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concorrência

A livre concorrência é tutelada enquanto bem público, pelo seu impacto na promoção da eficiência económica e do incremento do bem-estar dos consumidores. Assim, enquanto pilar estruturante da atividade económica no mercado nacional, a defesa da concorrência constitui, nos termos do comando constitucional da alínea f) do art. 81.º da Constituição da República, uma incumbência prioritária do Estado no domínio económico e social. Os sucessivos diplomas legislativos sobre a defesa da concorrência em Portugal, desde o primeiro regime de efetividade normativa, o dec.-lei n.º 422/83, de 3 de dezembro, até à lei n.º 19/2012, de 8 de maio, estabeleceram um regime uniforme, nos planos substantivo e adjetivo, para as práticas restritivas e as operações de concentração de empresas que ocorram em território nacional (n.º 2 do art. 3.º da lei n.º 19/2012). Esta opção normativa é consentânea com a unidade do mercado nacional. Deve ainda ter-se em conta que a livre concorrência é igualmente reconhecida no quadro da construção da União Europeia (UE) como fundamental para o funcionamento do mercado interno (protocolo relativo ao mercado interno e à concorrência e art. 119.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [TFUE]). Este princípio é densificado pelas regras de concorrência do TFUE (arts. 101.º a 109.º). A UE dispõe de competência exclusiva para o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno (alínea b) do n.º 1 do art. 3.º do TFUE). Assim, as atividades económicas desenvolvidas na RAM encontram-se sujeitas às regras nacionais e europeias de defesa da concorrência. Do ponto de vista institucional, compete à Autoridade da Concorrência (AdC), criada pelo dec.-lei n.º 10/2003, de 18 de janeiro, assegurar em todo o território nacional o cumprimento das regras nacionais de concorrência, bem como aí exercer as competências que lhe são conferidas pelo direito da UE (art. 5.º dos estatutos da AdC, aprovados pelo dec.-lei n.º 125/2014, de 18 de agosto). Antes da criação da AdC, aquelas competências eram exercidas pela Direção-Geral do Comércio e Concorrência e pelo Conselho da Concorrência, criado pelo dec.-lei n.º 422/83. Sendo claro o carácter nacional das regras de defesa da concorrência, bem como o alargamento do âmbito das competências da AdC a todo o território nacional, não deixa de ser surpreendente que tenha vigorado, entre 1996 e 2012, um decreto regulamentar regional da Madeira que atribuía essa competência à Inspeção Regional das Atividades Económicas (IRAE) da Madeira (dec. reg. regional n.º 2/96/M, de 24 de fevereiro). A alínea c) do art. 2.º daquele decreto cometia à IRAE da Madeira a “investigação e instrução dos processos por contraordenação cuja competência lhe esteja legalmente atribuída, incluindo os que dizem respeito a práticas restritivas da concorrência”. Ora, não prevendo nenhum dos sucessivos regimes de concorrência uma norma atributiva de competência a entidades de nível regional, não se vislumbra qual o possível alcance prático daquela disposição. O dec. reg. regional n.º 19/2012/M, de 22 de agosto, enquanto diploma orgânico da IRAE da Madeira, veio suprimir esta previsão. Além da AdC, também a Comissão Europeia (CE) dispõe de competência para garantir a aplicação das regras de concorrência do TFUE no território dos Estados-membros, incluindo, portanto, a RAM. Práticas restritivas da concorrência A lei n.º 19/2012 qualifica como práticas restritivas da concorrência os acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas (art. 9.º), os abusos de posição dominante (art. 11.º) e os abusos de dependência económica (art. 12.º). Estas práticas constituem ilícitos contraordenacionais, punidos com coima até 10 % do volume de negócios das empresas infratoras, admitindo-se, todavia, a possibilidade de justificação das práticas visadas pelo art. 9.º, caso se demonstre estarem preenchidos os requisitos do balanço económico, previsto pelo art. 10.º da mesma lei. Trata-se, neste último caso, de admitir a justificação de eventuais restrições da concorrência com fundamento na sua indispensabilidade para a obtenção de ganhos de eficiência que sejam partilhados equitativamente com os utilizadores, e sem que as empresas em causa possam assim eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado dos bens ou serviços em causa. Em matéria de acordos e práticas concertadas, encontramos um exemplo particularmente relevante da importância de uma atuação eficaz pela AdC para o bem-estar dos consumidores residentes na RAM. Referimo-nos ao caso das escolas de condução do Funchal (PRC/2008/06). O caso surgiu na sequência de uma denúncia anónima que indicava estar em curso, no início de 2008, um aumento generalizado dos preços praticados por várias escolas de condução do Funchal quanto ao ensino de condução de veículos ligeiros (categoria B). A investigação da AdC, que implicou a realização de inspeções a diversas escolas de condução no Funchal, concluiu que as empresas envolvidas se concertaram no sentido de levar a cabo um aumento de preços em duas fases, atingindo em março de 2008 um valor que era quase o dobro do praticado no final de 2007. Tendo em conta o diminuto volume de negócios das empresas, o valor total de coimas foi bastante reduzido, sendo inferior a 10 mil €. Para efeito do cálculo da coima, a AdC ponderou também o facto de as empresas em causa operarem num mercado caracterizado pela insularidade. Esta intervenção da AdC demonstra que é fundamental assegurar a tutela da concorrência em todo o território nacional, de modo que nenhum grupo de consumidores fique desprotegido, incluindo os residentes em mercados insulares, como é o caso da RAM. Embora não tenham surgido casos de decisões condenatórias por abuso de posição dominante, a proibição destas práticas pelo art. 11.º da lei n.º 19/2012 e pelo art. 102.º do TFUE levanta uma questão interessante quanto à sua aplicação na RAM. Um dos pressupostos destas proibições é a existência de uma posição dominante numa parte substancial do mercado nacional, no caso da lei n.º 19/2012, ou numa parte substancial do mercado interno, no caso do art. 102.º do TFUE. Quanto a esta última disposição, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) implica uma apreciação casuística tendo em conta fatores como a estrutura e volume de produção e de consumo do produto ou serviço em causa, bem como dos hábitos e possibilidades económicas dos vendedores e dos compradores (ac. TJUE, de 16 de fevereiro de 1975). A aplicação destes critérios já levou à qualificação de parte de um dos maiores Estados da União como uma parte substancial do mercado interno. Assim, a parte meridional da Alemanha, com 22 milhões de habitantes e na qual estava localizado um dos principais produtores de açúcar da UE, constituía uma parte substancial do mercado interno (Ibid., n.º 448). Mais recentemente, um dos Länder alemães, a Renânia-Palatinado, foi também considerada como uma parte substancial do mercado interno para efeitos do art. 102.º do Tratado, “tendo em conta a superfície do território deste Land, que é de cerca de 20.000 km2, e o número muito elevado dos seus habitantes, que é de cerca de quatro milhões, superior à população de alguns Estados-Membros” (ac. TJUE, de 25 de outubro de 2001). Relativamente ao art. 11.º da lei n.º 19/2012, julgamos ser inteiramente aplicável a posição que defendemos quanto à anterior lei da concorrência: uma região autónoma nunca deixará de constituir uma parte substancial do mercado nacional, se não por razões económicas então por razões jurídico-políticas ligadas à necessidade de tutelar a concorrência enquanto bem público e de defender o bem-estar dos consumidores residentes nas regiões autónomas. Controlo de concentrações Não sendo muito frequentes as operações de cariz regional que têm sido analisadas em sede de concentrações, o caso da compra de parte dos estabelecimentos de retalho alimentar do Grupo Sá pela Modelo Continente Hipermercados, em 2013, constitui um dos mais interessantes casos, desde logo pela aceitação da failing firm defense (argumento da falência iminente). Em 2013, devido a dificuldades financeiras, o Grupo Sá alienou um conjunto de nove estabelecimentos comerciais situados na ilha da Madeira ao Grupo Sonae – Modelo Continente. A aquisição configurava uma operação de concentração sujeita a notificação à AdC nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 50.º da lei n.º 19/2012. A 2 de maio de 2013, o Conselho da AdC adotou uma decisão de não oposição, considerando que a operação notificada não era suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado retalhista de base alimentar nos formatos hipermercado, supermercado e lojas discount nas áreas geográficas afetadas, definidas como (i) áreas 1 e 2, ou seja, englobando os concelhos do Funchal (1A), de Câmara de Lobos (1B) e da Ribeira Brava (área 2), e freguesias da Camacha e Caniço (1C); (ii) área 3, correspondente aos concelhos de Santa Cruz (exceto freguesias da Camacha e Caniço) e Machico; e (iii) área 4, correspondente ao concelho de Santana. Com a operação em causa, a adquirente Modelo Continente Hipermercados passaria a deter quotas de mercado na ordem dos 50-60 % em área e entre 40-50 % em valor (dados de 2012, que refletiam as dificuldades do Grupo Sá, que detinha quotas bastante superiores nos exercícios de 2010 e 2011). Em termos globais, a operação reduzia o número de grandes operadores retalhistas de três para dois (Modelo Continente Hipermercados e Pingo Doce), com um rácio de concentração daqueles dois operadores superior a 80 %. Apesar de a operação suscitar “sérias preocupações jus-concorrenciais”, a AdC teve em conta o chamado argumento da falência iminente (“Decisão de Não Oposição...”, Autoridade da Concorrência, 2 maio 2013). Este foi, de resto, o primeiro caso em que essa defesa foi aceite no regime português de defesa da concorrência. Para a AdC, o argumento da falência iminente implica o cumprimento de duas condições gerais: em primeiro lugar, a empresa a adquirir deve estar em reais dificuldades financeiras; em segundo lugar, é necessário que estejam excluídos cenários menos gravosos para a concorrência como alternativa à aquisição em causa. Quanto à primeira condição, o facto de o Grupo Sá se encontrar sujeito a um processo especial de revitalização empresarial (PER) não parece ter sido suficiente para presumir a falência iminente, tendo a AdC procedido à análise de informação relativa às vendas para aferir as dificuldades financeiras alegadas. Quanto ao cenário alternativo, o mesmo poderia passar pela aquisição da empresa insolvente por outro concorrente, a reestruturação dos ativos e sua alienação total ou parcial, ou ainda a saída do mercado de todos os ativos da empresa. A AdC valorou com especial relevo o facto de o Grupo Sá ter procurado negociar com os outros grandes grupos de distribuição a operar em Portugal, não tendo essas negociações tido um desfecho positivo. O cenário que maiores dificuldades tende a colocar na prática é o de a saída dos ativos da empresa do mercado em causa gerar benefícios ao nível da concorrência. Sendo matéria de difícil ponderação, por lidar com probabilidades e múltiplos cenários possíveis de evolução do mercado, a AdC entendeu que, apesar de não se poder afastar definitivamente a possibilidade de os estabelecimentos em causa virem a ser adquiridos por terceiros em processo de insolvência, tal cenário tinha uma menor probabilidade de ocorrer, em especial atendendo à crise económica vivida à época na ilha da Madeira e ao facto de sete dos nove estabelecimentos terem já sido encerrados devido às dificuldades do Grupo Sá, tendo os consumidores adaptado o seu comportamento dirigindo-se aos dois grandes grupos remanescentes. Foi também considerado o potencial impacto negativo da proibição da operação na viabilização das 14 lojas do Grupo Sá não incluídas na mesma. Auxílios de Estado A disciplina dos auxílios de Estado constitui uma particularidade do sistema estabelecido pelo Tratado de Roma, que instituiu a então Comunidade Económica Europeia, correspondendo à posterior disciplina dos arts. 107.º a 109.º do TFUE. Quanto à aplicação destas regras, a CE dispõe de competência exclusiva, sujeita, claro está, à fiscalização realizada pelas instâncias judiciais da UE. Na senda do movimento de descentralização da aplicação das normas relativas a práticas restritivas da concorrência adotadas por empresas, corporizado no regulamento n.º 1/2003, alguns sistemas nacionais de defesa da concorrência passaram a integrar, sobretudo no início deste século, normas relativas ao controlo dos auxílios de Estado de âmbito puramente nacional. Foi o caso da lei n.º 18/2003, com o seu art. 13.º, a que veio a corresponder o art. 65.º da lei n.º 19/2012. Esta última disposição determina que os auxílios a empresas concedidos pelo Estado ou qualquer outro ente público não devem restringir, distorcer ou afetar de forma sensível a concorrência no todo ou em parte substancial do mercado nacional (n.º 1 do art. 65.º). A AdC pode, após analisar um auxílio aprovado ou em fase de projeto, dirigir à entidade pública em causa as recomendações que considere necessárias para que sejam eliminados os efeitos negativos sobre a concorrência (n.º 2 do art. 65.º). Como decorre da sua designação, as recomendações não vinculam as entidades em causa, limitando-se a lei a prever o acompanhamento pela AdC da execução das suas recomendações, as quais são divulgadas na respetiva página eletrónica. O único caso em que foi emitida uma recomendação no exercício desta competência diz precisamente respeito à RAM. Em causa estavam os auxílios concedidos pelo Governo regional à Empresa Jornal da Madeira, Lda. (EJM), os quais chegaram ao conhecimento da AdC através dos relatórios de auditoria do Tribunal de Contas àquela empresa, detida em 99,98 % pelo Governo regional da Madeira. A EJM atua em concorrência com outras empresas no âmbito da imprensa regional na RAM. Os apoios tiveram a forma de financiamentos a título de suprimentos no total de 33.000.000 de euros, permitindo à EJM cobrir parte substancial dos seus custos. Para além de recomendar a notificação à CE dos auxílios superiores a 200.000 euros, que não são abrangidos pelo regime de minimis estabelecido no regulamento (CE) n.º 1998/2006, a AdC entendeu que o Governo regional da Madeira devia observar um conjunto de princípios de modo a garantir que não fossem criadas distorções na concorrência. Para tal, seria necessário definir, em primeiro lugar, quais os objetivos a atingir, identificando as falhas de mercado que justificam o eventual auxílio; em segundo lugar, tais auxílios devem ser proporcionais à falha de mercado em causa; por fim, quaisquer financiamentos que ultrapassem o montante que um investidor privado, em circunstâncias normais de mercado, poderia razoavelmente disponibilizar a uma empresa participada devem ser atribuídos com base em regras objetivas e não discriminatórias. Como este breve elenco de casos procura demonstrar, a concorrência tem sido protegida enquanto bem público por diversas intervenções da AdC que asseguram a proteção dos interesses dos consumidores. Neste aspeto, o caso da concertação entre as escolas de condução do Funchal assume especial relevo, na medida em que foi posto termo a uma prática que aumentou muito substancialmente os preços pagos pelos consumidores.   Miguel Moura e Silva (atualizado a 30.12.2016)

