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zona franca ou centro internacional de negócios da madeira

A criação da Zona Franca da Madeira (ZFM), que veio também a ser designada por Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), resultou de um conjunto de circunstâncias e causas de natureza diversa, sendo umas remotas e outras próximas: por um lado, as aspirações ancestrais dos madeirenses, fundadas na existência de um porto franco de consumo existente nas ilhas Canárias, e, por outro, o movimento que, sob a égide da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), conduziu, face à situação da economia da Madeira na década de 70 do séc. XX, à reflexão do modelo de zona franca mais adequado e consentâneo com as características geográficas, geológicas, morfológicas, económicas e sociais da Madeira. Este desiderato havia já sido ensaiado através da lei n.º 265, de 24 de julho de 1914, que autorizou o Governo a adjudicar a construção e a exploração duma zona franca na Madeira que seria instalada no local julgado mais conveniente por uma comissão técnica, durante 60 anos. Na zona franca, seriam permitidas todas as operações de beneficiação, empacotamento e transformação dos géneros do arquipélago da Madeira em outros produtos comerciáveis, com a exceção do vinho, beneficiando de isenção de direitos para embarcar, desembarcar e depositar aqueles géneros, isenção que não abrangia o cacau e o azeite não destinado a conservas. A zona franca ficava sujeita ao regime fiscal dos armazéns gerais francos, aprovado pelo dec. de 27 de maio de 1911, e a sociedade adjudicatária garantia as suas obrigações legais e contratuais nos termos previstos pela lei de 13 de junho de 1913, que havia autorizado a construção e a exploração de um porto franco em Lisboa. Esta iniciativa legislativa não foi prosseguida e, na déc. de 1970, a ACIF levou a cabo as providências necessárias ao apuramento e à definição do modelo da zona franca mais adequado à Madeira com base nesta dicotomia: uma zona franca comercial ou de consumo, como a das Canárias, ou uma zona franca empresarial, como na Irlanda e nas ilhas do Canal. Para esse efeito, a ACIF promoveu, em 1974, a realização de um estudo da viabilidade e oportunidade da criação de uma zona franca, sustentado em inquérito destinado a recolher a opinião de largos sectores da população sobre o projeto, tendo sido consultados todos os organismos oficiais, os representantes dos vários sectores da vida económica da Região, bem como outros profissionais de diversas atividades. Neste inquérito, a área abrangida pela zona franca admitia três hipóteses: um porto franco, uma zona franca extensiva a toda a ilha da Madeira, ou uma zona abrangendo todo o arquipélago da Madeira. Assente em participação ativa e relevante das entidades consultadas e nos resultados desse inquérito, a ACIF assegurou a elaboração de um estudo prévio, cujo texto provisório foi colocado à apreciação e discussão em 1975, através da consulta às entidades e aos profissionais já auscultados no inquérito anteriormente realizado. O texto preliminar e provisório desse estudo foi publicado na íntegra na imprensa diária, tendo, assim, o debate sido alargado a toda a população. O texto definitivo do estudo prévio resultou da inserção dos contributos obtidos através das diligências efetuadas, contendo uma análise das vantagens advenientes da criação da zona franca – então referenciada como regime de franquia aduaneira –, bem como um projeto de diploma legal e respetivo regulamento atinentes ao correlato regime. Este estudo foi apresentado, em 1975, à então Junta de Planeamento da Madeira, a qual entendeu que, dada a natureza e a importância de que o projeto se revestia, devia o mesmo ser objeto de aprofundamento através de uma entidade internacional especializada na matéria. A ACIF, tendo em consideração que o estudo em causa devia abranger uma perspetiva global, integrada e de longo prazo da economia regional, obteve propostas de três empresas especializadas: a americana International Finance Consultants, a britânica M. L. H. Consultants Ltd e a alemã Agrar und Hydrotechnik, cujos representantes se deslocaram à Madeira para a prestação de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, em reuniões em que também participaram os vogais para o Planeamento e Finanças e para a Indústria, Agricultura e Pescas da então Junta Regional da Madeira. Em 1976, a realização do estudo foi adjudicada à sociedade International Finance Consultants, a qual apresentou o estudo em 1977, tendo o mesmo sido objeto de ajustamentos face ao pedido formulado em 1978 pelo Governo da República de adesão do país à então Comunidade Económica Europeia. Com base neste estudo e nas diligências efetuadas junto do Governo da República, foi, em 1980, criada a Zona Franca da Madeira visando satisfazer uma velha aspiração dos Madeirenses e tendo como pressupostos a especial situação geoestratégica da Madeira, onde se conjugam as características específicas da economia regional com a sua peculiar configuração sócio-política, de molde a facultar o aparecimento de novos sectores voltados para o desenvolvimento económico e social da Região. Na iminência da criação da zona franca, o conselho do Governo regional procedeu à definição da localização e demarcação da área onde a mesma seria instalada, tendo a escolha recaído na freguesia do Caniçal, em território que se delimitava, devido aos princípios e orientações do ordenamento territorial da zona litoral, entre o Garajau e a Ponta de São Lourenço, pela pertença de imóveis afetáveis da Região na referida freguesia, pela localização do aeroporto, pela melhoria do eixo rodoviário que o liga ao Funchal, e pela previsível construção de viadutos previstos sobre as ribeiras em Santa Cruz e no Porto Novo. Em 1988, o Governo regional voltou a pronunciar-se sobre os critérios de implementação da Zona Franca Industrial, tendo em consideração os interesses legítimos do agregado populacional do Caniçal, a localização definitiva das instalações escolares e desportivas, a existência de um porto de pesca e os campos agrícolas experimentais do Governo. Nessa primeira data, ficou assente que seriam definidos posteriormente o regime jurídico-fiscal aplicável, a natureza, o âmbito territorial e as características da zona franca, bem como a regulamentação da atividade nela desenvolvida, tendo em consideração os condicionalismos resultantes das negociações encetadas para a adesão de Portugal à então CEE. Essa definição foi efetuada em 1982, ficando determinado que poderiam ser autorizadas, na zona franca, todas as atividades de natureza industrial, comercial ou financeira, sendo os pedidos de instalação das empresas apreciados e decididos com base em dois parâmetros fundamentais: a idoneidade da firma impetrante e o interesse económico da atividade a desenvolver. Nessa mesma data, ficou a zona franca industrial definida como um enclave territorial onde as mercadorias que nele se encontram são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeito de aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e de mais imposições ou medidas de efeito equivalente. A zona franca deveria ser exteriormente resguardada por uma vedação, de harmonia com o disposto no Código da Reforma Aduaneira, e disporia de uma estância aduaneira e de um posto fiscal próprios, que vieram a ser criados em 1990. A regulamentação operada teve em atenção as normas comunitárias concernentes ao funcionamento de zonas francas e ao denominado regime de aperfeiçoamento ativo, em subordinação ao princípio de conformação das disposições legais aplicáveis à zona franca ao ordenamento jurídico comunitário. Nesse mesmo ano, foi constituída a comissão instaladora da ZFM, composta por dois representantes do Governo regional da Madeira e dois representantes – um efetivo e um suplente – da ACIF. O período compreendido entre 1982 e 1985 foi dedicado à conceção e definição do regime fiscal da zona franca e da sua administração e exploração em regime de concessão. Assim, em 1985, foi aprovado um regime fiscal que se traduziria num sistema contratual de usufruição dos benefícios fiscais, fortemente inspirado pelo regime constante do Código de Investimento Estrangeiro então vigente, mas, que, por não corresponder à proposta apresentada pelo Governo regional ao Governo da República, foi substituído, seis meses depois, por novo decreto-lei, que consagrou o princípio da usufruição automática dos benefícios e incentivos fiscais e financeiros pelas empresas, logo após o seu licenciamento no âmbito da zona franca. Na conceção do regime de incentivos foi tido em consideração o disposto no Tratado de Roma relativamente ao desenvolvimento regional e as regras de salvaguarda da distorção da concorrência no seio da Comunidade Económica Europeia. Paralelamente, a Assembleia Regional da Madeira aprovou o regime de administração e exploração da ZFM, autorizando o Governo a adjudicar, em regime de concessão e com dispensa da realização de concurso, a sua gestão a uma entidade privada nacional ou estrangeira, na qual a Região Autónoma da Madeira (RAM) viesse a participar ou à qual viesse a associar-se. A previsão da existência de uma comissão para assegurar uma simplificação dos procedimentos administrativos, bem como um desburocratizado acompanhamento e fiscalização das atividades licenciadas, foi uma antevisão do gabinete da Zona Franca criado no ano seguinte com esse escopo e essa missão funcional, com a concomitante extinção da comissão instaladora da Zona Franca. O prazo da concessão foi estabelecido em 30 anos, sem prejuízo da sua eventual renovação ou prorrogação, ficando o Governo regional autorizado a regular as condições de exercício das atividades, quer da concessionária quer dos utentes da zona franca. Nesse mesmo ano de 1986, foi regulado o exercício de atividades financeiras através das denominadas sucursais financeiras exteriores, tendo o Governo regional procedido, em 1987, à regulamentação das condições de instalação e funcionamento daquelas sucursais. O exercício destas atividades foi alargado, em 1994, quer às instituições constituídas de raiz quer às sucursais financeiras internacionais, as quais podiam realizar operações com residentes, faculdade que se encontrava vedada às sucursais financeiras exteriores. Em 1987, o Governo regional da Madeira adjudicou a administração e a exploração da zona franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A., e aprovou o Regulamento das Atividades Industriais, Comerciais e de Serviços Internacionais no âmbito institucional da ZFM. No reconhecimento da proeminência económica e social, contributiva do desenvolvimento da Região, e da concomitante necessidade de uma gestão célere, proficiente e atempada, considerada como pressuposto e condição essencial para uma maior simplicidade e eficiência do processo decisório, o Governo regional não só rejeitava e removia os processos de antanho, os quais recorriam a desnecessárias complexidades e delongas processuais, desencorajadoras do investimento prosseguido por entidades caldeadas em regimes mais simplificados, como também fundamentava a opção por uma gestão empresarial em termos privados da zona franca. O diploma em causa estabeleceu o regime de licenciamento das atividades em consideração, as competências da concessionária nesse licenciamento, na aprovação dos projetos de instalação e funcionamento das empresas industriais e na fiscalização das obras com base em licença emitida pela concessionária, assim como o regime de uso dos imóveis por via da subconcessão do domínio público em autoconstrução ou de direito de uso em pavilhões construídos pela concessionária, os quais, finda a concessão, revertem gratuitamente para a RAM. Em 1988, os princípios de simplificação, desburocratização e de celeridade fundamentaram a criação da Conservatória do Registo Comercial Privativa da Zona Franca da Madeira e do Cartório Notarial também privativo da zona franca, cujo início de funcionamento foi fixado para o dia 1 de abril de 1989, tendo sido estabelecido que os atos praticados por aqueles serviços privativos se encontravam isentos de qualquer taxa ou emolumento. Os mesmos princípios determinaram, em 1989, a criação da IV Série do Jornal Oficial, destinada exclusivamente às empresas licenciadas na zona franca – cujas publicações, não exigidas em regimes europeus congéneres, foram também isentas de pagamento de taxas –, a autorização da constituição, em 1994, das sociedades comerciais por quotas e anónimas unipessoais e, em 1995, o reconhecimento da faculdade de as sociedades licenciadas usarem palavras ou parte de palavras estrangeiras ou de feição estrangeira na composição das suas firmas ou denominações. Estes princípios, pioneiros no país quer em relação à autorização das sociedades unipessoais, mais tarde autorizadas só para o tipo por quotas, quer em relação à simplificação administrativa e à prática e objetivos empresariais, permitiram que, na sua conceção, a ZFM constituísse o primeiro exercício unitário, integrado e coerente de internacionalização da economia portuguesa. Nesse mesmo sentido, em 1988, tendo em consideração que muitos dos investidores seriam oriundos de países com ordenamentos jurídicos diversos do sistema português, designadamente dos países da common law, e reconhecendo a necessidade de dotar a ZFM de instrumentos mais eficazes na captação do investimento direto estrangeiro, foi autorizada a instituição de instrumentos de trust, instituto jurídico até à data inexistente no ordenamento jurídico português. Este regime de propriedade fiduciária, envolvendo uma relação tripartida entre o settlor ou instituidor, o trustee e os beneficiários ou a causa específica por eles prosseguida, que nos regimes romano-germânicos encontram fronteiras com as fundações, o usufruto, o mandato sem representação e o fideicomisso ou a fidúcia, permitiu à zona franca disponibilizar aos seus utentes um meio jurídico que lhes era facultado noutros regimes e jurisdições congéneres. Em 1989, foi criado o quarto sector de atividades, acrescentando-se à Zona Franca Industrial, aos serviços financeiros e aos serviços internacionais o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), o qual foi criado visando a prossecução de dois fins: em primeiro lugar, estancar os processos de saída de navios do registo convencional português para registos de conveniência (flagging-out) e, em segundo lugar, atrair novos armadores e navios, oferecendo condições de custos semelhantes às apresentadas pelos registos mais competitivos. Nesse sentido, o MAR foi dotado de uma somissão técnica, composta por um representante do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes, um representante da RAM e um representante da Inspeção Geral de Navios. Adentro das condições indispensáveis à atratividade do MAR, a Lei do Orçamento do Estado para 1989 procedeu à consagração da isenção do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) para os tripulantes embarcados nos navios matriculados no MAR e o próprio diploma que procedeu à sua criação não só aplicou aos navios o regime fiscal da zona franca, como também permitiu às partes que designassem a lei que regula a constituição das hipotecas, tendo o aprofundamento do regime de graduação dos privilégios creditórios determinado o recesso da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimos, assinada em Bruxelas em 10 de abril de 1926, que se havia tornado um impedimento à adesão dos armadores devido às objeções colocadas pelos credores hipotecários em relação à graduação dos seus créditos. Paralelamente, foi facultado aos tripulantes dos navios o acesso ao regime do seguro social voluntário. A reforma fiscal operada em 1989, com a extinção da contribuição predial e industrial, da sisa e do imposto profissional, e a concomitante criação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT), determinou que o regime fiscal da ZFM ficasse, em grande parte, plasmado no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), então aprovado. Nesse sentido, o primeiro regime fiscal (regime i) da zona franca, que vigorava desde 1986, passou a constar do EBF e permitiu o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2000, usufruindo as empresas que as desenvolvessem da isenção de IRC até 31 de dezembro de 2011. O regime ii, com uma taxa de tributação em IRC de 1 %, 2 % e 3 %, respetivamente nos anos de 2003-2004, 2005-2006 e de 2007 a 2011, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2006, com o usufruto desse benefício pelas entidades que as prosseguissem até 31 de dezembro de 2011. O regime iii, com uma taxa de tributação em IRC de 3 %, 4 % e 5 %, respetivamente nos anos de 2007-2009, 2010-2012 e de 2013 a 2020, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2007, permitindo o licenciamento de atividades até 31 de dezembro de 2013, prazo que, de acordo com a legislação comunitária adrede posta em vigor, foi prorrogado, por duas vezes, até 31 de dezembro de 2014, com usufruição dos benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2020. As empresas licenciadas no CINM são contribuintes fiscais portugueses para todos os efeitos, pendendo sobre elas as obrigações gerais a que se encontram adstritos os contribuintes em geral, e pagam uma taxa de instalação aquando do licenciamento, e uma taxa anual de funcionamento, através de depósito nos cofres da concessionária nos termos previstos na lei e no contrato de concessão. Os resultados obtidos pela aplicação destes regimes são de natureza qualitativa e quantitativa. Os primeiros, já referidos, permitiram que o CINM constituísse o primeiro exercício político-económico de internacionalização da economia portuguesa, rasgando novos rumos para o ordenamento jurídico português, introduzindo princípios e regras de simplificação administrativa e desburocratização do processo decisório e de licenciamento e exercício de atividades no âmbito do CINM. Do ponto de vista quantitativo, pela aplicação do regime i, constata-se que, em 2000, se encontravam licenciadas cerca de 5900 entidades, congregando 2900 empregos diretos e indiretos, e com o registo de 264 embarcações no MAR. A remuneração média dos quadros qualificados que trabalhavam no CINM era superior em cerca de 60 % à média da Região. Os capitais sociais agregados das sociedades ascendiam ao equivalente a 8600 milhões de euros e os investimentos efetuados pela concessionária na construção e manutenção das infraestruturas internas da ZFI eram de cerca de 18,7 milhões de euros, tendo os utentes investido mais de 143 milhões de euros nas suas unidades industriais. Nesta data, o CINM erigia-se já como um dos pilares fundamentais da economia da Região com um contributo de cerca de 20 % para a formação do respetivo PIB. Em 2000, com o procedimento formal de investigação instaurado pela Comissão Europeia, por força da entrada em vigor das Orientações sobre os Auxílios de Fiscalidade Regional, cujo início de prazo não coincidia com o fim da vigência do regime i, e com a aprovação do regime ii, que só entrou em vigor a 1 de janeiro de 2003 e que introduziu limites máximos (plafonds) ao benefício fiscal usufruído em IRC pelas entidades licenciadas no CINM, verificou-se não só um hiato de dois anos sem licenciamento de atividades, como um retrocesso na atratividade do regime e na adesão dos investidores. Esse retrocesso foi acelerado pela interrupção, em 2010, do processo negocial para revisão e aumento dos plafonds, que havia sido iniciado em 2009, junto da Comissão Europeia, o qual veio a ser retomado em 2011, com conclusão favorável em 2013. Também contribuiu para o agravamento desse retrocesso a revogação do benefício da isenção de dividendos aos sócios e acionistas das empresas licenciadas, benefício que, de acordo com a Comissão Europeia, não se encontrava sujeito a limitação temporal. O referido retrocesso foi reconhecido em 2012 pela Assembleia Legislativa da Madeira que, tomando as suas questões como causas e fundamentos, solicitou ao Governo da República a reabertura do processo negocial dos plafonds, no cumprimento dos deveres para-constitucionais que impendem sobre os órgãos de soberania para assegurarem a rentabilidade e competitividade internacional do CINM. Desse modo, em finais de 2014, encontravam-se licenciadas 1868 entidades, com a criação de cerca de 3000 empregos diretos, estando matriculadas 323 embarcações no MAR. Os capitais sociais agregados das entidades licenciadas ascendiam a 6,4 mil milhões de euros e os investimentos em infraestruturas e equipamentos na ZFI eram de 24 milhões de euros pela concessionária e de 200 milhões pelos utentes. José António Câmara (atualizado a 11.10.2016)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

