Mais Recentes

heer, oswald

Oswald Heer (1809-1883), geólogo e botânico suíço, especializou-se no estudo de fósseis. Por motivos de saúde, Heer passou um inverno na Madeira e, como resultado dessa estadia, publicou um artigo onde descreve fósseis das plantas de São Jorge. Heer nasceu na Suíça a 31 de agosto de 1809 e passou a maior parte da sua juventude no cantão de Glarus, onde seu pai era pastor luterano. Em 1828, começou os estudos de Teologia e História Natural na Universidade de Halle e foi ordenado pastor em 1831, embora deixasse esta profissão pouco depois, para se dedicar exclusivamente às ciências. Em 1834, começou a trabalhar como professor de Botânica na recém-fundada Universidade de Zurique e, nesse ano, fundou o herbário dessa instituição. Em 1855, quando o Politécnico de Zurique foi fundado, Heer ocupou o cargo de professor de Botânica, que exerceu até ao fim da sua vida. Em 1845, funda a Sociedade de Agricultura e Horticultura de Zurique e, durante muitos anos, foi membro do Grande Conselho dessa cidade. Os seus primeiros trabalhos científicos foram dedicados à entomologia, embora depois se dedicasse quase exclusivamente ao estudo de fósseis. Publicou numerosos artigos nessa área, mais de 70, entre eles, a descrição da flora fóssil da Suíça, do Ártico, Gronelândia, e de algumas partes de Inglaterra, do Canadá e da Ásia. Heer tinha problemas pulmonares e, por esse motivo, passou o inverno de 1854-1855 na ilha da Madeira. Após esta viagem, publicou alguns artigos sobre os fósseis da ilha: “Über die fossilen pflanzen von St. Jorge in Madeira” e “Contributions à la flore fossile du Portugal”, incluindo uma discussão sobre a origem da flora e fauna da Madeira, dos Açores e das Canárias: “On the probable origin of the organized beings now living in the Azores, Madeira, and the Canaries”. Oswald Heer ganhou a medalha Wollaston em 1874 e a medalha Real em 1877 pela sua contribuição para o conhecimento das plantas fósseis da Europa e do Ártico e pelas suas teorias sobre a relação entre o clima e a origem da flora no período terciário. Morreu em Lausanne, na Suíça, a 27 de setembro de 1883. Obras de Oswald Herr: “On the probable origin of the organized beings now living in the Azores, Madeira, and the Canaries” (1856); “Über die fossilen pflanzen von St. Jorge in Madeira” (1857); “Contributions à la flore fossile du Portugal” (1881).   Pamela Puppo (atualizado a 23.02.2018)

Personalidades Geologia

henriques, manuel antónio de azevedo

Manuel António de Azevedo Henriques foi um escritor madeirense nascido no séc. XVIII, natural do Funchal, mais concretamente da freguesia de São Pedro, que residiu na R. dos Murças ou das Mercês (o registo manuscrito da certidão de casamento não desfaz a dúvida). É filho de Silvestre de Azevedo e de Maria da Fé, que se casaram em São Pedro a 24 de junho de 1733. Seu avô paterno é António de Azevedo Henriques, que se casou na igreja de S. Bartolomeu, com Maria da Silva, estando este casamento registado na paróquia da Sé, como tendo ocorrido no mês de maio de 1709. Manuel António de Azevedo Henriques casou-se na paróquia de São Pedro com Juliana Rosa Joaquina, no dia 27 de novembro de 1784. O seu registo de casamento não contém o apelido Henriques, mas a probabilidade de se tratar do autor madeirense é muito grande. No âmbito literário, Manuel António de Azevedo Henriques destacou-se por ter escrito a obra Reino de Deus, ou Reino de Portugal, Panegírico Funchalense, Oferecido aos muito Altos, etc. Reis Fidelíssimos D. Maria I e D. Pedro III. O opúsculo, publicado em Lisboa em 1778, é constituído por 47 páginas e dividido em 4 partes. Na primeira parte, o autor debruça-se sobre as razões da aclamação da Rainha D. Maria I; na segunda, aborda a fundação de Portugal; na terceira parte, descreve a ascendência do casal real, continuando este mesmo assunto na quarta parte. Esta obra do autor madeirense foi uma prenda ao casal real, que tinha subido ao trono no ano anterior à sua publicação (1777). Nesse mesmo ano, segundo o Catálogo da Colecção de Miscelâneas, da Universidade de Coimbra, Manuel António de Azevedo Henriques terá assinado a protestação do epitalâmio de José de Assiz de Mascarenhas, conde de Óbidos e conde de Palma, meirinho-mor do reino, e de Helena Maria Josefa Xavier de Lima, condessa de Óbidos. Azevedo Henriques terá oferecido este opúsculo de 15 páginas, publicado em Lisboa, ao conde de Óbidos. Há ainda uma terceira obra, atribuída a Manuel António de Azevedo Henriques por Brito Aranha, o autor que continuou e completou os estudos de Inocêncio Francisco da Silva no Dicionário Bibliográfico Português. Segundo o estudioso, o escritor madeirense terá ainda redigido um extenso poema de 45 páginas intitulado Nova Historia do Pastor Desenganado ou Fileno Arrependido. O texto encontra-se dividido em 3 partes consoante a sua estrutura estrófica: a primeira, de 15 páginas, organiza-se em oitavas rimadas; a segunda, com 14 páginas, em sextinas; a terceira, com as restantes 16 páginas, contém estrofes de 7 versos. Há, no entanto, divergências quanto ao subtítulo da obra, a versão de 1811, supostamente a original, indica que a obra foi “moralizada em várias sentenças e autoridades, etc. Para utilidade e espelho dos mancebos e exemplos das donzelas”, enquanto a versão de 1874, presumivelmente uma reedição póstuma, apenas refere que a obra foi “moralizada com várias sentenças das divinas e humanas letras”. Pouco mais se conhece do perfil biográfico e literário de Azevedo Henriques, cuja obra terá sido difundida por via oral e tradicional, em folhetos de cordel, mas pode depreender-se que terá vivido algum tempo em Lisboa, onde desenvolveu parte da sua atividade literária e onde se terá movimentado nos ambientes da corte e da nobreza da época. Obras de Manuel António Azevedo Henriques: Reino de Deus, ou Reino de Portugal, Panegírico Funchalense, Oferecido aos muito Altos, etc. Reis Fidelíssimos D. Maria I e D. Pedro III (1778); Nova Historia do Pastor Desenganado ou Fileno Arrependido (1811).   João Carlos Costa (atualizado a 23.02.2018)

Literatura Personalidades

herédia, família

António de Herédia (c.1560-1624), o primeiro deste apelido que chegou à Madeira em 1602, natural de Ávila, Castela, entrou em Portugal com o exército do duque de Alba em 1580. “Os deste apelido procedem de D. António de Herédia, o primeiro que passou a esta ilha da Madeira em 1602” (CLODE, 1952, 167). Foi capitão, depois comandante da companhia do presídio castelhano e, mais tarde, governador substituto. Morreu em 12 de março de 1624. “Casou com D. Ana de Cuebas, natural das Ilhas Canárias e filha de D. José de Estupinga e Cuebas, espanhol nobilíssimo” (Id., Ibid.). A guarnição espanhola foi muito contestada na Madeira, mas “os seus descendentes acabaram por se ligar às mais importantes famílias nobres locais, originando uma linhagem muito poderosa e contestatária dos poderes administrativos” (VERÍSSIMO, 2000, 157). Francisco Corrêa Herédia (1793-1880), avô paterno do visconde da Ribeira Brava, pertenceu ao Conselho de Sua Majestade, foi deputado pela Madeira nas sessões legislativas de 1842 e 1845 e presidente da Junta Governativa que se organizou na ilha da Madeira aquando do movimento da Maria da Fonte; foi também presidente da Câmara do Funchal e governador civil interino. Casou-se com sua prima coirmã, Ana Margarida de Bettencourt Acciaiuoli e Sá Escórcio Drumond, e tiveram, entre outros filhos, António Corrêa de Herédia (1822-1899), “notável jornalista e polemista, assim como uma das importantes figuras depois da Regeneração. Exerceu inúmeros cargos públicos como presidente da câmara do Funchal, procurador à Junta Geral, secretário-geral e governador interino do Funchal, diretor das alfândegas do Funchal, do Porto e de Lisboa, assim como diretor-geral das alfândegas. Representou a Madeira nas sessões legislativas de 1857 a 1858, 1858 a 1859 e 1865 a 1868” (CARITA, 2008, 123). Casou-se com Ana de Bettencourt e tiveram Ana Amélia de Herédia e Francisco Correia de Herédia, agraciado com o título de visconde da Ribeira Brava (em decreto de 4 de maio de 1871), o qual, depois da abolição dos títulos nobiliárquicos, passou a chamar-se Francisco Correia de Herédia Ribeira Brava. Francisco Correia de Herédia nasceu na Ribeira Brava (Madeira) a 2 de abril de 1852 e faleceu em Lisboa, a 16 de outubro de 1918, assassinado durante a “leva da morte” no consulado de Sidónio Pais. Casou-se em Lisboa, em 1867, com Joana Gil de Borja de Macedo e Menezes, natural de Beja, nascida em 8 de abril de 1851 e falecida na Madeira em 4 de setembro de 1925. Notável sportsman, em particular na esgrima e no tiro, foi extraordinário promotor da prática desportiva na Madeira, transmitindo essa apetência aos seus descendentes. Foram seus filhos António Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia de Herédia (1872-1966), natural de Miragaia, Porto, casado em Lisboa a 19 de maio de 1899 com Alice de Oliveira Guedes (1876-1943), com quem teve Josefina Guedes de Herédia (1900-1987) e António Guedes de Herédia (1901-1997), atleta olímpico em Amesterdão (1928), Berlim (1936) e Londres (1948); Francisco Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia de Herédia (1873-?), s.g.; e Sebastião Sancho Gil de Borja de Macedo e Menezes Correia Herédia (1876-1958), que nasceu em Lisboa, tendo vivido largos anos na Madeira, onde foi governador civil. Exímio atleta em ciclismo e em esgrima, este último é considerado a primeira figura do olimpismo madeirense; atleta olímpico em Amesterdão (1928), nasceu no Porto, casou-se com Maria d’Assumpção Garcia de Freitas Branco (1875-1953), de quem teve Sebastião de Freitas Branco Herédia (1903-1983), atleta olímpico em Amesterdão (1928), onde, curiosamente, também se encontrava o pai, e em Los Angeles (1932), em pentatlo moderno; Maria Luísa de Freitas Branco de Herédia (1905-1961), s.g., uma das primeiras mulheres portuguesas a integrar uma comissão técnica do COP e defensora da participação desportiva das mulheres; Joana de Freitas Branco de Herédia (1907-2003), s.g., Ana de Freitas Branco de Herédia (1910-?), s.g., e José de Freitas Branco de Herédia (1916-1993). Descende desta família D. Isabel de Castro Curvello Herédia (casada com D. Duarte Pio de Bragança), filha de Jorge de Herédia e neta de Sebastião de Freitas Branco Herédia.   Francisco J. Fernandes (atualizado a 01.02.2018)    