Economia e Finanças

contas

Em termos de contabilidade, devemos considerar a Conta do Ano Económico, a Conta de Gerência e a Conta Geral de Administração Financeira do Estado (CGAFE), que engloba as duas. Ao nível das diversas operações orçamentais, podemos, ainda, definir as contas ordinária, extraordinária, dos serviços autónomos e uma exceção, a chamada “conta excecional”, resultante da guerra, que existiu nos períodos de 1914-15 e de 1927-28, tendo sido criada pela Lei n.º 372, de 31 de agosto de 1915. A CGAFE é o resultado da execução do orçamento. De acordo com a constituição de 1822, estas deveriam ser apresentadas para aprovação em Cortes, juntamente com o orçamento do ano seguinte. Na Carta Constitucional de 1926 e na Constituição de 1838, alude-se ao mesmo, sendo referido como o balanço geral da receita e despesa do tesouro público. Por lei de 18 de setembro de 1844, foi determinado que a Conta deveria ser submetida a parecer do Tribunal do Conselho Fiscal de Contas. A partir do ato adicional à Carta de 1852, ficou definida a separação entre a Conta e o orçamento. Durante a República, não tivemos qualquer alteração, o que só veio a ocorrer com a Constituição de 1933, que determinou que a sua submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma exarados pelo Tribunal de Contas (TCo). A CGAFE foi substituída, a 21 de novembro de 1936, pela Conta Geral do Estado. De acordo com a lei de 20 de março de 1907, existiam dois tipos de conta: a Conta do Ano Económico e a Conta de Gerência do mesmo. Enquanto a primeira ficava aberta por um período de cinco anos, a segunda deveria ser encerrada a cada ano e ser o registo de todas as operações financeiras realizadas. Esta segunda conta deveria igualmente ser publicada no prazo de quatro meses após o final do ano, enquadrada na CGAFE, que englobava as duas. Como já referido, a partir de 1936, esta Conta passou a designar-se Conta Geral do Estado (CGE). Com o Dec. n.º 3519, de 8 de maio de 1919, somos confrontados com a falta de cumprimento desta determinação que estabeleceu normas, no sentido de simplificar o processo, reduzindo para dois anos o período em que as contas dos anos económicos estariam abertas e o alargamento do prazo de publicação da conta para sete meses. Mesmo assim, não foi solução, e, em novo decreto, com força de lei, n.º 18381, de 24 de maio de 1930, estabeleceram-se novas regras, no sentido de obviar esta situação. Assim, o ano económico ficaria aberto apenas por 45 dias e acabava-se com as duas contas, passando a figurar apenas a Conta de Gerência. Em 1935, alargou-se o prazo da sua publicação para 12 meses e, no ano seguinte, insistiu-se na prioridade que deveria ser dada à publicação da CGE. A publicação regular das contas iniciou-se com as do ano económico de 1833-34, mas a agitação política levou, por vezes, ao não cumprimento desta ordem, como sucedeu nos anos económicos de 1845-46 a 1859-1950. Antes disso, deveremos assinalar a apresentação de três contas à Câmara dos Deputados juntamente com o orçamento respeitante aos anos económicos de 1926, 1832 e 1832-33. A partir de 1850, juntaram-se à Conta do Tesouro as contas dos Exercícios, as dos Ministérios e a da Junta de Crédito Público. Como já referido, a CGE surgiu, a 21 de novembro de 1936, para substituir a CGAFE, sendo o resultado da execução financeira do orçamento. A conta é preparada pela Direção-Geral de Contabilidade, que deveria apresentar, até 15 de março de cada ano, os mapas de execução e publicar a conta até 31 de dezembro do ano seguinte. Esta, depois de parecer do TCo, é apresentada à Assembleia para votação. A Constituição de 1976 refere, a exemplo da de 1933, que a submissão ao Parlamento deveria ser acompanhada de relatório e decisão sobre a mesma, exarados pelo TCo, e acrescenta o prazo de 31 de dezembro para a sua apresentação à Assembleia. A partir de 1977, a lei determinou a publicação mensal de contas provisórias, o que, em 1991, passou a ter uma periodicidade trimestral. A Conta da Região é a conta das regiões autónomas, tendo surgido para o ano fiscal de 1976. De acordo com a Lei n.º 98/97, de 27 de agosto, o Governo Regional é obrigado a submeter, à Secção Regional do TCo, esta Conta, que, depois de julgada, é submetida à aprovação da Assembleia Legislativa Regional, conforme lei n.º 28/92, de 1 de setembro. A Conta da Região assinala a execução orçamental da Região Autónoma da Madeira (RAM) e apresenta, detalhadamente, os valores constatados em agrupamentos como as Receitas e as Despesas do Arquipélago. Dados da Direção Regional de Orçamento e Contabilidade permitem identificar a evolução favorável das receitas, tanto as correntes como as de capital. Em 1977, o total de receitas correntes era de 8932 milhões de euros, sendo que o total de receitas de capital cifrava-se em 232 mil euros, fazendo com que a receita total se quantificasse em 9374 milhões de euros. Em 1981, o total de receitas de capital aumentou para 44.348 milhões de euros, um crescimento de cerca de 191 vezes quando comparado com o valor verificado em 1977. Ainda no mesmo ano, foi igualmente notória a evolução das receitas correntes, já que no seu total somaram o valor de 26.325 milhões de euros. Em 1985, a receita total atingiu o valor de 139.023 milhões de euros, e, no ano seguinte, o valor quase duplicou, passando para 252.542 milhões de euros, muito por conta de as receitas de capital terem passado de 32.955 milhões de euros, em 1985, para 130.162 milhões de euros, em 1986, quase igualando o valor da receita total do ano anterior. Todavia, cabe destacar que as receitas correntes aumentaram, neste período, em 14.211 milhões de euros. Para a déc. de 90, os montantes verificados foram reflexo de um aumento das receitas da RAM, tendo especial destaque o ano de 1990, em que a receita total assumiu o valor de 733.975 milhões de euros. Este valor justifica-se pelo montante assumido pelas receitas de capital, que no seu total foi de 500.346 milhões de euros, valor que atingiu tais proporções devido a um passivo financeiro assumido pela RAM de 439.473 milhões de euros. Em 1991, embora inferior à do ano anterior, que não constitui um bom elemento de comparação por conta da excecionalidade verificada, a receita total foi superior à de 1989, devido ao aumento das receitas correntes, impulsionado pelo incremento das receitas fiscais. A partir de 1995, a receita total da RAM superou os 700 milhões de euros, assumindo, nesse ano, o valor de 703.678 milhões de euros, sendo que o valor das receitas correntes foi de 337.777 milhões de euros e o das receitas de capital de 214.729 milhões de euros. Em 1996, a receita total foi de 822.373 milhões de euros, sendo que no ano seguinte o valor diminuiu para 765.446 milhões de euros, voltando a aumentar, em 1998, para 782.498 milhões de euros. No início do novo século, as receitas da RAM atingiram valores nunca antes verificados. Em 2001, a receita total da RAM foi de 1105.302 milhões de euros, aumentando no ano seguinte para 1129.110 milhões de euros e tomando o valor de 1167.048 milhões de euros em 2003. As receitas correntes em 2001 foram de 545.424 milhões de euros, tendo-se verificado um aumento das mesmas em 2002 e 2003 para 671.637 e 672.472 milhões de euros, respetivamente. As receitas de capital, pelo contrário, reduziram de 2001 para 2002, na medida em que no primeiro ano as mesmas somavam o valor de 364.151 milhões de euros e no segundo diminuíram para 271.664 milhões de euros. 2008 marca a primeira década do século no que concerne à receita total, que se cifrou em 1317.770 milhões de euros, ano em que as receitas correntes foram de 931.883 milhões de euros e as receitas de capital de 385.887 milhões de euros. Os anos seguintes foram marcados por diminuições constantes. A partir de 2009, inicia-se uma tendência que é caracterizada pelo decréscimo das receitas totais, sendo que, para esse ano, o valor das mesmas foi de 1074.878 milhões de euros. Em 2010, com uma receita total de 1201.411 milhões, é claro o aumento em relação ao ano anterior, situação que não se verificou em 2011, com uma diminuição para 1076.962 milhões de euros. Em 2012, a receita total cifrou-se em 1597.936 milhões de euros, um aumento significativo relativamente ao do ano anterior, ocasionado pelo valor assumido pela rubrica das receitas advindas de passivos financeiros, de 635.070 milhões de euros. Em 2013, os dados provisórios apontavam para um valor das receitas totais de 2492.607 milhões de euros. Para o mesmo ano, as receitas correntes eram de 1091.643 milhões de euros e as receitas de capital de 1400.964 milhões de euros. No que diz respeito à estrutura da receita, cabe destacar o peso que as receitas fiscais foram assumindo ao longo do tempo. Para 1977, as receitas fiscais eram de 6721 milhões de euros, representando 75,2 % das receitas correntes e 71, 7% das receitas totais. O ano seguinte deu início a um período que se prolongou até 1981, caracterizado pela diminuição da proporção das receitas fiscais nas receitas totais. Note-se que, em 1981, as receitas fiscais representaram 21,6 % do total das receitas e 67,7 % das receitas correntes, sendo que as mesmas mantiveram uma percentagem relativamente baixa no que concerne à receita total em 1982 e 1983, com 28,7 % e 31,0 %, respetivamente. 1989 é um ano de destaque para as receitas fiscais, já que as mesmas ascenderam aos 155.862 milhões de euros, o que se traduziu em 92,3 % das receitas correntes e 55,4 % das receitas totais. A déc. de 90 apresentou receitas orçamentais com um peso superior a 40 % das receitas totais, com exceção de 1990, ano em que a receita fiscal representou apenas 23,8 % das receitas totais. De destacar o ano de 1992, em que as receitas fiscais foram de 293.702 milhões de euros, cerca de 61,0 % da receita total desse ano. No novo século, a proporção das receitas fiscais nas receitas totais aumentou significativamente. Esta situação é identificada com maior realce no período compreendido entre 2008 e 2013. Em 2008, as receitas fiscais foram de 786.249 milhões de euros, e, embora nos anos seguintes o valor absoluto das mesmas tenha sido inferior, tomando os valores de 643.499, 682.954, 666.690 e 651.970 milhões de euros em 2009, 2010, 2011 e 2012, respetivamente, o impacto nas receitas totais foi superior em algumas ocasiões. Isto porque, se em 2008 as receitas fiscais representavam 59,7 % das receitas totais, em 2009 a proporção aumentava para 59,9 %. Em 2010, a proporção diminuía para 56,8 %, voltando a aumentar no ano seguinte, representando 61,9 %. As previsões para 2013 deixavam antever um aumento do valor absoluto das receitas fiscais, já que a estimativa apontava para um valor a rondar os 847.255 milhões de euros, substancialmente superior ao verificado no ano anterior. Todavia, e apesar do aumento do valor da mesma, a sua influência na receita total decresceu para 33,99 %. Cabe destacar que, desde 1977 até 2012, para cada um dos anos em apreço a receita fiscal apresentou-se sempre superior à receita fiscal do ano imediatamente anterior, com exceção de 1994, 2003, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. Nesse espaço temporal, o valor mais elevado da receita fiscal, considerando os dados definitivos, foi constatado em 2008, ano em que foi verificada, de igual forma, a maior receita total, que ascendeu aos 1317.770 milhões de euros. No que concerne à componente de capital, as receitas associadas à mesma ganharam uma importância relativa bastante significativa, já que, enquanto em 1977 representavam aproximadamente 2,5 % da receita total e assumiam o valor de 232.000 mil euros, em 2012, o valor absoluto ascendia aos 703.562 milhões de euros, com um peso de 44,0 %. Não obstante, é de ressaltar que a conjuntura com a qual a RAM se viu confrontada a partir de 2008, com a crise financeira, e especialmente desde 2012, ano em que foi assinado o PAEF-RAM – Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da RAM, deturpou, em certa medida, os pesos das receitas de capital nas receitas totais verificados em anos anteriores. Se foi notável o aumento das receitas da RAM, a evolução das despesas foi semelhante. Em 1977, a despesa total da RAM rondava os 7490 milhões de euros, passando no ano seguinte a ser de 16.827 milhões de euros, ultrapassando o dobro do ano anterior. O total da despesa aumentou anualmente até ao fim da déc. de 80, com exceção de 1984, ano em que tomou o valor de 106.213 milhões de euros, e de 1987, ano no qual a despesa total foi de 224.099 milhões de euros. Na déc. de 90, sobressai o valor verificado em 1990, em que a despesa ascendeu aos 728.808 milhões de euros. Contudo, e apesar de em 1991 se ter verificado uma diminuição do total da despesa para 392.018 milhões de euros, o período entre 1991 e 1996 apresentou um crescimento anual da mesma, tomando o valor de 816.206 milhões de euros no último ano considerado. No início do séc. XXI, a despesa total assumiu um valor nunca antes verificado, de 1100.651 milhões de euros. Não obstante o facto de em 2001 se ter atingido tal patamar, nos três anos seguintes foram constatados aumentos de tal variável, chegando, em 2004, a ser de 1306.510 milhões de euros. Os anos seguintes são caracterizados por uma diminuição da despesa total, quando comparada com a constatada em 2004, salvo em 2008, em que foi atingido um novo máximo de 1317.102 milhões de euros. 2012 marca um novo máximo da variável de 1533.094 milhões de euros, sendo que os dados provisórios de 2013 permitem vislumbrar um aumento significativo, que situa a despesa total em 2368.748 milhões de euros. A estrutura da despesa total modificou-se parcialmente ao longo dos anos em apreço, embora continue a ser maior o peso das despesas correntes, comparativamente com o das despesas de capital. Em 1983, as despesas correntes representavam, aproximadamente, 52,55 % da despesa total, sendo de cerca de 62,12 % em 2012, enquanto o peso das despesas de capital variou de 33,33 % para 37,79 % no mesmo período. Analisando as componentes que conformam cada um dos agregados da despesa, é possível constatar o peso significativo das despesas afetas ao pessoal. As mesmas cresceram cerca de 24,43 vezes entre 1983 e 2012, chegando a tomar o valor de 375.070 milhões de euros, o seu valor mais elevado, em 2009. Relativamente às despesas de capital, a rubrica que se apresenta com maior relevância é aquela que diz respeito às aquisições de bens de capital, embora em 2012 se tenha verificado uma situação na qual a despesa referente aos ativos financeiros, e que em si engloba as operações financeiras com a aquisição de títulos de crédito e com a concessão de empréstimos e subsídios reembolsáveis, foi superior à referente às aquisições de bens de capital. Não obstante, não é possível subestimar a evolução desta última rubrica, já que em 1983 a mesma tomava o valor de 2.422 milhões de euros, enquanto em 2012 o mesmo era de 217.947 milhões de euros, o que representa um aumento de cerca de 89,99 vezes. Em 1983, representava 2,18 % da despesa total, e em 2012, 14,22 %. Para efeitos da análise efetuada anteriormente, foram consideradas as despesas e as receitas orçamentais executadas afetas ao subsector do Governo Regional da Madeira, por permitir uma análise temporal mais ampla. O saldo efetivo, que reflete a diferença entre as receitas e as despesas efetivas, permite verificar a relação entre ambas as variáveis. Entre 1977 e 2012, o saldo foi negativo, com exceção dos anos: 1977, com 1896 milhões de euros; 1989, com 167 mil euros; 1992, com 1694 milhões de euros; e 2005, 2006 e 2007, com um saldo de 1302, 1070 e 1105 milhões de euros, respetivamente. Os valores deficitários mais importantes, pela expressividade que assumiram, foram os constatados nos anos: 2012, com as despesas a superarem em 491.703 milhões de euros as receitas; 2008, quando o saldo efetivo foi de -255.113 milhões de euros; e 1990, em que o diferencial entre as receitas efetivas e as despesas efetivas foi de -220.349 milhões de euros. O saldo efetivo calculado não inclui a utilização do produto da emissão de empréstimos, nem os encargos com a amortização da dívida pública.   Alberto Vieira  Sérgio Rodrigues (atualizado a 30.12.2016)

