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meneses, rufino augusto

Rufino Augusto Meneses foi um sacerdote católico madeirense, nascido na freguesia da Ponta do Sol, a 27 de abril de 1877. Foi filho de Rufino Augusto de Meneses e de Carolina de Jesus. Quando ainda era criança, partiu para Angola com o pai, que foi para lá como colono, e estudou no Seminário de Huíla, sendo ensinado pelos padres do Espírito Santo. Regressado à Madeira, matriculou-se no Seminário Diocesano do Funchal, seguindo a vida eclesiástica. Foi ordenado sacerdote a 21 de dezembro de 1901 e foi capelão da Sé do Funchal até 1902. A 22 de fevereiro de 1902, foi nomeado pároco do Caniçal, função que exerceu durante os dois anos seguintes, passando a desempenhar, desde 20 de fevereiro de 1904, o múnus de cura de Machico. Em 1905, após o falecimento do P.e Jordão do Espírito Santo, que era vigário na freguesia de Água de Pena, foi nomeado sacerdote daquela paróquia, no dia 4 de julho, ocupando o cargo durante 48 anos. A par da sua vida clerical, Rufino Augusto Meneses foi um homem dedicado às letras, colaborando na imprensa regional e escrevendo textos literários, sobretudo poéticos. Exerceu a sua atividade jornalística no periódico O Jornal, como correspondente em Machico, e assinou, naquele jornal, algumas das suas produções poéticas sob o pseudónimo “C.”. Em 1950, publicou um volume de versos intitulado Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares. Neste livro, descreveu em verso a visita da imagem de Nossa Senhora de Fátima à Madeira, no dia 7 de abril de 1948, desde a chegada a bordo do Lima e o desembarque no cais da Pontinha até ao cortejo em direção à Sé do Funchal, onde aquela obra passou a noite. Descreveu as manifestações de regozijo da população, que aguardava a chegada da imagem acenando com lenços, dando vivas e palmas, e evocou os sinos da igreja a tocar e o lançamento de foguetes. Nos seus versos, todo o povo, as autoridades regionais, o clero e outras individualidades madeirenses de diferentes profissões manifestaram o seu contentamento e a sua fé por aquele momento da visita da imagem da Virgem Peregrina. Narrou ainda a visita da imagem a outras freguesias da Madeira, onde, nos dias 8, 9 e 10 de abril, foi sempre aguardada por uma multidão. Depois, mencionou o regresso da imagem ao Funchal, destacando a sua passagem pelas ruas da cidade até chegar à Pontinha, onde embarcaria no Guiné para prosseguir viagem até outras paragens. Estes versos constituem um testemunho de um momento importante da história religiosa da Ilha e oferecem alguns quadros representativos das manifestações de fé do povo madeirense na primeira metade do séc. XX. Rufino Augusto Meneses faleceu em Machico, a 30 de março de 1966. Obras de Rufino Augusto Meneses: Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares (1950).   Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2018)