quercus-madeira

A Quercus-Madeira, fundada a 28 de janeiro de 1995, é o Núcleo Regional da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma das principais organizações não-governamentais de ambiente em Portugal, e é constituída pelos sócios residentes no Arquipélago da Madeira. O Núcleo Regional da Quercus na Madeira, tal como os restantes núcleos desta Associação, organiza-se internamente numa Assembleia de Núcleo, que reúne pelo menos uma vez por ano os associados residentes, e numa Direção de Núcleo, eleita em Assembleia de Núcleo e composta, no mínimo, por presidente, tesoureiro e secretário. A Quercus-Madeira tem como objetivos os que decorrem dos Estatutos da organização em que se insere, destacando-se os de alertar e apoiar os cidadãos em relação às disfunções ambientais, fomentar e promover a educação cívica e ambiental, defender e promover a conservação dos valores naturais, e desenvolver estudos que contribuam para o conhecimento e a defesa dos valores do património natural e cultural. Decorrente da sua Declaração de Princípios, a Quercus norteia a sua intervenção cívica e política pelos valores da independência e da autonomia, sendo uma organização apartidária, liberta de qualquer tutela económica, religiosa ou racial, e consubstanciando a sua ação no lema “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. A Quercus-Madeira, como toda a estrutura nacional da Associação, aborda as mais variadas áreas essenciais à sustentabilidade ambiental, tendo dado particular atenção à educação ambiental, à gestão dos resíduos, à escassez e qualidade da água, à conservação da natureza, ao ordenamento do território, à poluição, à eficiência energética e à energias renováveis. A origem do Núcleo Regional da Quercus na Madeira está diretamente associada à vontade de um grupo alargado de alunos que, no ano letivo de 1994/1995, frequentava o 3.º ano do curso de Biologia na Universidade da Madeira. Estes jovens, que tinham vontade de se organizar e constituir uma associação de defesa do ambiente, fizeram-se sócios da Quercus e constituíram o Núcleo Regional. A reunião preparatória que resultou no pedido formal à Direção Nacional da Quercus para a constituição de uma estrutura regional na Madeira ocorreu a 27 de outubro de 1994. Face à vontade subscrita por 15 alunos da licenciatura em Biologia e ao apoio do professor Jorge Paiva, a Direção Nacional autorizou a constituição do Núcleo Regional da Madeira a 28 de janeiro de 1995. A primeira Direção da Quercus-Madeira foi eleita a 15 de fevereiro de 1995 numa Assembleia de Sócios do Núcleo que decorreu no Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, tendo Hélder Spínola sido eleito Presidente, Maria Cristina de Matos Niza Secretária, Dília Maria Góis Gouveia Menezes tesoureira, e Odília Maria Freitas Garcês e Irene Gomez Câmara vogais. A apresentação pública da constituição da Quercus-Madeira ocorreu a 12 de abril de 1995, numa sala do Ateneu Comercial do Funchal, tendo suscitado uma forte curiosidade por parte da comunicação social regional. A Quercus-Madeira, sem sede, abriu um apartado na estação de correios e começou por usufruir de algum apoio logístico da própria Universidade da Madeira: dispunha de um armário para o seu arquivo, utilizava as salas para reuniões e fazia uso dos serviços de telecópia da instituição para contatos com a comunicação social. Em maio de 1996, com a eleição do primeiro Reitor da Universidade da Madeira, foi perdendo este apoio, passando a manter o seu arquivo em casa dos dirigentes e estabelecendo contactos com a comunicação social via serviço de telecópia dos Correios de Portugal. À medida que a Quercus na Madeira vincava a sua discordância com as opções que considerava desviadas da sustentabilidade – nomeadamente o atraso na aprovação dos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos de ordenamento do território, a gestão da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, que estava a criar problemas de contaminação das águas subterrâneas, os despejos de terras para dentro das ribeiras e diretamente para o mar e a falta de medidas para evitar os efeitos sobre a saúde pública da aplicação de materiais contendo amianto –, foi dando a conhecer o seu trabalho e atraindo novos sócios. Passado o primeiro ano desde a sua fundação, este Núcleo Regional deixou de ser um projeto de um grupo de estudantes de Biologia para passar a integrar elementos de outras proveniências da sociedade madeirense. Efetivamente, aquando da constituição de uma nova direção, a 27 de fevereiro de 1997, a maioria dos dirigentes eleitos já não pertencia ao grupo inicial de fundadores. No início de 1997, a Quercus-Madeira, ainda sem sede própria, passou a contar com um espaço na Escola da APEL para manter o seu arquivo e fazer as suas reuniões de trabalho. A utilização deste novo espaço resultou dos contactos estabelecidos entre a nova Secretária da Direção da Quercus-Madeira, Carina Martins Nunes, e o diretor da escola, Mário Casagrande (1930-2009). Um ano depois, também este espaço ficou indisponível e até ao ano 2000 a Quercus-Madeira funcionou sem sede, fazendo as suas reuniões em cafés, na casa dos dirigentes ou em espaços solicitados à Câmara Municipal de Machico. No ano 2000, fruto de uma colaboração que vinha a ser mantida com a Câmara Municipal de Machico, foi estabelecido um protocolo para a constituição de um centro de educação ambiental que passou a ser também a sede da Associação. A Quercus-Madeira passou assim a ter sede fixa num antigo quiosque, onde iniciou também a dinamização do novo Centro de Educação Ambiental de Machico. Em 2004, o Centro de Educação Ambiental e a sede da Quercus-Madeira passaram a funcionar no Mercado Municipal de Machico. A partir de 2011, por indisponibilidade da autarquia local, o Centro de Educação Ambiental de Machico cessou funções, mas a sede da Quercus-Madeira manteve-se no local. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza é uma Organização Não Governamental de Ambiente que se formalizou a 31 de outubro de 1985, mas que já desenvolvia atividade desde finais de 1984. A sua constituição resultou da união de esforços entre vários ativistas e associações ambientalistas, que sentiram a necessidade de uma organização mais forte e de âmbito nacional dedicada à conservação da natureza. A base da sua fundação foi determinante na definição do tipo de estrutura interna que adotou, a qual, além dos órgãos nacionais, é marcada pelas existência de Núcleos Regionais espalhados de norte a sul do país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os primeiros Núcleos Regionais da Quercus foram constituídos a partir da integração de associações locais de defesa do ambiente previamente existentes, algumas que participaram na fundação da Associação e outras que se juntaram mais tarde. Numa segunda fase, já na década de 90 do século XX, e à semelhança do que aconteceu na Madeira, a organização local dos sócios deu origem a Núcleos Regionais nascidos dentro da própria Quercus. O facto de os Núcleos Regionais da Quercus constituírem estruturas democráticas, com dirigentes eleitos pelos seus sócios, e possuírem autonomia de funcionamento, proporcionou a esta Associação uma grande agilidade de atuação que é, em grande medida, responsável pela forte implantação e influência em todo o território português. Apesar de estes Núcleos Regionais possuírem autonomia estatutária para definir a sua estrutura organizativa, nomeadamente criando delegações na sua área geográfica, são muito raros os exemplos de concretização dessa faculdade. O Núcleo Regional da Madeira chegou a aprovar, em outubro de 1995, a criação de uma Delegação no Concelho de Santana, mas, à semelhança de tentativas para o Estreito de Câmara de Lobos e para o Porto Santo, essas estruturas acabaram por não vingar. A Quercus possui como órgãos sociais a Assembleia-Geral, a Mesa da Assembleia-Geral, a Direção Nacional, o Conselho Fiscal e a Comissão Arbitral, possuindo ainda um Conselho de Representantes que reúne os membros da Direção Nacional e os presidentes dos Núcleos Regionais. Se os Núcleos Regionais permitem à Quercus uma forte implantação geográfica, os órgãos nacionais, em particular a Direção Nacional, apoiados em estruturas como os grupos de trabalho e os projetos nacionais, garantem uma atuação global coerente e sólida. Ambas as estruturas, nacionais e regionais, na sua ação concertada, completam um modelo de organização que consubstancia de forma eficaz o lema: “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. Apesar de a Quercus ter atualmente uma intervenção muito diversificada, abrangendo áreas temáticas como a gestão dos resíduos, a qualidade do ar, a eficiência energética, as energias renováveis, a qualidade e escassez dos recursos hídricos, entre muitas outras, a preocupação predominante dos seus fundadores centrou-se essencialmente nas questões associadas à conservação da natureza. Esse foi justamente o motivo para a adoção do nome Quercus, o nome científico do género a que pertencem os carvalhos, sobreiros e azinheiras, que são as árvores predominantes do coberto vegetal primitivo do território continental português, e do símbolo da organização, uma folha e uma bolota de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Os dirigentes da Quercus são eleitos para mandatos de dois anos de entre os sócios da Associação e exercem os seus cargos de forma não remunerada. Tendo em conta as estruturas nacionais e regionais definidas estatutariamente, o número de dirigentes necessários para completar todos os cargos é superior a 80. Além dos dirigentes, o funcionamento da Associação requer também a ocupação de outros cargos, nomeadamente na coordenação de grupos de trabalho e de projetos. Entre 1995 e 2000, 0 presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira foi Hélder Spínola, biólogo e um dos fundadores deste núcleo, que mais tarde, entre 2003 e 2009, foi também presidente da Direção Nacional desta Associação. A segunda Direção do Núcleo foi eleita a 27 de fevereiro de 1997, tendo Hélder Spínola sido acompanhado por uma equipa maioritariamente constituída por sócios não pertencentes ao núcleo de fundadores: Carina Martins Nunes, como Secretária, Élvio Duarte Martins de Sousa, como Tesoureiro, e Élia Maria Basílio Rodrigues, Idalina Perestrelo Luís, Joselino Humberto Henriques Silva, Maria Conceição Andrade Silva, Odília Maria Freitas Garcês e Ysabel Margarita Amaro Gonçalves, como vogais. Idalina Perestrelo Luís foi a segunda presidente da Quercus-Madeira, tendo iniciado funções a 5 de agosto de 2000, por nomeação da própria Direção do Núcleo, e sido eleita para o cargo a 28 de outubro de 2000. Desde 2000, e ao longo dos sete mandatos sucessivos para os quais foi eleita, Idalina Perestrelo Luís foi sempre acompanhada na Direção do Núcleo por Elsa Maria Freitas Araújo, como vice-Presidente. A partir de outubro de 2013, Elsa Araújo passou a ser a Presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira. Desde 1995, o Núcleo Regional da Quercus na Madeira envolveu-se em inúmeras atividades com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e para uma mudança de paradigma na sociedade madeirense. À semelhança da matriz que caracteriza a ação nacional da Quercus, toda a atividade do Núcleo Regional foi marcada por duas formas principais de atuação, os projetos e a intervenção pública, em ambas abrangendo os mais diversos temas ambientais. A mudança de atitudes e comportamentos para com os valores ambientais foi um dos objetivos em que a Quercus-Madeira apostou desde início, tendo desenvolvido várias