Economia e Finanças História Económica e Social

escultura

Para traçar uma panorâmica da história da escultura existente no arquipélago da Madeira apenas se pode recorrer a estudos dispersos e pontuais, já que um levantamento sistemático ainda está por realizar em 2015. O interesse pela recolha e preservação do património religioso que esteve na origem da criação do Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF), levou à realização de exposições de escultura religiosa, sendo a de 1954 no convento de S.ta Clara do Funchal, organizada pelo P.e Pita Ferreira e por Luiz Peter Clode, pioneira e muito alargada. Propunham-se os seus mentores dar uma ideia da evolução do sector, sem pretensões de exaustividade e conscientes das limitações de documentação e de publicações que então se verificava. Lembremos algumas das principais iniciativas que se seguiram no MASF: em 1967, uma mostra sobre iconografia mariana (Exposição Mariana), tema retomado e ampliado em 1988 por ser ano mariano; em 1984, uma exposição de escultura religiosa da coleção Dr. Frederico de Freitas, com imaginária europeia e produção luso-oriental, que precedeu a abertura da casa-museu onde hoje é dado a ver o espólio deste colecionador; por ocasião do 8.º centenário do nascimento de Santo António, em 1996, uma exposição dedicada a este santo da qual, infelizmente, não foi publicado catálogo, reunia pintura e escultura dos sécs. XVI a XVIII, pondo em diálogo peças do próprio museu com outras da Diocese e de outros museus; A Madeira na Rota do Oriente, em 1999, retomada e ampliada, em 2005, com o título A Madeira nas Rotas do Oriente, reuniu peças significativas dos intercâmbios culturais decorrentes da Expansão; em 2002, Jesus Cristo Ontem, Hoje, Sempre, exposição integrada na pastoral do ano do grande Jubileu de 2000, agrupou em torno da temática cristológica; no ano seguinte, Futuro do Passado deu especial enfoque a problemas de conservação e restauro; Eucaristia, Mistério de Luz, organizada em 2005 para celebrar o ano da eucaristia; Obras de Referência dos Museus da Madeira, em 2008, no Funchal e, em versão mais vasta, no palácio nacional da Ajuda, em Lisboa, no ano seguinte; em 2014, a exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal: Madeira, do Atlântico aos Confins da Terra 1514-2014. Estas exposições temporárias do MASF foram ocasião para o restauro de peças e para efetuar investigação sobre elas, e é sobretudo nos seus catálogos que podemos encontrar informação acerca das obras mais relevantes do património ilhéu. Muito continua, no entanto, por estudar e valorizar e é uma lacuna a inexistência de um inventário exaustivo, até ao presente ano de 2015, feito com a colaboração de especialistas, com registo fotográfico cuidado, acessível a consulta, que seria um instrumento de trabalho precioso não só para investigadores, mas até para a indispensável salvaguarda do património. Salientamos, no entanto, as inestimáveis, ainda que inéditas, recolhas feitas pela escultora Luiza Clode ao longo da sua atividade de docente e de diretora do MASF. Cabe lembrar também a importância da participação de peças pertencentes ao património insular em destacadas exposições nacionais e internacionais, pelas oportunidades que abre à investigação e à divulgação, entre as quais: Europalia, em 1991, Antuérpia; Exposição Universal de Sevilha, em 1992; Brilho do Norte, em 1997, Lisboa. O remanescente da escultura de épocas mais recuadas consiste em peças de imaginária devocional que encontraram, apesar das alterações decorrentes de deterioração ou de mudanças de gosto, melhores condições de conservação. Algumas das imagens que chegaram até nós sofreram sucessivos repintes descaracterizadores, outras já estavam fora de culto e tinham sido enterradas, guardadas em armários ou debaixo de altares de igrejas. Recorria-se a esta prática, ou à queima, conforme estabelecem as Constituições Sinodais, para evitar a profanação. Do séc. XV, entre o gótico final e os alvores do renascimento, existem diversos exemplares em madeira estofada, mas salienta-se um S. Brás (MASF73) em mármore, vindo da matriz de Gaula, de cânone bastante curto e modelação sumária, com báculo, mitra e uma figura ajoelhada a seus pés, alusão à cura do rapaz com uma espinha na garganta, um dos seus milagres mais populares. Pertencente à Misericórdia da Calheta, uma Virgem com o Menino, em pedra, que estava grosseiramente repintada, foi alvo de restauro em 2015,  desvendando-se assim a volumetria original da imagem. É também interessante uma S.ta Catarina, da igreja do Campanário, de livro na mão e segurando o punho da espada com que foi decapitada na outra, que tem a seus pés a figura do vencido imperador Maximiliano, tal como uma sua congénere do Museu Nacional de Arte Antiga com o número de inventário 144 Esc. A par das importações flamengas vieram também peças de produção nacional, de que é excelente exemplo um S. Sebastião em pedra de ançã, de apurada modelação e harmoniosa proporção, com vestígios de policromia, de oficina coimbrã do início do séc. XVI, atribuído a Diogo Pires o Moço (MASF379). Encontra-se mutilado e estava enterrado na igreja de Câmara de Lobos. Também em pedra policromada e dourada é a Virgem com o Menino de oficina flamenga ou luso-flamenga que segura um tinteiro enquanto o Menino tem um livro na mão e uma pena para escrever, entretanto já desaparecida. Trata-se de uma iconografia não muito usual, que se encontra a partir do séc. XV nas regiões da Renânia e do Mosa. A escultura em pedra é uma presença mais rara, sendo a madeira policromada, estofada e dourada o material mais utilizado para a imaginária até ao séc. XIX. De um modo geral, nas obras dos sécs. XV e início do XVI, tal como acontece com a pintura, predomina o gosto flamengo, como podemos ver na coleção do MASF, objeto de análise no seu catálogo, publicado em 1997 (Arte Flamenga). Guarda este museu alguns exemplares de produção flamenga, de que se salienta uma Nossa Senhora da Conceição de madeira estofada, policromada e dourada, do início do séc. XVI, esculpida em meio vulto, proveniente da matriz de Machico e que terá pertencido a um primitivo retábulo (MASF18). Coroada, com o Menino ao colo segurando o rolo da Nova Lei, os seus traços fisionómicos e opções compositivas e de modelação apontam para oficina da zona de influência Malines-Bruxelas. Uma Nossa Senhora da Estrela (MASF354) vinda de oratório particular da Calheta, em que o Menino segura um cacho de uvas alusivo à sua futura Paixão, de oficina de Antuérpia ou de Malines. S.ta Luzia (MASF351), proveniente da antiga capela de S.ta Luzia, é uma obra de Malines, do início do séc. XVI, mutilada e com a carnação já desaparecida, mas conservando o douramento original; é de grande expressividade e notável desenvoltura e dinamismo na execução de panejamentos e cabelos. Cristo Crucificado (MASF319), em madeira de carvalho com vestígios de policromia, possivelmente proveniente do convento de S. Francisco, está estilisticamente próximo da escultura alemã, pelo alongamento e expressividade da figura. Apesar de lhe faltarem os braços, é notória a qualidade da modelação. S. Roque (MASF352), que seria originalmente do altar de S. Roque na Sé, santo de grande devoção enquanto intercessor contra a peste, é obra de uma oficina de Malines de finais do primeiro quartel do séc. xvi. Veste de peregrino e está acompanhado por um pequeno anjo. Falta-lhe a mão esquerda e apresenta vestígios das cutiladas de que foi alvo aquando do ataque dos corsários, em 1566. São muitas as figuras de desmembrados conjuntos representando o Calvário. Entre as quais, uma Virgem Dolorosa, um S. João e um Cristo Crucificado, encontradas, as duas primeiras, sob o altar da igreja de S. Roque, sendo o conjunto proveniente da capela do Calvário da Sé e de oficina arcaizante de Malines (MASF374). Mas também, uma Virgem Dolorosa e um S. João (MASF45/45A), provenientes do colégio dos Jesuítas do Funchal; uma Virgem Dolorosa e um S. João (MASF134/134A) de oficina flamenga ou luso-flamenga, possivelmente de Fernão Muñoz, provenientes da Sé. Nesta última imagem de S. João foram acrescentados olhos de vidro, retirados aquando do seu restauro. Esta prática inicia-se apenas no período barroco, pelo realismo e intensidade que conferia ao olhar, mas foi por vezes aplicada a esculturas já existentes. Guarda também o museu um conjunto de figuras de uma Deposição da Cruz de oficina de Malines, com a Virgem amparada por S. João e Maria de Cleofás, achadas sob o altar da igreja de S. Roque (MASF47/47A). Deste conjunto fariam parte outras figuras, entre as quais uma Maria Salomé encontrada numa arrecadação da Sé. De Malines vieram também pequenas imagens do Menino Jesus, decerto destinadas a oratórios particulares. De fatura flamenga existem, entre outras, ainda ao culto, uma Virgem com o Menino, dita Virgem do Rosário e uma Nossa Senhora da Luz, na matriz da Ponta do Sol; na da Ribeira Brava, subsiste uma Nossa Senhora do Rosário. De oficina portuguesa, em barro e de pequena dimensão, possui o convento de S.ta Clara duas peças com o tema da Piedade, a Virgem com o Cristo morto nos braços, e ainda um fragmentado S. Jerónimo de excelente modelação. Do séc. XVII, restam, nas igrejas de Machico, Santa Cruz, e Porto Santo, grupos de figuras de Cristo e os apóstolos na Última Ceia. Documentado como obra do imaginário Manuel Pereira (Manuel Pereira), em parceria com os douradores Baltasar Gomes e Manuel Duarte, é o conjunto do mesmo tema executado entre 1648 e 1652 para o camarim da Sé, depois colocado no MASF (MASF346), parte de um vasto e fragmentado conjunto, encomendado pela confraria do Santíssimo Sacramento. O grupo escultórico de Machico foi atribuído à oficina deste imaginário, o de Santa Cruz, a um seu seguidor. Na matriz da Calheta existem também figuras de um destes grupos escultóricos, bastantes degradadas, mas, a julgar pelas suas caraterísticas formais, mais antigas. A partir deste período, são muitas as imagens que, em 2015, ainda estão presentes ao culto. A recrudescência do culto dos santos que o ideário contrarreformista preconizava, as reformas em altares já antigos, a construção da igreja jesuítica de S. João Evangelista e o aumento de mão de obra local, documentada, como veremos adiante, potenciam as encomendas do clero, de confrarias e de oratórios particulares. Do demolido convento das Mercês ficou um Senhor da Paciência, também designado Senhor da Pedra, hoje no mosteiro de S.to António, das Clarissas, em madeira policromada, de proporções um tanto atarracadas, mas de modelação cuidada. É um tema do ciclo da Paixão que foi alvo grande devoção popular, divulgado através de gravuras de Dürer, uma da série da Pequena Paixão outra da Grande Paixão, onde o pintor retoma as convenções de representação da Melancolia, mesclando dor e resignação e salientando o dramatismo da cena. Dentro das figuras de maior devoção encontra-se a Virgem Maria, nas suas muitas invocações. Uma delas é a Nossa Senhora da Vida, de uma pequena capela da mesma invocação na Fajã do Mar, Calheta, estática e solene, de modelação um tanto sumária. De cunho mais erudito é a Nossa Senhora da Luz com o Menino ao colo e assente sobre nuvens e cabeças de querubins, onde se sente já uma certa quebra do hieratismo da figura na obliquidade do pregueado largo do manto (MASF197). Estava num altar colateral da igreja do colégio dos Jesuítas, onde era invocada como protetora dos estudantes. A Nossa Senhora do Pópulo, também da igreja jesuítica de S. João Evangelista (colégio), do altar do mesmo nome, é um exemplo paradigmático da solenidade que adquirem as imagens no contexto maneirista pós-tridentino. O estatismo é animado pela ondulação quase gráfica das pregas miúdas que, no entanto, não contrariam a solidez do bloco. Dentro da mesma linguagem, mas menos imponente, é a Nossa Senhora da Assunção do altar do mesmo nome do convento de S.ta Clara. Mais austera na sua modelação, mas de grande qualidade plástica e muito delicada nos gestos e na expressão é a S.ta Isabel (MASF310/A) que, em atitude de caminhar, segura o braçado de rosas alusivo ao milagre que operou. Um culto que foi particularmente impulsionado em Portugal, após a Restauração, foi o da Imaculada Conceição, incentivado sobretudo pelos Franciscanos e pelos Jesuítas. Do convento do Bom Jesus da Ribeira transitou para o MASF uma Senhora da Conceição, de grande hieratismo e simetria, mas de marcada juvenilidade (MASF412). A representação da Virgem sobre o crescente lunar é uma caraterística da Imaculada Conceição e fundamenta-se na descrição da mulher apocalíptica. No caso da Imaculada Conceição que figurou na exposição A Madeira nas Rotas do Oriente, o crescente está voltado para baixo e sob este, em grande evidência, está o globo do mundo no qual se enrosca a serpente do mal. Pedro (MASF198), proveniente da igreja de S.to António, com algumas mutilações, é de cânone curto mas solta movimentação na atitude e nas vestes. Da mesma igreja, mas podendo ter tido outra proveniência, veio um S.to Inácio de Loyola (MASF193), de expressão contemplativa, livro na mão e gesto pregador, tem no peito uma abertura para colocação de relíquia. O estofado do hábito é sóbrio, mas requintado. De sobriedade está carregado um ascético S. Bruno com uma caveira na mão da igreja de S. Pedro. São significativos da devoção aos santos os bustos-relicário, tal como podemos ver, neste ano de 2015, ainda in loco, um exemplar de retábulo de 1653, atribuído a Manuel Pereira, com 9 nichos com os bustos e 12 braços-relicário nos intercolúnios na capela das Onze Mil Virgens da igreja do colégio. Possui também o MASF alguns exemplares interessantes de bustos-relicário dos mártires de Marrocos, ainda que muito deteriorados, pois foram encontrados sob o soalho na igreja do colégio (MASF357). Os santos jesuítas, como o S.to Inácio acima referido, têm forte presença na igreja desta Companhia, veja-se os quatro santos em pedra nos nichos da fachada maneirista e os do retábulo do altar-mor, de 1660, um dos quais, S.to Inácio; este último foi incluído na exposição comemorativa dos 500 anos da Diocese do Funchal. Interessante também é a escultura integrada nos retábulos