Religiões Personalidades

mendonça, maria

Natural dos Açores, Maria Mendonça (1916-1997), de seu nome completo Maria da Trindade Mendonça, passou 35 anos da sua vida na Madeira. Jornalista e empresária, instala-se no Funchal em 1951 para dirigir, ao longo de 19 anos, o Eco do Funchal. Promove os livros insulares, açorianos e madeirenses, nas ilhas e no continente. Cria a Editorial Eco do Funchal e autores da Madeira terão a satisfação de verem livros seus virem a lume ou serem reeditados nas décs. de 50 e 60. A partir de inícios da déc. de 60, organiza no seu próprio café-restaurante, denominado Pátio, tertúlias e conferências. Em 1972, funda a Sociedade Pátio, Livros & Artes. Em 1978, cria a Edições Ilhatur, lançando até 1982, entre outros títulos, a coleção de livros infanto-juvenis “Canoa”. Entre 1979 e 1981, dirige o histórico jornal humorístico Re-nhau-nhau. Palavras-chave: jornalista; Edições Ilhatur; Editorial Eco do Funchal; Maria Mendonça; Pátio, Livros & Artes; promotora cultural. Natural dos Açores, filha de Manuel Franco de Mendonça e de Maria Raposo, Maria da Trindade de Mendonça (16 de fevereiro de 1916-28 de fevereiro de 1997) passou 35 anos da sua vida na Madeira. Perfila-se como uma pioneira no empreendedorismo cultural. Foi promotora do livro insular, administradora de uma casa editorial, articulista polemista, promotora turística, dirigente associativa e gerente de um espaço cultural e comercial. Sob o lema “Querer é poder”, como patenteia a legenda do ex-líbris que mandou executar em 1956, a sua vida é marcada por encontros e iniciativas culturalmente relevantes. Como adianta Alberto Vieira, a “sua ligação à Madeira estabelece-se a partir de Lisboa, por amigos da Madeira e pela situação de penhora do jornal Eco do Funchal, cujas dívidas aceita cobrir para dar continuidade à sua publicação, assumindo a direção a 25 de março de 1951” (VIEIRA, 2015), cargo que desempenhará até 4 de maio de 1970. Sob a sua direção, esse jornal “de carácter regionalista e independente” (OLIVEIRA, 1969, 17), que era de periodicidade semanal, passa a sair mais vezes por semana (ensaiando-se por uns tempos um trissemanário para depois ficar um bissemanário), e Maria Mendonça introduz-lhe várias secções, em especial “Cultura & Recreio”, a primeira série do suplemento literário “Pedra”, em 1965 (sendo que a segunda série viria a ser publicada no Comércio do Funchal nos anos 1967-1969) e, a 3 de março de 1969, um suplemento quinzenal (com quatro páginas) para crianças, “A Canoa”, organizado por Maria do Carmo Rodrigues. Na página literária “Pedra”, hão de contar-se “vários colaboradores: Duarte Sales Caldeira, Vicente Gomes da Silva, Ana Gouveia, Luís Manuel Angélica, Luciano Nunes, José Manuel Coelho, Leopoldo Gonçalves, Vladimiro Rocha, Luísa Silva, Teresa Macedo, António do Canavial, A. [J.] Vieira de Freitas e José de Sainz-Trueva” (Id., Ibid.). No suplemento infanto-juvenil vão colaborar, entre outros nomes, Alice Gomes, Irene Lucília Andrade, Luíza Helena Clode, Madalena Gomes e Matilde Rosa Araújo. No entanto, por razões económicas, esse suplemento será suspenso meses depois. Decidida a não deixar interromper a dinâmica que o projeto gerara, Maria do Carmo Rodrigues funda então o periódico infanto-juvenil independente A Canoa, que teve grande divulgação a nível nacional entre 1969 e 1971. Fig. 1 – Fotografia tirada provavelmente no restaurante do Casino da Madeira, nos anos de 1960. Em primeiro plano, Horácio Bento de Gouveia e esposa; em segundo plano, ao centro, Maria Mendonça, à direita, Adelaide Félix e, à esquerda, Emília Félix, irmã de Adelaide.Fonte: Colç. de Maria Amélia Bento de Gouveia. Mal se instalou no Funchal, Maria Mendonça começou a participar na dinamização de associações de intercâmbio cultural entre os Açores e a Madeira, designadamente o Clube dos Amigos dos Açores e o Círculo de Amizade Madeira-Açores, chegando a ser dirigente associativa. Como refere Alberto Vieira, “ao abrigo destas estruturas, fizeram-se excursões, intercâmbios de grupos folclóricos, de bandas de música, de clubes desportivos” (VIEIRA, 2015). Em 1951, Rogério Correia promove, durante as festas de fim-de-ano, a Semana do Livro Açoriano, na Academia de Música da Madeira, no Funchal, com a colaboração de Maria Mendonça e J. Silva Júnior. Nos anos sequentes, os mesmos promotores hão de organizar outras semanas do livro, dedicadas às publicações açoriana e madeirense. A chefe de redação do Eco do Funchal vai erguer em Lisboa, em 1954, aquando da 24.ª Feira do Livro, o pavilhão do Livro Insular, que ocupou lugar de destaque. Para esse certame mandou imprimir o Catálogo das Obras Apresentadas no Primeiro Stand Insular da Feira do Livro de Lisboa em 1954, que organizou com o conterrâneo J. Silva Júnior. O público nacional fica assim a saber que a literatura insular é uma realidade tangível. Em 1955, monta o stand do livro insular no Funchal. Realiza a Primeira Semana da Madeira, em Lisboa, no Castelo de S. Jorge, em 1982. De tudo isto fica a ideia de que uma consciência cultural das ilhas se perfilava em Portugal. Por sugestão do poeta Jorge de Freitas, Maria Mendonça funda a primeira casa editora na Madeira, a Editorial Eco do Funchal, apostando assim na afirmação cultural do livro insular e ampliando a ação das duas principais entidades regionais públicas que desempenhavam esse importante papel: a Câmara Municipal do Funchal e a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Com a sua chancela, autores da Madeira, tais como Noé Pestana, Baptista Santos, Bernardete Falcão, João Vieira Caetano e Alberto Figueira Jardim, terão a satisfação de verem livros seus vir a lume ou ser reeditados nas décs. de 50 e 60. Sob os mesmos auspícios, os poetas da tertúlia ritziana (assim chamada porque se reuniam no Café-concerto Ritz) publicam em 1952 a coletânea Arquipélago. Meses depois aparece – curioso episódio da história literária madeirense e revelador de um certo espírito irreverente e humorístico – a coletânea Areópago, de tiragem reduzida e destinada aos amigos, uma paródia de Arquipélago, organizada anonimamente por Jorge de Freitas, em colaboração com Alírio Sequeira, Carlos Camacho e Paulo Sá Braz, e impressa nas instalações da referida casa editora. Maria Mendonça vai até correr o risco de editar livros-objeto, de grande porte e requinte. Encomenda a Maria Lamas – uma amiga com quem estreitou laços ao longo da vida – a obra Arquipélago da Madeira – Maravilha Atlântica, publicado em 1956, um volume de quase 400 páginas. O livro apresenta-se como um misto de descrição de lugares do arquipélago da Madeira e de revista ilustrada, sendo enriquecido com fotos a preto e branco, gravuras em extratexto, e capa e vinhetas da autoria de Alírio Sequeira. É também graças a Maria Mendonça que Luís Marino (de seu verdadeiro nome Luís Gomes da Silva) poderá ver concretizada, em 1959, a sua antologia A Musa Insular (Poetas da Madeira). Este monumento-padrão, com capa de Max Römer, reúne os nomes dos poetas insulares desde os tempos do povoamento da Madeira. Com a mesma chancela, saem livros tão importantes para a cultura regional como Falares da Ilha: Pequeno Dicionário Popular Madeirense, de Abel Marques Caldeira e prefácio de Emanuel Paulo Ramos, em 1961, e, em 1968, a sumptuosa reedição a cores de Casas Madeirenses (1.ª ed. de 1937), de João dos Reis Gomes, com colaboração de Edmundo Tavares. Em 1954, Maria Mendonça compila o inquérito “Qual o panorama da Madeira que mais o impressionou?”, levado a cabo junto de personalidades das artes e letras lusas e publicado no Eco do Funchal em 1951-1952, e faz sair do prelo A Ilha da Madeira Vista por Intelectuais e Artistas Portugueses, uma obra que será reeditada em 1969 e em 1985. Não se esquece da terra natal e é com naturalidade que publica Férias nos Açores, em 1955, Os Açores Através da Saudade, em 1957 (reeditado em 1991), e, em 1958, Grupo Folclórico de São Miguel. Lança, também, o guia turístico Isto é a Madeira, em 1960, em português; no ano seguinte, sai uma edição trilingue, que será reeditada em 1963. Coordena outros roteiros: com Luís Jardim, edita Páscoa: Sugestões, em 1965, e, com Osvaldo Pestana, apresenta Natal: Sugestões, em 1966. Editou, ainda, a revista Semana da Madeira, que durou sete anos (1965-1972), em colaboração com António Aragão, Carlos Lélis e Aníbal Trindade, descrita por Américo Lopes de Oliveira como uma “publicação moderna, original, de sentido prático para a utilização do turista nacional e estrangeiro, visto que está redigida nas línguas mais faladas e generalizadas por todo o Mundo”. O mesmo estudioso informa ainda que, da empresa Eco do Funchal, “nasceu [a] agência de publicidade ‘Islena’” (OLIVEIRA, 1969, 17). Em 1957, publica Uma Pequena História (Tema Madeirense), que será reeditada em 1991, e profere palestras sobre os Açores e a Madeira, a convite de agremiações portuguesas, no Rio de Janeiro, em Santos e em São Paulo. A partir dessas experiências, elabora a publicação Presença Madeirense no Brasil, em 1958. Ainda em 1957, Maria Mendonça organiza com confrades da imprensa regional, tais como Manuel Amândio Rodrigues, Manuel G. Abreu, Rui Camacho e Helena Marques, uma confraternização de jornalistas chamada Tertúlia Sem Título, que se reunirá com alguma regularidade. Desses convívios ficará um registo impresso nas oficinas da Editorial Eco do Funchal em 1958: Tertúlia Sem Título. (Jornalistas da Madeira), ilustrado com imagens das reuniões realizadas. A seleção de artigos que publicou no Eco do Funchal, reunida por Ana Isabel de Sousa no livro Eu, Maria, me Confesso (Recordações e Narrativas), de 2001, mostra bem a voz interventiva que Maria Mendonça tinha: o desconhecimento de que os continentais costumavam dar provas relativamente às realidades açoriana e madeirense, a questão dos transportes de bens e pessoas entre as ilhas e o continente, as difíceis condições de vida de muitos insulares e a falta de investimento na educação, o destino das verbas resultantes das taxas e impostos cobrados pelo poder central nas ilhas, a afirmação dos valores culturais insulares eram temas que a articulista não deixava de trazer à liça. Segundo Rui Carita, o assunto da autonomia que Maria Mendonça tocou num seu artigo em 1968 “chegou, mesmo, a ter ampla repercussão no continente, pois foi depois transcrito na Seara Nova, em janeiro do ano seguinte, suscitando várias questões e originando comentários e respostas, depois publicados na mesma revista, no número de maio desse ano de 1969” (CARITA, 2007, 28). Em 1972, retoma com Natália Correia e Vera Lagoa (pseudónimo de Maria Armanda Falcão) o café literário Rés-do-chão: Tertúlia do Livro – Pátio das Artes, à R. da Carreira, estabelecido cerca de 1967-68 por Carlos Lélis, o escultor Anjos Teixeira e o fotógrafo João Pestana; desse café, conta-se que Vera Lagoa terá afirmado que era o primeiro café literário criado no país. Essas três mulheres vão, assim, firmar a Sociedade Pátio, Livros & Artes, cuja atividade incidia na exploração da casa de chá, esplanada, tabacaria, livraria, galeria de arte, e loja de moda e ourivesaria. Essa entidade será, igualmente, “responsável pela aquisição do espólio da antiga Photographia Vicentes” (CARITA, 2007, 28). Dificuldades económicas obrigaram a empreendedora a desfazer-se de algum património da arte fotográfica do acervo. Em 1979, vende ao Governo regional o recheio do estúdio de fotografia: o espaço Photografia-Museu Vicentes será inaugurado em 1982. Nesse “lugar seleto de letras e artes” (HOMEM 1999, 61) chamado Pátio será apresentada, em 1975, pela jornalista Maria Aurora Homem, a coletânea de poemas inéditos Ilha, coordenada por José António Gonçalves. Também não é por acaso que, em 1979, Natália Correia vem a assinar o prefácio da coletânea Ilha 2. Maria Mendonça estreia, em 1978, as edições Ilhatur (1978-1982), com a monografia Vicentes Photographos, de Luís de Sousa Melo. Em 1979, sob os auspícios do Ano Internacional da Criança e ciente do valor dos autores e ilustradores que colaboraram no extinto periódico A Canoa, Maria Mendonça lança a coleção “Canoa”, respondendo assim, mais uma vez, à vontade de constituir organicamente uma projeção literária e artística no meio madeirense. Saem a lume Histórias que o Vento Conta (n.º 1, 1979) de Irene Lucília Andrade; Mimi e os Sapatinhos (n.º 2, 1979) de Luiza Helena (Clode); Camélias Brancas (n.º 3, 1980) e Sebastião, o Índio (n.º 5, 1982), de Maria do Carmo Rodrigues e, finalmente, Os Anjos Descem (n.º 4, 1981), de António Marques da Silva. Tais livros remetem para o mundo das vivências infantis, com narrativas, versos, canções e lengalengas, assentes numa imaginação poética e numa linha de descoberta em liberdade. Entre 1979 e 1981, Maria Mendonça vem a dirigir, após Gonçalves Preto e Gil Gomes, a terceira série do histórico Re-nhau-nhau, criado em dezembro de 1929. Após um interregno, o Re-nhau-nhau renascerá das suas cinzas a 1 de janeiro de 1996, sob os auspícios de António Loja, durante largos meses, até se extinguir. De acordo com familiares e amigos, Maria Mendonça autodefinia-se como “açoriana-madeirense”. Nelson Veríssimo sublinhou “o seu entusiasmo e dinamismo na divulgação dos valores insulares” (VERÍSSIMO, 1995, 13). Num seu ensaio sobre a comunicação social madeirense, Paquete de Oliveira qualificou-a de “batalhadora pelas causas e coisas da Ilha” (OLIVEIRA, 2008, 38). O amigo Luís Marino dedicou-lhe os seguintes versos: “D. Maria Trindade Mendonça/A esta boa amiga da velha guarda./Dona Maria Mendonça/Que não quis ficar pra avó,/Não é amiga da onça/E sabe dar de cipó…/É de meã estatura,/Mas possui uma alma grande/E… de boa catadura,/Com toda a gente se expande…/No Eco e no Re-nhau-nhau,/– Mesmo com riso amarelo –/A tanto e tanto marau,/Vai chegando a roupa ao pelo…/Dona Maria Mendonça,/Muitos amigos conquista,/Por não ser falsa, nem sonsa…/Nem tão pouco vigarista./Deve muito a nossa ilha/A esta ‘grande’ mulher/Que, não sendo dela filha,/Tanto a estima e bem lhe quer!” (SILVA, 1980, 10-11). A título de curiosidade, enquanto empresária, Maria Mendonça introduziu na cafetaria e restauração da Madeira o uso das saquetas de açúcar, chegando a ter o monopólio da sua distribuição no arquipélago, e diz-se que, enquanto figura feminina atípica, disputa com a escultora Manuela Aranha o título de primeira mulher a andar de bicicleta na Ilha. Fig. 2 – Fotografia de uma reunião de O Pátio: um cenáculo de escritores e artistas. Maria da Trindade Mendonça (de costas e de preto, à direita), Maria Aurora Carvalho Homem, Luíza Clode, Margarida Macedo Silva, entre outros.Fonte: Colç. de Ângela Morna. Nos últimos tempos passados na Madeira, Maria Mendonça colaborou com a Direção Regional dos Assuntos Culturais, desempenhando o cargo de responsável pela Inspeção Regional de Espetáculos. Publica nos Açores, em 1984, o livro A Personalidade Multifacetada do Jornalista Manuel Inácio de Melo, que será reeditado em 1990. Há registo de Maria Mendonça ter usado o pseudónimo “Maria Júlia” e “Maria da Ilha” (ANDRADE, 1999, 187). O Governo Regional da Madeira distinguiu-a com o troféu Estrelícia Dourada pelos relevantes serviços prestados à sociedade madeirense. Deixa a Madeira em 1986, mas dela não se desligou, visitando-a regularmente. Os amigos do Funchal recebem-na em casa ou fazem-lhe uma visita quando se deslocam à ilha de São Miguel. Publica em 1988 a entrevista que fez à amiga de longa data, O Concelho de Nordeste Visto por Maria Lamas, reeditada em 1990. Nos últimos anos da sua vida, trabalhou na Direção Regional dos Assuntos Culturais dos Açores. Morre na ilha de São Miguel, aos 81 anos. Obras de Maria Mendonça: Férias nos Açores (1955); Os Açores Através da Saudade (1957); Uma Pequena História Madeirense (1957); Grupo Folclórico de São Miguel (1958); Presença Madeirense no Brasil (1958); Isto é a Madeira (1960); Semana da Madeira (1965-1972); Páscoa: Sugestões (1965); Natal: Sugestões (1966); “Evocação” (1980); A Personalidade Multifacetada do Jornalista Manuel Inácio de Melo (1984); O Concelho de Nordeste Visto por Maria Lamas (1988); Eu, Maria, me Confesso (Recordações e Narrativas) (2001); A Ilha da Madeira Vista por Intelectuais e Artistas Portugueses (s.d.).   Thierry Proença dos Santos (atualizado a 01.02.2018)

