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luzia (luísa susana grande de freitas lomelino)

  Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino, cujo pseudónimo era Luzia, nasceu a 15 de Fevereiro de 1875, em Portalegre (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). O pai era o capitão Eduardo Dias Grande, bisneto do Dr. Francisco Grande e Metelo, este último nascido em 1755 na freguesia de Galinde, reino de Leon, e formado pela Universidade de Salamanca. Dr. Francisco Grande e Metelo casou em 1797 com D. Antónia Isabel Caldeira d’Andrade, natural do Crato e oriunda de uma família brasonada, fixando a sua residência em Portalegre. Dos sete filhos do casal, apenas uma teve descendência, Antónia Benedita Grande e Caldeira (CONDE, 1990, p.40). Luzia com 26 anos de idade. Fotografia tirada em 12 de Março de 1901, chapa nº 19.009, Luísa Grande de Freitas Lomelino, espólio de José de Sainz-Trueva, Arquivo Regional da Madeira. O pai de Luzia tinha dois irmãos, o general José Maria Grande e D. Sofia Cândida Dias Grande, que foram os padrinhos de Luzia (cf. Registo de batismo de Luísa Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Eduardo Dias Grande foi Secretário-geral do Governo Civil do Distrito do Funchal (CLODE, 1983, p.251) e casou com uma rapariga da alta sociedade madeirense, Luísa de Freitas Lomelino, filha do morgado da Quinta das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino e D. Ana Welsh de Freitas Lomelino provenientes de uma antiga família madeirense, «Os primeiros deste apelido que passaram à Madeira, por 1470, foram Urbano Lomelino e seu irmão Baptista Lomelino, aristocratas de Génova, que fizeram assento em Santa Cruz» (CLODE, 1950, p. 188). Do casamento de Eduardo Dias Grande e Luísa de Freitas Lomelino nasce a primeira filha do casal, Ana Luísa, a 7 de Dezembro de 1867, na freguesia de S. Pedro, no Funchal (cf. Registo de batismo de Ana Luísa, Arquivo Regional da Madeira, livro 1372). Luzia nasce oito anos depois, já no continente, e logo ao nascer, o seu percurso de vida fica marcado por uma ausência, a da mãe, que morre após o parto (cf. Registo de óbito de Luísa Lomelino Dias Grande, Arquivo Distrital de Portalegre). Escreve José Martins dos Santos Conde que «a infeliz criança, envolta num cobertor, foi imediatamente transportada da casa onde nasceu, na Rua 1º de Maio, para a casa grande de sacadas de ferro, na Rua dos Canastreiros, onde morava a tia Sofia Cândida» (CONDE, 1990, p.40). O mesmo autor refere também que foi com a tia que Luzia viveu dois períodos importantes da sua vida: os seis meses que passou com ela quando nasceu, e, mais tarde, aos nove anos, quando é mandada de novo para casa da tia Sofia. Ao fim dos seis meses passados em Portalegre, o pai de Luzia, que sofria de uma grave doença pulmonar, decidiu mudar-se para a Madeira com as duas filhas, em busca de um clima mais favorável à sua doença. Foram viver para a Quinta das Cruzes (homónima da de Portalegre), propriedade dos avós maternos de Luzia (CONDE, 1990, p.42). Com nove anos apenas, Luzia vê a vida levar-lhe a pessoa que mais adora, o pai, que falece vítima de tuberculose. Aos catorze anos, é enviada pelos tios para o colégio das Salesas, em Lisboa (CONDE, 1990, p.42). Atingida a maioridade, Luísa «viveu algum tempo em Lisboa em casa dos viscondes de Geraz de Lima. Seguidamente acompanhou-os até à Madeira e passou a residir em casa da avó Ana, na Rua dos Netos, nº 19» (CONDE, 1990, p.42). É na Madeira que Luzia casa com Francisco João de Vasconcelos, a 4 de Abril de 1896 (cf. Registo de casamento de Luísa Grande de Freitas Lomelino e Francisco João de Vasconcelos Couto Cardoso, Livro 6814 A, Arquivo Regional da Madeira). Após os primeiros tempos na Quinta das Cruzes, os noivos rumaram ao Jardim do Mar e passaram a residir no Solar de Nossa Senhora da Piedade. Mas o casal não era feliz, e a Lei do Divórcio (de 3 de Novembro de 1910), que foi um dos primeiros atos legislativos do Governo Provisório saído da revolução de 5 de Outubro 1910, foi imediatamente aproveitada por Luzia. A 19 de Novembro de 1911, Luzia escreve no seu Jornal: «Seulette, seulette, sans compagnon ni maître… E agora, julgo que para sempre. Mas não me sinto feliz… Ai de mim! Ai de todos nós! Passamos a vida a dizer: se não fosse isto, se tivéssemos aquilo… Isto deixa de ser, temos enfim aquilo, e ri dos nossos vãos, temerários “ses”, a cruel, irónica felicidade!...» (CONDE, 1990, p.51). Posteriormente a esta fase da sua vida, Luzia vai ainda passar por grandes sofrimentos, já que para além do divórcio, terá vários problemas de saúde dos quais a tuberculose (SAINZ – TRUEVA, nº 20, 1989, p. 304) e a neurastenia, cultivará a solidão, com receio de uma nova desilusão, o que quase a conduziu à loucura, à destruição dos seus sonhos, a um desequilíbrio emocional e físico que a levaram a desejar a morte. Luzia recorre a um sanatório em França para se restabelecer e após esse período passa anos de uma interessante vida intelectual, tendo começado a publicar os seus livros, envolvendo-se na vida em sociedade, que era circunscrita a um pequeno mundo elegante, e inicia as suas viagens pelo estrangeiro Luzia, pelas várias terras pelas quais vai passando, sente a nostalgia de todos os lugares por onde foi deitando raízes (LUZIA, 1923, p. 172), como refere, em Cartas do Campo e da Cidade, mas à medida que os anos vão passando é da Madeira que sente mais falta, «a Madeira parece-me a minha terra de promissão onde hei de enfim descansar de tantos temporais que têm batido a minha pobre vida» (SOARES, s.d., p. 72). Tendo passado algum tempo nas terras portuguesas do norte, no Buçaco, nas suas estâncias de águas, decide voltar à Madeira. Nos primeiros anos, no Funchal, tudo lhe correu a seu gosto, num ambiente calmo e alegre, como refere Feliciano Soares: «Depois de vagabundear por hotéis, instalou-se logo adiante da Ponte Monumental, de tão estranha, impressionante paisagem, na quinta Nogueira de que ela, com os seus quadros, as estantes dos seus livros ricamente encadernados, as suas flores sempre renovadas, fez um petit chateau de France» (SOARES, s.d., p. 82). Luzia mudou-se da Quinta da Nogueira para a Quinta Carlos Alberto, na rua do Jasmineiro, número 3, onde, como constata Feliciano Soares, mão amiga lhe proporcionou o seu cantinho confortável e convidativo, pois Luzia não suportava qualquer esforço físico, e, desde que se mudou, «todos os males do mundo nela se reuniram para lhe demolirem a vida, numa lentidão tal que os seus amigos chegavam a iludir-se sobre a gravidade do seu estado» (SOARES, s.d., p. 86). Luzia deixara de se queixar, mostrando relativa boa disposição. Mais tarde, vem a confessar que «olhando o inaudito sofrimento da humanidade inteira, não se sentia com o direito de se queixar» (SOARES, s.d., p. 86). Os achaques foram-se multiplicando, o declínio acentuava-se, os médicos redobravam os cuidados e os amigos começavam a alarmar-se. Após sofrimentos físicos e morais que se prolongaram ao longo da vida, Luzia falece a 10 de Dezembro de 1945, pelas 14h, na Quinta Carlos Alberto (cf. Registo de óbito de Luísa Grande, nº 1569, Arquivo Regional da Madeira). Relativamente ao seu percurso literário, é desde tenra idade que Luzia sonha ser escritora. O seu primeiro conto é publicado a 8 de Janeiro de 1894, no Correio da Manhã (cf. Correio da Manhã, 08.01.1894, “A lenda das estrelas”). Luzia colaborou também na imprensa da Madeira, com o pseudónimo de Lady Butterfly (SOARES, s.d., p. 14).O lançamento do primeiro livro de Luzia, Os que se divertem, a comédia da vida, aconteceu quando a escritora tinha já quarenta e cinco anos, em 1920, e não foi uma surpresa no mundo das letras portuguesas. Como refere Feliciano Soares, na frequência assídua do salão de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi conhecida de perto e logo admirada. Dir-se-ia que já se esperava que ela se afirmasse grande desde a primeira hora. O sucesso foi enorme e imediato e a obra conheceu três edições, a primeira em 1920 (229 pp.), a segunda em que não aparece data de publicação (223 pp.) e a terceira edição em 1929 (305 pp.), esta última uma edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques (nesta edição novos capítulos são acrescentados, mas um é retirado, “As Cartas de Clara”, sendo substituído pelo capítulo “A Récita de Caridade”, já publicado em Rindo e Chorando). Os que se divertem, a comédia da vida é um retrato da alta sociedade em que Luzia se movimentava. Os novos e velhos ricos, os vestidos, os eventos, a sociedade das aparências em que se movia são simultaneamente cenário e protagonistas das suas histórias. A ironia prevalece praticamente sobre todos os quadros que “pinta”, apontando os ridículos do que a rodeia. Dos retratos mais comuns, aparece o das mulheres: a mulher vaidosa, que só se importa com a aparência e tudo faz para ocultar a idade; a mulher que inveja, que desdenha das amigas íntimas e de outras mulheres; a escrava do chic; a intriguista; os flirts; as novas-ricas com seu mau gosto, a falta de cultura e educação; entre outras situações ridículas e pequenas. Rindo e Chorando (291 pp.) é publicado dois anos depois, em 1922, e mantém os mesmos traços e até as mesmas personagens do livro anterior. Sente-se quase como uma continuação das “comédias da vida”, mas revela uma ironia mais trágica que faz o leitor flutuar entre