das capelas laterais (Talha), nomeadamente o S. Miguel Arcanjo pesando as almas e com um demónio vencido a seus pés. Na igreja da Ribeira Brava existe um grupo escultórico com o tema da Piedade em barro policromado, indiciando uma procura de pequenas obras para devoção privada. Também a igreja do Carmo possuía uma peça sobre o mesmo dramático tema. Um importante núcleo de imagens de roca dos sécs. XVII e XVIII, que estava arrecadado numa dependência da igreja do colégio, transitou para as reservas do MASF; algumas delas foram mostradas pela primeira vez na exposição O Futuro do Passado, em 2003. Trata-se de esculturas de vestir processionais, articuladas, com estrutura interna oca de ripas de madeira, para torná-las mais leves, em que apenas a cabeça e as mãos são esculpidas com acabamento mais apurado e com carnação. As vestes, olhos de vidro, cabeleiras e adornos conferiam realismo e fausto a estas figuras, contribuindo para o pathos do cerimonial. Os exageros no adorno das imagens refletem-se na redação da constituição quarta das Constituições Extravagantes de 1601, emanadas do sínodo de D. Luís Figueiredo de Lemos, relativa à decência e honestidade das pinturas e dos vestidos dos santos. Algumas das imagens de roca são facilmente identificáveis, como Cristo com Coroa de Espinhos (MASF385), outras têm uma inscrição no peito com o nome do santo, como S. Benedito (MASF393), S.ta Delfina (MASF392), ou S.to Henrique (MASF391). Os contactos com os territórios portuguesas de além-mar levaram para a Ilha numerosas peças, sobretudo de artes decorativas, mas também imaginária produzida por artífices orientais, de que os exemplos mais singulares serão as representações indo-portuguesas do Menino Jesus Bom Pastor em marfim (Casa-Museu Frederico de Freitas, n.os 20.036 e 20.037; Museu Quinta das Cruzes, MQC137). São frequentes as representações da Imaculada Conceição, da Virgem com o Menino, os crucifixos e diversos santos. São geralmente peças de pequenas dimensões, em marfim, destinadas a oratórios particulares e, para além da Índia, há também peças trazidas da China e do Ceilão, entre outros. A Dormição de S. Francisco Xavier (MASF337), de oficina portuguesa ou mesmo local, proveniente do antigo convento do Bom Jesus da Ribeira, é um baixo relevo que representa bem o prestígio adquirido pelos protagonistas da missionação do Oriente. Nos finais do séc. XVII, são frequentes os anjos candelários ou ceroferários, peças com forte presença no diálogo entre géneros artísticos próprio do bel composto barroco. Assim  são os anjos de madeira policromada e dourada de pose dinâmica e teatral e vestes esvoaçantes (MASF241 e MASF241/A). A igreja de S. Jorge conserva ainda um par de anjos desta tipologia, que se prolonga no século seguinte, como podemos constatar em exemplar congénere da igreja do colégio dos Jesuítas. Nos finais do séc. XVII e ao longo do séc. XVIII, a escultura ganha realismo e acentua-se a veemência da gestualidade e a dinâmica das pregas, criando volumetrias mais ousadas e é abundante a produção de peças, mantendo-se a preferência pela madeira estofada, policromada e dourada. Nossa Senhora dos Anjos com o Menino ao colo e assente sobre uma revoada de anjos (MASF358), proveniente da igreja do Carmo, apresenta um contraste entre a serenidade dos rostos e a agitada composição geral. A Senhora, o Menino e um dos anjos seguram um fruto vermelho na mão. É de particular qualidade a Nossa Senhora da Assunção que passou a integrar o retábulo da Sé, já na segunda metade do séc. XX, após a proclamação do dogma da assunção por Pio XII, em 1950, vinda então da igreja de S. Pedro. Justifica-se este facto pela tradição de dedicar as catedrais portuguesas a Nossa Senhora da Assunção. A Virgem é levada por um grupo de anjos e tudo se conjuga para criar uma forte ilusão de movimento ascensional: a direção do olhar, as oblíquas dos braços, das pernas e da fímbria esvoaçante do manto e a sinuosa agitação das pregas. Além disso o estofado da túnica é de muito cuidado desenho. O rosto sereno e as mãos cruzadas sobre o peito da Imaculada Conceição existente na capela do Espírito Santo (Lombada, Ponta do Sol) é realçado pela grande desenvoltura nos panejamentos com pedras incrustadas. É curiosa a solução da serpente esmagada a seus pés sobre o globo do mundo. Na igreja de S. Pedro, a expressão dolorosa da Nossa Senhora das Dores, de espada no peito, boca entreaberta e olhos lacrimosos a que não falta o brilho das lágrimas de vidro, contrasta com a elegância do gesto e das vestes. Outra peça relativa aos episódios trágicos da vida da Virgem é a Senhora da Piedade, em madeira policromada, da igreja dos Canhas, muito expressiva no confronto entre o corpo desfalecido de Cristo, de braços abertos como que ainda crucificado, e a tensão do abraço de sua Mãe. Testemunhos da devoção a S.ta Ana, existem duas imagens deste tema que apresentam semelhanças formais entre si: uma proveniente da igreja do Carmo (MASF455), com Maria ao colo e o livro na mão, na atitude de S.ta Ana mestra, de rosto um tanto anguloso, vestes agitadas e ampla volumetria; outra oriunda da igreja de Câmara de Lobos, apenas com o livro. Muitas outras devoções ficaram patentes na numerosa imaginária do séc. XVII. Lembremos ainda S. Francisco Xavier (MASF450), oriundo da igreja do Carmo, figura cujo movimento ascensional do olhar é sublinhado pela colocação diagonal do braço que segura a cruz; S. Francisco de Paula (MASF450), fundador da Ordem dos Mínimos, de longas barbas e hábito com capucho aponta para a divisa que tem no peito; S. João Batista menino, da capela da mesma invocação no Funchal, veste uma pele de cordeiro que se mescla indestrinçavelmente com o estofado ao gosto barroco; S.ta Rita de Cássia, da Sé, com o estigma na fronte, olhar de contido sofrimento, veste um hábito de monja cuja ondulação discreta se afasta das exuberâncias do barroco. De pequena dimensão, mas de grande qualidade no apuro das feições, mãos e pés, e na larga movimentação do panejamento, é o S. Paulo (MASF449), vindo da igreja do Carmo, que foi atribuído ao círculo de Machado de Castro, famoso escultor da Casa Real. Destaque também para uma Nossa Senhora dos Remédios e do Amparo (MASF261) procedente da demolida capela da Qt. de S. João. Também os arcanjos Rafael (MASF453), Miguel (MASF452) e Gabriel (MASF454), em maquineta da época em talha dourada, provindos da igreja do Carmo, são requintados exemplos de entalhe e de estofado. Abundam as figuras de presépio, sejam avulsas sejam em presépios de caixa, algumas de muito boa qualidade, pois foi grande a procura deste tipo de peças por particulares nos sécs. XVIII e XIX (Presépios). Em mármore policromado e dourado assinala-se um arcanjo S. Miguel vencendo o demónio (MASF185), vindo do colégio dos Jesuítas que assenta sobre um ornato de palmeta. A autoria das peças mencionadas nesta súmula e das muitas outras que não é possível aqui enumerar é ainda uma incógnita, devido à escassez de documentação específica acerca de contratos e pagamentos. Algumas desta peças, pela sua qualidade e caraterísticas estilísticas, sugerem proveniência de oficinas nacionais. Quanto à documentação acerca de imaginários a trabalhar na Ilha, são mais frequentes as menções encontradas em registos paroquiais, contratos de aforamentos e outras situações semelhantes do que referências à execução de peças em vulto, aos pagamentos de talha, douramentos e consertos diversos. A partir do início do séc. XVIII é mais comum a designação de entalhador para os executantes da talha, aparecendo também, para as mesmas funções, a designação de carpinteiro ou marceneiro (Talha). Na viragem para o séc. XVII, estão documentados, nas datas que seguidamente indicamos, os imaginários: Álvaro Luís, natural de Sintra, que também foi procurador de mesteres e morreu em 1630, havendo notícia dele desde o seu casamento, em 1596; João da Costa (1602-1604); Manuel Dias, que trabalhou no sepulcro da Sé (1639); Manuel Dias de Andrade (1696); Brás Fernandes, elogiado por Manuel Tomás na Insvlana como insigne escultor, com obra na igreja de S. João Evangelista (batizou um filho em 1641); Manuel Afonso (1641); Manuel de Lima, irmão da Confraria da Candelária de S. Pedro (1651-1698); Domingos Martins (1652, 1655); Pedro Nunes de Morim (1655, falecido em 1682); Manuel Martins, já falecido por volta de 1660; Francisco Fernandes (1669); Domingos Moniz, que trabalhou com Manuel Pereira no camarim da Sé (1651-1661); Filipe Correia (1664); Francisco Afonso, que acrescentou o retábulo do altar do Bom Jesus da Sé, em parceria com Manuel Pereira de Almeida, Inácio Ferreira, Manuel da Silva e João Rodrigues (1683); Francisco Afonso da Cunha (1686); Francisco Rodrigues (1672); Manuel Fernandes (1672, falecido em 1675); José Fernandes de Morim, que foi procurador dos mesteres e conselheiro de segunda condição da Misericórdia do Funchal (1627-1673); Manuel da Silva, mordomo de fora e da capela da Misericórdia do Funchal, que trabalhou em parceria, na talha do retábulo da capela do Bom Jesus da Sé, com Manuel Pereira de Almeida, Inácio Ferreira, Francisco Afonso e João Rodrigues (1683-1698); Luís Dias (1684); Manuel Coelho, conselheiro de segunda condição na Misericórdia do Funchal (1685); José Gonçalves (1691); Martinho de Bettencourt, que trabalhou no camarim da Sé com Manuel Pereira (1652-1654); Leandro João Caldeira (datas desconhecidas); Francisco da Silva, natural de Lisboa (1688-1689); Fr. António de Estremoz, do convento de S. Francisco, cujas imagens foram aprovadas como respeitadoras da ortodoxia durante a visita da Inquisição, em 1691; Inácio Ferreira, que integrou a parceria acima referida (1652, falecido em 1684); João Rodrigues de Almeida, por vezes mencionado apenas como João Rodrigues entalhador ou como imaginário, nascido por volta de 1650 e falecido em 1740, colaborador na mesma parceria. Ativos no séc. XVIII, encontramos em atividade, nas datas seguidamente indicadas: António da Silva Santiago (1700); Agostinho de Almeida, imaginário e entalhador (1697-1742); António José (1755-1756), que trabalhou em parceria com o pintor Villavicêncio e com o entalhador João Francisco Ferreira; Nicolau de Lira com o remate do retábulo da igreja da Graça de Câmara de Lobos e com trabalhos para a Sé (1720-1765); Luís Ferreira (1766-1767); António João (1758); António Rodrigues (1725-1734); P.e Marcelino da Silva, pago pelo feitio de um Cristo para a Sé mas também por diversas pinturas e consertos (1734); Francisco Martins (1753); Inácio Pereira (1710-1753); João da Silva (1758); Julião Francisco Ferreira (1727-1771), natural dos Açores, que trabalhou, entre outros, nos retábulos de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, São Jorge, capela-mor de S. Pedro, sacristia do colégio dos Jesuítas em parceria com o pintor Villavicêncio; Manuel Pestana, discípulo do mestre entalhador Julião Francisco Ferreira (1755-1758). No séc. XIX, no âmbito religioso, foi-se recorrendo paulatinamente a soluções mais viradas para uma produção em série, evidenciando-se o trabalho de santeiros, sediados sobretudo no norte do país. Escasseavam as encomendas a escultores, retomadas, já no séc. XX, com as obras de Francisco Franco e, mais tarde, António Duarte, Lagoa Henriques e Amândio de Sousa, entre outros. Em contrapartida, o espaço público começou a oferecer novas oportunidades. Do séc. XIX não se conhece notícia de inaugurações oficiais de bustos, estátuas ou grupos escultóricos de carácter secular. Contudo, note-se a existência de algumas peças de estatuária religiosa, nomeadamente escultura fúnebre. Para além destas pode ser referido um outro tipo de peças escultóricas, habitualmente não consideradas obra de escultor por serem peças anónimas, provenientes de fábricas, ou reproduções de modelos pré-existentes, tais como, os marcos comemorativos e os cruzeiros; ou pelo facto de estarem mais associadas a peças arquitetónicas, como é o caso dos fontenários. Das escassas recolhas sobre peças de carácter urbano utilitário e comemorativo feitas até 2015, refira-se o livro/inventário de José de Sainz-Trueva e Nelson Veríssimo, Esculturas da Região Autónoma da Madeira: Inventário, publicado no Funchal em 1996. Muitos dos cruzeiros distribuídos pelas principais vilas e cidades da Madeira, ainda de pé no segundo milénio, foram erguidos no séc. XIX. Na sua maioria de cantaria rija, têm formas austeras e pequenas dimensões, e encontram-se em largos, praças e cemitérios da Região. Um exemplo é o cruzeiro com motivos heráldicos, existente no largo da igreja de Santa Cruz, cujo material, menos habitual na Ilha, é o mármore. Datam também do séc. XIX muitos fontenários existentes na Madeira. É esse o caso daquele que ficou conhecido como Poço da Cidade, sito ao Lg. do Poço, nas imediações do mercado dos Lavradores, Funchal. Por sua vez, o fontenário do Torreão, também no Funchal, data de cerca de 1836 e possui azulejaria acrescentada já nos anos 30 do século seguinte. Um outro, situado no Lg. da Fonte (e ao qual o lugar deve o seu nome), na freguesia do Monte, foi erguido em finais do séc. XIX, e apresenta um claro gosto neoclássico. Contudo, são os chafarizes encimados por figuras alegóricas que mais se aproximam do conceito de escultura, por isso, destacamos o chafariz que ostenta figuras de inspiração clássica sob o tema da Leda e o Cisne, peça encomendada a uma oficina lisboeta e originalmente instalada no antigo mercado D. Pedro IV, por volta de 1880. Em 2015, é possível observá-la no átrio da Câmara Municipal do Funchal (CMF), para onde foi transferida em 1941. No primeiro quartel do séc. XX, assistiu-se em Portugal a um incremento de bustos escultóricos e estátuas de corpo inteiro que retratam diversas individualidades de vulto e que se enquadram na estética realista de Oitocentos. À Madeira chegaram ecos deste tipo de homenagem escultórica, encomendada pelo Estado ou por particulares. A primeira escultura inaugurada em local público, datada de 1906, foi um busto representando Luís da Câmara Pestana, médico madeirense. Localizado na casa de saúde Câmara Pestana, o busto foi encomendado por particulares a Josef Füller, escultor austríaco a residir em Portugal continental, onde