Sociedade e Comunicação Social Personalidades

machado, bernardo francisco lobato

Nasceu na Madeira, em 1802. Advogado provisionista e jornalista, em qualquer uma destas facetas Lobato Machado deixou marca e as suas ações geraram tudo menos indiferença. Fernando Augusto da Silva, no seu livro O Arquipélago da Madeira na Legislação Portuguesa, refere-se a ele “como um hábil advogado e deixou alguns escritos, que ao tempo gozaram de merecida reputação, especialmente um bem elaborado formulário acerca de várias questões forenses. Tornou-se muito conhecido como jornalista pela violência com que atacava os seus adversários e pela linguagem injuriosa de que geralmente usava, vendo-se obrigado a homisiar-se para escapar às ameaças de prováveis represálias. Ainda há poucos anos se falava com frequência nos artigos de descomposta verrina, que Lobato Machado publicara no jornal semanal A Vergasta, de que foi o redator principal” (SILVA, 1941, 28) Além de ser redator principal de A Vergasta, colaborou ainda nos jornais Amigo do Povo, Clamor Público e Justiça. Só pelo título, A Vergasta é elucidativa da violência dos textos aí produzidos. O espírito do jornal era explícito numa frase impressa junto ao título que rezava o seguinte: “Este jornal, por enquanto, não tem dia certo de publicação e aparecerá quando menos o esperarem”. Sendo redator principal, supõe-se que muitos dos textos fossem da sua autoria, apesar de os mesmos não serem publicados com assinatura. Os escritos deste jornal deveriam causar mossa e provocar celeuma na sociedade, nomeadamente na classe dirigente. Veja-se este texto, constante no número 37: “Esta folha precisa entrar num caminho novo! Temo-nos convencido de que nada se faz com águas mornas! Estamos em período de resistência e revolução! Temos de ser severos, implacáveis, como a cólera do povo! Esmaga-nos uma reação local, não sabemos se estúpida, se grutesca, se selvagem! A todo o momento aguardamos da misericórdia do governo da metrópole o restabelecimento da ordem, perturbada pelos abusos, e pela corrupção do poder administrativo neste distrito! O governo sacrifica o povo às consequências particulares destas autoridades: Nega-se a praticar, pela ordem, a reabilitação da ordem pública! Pois bem tem de nascer do povo a justiça! Nós, pela nossa parte, vamos renovar todos os meios de defesa!... Não aconselhamos o tumulto material, o derramamento de sangue, porque o irrisório Karlaff de S. Lourenço não vale a pena uma gota de sangue precioso das veias do povo” (MACHADO, A Vergasta, 2 jan. 1875, 1). Homem do seu tempo e empenhado nas questões políticas e sociais, Lobato Machado notabilizou-se ainda pela sua ação enquanto advogado e por outras publicações na sua área profissional, de que é exemplo o Formulário de todos os Autos, Termos, Certidões e Despachos dum Inventário, conforme Decreto de 21 de Maio de 1841. Refira-se que Bernardo Francisco Lobato Machado fazia parte da classe dos advogados provisionais ou provisionistas, os quais preenchiam a falta de bacharéis formados em direito e, mesmo sem as necessárias habilitações legais, ombreavam com os profissionais, destacando-se nessa área pelas suas capacidades intelectuais e pela sua capacidade de trabalho. Faleceu a 20 fevereiro de 1878. Obras de Bernardo Francisco Lobato Machado: Formulário de todos os Autos, Termos, Certidões e Despachos dum Inventário, conforme Decreto de 21 de Maio de 1841.   Raquel Gonçalves (atualizado a 01.02.2018)