episódios de riso genuíno e de sorriso amargurado, de tão terrível que pode ser a ironia da vida. Cartas do campo e da cidade vem a público em 1923 (222 pp.), e, tal como o próprio nome indica, situa-se entre as paisagens e ambientes opostos destes dois lugares: das quarenta e quatro cartas, vinte e oito são escritas na cidade, algumas em Lisboa, outras no Funchal, e dezasseis no campo, a maioria delas nas Quintas de Portalegre. Cartas d’uma vagabunda é o quarto livro de Luzia (310 pp.), no qual não aparece a data de publicação. Esta obra revela a enorme paixão que Luzia tem pela epistolografia e como ela própria se destaca neste género. Nas cartas, Luzia testemunha que acaba de chegar de França e descreve como encontra Lisboa e os seus hotéis favoritos. Depois de instalada, retrata de novo a cidade e os seus ridículos. Nada escapa ao olhar de Luzia, dos políticos à moda, dos hábitos culturais à alta sociedade, todos são alvo da sua ironia. Mas um grupo em particular é alvo do seu mais violento sarcasmo, os novos-ricos. Nesta obra, Luzia continua a caracterizar-se pela sua irreverência, não faltando exemplos, como o trecho: «Parece-me que escolheste péssima conselheira. Por distração e... talvez por um bocadinho de implicação também, faço sempre o contrário do que o código elegante manda fazer» (LUZIA, s.d., p.31). Em Cartas d’uma vagabunda, Luzia também relembra os doces momentos passados no colégio das Salesas, e algumas das histórias da temporada passada em Pau, no sanatório, fazendo referência ao conflito mundial que o mundo tinha atravessado. A chegada a Portugal, a estadia em Lisboa, seguidamente, em Pedras Salgadas e, por fim, de novo a sua amada França. É o percurso que Cartas d’uma vagabunda leva o leitor a fazer. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões surge em 1931 (84 pp.) e é um livro de pequeno formato em que Luzia faz reflexões sobre o que lhe ensinaram as suas vivências, iniciando um diálogo com a morte. Tem cinquenta e seis anos e abate-se sobre a sua alma a desilusão de sonhos desfeitos, de uma vida muito sofrida até ao momento: «Não sejas tão severo com os novos. Lembra-te que já seguiste a sua esperança e que eles caminham já para a tua desilusão…» (LUZIA, 1932, p.45). Como refere José Martins dos Santos Conde, Luzia, inteligente, culta e viajada, já sofrera «a morte dos seres mais queridos, a separação cruel do marido gastador e os espinhos da depressão e da doença, estava credenciada para transmitir aos menos experientes, em forma de breves sentenças e avisos, as suas experiências sobre a vida e os seus pensamentos sobre a morte» (CONDE, 1990, p.23). Almas e terras onde eu passei é publicado em 1936 (285 pp.) e é constituído por relatos de fragmentos da vida de Luzia, pedaços de memórias, das pessoas, das coisas e dos lugares por onde passou. O texto fixa impressões dos tempos vividos no Jardim do Mar, pedaços de histórias vividas em Portalegre, as “personagens” que com ela conviviam no sanatório, a vida elegante de Lisboa, o colégio das Salesas, a Madeira, a revolução, os seus bem-amados livros, entre muitos outros assuntos. Tudo desfila, de forma aprazível e bem contada, com toques de nostalgia e saudade, perante o leitor. Última Rosa de Verão (cartas de mulheres) surge quatro anos depois, em 1940 (329 pp.), com toda a probabilidade inspirado na leitura de Chéri (1920), da escritora francesa Colette, conta a história de Ana Guiomar, que é incumbida de “educar” o primo da sua amiga íntima Maria do Carmo, que vai uns tempos para fora. O primo de Maria do Carmo, Nuno, tem metade da idade de Ana Guiomar, e com a convivência ambos se apaixonam. O romance entre os dois é contado maioritariamente em cartas escritas de Ana Guiomar a Nuno. Como Conde refere, «manejando o género epistolar com a destreza que já lhe conhecemos – neste caso o uso da carta poderá ser um artifício literário – Luzia consegue uma perfeita urdidura de romance» (CONDE, 1990, p.26). São aqui retratados um amor impossível, a expressão de genuínos sentimentos e as condenações sociais. As semelhanças com a história de vida são evidentes. A morte da mãe de Ana Guiomar, o marido que a despreza, o divórcio, as vivências de infância, tudo no romance encontra um paralelo com vida real de Luzia. Como sublinha José Martins dos Santos Conde, «Luzia está aqui retratada de corpo e alma. Ninguém diga que este romance não é profundamente autobiográfico» (CONDE, 1990, p.28). Quatro anos antes da sua morte, em 1941, Luzia lança Lições da Vida, Impressões e Comentários (108 pp), mais um livro de pequeno formato, com reflexões sobre as efemeridades da vida, o amor, a beleza, as ilusões, os sonhos, a morte. Dias que já lá vão foi publicado um ano depois da morte de Luzia, em 1946(248 pp.), pois: «apesar de muito doente e quase cega Luzia continuava a escrever. Estava preparando um novo livro, intitulado Dias que já lá vão. Não teve tempo de o acabar» (CONDE, 1990, p.32), conta J. Conde. A edição apresenta um prefácio de Fernanda de Castro e Teresa Leitão, com ilustrações de Anne Marie Jauss. A maior parte das narrativas deste livro lembram os episódios da infância de Luzia em Portalegre, o início da sua paixão pelos livros, as aulas em casa, os invernos rudes que passava de livro na mão em frente à lareira, e descrevem a Quinta das Assomadas, nos meses de bom tempo, que fazia as suas delícias, cheia de flores campestres, águas da ribeira, onde brincava com a sua amiga Georgina e fingia ser D. Quixote. Os episódios do livro constituintes da segunda parte não sofreram os retoques da autora e isso faz-se notar. Sobressai um estilo definido pelo ritmo dos apontamentos, a que Luzia teria acrescentado sem dúvida graça e vivacidade se tivesse tido oportunidade de os trabalhar. José Martins dos Santos Conde refere que, logo após Luzia ter publicado o romance Última Rosa de Verão, tencionava editar um original intitulado Pelos Caminhos da Vida, e, de facto, é o que é anunciado na página seguinte à capa de Última Rosa de Verão, referindo-se à preparação daquela obra. O mesmo autor esclarece: «Desconhecemos os motivos por que o original em causa, já datilografado e rigorosamente corrigido, não chegou nunca a ser editado. Há, no entanto, uma suposição, que é quase uma evidência: as referências constantes a pessoas ainda vivas poderiam vir a melindrar muita gente» (CONDE, 1990, p.32). O estudioso informa que o inédito Pelos Caminhos da Vida tem como subtítulo Jornal, e trata-se, na verdade, de um diário íntimo da autora, de trezentas e cinquenta e nove páginas datilografadas. Abrangendo um período que vai de 24 de Julho de 1902 a 10 de Maio de 1915, Luzia começa-o com vinte e sete anos, quando era casada, e termina-o quando tinha já quarenta, depois do divórcio, na fase da sua vida em que não queria nada, apenas morrer. Apesar de Luzia ser uma presença estimada, e de se pressentirem naquela alma tantos sonhos, adivinhava-se também nela uma imensa solidão. Luzia redigiu uma última versão do seu testamento a 21 de Julho de 1945, no qual integrou dois apontamentos referentes às suas obras e aos seus papéis que deixou a duas amigas distintas: Laura de Castro Soares e Teresa Leitão de Barros. Laura de Castro, que usou o pseudónimo de Maria Francisca Teresa, nasceu no Funchal em 1870 e casou com o escritor e jornalista de Aveiro, Feliciano Soares. Foi a grande e íntima amiga de Luzia, desde a infância (CRUZ, III volume, 1953, p.49). No seu testamento Luzia escreve: «Lego à minha amiga Laura de Castro Soares a quantia de dez mil escudos, um anel rodeado de pérolas que pertenceu à sua mãe, o par de castiçais de prata que está na sala, uma bolsa de prata antiga e ainda todas as minhas cartas, papeis e retratos podendo-lhes dar o destino que quiser» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). É a esta amiga que Luzia confia os seus papéis mais privados, todas as cartas, todos os retratos e também todos os diários íntimos, não deixando a nenhum familiar o precioso legado. Tal como não é a nenhum familiar que Luzia entrega a propriedade das suas obras e os seus inéditos que tinha deixado prontos para publicação, mas sim à amiga de Lisboa, Teresa Leitão de Barros, jornalista e escritora: «Deixo a Teresa Leitão de Barros, residente em Lisboa, a quantia de vinte mil escudos e a propriedade de todos os livros escritos e publicados por mim, a minha maior bandeja de prata e um tinteiro antigo de latão amarelo» (cf. Testamento de Luísa Grande, Arquivo Regional da Madeira). Após a morte de Luzia, Teresa Leitão de Barros, em parceria com Fernanda de Castro, publicam o livro Dias que já lá vão, a obra que Luzia tinha começado, mas que tinha deixado a meio. Não se consegue compreender o porquê desta escolha das escritoras, pois Luzia tinha deixado Pelos Caminhos da vida, Jornal I, já pronto para ser editado, estava dactilografado e rigorosamente corrigido. Foram várias as personalidades que depois da morte de Luzia a continuaram a referenciar e elogiar nos anos seguintes. O Visconde do Porto da Cruz refere que, depois de Maria Amália Vaz de Carvalho, Luzia foi a Senhora que mais ilustrou a Literatura feminina de Portugal: «Pelo seu imenso talento, pela sua vastíssima cultura literária e pela elegância do seu estilo, foi uma das maiores Escritoras de Portugal» (CRUZ, III volume, 1953, p.85). Um interessante livrinho composto de recortes de notícias sobre Luzia, bem como alguns inéditos da mesma, e sem autor, encontrado na biblioteca da Universidade da Madeira, testemunha que, em 1956, por algum motivo que se desconhece, foi feita uma grande evocação a Luzia na imprensa madeirense, bem como na nacional. Um dos artigos é considerado um texto inédito de Feliciano Soares, grande amigo de Luzia que acompanhou de perto a sua vida literária, e que já tinha falecido na data desta evocação à escritora. Neste artigo, Feliciano Soares revela um acontecimento extremamente importante e que demonstra o quanto Luzia era lida, reconhecida e apreciada na sua época: «É ainda digno de nota o facto de que quando a Lisboa chegou a dolorosa notícia do falecimento de Luzia, as livrarias exporem nas suas montras, lado a lado, os livros de Eça e os de Luzia» (Evocação de Luzia, no 11º aniversário da sua morte, Funchal, s.e., s.d.). Mesmo depois da sua morte, Luzia continuou a ser referenciada e elogiada, existindo um consenso comum entre as personalidades da época em considerar Luzia como uma das maiores escritoras portuguesas, existindo a convicção de que Luzia tinha criado uma obra que jamais seria destruída com o passar do tempo. Obras de Luzia:“A lenda das estrelas” in Correio da Manhã, 08.01.1894. Os que se divertem, A comédia da vida, 1ª edição, Lisboa, s.e., 1920. Os que se divertem, A comédia da vida, 2ª edição, Lisboa, Guimarães &C.