorge Osório que andava em correição” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73). O rei não tomou, de imediato, medidas especiais, limitando-se a mudar o governador. Escolheu um fidalgo com fortes ligações familiares à Ilha e com propriedade na mesma, Manuel de Sousa Mascarenhas, esperando assim sanar os ânimos, mas tal não veio a acontecer. O governador Manuel de Sousa Mascarenhas teve patente a 22 de fevereiro de 1645 e compareceu na Madeira a 11 de abril, com ordens para inquirir sobre a ação do governador anterior, tal como viria a acontecer consigo e com os governadores seguintes. Em 1647, foi despachado para a Ilha Gaspar Machado de Barros, servindo de provedor da Fazenda; em 1653, Dionísio Soares de Albergaria, juiz com alçada e superintendendo também sobre os assuntos da Fazenda; e, em 1662, João Cordeiro Leitão, igualmente com alçada e ordens secretas. A situação de sé vacante e o início da monarquia absoluta, com questões específicas em relação à Madeira, colocaram o novo governador, D. Francisco de Mascarenhas, numa situação insólita. Com efeito, foi preso por um conjunto de fidalgos locais, a 18 de setembro de 1668, e encarcerado na fortaleza do Pico, tendo os revoltosos eleito um governador e enviado o deposto para o continente, o que nunca tinha acontecido na Madeira (Sedição de 1668). Pouco tempo depois, em 29 de março de 1669, aportou no Funchal o desembargador com alçada João de Moura Coutinho, com regimento especial para tirar residência ao governador-geral deposto. Seguiu-se Manuel Dourado Soares, a 1 de fevereiro de 1677, com regimento especial para tirar residência ao novo governador-general; depois, a 15 de janeiro de 1683, o desembargador com alçada Domingos de Matos Cerveira, superintendendo principalmente sobre assuntos da Fazenda. Nos inícios do séc. XVIII, em 1703, terá havido uma sedição contra o governador João da Costa de Ataíde e Azevedo Coutinho, “no salão da Índia da fortaleza de S. Lourenço”, “e uma conspiração que intentaram fazer os soldados”, “tentando tirar a vida” ao governador e ao juiz de fora da Câmara (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 7, fl. 254v.ss.). No atentado ao governador, terá estado envolvido o velho capitão de artilharia António Nunes, que se ausentou do Funchal, imediatamente a seguir aos acontecimentos. Por causa da sedição, o doutor desembargador Diogo Salter de Machado deslocou-se ao Funchal com poderes excecionais. Assim, para proceder às averiguações, fez sair da cidade o governador, “em distância de dez léguas, para que não fosse, com a sua presença e poder, assistindo” às mesmas e interferindo nelas (Id., Ibid.). Nas ordens do desembargador, vinha expresso: “e na mesma embarcação em que fores tirar esta devassa, voltará o provedor da Fazenda Manuel Mexia, por não ser conveniente que fique na Ilha depois da vossa chegada, para se não dar tempo a negociações, e por ser o dito provedor da Fazenda em mais suspeições” (Id., Ibid.). As questões terão sido muito graves e terão envolvido também o prelado da diocese, D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740), pois ficou escrito no regimento do desembargador: “E a queixa contra o bispo deverá ser queimada, para dela não ficar nada, nem memória, e disso deverá ser dado conhecimento ao bispo, para o mesmo saber como o rei e as suas justiças tratam semelhantes casos” (Id., Ibid.), aspeto que passou ao lado dos autores do Elucidário Madeirense. As ordens para o desembargador e corregedor Salter de Machado foram passadas em janeiro de 1703, mas o mesmo só se apresentou na Ilha em junho. Entretanto, já tinha falecido, no Funchal, a 8 de março, o governador João da Costa Ataíde e já tinha tomado posse o novo governador, Duarte Sodré Pereira. Com o dito confronto, fora também designado um juiz-de-fora em Lisboa, em 1703, Francisco Torres Pinheiro, “que acabou de servir em Torres Vedras”, como se refere na nomeação e que tomou posse no Funchal, a 5 de maio de 1704, dado aquela comarca ser da repartição Estremadura e Ilhas (Id., Ibid.., fls. 252-252v.). A nomeação de um juiz-de-fora permanente para o Funchal obviou a necessidade de alçadas, embora, para Duarte Sodré Pereira, o principal problema residisse no Desembargo do Paço, sobre o que escreveu: “Deus me livre que ao