História Económica e Social Personalidades

hinton, henry calverley

Grande industrial e benemérito, Henry Hinton nasceu no Funchal a 8 de janeiro de 1857 e foi batizado a 8 de março desse ano, na igreja inglesa. Era filho de William Hinton (1817-1904), radicado naquela urbe, de forma definitiva, em 1841, e de Mary Wallas, filha de Roberto Wallas, que fora proprietário de uma fábrica de moagem sita ao Torreão, freguesia de Santa Luzia, Funchal. Após concluir os estudos em Inglaterra, Henry, cujo nome surge frequentemente grafado como Harry, fixou a sua residência na ilha da Madeira. Casou-se duas vezes: a primeira, com Henriette Wilhelmina Montgomery, filha de Henry Montgomery e viúva de Charles George Henry Cadogan; e a segunda, com Isabel da Câmara e Vasconcelos do Couto Cardoso (1872-1945), filha do morgado Luís de Vasconcelos e Couto Cardoso de Bettencourt e de Ifigénia Meneses da Câmara Bettencourt Noronha de Vasconcelos. Isabel fora casada com John Frothigham Welsh, de quem enviuvara e de quem teve um filho, George Welsh, indivíduo que Henry Hinton, por não ter filhos, viria a fazer seu herdeiro. Por morte do pai, Henry herdou a fábrica de açúcar do Torreão, fundada em 1845, assumindo a direção da firma William Hinton & Sons, com sede no Funchal. Nos anos seguintes, conferiu grande desenvolvimento ao referido estabelecimento fabril, que se tornou o maior complexo industrial da Madeira. Além de ter ampliado consideravelmente as instalações, que possuíam um laboratório de análises, e de ter adquirido maquinaria moderna, introduziu métodos destinados a retirar o maior partido da matéria-prima, a saber, os sistemas patenteados Hinton-Naudet e Hinton-Marsden, sendo o primeiro destinado a obter o máximo de sacarose e o segundo a melhorar a trituração da cana. Entre 1895 e 1919, deteve o monopólio do fabrico do açúcar e do álcool na ilha da Madeira, o que originou uma ampla discussão no Parlamento e na imprensa periódica. Esse regime de privilégio, concedido por intermédio de várias leis e decretos, deu origem à famosa “questão Hinton”. Em 1945, Henry empregava na Fábrica do Torreão 680 operários e trabalhadores e celebrava o primeiro centenário do estabelecimento. O empreendedor adquiriu outras fábricas e expandiu os seus negócios a diferentes territórios, designadamente Angola, onde viveu parte considerável da sua vida e onde foi fundador e principal acionista da Sociedade Agrícola de Cassequel. Esteve ainda ligado à criação de gado e produção de leite, à cultura da banana da Madeira e, durante alguns anos, ao fabrico de tabaco, por intermédio da Empresa Madeirense de Tabaco, fundada em 1913. Amante e entusiasta do desporto, foi protetor e benfeitor dos clubes Sport Marítimo, Futebol União, Desportivo Nacional e Sporting da Madeira. De resto, esteve ligado à introdução e ao desenvolvimento do futebol em Portugal, tendo levado para a Madeira uma das primeiras bolas de futebol, em 1875, ano em que terão sido dados os primeiros pontapés no campo da Achada, na Camacha, freguesia do concelho de Santa Cruz, circunstância que, em 1948, levou a comissão administrativa daquele município a deliberar erigir um monumento para perpetuar a memória da efeméride. Nos anos 20 do séc. XX, patrocinou a Taça Hinton, competição que opunha o campeão regional a uma equipa constituída pelos melhores atletas das restantes equipas. Apoiou de forma particular o Club Sport Marítimo, instituição que o nomeou seu presidente honorário e, em 1942, o distinguiu como Sócio de 1ª Classe Leão de Ouro, galardão nunca antes atribuído. Figura grada local, doou avultadas quantias a obras assistenciais, tendo auxiliado a construção do preventório de assistência aos tuberculosos de S.ta Isabel; o Hospital Sanatório Dr. João de Almada; e o hospital administrado pela Santa Casa da Misericórdia do Funchal. Contribuiu ainda para a reconstrução e o embelezamento de templos católicos, sendo paradigmática a oferta de um relógio à igreja de S.to António do Funchal, no âmbito das obras realizadas naquele espaço entre 1922 e 1928, e a compra, o restauro e a despesa com o culto religioso da capela da Consolação, a expensas de sua segunda mulher, Isabel. Interessado pela história e cultura da Madeira, adquiriu e colecionou diversas obras literárias sobre o arquipélago, que passaram para o acervo da Biblioteca Municipal do Funchal. Além da livraria, enriqueceu o espólio do Museu Municipal, oferecendo a esse espaço museológico uma espada que se julgava ter pertencido a João Gonçalves Zarco, que comprara à família Cossart. O gosto por artefactos históricos levou-o a restaurar, na traça original, a chamada Janela de Colombo, que colocou na sua Qt. da Palmeira, propriedade onde recebeu diversas personalidades nacionais e estrangeiras, entre as quais D. Carlos I, Rei de Portugal (1889-1908), de quem era particular amigo, Alberto I, príncipe do Mónaco (1889-1922), Nicolau Maximiliano, 4.º duque de Leuchtenberg, e Luís Amadeu de Saboia, duque de Abruzos. Figura controversa, Henry Hinton foi alvo de admiração e estima mas também de crítica e sátira, como comprovam as caricaturas publicadas no trimensário Re-nhau-nhau. Acrescente-se que, nos alvores da república, determinada imprensa e membros do Parlamento o apresentavam como um manobrador; a propósito, em 1915, o diretor da Polícia de Investigação Criminal de Lisboa pretendeu obter informações sobre a sua relação com o ministro José Relvas. Sem prejuízo, deteve um papel significativo na sociedade e na economia madeirenses, sobretudo devido ao desenvolvimento e impulso conferido à indústria sacarina. Em 1934, o Governo português, em reconhecimento da sua ação, condecorou-o com o grau de comendador da Ordem de Cristo e, em 1939, com o de grande oficial da Ordem de Mérito Industrial. Por seu turno, em 1947, recebeu do monarca inglês o grau de oficial da Ordem do Império Britânico. Henry Hinton faleceu às 23.00 h do dia 16 de abril de 1948, aos 91 anos, sem geração. O funeral, realizado às 16.00 h do dia seguinte, contou com a presença de diversas autoridades civis e militares, tais como José Leite Monteiro, governador de distrito interino, e Ernesto Honorato Ferreira, em representação da Câmara Municipal do Funchal. Estiveram presentes delegações dos bombeiros madeirenses, dos bombeiros municipais, dos alunos da Escola de Artes e Ofícios e, outrossim, um número elevado de funcionários da Fábrica do Torreão. Os seus restos mortais foram conduzidos ao cemitério Britânico, ficando depositados no jazigo de família. Em sinal de pesar, diversos estabelecimentos comerciais e industriais funchalenses conservaram as suas portas semicerradas, enquanto a Associação Comercial do Funchal e os clubes Sport Marítimo, Futebol União, Desportivo Nacional e Sporting da Madeira colocaram as respetivas bandeiras a meia haste.   Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 01.02.2018)