iniciativas e projetos com esse fim. Nesse âmbito, destaca-se uma parceria com a Câmara Municipal de Machico e a criação do Centro de Educação Ambiental de Machico (CEAM), cuja abertura oficial, em julho de 2000, contou com a presença do Presidente da Direção Nacional da Quercus. Ao longo dos seus 13 anos de funcionamento, o Centro de Educação Ambiental dinamizado pelo Núcleo Regional da Quercus desenvolveu largas centenas de ações de sensibilização, em particular nas escolas da Madeira, tendo abordado temáticas tão diversas como a defesa do património natural, os incêndios florestais, o ordenamento do território, a redução, reutilização e reciclagem de resíduos, a gestão sustentável dos recursos hídricos, e a eficiência energética, entre muitos outros. Além de palestras e debates, a Quercus-Madeira dinamizou, através do CEAM, atividades de reflorestação e manutenção no Parque Ecológico do Funchal, editou publicações, preparou exposições e promoveu passeios a pé. De entre os vários recursos de divulgação e educação ambiental publicados pela Quercus-Madeira é de particular realce a revista Raízes, uma publicação periódica que lançou o seu primeiro número em outubro de 2001. Ao longo de sete anos e de 34 números, a revista Raízes apresentou em capa uma grande variedade de temas, como o património malacológico do Porto Santo e dos seus ilhéus, a fauna cavernícola de Machico, a avifauna da lagoa do Lugar de Baixo, as florestas da ilha da Madeira, a qualidade ambiental das ribeiras e o problema dos incêndios florestais. Associados a estes e outros temas, muitos foram os cidadãos que deram o seu contributo voluntário na preparação de conteúdos, em particular profissionais da área da biologia, mas também juristas, professores e estudantes, entre outros. Um dos temas a que o Núcleo Regional da Quercus na Madeira tem dedicado especial atenção tem sido a gestão de resíduos, não só ao nível da educação e sensibilização ambiental, nomeadamente com o projeto Ponta de Sol Mais Brilhante em 2004 e 2005, mas também através da implementação de projetos iminentemente práticos. Exemplo disso foi a recolha de pilhas usadas, um projeto nacional da Quercus que o Núcleo Regional estendeu à Madeira logo no início de 1995, reunindo mais de 10 quilos de pilhas, as quais se juntaram, em 1998, às 11 toneladas recolhidas em todos os Núcleos da Associação para serem encaminhadas para reciclagem em França. Ainda em 1998, com a ajuda de algumas dezenas de jovens voluntários, esta estrutura regional da Quercus fez um levantamento exaustivo da quantidade e do tipo de resíduos existentes nas praias e calhaus da Madeira, tendo encontrado um litoral pejado de lixo com origem na própria ilha. A disponibilidade de bebidas em embalagens retornáveis, como forma de prevenir a produção de lixo, foi um assunto constante nas preocupações da Quercus-Madeira, que insistiu sempre na fiscalização e cumprimento da Lei. Em fevereiro de 2009, a Quercus trouxe à Madeira mais um projeto pioneiro, tendo, primeiro em parceria com o centro comercial Dolce Vita e depois com os hipermercados Continente, iniciado a recolha seletiva de rolhas de cortiça para posterior reciclagem no âmbito do projeto Green Cork, cujos lucros são utilizados para a reflorestação. Nos primeiros dois meses, o projeto Green Cork conseguiu reunir na Madeira mais de meia tonelada de rolhas de cortiça. Ainda na mesma área, uma das batalhas em que a Quercus-Madeira mais investiu foi a oposição à opção pela incineração como destino final dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira. Em 1998, assim que o governo regional anunciou a intenção de construir uma central de incineração, a Quercus-Madeira promoveu uma petição para que o projeto não fosse concretizado, tendo recolhido mais de 700 assinaturas, que foram entregues na Assembleia Legislativa da Madeira. Quando, em janeiro de 1999, o Governo Regional da Madeira iniciou a discussão pública do estudo de impacte ambiental da obra de Ampliação e Remodelação da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, o Núcleo Regional da Quercus foi a única organização que se opôs a este projeto. A 22 de Agosto de 1999, a Quercus-Madeira organizou a iniciativa Ar Puro que, junto à igreja do Rochão, na Camacha, reuniu cidadãos e representantes de partidos na sensibilização para os perigos decorrentes das emissões de uma central de incineração. A 7 de dezembro de 1999, ao início da noite, devido à queda de um muro que ameaçava ruir já há algum tempo, ocorreu uma derrocada de resíduos do aterro sanitário da Estação da Meia Serra para o interior da lagoa de arejamento dos lixiviados, provocando uma enxurrada que desceu ao longo da ribeira da Cerejeira, destruiu por completo uma habitação e danificou três viaturas no sítio do Ribeiro Serrão. O sobressalto causado por esta calamidade terá estado na origem do ataque cardíaco que vitimou, no decorrer dessa mesma noite, um residente, o senhor José Arnaldo das Neves Vieira, com 39 anos, que, ao longo desse ano, vinha colaborando abertamente com a Quercus-Madeira por uma solução diferente para a gestão dos resíduos. Este facto levou a um envolvimento maior da população da Camacha, em particular dos moradores dos sítios do Ribeiro Serrão e Rochão, que, juntando-se à Quercus, se manifestaram contra o projeto à entrada da Estação a 27 de dezembro de 1999, reunindo perto de uma centena de pessoas. A manifestação repetiu-se a 2 de janeiro de 2000, envolvendo cerca de 300 pessoas. Nesse dia, as barreiras metálicas e a Brigada de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública, liderada no local pelo próprio comandante regional da PSP, não foram suficientes para demover a população de entrar na Estação para constatar in loco a estabilidade dos resíduos depositados no aterro e o que estava a ser feito para garantir a sua segurança. Apesar destas iniciativas, o projeto foi avante e a incineradora foi inaugurada em 2004. Possuindo o Arquipélago da Madeira um património biológico extraordinariamente importante, a conservação da natureza foi outra área onde o Núcleo Regional da Quercus mais interveio. Além dos contributos que deu na divulgação do património natural insular, a Quercus-Madeira agiu inúmeras vezes na tentativa de alterar o curso de algumas ações que entendia serem lesivas à biodiversidade. Desde a sua fundação, insistiu na retirada do gado ovino, caprino e bovino que pastoreava em regime livre nas serras da Madeira e impedia a regeneração da vegetação, deixando as serras escalvadas e à mercê dos processos erosivos, pondo em causa a biodiversidade e a segurança das populações pelo risco de aluvião. Também por insistência do então Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Funchal, Raimundo Quintal, mentor da criação do Parque Ecológico do Funchal, onde implementou essa medida, o Governo Regional da Madeira acabou por aceitar a retirada do gado das serras, tendo dado por concluído esse processo em 2003. Outra ameaça à biodiversidade que a Quercus-Madeira sempre combateu foi o flagelo dos incêndios florestais, tendo desenvolvido o projeto Vigilância Contra Fogos Florestais em 1997 e 1998 e, nos anos seguintes, criado uma rede informal de vigilância com mais de 100 voluntários no âmbito do projeto De Olhos na Floresta. Para minimizar o problema dos incêndios florestais, esta Associação insistiu constantemente numa estratégia para a Madeira apostada na prevenção, na vigilância e numa primeira intervenção rápida e eficaz. Em 1999, em colaboração com a Câmara Municipal de Machico, a Quercus-Madeira elaborou a candidatura do projeto Recuperação da Floresta Laurissilva das Funduras ao programa LIFE Natureza, projeto que foi submetido em nome da Direção Regional de Florestas e obteve um financiamento europeu superior a meio milhão de euros. A execução do projeto teve início em janeiro de 2000 e decorreu até ao fim de 2003, tendo a Quercus-Madeira assegurado a implementação das medidas de educação ambiental que ficaram à responsabilidade da Câmara Municipal de Machico. A Quercus-Madeira também se mobilizou várias vezes para tentar evitar a concretização de alguns projetos no coração da floresta Laurissilva. Por exemplo, no início do século XXI, quando o Governo Regional avançou com a asfaltagem da estrada do Fanal, entre a Ribeira da Janela e o Paul da Serra, a Quercus, além das intervenções públicas, procurou, sem sucesso, que a UNESCO, que em 1999 reconheceu o estatuto de Património Natural Mundial à floresta Laurissilva, negasse essa pretensão. Ainda assim, a contestação à asfaltagem levou a que, a partir do Fanal e até ao Paul da Serra, a largura da estrada fosse reduzida. Já em 2008, unindo esforços com a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal e com um conjunto alargado de cidadãos, a luta foi contra a pretensão do Governo Regional da Madeira de viabilizar a construção de um teleférico no Rabaçal, na cabeceira da ribeira da Janela, em plena floresta Laurissilva, tendo pedido a intervenção da UNESCO e da Comissão Europeia, às quais enviou uma petição com mais de 5000 assinaturas. Adicionalmente, em Março de 1999, estas duas associações de defesa do ambiente interpuseram em Tribunal uma ação judicial a pedir a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental favorável assinada pelo Secretário Regional do Ambiente. Devido a esta forte contestação, a construção do teleférico não avançou e a Declaração de Impacte Ambiental acabou por caducar por ter sido ultrapassado o prazo da sua validade, situação que levou o Tribunal Administrativo e Judicial do Funchal, em setembro de 2011, a encerrar o processo. Ao longo do tempo, a Quercus-Madeira alertou para inúmeras situações e opções que constituíam ameaças ao ambiente: Contestou as ações de abate ao Pombo Trocaz (Columba trocaz), espécie protegida e exclusiva da Madeira, , iniciadas pelo Governo Regional em 2004; opôs-se, a partir de 2002, à construção de um Radar Militar no Pico do Areeiro, em Sítio da Rede Natura 2000, junto ao único local no mundo onde nidifica a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), uma ave marinha fortemente ameaçada; alertou insistentemente para as consequências negativas sobre os ecossistemas marinhos costeiros decorrentes dos despejos de terras provenientes de obras públicas e privadas; colocou na ordem do dia os perigos para a saúde pública decorrentes da inalação de fibras de amianto, presentes em materiais utilizados na construção de inúmeros edifícios no Arquipélago da Madeira; insistiu na necessidade de melhorar os transportes públicos de modo a garantir uma alternativa válida ao transporte individual e reduzir a poluição dentro da cidade do Funchal; defendeu uma maior aposta na eficiência energética e nas energias renováveis; pressionou inúmeras vezes para o cumprimento da Lei no que diz respeito à realização de análises e divulgação dos resultados relativos à água para consumo humano; insistiu na necessidade de serem adotados e respeitados os instrumentos de ordenamento do território previstos na legislação portuguesa, em particular os Planos Diretores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira e a Reserva Ecológica Nacional; cooperou com a organização internacional Save the Waves na contestação contra a destruição das ondas para a prática de surf no Jardim do Mar; cooperou com a Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste numa solução para a preservação da Lagoa do Lugar de Baixo na Ponta do Sol; e, entre muitas outras iniciativas, tentou impedir o avanço de projetos turístico-imobiliários sobre o litoral.   Hélder Spínola (atualizado a 11.10.2016)