ª, s.d. Os que se divertem, A comédia da vida, 3ª edição aumentada e com ilustrações de Bernardo Marques, Lisboa, s.e., 1929. Rindo e Chorando, Lisboa, Portugália, 1922. Cartas do Campo e da Cidade, Lisboa, Portugália, 1923. Cartas d’uma Vagabunda, Lisboa, Portugália, s.d. Sobre a vida…sobre a morte, máximas e reflexões, Lisboa, s.e., 1931. Almas e terras onde eu passei, Lisboa, Edições Europa, 1936. Última Rosa de Verão, Lisboa, Portugália, 1940. Lições da vida, Lisboa, Portugália, 1941. Dias que já lá vão, Porto, Livraria Tavares Martins, 1946. “Ruas”, Bem Viver (dir. Fernanda Castro), ano 1, n.º 7, 1953, Lisboa.   Cláudia Sofia Neves   artigos relacionados nogueiras, viscondessa das areosa, matilde das neves e melo matos soares, laura veridiana castro e almeida (pseud. maria francisca teresa) fernandes, olímpia pio

Literatura

vínculos (morgadios e capelas)

Surgidos em Portugal no séc. XIII e consolidados na Baixa Idade Média, os morgadios – ou morgados – foram instituições características da península Ibérica e da nobreza, servindo como instrumentos jurídicos para salvaguardar e conservar os alicerces materiais dos grupos sociais nobres. Desta forma, através dos morgadios, prescrevia-se a inalienabilidade e indivisibilidade dos bens da família ou da casa, impedindo-se assim a sua fragmentação, por partilhas, após o falecimento do instituidor. A propriedade era transmitida, preferencialmente por ramo varonil, ao primogénito, de modo a alcançar uma sucessão perpétua no seio da família. Estas instituições acabaram, afinal, por contribuir para a manutenção de uma agricultura de natureza feudal. Em íntima relação com a questão económica, os vínculos tinham ainda por objetivo a manutenção de um estatuto social baseado na conservação de privilégios e de uma memória coletiva partilhada pelos membros da linhagem. No cômputo geral, uma propriedade vinculada – ao invés de uma propriedade livre ou alodial – implicava a prerrogativa da apropriação de uma porção dos seus rendimentos. Por vezes, nos documentos (testamentos, geralmente) que instituíam vínculos – morgadios ou capelas –, não era clara ou fácil de destrinçar a tipologia do vínculo criado, além de que ambas as palavras chegavam a ser usadas indiferentemente. O articulado das Ordenações Manuelinas, no parágrafo 49 do título 35 do livro II, estabelece a distinção entre morgadios e capelas, diferença que se passa a apresentar. Existe um morgadio quando, após cumpridos os encargos estipulados por vontade do fundador – comummente, missas pela sua alma –, o remanescente do rendimento dos bens do vínculo pertencer aos administradores ou quando o instituidor legar os bens com a condição de os herdeiros realizarem ou mandarem realizar missas e outras obras pias; existe uma capela, por outro lado, quando ficar estabelecido que, da totalidade dos rendimentos dos bens vinculados, os administradores terão direito a uma parte – 1/3, 1/4 ou 1/5 –, e o restante será usado em missas e outras obras de cariz piedoso. Pode dizer-se que, no primeiro caso, o que estava em causa, sobretudo, era uma dimensão secular – os bens materiais e a perpetuação do capital social e simbólico da linhagem –; no que concerne à capela, o mais importante era a dimensão espiritual – traduzida nos encargos pios. Tem sido apontado que, no quadro português, a ilha da Madeira foi uma das regiões onde a existência de instituições vinculares atingiu maior expressão. Cabral do Nascimento, no seu estudo “Capelas e morgados da Madeira” (1935), asseverou que, na Ilha, as capelas tiveram preponderância sobre os morgadios. Assim, na história deste espaço insular, o fenómeno da vinculação da propriedade assume uma importância de tal ordem que o seu desconhecimento compromete uma compreensão cabal do passado e do presente. Porém, a sua história global ainda está por fazer. Os vínculos foram precedidos pelas sesmarias – ou tiveram, na sua maior parte, origem nestas –, surgindo a partir de finais do séc. XV e, mormente, do séc. XVI. Instituídos no séc. XV, houve, e.g., os vínculos de Água de Mel, na freguesia de Santo António, que foi agregado à casa Carvalhal; de Consolação, na freguesia do Caniço, da família Ornelas e Vasconcelos; de João Afonso, em Câmara de Lobos, incorporado na casa Torre Bela; e de Vasco Moniz, em Machico, do qual José Bettencourt e Freitas foi o derradeiro representante. Na primeira metade da centúria quinhentista, foram criados vários vínculos de relevo na história da Madeira, de entre os quais se referenciam (em conjunto com os instituidores e as localidades) os seguintes: o da Lombada dos Esmeraldos, fundado por João Esmeraldo, na Ponta do Sol; o dos Lomelinos, por Urbano Lomelino, em Santa Cruz; o dos Franças, por João de França, na freguesia do Estreito da Calheta; o de São João de Latrão, por Nuno Fernandes Cardoso, em Gaula; o da Penha de Águia, por António Teixeira, na freguesia do Porto da Cruz; e o de São Gil, por D. Brites Escórcio, em Santa Cruz. Será útil fornecer ainda um exemplo pormenorizado de um vínculo que apresenta algumas das características gerais já apontadas e outras de índole diversa: o morgadio das Desertas, instituído no início da segunda metade do séc. XVI. Luís Gonçalves de Ataíde, filho do segundo casamento do 3.º capitão do donatário do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, celebrado com Isabel de Ataíde, era proprietário da ilha Deserta e recebeu de sesmaria, a 24 de março de 1546, o ilhéu Chão. Obedecendo a uma determinação de sua mãe, instituiu, por uma escritura de compromisso de 3 de setembro de 1552, os referidos bens em morgado perpétuo, obrigando a sua terça. Um alvará régio de 28 de janeiro de 1576 confirmou e aprovou este morgadio. Por vontade do instituidor, ficou estabelecido que: depois do seu falecimento e do da sua consorte, a sucessão recairia no filho varão mais velho ou no neto ou bisneto – seguindo, no plano geral e em regra, a primogenitura varonil legítima, em detrimento das linhas secundogénita e feminina; todos os herdeiros sucessores ficavam obrigados a ampliar os bens vinculados, mediante a inserção no morgadio de metade da sua terça; de igual modo, era-lhes imposto o uso dos apelidos e das armas das linhagens; era-lhes ainda interdita a venda, a troca, o escambo ou a alienação dos bens do morgadio; e teriam de ser cumpridos vários encargos pios – quatro missas anuais pela alma dos pais do instituidor. As duas pequenas ilhas nomeadas – Deserta e ilhéu Chão – fizeram parte do património dos descendentes de Luís Gonçalves de Ataíde até 1864. Tradicionalmente considerados como instrumentos jurídicos usados pela fidalguia ou pequena nobreza da Madeira, diga-se, no entanto, que indivíduos houve, de outros grupos sociais menos privilegiados, que também instituíram vínculos. A tutela judicial sobre estas instituições pertencia, desde o séc. XV até ao final do Antigo Regime, ao Juízo dos Resíduos e Provedoria das Capelas. O primeiro juiz de que há menção, João do Porto, foi indigitado no ano de 1486. As atribuições deste organismo incluíam, nomeadamente, a fiscalização da observância dos encargos pios. Desta incumbência ficaram, posteriormente, encarregados o corregedor da comarca do Funchal (de 1820 a 1837), a comissão da Santa Casa da Misericórdia do Funchal e, finalmente, os administradores dos concelhos (consoante o que foi estabelecido no Código Administrativo de 1842). O desenvolvimento económico e a riqueza criados pela transformação e comercialização do açúcar, desde o séc. XV, conduziram a um fenómeno alargado de vinculação de propriedades e ao absentismo dos proprietários. Diz Álvaro Rodrigues de Azevedo (em palavras sobejamente conhecidas e amiudadas vezes citadas) que “O sesmeiro, rico, enfastiou-se da vida campesina, ufanou-se de sua originária fidalguia, e apeteceu vivenda de mais aparato e bulício; desprezou, por isso, a terra; vinculou-a, na mira de assegurar-se dos réditos dela; contratou-lhe a cultura com os colonos livres” (FRUTUOSO, 1873, 678). Como seria de esperar, as