Personalidades

pesos e medidas

Compete à metrologia a definição dos padrões de medida e da tecnologia de medição. Esta surge como uma imprescindibilidade do sistema comercial e a sua uniformização sobrevém da necessidade de facilitar tal sistema. Apresenta-se uma análise e uma comparação das diversas medidas e pesos usados na Ilha e considera-se a intervenção das autoridades no sentido de evitar a fraude. Palavras-chave: Medidas; Pesos; Metrologia.   Compete à metrologia a definição dos padrões de medida e da tecnologia de medição. Esta é uma imprescindibilidade do sistema comercial e a sua uniformização sobrevém da necessidade de facilitar tal sistema. O primeiro passo foi dado pela França, em 1771, ao aprovar o sistema métrico que, depois, foi aprovado pelos demais países. Em 1867, foi criado em Paris o Comité de pesos, medidas e moeda, com o intuito de aperfeiçoar a uniformização da metrologia mundial, de que se destaca, do ano de 1875, a Convenção do Metro, assinada por 17 países, e que seria atualizada em 1960. Em Portugal, a primeira tentativa de unificação da metrologia aconteceu no reinado de D. Pedro I. Então, as Cortes de Elvas de 1361 estabeleceram a alna, em lugar do côvado, como medida para os panos; o côvado para as distâncias em geral; e o almude para o vinho. A reforma manuelina permitiu que, em 1499, todos os concelhos fossem fornecidos de novos padrões e de cópias dos padrões reais. Diz-se que D. Manuel ofereceu, em 1499, ao senado de Machico, um jogo de pesos-padrão; na verdade, o rei terá mandado distribuir os padrões dos pesos por todos os municípios, incluindo, os municípios madeirenses. Os pesos-padrão ficavam guardados na Câmara, numa arca com duas chaves, sendo uma para o afilador e outra para o procurador do concelho ou vereador. Ficou por fazer a reforma das unidades dos volumes para os secos (cereais), o azeite e o vinho. Em 1575, no reinado de D. Sebastião, deu-se a reforma das unidades de volume, ficando proibido o coágulo e sendo executadas todas as medidas de volume por rasura. Coube a D. João VI adaptar os sistemas de unidade ao princípio decimal. Em 1814, foram estabelecidas equivalências para as unidades de volume, de comprimento e de peso, e designados novos padrões, de acordo com protótipos franceses que foram depois distribuídos aos concelhos. Em 1828, fizeram-se estudos comparativos sobre os pesos e as medidas, a cargo dos oficiais do corpo de engenharia, constituído, no Funchal, por a Manuel Gregório Moniz, Luís da Costa Pereira e João Peres Telo de Vasconcelos. Todavia, o sistema métrico decimal só viria a ser adotado em 13 de dezembro de 1852. Pela reforma de 1865, estabeleceu-se um peso e uma medida comum em território nacional. Até então existiam diversas formas para estabelecer as medidas de volume e capacidade, que obedeciam a regras locais, e essas eram diferenciadas, ainda, entre os populares e a atividade comercial. Ora, esta variedade na forma de entender a capacidade e o volume de pesos e medidas, embora quase sempre conhecidas de todos, passando de geração em geração, acabava por gerar, por vezes, situações de dolo entre os intervenientes nas operações de troca que implicavam o seu uso, ou na fiscalização das autoridades para o pagamento de direitos e impostos. Em 1868, nos tumultos que aconteceram em S. Vicente, a população atirou ao mar os pesos-padrão e outros usados nas vendas. A generalização das medidas uniformizadoras dos pesos e das medidas tardou muito em merecer a aceitação popular. Desta forma, foram sendo estabelecidas medidas punitivas para os refratários: por lei de 17 de maio de 1877 e pela portaria do Ministério das Obras Públicas de 13 de dezembro de 1867. A regulamentação em vigor em 2015 resultava das alterações acontecidas em 1990, com a publicação do dec.-lei 291/90, que adaptou o controlo metrológico ao direito comunitário. Na regulamentação das medidas, as autoridades intervêm apenas em seu favor. Competia ao município, através dos almotacés e afiladores, proceder ao afilamento das usadas para todos os atos de venda ao público, como de transporte e exportação de produtos. Alguns espaços, como o açougue, as vendas e os moinhos, eram alvo de fiscalização, por parte dos almotacés, quanto ao uso correto de pesos e medidas. Uma atenção particular era dada aos oficiais dos ofícios de carpinteiro, de tanoeiro, de chapeleiro e de barrista, os quais tinham a missão de construir recipientes para o uso de medida ou para o transporte dos líquidos e sólidos. As posturas determinavam medidas até mesmo para as panelas, as tigelas e as frigideiras, bem como a forma de medida para a venda de diversos produtos. Assim, o toucinho só poderia ser vendido ao público por arráteis e quartas; quanto aos porcos e cabras, os criadores poderiam apenas vendê-los aos quartos. As mesmas posturas insistiam na fiscalização dos pesos e das medidas para os ofícios dedicados à venda a retalho: Veja-se e.g.: “E serão obrigadas todas as pessoas que comprarem e venderem a ter os ditos pesos e medidas pela maneira declarada nos capítulos atrás, afinados, convém a saber: os pesos miúdos pelo afinador da cidade, e arroba e meia arroba afinarão e cotejarão na Câmara com o Padrão, e isto se entenderá em toda a pessoa de qualquer qualidade que seja, assim lavradores de açúcar como mercadores, sob pena de 2000 réis, e poderão ser demandados pelo engano, e os pesos grandes bastarão pelo mês de janeiro de cada ano” (SOUSA, 1 maio 1949, 199). O município atribuía-lhes especial atenção, através das regras inscritas nos códigos de posturas, e na fiscalização assídua feita por funcionários habilitados aos espaços de venda ao público onde estes eram usados. Desta forma, eram aferidos em janeiro de cada ano e revistos semestralmente pelos afiladores. As medidas usadas poderiam ser de barro, folha e, em alguns casos, de madeira. Entre o almude de barro e o de folha havia uma diferença de duas canadas. A afilação obrigatória das medidas passou a fazer-se, desde 1484, de acordo com a forma que se fazia em Lisboa. No princípio do séc. XXI, continuava a ser da competência dos municípios a aferição dos pesos e medidas e a fiscalização dos sistemas de contagem do tempo, em que se incluem os parquímetros e os taxímetros. As demais medidas, como as bombas auto, as balanças, os manómetros e os contadores, tornaram-se uma competência da Junta Geral e, com a introdução do regime de autonomia, transitaram para os serviços de comércio e indústria. Líquidos De entre os líquidos mais importantes do quotidiano madeirense com valor económico local e de exportação, o vinho adquiria uma posição fundamental. Desta forma, a maioria dos problemas em torno das medidas de capacidade para os líquidos prende-se com este produto. A primeira medida, tomada em 1485, foi no sentido de que o mesmo só podia ser medido ou vendido ao público por almude de 13 canadas, equivalente a cerca de 20 litros, estando assim proibida outra medida, como jarras e botijas. Mesmo assim, as botijas continuaram a ser usadas na venda de outros líquidos, definindo a vereação, em 1547, que a sua capacidade deveria ser, para a de uma arroba, de 7,5 canadas, ficando a de meia arroba por 3 canadas e 3 quartilhos. O barril usado para carregar o mosto do lagar à loja no Funchal ou ao porto mais próximo era de 27 almudes, enquanto a pipa carreteira era de 12 barris de 3 almudes e 1 de 2 almudes. Pela postura de 1842, o barril do carreteiro ou de mosto, usado no transporte do vinho desde o lagar, era de 19,5 canadas. Em 1847, passou para 2,5 almudes, sendo diferente do das tabernas que tinha a medida de 2 almudes e 1 almude. Note-se ainda que a canada se diferenciava na capacidade quanto ao líquido medido. Assim, a de aguardente era de 7 canadas, enquanto a de vinho, de 14 canadas. A venda do vinho ao público só acontecia em locais autorizados, nomeadamente nas tabernas, onde estava sujeito a um controlo rigoroso, no sentido de evitar o dolo e permitir o correto valor da imposição. Assim, cada espaço deveria dispor de duas pipas, sendo uma para o branco e a outra para o tinto. A fim de evitar o engano, estava ainda condicionado o tipo de recipiente usado. Desde 1522, ficou estabelecido que a sua venda só poderia ser feita pela medida de almude, que correspondia em média a 20 litros. As posturas assinalam que a medida oficial deveria ser o galão, mas o alvará de 23 de dezembro de 1715, que estabelece o imposto sobre a aguardente, refere o almude. Por postura de 7 de dezembro de 1854, voltou-se ao galão, uma medida de líquidos equivalente a 3,5 ou 3,6 l. Outra das questões prende-se com a taxação da medida do vinho a partir de 1485, com a imposição. Em 1485, o almude passou de 12 para 13 canadas, sendo a referida canada para a imposição. Já em 1637, o almude, que era de 14 canadas, passou para 15. A imposição do vinho de 1568 foi lançada em 2 canadas por almude de 14 canadas, ou seja, a sétima parte, idêntica à do regimento de 1628, passando a pena aos infratores para 2000 reais. O vereador mais velho da Câmara era o juiz da imposição, tendo alçada sobre o feitor e o escrivão da Câmara. Os vereadores tinham ainda o encargo de fazer o assento dos preços, do dinheiro que recebiam, das pipas vazias e dos almudes restantes nas pipas já abertas que encerravam. A partir daqui, estabeleciam-se os direitos, que eram pagos aos quartéis: “Estes vinhateiros vêm pagar cada três meses o seu quartel e cada pipa que tem vinte e seis almudes se lhe dá de quebra dois almudes, e dos vinte e quatro almudes se lhes faz conta a duas canadas que pagam de cada almude à razão do preço como se vende, e assim pagam as outras pessoas que têm uma pipa, e duas são obrigadas em acabando de vender seus vinhos de vir logo pagar as imposições [...]” (VIEIRA, 2003, 206). Para a venda maior no mercado local ou para exportação, usava-se o vasilhame de madeira. O principal problema deste vasilhame prendia-se com a dificuldade em estabelecer, de forma segura, a sua capacidade. Uma das funções do tanoeiro era estabelecer a medida exacta por barril ou pipa que construísse, sendo depois o trabalho fiscalizado por um afilador, a quem competia fiscalizar. Qualquer reparo neste vasilhame obrigava a nova aferição e ao estabelecimento de uma contramarca. Mesmo assim, não era uniforme a regulação destas medidas. A medida do barril de mosto era igual na vertente sul e norte da ilha, sendo de dois almudes e meio. A mudança acontecia com o vinho depois de fermentado e limpo das borras, que tinha, no Sul, a quebra de meio almude. Ainda de acordo com o material de construção das medidas se assinalam diferenças. O barril, tanto em S. Vicente e Porto Moniz correspondia a 35 canadas; mas verificava-se que, nas primeiras localidades, o vinho era medido em canadas de folha e, no Funchal, em canadas de barro, implicando uma diferença de 2 canadas a mais no segundo caso, correspondendo as 12 canadas de folha a 14 de barro. Também existiam diferenças assinaláveis, consoante a pipa de 30 almudes fosse usada para mosto ou vinho limpo: era de 4 almudes a quebra que sucedia ao processo de trasfega e limpeza das borras e também de 4 almudes relativamente ao vinho limpo. Mas estas medidas não eram uniformes. Em Machico, a pipa era, para ambas as situações, de 10 barris de 2 almudes, não se contando a quebra do vinho limpo. Depois, diferenciava-se a chamada pipa carreteira, que permitia a circulação interna, nomeadamente entre os portos locais e o Funchal, e a de exportação, conhecida como de embarque. Em 500 litros estabelecidos para a medida de pipa, havia uma quebra de 2 litros na primeira. A partir de 1755, o Conselho da Fazenda estabelece para esta pipa de embarque a medida de 23 almudes. Anotam-se, ainda, outras medidas para a pipa, que tanto poderia ser de 389,95 litros como de 429 litros. A não uniformização do vasilhame