Biologia Terrestre Geologia Ciências do Mar Ecologia

arte na educação

Em matéria de arte na educação, a RAM aproveitou a descontinuidade territorial, que a separa do continente português e a privou de usufruir de muitas valências, invertendo a seu favor o sabor da insularidade. Usufruiu do mar e do que, em matéria social, este podia oferecer, proporcionando uma estreita relação com outros povos que ali paravam. Falamos, e.g., de uma forte relação com a comunidade inglesa, que por lá se estabeleceu no séc. XIX e com individualidades de outras nacionalidades, como a alemã, a espanhola e a russa, que ao longo dos séculos se distinguiram na relação com os autóctones. Pelos registos apurados, podemos afirmar que, desde o início do séc. XIX, as artes fizeram regularmente parte da educação. Existem referências à aprendizagem da música, à prática do canto, às danças de salão, às récitas teatrais e às artes e ofícios, a par de outras atividades de cariz artístico, como os lavores e a aprendizagem das línguas. Fazendo um périplo pelos periódicos entre 1821 e 2015, é possível observar-se o lugar que as artes ocuparam em instituições de ensino regular, bem como confirmar a existência de aulas artísticas de cariz doméstico e até em instituições mais regulamentadas. Na Madeira, as escolas com opção de disciplinas de âmbito artístico fizeram parte da educação ao longo do séc. XIX. Quando, em 1835, se assistiu à implementação do ensino primário obrigatório, uma das consequências foi a criação de múltiplas escolas e colégios. Na Madeira, a rede pública de escolas deveria ser notoriamente insuficiente, visto que encontramos, ao longo de Oitocentos, diversas escolas em espaços domésticos ou sem designação oficial onde era possível as famílias optarem por uma ou mais atividades artísticas, como o ensino do canto, da guitarra, do piano ou da dança, a par do desenho. Além destas atividades, as escolas e os pequenos colégios permitiam igualmente a opção pelo ensino das línguas, nomeadamente a francesa e a italiana, justificando-se esta última, sobretudo, quando do bel canto se tratava. Estas disciplinas (artísticas e línguas) tinham normalmente um custo acrescido. Apesar do ensino feminino já existir no reinado de D. Maria I, foi com a reforma do ensino primário, em 1836, que foram implementadas as “escolas de meninas”. Na Madeira, também encontramos referências ao ensino feminino na imprensa, registando-se que as escolas ou colégios para meninas eram dirigidas por senhoras, como atesta o seguinte anúncio: “Colégio para educação de meninas, direção de Felisberta Augusta Teixeira” (com opção de lições de piano, dança e desenho com pagamento extra) (A Flor do Oceano, 12 set. 1839, 4). Neste contexto, é interessante constatar a presença contínua do ensino da dança, a par de disciplinas ligadas às línguas, à música e ao desenho. As aulas de artes não aconteciam apenas em escolas ou colégios de ensino primário. Ao longo de todo o séc. XIX, há registos de aulas particulares, organizadas nas casas dos professores ou mesmo dos alunos. Entre outros, recolhemos anúncios na imprensa local de aulas de dança ministradas por Eduardo Soares e Paulo Valentino d’Ornelas Costa; lições de música, rabeca, piano, violoncelo e violino dadas por Nuno Graceliano Lino; e de piano e canto pelo P.e João Aleixo de Freitas. Até ao último quartel do séc. XIX, os docentes eram essencialmente masculinos, começando as mulheres, nessa altura, a predominar no ensino das artes. Importante, já então, era a presença de professores de naturalidades diferentes da portuguesa, proprietários, e.g., da Eschola Collegial Inglesa, que tinha lições de música e do Collegio de Jane H. Manly Tello. Estes factos revelam bem, ao nível da educação, a influência da comunidade inglesa na Madeira oitocentista. Além do ensino artístico em contexto doméstico, também era possível desenvolver-se uma prática artística em contexto institucional, principalmente nas sociedades e clubes que proliferaram no séc. XIX, depois da revolução liberal. Neste âmbito, salienta-se o coro da Sociedade Philarmonica; a Academia Marcos Portugal, que proporcionava lições de solfejo para violino, violeta, violoncelo, rabecão grande e instrumentos de metal e palheta; e a Sociedade Recreio Musical, com aulas de dança dadas por Eduardo Soares, que acumulava com aulas que lecionava no Theatro D. Maria Pia. Como se depreende do anteriormente enunciado, a maior parte das instituições e aulas artísticas desenvolvia-se fora do domínio público, embora houvesse algumas exceções. O Liceu, e.g., apresenta-se como uma escola oficial genérica que incluía atividades de educação artística. Outro caso de atividades artísticas promovidas por uma instituição pública é o da escola municipal de D. Francisco Vila y Dalmau, onde era possível estudar canto e dança. Por fim, uma categoria que não deve ser esquecida: as aulas proporcionadas por professores e companhias que passavam pelo Funchal, como, e.g., as aulas de dança do Circo Equestre, em 1865. Era comum que os artistas que passavam pela Madeira para realizar concertos e espetáculos se disponibilizassem também para dar aulas particulares a quem estivesse interessado, situação que se manteve na primeira metade do séc. XX, como mostram os seguintes casos divulgados pela imprensa periódica: maestro Ricardo Nicosia Cortesi (piano); professor Cleto Zavala (lições de piano); cavalheiro inglês, muito competente para ensinar violino; professor D. Domingo Bosch (lições de piano). Na transição do séc. XIX para o XX, qualquer novo estabelecimento de ensino vocacionado para mulheres que fosse criado no Funchal teria mesmo de incluir, quase obrigatoriamente, a disciplina de piano, embora de forma opcional, pois era lecionada em regime de aulas individuais. No colégio para meninas de D. Christina Adelaide Gomes, e.g., o currículo era constituído pelas disciplinas de inglês, francês, português, piano, machete, canto, viola e dança, em 1895. Em 1909, o colégio para raparigas João de Deus informava que as suas alunas podiam ter “aulas especiais de canto, piano e dança” com a professora Cora Cunha, discípula de Maria Capitolina Crawford do Nascimento Figueira (Almanach de Lembranças Madeirense, 1909, 288-289). Poucos anos mais tarde, por volta de 1912, foi criada, no convento de S.ta Clara, a Escola de Utilidades e Belas Artes, que se destinava a raparigas e que incluía no seu currículo também as áreas de música e de dança, assim como o ensino de piano em aulas individuais, de forma opcional.   Mª Adelaide Meneses e alunas. Photographia Vicentes. Fonte: Arquivo Sílvio Fernandes   Este aumento do papel da mulher na educação artística contribuiu, provavelmente, para a sua emancipação profissional através da música. Enquanto noutras áreas era considerado pouco apropriado que a mulher de classe média assumisse uma profissão, no caso da música, a mulher começou regularmente a aparecer como professora, sobretudo nas áreas do canto, do piano e da dança. No período entre 1812 e 1880 surgem poucas mulheres a lecionar, mas a partir de 1870 inverte-se esta tendência, aparecendo frequentemente mulheres a lecionar música como atividade profissional remunerada, desaparecendo, e.g., quase por completo, os professores de piano masculinos. No séc. XX, a par das reformas a no ensino oficial das artes, continuaram a ser criadas diversas escolas particulares de cariz doméstico que ofereciam no seu currículo a opção de atividades artísticas. Temos, assim, o Collegio de Santa Clara (piano e canto); o Collegio Maria José Ferreira (classe de dança, francês, inglês e música); o Colégio do Lisbonense (classes de instrução primária, português, francês, inglês, piano, dança e lavores); e o Colégio Madeira (classes de dança por Eugénia Rêgo). É igualmente relevante encontrarem-se anúncios com a redação que se segue, sem nomear as professoras: “Uma senhora devidamente habilitada dá lições de piano e francês em sua casa ou na das alunas, por preços moderados” (DNM, 9 out. 1911, 1); “Senhora competentemente habilitada dá lições de piano e bandolim” (DNM, 26 mar. 1915, 1); ou ainda, o pormenor, “Classe de dança – Para principiantes e praticantes” (DNM, 6 out. 1911, 2); “Chamamos a atenção para o anúncio que hoje publicamos sob a epígrafe, ‘Classes de piano’, recomendando a professora, que tem toda a competência requerida” (DNM, 19 ago. 1917, 1). No ensino específico e particular, nomeadamente em contexto doméstico, encontramos referências a lições de música dadas por Eduardo Antonino Pestana; Isabel Pamplona Spínola; Nuno Graceliano Lino; Artur Maria Lopes; Alfredo A. Graça, com o pormenor de se referenciar o método (piano e rabeca pelo curso do Real Conservatório de Lisboa, e bandolim pelo método de Christofaro y Gautiero); Angelique de Beer Lomelino; Gabriella Campos (lições de piano e solfejo pelo método do Conservatório de Lisboa); Maria Eugénia de Afonseca Acciaiolly Rêgo Pereira (ensinava coreografia erudita e folclórica a membros das classes alta e média madeirense num salão de dança); M. Graça Rego (ex-aluna dos professores Cleto Zavala, em piano e Beer Lomelino, em canto, dava lições de piano e canto); Maria Izabel Ferraz (aulas de dança). Denota-se uma preocupação com a metodologia aplicada e os fins a que se destinava. Leia-se “Lições de música. Curso geral completo pelos métodos mais modernos adotados no Conservatório de Lisboa” (DNM, 16 maio 1917, 1); “Professor Vasco de Oliveira (curso de violino seguindo todo o programa do conservatório (escola de Leonard)” (DNM, 4 abr. 1919, 1). Mantêm-se as escolas dirigidas por estrangeiros com atividades artísticas e as sociedades e clubes com atividades de educação artística: o artigo “Academia Dançante” referencia já o Atheneu Commercial com a professora Mathilde Xavier Ferraz, que dá lições de dança; o Grupo Recreativo da Mocidade Portuguesa proporciona aulas de música e classes de dança acompanhadas pelo pianista Leandro S. C. de Freitas. No contexto das escolas oficiais de ensino genérico, existem igualmente diversas menções ao ensino de disciplinas artísticas: no Instituto de Ensino Secundário e Comercial, referem-se aulas de música, em que os métodos adotados são os mesmos do Conservatório de Lisboa e um curso de canto regido por uma distinta professora, que dava lições individuais e em classe; no Liceu Jaime Moniz, o professor de canto coral era Júlio Câmara, contanto a tuna académica e o orfeão com a direção de Gustavo Coelho; na Escola de Utilidades e Belas Artes (estabelecimento de ensino feminino), era possível aprender dança, piano e canto. Em 1943 ocorreu um dos principais acontecimentos no campo da educação artística na Madeira, uma iniciativa que, em 2015, continua a dar frutos. Nesse ano, Luiz Peter Clode e seu irmão William Clode fundaram a Sociedade de Concertos da Madeira, que reunia um escola de intelectuais e artistas portugueses e estrangeiros, naturais ou residentes na Ilha, com a finalidade de contribuir para o crescimento de artistas e público especializado. No seguimento da criação dessa instituição, a prática das expressões artísticas cresceu substancialmente e, a partir de 1946, altura em que foi fundada, no âmbito da mesma, a Academia de Música da Madeira, que mais tarde conseguiu o paralelismo pedagógico com o Conservatório de Música de Lisboa, contribuiu para a creditação de professores e alunos madeirenses. Este estabelecimento foi sucessivamente restruturado após o 25 de Abril, vindo a integrar o ensino profissional das artes na viragem do século, alterando a sua designação, em 2000, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira e, em 2006, para Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira Eng. Luiz Peter Clode, em homenagem ao seu mentor. Os cenários dos sécs. XX e XXI são completamente distintos e acompanham o natural desenvolvimento do ensino artístico na Região, tendo contribuído fortemente para o efeito o trabalho realizado, ao longo de 35 anos (1980-2015), pela Direção de Serviços do Ensino Artístico e Multimédia (antigo Gabinete Coordenador de Educação Artística). A par do trabalho de campo desenvolvido em toda a Região, motivou o surgimento de associações, filarmónicas e grupos de iniciativa privada que, em conjunto, contribuíram para os resultados atingidos: o ensino artístico integra, em 2015, a quase totalidade da rede do pré-escolar como atividade obrigatória e o ensino técnico profissional e especializado abrange já todas as áreas da expressão artística: a dança, a música, o teatro e variantes.   Paulo Esteireiro Teresa Norton Dias (atualizado a 26.09.2016)