conjunturas económicas de crise também tinham influência nas instituições vinculares. Na primeira metade do séc. XVII, devido ao decréscimo da produção açucareira e dos movimentos comerciais, vários administradores de capelas viram-se incapazes de cumprir os encargos pios nos moldes em que haviam sido instituídos e solicitaram a sua diminuição. Outro tempo de crise, em meados do séc. XIX, por causa do declínio do comércio e da produção de vinho, e de uma carestia de víveres, foi o contexto no qual eclodiram propostas atinentes à abolição dos vínculos, como se verá adiante. Vários documentos – de teor algo crítico quanto à existência e às consequências dos vínculos, ressalve-se – fazem alusão à proliferação destas instituições na Madeira. O Gov. Luís Beltrão de Gouveia, em ofício datado de 22 de abril de 1814, a propósito do imposto de sisa, faz uma série de considerações sobre a propriedade. Nesse sentido, refere que a Madeira “é verdadeiramente a Pátria dos Morgados” e divide o espaço insular em quatro partes, de molde a demonstrar que as transações de propriedades seriam de pouco relevo, não justificando a existência de um imposto: uma parte “de rochedos escarpados improdutivos”; duas “possuídas, administradas, e amortizadas nos grandes e pequenos Proprietários” (em que se inseriam os vínculos); e a última composta de bens alodiais (ALMEIDA,1907, 244). Em 1847, o governador civil José Silvestre Ribeiro, ao arrolar as várias razões que obrigavam os madeirenses à emigração – para ele, um fenómeno deveras nefasto –, referencia, no domínio da propriedade, os vínculos e o contrato de colonia. Neste sentido, calcula, porventura com algum exagero, que 2/3 das terras agricultáveis da ilha da Madeira estavam vinculadas. Esta realidade, ao manter muitas propriedades inalienáveis, imunes a reformas e fora do mercado, constituía um fator de bloqueio do mundo agrícola, beneficiando os proprietários absentistas e prejudicando os colonos. O cálculo de José Silvestre Ribeiro tem sido mencionado em vários trabalhos posteriores sobre a história da Madeira para demonstrar a grande disseminação, neste espaço insular, das instituições vinculares. O juiz de direito José Pereira Sanches e Castro, em 1856, ao pronunciar-se sobre as perversidades que tinham lugar com o contrato de colonia e sobre a relação deste com a instituição vincular, afirma que “a maior parte dos terrenos aproveitáveis para a cultura são vinculados” e que era imperativo extinguir os vínculos (CASTRO, 1986, 232 e 236). Com o marquês de Pombal, principiou uma vaga, que durou quase um século, de normas que restringiram a existência e a criação de vínculos. Este foi um processo gradual e de longo prazo que começou por visar as instituições vinculares de menor valor ou rendimento e que culminou, finalmente, na sua extinção completa, em 1863. Apontem-se os diplomas mais relevantes. Assim, por intermédio de legislação datada de 9 de setembro de 1769 e de 3 de agosto de 1770, estabeleceu-se a abolição ou anexação de vínculos que não chegassem a 200$000 réis de rendimento nas províncias da Estremadura e do Alentejo, e a 100$000 réis nas restantes; acresce que a instituição de morgadios ficou dependente de licença régia. Posteriormente, o decreto de 4 de abril de 1832, de Mouzinho da Silveira, aboliu os vínculos cujos rendimentos não montassem a pelo menos 200$000 réis. A carta de lei de 30 de julho de 1860 – em articulação com o decreto regulamentar de 19 de janeiro de 1861 – suprimiu os morgadios que não tivessem, no mínimo, 400$000 réis de rendimento líquido anual e tornou, ainda, a extinção facultativa para os conjuntos de vínculos que, anexados e sob o mesmo administrador, totalizassem 600$000 réis de rendimento por ano; ademais, sob pena de abolição, estabeleceu a obrigatoriedade, num período de dois anos, do registo de morgadios e capelas existentes e a existir. No fim deste processo histórico está a carta de lei de 19 de maio de 1863, a qual estabeleceu, no art. 1.º, que ficavam “abolidos todos os morgados e capelas atualmente existentes no continente do reino, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, e declarados alodiais os bens de que se compõem” (VASCONCELLOS, 1864, 200), com exceção da casa de Bragança. É muito significativo que, no séc. XIX, várias propostas para a completa supressão de vínculos tenham provido das ilhas (Madeira e Açores) – terras onde havia uma maior proliferação destas instituições e onde, conexamente, os seus efeitos estruturais perniciosos para a economia e sociedade eram mais prementes (ou como tal sentidos). Logo na sessão de 8 de março de 1822 das Cortes Constituintes, o deputado João Bento de Medeiros Mântua, de São Miguel, apresentou um projeto para a extinção dos vínculos nos Açores. Outras iniciativas se seguiram. Aquelas que aqui interessa explorar diretamente, por serem relativas à Madeira, são as de António Correia Herédia e do barão de São Pedro, em época de profunda crise. O barão de São Pedro, Daniel de Ornelas de Vasconcelos, apresentou, na sessão de 15 de fevereiro de 1850, na Câmara dos Pares do Reino, um projeto de lei com o propósito de abolir todos os vínculos no arquipélago da Madeira. Esta proposta foi antecedida pela defesa, em 1847, na imprensa do Funchal, por António Correia Herédia, da extinção destas instituições. Herédia redigiu ainda um manifesto, datado de 1849, intitulado Breves Reflexões sobre a Abolição dos Morgados na Madeira, que encontrou uma viva oposição de vários morgados e administradores da Madeira, os quais responderam com um outro panfleto – Resposta ao Folheto Intitulado Breves Reflexões sobre a Abolição dos Morgados na Madeira, de 1850. Esta guerra panfletária teve ainda mais desenvolvimentos, com novas publicações de António Correia Herédia: As Contradições Vinculadas pelo A. das Breves Reflexões sobre a Abolição dos Morgados na Madeira e Duas Palavras sobre a Representação ou Exposição dos Morgados e Immediatos Successores, ambas igualmente de 1850. O barão de São Pedro, no seu projeto legislativo, referenciava o estado de crise que imperava na Madeira e defendia, como medida necessária e salutar, a supressão dos vínculos, considerados ineficazes e prejudiciais, porquanto não permitiam o progresso da agricultura e o incremento financeiro e comercial. A iniciativa foi muito bem aceite na Madeira e originou uma grande vaga de apoio em órgãos de imprensa e por parte de organismos de poder local (várias câmaras municipais e juntas de paróquia) e inclusive de vários indivíduos (proprietários e membros da elite) – organismos e indivíduos que redigiram petições com argumentos a defender a extinção. Entre os defensores desta medida estavam, como seria de esperar, proprietários de bens livres, lavradores ricos, comerciantes, funcionários públicos, clérigos seculares e ainda diversos administradores de vínculos. Por outro lado, vários morgados opositores, em exposição remetida à Câmara dos Pares do Reino, pretendiam contraditar os argumentos do barão de São Pedro. A realidade, todavia, é que o projeto não chegou a ser aprovado em sede parlamentar. Foi necessário esperar por 1863, ano em que foram abolidos os vínculos em Portugal, como se viu. Na sequência da lei de 30 de julho de 1860 e do decreto regulamentar de 19 de janeiro de 1861, foi redigido o Tombo do Registo Vincular do Funchal, em três volumes. Esta fonte documental apresenta, em virtude do que foi prescrito nas duas normas, somente uma amostra dos vínculos que existiram na Madeira; ainda assim, contém informações relevantes que não devem ser ignoradas. A partir das análises de Cabral do Nascimento, no seu estudo já referido, e sobretudo de Miguel Jasmins Rodrigues, em “Abolição dos morgadios: o caso da Madeira” (2013), fica-se a conhecer um tanto do seu conteúdo. Foram registados, deste modo, de 1862 a 1865, os bens de vínculo de 15 casas, através de traslados de documentos que suportavam juridicamente a existência das instituições vinculares (títulos de instituições, anexações, desanexações, hipotecas, sub-rogações ou expropriações, sentenças de supressão, descrições de valores e encargos). Neste âmbito, foram inscritas as seguintes informações: as várias parcelas que compunham cada vínculo; o rendimento anual das mesmas; a identidade e a situação – foreiro ou colono – de quem as cultivava; os produtos agricultados; e o usufruto de água por direito. Os administradores e representantes das 15 casas, preponderantemente absentistas, eram João José de Bettencourt e Freitas, o marquês de Castelo Melhor, João Cabral de Noronha, o visconde de Torre Bela, Urbano Egídio da Costa Campos, Sebastião Francisco Falcão de Melo Trigoso, João Facundo Alves Spínola de Freitas, João de Bettencourt Baptista, o visconde do Amparo, Agostinho de Ornelas Vasconcelos Rolim de Moura, Luís da Câmara Leme, José Cupertino da Câmara, Remígio António da Silva Barreto, Laureano Francisco da Câmara Falcão e Manuel Raimundo Telo de Meneses Torresão. Os vínculos criados nos dois primeiros séculos da história da Madeira – sécs. XV e XVI – perfazem 67% dos vínculos inventariados; os restantes – 33% – representam obviamente os que foram instituídos em época subsequente. A importância das duas centúrias mais remotas sai reforçada quando se apura que 85% do rendimento anual da totalidade dos vínculos registados pertence aos que foram fundados em Quatrocentos e em Quinhentos. É