de embarque do vinho causava graves inconvenientes na Alfândega, aquando da estimação do vinho para serem lançados os direitos. Daqui resultou a necessidade de estabelecer medidas, no sentido de pôr cobro aos inconvenientes. A Junta, por edital de 1687, ordenou o dever de marcar e assinalar todos os barris e caixões que fossem para bordo dos navios. Em 1762, o holandês Miguel Noulan carregou 10 pipas de vinho de 30 almudes, sendo considerado pela Junta com a medida corrente de 23 almudes. O cônsul inglês e os homens de negócios apresentaram um protesto, “notando o engano que experimentavam nos vinhos que compravam por pipa pela incerteza da medida delas” (VIEIRA, 2003, 372). É neste quadro que, em 1789, aparece o ofício de marcador das pipas, cuja função era controlar a medida no ato de construção das mesas pelo tanoeiro; António José Drumond Novais e Henriques foi provido neste ofício. Por provisão régia, ordenou-se ao juiz da Alfândega que levantasse o embargo e mantivesse a medida de 23 almudes, de modo a não afugentar os comerciantes e embaraçar a saída dos vinhos, de que resultaria grave prejuízo à Fazenda Real. Em 1818, retomou-se a ordem de 1687, ordenando-se que todas as pipas que se embarcassem, desde 1 de Janeiro de 1819, levassem a marca “dos galões inteiros, ficando os mesmos despachantes sujeitos a todas as penas de extravio dos reais direitos, além de se lançarem os créditos àqueles que o tiverem, no caso que por algum modo se verifique algum dolo ou malícia” (Id., Ibid.). Em abono da medida e da questão surgida em 1761, temos uma ordem de 1819 da Junta à Alfândega, autorizando os comerciantes a embarcarem vinho em diferentes vasilhas contanto que declarassem a totalidade dos almudes. Os guardas da casa do embarque deveriam seguir as recomendações, pois, caso contrário, seriam punidos com a suspensão do ofício. A medida foi um incentivo ao dolo da classe mercantil, que procurava todos os meios para escapar aos direitos. Assim o entendeu, em 1824, o juiz da Alfândega, ao notar uma diferença de 2 almudes de vinho em 18 vasilhas de embarque. Mas a Junta viu nisso um abatimento ocasional provocado pela viagem para o embarque, ordenando o despacho imediato. Paulo Dias de Almeida apresenta, na descrição da Ilha, de 1817-27, as medidas em uso para os líquidos. [table id=103 /] José Silvestre Ribeiro refere, em 1850, a pipa de mosto de 26 e 30 almudes e o barril de 2 almudes. Mas existiu ainda a pipa de 25 almudes, no Porto Santo, e a de 20 almudes, em Machico. Perante esta situação, não se tornava fácil garantir, a partir do vasilhame, uma medida correta para o vinho. A uniformização das medidas, desde 1865, conduziu ao estabelecimento de uma tabela de equivalências, onde as diferenças mais significativas aconteciam com a medida de almude em S. Vicente e Porto do Moniz (Id., Ibid., 209). [table id=104 /] A uniformização das medidas, nomeadamente as do vinho, nunca foi alcançada em pleno, persistindo até ao séc. XX diferenças na medida do barril em toda a Ilha, como se pode verificar numa relação de Eduardo Pereira de 1967: [table id=105 /] A necessidade de definir uma medida padrão, de forma a evitar o dolo, levou a que ficasse assim estabelecido o seguinte: [table id=106 /] Relativamente à agricultura, foram definidas outras medidas para a água. Enquanto a água das levadas era regulada, na sua utilização, através da contagem do tempo em horas, já para a de nascentes se estabelecem medidas populares, como telha, meia telha, um quarto de telha, ou pena, manilha, anéis, meia pena e um quarto de pena. Uma manilha correspondia a 16 anéis e cada anel a 8 penas. Em 1849, refere-se a manilha com um orifício de um palmo de circunferência. No começo do séc. XXI, estas medidas continuavam a ser usadas em locais onde não existia a distribuição de água pelos municípios, estando a cargo de particulares a sua assistência e manutenção. Esta distribuição de água mereceu muitas vezes o nome do seu proprietário, como “água do Blandy” ou “água do Spínola”. A localidade de Água de Pena veio buscar aqui a sua origem. Na documentação da Junta Geral, persistem até à década de 60 do séc. XX indicações sobre água de pena (a água distribuída de acordo com uma determinada bitola do cano) no sítio da Torre, Camacha, Caniço, Gaula, Arco da Calheta, Estreito de Câmara de Lobos, Porto Moniz, Santo da Serra, Santa Cruz, Santa Maria Maior, S. Roque, Monte, e Campanário. Sólidos As medidas de capacidade para os sólidos são usadas para medir o açúcar no engenho, bem como os cereais na eira e no moinho. Em qualquer das situações, a medida era usada e fiscalizada por forma a retirar-se o imposto. No caso do açúcar, retirava-se um quarto ou um quinto da produção em arrobas e, no dos cereais, a décima parte; o valor correspondente aos encargos com os direitos dos capitães era medido em maquias e estava a cargo do rendeiro ou maquieiro. As diferenças no alqueire andavam por vezes em 42 %. As posturas davam toda a atenção aos moinhos, determinando que o moleiro deveria ter “alqueire e meio alqueire e de dois e três e do mais que nelas couber, afiladas pelo afilador da cidade, e assim maquia e meia maquia” (SOUSA, 3 abr. 1949, 167). Aqui, o peso era feito no momento da entrega do cereal e conferido, depois, com o retorno da farinha. No caso de falta verificada pelo pesador, o moleiro deveria prover a diferença, tendo para o efeito uma caixa ou alcofa com farinha disponível. As carreteiras que levavam a farinha a seus donos faziam-no a peso. O pão era, depois, feito nos fornos para venda ao público, tendo uma medida estipulada: “Quem amassar para a praça fará pão de real e de dois réis [...] e isto de trigo de 100 réis para baixo, e sendo o trigo de 100 réis para cima farão pão de 2 réis e de 4 réis [....]” (Id., 20 fev. 1949, 127). Em 1738, as posturas definem outra medida para o pão: assim, o pão alvo deveria pesar 32 onças e 1 oitava; 24 onças e meia, 12 onças e 2 oitavas e 16 onças e meia oitava. A partir de 1852, passou a usar-se o sistema métrico decimal. Deste modo, em 22 de junho de 1855, a Junta Geral define os pesos de venda do pão ao público em 1000 g, 800 g, 500 g, 400 g, 325 g, 250 g e 65 g. Desta forma, vemos, nas posturas de Câmara de Lobos para 1839, que as casas de amassar pão deveriam ter medidas, pesos e balanças. A medida para o açúcar era a arroba, que se dividia depois em arráteis, quartas, quintais, libras e onças. Já para o mel, o remel, as escumas e as rescumas, que se apresentavam sob a forma líquida, as medidas eram o almude, o barril e a pipa. Para a marmelada e as conservas, utilizavam-se as bucetas. O açúcar era muitas vezes contabilizado em pães, cujo fabrico se fazia em formas, de acordo com uma bitola estabelecida. Para o transporte da cana, usava-se como medida o feixe, e o valor estimado da moenda de um engenho, no séc. XVI, era de uma tarefa, isto é, 480 arrobas de cana. No Brasil, o pão tinha de peso entre meia arroba e uma arroba, enquanto na Madeira, em 1501, o Rei determinou que as formas realizadas em Portugal (e portanto na Madeira) se fizessem por uma bitola, de forma a evitar danos no seu peso. Recorde-se que D. Afonso V estabeleceu um padrão, segundo o qual uma arroba correspondia a sete a oito formas. Depois, no Regimento do Rei D. Manuel I, de 27 de Março de 1501, o padrão da forma deveria ser de modo a que seis pães de açúcar correspondessem a uma arroba. O transporte dos pães de açúcar, devidamente embalados, fazia-se em caixas de madeira que podiam ter uma capacidade de 35 arrobas. Na Madeira, em 1523 e 1524, temos referência a caixas de rapadura com o valor de 7 e 10 arrobas. Esta situação perdurou até ao séc. XIX, altura em que as caixas deram lugar aos sacos de estopa. No Brasil, as caixas eram de 70 arrobas, passando, por carta régia de 24 de novembro de 1858, para o peso bruto de 40 arrobas. André João Antonil apresenta as caixas com 35 arrobas, descrevendo, também, o processo de embalagem. A caixa custava cerca de 1200 reais. e era identificada por três marcas, a ferro ardente ou a tinta, onde se informava o número de arrobas e o nome do engenho e do proprietário ou mercador. São conhecidos diversos tipos de embalagens: a caixa de encomenda usada para o transporte do açúcar mais fino, que era embalado em fechos de até 12 arrobas; o fecho, que era uma caixa média, entre o cunhete e a caixa propriamente dita, com capacidade para 12 arrobas; e o cunhete, que era uma caixa de madeira leve de menor tamanho. F. Mauro refere que, na Holanda, as caixas de açúcar vindas do Brasil e de S. Tomé tinham medidas distintas. As primeiras, que até 1609 correspondiam a 350 libras de Amsterdão (=0,49409 kg), passam nessa data para 450 libras. Já as segundas, que eram de 150 libras, passam para 50 libras. Nas Canárias, a caixa não tinha uma medida padronizada. Enquanto em Tenerife era de 16 arrobas, em Gran Canaria, a bitola era de 15 a 18 arrobas. Para além desta, assinalam-se outras medidas para embalar o açúcar: cajón = 6 arrobas, sendo de 1 a 3 arrobas quando usada na conserva; tercio de caja = 5,3 arrobas; cuarto = 4 arrobas; cajeta = 1,23 arrobas; libra = 460 gs.; pão = 5 kgs; tonelada: 4 caixas ou 2 pipas. O remel era exportado em pipas, barris, cuartos e tercios: barril: 53 l = 3,53 arrobas; pipa: 12 barris = 636 kg = 42,4 arrobas; cuarto: 23 arrobas; tercio: 30,6 arrobas; barrilete: 0,5 arrobas. Os pesos Os pesos estavam também sujeitos a fiscalização municipal, sendo estabelecidos a partir de um padrão existente nos paços do concelho, que seguia a medida dos existentes em Lisboa, trazidos com o regimento por Garcia d’Avilla. A vereação nomeava um aferidor que, juntamente com o almotacé, conferia semestralmente a fidelidade dos pesos usados no mercado público e nas lojas. Em 1505, refere-se os danos causados pelo uso dos chamados pesos novos, recomendando-se os antigos para a carne, o queijo, o toucinho e o açúcar. Recorde-se que as posturas estabeleciam ainda a proibição de fazer pesos. Também se diferenciava o tipo de pesos usados para pesar o açúcar, que eram pequenos, de arroba e arroba e meia, e tinham uma contramarca própria. Popularmente, usaram-se diversas formas de peso para os diversos produtos transacionados. Assim, para a lenha, as posturas de Câmara de Lobos referem a indicação do molho de lenha, que deveria ter 15 paus com o comprimento de 10 palmos e a grossura de 2 palmos e meio. Para os vimes, usava-se os feixes com 6 a 9 palmos de perímetro. No acervo do Museu da Cidade do Funchal, existem três conjuntos de medidas-padrão da época de D. Manuel, certamente os que o monarca terá enviado à Ilha aquando da sua revisão. Apresentam a inscrição “O muito alto e excelentíssimo rei dom Manuel o primeiro de Portugal me mandou fazer ano do nascimento de noso snor ihv xpo [Nosso Senhor Jesus Cristo] de 1499”. De acordo com a informação incluída por Rui Carita no catálogo do referido museu, os mesmos seriam oriundos dos municípios de Santa Cruz, Machico e Ponta de Sol. O acervo do museu A cidade do Açúcar, da Câmara Municipal do Funchal, dispõe de outros pesos de bronze com a marca 1732 (coroa real), 1743 (castelo), 1768 (castelo), e 1775 (coroa real). O sistema métrico O homem socorreu-se vários meios para medir a distância e o tamanho dos objetos. Assim, a medida da calçada, para pagamento de trabalhos de calcetamento, fazia-se em braças; a distância entre os locais era medida em léguas, passos e varas. O sítio da Meia-Légua, na Serra de Água, é um bom exemplo desta forma de medida popular para as distâncias, pois corresponde ao caminho entre a Ribeira Brava e a freguesia de S. Vicente. Temos ainda, para a medida de objetos e peças pequenas, a braça, a palma da mão, o palmo ou quarto, o dedo e a polegada. Já os terrenos eram medidos em alqueires e canas.   Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)