Personalidades

melim, fernando de

Fernando de Melim nasceu na freguesia de Santa Luzia, no Funchal, a 30 de maio de 1918, sendo filho de Teotónio José de Melim e Maria José Ferreira Melim. Casou-se com Maria Lídia do Rosário Coelho, em 21 de julho de 1947. Fez o seu percurso académico nesta mesma cidade, do qual constam os cursos de Desenho Ornamental e Embutidos da antiga Escola Industrial e Comercial do Funchal, o Curso do Instituto Comercial do Funchal e o Curso Complementar do Comércio da Escola Industrial e Comercial do Funchal. Em 1941, não podendo, por razões económicas, prosseguir estudos fora da Madeira, e não conseguindo encontrar trabalho nesta cidade, graças à forte recessão que então se vivia devido à Segunda Guerra Mundial, aproveitou a abertura de vagas para o Exército Português e integrou o Curso de Sargentos Milicianos desse ano. Foi militar do quadro permanente do Exército, do qual passou à reserva em 15 de dezembro de 1975, com o posto de sargento-ajudante, depois de ter feito várias comissões de serviço no então Ultramar português, designadamente em Angola e Moçambique. Desde muito novo, Fernando de Melim revelou interesse por questões de índole cultural. Durante o ensino secundário, promoveu a realização de uma série de récitas estudantis, duas das quais chegaram a ir à cena no Teatro Municipal do Funchal. Nessa mesma época, em 1939, elaborou diversas gazetilhas, das quais duas – O Bibi e A Faísca – perduraram para a posteridade. Estes magazines, em virtude da absoluta falta de meios existentes, tiveram um tipo de divulgação deveras peculiar, circulando de mão em mão no círculo de amigos e conhecidos. Durante o tempo em que foi militar, colaborou no Jornal do Exército e em boletins militares das forças militares em Angola e em Moçambique. Terminada a vida militar, incrementou a sua produção literária, tendo colaborado regularmente em vários órgãos de comunicação social, dos quais se destacam a participação permanente e com a duração de vários anos no Diário da Madeira, com as secções “Se Eu Fosse Deputado”, “A Minha Gazetilha” (verso) e “Fala o Vereador n.º 10”. No Eco do Funchal, também eram suas as secções de “Cartas a Um Conterrâneo” e “Zé Funchal”. No Boletim do Marítimo, colaborava com gazetilhas e artigos desportivos, enquanto no Re-nhau-nhau publicava textos de humor. No Jornal da Madeira, mantinha a rubrica “Da Minha Janela sobre o Funchal”. Esporadicamente, produzia alguns artigos para o Diário do Alentejo. Para além da sua colaboração a nível da imprensa escrita, integrou também as seguintes associações: Sociedade Portuguesa de Autores, desde 1959; Associação Portuguesa de Escritores, desde 1995; Associação de Escritores da Madeira e Açores, desde 1999, de que foi sócio fundador; e a Associação de Escritores da Madeira, desde a sua fundação, em 2001. Estendeu ainda a sua ação a outras atividades noutras áreas, das quais se destacam a de delegado na Madeira do grupo onomástico Fernandos de Portugal, organização na qual, durante décadas, promoveu regularmente convívios, e a de delegado para a Zona Militar da Madeira da Associação dos Militares na Reserva e Reforma. Foi referido em várias publicações, nomeadamente Musa Insular: Poetas da Madeira, do poeta e jornalista Luís Marino (1959), e Os Militares e a Literatura Madeirense, do Prof. João David Pinto Correia (1998), tendo publicado as obras Horizontes Ilhéus (1994) e A Madeira Vista pelos Poetas (2002). Faleceu no Funchal a 14 de janeiro de 2007. Obras de Fernando de Melim: Horizontes Ilhéus (1994); A Madeira Vista pelos Poetas (2002).   Fernando Marcelo de Ornelas Melim (atualizado a 01.02.2018)  