foi professor de escultura. A nova Av. Manuel de Arriaga, aberta em finais do séc. XIX, no centro do Funchal, foi o palco privilegiado para a implantação das primeiras esculturas de porte considerável no espaço público exterior. Em 1922 foi descerrado um busto em homenagem ao conde de Canavial, médico e político, da autoria de Raul Xavier. A figura, de carácter naturalista, assenta num elaborado pedestal clássico e foi implantada numa redoma ajardinada no centro da cidade, orientada de frente para a Sé. Um outro busto, assinado por Costa Motta, seria inaugurado em 1925. Esta escultura retrata João Fernandes Vieira, o “libertador de Pernambuco”, personagem histórica do séc. XVII, nascida na Madeira. De claro gosto oitocentista, esta peça foi erguida no extremo oposto à de Raul Xavier, dando costas à Sé, no local onde se encontra o monumento a Gonçalves Zarco, de Francisco Franco. Em 1932, dois anos antes da inauguração desta última e célebre estátua, concluída em 1928, ambos os bustos foram retirados da avenida: o de Raul Xavier foi transferido para o Campo da Barca, e o de Costa Motta para o jardim municipal do Funchal, locais onde ainda se encontram, na segunda década do séc. XXI. O contraponto a este tipo de estatuária será dado, de facto, pelas obras modernistas do escultor madeirense Francisco Franco (Franco, Francisco). Como atesta a sua obra, desde primeiras peças, influenciadas pela sua estadia em Paris, até à paradigmática e já referida estátua de Gonçalves Zarco, Francisco Franco foi o único protagonista das novas tendências escultóricas internacionais a nível regional. Nos anos 10 e 20, este artista viu inauguradas algumas peças importantes no Funchal, influenciadas pelas várias estadias em Paris e de clara referência a escultores como Antoine Bourdelle e Auguste Rodin. Concluído em 1914, o torso de João Gonçalves Zarco, executado para o restaurante Esplanade, depois Casa de Chá do Terreiro da Luta, foi inaugurado com o patrocínio da extinta Monte Railway Company, em 1919. De grande simbolismo e arrojo expressivo é a escultura funerária Anjo Implorante, de 1916, assim como o torso alusivo aos mortos da Primeira Grande Guerra, de 1917, ambos inaugurados no cemitério das Angústias, Funchal. O busto do aviador, datado de 1920, em homenagem aos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, protagonistas do primeiro voo entre Lisboa e a Madeira, seria inaugurado no jardim municipal, em 1923. A escultura O Semeador, que foi exposta no Salão de Paris, em 1924, recebendo rasgados elogios da crítica francesa, foi inaugurada no Funchal em 1936, na Pç. de Tenerife. Ao longo do tempo, esta obra mudou de localização várias vezes e passou para um largo adjacente ao edifício da CMF. São também desta época várias peças de interior, como as cabeças em madeira e em barro, das quais se destacam a do velho, a da viloa e a do rapaz, entre outras, que podem ser vistas no Museu Henrique e Francisco Franco, para além de um vasto espólio de gravuras e esboços deste escultor. Por fim, data de 1924 o busto que homenageia o mecenas Henrique Augusto Vieira de Castro, e que foi inaugurado no hospital dos Marmeleiros apenas em 1943. Para além da profícua presença modernista das obras de Francisco Franco, outras esculturas de carácter mais convencional continuaram a ser encomendadas. São notáveis dois grandes monumentos de carácter religioso, ambos inaugurados em 1927. A estátua do Sagrado Coração de Jesus foi a primeira escultura levantada fora do concelho do Funchal, concretamente na Ponta do Garajau, e foi assinada pelo francês Pierre Lenoir, revelando uma simplificação timidamente modernista. Menos moderno é o monumento a Nossa Senhora da Paz, erguido no Terreiro da Luta no mesmo ano, da autoria do Arqt. Emanuel Ribeiro, e constituindo-se ao tempo, com os seus 10 m de altura, como o maior monumento da Região. Os anos 30 e 40 foram o tempo da renovação urbanística promovida pelo Eng.º Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas desde 1932, e que acabou por influenciar a arquitetura e escultura públicas em Portugal, nomeadamente em Lisboa, Porto e também no Funchal. Por estes anos, o Funchal cresceu para oeste e modernizou-se progressivamente ao sabor da estética do Estado Novo. Entre 1935 e 1946, durante o mandato de Fernão de Ornelas na CMF, iniciaram-se obras importantes, como a ampliação do porto do Funchal, a abertura da Av. do Mar e da rua que hoje tem o seu nome. Obras relevantes de arquitetos como Raul Lino e Edmundo Tavares foram acompanhadas, em alguns casos, por esculturas que as integraram e que foram projetadas para os novos espaços circundantes aos edifícios e arruamentos, tais como jardins, praças e átrios. De carácter mormente comemorativo, estas obras deixaram na Madeira trabalhos assinados por estatuários consagrados do regime, nomeadamente Leopoldo de Almeida, António Duarte, Delfim Maya e Barata Feyo. Após a grandiosa e adiada inauguração do monumento a Gonçalves Zarco, de Franco, em 1934, registaram-se algumas iniciativas de homenagem, contudo sem grande interesse artístico. Em 1939, foi inaugurado um busto em homenagem a Alexandre da Cunha Teles, escritor e advogado, encomendado ao madeirense Agostinho Rodrigues, em 1937, escultor que emigrou para os EUA nesse ano. Em 1941, foi a vez de um busto em homenagem ao poeta António Nobre, no largo que leva o seu nome. Trata-se de uma cópia do original existente em Coimbra, concebido pelo escultor Tomás Costa. Em 1940, a Junta Geral do Funchal adquiriu uma escultura alusiva a Cristóvão Colombo, executada por Henrique Moreira, discípulo de Teixeira Gomes. Esta figura sentada do navegador ficou arrecadada, ao longo de 28 anos, até ser inaugurada no Prq. de Santa Catarina do Funchal, em 1968. No mesmo ano, Leopoldo de Almeida assinou uma figura sentada do infante D. Henrique, anichada num esguio arco ogival de cantaria. Este conjunto escultórico foi inaugurado apenas em 1947, na entrada do Prq. de Santa Catarina, voltada para a rotunda que levou também o nome do infante. O projeto de recuperação do edifício dos paços do conselho, hoje CMF, ficou a cargo do Arqt. Raul Lino. O projeto previa obras de ampliação e a criação de um fontenário para a Pç. da Constituição, depois Pç. do Município, contígua ao mesmo. O fontenário, inaugurado em 1942, foi executado em cantaria rija e ostenta um obelisco com as armas da cidade, assim como uma esfera armilar encimada pela Cruz de Cristo. Integrado também neste projeto, o escultor António Duarte concebeu um baixo-relevo alusivo a S. Tiago, de figuração estilizada, datado de 1944, para uma das paredes exteriores da CMF. Este escultor seria chamado mais vezes ao Funchal para executar outras encomendas, assinando, em 1946, um fontenário de claro imaginário nacionalista, composto por uma esfera armilar rodeada de cavalos-marinhos, para a rotunda do infante D. Henrique (rotunda da responsabilidade do Arqt. Faria da Costa). Neste ambiente de nacionalismo retórico e monumental, o contraste é dado pela modesta produção local. Nos anos 50 popularizaram-se os trabalhos artesanais dos irmãos Roberto e Manuel Cunha. Foi sobretudo Roberto Cunha (1904-1966) quem mais se destacou pela criação de pequenas figuras de temática religiosa ou pitoresca, executadas em barro, marcadas pelo estilo realista e pela técnica apurada. A propósito da sua obra, o escultor Anjos Teixeira destacou: “Algumas das miniaturas de Roberto Cunha são autênticas estátuas de pequenas dimensões, abstraindo-nos dos poucos centímetros encontramos-lhes a monumentalidade que é uma das expressões do talento” (TEIXEIRA, 1968, 18). Outros escultores madeirenses, como Rebelo Júnior, foram respondendo às escassas encomendas oficiais. Deste artista apenas se conhecem dois bustos, um deles, um retrato convencional do historiador Fernando Augusto da Silva, inaugurado no Lrg. de Santo António em 1955. Ao que parece, partiu da Madeira por esses anos e não deixou especial notícia de si. Os anos 50 foram de continuidade, no que diz respeito à presença de escultores portugueses continentais. Um busto da autoria de Barata Feyo, retratando o escritor madeirense João dos Reis Gomes, é inaugurado em 1956 no jardim municipal, hoje instalado nos jardins do palácio de S. Lourenço. No ano seguinte, Delfim Maya executou a primeira escultura para o Porto Santo, no Pico do Castelo. Trata-se de um busto em homenagem a António Schiappa de Azevedo, iniciador da reflorestação daquela Ilha. António Duarte voltou ao Funchal, em finais dos anos 50, para trabalhar em conjunto com arquitetos conceituados. Em 1957, concebeu quatro apóstolos em cantaria, de contornos muito simplificados, destinados ao pórtico da nova igreja matriz do Porto da Cruz, um dos projetos modernistas do Arqt. Chorão Ramalho na Madeira. Outra parceria de António Duarte com um arquiteto aconteceu no edifício do palácio da justiça do Funchal, projeto de Januário Godinho, para o qual criou uma alegoria materializada numa figura austera, de braço erguido. A peça em bronze, inaugurada em 1962, está centrada na fachada e tem por baixo um fontenário. Outro grupo escultórico modernista também integrado na arquitetura, e de tendência monumental, teve como tema o comércio e indústria e foi assinado por I. V. Perdigão, em 1960. Trata-se de duas figuras alegóricas, a masculina simbolizando o comércio e a feminina a indústria, incrustadas numa esquina do edifício da Alfândega, da autoria do Arqt. Faria da Costa e inaugurado em 1962. A partir dos anos 60, a escultura renovou-se em Portugal, oferecendo uma alternativa à omnipresente estatuária oficial, continuadora do estilo instaurado por Francisco Franco. O paradigma de mudança introduziu o novo conceito de artes plásticas, ensaiado por escultores como Jorge Vieira, João Cutileiro, Fernando Conduto e Zulmiro de Carvalho, assim como o objetualismo de pintores, nomeadamente Lourdes Castro, René Bértholo e António Areal. Nesta década, a progressiva abertura oficial permitiu ao Funchal ter as suas primeiras obras escultóricas de recorte propriamente contemporâneo. Cabe aqui mencionar dois madeirenses, Amândio de Sousa e António Aragão, pelo contributo dado à renovação da escultura a nível local, introduzindo novas linguagens e uma progressiva simplificação formal que se traduziu, em alguns casos, numa clara opção pelo minimalismo e abstracionismo, inéditos na Ilha. Amândio de Sousa esculpiu, em 1963, um conjunto painéis de cimento com relevos vegetalistas estilizados para o átrio da clínica S.ta Catarina, assim como uma maternidade de linhas simplificadas que anunciava já o alongamento que caracteriza as figuras do escultor. Em 1969, concebeu uma escultura em bronze, comemorativa do primeiro jogo de futebol realizado em Portugal (em 1875), para a freguesia da Camacha. De estética assente no construtivismo abstrato, constituiu a primeira obra não figurativa inaugurada fora do Funchal. Ao longo das décadas seguintes, a colaboração de Amândio de Sousa com arquitetos, como Chorão Ramalho e Marcelo Costa, demonstrou a cumplicidade com estes e a sua manifesta “sensibilidade para com a escala e os materiais arquitetónicos” (SANTA CLARA, 2011, 142). António Aragão, intelectual e artista polifacetado, também fez incursões no campo da arte escultórica, e propôs uma pequena escultura de parede, representando uma S.ta Ana, para os paços do conselho de Santana, em 1959. Um ano depois, foi inaugurado o monumento ao infante D. Henrique, na ilha do Porto Santo. Este projeto urbanístico de Chorão Ramalho consiste numa alameda em cujo centro se situa um bloco de betão com 7 m de altura. Este bloco foi graficamente animado por Aragão com formas geometrizadas de cariz abstratizante, inscritas na cantaria, que evocam o imaginário histórico português. Aragão trabalhou nos anos 60 em outras encomendas, tais como os painéis de cerâmica policromada para o mercado de Santa Cruz, datados de 1962. Os painéis, cuja temática é a agricultura e a pesca, denotam uma composição em estilo decorativo que acusa influências do neorrealismo e do neocubismo. Um outro baixo-relevo em cantaria rija do mesmo autor, Artes e Ofícios, segue a linha temática do anterior e funciona como friso para a entrada principal da escola secundária Francisco Franco, no Funchal. Figuras simplificadas organizam-se geometricamente no espaço, jogando com as variações de um padrão figurativo que se repete, alterado pelas posições e gestos das figuras representadas. Ao mesmo tempo, e lado-a-lado com os monumentos ao gosto do Estado Novo e as tímidas incursões de vanguarda, a tendência oitocentista que privilegiava o naturalismo continuou presente na Madeira. Anjos Teixeira, professor de escultura na Academia de Música e Belas Artes da Madeira, executou algumas encomendas de estatuária naturalista, recorrendo a alegorias ou retratando personalidades, como é exemplo a escultura em homenagem ao político e intelectual Jaime Moniz, no largo que leva o seu nome, descerrada em 1961. Ao longo dos anos 70 e 80, Anjos Teixeira realizou um conjunto de obras que perpetuaram este estilo naturalista. Por sua vez, Ricardo Velosa, discípulo de Anjos Teixeira, será claramente influenciado pela técnica e estética do mestre, que procurará atualizar e será o escultor mais requisitado pelas encomendas de Estado ao longo dos anos 80 e 90. Para além de Velosa, um pequeno grupo de escultores madeirenses, ou residentes na Ilha, como Luiza Clode, Manuela Aranha, José Manuel Gomes, Celso Caires, Jacinto Rodrigues, Martim Velosa e Sílvio Cró, entre outros, marcaram, no final do séc. XX e inícios do XXI, o panorama da escultura na Região, alguns deles encetando uma ação mais abrangente no campo das artes plásticas, expandido que está este conceito a partir dos anos 60. Para concluir, refira-se um conjunto de realizações arquitetónicas, o hotel Casino Park, o edifício da Caixa de Previdência e o novo hospital distrital do Funchal, que permitiram trazer ao Funchal, na déc. de 70, obras de importantes escultores portugueses que então se afirmavam, nomeadamente Manuela Madureira, Lagoa Henriques, Jorge Vieira, José Joaquim Rodrigues e Fernando Conduto.   Isabel Santa Clara Carlos Valente (atualizado a 02.01.2017)