Artes e Design Educação História da Educação

associações católicas

O direito de associação é um direito próprio do ser humano, reconhecido desde sempre. O facto de o homem se poder associar com outros para alcançar determinados objetivos ou finalidades em vista da sua realização pessoal e comunitária é algo inalienável, que não pode ser eliminado por nenhuma entidade humana. Tanto os filósofos como os teólogos e os juristas têm defendido esse direito da pessoa humana. O magistério pontifício sempre reivindicou para o cidadão o direito de fundar e pertencer a associações no campo civil, social, profissional e religioso. Assim o fizeram Leão XIII (na Rerum Novarum, de 15/05/1891), Pio XI, Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI, e Francisco. Na Exortação Apostólica Christifideles Laici, o Papa João Paulo II refere-se “às formas agregativas de participação”, falando de “uma nova era agregativa” dos fiéis leigos: “ao lado do associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicado” (n.º 29). Muitas outras intervenções deste Papa (em particular no congresso mundial dos movimentos eclesiais, em 1998) demonstram o seu interesse pela promoção da vocação laical e das associações de fiéis. O Papa Francisco, ao receber os participantes de um congresso, afirmou: “Caros irmãos e irmãs, vós trouxestes já muitos frutos à Igreja e ao mundo inteiro, mas trareis outros ainda maiores com a ajuda do Espírito Santo, que sempre suscita e renova dons e carismas, e com a intercessão de Maria, que não cessa de socorrer e acompanhar os seus filhos. Ide para a frente: sempre em movimento. […] Não pareis! Sempre em movimento!” (FRANCISCO, 2014). A formulação jurídica do direito de associação como fundamental não existe no Catecismo da Igreja Católica (CIC) de 1917. Só a encontramos no Código de Direito Canónico (CDC) de 1983, por influência da doutrina e do Concílio Vaticano II, com o contributo anterior de numerosos estudiosos canonistas e teólogos. A limitação do primeiro Código não é tanto a falta de reconhecimento do direito de associação, mas sobretudo a sua não explícita afirmação e o não encorajamento do fenómeno associativo. A nível eclesial, sempre houve movimentos e associações, como comprova a vida e a evangelização da Igreja. Na Constituição da República Portuguesa encontramos vários artigos que caracterizam o fenómeno associativo como um direito fundamental do cidadão português: 46.º, 51.º, 247.º, 253.º, 270.º. O n.º 1 do artigo 46.º é explícito na proteção e defesa do direito de associação: “Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respetivos fins não sejam contrários à lei penal”. Depois dos cânones sobre as associações de fiéis em geral (cc. 684-699), o título ´XIX do CDC de 1917 regulamenta as associações de fiéis em particular (cc. 700-725) com estes tipos: Ordens Terceiras Seculares (cc. 702-706), que são associações approbatae; Confrarias (cc. 707-719), que podem ser constituídas só por formal ereção de decreto (can. 708); Pias Uniões, para as quais é suficiente a aprovação e que também podem ser eretas (can. 708); e ainda Arquiconfrarias e Uniões Primárias. (cc. 720-725). Quanto à aprovação, o CDC de 1917 prevê dois tipos de associações: as associações eclesiásticas, eretas e dirigidas pela autoridade eclesiástica e que adquirem personalidade jurídica; e as associações laicais, dirigidas por leigos, as quais podem ser probatae ou laudatae pela autoridade eclesiástica. Estas não têm o seu ser da autoridade eclesiástica, não são governadas por ela, e portanto não podem chamar-se erectae com personalidade jurídica. Nem sequer têm os seus estatutos e a sua organização interna aprovados por tal autoridade. São dirigidas por leigos, segundo os estatutos; são laicais, não eclesiásticas. Assim, ser associação “laical” não significava que os seus membros fossem só leigos, mas sim que a mesma não tinha sido ereta pela autoridade eclesiástica ou que não tinha sido aprovada juridicamente por esta. Tratava-se de associações constituídas por fiéis por sua própria iniciativa, e por eles governadas para fins espirituais ou caritativos. Mas estas associações não estavam fora da vigilância do Bispo: embora ele não as pudesse governar, olhava pela fé e bons costumes das mesmas. O CDC de 1917 considerava só as associações eclesiásticas, enquanto sujeito típico de direitos e de deveres no ordenamento jurídico eclesiástico, não se ocupando das associações laicais enquanto tal. Eram elas: as associações louvadas, de natureza privada (a autoridade eclesiástica limitava-se a louvar o fim da associação); as associações aprovadas, que entravam na estrutura organizativa da Igreja, mas sem possuir a personalidade jurídica; e as associações eretas, que entravam na estrutura organizativa da Igreja com a atribuição da personalidade jurídica depois da ereção formal. O fenómeno associativo na Igreja foi referido em alguns documentos do Concílio Vaticano II. Veja-se, por exemplo Apostolicam Actuositatem para o direito de associação dos leigos, e Presbyterorum ordinis para o direito de associação dos presbíteros. “A liberdade associativa dos fiéis não é uma espécie de concessão da autoridade, mas brota do Batismo, sacramento que convoca os fiéis leigos à comunhão e missão na Igreja” (Lumen Gentium, n.º 37). O Vaticano II delineou o contexto onde se deve situar o fenómeno associativo e apresentou o seu fundamento eclesiológico: o direito de associação dos fiéis, como modalidade típica de participação na única missão da Igreja. “Na Igreja, a diversidade de ministérios, mas unidade de missão” (Apostolicam ctuositatem, n.º 2); a distinção de ministérios, na única missão, em razão da sua condição ontológico-sacramental. O Concílio não emite uma qualificação jurídica das associações, pois essa não era a sua intenção e função. Descrevendo as várias relações das associações com a hierarquia, oferece uma interessante catalogação das associações nascidas da livre iniciativa dos fiéis: associações simplesmente constituídas por leigos, associações louvadas ou recomendadas, associações explicitamente reconhecidas, associações electas et particulari modo promotae. No fenómeno associativo e nas suas várias manifestações (grupos, agregações, movimentos, comunidades, pias uniões, confrarias, ordens terceiras, institutos, etc.), manifesta-se uma peculiar realização da comunhão eclesial: “Portanto, o apostolado em associação responde com fidelidade à exigência humana e cristã dos fiéis e é, ao mesmo tempo, sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo. [...] O apostolado associativo é de grande importância também porque, nas comunidades eclesiais e nos vários meios, o apostolado exige com frequência ser realizado mediante a ação comum. As associações criadas para a ação apostólica comum fortalecem os seus membros e formam-nos para o apostolado. [...] É absolutamente necessário que se robusteça a forma associada e organizada do apostolado no campo de atividades dos leigos” (Apostolicam Actuositatem, n.º 18). Analisando esta problemática à luz do CDC de 1983, pode-se concluir que o can. 215 é fundamental para a formulação jurídica do direito de associação e do direito de reunião na Igreja. Este cânon, que provém do esquema da Lex Ecclesiae Fundamentalis, entretanto não promulgado, configura este direito e confere-lhe uma grande relevância. “Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou para fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos fins” (can. 215). O texto latino não emprega o termo “ius”, mas a expressão “integrum est” (SISTACH, 2012, 509). A liberdade dos fiéis no governo das associações privadas é muito ampla, enquanto nas associações públicas é mais limitada. O can. 299 estabelece que os fiéis têm direito, mediante um acordo privado entre eles, de constituir associações privadas. A causa eficiente desta realidade associativa é a vontade dos fiéis que se associam. O legislador começa por ressalvar que os institutos de vida consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica são de outro género, não sendo consideradas associações. Estes Institutos e Sociedades têm normas próprias (cc. 573-746). As normas consagradas às Associações estão legisladas nos cc. 298-329, na seguinte ordem: can. 298, §1 – associações no interior da Igreja para promoverem finalidades próprias da Igreja; cc. 298-312 – normas comuns para todos os tipos de associações; cc. 312-320: normas sobre as associações públicas de fiéis; cc. 321-326 – normas sobre as associações privadas; cc. 327-329 – normas para as associações de leigos. As finalidades das associações são: fomentar uma vida mais perfeita, promover o culto público ou a doutrina cristã, ou outras obras de apostolado, promover o trabalho da evangelização, exercício de obras de piedade ou de caridade, informar a ordem temporal com o espírito cristão. Podem ser membros destas associações todos os fiéis, clérigos, ou leigos, ou clérigos e leigos. Consoante o tipo dos seus membros, podem ser distinguidas: as associações clericais que, sob a direção de clérigos, assumem o exercício da ordem sagrada e são reconhecidas como tais pela autoridade competente (can. 302); as associações religiosas, que vivem a espiritualidade de um Instituto Religioso e tendem à perfeição cristã, tomando o nome de Ordens Terceiras ou de Associações (can. 303; e ainda as associações laicais, que são formadas por leigos, com as finalidades do can. 298. Devem cooperar com outras associações de fiéis na pastoral, e preparar devidamente os leigos (cc. 327-329). As associações não clericais podem ser presididas por leigos (can. 317, §3). Quando o Bispo dá o seu consentimento por escrito para a ereção de uma casa religiosa, o mesmo vale para a ereção, na mesma casa ou na igreja a esta anexa, de uma associação própria do Instituto (cc. 317, §2; 312, §2). As associações que foram constituídas por privilégio apostólico podem entrar numa Diocese, desde que recebam o consentimento escrito do Bispo diocesano (can.312 §2). Estas associações devem cooperar com as obras de apostolado existentes na diocese, sob a vigilância Ordinário do Lugar (can. 311). Qualquer associação pública ou privada tem de possuir