percetível também uma ligação estreita entre a instituição vincular e o contrato de colonia, porquanto a maioria dos morgados – i.e., detentores ou administradores de morgadios – referidos no Registo Vincular faz explorar as suas terras recorrendo a colonos. Três categorias de morgadios podem ainda ser percecionadas nesta fonte: a que consistiu na transformação de um senhorio banal em propriedade, facto que ocorreu com o morgadio dos marqueses de Castelo Melhor; a dos morgadios compostos por propriedades dispersas por toda a ilha da Madeira, como os de Agostinho de Ornelas Rolim de Moura, do visconde de Torre Bela e de Luís da Câmara Leme; e, enfim, os morgadios que abarcavam propriedades somente em uma ou duas freguesias, e.g., os de João de Bettencourt Baptista (no Porto da Cruz e em Santa Cruz) e João Facundo Spínola de Freitas (na Ponta do Pargo e Calheta). Os morgados que detêm um maior número de vínculos e de parcelas são os intervenientes finais num processo transecular de concentração de propriedade, quer por via de heranças, quer através de estratégias matrimoniais. Sirvam de exemplo João José de Bettencourt e Freitas (com pouco mais de 140 parcelas) e, de novo, os viscondes de Torre Bela (com mais de 170) e Agostinho de Ornelas Rolim de Moura (com quase 140). Na sequência, ainda, das normas de 1860 e 1861, foram depositados na Torre do Tombo processos de registo vincular provenientes de vários distritos, entre eles o do Funchal (10 processos). Alfredo Pimenta, na sua obra Vínculos Portugueses. Catálogo dos Registros Vinculares Feitos em obediência às Prescrições da Lei de 30 de Julho de 1860, e Existentes no Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo, catalogou essa documentação. Partindo desse trabalho, dá-se aqui nota de um processo constituído pela cópia de registos de vários vínculos criados na ilha da Madeira e administrados por João Correia Brandão Henriques de Noronha, 2.º visconde de Torre Bela. Pretende-se ilustrar a confluência de várias instituições vinculares nas mãos de um mesmo administrador. Mencionem-se, assim, os seguintes instituidores de vínculos (acompanhados das datas dos documentos de criação, quando conhecidas): João Afonso Correia, a 11 de maio de 1490; António Correia, o Grande, a 29 de dezembro de 1572; D. Isabel de Bettencourt, a 2 de dezembro de 1561; D. Maria Vieira, a 23 de julho de 1592; António Correia Bettencourt e primeira mulher, D. Joana Henriques, a 21 de abril de 1624 e a 21 de julho de 1643, e ainda pelo dito e sua segunda consorte, D. Maria da Câmara, a 10 de dezembro de 1670; D. Mécia da Câmara, a 2 de outubro de 1676; D. Guiomar Correia; D. Isabel Abreu, a 29 de outubro de 1545; D. Maria Pestana, a 2 de janeiro de 1566; António Gonçalves da Câmara, a 2 de novembro de 1545; D. João Henriques e mulher, D. Joana; D. Isabel Fernandes, a 27 de novembro de 1546; Pedro de Brito, a 2 de dezembro de 1586; D. Isabel Afonso, anteriormente a 1561; D. Joana Cabral, a 12 de junho de 1598; D. Ana Murante, a 2 de novembro de 1569 até 29 de fevereiro de 1570; Pedro de Bettencourt Henriques, a 27 de dezembro de 1688; António Correia Bettencourt Henriques e mulher, D. Antónia Joana Francisca Henriques, e Henrique Henriques de Noronha e mulher, a 17 de fevereiro de 1706; D. Antónia Joana Francisca Henriques, a 20 de maio de 1746; João de Bettencourt Henriques, a 27 de novembro de 1649; António da Silva Barreto; Fr. Francisco Bettencourt e Fr. Pedro de Noronha; D. Beatriz Chamorra, a 27 de abril de 1565; Inácio da Câmara Leme e mulher, D. Isabel de Castelbranco; Filipe Gentil de Limoges e mulher, D. Isabel Achiaioli de Vasconcelos, a 23 de novembro de 1674 e em datas posteriores. De 1834 até 1878, prolongando um fenómeno que vinha do Antigo Regime, no conjunto das elites municipais do Funchal, continuava a avultar o grupo dos proprietários – morgados e administradores de morgadios e capelas. A título de exemplo, podemos nomear Aires de Ornelas e Vasconcelos, António Caetano Aragão, Tristão Joaquim da Câmara Júnior, António Bettencourt da Silva Favila, Francisco Araújo Bettencourt Esmeraldo, João de Freitas Correia e Silva, João José Bettencourt e Freitas, João José de Ornelas Cabral, Manuel de Gouveia Rego, Nuno de Freitas Lomelino, António de Carvalhal Esmeraldo (2.º conde de Carvalhal, tido como o homem mais abastado na sua época), Diogo França Neto (visconde de São João) e Diogo Frazão Figueiroa (visconde da Calçada).   Filipe dos Santos     artigos relacionados colonia documentário "Colonia e Vilões" capelas morgado dos piornais elites madeirenses e sua reprodução

História Económica e Social

bettencourt, edmundo

Edmundo Bettencourt De seu nome completo Edmundo Alberto de Bettencourt (Funchal, 7 de agosto de 1899-Lisboa, 1 de fevereiro de 1973), revelou-se como poeta quando era ainda aluno do Liceu do Funchal, tendo publicado o primeiro poema (sonetilho) no Diário de Notícias. Findo o curso liceal, partiu, em 1918, com 19 anos, para Lisboa, onde, por pouco tempo, frequentou a Faculdade de Direito da Univ. de Lisboa, transferindo-se, mais tarde, para a de Coimbra, cidade da sua sagração como poeta-cantor, mas sem chegar a licenciar-se.   Colaborador assíduo da imprensa insular e continental, destacou-se como membro fundador da revista Presença (1927), tendo-se-lhe juntado mais tarde Casais Monteiro e Miguel Torga. Conhecida também como Folha de Arte e Cultura, congregou um movimento vanguardista, digno herdeiro do Orpheu. Edmundo de Bettencourt colaborou também noutras importantes revistas, com destaque para Bysâncio, Vértice, Ocidente e Seara Nova. Foi incluído por António Pedro no Cancioneiro do 1º Salão dos Independentes, por Campos de Figueiredo, na Breve Antologia de Poesia Moderna e, por João Carlos, no Cancioneiro de Coimbra. O seu estro refletiu-se ainda na Gacete Literaria de Madrid, bem como noutras revistas estrangeiras, tendo sido incluído por Vitorino Nemésio e Carlos Queirós noutras antologias. Em 1930, rompeu definitivamente com o movimento presencista, no que foi secundado por Branquinho da Fonseca e Miguel Torga, por achar que os presencistas se haviam demitido da defesa de valores sociais e políticos pelos quais sempre se batera e ainda por desejar seguir um caminho novo, eminentemente moderno. Recusou-se, também por isso, a colaborar na revista dissidente Sinal, mantendo-se, a partir de então, à margem de grupos literários, deixando igualmente de cantar e gravar discos e fixando-se definitivamente em Lisboa. Republicano, laico e anarquista convicto, pautava a sua vida pela vivência de ideais, tendo sempre recusado servir-se da política para benefício pessoal. Repudiava abertamente o salazarismo, tendo sido perseguido, sobretudo quando, por altura da Segunda Guerra Mundial, apôs a assinatura num abaixo-assinado de reivindicação sindical. Era então trabalhador na Comissão Reguladora do Comércio de Metais, na capital. Exerceu ainda outras profissões, a última das quais foi a de delegado de propaganda médica. Por haver, nos seus tempos de Coimbra, ousado cantar “Samaritana”, de Álvaro Leal, foi altamente atacado pela hierarquia da Igreja Católica, mas debalde, pois a sua voz de “rouxinol da Madeira” ou “bicho canoro” (como era conhecido) celebrizou para sempre esta canção. Publicou em vida quatro livros de poesia, nos quais reuniu poemas de vários anos, a saber: O Momento e a Legenda (1917-1930); Rede Invisível (1930-1933), que Herberto Helder muito elogiou; Poemas Surdos (1934-1940) e Ligação (1936-1962). Anos mais tarde, em 1963, o poeta Herberto Helder, de quem se tornou grande amigo e com o qual participou nas tertúlias dos cafés Gelo, Royal e Montanha, reuniu a sua poesia toda sob o título Poemas de Edmundo de Bettencourt, prefaciou-a e fê-la publicar pela Portugália Editora, na coleção Poetas de hoje. Por sua vez, a Assírio & Alvim, em 1981, procedeu a uma reedição de Poemas Surdos, livro no qual o poeta revela a sua faceta surrealizante. Herberto Helder considerou-o, com toda a justiça, uma das mais importantes vozes do modernismo português, bem como precursor do surrealismo em Portugal. João de Brito Câmara, outro poeta “madeirense” próximo da Presença, na importante entrevista que lhe fez para a separata literária do semanário Eco do Funchal, em 1944, aquando de uma breve passagem pela Madeira, levou-o a discorrer sobre a modernidade, afirmando-se então Bettencourt como um poeta 100% moderno. Não fora a sua natural timidez e o seu progressivo afastamento dos meios literários, mais cedo teria sido reconhecido como o grande poeta que efetivamente foi. Revelou-se também um exímio intérprete da canção de Coimbra, que revolucionou, e de canções populares, ombreando com António Menano, Paradela de Oliveira e Armando Góis, entre outros. Foi na república do Funchal, em Coimbra, que estilizou a arte canora, acompanhado, à guitarra, por Artur Paredes, mestre neste desempenho. Com ele e António Menano, realizou digressões a Espanha, atuando em Valhadolid, Salamanca e Madrid, e ao Brasil. Teve um retumbante êxito. Gravou na altura muitos discos, que lhe renderam bom dinheiro. Entusiasmado com o seu estro, o maestro Fernando Lopes Graça transformou o seu poema“Liberdade” num canto heróico. Foi elogiado por Manuel Alegre e Zeca Afonso, que o considerou o maior cantor de fados de sempre e precursor da canção de intervenção em Portugal. Edmundo de Bettencourt foi ainda crítico de cinema, tendo tentado introduzir, em Portugal, a fotografia experimental, no que foi pioneiro. Pelo seu alto valor como poeta-cantor, mereceu as caricaturas que dele fizeram vários artistas. Em 1999, aquando do centenário do seu nascimento, o Governo Regional da Madeira o homenageou com uma sessão pública e a colocação de uma placa de metal na casa onde nasceu, à R. dos Murças, no Funchal. No mesmo ano, a então Direção Regional dos Assuntos Culturais editou, em parceria com a Assírio & Alvim, a sua obra completa, Poemas de Edmundo de Bettencourt, bem como o livro de António Nunes, intitulado No Rasto de Edmundo de Bettencourt. Uma Voz para a Modernidade. Pela mesma altura, publicaram-se alguns estudos, mormente na revista Islenha, sobre a sua poesia. Obras de Edmundo Bettencourt: O Momento e a Legenda (1930); Rede Invisível (1933); Poemas Surdos (1940); “Liberdade” (1946); Ligação (1962); Poemas de Edmundo de Bettencourt (1963).     Fátima Pitta Dionísio     artigos relacionados poetas cancioneiro geral (poetas madeirenses no) música joão cabral do nascimento  