História Económica e Social

pescas

O mar é uma constante no imaginário lusíada. Foi com o mar que se cumpriu Portugal e, durante muito tempo, no dizer do poeta, o mar foi português. Isto foi dito porque os portugueses se lançaram, no séc. XV, à sua conquista, batendo as barreiras do medo que atormentavam desde a antiguidade os potenciais navegantes do Atlântico. A economia das ilhas não se resumiu aos produtos trazidos pelos colonos europeus, pois elas também dispunham de recursos marinhos e terrestres. Quanto ao primeiro aspeto, é necessário ter em conta que os insulares, pela forma de assentamento ribeirinha, se assumiram como exímios marinheiros e pescadores, tendo, por isso mesmo, extraído do mar um grande número de recursos com valor alimentar. A atividade piscatória nos principais portos e ancoradouros cativou a sua atenção pela abundância de peixe e mariscos, mas raras vezes satisfez as necessidades das populações. O Atlântico, próximo das ilhas e da costa africana, era considerado, desde a antiguidade, como um espaço privilegiado de pesca, descoberto pelos cartagineses, no séc. VI a. c.. Desta forma, aquilo que os portugueses buscavam não era só novas terras, mas acima de tudo riquezas no mar e em terra. Tenha-se em atenção, por exemplo, que os primeiros frutos do reconhecimento da costa africana estão no mar – o óleo e a pele de lobo-marinho provenientes das expedições posteriores à de 1436 ao Rio do Ouro, tal como o documenta Gomes Eanes de Zurara. Note-se ainda que alguns autores fazem eco da riqueza em peixe dos mares da Madeira, como prova a expedição que João Gonçalves Zarco fez para o reconhecimento da costa sul da ilha. Depois disso, múltiplos visitantes testemunharam essa riqueza. Cadamosto, em meados do séc. XV, refere que a ilha é rica “em garoupas, dourados e outros bons peixes” (ARAGÃO, 1981, 36). Em 1698, o governador D. António Jorge de Melo refere que “o peixe é muito bom e não caro, que remedeia muito a terra” (NASCIMENTO, 1930, 15). Em 1853, Isabella de França acrescenta a esta ideia de riqueza piscícola a descrição de alguns peixes, como a abrótea, o atum, o chicharro, o congro, o cherne, a garoupa, o pargo, a raia, o salmonete e a tainha. Diversos autores referem a abundância de peixe nas costas das ilhas. Deste modo é cada vez maior o conhecimento do peixe disponível à volta da Ilha, muito evidente na lista de A. Biddle, de 1910, e nos diversos estudos científicos que entretanto se fizeram. A área marítima definida pela costa ocidental africana, entre o Cabo Aguer e a entrada do Golfo da Guiné, era muito rica em peixe, sendo frequentada pelos vizinhos da Madeira e das Canárias, bem como pelos pescadores algarvios e andaluzes. Todavia, o balanço das capturas dos madeirenses e dos açorianos não foi suficiente para colmatar a carência dos mercados, uma vez que havia necessidade de importar peixe salgado ou fumado da Europa do norte. A descoberta do Atlântico é um ato simultâneo com a da Ilha. Os portugueses demandam a sul, à procura das terras, míticas e verdadeiras, já debuxadas nos mapas. João Gonçalves Zarco decide fazer o reconhecimento da costa madeirense: este momento merece ser referenciado, não só por ser o primeiro encontro com a costa, mas também pelas revelações que lhe permitem o batismo dos diversos acidentes da costa. Na primeira busca, conseguiu boas oportunidades de abordagem e de fixação, enquanto, na segunda, a fauna marinha move a sua atenção. Um bando de garajaus deu nome a uma ponta: a Ponta do Garajau. Os lobos-marinhos que, no dizer do cronista, “era enquanto, e não foi pequeno refresco para a gente, porque mataram muitos deles, e tiveram na matança muito prazer e festa” (FRUTUOSO, 1873, 40), deram nome à Câmara de Lobos. No ano imediato, tratou-se do assentamento e reconheceu-se a terra que ficara no desconhecimento: a Ponta do Pargo, assim chamada pelo facto de aí terem pescado um pargo enorme: “e o maior que até aquele tempo tinham visto, pela razão do qual peixe ficou nome aquela Ponta a do Pargo” (Id., Ibid., 69). O facto de a toponímia da costa revelar algumas associações à fauna marinha é revelador do interesse que os navegadores depositavam nesta riqueza e do empenho com que a observavam: Porto das Salemas (Porto Santo), Baixa da Badajeira (Madeira), Porto do Pesqueiro (Madeira). Os mares da Madeira eram ricos em variedades e quantidades de peixe, como confirmam inúmeros visitantes estrangeiros. Em 1853, Isabella de França refere o chicharro, o peixe-espada, o gaiado, o atum, a abrótea, o pargo, o cherne, a garoupa, a tainha, o salmonete, a pescada, e o congro. A sua apreciação destes peixes faz-se pela sua aparência, e não pela degustação, pois deverá tê-los visto na praça ou nos portos das localidades por onde embarcou. A respeito do atum, tece o seguinte testemunho: “O atum é feio e escuro, de cerca de seis pés de comprido, carne avermelhada e grossa. É um espectáculo dos mais ridículos ver o campónio regressar a casa com a cabeça do atum na extremidade do bordão. A pesca do atum não corre sem perigo, pois já se tem visto puxar um homem pela borda fora” (FRANÇA, 1970, 117). Já em 1817, o governador Lúcio Travassos Valdez informa do envio, pelo mercador João Baptista Gambaro, estabelecido em Câmara de Lobos, de dois barris de atum, conservado de diversas formas (cozido, salgado e seco), que poderia ser uma alternativa ao bacalhau estrangeiro no abastecimento às embarcações. Desta forma, durante muito tempo, a disponibilidade do peixe estava limitada aos sistemas de conservação disponíveis. O peixe fresco era um privilégio quase só das zonas ribeirinhas e com portos de pesca. Aos demais, ficava o peixe salgado ou seco. Foi assim até que se começou a desenvolver a indústria de conservas, fundamentalmente de atum, em princípios do séc. XX, no Porto da Cruz (1909), no Paul do Mar (1912), em Pedra Sina (1939), no Penedo do Sono, em Porto Santo (1944), no Machico (1949). Atente-se que, na Madeira, o incremento da congelação só aconteceu a partir de 1972, sendo a primeira unidade criada em 1966, pela empresa Somagel. Por outro lado, a revelação e a descoberta do mar ganharam interesse devido à possibilidade de fruição das riquezas piscícolas. Mas a atenção do europeu ao mar não se orienta apenas neste sentido. O mar é a sua via de comunicação e para se servir dela é preciso conhecê-la, perceber os sistemas de correntes e ventos, compreender os acidentes da costa, os baixios, etc. É neste contexto que os portugueses iniciam uma ação pioneira que irá permitir o melhor conhecimento do mar e das suas possibilidades e recursos. As pescarias e as viagens de navegação e de descoberta ao longo da costa africana confundem-se. Os madeirenses pescavam nas costas da Berberia, um dos melhores bancos de peixe do Atlântico, como se conclui duma reclamação dos pescadores, em 1596, sobre o tributo que pagavam a João Gonçalves de Ataíde pelo peixe que de lá traziam. A pesca foi, a par da atividade agrícola, uma ocupação das gentes insulares ribeirinhas. Aliás, num espaço como a Madeira, onde a orografia condicionou a circulação terrestre, o mar é a via fundamental que liga os vários núcleos de povoamento que, por esse motivo, no início, se anicham no litoral. O mar foi o meio de comunicação mais usual e importante da comunidade insular, verificando-se a valorização da construção naval; ela surge, não apenas com a finalidade de assegurar o fornecimento de embarcações de cabotagem, mas também para dar apoio à navegação atlântica, no reparo das embarcações fustigadas pelos acidentes ou pelas tempestades oceânicas. Os estaleiros de construção e reparação naval proliferavam nas principais ilhas do meio insular, sendo esta atividade transformadora regulamentada e apoiada pelas autoridades locais e centrais, que, por exemplo, asseguravam as licenças necessárias para o corte das madeiras e definiam as dimensões e a capacidade das embarcações a construir. Os estaleiros de reparação e construção naval da Madeira situar-se-iam no Funchal, principal porto da Ilha, e em Machico, sede da capitania do norte, onde as madeiras eram abundantes. A construção de embarcações para a pesca está testemunhada desde o início da ocupação da Ilha. João de Barros refere mesmo que João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz fizeram duas embarcações no Porto Santo, certamente com troncos de dragoeiro, tal como refere Frutuoso. Ao contrário do que acontece no início do séc. XXI, a pesca não era uma atividade exclusiva de alguns núcleos do sul; na verdade, alargava-se a toda a Ilha, apesar de se ter evidenciado mais na vertente sul. Para o ano de 1889, existe referência a 2158 pessoas ocupadas na atividade da pesca, para um total de 493 embarcações, 338 das quais estavam empenhadas na faina do atum e 121 na do gaiado. A presença dos grandes cetáceos está também testemunhada na Madeira desde muito cedo. Em 1595, foi capturada a primeira baleia na zona; sabe-se que outra rendeu 64.000 réis em 1692, enquanto uma terceira, já em 1899, ficou por menos de metade, isto é, 30.000 réis. Em 1741, Nicolau Soares pretendia estabelecer uma fábrica de transformação de baleia na Madeira, mas a resistência das indústrias da Baía, temerosas da concorrência, impediu-o de levar por diante tal objetivo. A indústria em questão só terá lugar após a Primeira Grande Guerra, conhecendo-se três fábricas: Garajau, Ribeira Janela e Caniçal. A conserva de peixes torna-se numa realidade, nos primeiros anos do séc. XX, altura em que surgem a fábrica da Ponta da Cruz, de João A. Júdice Fialho (1909), a fábrica do Paul do Mar, de António Rodrigues Brás (1912), transferida em 1928 para a Praia Formosa, a fábrica de Pedra Sina, em S. Gonçalo, de Maximiano Antunes (1939), a fábrica de Machico (1949), de D. Catarina Andrade Fernandes Azevedo, Francisco António Tenório e Luís Nunes Vieira, e a fábrica do Porto Santo (1944). A partir daqui, o pescado da Ilha passará a ter dois destinos – o consumo público e a indústria de conservas –, o que veio permitir um aumento das capturas. Até então, o único destino era o consumo público, sob a forma de fresco ou salgado. Tenha-se em conta o interesse nas salinas em Câmara de Lobos e na Praia Formosa, de que existem testemunhos desde o séc. XVIII, mas que nunca adquiriram grande dimensão e interesse. É evidente a preocupação das autoridades no sentido da preservação deste recurso marinho. Assim, em 1547, a vereação acusa alguns pescadores de cana de usarem foles e redes, mantado a “criação de peixe” e o “peixe miúdo”, proibindo tal ação com a pena de 500 reais. Esta determinação passou a postura, sendo a pena de 1000 reis, que subia para 2000 réis, no caso de o visado ser pescador. A medida voltou a ser recordada em 1623. Ao longo dos tempos, continuamos a assistir a esta manifestação de interesse pela preservação deste recurso, que se alarga, em épocas posteriores, ao combate ao sistema de pesca através de bomba. Os aparelhos usados na armação da pesca na primeira década do séc. XX são referidos por A. Loureiro. Também se defendeu a indústria por meio de regulamentos que delimitavam a forma da pescada quanto às redes a usar e que, no séc. XIX, restringiam o uso abusivo de bombas, testemunhadas no norte da Ilha e na Ponta de Sol, situação que levou a uma portaria de 1877, recomendando ao governador medidas contra essa prática. O pescado chegava mais ao Funchal, onde tinha escoamento imediato e um preço mais favorável. Deste modo, sucedia que as diversas localidades da vertente sul, embora dispondo de núcleos piscatórios, se debatiam quase sempre com a sua falta, pelo facto de os pescadores preferirem a sua venda na cidade. As autoridades municipais foram portanto forçadas a tomar medidas. Em Machico, os pescadores da vila estavam obrigados a venderem aí 1/4 do pescado, passando, em 1640, para 1/3; no ano de 1638, esta limitação de saída era total, sobretudo na época da Quaresma, em que o consumo de pescado aumentava. Por outro lado, em 1751, não obstante recomendar-se que a venda do pescado fosse feita primeiro à população local, podendo as sobras ser depois levadas ao Funchal, refere-se o privilégio dado a algumas embarcações para o fornecimento, fora desta regra, ao convento de S. Francisco, ao juiz dos Resíduos e às capelas do Funchal. Já na Ponta do Sol, a Câmara proibiu, em 1704, a sua venda para fora do concelho e, em 1727, obrigava os pescadores a irem todos os dias ao mar, sob pena de 2000 réis. Idêntica obrigação existia em Machico para o ano de 1679, onde os pescadores preferiam o serviço de barqueiros ao da pesca. Atente-se que, em 1674, na Ponta de Sol, o arrais de um barco foi preso por não trazer peixe do mar. Mesmo assim, o Funchal não estava devidamente abastecido de pescado, necessitando de importar arenque salgado de Inglaterra. A prova disso está no facto de o foral de 1516 isentar os ingleses do pagamento do dízimo. Em 1768, o governador e Cap.-Gen. Sá Pereira, em carta ao conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal, testemunha sobre uma representação dos moradores da Madeira, “sobre o promover-se a pescaria tão útil, e tão necessária aqui para que este povo possa livrar-se da miséria, a que está reduzido por falta de alimento, obrigado a sustentar-se de carnes, e peixes salgados, e corruptos, que aqui introduzem os Ingleses com grave prejuízo dos seus habitantes” (SANTOS, 2010, 368). Em 1771, o mesmo governador, no capítulo 26 do regimento dado ao Porto Santo, penaliza os moços indigentes, obrigando-os a dedicarem-se à agricultura ou às pescas. Já em 1783, o corregedor organiza um regulamento para as pescas nas ilhas da Madeira e Porto Santo – o Estabelecimento das Pescarias das ilhas da Madeira e Porto Santo –, que não teve efeito. Finalmente, em 1792 foi autorizado o estabelecimento de uma Fabrica de Pescaria, e Salinas, a ser instalada na Praia Formosa. E em novembro de 1822 foi formada uma Sociedade Piscatória na Madeira, com intuito de promover as pescarias, vindo, para o efeito, pescadores de Sesimbra para ensinar aos madeirenses as artes da pesca. Tais carências levavam a Ilha a importar peixe seco e salgado de Lisboa, do Algarve, das Canárias, de Santa Cruz da Berberia, de Cabo Verde, da Irlanda, da Escócia, da Noruega, da Suécia, da Dinamarca, do norte de França, da América do Norte e da Terra Nova. Os ingleses eram quem mais abastecia a Ilha deste peixe importado, muitas vezes com qualidade duvidosa, pois foram insistentes as reclamações sobre a venda de peixe podre. De acordo com informações da imprensa do Funchal, a partir do último quartel do séc. XIX, são frequentes as referências ao abastecimento do Funchal com peixe, lapas, caramujos e carne das cagarras das ilhas Selvagens. Os proprietários das ilhas organizavam campanhas temporárias com trabalhadores para a caça e a pesca, retornando ao Funchal com elevadas quantidades de produto salgado ou seco para venda na cidade. A faina da caça às cagarras e aos coelhos e da pesca ocorria entre os meses de agosto e outubro. No retorno, os trabalhadores enchiam a embarcação que os trazia de volta com caixas de lapas, caramujos, engodos, barris de salga de coelhos, cagarras, e peixe, sacos de penas de cagarra e óleo de cagarra. O peixe era fundamentalmente o atum, a cavala e o gaiado, que descarregavam no Funchal ou em Câmara de Lobos. Em 1907, sabemos da safra de 13.000 gaiados que foram vendidos no Funchal a 240 réis ao kg. Já em 1912, a safra foi de 16.000 gaiados, havendo problemas entre os pescadores e a firma proprietária quanto à distribuição dos quinhões. Os mares das Selvagens eram, assim, ricos em pescado, alcançando o imposto do mesmo, no primeiro quartel do séc. XX, valores elevados, apenas suplantados pelo Funchal e pela Câmara de Lobos. A faina nestas paragens era sempre complicada, acontecendo, por diversas vezes, naufrágios e situações de falta de mantimentos, indo, muitas vezes, as embarcações arribar à ilha vizinha de Tenerife. Desta forma, em novembro de 1916, os pescadores regressados ao Funchal mandaram celebrar uma missa de ação de graças na igreja de S. Gonçalo, por não terem sido vítimas de qualquer desastre. A pesca e a venda do peixe fresco, resultante desta faina, ou seco e salgado, por importação do estrangeiro ou de produção própria na Ilha, estavam sujeitas a apertadas medidas de controlo que consideravam a salvaguarda da saúde e a sanidade públicas e também a especulação dos vendedores. Aqui é clara uma evidência: em terra banhada pelo mar, onde o peixe abunda, o peixe da safra local era limitado