Personalidades

madeiras

O nome da Ilha está inevitavelmente associado à madeira: foi este o material que proporcionou à terra a primeira imagem e o primeiro atributo, permitindo aos europeus compreenderem o potencial que apresentava para o povoamento e para a exploração de recursos. “Passamos a grande ilha da Madeira/Que do muito arvoredo assim se chama” (CAMÕES, 1613, Canto V, est. 5). O nome dado à Ilha referenciava a abundância e o aspeto luxuriante do seu bosque; no entanto, as queimadas com o objetivo de abrir clareiras para as culturas e para a habitação, e o desbaste para a fruição das lenhas e das madeiras fizeram-na, em pouco tempo, desmerecer tal epíteto. A tradição popular refere que quando os navegadores portugueses atearam um incêndio na densa floresta para poderem penetrar nela, aquele teria ganhado tais proporções que os teria atemorizado: teriam sido sete anos de chama acesa! Todavia, esta versão, divulgada por Francisco Alcoforado e repetida por Cadamosto e por outros autores da época, não é credível. No séc. XV, a Europa partiu à procura do Éden, bíblico ou descrito na literatura clássica greco-romana. Foi este um dos motivos não só do empenho de Colombo, mas também dos navegadores portugueses. O seu reencontro era encarado como uma conciliação com Deus e como o apagar do pecado original de Adão e Eva. Esta imagem perseguiu quase todos os navegadores quinhentistas e deveria estar também por detrás do empenho daqueles que aportaram à Madeira. Considere-se que as duas primeiras crianças nascidas na Ilha, as filhas de Gonçalo Aires Ferreira, tiveram os nomes bíblicos de Adão e Eva. Era o retorno ao Éden que, aos poucos, foi sendo perdido. A recuperação desta imagem aconteceria mais tarde, no séc. XVIII, durante o qual a Ilha se tornaria de novo o paraíso redescoberto para o viajante ou o tísico inglês, recuperado e revelado ao cientista. A Madeira não se posicionou apenas nos anais da história universal como a primeira área de ocupação atlântica, mas também como a terra pioneira na cultura e na divulgação do açúcar. A expansão europeia não se resumiu ao encontro e ao desencontro de culturas, mas também marcou o início de um processo de transformação ou degradação do meio-ambiente. O europeu carregou consigo a fauna e a flora de valor económico, que iriam provocar profundas mudanças nos novos ecossistemas. Com isto, o espaço vivido e a natureza universalizaram-se. Nos sécs. XV e XVI aconteceram as viagens de descobrimento, enquanto no séc. XVIII se sucederam as de exploração e de descoberta da natureza, comandadas por Ingleses e por Franceses. A Madeira foi o viveiro de aclimatação relacionado com as viagens nos dois sentidos: da Europa, propiciava-se a transmigração da fauna e da flora identificada com a cultura ocidental; por outro lado, as plantas do Novo Mundo também realizavam uma passagem obrigatória pela Ilha. A riqueza botânica do Funchal resultou disso. O processo de imposição da chamada biota portátil europeia, no dizer de Alfred Crosby, foi responsável por alguns dos primeiros e mais importantes problemas ecológicos, como a praga dos coelhos do Porto Santo e o incêndio que lavrou na Ilha durante sete anos. Estas situações são assiduamente referenciadas pela historiografia norte-americana que se dedica ao estudo da história do meio ambiente. Os arquipélagos da Madeira e das Canárias foram os primeiros a sentir os efeitos devastadores da cultura açucareira. O espaço limitado das ilhas não permitiu a continuidade desta cultura, que rapidamente devastou a sua reserva florestal. O processo agrícola em torno da cana sacarina fez abater as árvores de grande porte para abrir caminho ao desenvolvimento dos canaviais. A laboração dos engenhos obrigou ao desbaste das árvores para alimentar os próprios engenhos. Em pouco tempo, as encostas sobranceiras ao Funchal ficaram escalvadas. Os reflexos desta situação cedo se fizeram sentir obrigando as autoridades a intervir no sentido de limitar o avanço das áreas de cultivo e de controlar o referido abate de madeiras. Em 1466, os moradores do Funchal contestavam o regime de concessão de terras e de arvoredos, e o modo de as esmoutar, devido aos efeitos nefastos que causavam à safra açucareira. Perante tal reclamação, o senhorio ordenou aos capitães e aos almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos e que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o capitão de Machico continuava a distribuir de sesmarias os montes próximos do Funchal, com um prejuízo excessivo para os lavradores do açúcar; por conseguinte, D. Manuel repreendeu-o, solicitando que tais concessões fossem feitas na presença do provedor. Em 1485, o Rei proibiu finalmente a distribuição de terras de sesmaria nos montes e nos arvoredos do norte da Ilha, e, em princípios do séc. XVI (1501 e 1508), acabou definitivamente com a concessão de terras naquele regime. A única ressalva seriam as terras que pudessem ser aproveitadas em canaviais e em vinhedos. Entre o último quartel do séc. XV e os meados do séc. XVI, a política da Coroa debateu-se entre a necessidade de preservação da floresta e a criação de incentivos à produção açucareira. Várias medidas foram estabelecidas em 1508, em 1515 e em 1562, no sentido do uso controlado das lenhas para as necessidades da atividade quotidiana da Ilha. Entretanto, em 1502, o Rei também proibiu o funcionamento de uma serra de água na Ribeira Brava, face à reclamação de um morador relacionada com a falta de lenha. As reclamações dos moradores e as medidas consequentes do senhorio atestam a pressão do movimento demográfico sobre a concessão de terras. Na Madeira, das facilidades da déc. de 20 do séc. XV, entrou-se na déc. de 60 com medidas limitativas, como forma de preservar o pascigo de usufruto comum e de apoiar os principais proprietários de canaviais, cuja exploração dependia da existência dos referidos montes e arvoredos. A questão dos baldios e dos espaços de logradouro comum foi um motivo de acesa polémica entre as diversas entidades e criou diversos conflitos, nomeadamente quanto à utilização do Paul da Serra que, segundo a carta régia de 1811, era considerado o logradouro comum da maior parte dos concelhos e de muitas freguesias da Ilha. Em 1841, foram estabelecidas medidas no sentido de definir as confrontações destes baldios e destes logradouros comuns. As exorbitâncias dos capitães, desrespeitando as ordenações régias e senhoriais, conduziram a uma diminuição da área de pasto. Saliente-se que o próprio D. Manuel contrariou, em 1492, o regimento de dadas de terras ao permitir que o capitão do Funchal distribuísse não só terrenos na serra para os currais e para a cultura de cereais, mas também as bermas das ribeiras para a plantação de árvores de fruto. Aproveitamento dos recursos O espaço natural oferece diversos recursos que podem ou não ter utilidade e aproveitamento por parte do Homem. Durante o início do povoamento da ilha, as madeiras e as lenhas foram os primeiros recursos utilizados, pois iam ao encontro das necessidades imediatas. Recorde-se que nas instruções régias dadas aos primeiros povoadores sobre a distribuição de terras, se referia: “que vivam do seu trabalho, e de cortar e talhar madeiras, e de criações de gado” (O Infante…, 1994, 96). O seu usufruto pertenceria aos trabalhadores, por 10 anos: “todalla que nos ditos dez amos proueytarem lhe pasaraa y nom a outra que nom proueytarem y pidiram de nouo autoridade nosa pera a poderem protieytar, E nas madeyras paaos lenhas matos arboredos fontes tornos y olhos daugua pastos heruas paçignos nem folhas ramas heruagzes bagas boletas landes de arbores prayas e costas do mar rios e ribeyras particular algíi nom teraa nem jaa mays em tempo algü possa teer nem aquerir dominio nem dereyto per titollo algum nem per fose imemoriall uso nem costume em comtrayro se posa filhar nem introduzir” (PEREIRA, 1991, 58). Assim, no âmbito da silvicultura, sobressaiu não só o aproveitamento das madeiras na construção de embarcações, de engenhos de açúcar, de casas, de meios de transporte, mas também o aproveitamento da lenha como combustível caseiro e industrial (engenhos e forjas) e do pez para a calafetagem dos navios. A imagem da redução do manto florestal desenvolveu-se desde o início, com as chamadas serras de água (mecanismos movidos a água para serrar as madeiras), trazidas do reino, que se tornaram um importante meio para conseguir as madeiras. A primeira estrutura terá sido construída na Ilha em 1454 por Diogo de Teive, no local, certamente, que mereceu o nome de Serra de Água. As serras de água surgiram, por vezes, ligadas aos engenhos de açúcar. Era o caso, em 1454, de dois engenhos do mesmo Diogo de Teive na Ribeira de Santa Luzia, então conhecida como Ribeira da Serra de Água, e, em 1492, do engenho de Bartolomeu de Paiva, na Ribeira de S. Bartolomeu. No início da ocupação da Ilha, as serras de água tiveram um grande incremento, fruto da exploração das madeiras, para a exportação para o reino, para o uso nos engenhos e para a construção de habitações. As madeiras foram, aliás, a primeira riqueza com que os primeiros colonos depararam. Nas cartas de doação das capitanias, foi considerada uma fonte de receita para o capitão, que recebeu duas tábuas por semana ou dois marcos de prata ao ano. As serras de água existiram em toda a Ilha, em especial no recinto da capitania de Machico, que detinha uma importante mancha florestal. Gaspar Frutuoso, em finais do séc. XVI, referiu que se encontravam ali cinco em laboração, de que descreve a do Faial: “Está nesta freguesia uma serra de água, que foi um grande e proveitoso engenho, em que dois ou três