História da Educação Literatura

atlântico, revista

Revista Atlântico O primeiro número da Atlântico. Revista de Temas Culturais, publicação periódica de cariz cultural e científico, veio a lume na primavera de 1985. A revista, de assinatura anual, teve uma vigência temporal de cinco anos e uma periodicidade trimestral – deste modo, cada edição, com cerca de 80 páginas, correspondia a uma estação do ano. Saíram do prelo 20 números, à razão de quatro por ano, sendo o último o do inverno de 1989. As suas dimensões eram de 24 x 17 cm e a paginação iniciava-se a cada novo ano. A redação e administração da publicação estavam sediadas no Funchal e a fotocomposição, o fotolito, a montagem, a impressão e o acabamento processavam-se em Lisboa. O editor e diretor foi António E. F. Loja, que assinou os editoriais de todas as edições (e, inclusive, diversos artigos). As fichas técnicas apresentam um elenco de colaboradores cujos nomes e número (37 na 1.ª edição, 41 na 20.ª) não variaram substancialmente ao longo do tempo. Alguns destes colaboradores elaboraram artigos e providenciaram ilustrações. Na contracapa e no interior – mormente no início, no fim e na separação dos artigos – de todas as revistas podem ser encontradas páginas com anúncios publicitários a produtos e serviços do arquipélago da Madeira. O número inaugural, publicado em 1985, nascia, segundo o editorial do mesmo, “como tentativa sincera de criar na Madeira um local de encontro de ideias, um ponto de confluência de opiniões”. Através de uma análise breve, não exaustiva, dos editoriais, no sentido de apreender os propósitos e a filosofia da revista Atlântico, percebe-se que por meio dela se propunha instaurar um espaço de comunicação aberto e livre, informado pela relevância do conhecimento do passado e do presente, com vista a edificar o futuro. Era veiculada a esperança de que esta publicação fosse considerada útil e, assim, usada amiúde. Desde cedo, foram acolhidos colaboradores de outras geografias, de modo a estreitar as relações com o exterior. Usavam-se igualmente estas páginas para denunciar o clima de mediocridade e para defender maior fulgor e riqueza culturais, afirmando a ligação recíproca e necessária entre cultura e liberdade. A necessidade do conhecimento do passado passava por respeitar e preservar o património – cultural e natural; nesse sentido, foi denunciada e criticada a indiferença, a falta de proteção, o desaparecimento e a intervenção desadequada no mesmo por parte de entidades públicas. A este respeito, afirmava-se a premência da recuperação dos centros históricos e a relevância da inventariação do património natural e construído (criticou-se, e.g., a ação de instituições governamentais no que tocava ao lobo-marinho). A revista era composta de artigos – estudos e ensaios – sobre múltiplas temáticas atinentes, principalmente, ao arquipélago da Madeira; repertórios de literatura (poesia, crónicas, etc.) e de fotografia; e antologias de fontes históricas de diversa índole, reproduzidas no final de cada número (em certos casos, anotadas, traduzidas e com considerações introdutórias e críticas). Contribuíram para a revista os seguintes autores (com estudos e ensaios sobretudo relativos à Madeira): Manuel José Biscoito (mares); Maria dos Remédios Castelo Branco (viajantes estrangeiros – Jean Mocquet); Teresa Brazão Câmara (empedrados, bonecas de “maçapão”, mobiliário); Celso Caires (fotografia); Zita Cardoso (expostos); Rui Carita (litografia – Andrew Picken, defesas de Santa Cruz, embutidos, remates de teto, arquitetura religiosa); Fátima Maria Fernandes Machado de Castro (literatura – Raul Brandão); Jorge de Castro (natureza); Luísa Clode (pintura flamenga, bordado); Marcelo Costa (habitação, arquitetura ); João Couto (escultura – Francisco Franco); Sérgio António Correia (literatura – Bernardo Soares); Silvano Porto da Cruz (museologia e património); Fátima Pitta Dionísio (literatura – Camões e análise de soneto, Revolta da Madeira); João Ferreira Duarte (filosofia); Pedro M. P. Ferreira (eleições no século XIX); António Luís Alves Ferronha (Revolta da Madeira, republicanismo); Paulo Fragoso Freitas (cultura, fontes históricas, azulejos); Maurício Fernandes (escultura – Francisco Franco, fotografia, vídeo); José Luís de Brito Gomes (a Madeira e a Rússia); Fátima Freitas Gomes (comércio interno no Funchal, hotéis e hospedarias); Maria de Fátima Gomes (festas – romarias); José Laurindo de Góis (Ateneu Comercial do Funchal, indumentária e indústria, imprensa); David Ferreira de Gouveia (madeirenses no Brasil, história do açúcar); Emanuel Janes (implantação da Primeira República); Luís Sena Lino (função social do corpo); João Lizardo (arte do renascimento, arte mudéjar); António Loja (história social, económica e política, arquitetura); Castro Lourdes (pintura); Armando de Lucena (escultura – Francisco Franco); Irene Lucília (poesia, ruas); Diogo de Macedo (Francisco Franco); Maria Elisa Basto Machado (filatelia e maximafilia); João Medina (história cultural – Zé Povinho, arte – I República); Luís Francisco de Sousa Melo (teatro, o texto “Alcoforado”), com a colaboração de Maurício Fernandes num dos seus artigos; Anabela Mendes (cultura e museologia); Mary Noel Menezes (madeirenses na Guiana britânica); António Montês (escultura – Francisco Franco); Teresa Pais (Visconde da Ribeira Brava); Jaime Azevedo Pereira (vimes, o Jardim Botânico da Ajuda e a Madeira, Padre Eduardo Clemente Nunes Pereira, João Fernandes Vieira); António Jorge Pestana (história militar); Fernando Pessoa (serras); Gabriel de Jesus Pita (decadência e queda da I República); Raimundo Quintal (turismo, paisagem, ambiente, jardins, quintas, património natural, geografia); Adriano Ribeiro (tratado de Utrecht); Miguel Rodrigues (Madeira nos finais do século XV); José de Sainz-Trueva (heráldica, ex-librística, quintas, arte, arquitetura civil e religiosa); Joel Serrão (cultura e filosofia – Antero de Quental); António Ribeiro Marques da Silva (viajantes estrangeiros, imprensa, quotidiano das freiras de Santa Clara, arquitetura doméstica, ecologia, política e literatura – o Conde de Abranhos e o desembargador José Caetano); Jorge Marques da Silva (arqueologia industrial, computador e arte, arte naïve); Amândio de Sousa (museologia, ourivesaria); João José Abreu de Sousa (povoamento, emigração, história político-institucional, social e económica, rural e urbana, capitania de Machico, rua da Carreira, convento de Santa Clara, escravos, corsários, levadas); Maria José Soares (madeirenses no Curaçau); Francisco Clode de Sousa (Francisco Franco); Luís de Sousa (Quirino de Jesus); Manuel Rufino Teixeira (numismática); Ana Paula Marques Trindade e Teresa Maria Florença Martins (administração nos séculos XV e XVI); Nelson Veríssimo (história da autonomia, festa do Espírito Santo, o Funchal e a aluvião de 1803, presépios e Meninos Jesus, literatura – Bulhão Pato e a Madeira); Maria Francisca Favila Vieira (mito no discurso platónico sobre a alma, ética em Verney); Rui Vieira (Jardim Botânico da Madeira, Carlos Azevedo de Menezes); Eberhard Axel Wilhelm (alemães na Madeira, Max Römer); Manuel Zimbro (cultura). No que concerne a repertórios literários, encontram-se: crónicas (algumas de pendor evocativo e memorialístico) de Amaro Amarante, António Ribeiro Marques da Silva, Jorge Sumares e José Pereira da Costa; poemas de Edmundo Bettencourt, Manuel Vilhena de Carvalho, Fátima Pitta Dionísio, Carlos Alberto Fernandes, Carlos Fino, São Moniz Gouveia, Irene Lucília, João Cabral do Nascimento, António Manuel Neves, Gualdino Avelino Rodrigues e José de Sainz-Trueva; prosa poética de Ângela Varela. Vários artigos e repertórios beneficiaram de ilustrações (fotografias e desenhos) dos próprios autores. Outros foram acompanhados de fotografias de Rui Camacho, Mota Pimenta, Photographia – Museu Vicentes, Maurício Barros, Carmo Marques, Perestrellos, João Pestana, Sanches Almendra, Gilberta Caires, José Ivo Correia, João Vasconcelos, Teresa Brazão, Celso Caires, Manuel Valle e Vicentes e José de Sainz-Trueva. Outros, ainda, apresentaram desenhos de Maurício Fernandes, Sá Braz e Vieira da Silva. O início da publicação de Atlântico inaugurou, em meados da década de 80 do século XX, tempos de mudança e de renovação no panorama cultural, científico e historiográfico da Madeira. Esta transformação foi também corporizada pela criação, em 1985, do Centro de Estudos de História do Atlântico, pela realização, em 1986, do I Colóquio Internacional de História do Atlântico, e pelo aparecimento, em 1987, da revista Islenha.   Filipe dos Santos   artigos relacionados revistas sobre arte revistas de tradições populares periódicos literários poetas  