Desembargo do Paço vão queixas, porque ou falsas ou verdadeiras, lá se não enjeitam” (ARM, Arquivos particulares, Copiador de cartas de Duarte Sodré Pereira). Com a crescente centralização do poder régio, a figura do juiz desembargador com alçada deixou de fazer muito sentido, vindo o gabinete pombalino a montar, progressivamente, as corregedorias e a suprimir as antigas ouvidorias (Ouvidorias), com a extinção das capitanias, entre outras. No entanto, a sua memória não se extinguiu no Desembargo do Paço, tal como alertou o governador Duarte Sodré Pereira, nos inícios do séc. XVIII. Assim, mais de 100 anos depois, dissolvidas as cortes e derrogada a constituição de 1822, sendo restabelecido o governo absoluto, em julho de 1823, a Madeira foi de novo alvo de uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos partidos políticos emergentes e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses pretendiam subtrair-se à coroa portuguesa e ligar-se a Inglaterra. Num breve espaço de tempo, houve mais de uma centena de presos; embora só uma dezena deles viessem a ser condenados, os indiciados eram imensos, tendo muitos saído da Madeira. Deste modo, a Ilha foi decapitada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores e militares de todas as patentes, entre outros. Infelizmente, essa não foi a última alçada na Madeira, pois, com a tomada do poder pelo infante D. Miguel, em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, uma nova alçada foi enviada. Os trabalhos dela ficaram a cargo do ministro sindicante Manuel Luciano Magalhães Abreu e Figueiredo. O processo existente na Câmara do Funchal mostra um conjunto verdadeiramente desonroso de 250 depoimentos, quase todos feitos por convocação do ministro sindicante, lendo-se neles acusações bastante vagas e com base nas quais chegaram a estar envolvidas e presas perto de 2000 indivíduos, acusados de “malhados” e maçons (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fls. 305v.-327). Num curto espaço de tempo, a Ilha perdeu, novamente, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos, não tendo muitos dos envolvidos regressado à Madeira, optando antes por ficar em Londres e depois no continente, havendo uma parte, de certa forma importante, que preferiu emigrar para o Brasil. A relação dos réus foi elaborada já em Lisboa, por ordem alfabética, e incluía 101 elementos, sendo o termo assinado a 18 de setembro de 1829. A ele juntou-se uma segunda relação, com data anterior, 19 de agosto, e com mais 216 elementos. As sentenças finais foram, assim, dadas em Lisboa, a 18 de setembro de 1829, sendo juízes João Manuel Guerreiro de Amorim, José Pereira Paula de Faria Garção e Romão Luís de Figueiredo e Sousa. Todavia, muitos mais madeirenses vieram a ser indiciados na mesma alçada ao longo daquele ano e do seguinte e a ser deportados para Cabo Verde, Angola e Moçambique.   Rui Carita (atualizado a 17.08.2016)

Direito e Política História Política e Institucional

administrador do concelho

A instituição do cargo de administrador do concelho data de 1835. O administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. A figura do administrador do concelho esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República e foi extinta no período do Estado Novo. Palavras-chave: administração pública; poder central; Primeira República; legislação. A instituição do cargo de administrador do concelho foi uma das particularidades do dec. de 18 de julho de 1835 que estabeleceu a nova divisão administrativa do “reino de Portugal e ilhas adjacentes”, na sequência da implantação definitiva da monarquia constitucional. Pelo dec. de 12 de setembro desse mesmo ano, era estabelecido o distrito administrativo da Madeira e Porto Santo tendo como capital a cidade do Funchal. Esse distrito foi dividido em concelhos e estes em freguesias. No início de novembro de 1835 foram nomeados os primeiros administradores de concelho na Madeira. Figura distinta do presidente do município, o administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio, e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. Esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República, sendo apenas extinto no período do Estado Novo, em concreto, no âmbito do Código Administrativo de 31 de dezembro de 1936. O processo de nomeação deste magistrado assentava, de acordo com o art. 52.