homens chegam por engenho um pau de vinte palmos de comprido e dois e três de largo à serra, e, por arte, um só homem, que é o serrador, com um só pé (como faz o oleiro, quando faz a louça) leva o pau avante e a serra sempre vai cortando e, como chega ao cabo com o fio, com o mesmo pé dá para trás, fazendo tornar o pau todo, e torna a serra a tomar outro fio; de maneira que quem vir esta obra julgará por mui grande e necessária invenção a serra de água naquela Ilha, onde não era possível serrarem-se tão grandes paus, como nela há, com serra de braços, nem tanta soma de tabuado, como se faz para caixas de açúcar, que se fazem muitas, e para outras do mais serviço, que vem ser cada ano muito grande soma” (FRUTUOSO, 1979, 130). Foi no norte da Ilha que as mesmas indústrias persistiram ao longo de cinco séculos. Ainda no princípio do séc. XXI, eram visíveis vestígios da indústria em São Jorge, no Sítio do Pé do Pico. Para além disso, a sua memória perpetua-se nas designações atribuídas a uma freguesia e a algumas localidades. Como medida preventiva e de proteção da laboração dos engenhos, proibiu-se, primeiro em 1503, a exportação de madeiras, e, depois, em 1507, a construção de naus ou de navios, porque as madeiras eram necessárias para os engenhos. Ainda em 1514 e 1520, a Coroa determinou a forma de utilização das lenhas para os engenhos, que deveriam ser adquiridas na área da capitania de Machico. De acordo com recomendação de 1520, as licenças para o seu corte não eram controladas em Machico, mas no Funchal, por Rui Dias de Aguiar e por Martim Mendes de Vasconcelos. Este procedimento foi renovado pela Coroa em 1596. São várias as informações que referiam uma exploração e uma exportação desmesurada das madeiras da Ilha. Lisboa sofreu o benefício destas madeiras, de forma que Zurara afirmava que com elas se transformou a construção em altura na cidade de Lisboa, referindo as “grandes alturas das casas, que se vão ao céu” (MESTRE, 2002, 221). A Madeira foi, ainda, obrigada a abastecer de lenhas as embarcações que escalavam o Funchal, e bem como a prover as necessidades daquelas para o Porto Santo e o Cabo Aguer, uma situação que foi documentada em 1536. A incessante exploração conduziu o homem à busca de medidas de defesa da natureza que surgem em circunstâncias e em conjunturas de crise deste inestimável recurso. A par do usufruto da floresta como fonte de combustível, as madeiras de til, de vinhático, de aderno e de barbuzano cativaram a atenção de colonos e de forasteiros, e foram muito cobiçadas e elogiadas. Disto, realçam-se dois testemunhos que atestam a admiração dos europeus pela riqueza e pela importância das madeiras da Ilha. Em 1455, Cadamosto referia que tinha cerca de oito regatos muito grandes, que atravessavam a Ilha, e sobre os quais estavam construídas oficinas de serra que continuamente trabalhavam madeiras e tábuas de muitas maneiras, de que se provia Portugal inteiro e outros países. Destas tábuas menciono o cedro do qual se fazem belíssimas pranchas largas e compridas, caixas e outros trabalhos e o teixo de cor róseo encarnado. Em 1482, Diogo Gomes afirmava: “Encontraram no Funchal madeira de que fazem arcos, em língua vulgar teixo, de grossura como uma pipa e muito alta. E acharam também muitíssima madeira de cedro [...] e árvores que chamam barbusano e outra madeira pesada como chumbo, que nem a água nem a terra a podem corromper. E se algumas destas madeiras for posta em qualquer edifício permanece sã para sempre. Há ainda outra madeira chamada barrabulano, que é bastante branca, enquanto que o barbusano é vermelho tendendo para o preto. E ainda há madeira de til e outras árvores diversas das nossas” (FERREIRA, 1959, 249). A Ilha tinha condições para oferecer aquilo que os europeus precisavam para se lançarem em produções extensivas com grandes exigências do meio ambiente, em recursos silvícolas e aquíferos. As madeiras, pela sua abundância e qualidade, contribuíram para revolucionar a construção naval e civil, como já se referiu, beneficiando com isso a marinha e a cidade de Lisboa. Outra utilidade significativa foi o mobiliário, cuja situação está já documentada a partir dos inícios, quando Cadamosto afirmava que “trabalhavam obras de carpintaria, e bufetes de muitas invenções, de que se provê todo o Portugal e outros países” (ARAGÃO, 1981, 36). Devido aos processos de aproveitamento económico da Ilha, surgia uma situação particular que era evidenciada por todos os visitantes: o sul escalvado contrastava com o norte, onde ainda persistia a floresta indígena. Foi evidente o perigo de desaparecimento de algumas espécies da flora indígena. Em 1792, J. Barrow referiu a situação do cedro, enquanto, em meados do séc. XIX, J. Mason mencionou também o progressivo desaparecimento do dragoeiro, do folhado e do vinhático. Este processo de desflorestação mereceu alguns reparos. Em 1817, Paulo Dias de Almeida acusou os carvoeiros da situação em que encontrava a Ilha: “As montanhas que não há muitos anos vi cobertas de arvoredos, hoje as vejo reduzidas a um esqueleto. O centro da Ilha se acha, todo descoberto de arvoredo, com apenas algumas árvores dispersas, e isto em lugares onde os carvoeiros não têm chegado” (CARITA, 1982, 53). A cultura da cana de açúcar teve um efeito devastador sobre o coberto floresta da ilha da Madeira. Com efeito, para plantar a cana, derrubava-se ou queimava-se a floresta; depois, para fabricar o açúcar, era necessária a madeira para manter acesa a chama dos engenhos ou para construir as infraestruturas. A cana teve, na floresta, o seu maior amigo, e a floresta teve, na cana, o seu maior inimigo. A história do açúcar revela-nos que o período médio de afirmação das culturas não chegou a um século. O litígio entre as capitanias do Funchal e Machico, quanto ao usufruto da floresta, foi uma constante no séc. XVI. Acontece que a capitania do Funchal dispunha da maior área de produção de açúcar da Ilha, superior a 2/3, mas era na de Machico que se encontrava o mais importante manto florestal necessário para alimentar os engenhos. O vedor da Fazenda Real determinou, em 1581, que as madeiras destinadas ao fabrico do açúcar fossem de fruição comum. A situação manteve-se nos anos imediatos, sendo necessária a intervenção da Coroa. No sentido de controlar o consumo de lenhas pelos engenhos, a Câmara nomeava um estimador de lenhas. Considere-se que muitas das inovações no domínio da indústria açucareira surgiram por necessidade de poupar energia. Assim, a partir do séc. XVII, a generalização do chamado trem jamaicano podia ser considerada um contributo significativo. Como solução, recorreu-se ao uso de apenas uma fornalha para alimentar três caldeiras. Assim, o fabrico de 1 kg de açúcar deixou de necessitar os então habituais 15 kg de lenha, passando para um 1/3. No séc. XIX, generalizou-se a máquina a vapor, diminuindo a exploração da floresta, uma vez que os engenhos passaram a ser alimentados por carvão mineral. No entanto, a par disso, houve a necessidade de madeiras para embalar os pães de açúcar. De acordo com o regimento das madeiras, de 5 de maio de 1546, só era permitida a saída de caixas de til com açúcar, sendo proibida a saída das de vinhático e de cedro. As madeiras da ilha da Madeira também foram muito apreciadas no séc. XV, na construção naval, no reino e na Ilha. Considere-se o testemunho de Jerónimo Dias Leite: “E neste tempo pela muita madeira que daqui levavam para o reino começaram com ela a fazer navios de gávea, e castelo da vante, porque dantes não havia no reino” (LEITE, 1989, 28). Em 1507, proibiu-se a exportação de tabuado e limitou-se a construção naval à construção de caravelões a barcas, apenas para serviço na Ilha. Em 1515, especificava-se que a madeira apenas deveria satisfazer as necessidades da pesca do carreto, sendo interdita a sua venda para fora. Em 1555, por provisão régia, Nuno Pessoa e Belchior de Moura foram autorizados a cortar madeiras nas matas de Boaventura, do Porco, do Seiçal e de São Vicente, para remos de galés e para reparos de artilharia. Por esta razão, em 1541, André Lourenço, mestre de moinhos de açúcar em Santa Cruz, foi incriminado por ter construído uma embarcação com maiores dimensões do que as permitidas no regimento. Os estaleiros de reparação e de construção naval da Madeira situar-se-iam no Funchal, o principal porto da Ilha, e em Machico, a sede da capitania do norte, onde as madeiras eram abundantes. Os sécs. XVII e XVIII, de forte competência das potências europeias no domínio do mar e do Novo Mundo, conduziram ao incremento da construção naval. Até 1862, altura em que se atingiu a idade do ferro, a madeira era, portanto, a matéria-prima da construção das embarcações. O caso mais evidente disto encontrou-se na Inglaterra, que, ao ver perdida a floresta, se socorreu das madeiras de América do Norte para assegurar o poderio marítimo. Aliás, este continente foi a principal reserva europeia: a Nova Inglaterra foi a base das madeiras para os Ingleses, e o Canadá, para os Franceses. A Madeira assumiu, aqui, um lugar de destaque. S. Pyne afirmou que a situação da Madeira não era uma caricatura do processo de desflorestação, mas a sua evidência. Sendo o mar o meio de comunicação mais usual e importante da comunidade insular, admitir-se-á que a construção naval teria adquirido um grande relevo. Ela surgiu não apenas com a finalidade de assegurar o fornecimento de embarcações de cabotagem, mas também para dar apoio à navegação atlântica, no reparo das embarcações fustigadas pelos acidentes ou pelas tempestades oceânicas. Os estaleiros de construção e de reparação naval proliferavam nas principais