Artes e Design

buch, christian leopold von

Christian Leopold von Buch, filho de Adolf Friedrich von Buch II, barão de Gehmersdorf, e de Charlotte von Arnien-Suckow, nasceu em Stolpe an der Order, Brandenburg, Prússia (1774), e faleceu em Berlim (1853). Foi um proeminente geólogo e paleontólogo e dedicou-se ao estudo do vulcanismo, dos fósseis e da definição do sistema jurássico. Fez a escola secundária em Freiberg, Saxónia, e frequentou as universidades de Halle e Göttingen. Foi considerado por Humbolt o melhor geólogo do seu tempo e, em 1842, recebeu a medalha Wollaston, o mais importante prémio concedido pela Sociedade de Geologia de Londres. No campo da mineralogia, conta-se a sua obra Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck (Breslau, 1797), traduzida para francês (1805) e inglês (1810), seguida dos estudos sobre a Silésia, Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien (1802). A observação da erupção vulcânica do Vesúvio, em 1805, feita com Humboldt e Gay Lussac, permitiu-lhe corrigir interpretações erróneas sobre o vulcanismo. O resultado das suas viagens geológicas originou a obra Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien (Berlin, 1802-09). Na Escandinávia, pôde obter os dados que lhe permitiram publicar Reise durch Norwegen und Lappland (Berlin, 1810). Em 1815, na companhia do botânico norueguês Christian Smith, visitou as ilhas Canárias, cuja origem vulcânica constituiu o ponto de partida para o estudo da sua atividade sísmica, atestada na obra Physicalische Beschreibung der Canarischen (Berlin, 1825), na qual manifesta a convicção de que estas e outras ilhas atlânticas estiveram na base de um continente pré-existente. Nesta viagem, de Londres às Canárias, teve oportunidade de visitar a Madeira em abril de 1811, na companhia de outro norueguês, Chetien Smith, e descreve o deslumbramento sentido perante a vegetação desconhecida que contemplava: “après une heureuse traversée, nous mîmes pied à terre le 21 avril à Funchal dans l’île de Madère. Nous restâmes douze jours sur cette île fortunée, occupés à faire de petites courses sur les montagnes et à étudier, en tant que pût le permettre la pluie qui tomba continuellement pendant notre séjour, la végétation nouvelle, et pour nous inconnue, qui se développait sous nos yeux [após uma travessia sem incidentes, pusemos pé em terra a 21 de abril, no Funchal, ilha da Madeira. Permanecemos 12 dias nesta ilha afortunada, fazendo pequenas excursões pelas montanhas e estudando, tanto quanto nos permitiu a chuva, que não parou de cair durante toda a nossa estadia, a vegetação nova, para nós desconhecida, que se apresentava diante dos nossos olhos]” (BUCH, 1836, 1). Nesta obra, insere a lista de plantas da Madeira, organizada pelo botânico britânico Robert Brown, resultante da sua visita à Ilha em 1802. Segundo o Elucidário Madeirense, “é de Robert Brown, e não de Leopold von Buch, o trabalho intitulado Vermzeichniss der auf Madeira Wiedwachsenden Pflanzen, que quase todos atribuem a este último autor, por razão de ter sido incluído na obra que publicou, em 1825, sob o título de Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln” (SILVA e MENESES, 1978, I, 341).   Obras de Christian Leopold von Buch: Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck, 1797; Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien, 1802; Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien, 1802-09; Reise durch Norwegen und Lappland, 1810; Psysicalische Beschreibung der Canarischen, 1825; Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln, 1825; Îles Canaries (1836); Narrative of an Expedition to Explore the River Zaire, usually, Called the Congo, in South Africa in 1816, under the direction of Captain J. K. Tuckey (coautoria) (1818).     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.10.2016)  

Biologia Terrestre Madeira Global Geologia

área(s) marinha(s) protegida(s)

As áreas marinhas protegidas (AMP) correspondem, numa aproximação jurídica de carácter genérico, à aplicação de um regime jurídico específico e reforçado de proteção ambiental a um espaço marítimo delimitado. Quando o âmbito de aplicação espacial é o oceano circundante ao território terrestre da RAM (nos termos do art. 3.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira – EPARAM: o “arquipélago da Madeira é composto pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas, Selvagens e seus ilhéus”), uma adequada compreensão do seu regime jurídico implica que se tenha simultaneamente em consideração uma multiplicidade de fontes de direito, dado que o enquadramento jurídico-internacional aplicável aos oceanos condiciona a regulamentação proveniente de fontes internas. Assim sendo, no que respeita às AMP existentes na RAM, a sua regulamentação é o resultado da conjugação das fontes aplicáveis de direito regional, de direito interno português, de direito da União Europeia e de direito internacional, com destaque para o direito internacional aplicável aos espaços marítimos. Com efeito, as AMP, ao determinarem quais são os usos permitidos e proibidos num espaço marítimo delimitado e ao pretenderem simultaneamente conformar os comportamentos de todos os potenciais utilizadores do mar, sejam estes nacionais ou estrangeiros, devem respeitar o direito internacional relevante, na medida em que este é o fundamento último de legitimação da atuação do Estado costeiro e das suas divisões ao nível da organização política e administrativa. A qualificação de uma determinada zona de oceano como AMP é recente na prática dos Estados, coincidindo com a progressiva relevância dada às questões ambientais a partir da déc. de 70 do século passado. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), comummente designada como a Constituição dos Oceanos, não fornece um conceito jurídico-internacional para este instituto jurídico, nem contém identicamente um regime jurídico-internacional dedicado especificamente às AMP, não obstante a sua parte XII ser dedicada à “[p]roteção e preservação do meio marinho” e o art. 192.º proclamar expressamente que os “Estados têm obrigação de proteger e preservar o meio marinho”. O n.º 5 do art. 194.º, com a epígrafe “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, estabelece que os Estados devem tomar as medidas “necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros e frágeis, bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo”, o que tem sido utilizado como o fundamento jurídico para a evolução que se deu neste domínio no final do séc. XX e no princípio do séc. XXI. Importa salientar que, ao nível do direito internacional geral, as AMP não constituem um espaço marítimo específico, em paralelo aos restantes espaços marítimos reconhecidos pelo direito internacional do mar (tal como o mar territorial, a zona contígua, as águas arquipelágicas, a zona económica exclusiva, a plataforma continental, o alto mar e a Área [veja-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 1.º d, n.º 1, 1)]), mas antes a sujeição de áreas do mar com uma qualificação jurídica-internacional específica a um regime jurídico particular distinto daquele que é normalmente aplicável ao espaço marítimo em questão, nomeadamente ao nível do reforço da proteção ambiental. Nestes termos, a criação de uma AMP pela RAM num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição do Estado português, como na zona económica exclusiva, deve ter simultaneamente em consideração os direitos e os deveres do Estado costeiro e os direitos e os deveres que são reconhecidos aos terceiros Estados, nomeadamente pela parte V da CNUDM e pelo direito internacional costumeiro. Embora o direito internacional geral não forneça um conceito de AMP, podem ser encontradas definições em outros documentos de direito internacional, nomeadamente naqueles que têm vindo a ser produzidos no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), no âmbito da Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, também denominada Convenção OSPAR (1992), e nos trabalhos que foram sendo desenvolvidos sobre a matéria no seio da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Sendo os “parques naturais” uma matéria de interesse específico da RAM, nos termos da alínea jj) do art. 40.º do EPARAM, a regulamentação aplicável às AMP é, na sua base, de natureza regional. Em 2016, existiam cinco AMP na RAM, sendo duas de carácter exclusivamente marinho e três com áreas mistas, marinhas e terrestres. As AMP cujo âmbito de proteção é exclusivamente marinho são a Reserva Natural Parcial do Garajau e a Reserva Natural do Sitio da Rocha do Navio. As AMP cujo âmbito de proteção é simultaneamente marinho e terrestre são a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, a Reserva Natural das Ilhas Desertas e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo. A Reserva Natural Parcial do Garajau, que foi a primeira área exclusivamente marinha a ser criada em Portugal, é regulada pelo dec. leg. regional n.º 23/86/M, de 4 de outubro, com modificações introduzidas pelo dec. leg. regional n.º 38/2006/M, de 4 de agosto. Em conformidade com o n.º 1 do seu art. 2.º, a “área da Reserva Natural Parcial do Garajau tem como limites: a) A oeste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta do Lazareto até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; b) A leste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta de Oliveira até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; c) A norte, a linha definida pela máxima preia-mar de marés vivas; e d) A sul, o plano definido pela vertical da linha batimétrica dos 50 m e, em caso de dúvida, uma linha a uma distância nunca inferior a 600 m do limite norte”. O corpo do n.º 4 do art. 1.º do Regulamento do Plano Especial do Ordenamento e Gestão da Reserva Natural Parcial do Garajau, aprovado pela resolução n.º 882/2010, de 5 de agosto, esclarece que a “área de intervenção (…) é o leito do mar, com uma dimensão total de 376 hectares, e uma linha de costa de aproximadamente sete quilómetros”. O n.º 1 do art. 3.º antes citado estipula que na área do Reserva Natural Parcial do Garajau é proibido: “a) Exercer quaisquer atividades de pesca, comercial ou desportiva, incluindo a caça submarina; b) Colher exemplares animais e vegetais, exceto para fins científicos, quando devidamente justificados e autorizados; c) Extrair areias e outros materiais de origem geológica; d) Vazar quaisquer tipos de sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; e) Instalar condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e f) Navegar dentro dos limites da reserva, com exceção da abicagem de pequenas embarcações às praias, aplicando-se, neste caso, a legislação em vigor”. Concretizando a alínea a) do n.º 3 do art. 3.º, o dec. reg. regional n.º 1/97/M, de 14 de janeiro, regula o exercício do mergulho amador na área da Reserva Natural Parcial do Garajau, entendido como a atividade prosseguida por “um amador, quando se desloca, submerso ou à superfície, equipado com um aparelho respiratório de mergulho”. A Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio foi criada pelo dec. leg. regional n.º 11/97/M, de 30 de julho, e abrange uma área de 1822 ha, sendo 1820 ha de área marítima e 2 ha correspondentes ao Ilhéu da Viúva (de acordo com a informação disponibilizada pelo Programa de Medidas de Gestão e Conservação do Sítio da Rede Natura 2000 do Ilhéu da Viúva). Em conformidade com o seu art. 2.º, a Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio está “definida e delimitada […] no sítio da Rocha do Navio, entre a ponta do Clérigo a leste e a ponta de São Jorge a oeste e entre a linha definida pela preia-mar máxima e a batimétrica dos 100 m, incluindo os seus ilhéus e respetivas áreas marítimas” (sendo a batimétrica uma linha que une pontos da mesma profundidade no mar). O art. 4.