Cultura e Tradições Populares História Económica e Social

poetas

A Madeira é alfobre de poetas: afirmou-o, em 1953, Horácio Bento de Gouveia, no artigo “A Madeira e a Poesia”, publicado na Voz da Madeira de 28 de maio de 1953. Na verdade, um olhar sobre o texto poético escrito na Madeira ou sobre os autores que nasceram no arquipélago permite-nos apreciar a quantidade de poetas cujos textos foram publicados em livro, em antologias, coletâneas, jornais e revistas. Por outro lado, parece claro que, nas obras que o tempo guardou, se encontram as características que marcaram a literatura portuguesa ao longo dos séculos, nomeadamente traços dos movimentos literários, os seus modelos, os seus temas, as suas formas de sentir e de dizer o mundo e a vida. Num artigo publicado em Das Artes e da História da Madeira (17 jul. 1949), um autor que assina com a letra F. faz uma resenha dos poetas que, do seu ponto de vista, mereceriam constar de uma antologia de autores madeirenses, desvendando os seus nomes ao percorrer as coletâneas até então publicadas: Cancioneiro Geral (Garcia de Resende), Romanceiro do Archipelago da Madeira (Álvaro Rodrigues de Azevedo), Flores da Madeira (Alfredo César de Oliveira e José Leite Monteiro), Álbum Madeirense (Francisco Vieira), Álbum Literário, Almanach de Lembranças Madeirenses e a coleção de poesias de Manuel Gonçalves, o Feiticeiro do Norte. Numa espécie de organização inicial, os poetas da Ilha são distribuídos por “géneros poéticos”, o que contribui, de algum modo, para marcar um caminho das letras madeirenses: epopeia, na qual, com as devidas ressalvas, inclui Francisco Paula de Medina e Vasconcelos; tragédia ou “os poemas trágicos”, cultivados por Manuel Caetano Pimenta de Aguiar, José Anselmo Correia Henriques e Alberto Figueira Jardim; poemas religiosos, com relevo para António Veloso Lira, cónego da Sé, e Troilo Vasconcelos da Cunha; autos e comédias, que, tendo como principal cultor Baltazar Dias, têm outros representantes: José António Monteiro Teixeira, Carlos Acciaioly Ferraz de Noronha, Francisco Clementino de Sousa e Francisco António Ferreira; elegia, representada sobretudo por Francisco Paula de Medina e Vasconcelos. O autor destaca, depois, as “Poetisas” – que não insere em nenhum género poético – que considera merecerem estar representadas, tendo todas elas como modelo D. Joana de Castelo Branco e Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida (Berta de Ataíde). Segue-se um último capítulo, intitulado “Lirismo”, destinado às peças que não cabem nos compartimentos anteriores. De entre os poetas, o autor cita Francisco Álvares de Nóbrega, Francisco Vasconcelos Coutinho, Luís António Gonçalves de Freitas, Joaquim Pestana, Luís de Ornelas Pinto Coelho e João Gouveia. A par destes poetas, outros são apresentados como dignos da designação “poetas madeirenses”: António Policarpo dos Santos Sousa, Viscondessa das Nogueiras, Alfredo César de Oliveira, Alfredo Paula Sardinha, Cândido Álvaro da Câmara, António Feliciano Rodrigues, Vitorino José dos Santos. No período da poesia palaciana portuguesa, as capitanias do arquipélago – Machico, Porto Santo e Funchal – são cortes em miniatura, onde se imita o que se passa em Lisboa. Os primeiros poetas residentes no arquipélago estão, de algum modo, associados aos primeiros capitães e donatários, encontrando-se representados no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, ao lado de outros autores continentais. Desses “poetas da ilha”, destacam-se, nos primeiros séculos de povoamento da Madeira (sécs. XV e XVI): Tristão Teixeira (m. 1506), filho de Tristão Vaz, conhecido, em Machico, como Tristão das Damas e, na corte de D. Manuel, por Tristão da Ilha, João Gonçalves da Câmara (1414-1501), filho de João Gonçalves Zarco, João Gomes (m. 1495), escudeiro de D. Henrique, Pedro Correia, um dos principais poetas da Madeira, genro de Bartolomeu Perestrelo, Duarte de Brito (m. 1514), casado com uma das netas de Zarco, que terá sido um dos primeiros poetas a introduzir o lirismo bernardiniano (de Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro) na literatura portuguesa, Manuel de Noronha (m. 1535), neto de João Gonçalves Zarco, Rui Dias de Sousa, casado com uma neta de Zarco, João Gomes de Abreu, casado com uma neta de Tristão Vaz, ou, ainda, Rui Gomes da Grã. O Funchal havia sido elevado à categoria de cidade em 1508, e tudo acontecia na azáfama de construções, de novidades que vinham do lado de lá do mar, do movimento do porto, por entre trocas comerciais e gente que se encontrava, a pretexto do comércio e das trocas que, ali, na babugem do mar, se operavam. Neste ambiente novo, a poesia dramática foi muito bem aceite. Talvez por esse motivo Baltazar Dias tenha sido tão admirado, quer pelo povo, quer pela nobreza, admiração para a qual também concorreu o facto de as suas obras serem herdeiras do humor de Gil Vicente, autor que agradava ao gosto popular, não obstante algumas só terem sido publicadas no séc. XVII: Auto da Malícia das Mulheres; História da Imperatriz Porcina, Mulher do Imperador Lodonio de Roma; Trovas sobre a Morte de D. João de Castro. A partir do séc. XVII, a cultura literária madeirense ganha um novo fôlego. Entretanto, aos poucos e sempre na esteira das modas do reino, vão escasseando os escritores eclesiásticos, dando-se lugar a uma liberdade de espírito que a literatura francesa preconizava. A Ilha recebe, deste modo, a influência das ideias e instituições literárias que chegam de França, a partir da corte de Luís XIV, modelos esses seguidos por Portugal, entre o reinado de D. João V e meados do séc. XVIII. Por esta época, as letras da Madeira são fortemente influenciadas pelo academismo e pelo arcadismo. De entre os poetas desta altura, destaca-se Manuel Tomás (1585-1665), que, apesar de não ser natural da Madeira – nascera em Guimarães –, se destacou com um poema épico de influência camoniana – A Insulana (Antuérpia, 1635) – que o liga à história da Ilha, onde viveu grande parte da sua vida e onde se crê ter sido cónego capitular da Sé. É um poema em 10 cantos, com os artifícios da escola gongórica, num tempo em que o classicismo já tinha perdido a sua pujança. Manuel Tomás é, assim, pioneiro da épica madeirense, escrevendo este longo poema sobre a descoberta da ilha da Madeira. No reinado de D. João V, duas coletâneas pretendiam recolher o que de melhor se escrevia em Portugal: Fénix Renascida e Postilhão de Apolo. Nelas encontramos poemas de alguns poetas da Ilha, do séc. XVII: Francisco Vasconcelos Coutinho (1665-1723), autor de Feudo do Parnaso (1729); Troilo Vasconcelos da Cunha (1654-1729), poeta e teólogo filho de Bartolomeu da Cunha, capitão general da Madeira, e autor do longo poema O Espelho do Invisível, no qual opta por um estilo que já foge da escola gongórica então dominante; António de Carvalhal Esmeraldo e Câmara, que ficou célebre pela Cythara de Aonio, uma única compilação poética, de 626 páginas, encontrada no convento de S.ta Clara. O movimento do porto do Funchal ganha uma atividade intensa no séc. XVIII, com o comércio e com os visitantes que prometem o turismo que há de vir. É nesta época que a estética da Arcádia Lusitana, fundada em 1755 em oposição ao academismo literário, e do contramovimento Nova Arcádia influenciam, na Ilha, funcionários e pequenos burgueses que começam a despontar para a literatura. Nesta linha, surge o poeta Francisco Manuel de Oliveira (1741-1819), autor de dois volumes de poesia, Escolhas de Poesias Orientais e Colecção Poética. Outro poeta que se destaca neste século é Francisco Paula Medina de Vasconcellos (1768-1826), que, na senda de Manuel Tomás, nos deixou os poemas heroicos Zargueida, Descobrimento da Madeira (1806) e Georgeida (1819). Ainda nesta viragem do século, surge um outro poeta nascido na Ilha, em Machico, Francisco Álvares de Nóbrega (1772-1806). Revela-se um arcádico de transição, apesar de escrever sobre a sua consciência e o mau fado que o persegue, afastando-se, por esse motivo, das linhas básicas dessa escola literária. Foi apelidado “Camões pequeno” e ficou conhecido pelos seus sonetos, alguns deles satíricos, outros anticlericais, que lhe valeram a prisão. Em 1804, publicou Rimas. Muitos dos seus outros poemas foram queimados pela Inquisição, depois da sua morte. Mónica Teixeira insere-o no grupo dos poetas pré-românticos. Entre finais do séc. XVIII e o séc. XX, surgem poetas que João Fortunato de Oliveira reuniu na antologia Flores Agrestes. Desses, nomeiam-se apenas, a título exemplar: José António Monteiro Teixeira (1795-1876), com obras publicadas em Portugal e em França, na medida em que desempenhou as funções de cônsul deste país no Funchal; Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1824-1888), Visconde das Nogueiras, e João da Câmara Leme (1829-1902). Nas últimas décadas do séc. XVIII, o romantismo proliferava na Europa, caracterizando-se por uma visão do mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo e pela procura de um