ilhas do meio insular, sendo esta atividade de transformação regulamentada e apoiada pelas autoridades locais e centrais, que, e.g., asseguravam as licenças necessárias para o corte das madeiras e definiam as dimensões e a capacidade das embarcações a construir. Os europeus foram portadores de plantas fruteiras que faziam parte da sua dieta alimentar. Esta presença persistiu em algumas localidades. O Curral das Freiras e a Serra de Água ficaram conhecidos como as terras dos castanheiros e das cerejeiras. A sobrevivência disto está no facto de, no começo do séc. XXI, se celebrar a Festa da Cereja no Jardim da Serra e, no Curral das Freiras, a da castanha. A feiteira também foi um recurso de não menor importância, que, a exemplo do abate de madeiras, era gerido pelo município. Para os concelhos rurais, como Porto Moniz, Ponta de Sol e Calheta, a feiteira do Paul da Serra era uma importante riqueza pelo seu uso na cama do gado e na posterior adubação das sementeiras. Políticas florestais e de florestação Foi com um violento incêndio que os povoadores, segundo Cadamosto, varreram grande parte da dita madeira, fazendo terra de lavoura, de forma que, em 1466, o senhorio proibiu as queimadas e estipulou que as terras fossem limpas a machado para que não faltasse lenha. Esta medida repetiu-se de forma insistente no tempo: em 1485, em 1490, em 1491, e em 1495. Todas estas recomendações têm um documento fundamental: o chamado regimento dos fogos, de 9 de março de 1490. Com ele, surgiu o cargo de juiz dos danos dos fogos, que teve uma missão importante em fazer cumprir todas as determinações sobre o uso da floresta. Tal como se verifica, houve, desde o início do povoamento, uma preocupação com a salvaguarda dos recursos florestais. Em 1461, face a uma reclamação dos moradores acerca do corte de madeiras, o duque D. Fernando esclareceu que “saluo se pera ellas cortardes çedro ou teyxo [...] das quaees mamdo que requeira a dizima por que lhe nõ praz que pera has ditas cousas se corte adita madejira pois doutra muyta e de mujtas manejras [...] tem em gramde abastamça e aymda que agora pareca que adita madeyra de çedro e teyxo norn pode fazer mimgoa deue se creer que o fara ao longe e em especial naquelles lugares de que mais sem trabalho pode seer tirada e carregada” (PEREIRA, 1991, 79). A legislação florestal madeirense foi prolixa, sendo de destacar o regimento das madeiras de 1562, o mais antigo que se conhece (pois faltam notícias sobre aquele que teria existido em 1515), o regimento das matas e dos arvoredos, de 1839, o plano de organização dos serviços florestais, de 1886, e o Regimento do serviço de polícia rural e florestal, de 1913. Estas regulamentações genéricas tiveram uma réplica nas posturas e nas correições, completando, assim, o quadro das medidas protetoras do manto florestal. As contingências de cada época ditaram, sem dúvida, a sua ineficácia. As medidas resumiam-se à preservação daquilo que existia através de limitações ao abate de árvores e à recuperação do coberto florestal, com uma política de reflorestação das zonas ermas ou em abate. Também se registaram, desde 1627, várias medidas no município de Machico para reflorestar as serras, que se somam a outras existentes sobre as testadas das ribeiras. Estas medidas do município juntam-se a outras relacionadas com a proibição de saída de madeiras (1652), com a proibição de corte de madeiras sem autorização do meirinho da serra, e com a proibição de trabalhos de desmoita (1673-74). A par disso, houve indicações de devassas para apurar o cumprimento das medidas sobre o corte de madeiras em 1606, em 1638, em 1641, em 1645, em 1649, e em 1704. Existia a mesma preocupação com as serras de água em funcionamento que, a partir de 1708, por ordem do governador, deixaram de ser autorizadas. Na déc. de 30, retornaram as novas licenças e, em 1780, as posturas de Machico determinavam a existência de uma única serra de água a funcionar em toda a vasta área do concelho. Mas a política de reflorestamento da Ilha só assumiu uma dimensão clara a partir da segunda metade do séc. XVIII, sendo uma preocupação evidente dos governadores, tal como José António de Sá Pereira. Naquele tempo, a aposta estava nos castanheiros. A primeira indicação foi de 1677, altura em que se recomendava o plantio em Machico, em Santa Cruz e em Porto Santo. O grande promotor da política foi o corregedor Francisco Moreira e Matos. Em 1769, ele estabeleceu, em Santa Cruz, várias medidas que determinavam a obrigatoriedade de plantar árvores nas terras baldias. Na Ponta de Sol, em 1789, explicitou-se que o plantio deveria ser de árvores silvestres e de fruto. A solução tornou-se extensiva a toda a Ilha, através da carta circular de 25 de dezembro de 1770. Em Santa Cruz, sabe-se que esta medida era fiscalizada pelos próprios moradores, nomeando, para a vereação, dois homens por cada localidade. Além dos baldios, consideraram-se as escarpas montanhosas e as áreas de cultivo. Assim, em 1791, recordava-se aos lavradores das meias terras acima que eram obrigados a plantar meio alqueire ou uma quarta de castanheiros, dependendo da extensão das terras, enquanto os outros deveriam plantar pelo menos duas laranjeiras e um limoeiro. Por outro lado, as terras escalvadas e as do interior deveriam ser semeadas com pinheiros no decurso do mês de setembro. Outra das propostas era a amoreira. Note-se que nos dois anos que antecederam a visita do corregedor à Ponta de Sol, em 1795, se plantaram 35.000 árvores. Esta medida salutar teve diversas formas de concretização. Assim, em 1800, aquele que cortasse uma árvore era obrigado a plantar outra no seu lugar. Esta medida foi, aliás, testemunhada por W. Combe em 1821. No séc. XIX, aconteceram diversas aluviões que devastaram a cidade e levantaram, de imediato, a necessidade de apostar numa política de reflorestamento. Em 1813, o governador Luiz Beltrão de Gouveia referia, em carta ao conde de Galveias, diversas iniciativas nesse sentido, estando o batalhão de artilharia empenhado no plantio de 14.000 árvores na serra. Depois, em 1823, José Maria da Fonseca, inspetor geral de Agricultura da Madeira, apresentou um projeto de arborização da Madeira em que foram sugeridas várias medidas, sendo uma delas a criação de condições para a importação e a generalização do consumo do carvão vegetal na cidade. A partir de 11 de março de 1911, a Direção dos Serviços Florestais passou a Estação Agrária e depois, em 22 de fevereiro de 1951, surgiu a publicação do plano de repovoamento florestal dos baldios do arquipélago da Madeira. O decreto em questão criou a circunscrição florestal do Funchal para o arquipélago da Madeira que, graças à ação de Eduardo de Campos Andrada, contribuiu de forma clara para o processo de reflorestação de ambas as ilhas com espécies indígenas e outras exóticas de valor comercial. Neste contexto, surgiram viveiros florestais no Santo da Serra, em Poiso, no Pico das Pedras (Santana), na Encumeada, em Santa Maria Madalena, e em Salões (Porto Santo). Nos princípios do séc. XX, era pouca a mancha de flora indígena que persistia, de forma particular no norte da Ilha; com a criação, em 1982, do Parque Natural da Madeira, deu-se um forte incentivo à sua preservação. Os espaços envolventes deixaram de sofrer abusos relacionados com os derrubes e começaram a acolher veraneantes e turistas amantes da natureza. A Madeira persistiu, assim, como uma reserva científica para o conhecimento da flora atlântica. Direitos e tributos A floresta como recurso importante em termos económicos mereceu, desde o início, a atenção do senhorio da Ilha; o infante D. Henrique detinha o monopólio das estruturas para o corte de madeira e das serras de água trazidas do reino. A 1 de novembro de 1446, acrescentaram-se outras regalias à atribuição da ilha do Porto Santo a Bartolomeu Perestrelo, como os direitos sobre as serras de água, uma situação que não estava referida na carta de Machico de 1440, e também outros engenhos e o usufruto comum do gado bravio, exceto o pastorado, de acordo com a carta de João Gonçalves Zarco: “E me praz que aja de todas has serras dagoa que se y fizerem de cada huma hum marco de prata em cada hum anno ou seu çerto valor ou duas tabuas cada semana das que custumarem serrar nas serras” (O Infante…, 1994, 104). Na mesma carta de doação das capitanias de Porto Santo e Funchal, referiu-se a dízima das serras de água: “pagando a mim o dízimo de todas as ditas serras, segundo pagam das outras, assim como pagam das outras coisas que serrarem as ditas serras” (Ibid., 113). Em 1461, o infante D. Fernando referiu a dízima das madeiras, estabelecida por foral do infante D. Henrique, cujo teor desconhecemos. Mas, nesta data, isenta os moradores deste tributo “da madeyra que colhees pera as [...] casas fazer e repairar e das forcas e trizeas e outra madeyra delgada que se poem nas latadas e vinhas e tapadura e yso mesmo da lenha que queimaes em vosas cassas” (PEREIRA, 1991, 78). Em 1485, alertou-se, de novo, os moradores da Ilha para o facto de, desde os inícios do povoamento, com o infante D. Henrique, os teixos e os cedros sofrerem a dízima. Em 1471, João Garcia era o rendeiro do dízimo das madeiras. Em 1485, D. Manuel apenas estabeleceu, no espaço de três anos, a isenção da madeira usada na construção de casas, em resposta ao pedido de isenção da dízima da madeira de “quaees queer teyxos que forem neçesareos pera eyxos esteos cassas latadas emgenhos e tapumes e que nom fosem pera arcos e mesas e yso mesmo cedros que cada hum se podese aproueytar delles sem pagar cousa algua” (Id., Ibid., 79).   Alberto Vieira (atualizado a 01.02.2018)