º do dec. de 18 de julho de 1835, na elaboração de uma lista de elegíveis, em paralelo com a das eleições municipais, da qual o rei escolhia um nome. Essa nomeação seria válida por dois anos, podendo haver reeleição (art. 53.º). O administrador do concelho tinha direito a receber uma gratificação, paga pela receita municipal (art. 55.º) e só podia ser demitido mediante decreto assinado pelo rei (art. 54.º). O Código Administrativo de 1842 específica, no seu art. 257.º, que essa gratificação era arbitrada e paga pela câmara municipal, e que o administrador do concelho tinha direito a cobrar os emolumentos previstos na legislação. Uma importante alteração, no acesso ao cargo, foi introduzida pelo Código Administrativo de 1878, a saber: a condição de possuir um curso superior sendo que, na falta de pessoas habilitadas, poderia ser nomeado um indivíduo com a instrução secundária (art. 197.º). As atribuições do administrador do concelho relacionam-se com a sua função de representante do governo central no espaço concelhio, com capacidade para atuar no domínio das suas atribuições específicas e naquelas que não estivessem especialmente atribuídas a outras autoridades e funcionários presentes na circunscrição do concelho. Genericamente, constata-se que as atribuições do administrador do concelho eram garantir a correta execução das ordens, instruções e regulamentos transmitidos pelo governador civil do distrito, em nome do interesse geral do Estado. Especificamente, as funções deste magistrado abrangiam seis grandes áreas, a saber: a polícia preventiva e a moral pública; a fazenda pública; o recrutamento e o recenseamento da população; o registo civil; o registo de passaportes; e o ensino público. O art. 59.º, § 4, do dec.-lei de 18 de julho de 1835 atribui ao administrador do concelho a superintendência e a vigilância diária de tudo que se reportasse à polícia preventiva. Em concreto, a inspeção das prisões, das casas de detenção e de correção; a aplicação das leis e regulamentos sobre a concessão de licenças para o uso de armas; e o cumprimento das leis e regulamentos relativos à mendicidade. Já na esfera da polícia municipal, competia ao administrador do concelho a prevenção e/ou repressão dos atos perturbadores da ordem pública; a implementação de medidas de auxílio às populações em situação de calamidade assim como a adoção de medidas sanitárias, tanto de prevenção como de tratamento de doenças infetocontagiosas; e, por último, a atuação contra os infratores das leis e posturas municipais, entregando-os ao poder judicial para o respetivo julgamento e punição. No âmbito do auxílio ao poder judicial, o administrador do concelho tinha a faculdade de prender ou mandar prender qualquer cidadão em flagrante delito e formar os respetivos autos de averiguação dos factos. A repressão dos atos ofensivos dos bons costumes e da moral pública era a outra área de atuação do administrador do concelho dentro da polícia preventiva. No domínio da fazenda pública, competia-lhe o exercício da fiscalização no lançamento, repartição e cobrança dos impostos, nomeadamente, das contribuições diretas, e o auxílio dos empregados encarregues desta função. O art. 247.º do Código Administrativo de 1842 refere a obrigação do administrador do concelho de fazer a inscrição e relação de todos os bens e rendimentos que, dentro da circunscrição concelhia, pertencessem à fazenda pública. Em conformidade com as leis vigentes, devia proceder ao apuramento do recrutamento para o exército, de acordo com o recenseamento e mapa da população remetido pela câmara municipal que, por seu turno, era realizado sob direção do próprio administrador do concelho. O registo civil, uma das grandes reformas introduzidas pelo liberalismo, revelou-se um dos aspetos onde foi particularmente notória a atividade deste magistrado. Com efeito, competia-lhe a escrituração e guarda dos livros de nascimento, casamento e óbito dos moradores do concelho, constituindo a sua assinatura a legitimação da autoridade pública perante esses momentos da vida dos indivíduos. Pelo Código Administrativo de 1842, ficou sob a sua alçada o registo de escrituras de doação, o registo de hipotecas e o registo de testamentos (art. 254.