º estabelece que na área da Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio é expressamente proibido: “a) O uso de redes de emalhar ou outras, exceto as empregues na captura de isco vivo e o peneiro, empregue na captura da castanheta; b) A colheita, captura, detenção e ou abate de quaisquer espécies de aves ou plantas; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; e f) A caça submarina”. Através da resolução n.º 751/2009, de 2 de julho, o Conselho do Governo regional determinou a classificação do Ilhéu da Viúva como Zona Especial de Conservação (ZEC), ao abrigo da legislação da União Europeia sobre a conservação das aves selvagens e a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. A Reserva Natural das Ilhas Selvagens foi inicialmente estabelecida pelo dec. n.º 458/71, de 29 de outubro, como reserva, ao abrigo da lei n.º 9/70, de 19 de junho, e representou o primeiro exemplo de AMP em Portugal. Nos termos do seu art. 1.º, passou a “constituir uma reserva toda a área das Ilhas Selvagens e também a orla marítima que as rodeia até à batimétrica dos 200 m”. Posteriormente, foi classificada como reserva natural pelo dec. regional n.º 14/78/M, de 10 de março. Ao abrigo do n.º 2 do seu art. 1.º, a “reserva natural é definida pelo território das ilhas e pelos fundos marinhos até à batimétrica dos 1000 m.” O limite exterior da reserva natural foi reduzido à linha dos 200 m de profundidade, pelo dec. regional n.º 11/81/M, de 15 de maio, tendo uma área total de 9455 ha, em conformidade com a resolução n.º 1408/2000, de 19 de setembro. Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º estabelecia que na área da Reserva Natural das Ilhas Selvagens eram proibidos: “g) A colheita de material geológico ou arqueológico ou a sua exploração sem autorização do Governo Regional; h) A caça submarina; i) A pesca de arrasto e outras artes que colidam com o fundo até à batimétrica fixada pela reserva, ressalvando-se as artes de anzol e rede”. Em conformidade com o art. n.º 11, com a epígrafe “atividades condicionadas” do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. Pelo edital n.º 15/2011, de 29 de novembro, da Capitania do Porto do Funchal, está “interdita toda a atividade de pesca na faixa litoral das Ilhas Selvagens até à batimétrica dos 200 (duzentos) metros, por período indeterminado”, em razão da “suspeita da eventual presença de uma microalga produtora de uma biotoxina suscetível de provocar alterações ao nível da saúde humana”. As Ilhas Selvagens são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Selvagens, com uma extensão de 124.530 ha), estando inscritas na categoria 1.a de gestão de áreas protegidas da União Internacional da Conservação da Natureza como “área de reserva natural integral gerida prioritariamente para fins de pesquisa científica, assegurando que os habitats, ecossistemas e as espécies nativas se mantenham livres de perturbação, tanto quanto possível”. A Reserva Natural das Ilhas Desertas foi criada pelo dec. leg. regional n.º 14/90/M, de 23 de maio, como Área de Proteção Especial das Ilhas Desertas, sendo posteriormente o seu estatuto jurídico alterado pelo dec. leg. regional n.º 9/95/M, de 20 de maio. Nos termos do art. 2.º, a Reserva Natural das Ilhas Desertas é “delimitada pela linha batimétrica dos 100 m em volta das Ilhas Desertas, incluindo todas as suas ilhas e ilhéus e a respetiva área marítima”, tendo uma área total de 9455 ha (em conformidade com a informação disponível no Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens). Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º, após as alterações introduzidas pelo segundo dos diplomas antes citados, estabelece que nos locais a sul “do marco geodésico da doca e da Ponta da Fajã Grande, nela se incluindo o ilhéu Chão” são proibidos: “a) A pesca comercial e a pesca sem fins comerciais, designadamente a desportiva; b) A prática de caça submarina; e c) A colheita de exemplares vegetais e animais, exceto para fins científicos, desde que devidamente autorizada; e d) O acesso de pessoas e embarcações, salvo as que hajam sido autorizadas e credenciadas pelo Parque Natural da Madeira”. Em conformidade com o art. 5.º, na sua versão alterada, aplicável a toda à área protegida, é ainda proibido: “a) O uso de artes de redes de emalhar, cercar e arrastar, com exceção das que são empregues na captura de isco vivo; (…), c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e e) A prática de caça submarina”. Em conformidade com o art. 11.º, com a epígrafe “atividades condicionadas”, do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Desertas, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. As Ilhas Desertas são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Desertas, com uma extensão de 76.462 ha). A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo foi criada pelo dec. leg. regional n.º 32/2008/M, de 11 de agosto. Nos termos do n.º 1 do art. 2.º, é “constituída pela parte terrestre de todos os seus ilhéus e pelas zonas marinhas circundantes do Ilhéu da Cal ou de Baixo e do Ilhéu de Cima, incluindo a zona onde se encontra afundado o navio O Madeirense”, sendo ainda acrescentado no número seguinte, relativamente às áreas marítimas, que integra, em conformidade com a alínea b) a “área marinha limitada a oeste pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 315º a partir da extremidade oeste da Ponta do Focinho do Urso, a sul pela batimétrica dos 50 m, a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e a este pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 135º a partir do enfiamento do Pico de Ana Ferreira” e, nos termos da alínea c), pela “área marinha limitada a oeste pelo azimute verdadeiro 160º a partir da extremidade oeste do Porto de Abrigo, a sul e este pela batimétrica dos 50 m e a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e pelo azimute verdadeiro 90º a partir da Ponta das Ferreiras”. Em toda a área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo, em conformidade com o n.º 1 do art. 5.º, é interdito: “a) O exercício da pesca para fins comerciais, exceto a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos (…); b) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; d) A instalação de condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e) A extração de areias ou de outros recursos geológicos; f) As atividades náuticas, com exceção das necessárias ao exercício das atividades autorizadas […]; g) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas ou não a medidas de proteção legal ou efetuar outras atividades intrusivas ou perturbadoras do seu desenvolvimento”. Em contraponto, no art. 6.º, relativo a “atos ou atividades sujeitos a autorização”, está previsto que, desde que devidamente autorizados pela entidade gestora, são permitidos: “a) A pesca marítima sem fins comerciais ou lúdica, com exceção do Ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca (…); b) A apanha de lapa e caramujo no calhau; c) O mergulho de escafandro; d) Caça submarina, com exceção da área do ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca; (…); e f) As atividades marítimo-turísticas (…) que não sejam suscetíveis de pôr em risco a proteção ambiental da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo”. O n.º 3 do artigo citado ainda prevê que é “permitida a travessia de embarcações pelos boqueirões do Ilhéu de Cima e do Ilhéu de Baixo ou da Cal, incluindo a passagem, com esse fim, das respetivas áreas da Rede de Áreas Marinhas Protegidas de Porto Santo”. O n.º 3 do art. 7.º determina que “poderá ser dada prioridade às comunidades locais dependentes da pequena pesca” quando sejam “estabelecidas condições específicas para o exercício da pesca lúdica e para a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos”. Os Ilhéus do Porto Santo são uma área classificada de Zona Especial de Conservação. No que concerne especificamente ao espaço marítimo, importa realçar que uma adequada compreensão do regime jurídico aplicável às AMP implica que tenham em consideração três questões de natureza jurídico-internacional, na medida em que os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos mares e nos oceanos não são equivalentes aos poderes de soberania que os Estados exercem no âmbito do seu território terrestre, em razão de estes serem por natureza exclusivos e excludentes. Em primeiro lugar, deve ser posto em destaque que os mares e os oceanos, apesar da sua unidade física, estão divididos em espaços marítimos com estatutos jurídico-internacionais diferenciados. Em termos gerais, importa distinguir entre espaços marítimos sujeitos à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros (com destaque para o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental) e os espaços marítimos internacionais (alto mar) ou com um regime jurídico de internacionalização (Área). Os poderes dos Estados variam em função dos espaços marítimos em questão, pelo que a apreciação de qualquer comportamento levado a cabo por um Estado ou pelos seus nacionais, seja pelo Estado costeiro, seja por terceiros Estados, importa uma prévia localização geográfica no espaço em que ocorrem. Daqui resulta que as referências às batimétricas nas zonas marítimas abrangidas pelas AMP na RAM, como forma de delimitação das áreas especialmente protegidas do ponto de vista ambiental, não tenham de estar necessariamente compatibilizadas com os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos espaços marítimos sob a sua soberania ou jurisdição, tendo em consideração os diferentes poderes que são reconhecidos aos Estados nas águas interiores, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental. Em segundo lugar, importa salientar que a atuação dos Estados nos mares e nos oceanos se encontra genericamente enquadrada pelo princípio da liberdade dos mares, em conformidade com o qual todos os Estados, sejam ou não costeiros, podem prosseguir atividades nos diferentes espaços marítimos, sujeitos às limitações que decorrem do direito internacional. As utilizações específicas que podem ser prosseguidas pelos diferentes Estados e pelos seus nacionais estão dependentes do espaço marítimo em questão, mas a ideia básica que subjaz à atuação nos mares e nos oceanos é a de conciliação entre os diversos usos possíveis. Assim, a título de exemplo, embora os Estados costeiros exerçam poderes muito alargados no mar territorial, com a extensão máxima de 12 milhas marítimas (ou milhas náuticas, equivalentes a cerca de 22,22 km), os navios com a bandeira de terceiros Estados podem circular pelas suas águas ao abrigo do direito de passagem inofensiva, sem a necessidade de obterem a anuência ou a autorização desses Estados (arts. 17 a 19 da CNUDM). Finalmente, em terceiro lugar, deve ser tido em consideração que, salvo em situações muito circunscritas, como a colocação de instalações para a exploração de petróleo ou de gás natural ou a construção de ilhas artificiais, os usos dos mares e dos oceanos são temporários e prosseguidos por navios. Daqui decorre a necessidade de se autonomizar os usos que estão reservados para os Estados costeiros, nos casos em que estes tenham lugar num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros, como nos casos do mar territorial, das zonas económicas exclusivas ou das plataformas continentais, e daqueles outros usos, como a navegação, que constituem uma prerrogativa de todo e de qualquer Estado, seja ou não um Estado costeiro, podendo ser prosseguidos em qualquer lugar, com a exceção das águas interiores do Estado costeiro. A necessidade de ser respeitada a liberdade de navegação dos navios com o pavilhão ou bandeira de um terceiro Estado é particularmente relevante em algumas das AMP existentes na RAM, em razão da sua dimensão, com particular destaque para a Reserva Natural das Ilhas Selvagens.   Fernando Loureiro Bastos (atualizado a 14.12.2016)