os seus estatutos (can. 94) nos quais se determinam: o nome da associação; o fim ou objetivo da associação; a sede; o governo; o património; as condições de ingresso e pertença; o modo de agir, tendo em conta o meio em que trabalham (can. 304). Todas estas associações devem ser acompanhadas espiritualmente por um Assistente, normalmente presbítero, nomeado pela autoridade eclesiástica competente (cc. 317, §§1-3; 324, §2). A capacidade jurídica das associações está definida no CDC, nos respetivos Estatutos, e nas normas de direito particular e direito próprio. Elas podem intervir eclesial e socialmente, e administrar bens (cc. 319; 325). A supressão das associações deve realizar-se de acordo com o CDC (cc. 320, 326), os Estatutos, e as normas de direito particular e direito próprio. O CDC usa a distinção entre associações públicas e associações privadas, embora na linguagem corrente tenhamos outras denominações: confraria, irmandade, ordem terceira, fraternidade, grupo, movimento, etc. As associações públicas são eretas pela autoridade eclesiástica, para conseguir alguns fins reservados natura sua à hierarquia e outros fins que não tenham sido conseguidos pela iniciativa privada; são constituídas ipso iure pessoas jurídicas públicas e agem nomine Ecclesiae, sob a superior direção da autoridade eclesiástica (can. 116). Todas as suas ações abrangem a autoridade eclesiástica, supondo uma relação de quase identificação com ela. Uma associação não é pública porque tem um fim geral eclesial, porque teve um reconhecimento da autoridade eclesiástica, porque tem um carácter de internacionalidade, mas porque entra a fazer parte da estrutura Hierárquica da Igreja, conseguindo fins propriamente institucionais, como estabelece o can. 301, §1. As relações com a hierarquia – Santa Sé, conferência episcopal, bispo diocesano –estão definidas nos cc. 322 e 312, §1. As associações privadas são constituídas por fiéis mediante acordos privados para conseguir fins espirituais, e no can. 298 prevê-se que a sua atividade se desenvolva sob a sua direção e moderação; podem adquirir personalidade jurídica privada. O conceito “privado” não significa, portanto, “sem importância eclesial”. O critério que distingue associações públicas e associações privadas é dado pelo concurso do critério subjetivo e do critério objetivo: o sujeito da constituição das associações e a sua finalidade específica. As associações e os movimentos não podem descurar a comunhão eclesial: “É sempre na perspetival da comunhão e da missão da Igreja e não em contraste com a liberdade associativa, que se compreende a necessidade de claros e precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das associações laicais, também chamados ‘critérios de eclesialidade’” (JOÃO PAULO II, 1988, n.º 30). Os movimentos e associações devem assim seguir critérios de eclesialidade que os introduzam na esfera da comunhão eclesial. Devem ter, pois, a responsabilidade em professar a fé católica. Com efeito, uma clara adesão à doutrina da fé católica e ao magistério da Igreja, que a interpreta e a proclama, é sem dúvida condição indispensável para que uma realidade possa existir como tal na Igreja. Também é necessário encontrar um equilíbrio entre dimensão pessoal e comunitária, entre a pertença à Igreja e a pertença ao grupo, entre empenho de oração e coerência de vida, entre valorização da vocação específica dos leigos e reconhecimento da função eclesial da hierarquia, entre autonomia de vida e atividade de grupo. Outro ponto a ter em conta é a conformidade com as finalidades da Igreja. De facto, desempenham atividades conforme à finalidade da Igreja – ou seja à evangelização – todas aquelas associações que se propõem fins espirituais, religiosos, formativos, pastorais, obras de piedade, de caridade, de misericórdia. A comunhão com os Pastores também é importante. A vontade de uma plena comunhão com o Papa, centro perpétuo e visível da unidade da Igreja universal, e com o bispo, “princípio visível e fundamento da unidade da Igreja particular” (Lumen Gentium 22) traduz-se concretamente na disponibilidade em acolher: os princípios doutrinais e orientações pastorais do bispo da diocese; a sua ação de coordenação pastoral que tem em vista harmonizar a atividade dos fiéis e a conjugá-la com o bem comum da Igreja; a sua presença através de um presbítero; o reconhecimento da legítima pluralidade das formas associativas na Igreja. Pede-se de cada associação uma atitude de respeito, de estima e de abertura em relação aos outros grupos e movimentos; e tal atitude demonstra-se verdadeira se se traduz numa disponibilidade real, no respeito pelos outros, sem constituir uma “capelinha” ou um grupo fechado, e na disponibilidade em colaborar com outras associações. Por último refira-se que o direito canónico de 1983 também prevê os “frutos espirituais” como objetivo a atingir pelas associações e os movimentos. Frutos espirituais são aqueles elementos de relevo sobrenatural que acompanham, a uma certa distância de tempo, a obra de uma associação, movimento, grupo, etc. e representam, em certo sentido, a contraprova dos autênticos dinamismos espirituais que neles e através deles se exprimem: a oração, o estilo de pobreza, a caridade, o florescimento de vocações, a coragem da evangelização (catequese, programas de pastoral) e a identificação com o carisma instituto de vida consagrada. De acordo com o can. 312, as associações eclesiais em Portugal são eretas e/ou aprovadas pelo bispo diocesano ou pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), de acordo com a sua natureza. Isto não impede que associações portuguesas possam pedir à Santa Sé a sua aprovação como internacionais e/ou mundiais. Nesse caso, terá de haver documentação e pareceres que apoiem a solicitação. A CEP publicou alguns decretos sobre as normas gerais das associações de fiéis e sobre o estatuto canónico das Misericórdias. A Comissão Episcopal do Laicado e da Família assume responsabilidades pastorais na promoção e coordenação do apostolado das associações e movimentos. A nível diocesano, há também os secretariados e/ou comissões, conforme a decisão do respetivo Bispo.  A nível nacional existe uma estrutura de comunhão e de unidade das diversas associações de fiéis, movimentos eclesiais e novas comunidades de apostolado dos leigos, com a designação de Conferência Nacional das Associações de Apostolado dos Leigos. Trata-se de uma pessoa coletiva privada canónica, com estatutos próprios, aprovados pela CEP a 5 de maio de 2011. As suas finalidades principais são: comunhão entre os seus membros, discernimento cristão das realidades contemporâneas, maior unidade de espírito e de ação. Uma lista pormenorizada das associações existentes em cada Diocese encontra-se no Anuário Católico de Portugal. Focando a atenção na Diocese do Funchal, pode dizer-se que, ao longo da sua história de 500 anos, há inúmeras páginas recheadas de labor apostólico das suas associações: confrarias, irmandades, associações de diverso tipo e movimentos. Sobretudo após o Concílio Vaticano II, os Bispos diocesanos incentivaram o apostolado laical organizado, de modo que os leigos pudessem corresponder à sua vocação e missão. Neste contexto, serão feitas algumas notas sobre o pontificado de D. Francisco Santana, Bispo diocesano de 1974 a 1982, cuja ação foi muito relevante no incentivo e na promoção das associações de fiéis leigos na Madeira, destacando os principais momentos e acontecimentos deste processo. Poucos meses depois da sua entrada solene na Diocese, D. Francisco convocou o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos, “constituído por quantos, acedendo ao Decreto conciliar sobre o apostolado dos leigos (v. nº 26) e aos apelos do Santo Padre Paulo VI (v. motu proprio de 6 janeiro 1967) receberam e aceitem o convite para colaborarem por esta forma, na dinamização e trabalho pastoral da Igreja diocesana” (CDAL, 1.ª reunião). Seguiu-se o decreto de criação do Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos. As três primeiras páginas contêm uma reflexão sobre o mistério da Igreja, em que o bispo discorre sobre os carismas: “O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvadora da Igreja e são especialmente chamados a torná-la presente e ativa, para que seja o ‘sal da terra’. Deste modo, todo e qualquer leigo é, ao mesmo tempo, testemunha e instrumento vivo da missão própria da Igreja” (CDAL, 1.ª reunião, dec., p. 2). E prossegue: “Os leigos da Igreja devem ter consciência, da função utópica (cf. Ernst Bloch) da fé cristã que nada tem de alienante do homem e da atividade humana, mesmo quando intimamente e conscientemente unidos à hierarquia estabelecida pelos Apóstolos segundo a vontade de Cristo e seguindo as práticas religiosas por Cristo instituídas” (Id., Ibid., p. 3). Considera o prelado diocesano que, após vários meses de estudo da comissão preparatória dos documentos conciliares e da situação real da Igreja diocesana, e com base no motu proprio de Paulo VI de 6 de janeiro de 1967 (I e III, 9), e na carta enviada à Diocese pelo Santo Padre em 14 de junho de 1974, é altura de declarar instituído o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos. Determina ainda “nomear para este Conselho, e por um período de dois anos, se antes nada for determinado em contrário, os leigos adultos e jovens, apresentados pelas diversas Associações e Movimentos católicos e ainda pelas Paróquias, cujos nomes constam de um elenco anexo a este decreto” […] e entende “Determinar que todas as Obras, Movimentos, Associações ou Grupos de leigos, quer sejam de âmbito diocesano, ou mesmo nacional ou internacional enquanto atuarem na Diocese, ou regional, paroquial ou de área menor, reconheçam o Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos como superior na escala hierárquica e como elo de ligação entre si e com o Conselho de Pastoral (a instituir-se), com o Conselho Presbiteral e com o Bispo da Diocese”, bem como “recomendar a urgência de serem convenientemente instituídos, em todas as Paróquias da Diocese, com a colaboração dos respetivos Vigários, os Conselhos paroquiais (CoPar), cujo financiamento se deve articular com este Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos” (Id., Ibid., p. 4). A 24 novembro 1974, tem lugar uma reunião com vários pontos de relevo, como: o decreto de criação do Conselho, apresentação dos membros do Conselho, comentário à alocução do Santo Padre de 02/10/1974, relativa ao papel dos leigos, discussão sobre o funcionamento do Conselho, escolha dos membros do Secretariado, síntese e discussão das respostas ao questionário enviado. Nos apontamentos redigidos à mão por D. Francisco Santana, podemos ler: “Não é uma simples reunião de alguns leigos, não é uma organização ou uma associação que se pretende criar, mas é um Conselho diocesano. Chamo a atenção, desde já, para esta palavra ‘Conselho’ que deve orientar todos os nossos pontos de vista e todo o nosso trabalho. É um Conselho da Diocese” (CDAL, 1.