e parece que a faina era pouco atrativa para os homens do mar, que preferiam dedicar-se à função de barqueiros nas ligações costeiras. Desta forma, são insistentes as reclamações das vereações municipais, quanto à sua falta como à coação dos pescadores para irem ao mar. Em 1847, foram estabelecidas isenções de direitos à entrada de peixe salgado, para suprir problemas de fome. Sabemos que, no ano imediato, a sua importação foi de 6464 arrobas, na sua maioria da Terceira, de Portimão e de Lisboa. A venda do pescado era feita na praça, de acordo com condições estabelecidas pelas posturas. Estava proibida a revenda do peixe fresco ou salgado sem licença dos oficiais da câmara. O peixe que sobrava de um dia para outro era salpresado e, depois de mostrado aos almotaceis, poderia ser vendido. Todo o peixe deveria ser aí vendido a preços tabelados e a todos os que o procuravam, de modo a evitar o uso abusivo dos mais ricos que, através dos seus escravos, procuravam tirar o peixe à força às vendedeiras. A carência de peixe é uma constante na Ilha, acusando a vereação, em 1547, de os madeirenses não quererem ir pescar, pois “onde devem de ir pescar quatro vezes na semana muitas vezes não vão senão uma e isto porque a tal preço dão o peixe que assim se remedeiam com um dia de trabalho na semana como se todos os dias trabalhassem [...]” (COSTA, 1998, 404). Desta forma, os homens-bons da Ponta Sol, em 1782, assistiam, no Calhau, à distribuição do peixe. As praças para a venda do peixe existiram em todos os municípios, sendo uma forma de regular e fiscalizar a venda do pescado. Na sua falta, o peixe vendia-se em locais determinados pela câmara, como sucedia em 1856, na Madalena do Mar. Temos notícias das praças da Ponta de Sol, em 1840, a qual foi reformada em 1931, do Porto Moniz, em 1894, de S. Vicente, em 1896, e do Porto Santo, em 1889. A do Funchal existe desde o séc. XV, tendo sido ampliada em 1730. Sabemos ainda que, desde 1546, existia no Funchal uma rua do peixe, que pode estar associada a este espaço público de venda. A partir de 1840, temos o mercado do peixe de S. Pedro, reformado em 1880 e 1889, e em 1940 integrado no mercado dos lavradores. A lota aparece no arquipélago da Madeira em 1953, no Funchal, seguindo-se outras em Câmara de Lobos, Machico, Santa Cruz, Paul do Mar, Porto do Moniz, Porto Santo, Caniçal, Ribeira Brava e Calheta. A lota passa a substituir o calhau como espaço de primeira venda da safra, por leilão ou contrato. Os funcionários municipais, almotaceis e guardas-mores da saúde tinham especial cuidado na fiscalização do pescado fresco ou seco que se vendia na Ilha. O pescado salgado ou seco importado, nomeadamente pelos mercadores ingleses, não era apresentado para venda nas melhores condições, obrigando, inúmeras vezes, os funcionários da saúde a intervir, gerando alguns conflitos com esta comunidade. Em 1634, os comerciantes ingleses Roberto Veloni e Diogo Dom são acusados por colocarem à venda, em lojas suas onde empregavam vendedeiras, peixe (bacalhau e sardinha) em más condições. Em 1813, repete-se esta situação, com a casa inglesa Murdoch Yuille Wardop & Comp a reclamar uma indemnização pelo pescado lançado ao mar pelo guarda da saúde. Nesta mesma data, o bispo, em visita à Camacha, refere o uso na alimentação de arenques e cavalas salgados que, trazidos pelos ingleses, se apresentavam muitas vezes em má qualidade e deitavam um mau cheiro. A Madeira importava pescado seco e salgado de diversos portos nacionais e estrangeiros. Torna-se difícil entender a razão desta importação de peixe seco ou salgado, tanto mais que os mares da Ilha eram ricos em peixe. Para além de poder ser uma imposição desta comunidade inglesa, com domínio quase total do mercado da Ilha, poderão ser outras as razões para esta valorização do pescado importado, ainda que de má qualidade pelas condições de acondicionamento. Em 1827, Alfred Lyall afirmava que “há grande abundância de peixe, de grande variedade e de muitas espécies, normalmente muito bom, mas talvez inferior em sabor e firmeza na sua carne, quando comparado com o dos nossos mares” (SILVA, 2008. 111). A necessidade de assegurar a subsistência dos colonos obrigou ao aproveitamento dos recursos disponíveis no meio com valor alimentar, como foi o caso da pesca, uma atividade das populações ribeirinhas. O peixe foi também um dos recursos mais valorizados no início da ocupação da Ilha. A prova disso está no imposto lançado, o dízimo do pescado, que onerava todos os barcos de pesca. No Campanário, na Ribeira Brava e na Tabua, este era cobrado pelos Jesuítas que, desde a segunda metade do séc. XVI, tiveram assento na Ilha. O mareante e o barqueiro, tal como o pescador, assentaram morada na zona ribeirinha pelo apego ao mar, junto do burburinho do calhau, onde poderiam ouvir o marulhar das ondas. A zona do calhau, depois Corpo Santo, acolhia o maior número de marinheiros, barqueiros e pescadores, cuja influência foi dominante nesta área citadina. Em Machico, Santa Cruz, Ribeira Brava, Calheta e na ilha do Porto Santo havia igualmente uma comunidade de homens do mar com morada fixa junto ao calhau ou aos ancoradouros. O grupo de madeirenses com ligação ao mar era elevado, mas parece existir uma predileção pela atividade ligada ao transporte costeiro, em detrimento da pesca. Os municípios instavam os homens do mar para irem à pesca, mas estes preferiam outros serviços mais remunerados. Em 1889, temos, em toda a Ilha, 2158 indivíduos associados a 493 barcos (127 de 4 remos, 200 de 2 remos e 121 canoas). Destes, como já referido em cima, 338 estavam dedicados à faina do atum e 121 ao gaiado, assumindo estas duas espécies uma importância dominante nas pescarias. A pesca ocupava, em 1914, mais de 1500 pescadores com 537 embarcações; já em 1931 existiam 1500 pescadores, que usavam 24 embarcações a motor e 508 à vela ou a remos. A partir de 1853, os governadores civis atuaram no sentido da valorização dos portos de pesca do arquipélago com diversos melhoramentos. O desenvolvimento de algumas indústrias no séc. XX levou à sua valorização. Em 1908, Vicente de Almeida D’Eça refere os seguintes portos piscatórios: Funchal, Caniço, Porto Novo, Aldonça, Santa Cruz, Seixo, Machico, Caniçal, Porto da Cruz, Faial, São Jorge, Ponta Delgada, São Vicente, Seixal, Porto do Moniz, Ponta do Pargo, Paul do Mar, Jardim do Mar, Calheta, Fajã do Mar, Madalena do Mar, Anjos, Lugar de Baixo, Tabua, Ribeira Brava, Campanário, Câmara de Lobo e Porto Santo. Em 1909, Adolfo Loureiro assinala os seguintes portos piscatórios: Funchal, Caniço, Porto Novo, Santa Cruz, Seixo, Machico, Caniçal, Porto da Cruz, Faial, S. Jorge, Ponta Delgada, S. Vicente, Porto Moniz, Ponta do Pargo, Paul do Mar, Jardim do Mar, Calheta, Fajã do Mar, Madalena do Mar, Anjos, Lugar de Baixo, Tabua, Ribeira Brava, Campanário, Câmara Lobos e Porto Santo. Esta situação é também testemunhada por Orlando Ribeiro, em 1947, quando esteve na Ilha em estudos, afirmando em 1949 que “nas encostas da Madeira a cada abrigo correspondia um porto de pesca” (RIBEIRO, 1985, 104). Os mares da Madeira, embora não tão ricos como os do continente, apresentavam uma variedade significativa, pois podia-se pescar desde moluscos (lapas e caramujos), a crustáceos (caranguejo) e peixe (alfonsinho, bodião, boga, castanheta, chicharro, cavala, chicharro, mero, moreia, pargo, peixe espada preto, sardinha, salmonete, solha, tunídeos). São ainda assinalados diversos pesqueiros, isto é, espaços marinhos próximo à costa, onde este pescado aparece com abundância: Pedras, Cabeço Baixinho, Cabeço do Moinho, Largo do Mesinho, Pé da Poita, Pedra Lage, Pedra do Marracho, Pedra do capitão, e Canto do Porto.   