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aluviões

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o termo “aluvião” pode significar inundação muito grande, grande cheia ou enxurrada. Este é o significado atribuído na ilha da Madeira. A rede hidrográfica da Madeira, composta por ribeiras que se desenvolvem da cordilheira montanhosa central para a costa, em vales profundos, estreitos e de declive acentuado, com regime de escoamento intermitente e torrencial, quando associada a eventos de precipitação intensa dá origem a inundações repentinas designadas por aluviões, correntes de detritos ou debris flow. Estas cheias caracterizam-se por concentrações elevadas de material sólido, incluindo blocos de grandes dimensões, que conferem ao escoamento um enorme poder destrutivo. As características geológicas e geomorfológicas das bacias hidrográficas, e das respetivas ribeiras, potenciam a ocorrência de fluxos muito significativos de materiais sólidos, os quais constituem o componente mais perigoso das aluviões. Esta produção de sedimentos é desencadeada pela ação da precipitação e da consequente ocorrência de escoamentos líquidos que mobilizam grandes quantidades de material sólido com elevado potencial geomórfico. A produção dos fluxos de material sólido resulta de diferentes processos, tais como a erosão distribuída nas vertentes, a erosão em sulco e ravinamento, movimentos de massa, e a erosão fluvial nos fundos e margens dos leitos das ribeiras. Segundo a bibliografia, ocorreram no arquipélago da Madeira, desde o início do séc. XVII até 2013, 42 aluviões de intensidade significativa, constituídas por cheias rápidas e violentas com transporte de concentrações elevadas de material sólido. É de destacar, neste contexto, o ano de 1803, no qual se verificaram inundações catastróficas em toda a Ilha, particularmente na região sudeste, entre o Funchal e Machico, tendo perecido cerca de 1000 pessoas. Em consequência desta aluvião, as ribeiras da cidade do Funchal foram canalizadas, sob a direção do Brig. Reinaldo Oudinot, entre 1804 e 1806, continuando uma considerável extensão desta obra a cumprir, no início do séc. XXI, a sua função de canalização dos cursos de água. Já no séc. XXI, merece destaque o dia 20 de fevereiro de 2010, em que, na sequência de um prolongado período chuvoso na ilha da Madeira, aliado a um cenário meteorológico adverso, se gerou uma aluvião excepcional que atingiu, com elevada intensidade, alguns concelhos da vertente Sul da Ilha, em particular o Funchal e a Ribeira Brava. São de lamentar 51 vítimas mortais, bem como os elevados danos materiais e a destruição de muitas infraestruturas públicas e privadas. O quadro que apresentamos (fig. 1) compila os registos históricos de aluviões ocorridas no arquipélago da Madeira entre o início do séc. XVII e o ano de 2013, e as suas principais consequências. [table id=75 /] Sucessivos eventos da mesma natureza têm ocorrido por toda a ilha da Madeira desde o início da sua história geológica, há cerca de sete milhões de anos, até a atualidade. Testemunhos de fluxos concentrados ou torrentes de escoamento bifásico com uma fase sólida muito abundante são visíveis em todos os complexos vulcânicos que constituem a Ilha. Como diz Susana Nascimento, “trata-se de espessos depósitos de enxurrada, bastante compactados e cimentados que se encontram intercalados nos complexos vulcânicos. [...] Formado em clima caracterizado por abundantes e concentradas chuvadas, estes depósitos conglomerático-brechóides, são constituídos por, aproximadamente, 95 % de clastos, em geral mal calibrados, com dimensões que vão, desde escassos milímetros, até cerca de 2 metros” (NASCIMENTO, 1990, 36). O fenómeno das aluviões na Madeira tem sido referenciado em vários trabalhos de carácter mais ou menos científico. Ao abordar os cursos de água da ilha da Madeira, Eduardo Pereira, em Ilhas de Zargo, sublinha a quase ausência de caudal das ribeiras na estação do verão, sendo que no inverno “crescem torrencialmente, transbordam das margens e arrastam das montanhas toneladas de penedos, rolando-os e batendo uns contra os outros num ruído sinistro e aterrador, ao mesmo tempo que arrebatam terrenos de cultura, derrubam pontes e chegam por vezes a causar enormes prejuízos em habitações, pessoas, terras e animais” (PEREIRA, 1989, I, 283) Orlando Ribeiro, ao comentar o regime das águas na ilha da Madeira, refere algumas “inundações catastróficas” que assolaram a Ilha. Tais calamidades estão associadas a “chuvas excepcionais [...] frequentemente desastrosas, que enchem as ribeiras, arrastam blocos com algumas centenas de quilos, destroem pontes, danificam casas, inundando a parte baixa das aglomerações situadas à beira-mar, e pondo em perigo bens e pessoas” (RIBEIRO, 1985, 33). Merece ainda destaque a descrição feita por Cecílio Silva de um cenário de aluvião num texto intitulado “Eu Tive Um Sonho”, publicado no Diário de Notícias da Madeira. Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da ilha da Madeira, nomeadamente da região a norte do Funchal, que constitui a cabeceira das bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para a capital, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma dessas ribeiras (Santa Luzia), o mundo dos seus sonhos, frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira, descreve: “Tive um sonho […], subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu… […] De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. […] Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. […] As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. [...] Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer…” (SILVA, DN, 13 jan. 1985). O impacto que as aluviões têm no imaginário coletivo dos madeirenses é por demais evidente, ou não fossem estas um dos principais perigos naturais que os habitantes da Ilha enfrentam, sendo responsáveis pela maioria dos prejuízos, humanos e materiais, provocados por catástrofes desde o início da ocupação humana.   Susana Prada Celso Figueira (atualizado a 14.12.2016)

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