ª reunião, s.p.). A documentação da Comissão Preparatória do Conselho Diocesano do Apostolado dos Leigos, cuja primeira reunião teve lugar nos dias 15 e 16 de junho de 1974, menciona que os seus membros são sete. “Foi uma Assembleia de cristãos da Diocese, no Seminário Maior, que teve como tema de reflexão: ‘As carências de apostolado e a oportunidade de ereção do Conselho diocesano do apostolado dos leigos’. Estiveram presentes cerca de 180 católicos responsáveis, integrados ou não em organizações e movimentos católicos. Concluiu ser oportuna e necessária a criação do ‘Conselho’, tendo eleito uma Comissão preparatória de 7 pessoas. Neste encontro, o médico Dr. Luciano Castanheira fez uma intervenção sobre o decreto Apostolicam Actuositatem do Concílio Vaticano II.” Esta Comissão passou a reunir-se mensalmente. A 8 de agosto de 1974, fez circular o primeiro documento, contendo as bases para a constituição do Conselho diocesano do apostolado dos leigos e pedindo sugestões. O segundo documento é escrito com base nessas críticas e sugestões, que não foram tantas como se esperava (reunião da C.P., 24 novembro 1974, CDAL, 1.ª reunião). Os leigos são envolvidos na organização da Jornada Eucarística Diocesana de 17 junho 1976, com procissão desde o Estádio dos Barreiros até à Sé. Nos anos seguintes repete-se esta efeméride, assim como outras iniciativas do apostolado dos leigos. Destaque-se ainda o documento-base sobre os CoPar, que representou outro impulso para o envolvimento dos leigos na vida eclesial. “Os Conselhos paroquiais são um órgão de pastoral, ordenado para despertar o espírito missionário da Paróquia, por forma a que todos se sintam membros corresponsáveis na comunidade paroquial». Possíveis atividades para estes Conselhos: liturgia, catequese, cultura religiosa, recoleções e retiros, formação humana e cristã da família, entreajuda fraterna, emigrantes, sentido do trabalho humano e condições da sua prestação, formação política social, meios de comunicação social, atividades recreativas e culturais, execução de trabalhos burocráticos” (CDAL, 1.ª reunião). A 22 de junho de 1975, tem lugar uma reunião do CDAL, destinada à análise do documento-base dos CoPar. Na ocasião, o bispo profere uma alocução acerca da missão da Igreja e do papel dos leigos. Entre 1975 e 1978, realizaram-se várias reuniões e assembleias do CDAL, que manifestam o dinamismo do apostolado laical; destaque-se a assembleia realizada em 1978, em que foram abordados os temas evangelização das paróquias madeirenses e a doutrina social da Igreja no contexto madeirense. De notar que, em várias ocasiões, houve jornadas de formação com oradores vindos de Lisboa, que discursaram sobre o papel dos leigos: Mário Pinto, Luís Marinho Antunes, outros (in CDAL, 1ª reunião). De 6 a 8 de dezembro de 1975, o CDAL organizou um Curso de preparação para os monitores dos CoPar. Daqui por diante irão suceder-se diversos encontros em vários lugares da Diocese, a fim de lançar os CoPar. Arciprestado do Porto Moniz (março e abril de 1976); Arciprestado do Funchal-suburbano (julho de 1976); Arciprestado do Funchal-centro e do Funchal-suburbano (julho de 1976; Paróquia da Nazaré (abril de 1976). Os novos CoPar foram constituídos, com aprovação dos nomes, sob proposta dos Párocos (anos 1976, 1977, ss). Existem atas das reuniões dos padres dos Arciprestados acerca do documento “Conselhos Paroquiais”. Para concluir esta nota sobre o papel de D. Francisco Santana na promoção do associativismo laical, refira-se a criação do Movimento Jovens Cristãos da Madeira, que dará um grande impulso à pastoral juvenil, orientando os jovens para a vida cristã, no meio de uma sociedade em grande alvoroço social e político, pouco tempo depois da revolução de 25 de Abril de 1974. No pontificado de D. Teodoro de Faria, o empenhamento dos leigos em vida associativa prosseguiu, pautando-se por caraterísticas próprias. Saliente-se, por exemplo, o congresso de pastoral juvenil de 1986. Um texto de D. Teodoro de Faria, “Os jovens e o futuro da nossa terra” (s.d.), analisa as diversas gerações de fiéis, a fé, a Igreja, a família, a escola, o ensino na UCP, afirmando o primado dos valores espirituais. O congresso foi preparado em diversas fases; a terceira realização foi de 17 a 20 de julho, estando os primeiros dias reservados aos delegados e o último aberto à participação de todos os jovens e familiares. António Carrilho, Bispo diocesano desde 2007, procurou fomentar o apostolado laical, na continuidade dos seus predecessores, com as suas visitas pastorais, agendamento de jornadas diocesanas do apostolado dos leigos, apoio a diversas atividades. As associações na Igreja não se justificam só pela inúmeras vantagens que comporta a ação associada pelo apostolado, mas porque sublinham uma exigência conatural à Igreja e ao ser cristão, a de ser comunhão a todos os níveis e aproveitar todas as oportunidades para construir comunidade. O fenómeno associativo na Igreja só tem sentido quando, consciente dos seus carismas, contribui para o anúncio do Evangelho, incrementa a unidade e a reconciliação e é capaz de ver a Igreja numa perspetiva católica. Os movimentos e associações eclesiais são formas privilegiadas de realizar uma vocação na Igreja, revitalizando a consciência batismal, aprofundando o apelo à santidade que a todos é dirigido e ajudando a configurar caminhos de vida e espiritualidades ao serviço de uma identidade cristã e do crescimento do Reino de Deus. Mas não são a única forma de concretizar a vocação cristã. Por outro lado, há aspetos negativos da experiência das associações e dos movimentos. Os movimentos colhem geralmente um aspeto do Evangelho com a sua espiritualidade. O risco reside nas leituras parciais do Evangelho, na fixação numa mentalidade teológica fechada, na não aceitação dos membros da hierarquia consoante as sensibilidades, na absolutização da própria experiência, entre outros. Evolução histórica das associações e movimentos da Diocese do Funchal (1989-2015): - 1989 (PEREIRA, 1989, II, 412): Ação Católica, Jovens Cristãos da Madeira, Movimento dos Estudantes Católicos Madeirenses, Corpo Nacional de Escutas, Movimento Esperança e Vida, Movimento de Educadores Católicos, Associação Católica Internacional a serviço da Juventude Feminina, Legião de Maria, Associação Católica de Enfermagem e Profissionais de Saúde, Cursos de Cristandade, Obra de Santa Zita, Equipas de Casais de Nossa Senhora, Centro de Preparação para o Matrimónio, Escola de Pais, Movimento de Defesa da Vida, Congregação de Nossa Senhora e Filhas de Santa Maria, Ordem Terceira de S. Francisco de Assis, Conferências de S. Vicente de Paulo, Obra de S. Francisco de Sales, Damas da Caridade, Lactário de Assistência a Crianças fracas, Escola-Creche de Santa Clara, Patronato de Nossa Senhora das Dores, Abrigo de Nossa Senhora de Fátima, Casa do Gaiato do Padre Américo, Associação dos Cooperadores Salesianos. - 2007 (elenco da Agência Ecclesia): Ação Católica dos Meios Independentes (ACI); Ação Católica Rural; Ação Católica dos Enfermeiros e Profissionais de Saúde; Associação dos Cooperadores Salesianos; Associação Portuguesa dos Centros de Preparação para o Matrimónio; Associação de Professores Católicos; Convívios Fraternos; Corpo Nacional de Escutas; Cursos de Cristandade; Equipas de Nossa Senhora; Legião de Maria; Liga Eucarística; Liga Operária Católica; Movimento de Apoio à Grávida; Movimento de Apostolado das Crianças (MAC); Movimento dos Jovens Cristãos da Madeira; Movimento dos Estudantes Católicos Madeirenses; Movimento da Mensagem de Fátima; Movimento dos Educadores Católicos; Movimento Esperança e Vida (MEV); Caminho Neocatecumenal; Obra de Santa Zita; Renovamento Carismático; Sociedade de São Vicente de Paulo; Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina; Equipas Jovens de Nossa Senhora; Filhas de Maria; Movimento de Defesa da Vida; Movimento dos Trabalhadores Cristãos; Oficinas de Oração e Vida; Movimento dos Focolares e Movimento Apostólico de Schoenstatt. Há ainda os Institutos Seculares, a Companhia Missionária do Coração de Jesus, os Cooperadoras da Família (Obra de Santa Zita) e as Servas do Apostolado. - 2015 (informação facultada pela Diocese do Funchal): Movimentos ligados à vida consagrada: Maria Rivier (Irmãs da Apresentação de Maria), Amigos da Irmã Wilson (Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias), Associação dos Cooperadores Salesianos, Damas da Caridade de S. Vicente de Paulo, Associação de São Vicente de Paulo, Ordem Franciscana Secular, Ordem Terceira do Carmo, Movimento por um Lar cristão (Obra de Santa Zita), Movimento de Apoio à Grávida, Juventude Dehoniana, Juventude Hospitaleira, Juventude Mariana Vicentina, Juventude Salesiana, Casais da Verbum Dei. Movimentos de Leigos: Associação Católica Independente, Ação Católica Rural, Associação Católica Internacional ao Serviço da Juventude Feminina, Equipas Jovens de Nossa Senhora, Equipas de Nossa Senhora, Legião de Maria, Liga Operária Católica, Filhas de Maria, Movimento Esperança e Vida, Cursos de Cristandade, Renovamento carismático, Oficinas de Oração, Jovens Cristãos da Madeira, Convívios fraternos, Corpo Nacional de Escutas (CNE), Movimento de Estudantes Católicos Madeirenses (MECM), Movimento Apostólico de de Schoenstat, Movimento Mensagem de Fátima.    M. Saturino da Costa Gomes (atualizado a 04.10.2016)