História Económica e Social

noronha, adolfo césar de

Naturalista e homem de cultura natural do Funchal, onde nasceu a 9 de setembro de 1873, Adolfo César de Noronha estudou no Liceu do Funchal e nas antigas Escola Politécnica de Lisboa e Academia Politécnica do Porto. A 11 de dezembro de 1914, foi nomeado bibliotecário da Biblioteca Municipal do Funchal (BMF) e, em 1928, seu diretor, cargo que ocupou até à sua aposentação, em 1943. Com ligações familiares ao Porto Santo, efetuou nesta ilha observações meteorológicas, colheitas de espécimes, em particular fósseis, e ainda observações ornitológicas, que, juntamente com outras colheitas no arquipélago, vieram a servir de base a estudos efetuados por eminentes cientistas da época, com destaque para Ernesto Schmitz  (aves), Z. J. Joksimowitsch, P. Oppenheim e J. Böhm (fósseis). Na área do mar, colheu esponjas e briozoários, muitos deles novos para a ciência. À época, causou sensação a descoberta de uma esponja incrustante, simultaneamente com espículas calcárias e siliciosas, Merlia normani, obtida por dragagens no Porto Santo. Estas dragagens foram feitas em conjunto por Noronha e Randolph Kirkpatrick em 1909, tendo este último publicado a descrição desta esponja num extenso artigo publicado no Quarterly Journal of Microscopical Science, em 1911. Em 1922, encabeçou uma expedição científica às ilhas Selvagens (onde já tinha ido em 1906 e 1909), acompanhado de Adão Nunes e Damião Peres. Por vicissitudes com o navio que os deveria trazer de volta ao Funchal, acabaram por lá permanecer dois meses, causando motivos de preocupação na sociedade madeirense. O seu regresso ao Funchal foi motivo de receção pelas mais altas individualidades da Madeira, conforme noticiado pelo Diário de Notícias do Funchal de 13 de junho desse ano. Dessa expedição resultaram observações meteorológicas e colheitas de espécimes que foram enviadas a especialistas mundiais da época. Com o seu vasto conhecimento da história natural da Madeira e sendo fluente no inglês, francês e alemão, Adolfo César de Noronha foi o correspondente por excelência na Madeira de muitas figuras gradas da ciência do início do séc. XX. Como gesto de reconhecimento, várias espécies novas para a ciência foram-lhe dedicadas: Schizoporella noronhai, briozoário abissal, Pecten noronhai e Spondylus noronhai, moluscos bivalves fósseis, entre outras. Estudou com profundidade os peixes da Madeira, tendo publicado em 1925, no Porto, um ensaio intitulado Um Peixe da Madeira. O Peixe Espada Preto, ou Aphanopus carbo dos Naturalistas e, no ano seguinte, nos Annals of the Carnegie Museum, dois artigos sobre duas espécies novas para a ciência: um peixe da família dos escolares, Diplogonurus maderensis, e um tubarão de profundidade raro, que dedicou ao seu amigo Alberto Artur Sarmento, Squaliolus sarmenti. Em coautoria com Sarmento, publicou também, em 1934, um trabalho de divulgação intitulado Os Peixes dos Mares da Madeira e, em 1948, o segundo volume (Peixes) do importante trabalho Vertebrados da Madeira, editado pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Colaborou ativamente com Fernando Augusto da Silva e com Carlos Azevedo de Meneses na elaboração do Elucidário Madeirense (1922), tornando esta obra numa referência da história natural do arquipélago da Madeira. Logo após a sua nomeação como diretor da BMF, à época instalada no edifício dos Paços do Concelho em exíguas condições, começou a defender a aquisição de um edifício para a sua reinstalação e a criação de um museu que pudesse alojar as suas coleções de história natural e outro património artístico, arqueológico e histórico pertencente à Câmara Municipal do Funchal (CMF). Esta intenção foi concretizada em 1929 com a criação do Museu Regional da Madeira e com a aquisição do palácio de S. Pedro, para a qual foi decisiva a ideia por si realizada de emitir um selo postal da Madeira cuja receita reverteu para esta aquisição. Com a preciosa colaboração de Günther E. Maul, o novo Museu abriu as suas portas ao público em 1933, sendo hoje o Museu de História Natural do Funchal. Ao aposentar-se, a 9 de setembro de 1943, a CMF prestou-lhe homenagem atribuindo o seu nome à sala principal do Museu. A Augusto Nobre (1865-1946), distinto cientista português e catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, são atribuídas as seguintes palavras acerca de Adolfo de Noronha: “possui todos os requisitos para ocupar com distinção uma cátedra em qualquer universidade do país” (SILVA e MENESES, 1965, 426). Adolfo César de Noronha morreu no Funchal, a 6 de abril de 1963. Obras de Adolfo César de Noronha: Um Peixe da Madeira. O Peixe Espada Preto, ou Aphanopus carbo dos Naturalistas (1925); “A New Species of Deep Water Shark (Squaliolus sarmenti) from Madeira” (1926); “Description of a New Genus and Species of Deep Water Gempyloid Fish, Diplogonurus maderensis” (1926); Os Peixes dos Mares da Madeira (1934) (coautoria); Vertebrados da Madeira. Peixes (1948) (coautoria).   Manuel José Biscoito (atualizado a 03.03.2018)

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