º). A regulação do movimento populacional era outra das competências atribuídas pela legislação da monarquia constitucional, cabendo ao administrador do concelho a concessão de passaportes e a emissão de bilhetes de residência, matérias sobre as quais devia dar a devida informação ao governador civil do distrito. Finalmente, o ensino público. Pertencia-lhe a fiscalização e superintendência das escolas públicas existentes no perímetro concelhio financiadas pelo Estado ou pelos municípios, assim como a inspeção-geral das escolas particulares. Na sua relação com os demais poderes sedeados no espaço concelhio, o administrador do concelho revelou a sua preponderância, pois a legislação conferiu-lhe, a partir do Código Administrativo de 1878, a faculdade de zelar pelo cumprimento de todas as atribuições da câmara municipal e das juntas de paróquia, dando parte ao governador civil das situações anómalas (art. 207.º, § 7). Por seu turno, o Código Administrativo de 1886 pormenoriza essa relação tutelar, dado que ficava atribuída ao administrador do concelho a prerrogativa de remeter ao governador civil as contas de gerência de todas as corporações administrativas para serem, posteriormente, enviadas ao tribunal de contas (art. 241.º, § 7). De igual importância foi a faculdade de o administrador do concelho poder transmitir ao governador civil as deliberações das câmaras municipais e das juntas de paróquia, uma realidade que o Código Administrativo de 1896 iria consagrar ao determinar a obrigatoriedade do administrador do concelho assistir sempre às sessões das câmaras municipais com a finalidade de verificar o cumprimento de decisões respeitadoras do interesse público. O regime republicano, pelo decreto com força de lei de 13 de outubro de 1910, ordenou a adoção do Código Administrativo de 1878 enquanto não fosse elaborada uma nova codificação. Contudo, tal não se verificou no decurso deste regime, que somente registou a promulgação da lei n.º 88 de 1913, constituindo uma mera proposta de codificação administrativa a implementar num futuro próximo. Esta lei foi omissa em relação à figura do administrador do concelho. Contudo, a sua presença continuou a ser registada na vida administrativa municipal, desempenhando, com maior ou menor notoriedade, as funções que lhe tinham sido outorgadas pela legislação administrativa oitocentista.   Ana Madalena Trigo de Sousa (atualizado a 21.07.2016)

História Política e Institucional

acram - associação cultural e recreativa dos africanos na madeira

A Associação Cultural e Recreativa dos Africanos na Madeira (ACRAM), registada no ano 2001 com a designação oficial de ACRA por iniciativa de quatro imigrantes africanos residentes na Região Autónoma da Madeira (RAM), naturais da Guiné-Bissau e de Angola, é uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo: preservar e divulgar a cultura africana na RAM, e promover a integração dos imigrantes africanos na sociedade madeirense. Este objetivo encontra-se consagrado nos estatutos da Associação: “fomentar, defender a unidade e solidariedade entre membros da comunidade africana residentes na RAM. Promover os valores culturais africanos; contribuir para a integração dos membros da comunidade” (“Associação Cultural…”, JORAM, II, 32, 2005, 9). A ACRAM surgiu num período marcado por grandes obras públicas na Região e pelo desenvolvimento do sector da construção civil: finais do séc. XX e inícios do séc. XXI. Este fenómeno originou o aumento significativo da população imigrante, sobretudo indivíduos do Leste europeu, Brasil e continente africano. Os imigrantes africanos residentes na RAM são provenientes de diversos países, com destaque para o Senegal, a Guiné-Bissau, a Guiné-Conacri, Angola, Moçambique, Cabo-Verde, África do Sul, Egipto, Marrocos e a Tunísia. A organização é reconhecida pelo Governo Regional como sendo, segundo o secretário regional dos Recursos Humanos do Governo Regional da Madeira, Brazão de Castro, “um importante parceiro para a integração na Região dos cidadãos de África, particularmente dos países de língua e expressão portuguesa e tem fomentado de uma forma exemplar o diálogo intercultural” (“Associações Constituem…”, AIPA, 96). As relações institucionais da Associação com o Governo Regional remontam à data