Direitos e tributos O pescado estava sujeito a diversos tributos sendo, no início, considerado como uma renda dos capitães, que auferiam, pela sua exploração, o foro e o dízimo. A 26 de setembro de 1433, o infante D. Henrique recebeu das mãos de D. Duarte a posse vitalícia das ilhas da Madeira, de Porto Santo e das Desertas. Ainda nesta data, a Coroa, a pedido do infante D. Henrique, concedeu todo o cuidado espiritual das ilhas à ordem de Cristo, reservando para si o foro e o dízimo do pescado. Este dízimo foi abolido a 5 de abril de 1808, por ordem de Beresford, aquando da ocupação inglesa da ilha da Madeira. No Porto Santo, a referida abolição ocorreu em 1832. O dízimo do pescado, que onerava todos os barcos de pesca, no Campanário, na Ribeira Brava e na Tabua, era cobrado pelos Jesuítas. Temos dados sobre a arrecadação deste rendimento para os anos de 1759 a 1761. Já da receita da diocese sabemos que, em 1517, era de 200$000 réis, subindo, em 1581, para 363$600 e, em 1583, para 454$500. Este tributo foi abolido, na Ilha, por alvará de 20 de outubro de 1803, situação que só teve efeito durante quatro meses. Entretanto, os pescadores estabeleciam, entre si, alguns compromissos com o valor da faina. Assim, no Caniçal, existiu o quartão, que era o mesmo que um quarto, a parte que cada pescador do Caniçal tirava do seu quinhão da pesca para o pároco da freguesia, como forma de custear as despesas de serviço religioso, em seu benefício, durante o ano. Eram reservados ainda outros quartos – para as festas da Senhora da Piedade, de S. Sebastião, do Espírito Santo e do Santíssimo Sacramento. A par destes, existiram outros tributos de cariz social, como o socorro que apoiava os companheiros doentes, e o quinhão morto para acudir a qualquer desastre, do qual, no fim do ano, entre 25 de dezembro e 1 de janeiro, era distribuído o sobrante entre todos, sendo conhecido como a ajuda do pão-da-festa ou passadia. Em 1937, surgiu a Associação de Socorros Mútuos dos Pescadores da Madeira, que em 1953 deu lugar à Casa dos Pescadores, com instalações em Machico e Câmara de Lobos (1939), no Paul do Mar (1944), no Funchal (1950) e no Caniçal (1954). Em 1817, na tabela dos direitos ad valorem cobrados no Funchal, temos a indicação da sua cobrança sobre o peixe fresco, com sal ou de conserva, relativamente às seguintes espécies: atum, chicharro, carapau, lampreia, salmão e sardinha. Em 1954, o imposto ad valorem, de 3 % sobre o pescado, rendia à câmara do Funchal 115.000$000 escudos. O imposto de pescado era uma receita do Estado e da Câmara Municipal. No reinado de D. Maria, foi determinado, por alvará com força de lei, de 20 de junho de 1787, que fossem levantados os impostos sobre o pescado, porque haviam contribuído para a situação de decadência a que tinham chegado as pescarias do Reino e das ilhas adjacentes. O imposto sobre os barcos de pesca e pescarias (1830/1843), foi criado por decreto de 9 de novembro de 1830, sendo substituído, em 10 de julho de 1843, por outro imposto, de 6 % sobre os lucro da venda do pescado fresco, nomeadamente sobre as partes ou quinhões, excetuando apenas as comedorias, as caldeiradas, as restomengas e as carnadas; a sua coleta foi atribuída à Junta do Crédito Público. Pela lei de 10 de julho de 1843, só eram obrigados ao imposto do pescado os pescadores que exercessem a sua indústria em água salgada e somente naquela parte dos rios até onde chegassem as marés vivas do ano. Pelo decreto de 3 de dezembro de 1891, foram criados, na dependência do Ministério dos Negócios da Fazenda, diversos postos fiscais, com a missão especial de cobrar o imposto de pescado. Este imposto, cobrado pela Guarda Fiscal, era também conhecido como dízimo, e só foi abolido por decreto-Lei n.º 237/70, de 25 de maio. Sobre a cobrança do imposto de pescado encontramos as seguintes informações: em 1921, era de 59.257$96 escudos, sofrendo uma quebra significativa, no ano imediato, para 4346$48; em 1933, era de apenas 1259$52.   Peixe à mesa Por fim, importa verificar qual a importância que os recursos marinhos assumem no quotidiano e na alimentação dos madeirenses. A dieta dos madeirenses baseava-se no aproveitamento dos recursos disponíveis com valor alimentar, isto é, a caça e pesca e os derivados da atividade pecuária, como a carne, o queijo e o leite. A pesca terá sido importante na atividade das populações ribeirinhas, que usufruíam de uma grande variedade de mariscos e peixe. Através dos livros de receita e despesa, podemos acompanhar o dia a dia da mesa conventual, onde é regular a presença de carne e peixe, frescos ou salgados. No convento da Encarnação, a mesa dos sécs. XVII e XVIII era farta. O pão corria todos os dias à mesa, acompanhado de carne ou peixe. O peixe comia-se às quartas, sextas, sábados e dias prescritos pela Igreja. Poderia ser bacalhau, atum sardinha, arenques, pargos e chicharros. Mas nem sempre foi assim, uma vez que, por diversas vezes, foi manifestada a dificuldade no abastecimento de peixe aos conventos, o que fez com que estivessem isentos da obrigação da abstinência. A abstinência da carne era geral na altura da Quaresma, o que elevava o consumo de pescado. As pastorais determinavam regras sobre o consumo de carne e peixe pelos fiéis. Assim, a carne não podia ser misturada com o peixe e todos aqueles que estavam sujeitos ao jejum só podiam servir-se da carne ao jantar, sendo exceção os domingos, onde o consumo estava facultado. Daqui resulta a tradição popular do consumo da carne aos domingos. A mesa do mundo rural e da gente pobre é pouco conhecida. O pouco que se sabe resulta do testemunho de alguns estrangeiros. Esta servia-se quase só do que a terra dava, isto é, frutas, passas de uvas, figos passados e inhame. Consumia-se algum peixe fresco ou seco, pescado na costa, mas a carne e o pão parecem ser uma raridade. Esta frugalidade está presente em todos os testemunhos de autores estrangeiros. Assim, na segunda metade do séc. XVIII, George Forster destaca que “os camponeses são excecionalmente sóbrios e frugais; a alimentação consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne” (FORSTER, 1986, 72), mais o milho americano, o inhame e a batata-doce, que era o principal ingrediente na alimentação do camponês. A isto juntava-se o consumo de peixe fumado ou em salmoura, importado pelos ingleses, que servia de conduto ao inhame, à batata e ao pão. O peixe consumido era o bacalhau dos Estados Unidos e o peixe seco, salgado ou em salmoura do Norte da Europa, destacando-se o arenque de fumo ou de salmoura, muito apreciado pelo povo como conduto para o pão e as batatas. Esta situação ainda perdurava na década de 50 do séc. XX, altura em que as capturas de pescado de cerca de duas toneladas eram ainda incipientes para satisfazer o consumo e as indústrias de conservas. No Funchal, existia uma praça onde este era vendido aos interessados de acordo com uma lista de prioridades. Primeiro, deveriam servir o capitão, depois os conventos e os oficiais da governança e, finalmente, o povo. Em 1732, o bispo tinha um barco que provia às suas necessidades de pescado. Na Ponta de Sol, em 1782, um homem bom do concelho assistia a esta distribuição do pescado. A generalização das praças e dos mercados do peixe nos demais concelhos só aconteceu muito mais tarde: no Porto Santo, em 1889, no Porto Moniz, em 1894, e em S. Vicente, em 1896.   Ciências do mar O mar não foi valorizado apenas como recurso económico. Já a partir do séc. XVII se regista o seu valor científico com os diversos estudos realizados. A passagem pelo Funchal de alguns cientistas ingleses propiciou uma primeira descoberta de muitas das raridades da fauna marinha nos mares madeirenses. Tenha-se em conta as expedições de Hans Sloane (1687) e James Cook (1768 e 1772). No decurso do séc. XIX, redobrou o interesse pela Ilha por parte de súbditos ingleses residentes ou de passagem pelo Funchal. Destes, podemos destacar os estudos de Richard Lowe (1833-1846), interrompidos com a sua morte num naufrágio em 1874. James Yate Johnson seguiu-lhe o encalço e publicou alguns estudos até à sua morte em 1900. O empenho dos madeirenses no estudo da fauna marinha poderá ser assinalado com os estudos de João José Barbosa du Bocage. O primeiro apelo neste sentido foi feito por José Silvestre Ribeiro quando, em 1850, criou o Gabinete de História Natural, que desapareceu com a sua saída, em 1852. A aposta no estudo e na divulgação dos recursos marinhos só aconteceu mais tarde, com a criação do Aquário do Museu Municipal, que foi aberto ao público em 1951. A publicação do Boletim do Museu Municipal, desde 1945, e os estudos de Adão Nunes, de Adolfo César de Noronha e de Günther Maul vieram a revelar quão rico é o património marinho madeirense.   Alberto Vieira (atualizado a 24.02.2018)

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