Religiões Sociedade e Comunicação Social

andrade, antónio joaquim gonçalves de

António Joaquim Gonçalves de Andrade foi um religioso madeirense que nasceu a 7 de dezembro de 1795. Foi ordenado em 1821, sendo possivelmente formado em teologia. Exerceu deveres religiosos como cónego da Sé do Funchal, tornando-se, em 1834, secretário de D. Francisco José Rodrigues de Andrade, bispo do Funchal. Em 1835, D. Francisco de Andrade é forçado a sair da Ilha por razões de ordem essencialmente política, e António Joaquim Andrade acompanha-o até Itália, estabelecendo-se na cidade de Génova. Com a morte do bispo, regressa a solo português, mais precisamente a Lisboa, onde se fixa. No ano de 1844, é chamado novamente para a Madeira e chega à Ilha num contexto especial: decorria uma acesa ação religiosa por parte do pastor e médico escocês Robert Kalley, no seu esforço de difundir a sua fé cristã protestante, através não só de serviços religiosos, mas também da fundação de escolas para os mais pobres, adultos e crianças, e da prestação de serviços médicos. Robert Kalley descreve numa carta famosa o tipo de perseguições que a pequena comunidade protestante sofreu na ilha da Madeira, que culminou com o próprio exílio do escocês e a emigração de vários crentes para ilhas como Trinidad e Tobago, Bermudas ou até para os Estados Unidos da América. António Joaquim Gonçalves de Andrade foi convocado por D. José Xavier de Cerveira e Sousa, bispo do Funchal desde 1843, para combater, de forma inteligente e cuidada, a ação protestante na Ilha, que até aí fora combatida de forma até violenta. António Joaquim Gonçalves de Andrade tinha-se vindo a revelar um assíduo estudante da cultura e das letras. De regresso ao Funchal, torna-se vigário geral em 1846, e depois, em 1853, deão da Sé Catedral. Em 1852, chega à Madeira a célebre Imperatriz D. Amélia com a filha, a princesa Maria Amélia, que teria contraído tuberculose e vinha à Madeira fazer tratamento, uma vez que o clima da Ilha era considerado ideal para estes doentes. Nesse mesmo ano, António Joaquim Gonçalves de Andrade torna-se capelão, confessor e secretário pessoal da Imperatriz. Pouco depois, em 1853, a princesa Maria Amélia falece e António Joaquim Gonçalves de Andrade, sempre muito próximo da Imperatriz, ajuda-a na fundação do hospício da Princesa D. Maria Amélia, o primeiro sanatório em Portugal. Ainda em 1853, o capelão acompanha os restos mortais da princesa até Lisboa, onde posteriormente volta a firmar residência, sempre ao serviço da Imperatriz. Na capital, lecionou no Seminário as cadeiras de Latinidade, Filosofia e Teologia, e foi sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa, entre outras instituições. Segundo o Elucidário Madeirense, as suas capacidades pessoais e de carácter eram tão apreciadas quanto as intelectuais, muito reconhecidas. A sua produção intelectual a nível das letras é notória: fez anotações para a tradução de Castillo de Fastos de Ovídio e para a História Insulana de António Cordeiro (1862). Terá até deixado importantes escritos inéditos sobre a ilha da Madeira que entretanto se perderam. António Joaquim Gonçalves de Andrade morreu em Lisboa a 16 de Janeiro de 1868 e os seus restos mortais encontram-se no cemitério das Angústias, no Funchal.   Amanda Coelho (atualizado a 22.09.2016)

Religiões

andrade júnior, francisco de

Francisco de Andrade Júnior nasceu em 1806, no dia 6 de junho, no Funchal, cidade onde recebeu a sua instrução inicial, cursando os estudos que então aí existiam, e onde morreria a 23 de fevereiro de 1881. Após a criação, em 1836, do ensino liceal, por decreto de 17 de novembro desse ano, que determinava a existência de um liceu na capital de cada distrito do continente e das ilhas, terminando assim a dispersão da lecionação das aulas pelo país, Francisco de Andrade Júnior foi nomeado, por decreto de 4 de setembro de 1838, professor de Gramática Portuguesa e Latina e de Clássicos Portugueses e Latinos no Liceu Nacional do Funchal (fundado em setembro de 1837 no edifício das antigas Aulas do Pátio), cargo que exercia já interinamente, por carta do Conselho Provincial de Instrução Pública de 23 de março do mesmo ano. Professor respeitado, considerado um dos mais distintos do Liceu do Funchal (posteriormente, a Escola Secundária Jaime Moniz), aí desempenhou também a função de reitor, de 1866 – sucedendo a Marceliano Ribeiro de Mendonça, autor da obra Principios da Grammatica Applicada á Lingua Latina (1835) – até ao ano da sua morte, sendo também, e por inerência do cargo de reitor que exercia, comissário dos estudos do distrito do Funchal, com responsabilidades de vigilância e direção das escolas do ensino primário e secundário com subordinação ao Conselho Superior de Instrução Pública. Neste âmbito, é da sua autoria o Relatorio sôbre as Escholas Municipaes de Instrucção Primaria do Concelho do Funchal, Seguido de um Projecto de Lei ácerca da Creação e Frequência das Escholas (1849). Além de desempenhar estes cargos, Francisco de Andrade Júnior, que foi também vereador na Câmara Municipal do Funchal, dedicou-se ao estudo da gramática da língua portuguesa, sendo autor das obras Principios de Grammatica Portuguesa, editada em 1844, Grammatica Portuguesa das Escholas Primarias, cuja primeira edição data de 1849, sendo reeditada cinco vezes até 1879, e Grammatica das Grammaticas da Lingua Portuguesa…, publicada em 1850.   Aida Sampaio Lemos (atualizado a 22.09.2016)

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