da sua criação. A ACRAM também tem estabelecido relações com outras instituições da Região, como sejam as escolas, as juntas de freguesia, os consulados, as câmaras municipais, focalizando sempre a consolidação de esforço dentro de uma perspetiva de proximidade, cidadania plena e responsabilidade social. O relacionamento com os governos dos países de origem é muito esporádico. Verifica-se através das embaixadas e dos consulados, ao nível da solicitação de apoios. A ACRAM privilegia a dimensão cultural nas suas relações com a comunidade e com as instituições, promovendo, em colaboração com o Governo Regional, encontros que incluem mostras gastronómicas, exposições de arte africana e espetáculos musicais, e que têm vindo a ganhar cada vez mais adesão dos madeirenses e de todas as comunidades residentes na Região. A Associação também tem participado na semana intercultural, promovida pelo Centro das Comunidades Madeirenses, na qual se celebram os dias dos povos africanos e das mulheres e crianças africanas, promovendo convívios e fortalecendo laços de solidariedade. Estas atividades visam sempre, por um lado, a promoção do diálogo intercultural e a sensibilização para a multiculturalidade, e, por outro lado, a divulgação da cultura africana, as suas musicalidades, os ritmos, a gastronomia, o artesanato, ou seja, “levar um pouco de África” (MANÉ, com. oral, 2015) à comunidade recetora, como afirmam os dirigentes da organização. Estes eventos também têm por objetivo promover o envolvimento de todos indivíduos da comunidade. A promoção dos direitos das minorias étnicas e das suas identidades culturais faz parte das prioridades de intervenção social da ACRAM. A Associação financia-se através de donativos, da angariação de fundos provenientes de convívios e de apoios financeiros específicos do Alto Comissariado para as Migrações, nomeadamente através do Programa de Apoio ao Associativismo Imigrante (PAAI), e ainda de projetos apoiados pelo Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros (FEINPT). A ACRAM conta ainda com a tradicional contribuição dos associados, que nos seus primeiros 15 anos de existência chegaram a cerca de 150, embora nem todos fossem residentes na Madeira. A ACRAM não teve, nesse período, nenhum tipo de apoio financeiro do Governo Regional da Madeira, exceto parcerias com o centro de emprego da Madeira, que disponibilizou técnicos do emprego através de programas de formação. Ao nível do apoio técnico, o Centro das Comunidades Madeirenses do Governo Regional fornece pareceres no que respeita à dinamização das atividades e aprovação dos projetos. Os associados da ACRAM caracterizam-se fundamentalmente por possuírem uma ligação ao continente africano, sejam descendentes de imigrantes, os próprios imigrantes, ou ainda portugueses que residiram provisoriamente em África por motivos familiares ou laborais. No início do séc. XXI, a ACRAM tem-se empenhado também no sentido de mitigar os efeitos perversos das situações de desemprego na comunidade que representa, pois está na sua génese, enquanto organização, a necessidade de fazer face aos problemas com que esta comunidade se defronta, nomeadamente a legalização destes imigrantes, o seu emprego e a sua habitação condigna. Este esforço insere-se no cumprimento do seu mandato estatutário, granjeando à Associação prestígio e reconhecimento por parte dos membros da comunidade africana, das autoridades madeirenses e, de uma forma geral, da comunidade da Ilha. Nos seus primeiros 15 anos de existência, a Associação desenvolveu ainda um leque variado de serviços de apoio a jovens e crianças com dificuldades cognitivas, atuando na prevenção, no serviço social, no desenvolvimento de atividades como a dança, o teatro, as oficinas de expressões, bem como na realização de torneios desportivos, na organização de eventos, na mediação de conflitos e no desenvolvimento de projetos inovadores na área da integração, como é o caso do espaço das hortas urbanas. A organização interveio também nas situações de doença e morte dos membros da comunidade, procurando acompanhar de perto estes momentos e dando apoio, sobretudo nos contactos com os familiares dos países de origem.   João Adriano Conduto Júnior (atualizado a 19.07.2016)

Madeira Global Sociedade e Comunicação Social