nacionalismo que viria a consolidar os Estados. No contexto romântico da ilha da Madeira, destacam-se alguns poetas, alguns dos quais pioneiros nas letras portuguesas, com colaborações frequentes em importantes revistas literárias regionais e nacionais, ao lado de grandes nomes da literatura portuguesa: Luiz da Costa Pereira (1819-1893), autor que fez parte da coletânea O Trovador, de Coimbra – e do grupo com o mesmo nome –, com os poemas “Recordação” e “O Orphão”; João de Nóbrega Soares (1831-1890), um assíduo colaborador da imprensa funchalense que revela uma arte poética muito pessoal e que, segundo Cabral do Nascimento, era o mais artista de todos os poetas desta altura; Luiz d’Ornellas Pinto Coelho (1843-1920) e Francisco Vieira (1849-1889), o compilador de Álbum Madeirense (1884), um romântico saudosista e nacionalista, ao gosto de Soares dos Passos, mas também de António Nobre. [caption id="attachment_14953" align="alignleft" width="192"] Fonte: Blog da Biblioteca Municipal do Funchal[/caption] As mentalidades começavam a mudar. É assim que, na aristocracia ou no seio da alta burguesia, surgem mulheres a participar de atividades e eventos ligados à arte e à literatura, a traduzir escritores estrangeiros e a organizar saraus artísticos no teatro ou em casas particulares. É o caso de Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos (1824-1888), Viscondessa das Nogueiras, que tem poemas inseridos nas coletâneas Flores da Madeira, Album Madeirense e Prelúdios Poéticos; Matilde Olympia Sauvayre da Câmara (1871-1957), senhora ligada às artes – à música, ao teatro e à poesia; Berta de Ataíde, nome autoral de Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida (1847-1928), que editou Mosaicos, o seu livro principal; Joana da Piedade Velosa de Castel-Branco (?-1920), que colaborou em diversos jornais e revistas e editou, em Lisboa, As Minhas Flores, em 1905, e Fluctuações, em 1910; Eugénia Rego Pereira (1875-1947) e o seu livro Folhas Perdidas, em 1929; Maria Emília Acciaiuoli Rego e Georgina de Almeida, que têm poemas em Flores Agrestes, uma antologia de João Fortunato de Oliveira, poeta que organizou as primeiras coletâneas de autores madeirenses. Em 1883, Mariana Xavier da Silva publica Na Madeira. Offerendas, que merece da parte de Guiomar Torrezão, escritora e diretora do Almanach das Senhoras (1870), na “Introducção” que assina, um louvor também pelo facto de [ainda] ser rara a publicação da escrita feminina. No Funchal, entretanto, organizavam-se algumas associações de caráter cultural onde se liam os jornais nacionais e estrangeiros: o Clube Funchalense, o Clube dos Estrangeiros e o Clube da Associação Comercial do Funchal. Aí se lia, se conversava, se sabia do mundo. Não nos podemos esquecer de que a Ilha recebia influências das culturas de quem a ela chegava, sobretudo ingleses e franceses à procura da beleza da terra, da doçura do clima. Por outro lado, as famílias mais abastadas enviavam os seus filhos para a França, para a Inglaterra e para a Guiana Inglesa, a fim de estudarem nos melhores colégios. Em 1870, Joaquim Pestana (1840-1909) estreia-se na imprensa regional, no jornal Imprensa Livre, como poeta. O Diário de Notícias, onde publica quase diariamente – poemas e prosa poética – entre outubro de 1876 e outubro do ano seguinte, é o grande divulgador dos poetas românticos madeirenses. Escrevendo e publicando no contexto da ilha da Madeira, Joaquim Pestana é um dos poetas do seu tempo que mais se relaciona com o meio insular. Em Espinhos e Flores, o autor manifesta a sua natureza espiritual e a temática religiosa da sua produção literária. Foi o autor romântico que mais publicou no seu tempo, quer na ilha, quer no espaço nacional. Publicou em quase todos os jornais e nos principais almanaques nacionais: Almanaque Literário, Alagoano das Senhoras, Almanaque D. Luiz, Almanaque Insulano dos Açores e Almanaque da Madeira. Mónica Teixeira considera-o um “romântico insular”, na medida em que é coerente com a natureza e com a história da Ilha. O final do séc. XIX prima pelo aparecimento de algumas coletâneas literárias que reúnem os poetas da Ilha, nomeadamente aqueles cuja publicação se fazia nos jornais e nas revistas da altura, que se tornaram um meio eficaz de divulgação dos poetas da Madeira, dentro e fora da Ilha. O Diário de Notícias permite-nos, por exemplo, perceber as preferências literárias do público madeirense, que demonstra um gosto especial pelo texto poético. Em 1871, surge a primeira série da coletânea romântica Flores da Madeira (a segunda série há de aparecer em 1872), pela mão do Dr. José Leite Monteiro e do Cón. Alfredo César d’Oliveira. Nos poetas representados, é possível percorrer os valores locais do romantismo vivido na Madeira. Vários estudiosos se manifestaram acerca das duas séries desta compilação: Cabral do Nascimento e Teófilo de Braga, tecendo o primeiro uma crítica pouco abonatória aos poemas aí representados. Quase todos os poetas aí presentes seguem o rasto de Soares dos Passos, nas suas características ultrarromânticas, no seu tom fatalista, no ritmo muitas vezes laudatório, se bem que, nos poetas da Ilha, o estado de alma romântico seja atenuado pela beleza e pela doçura da natureza insular. Em 1874, uma outra coletânea poética surge, na Madeira, pela mão do poeta Francisco Vieira, Álbum Madeirense. Deve salientar-se que ter um poema integrado numa destas compilações era garantia do prestígio dos poetas. Nesta obra, estão publicadas 69 poesias, assinadas por 34 poetas, entre os quais 5 mulheres, alguns repetentes das coletâneas anteriores, recolhendo, desta forma, e uma vez mais, a produção literária local. No género almanaque, aparece, ainda, em 1883, o Álbum Poético e Charadístico que, além de poesias, inclui pensamentos, charadas e enigmas e recebe autores da Ilha e do continente. Da lista dos poetas aí representados, consta o nome de Joaquim Pestana. No entanto, na Ilha mais rural, surge uma outra voz, menos erudita e mais popular, um poeta que encontra eco junto das populações: Manuel Gonçalves (mais conhecido pelo Feiticeiro do Norte), nascido na freguesia do Arco de São Jorge, em 1858, onde veio a falecer em 1927. Foi agricultor, pedreiro e poeta. Era um homem do povo, analfabeto, com muita facilidade em fazer rimas. A sua poesia, dita sobretudo nos arraiais, ganhou adeptos por toda a Ilha: advoga as suas causas, não tem medo de contar a sua vida (igual à vida de outros camponeses que tinham, na terra, a base do seu sustento), é porta-voz dos anseios e das preocupações das gentes e reclama a atenção de quem governa. Emigrou para o Brasil em 1910, chegando a editar, naquele país, dois poemas. A maior parte da sua bibliografia está impressa em folhetos avulsos. O Funchal do primeiro quartel do séc. XX apresenta-se como uma cidade cosmopolita, onde, à semelhança do que acontecia no continente, se formavam tertúlias literárias. Mais uma vez, há que realçar o papel da imprensa. O Diário da Madeira projeta, então, outros autores do arquipélago, associados sob o nome de “os cinco vagabundos” – João Cabral do Nascimento, Luís Figueira de Castro, Álvaro Manso de Sousa, Rodolfo Ferreira e Visconde do Porto da Cruz, grupo esse que se alargará a Ernesto Gonçalves e a António da Cunha de Eça. Desfeita esta agremiação de intelectuais, forma-se outra com o Antonino Pestana, Manuel Pestana Reis, Eduardo Pereira, Fernando de Menezes Vaz e Juvenal de Araújo, entre outros. O séc. XX é de uma produção literária significativa na ilha da Madeira. Aí, com base no que se passa no continente, sobretudo nos centros culturais do país – Lisboa, Coimbra, no início do século, e Porto, na segunda metade de novecentos –, os autores experimentam as escolas em voga e adaptam-nas à sua insularidade: o romantismo, o modernismo e o grupo da Presença são exemplos deste caminho. A maioria dos poetas da época, apesar de, em alguns casos, publicarem livros individuais, faziam-se representar em coletâneas, em almanaques, como, por exemplo, o Almanaque Ilustrado do Diário da Madeira ou o Almanaque de Lembranças Madeirense, ou ainda na Revista Literária. Ressalte-se, aqui, alguns poetas que marcaram presença na vida literária do séc. XX: José Cruz Baptista Santos (1887-1959), jornalista que deixou, por entre a sua obra poética, Horas de Inspiração (1906), Rosas e Jasmins (1913) e Baladas, um inédito; Elmano Vieira (1892-1962), que deixou Livro Azul (1959) e muitos poemas dispersos em múltiplas publicações e antologias; António Feliciano Rodrigues (Castilho), que publicou, entre outros, Versos da Mocidade (1903), Versos Para os Meus Filhos (1910), Colar de Vidrilhos (1911) e Sonetos (1916). Na passagem para o modernismo, movimento para o qual a Madeira contribuiu com algumas páginas da sua literatura, um outro autor, João Gouveia (1880-1947), há de revelar-se muito importante para a história das letras madeirenses, na medida em que inaugura aquilo que, no entendimento crítico contemporâneo, pode ser considerado literatura regional, dado o seu sentir ilhéu e as marcas insulares da sua poesia. Fazem parte da sua obra, os livros de poemas Breviário (1900), Atlante (1903) e Almas do Outro Mundo (1908). De acordo com Mónica Teixeira, o poeta bebe a sua inspiração nos autores nacionais – António Nobre, Cesário Verde e Camilo Pessanha, assim como no poeta inglês Lord Byron, com quem partilha o seu amor à(s) ilha(s). A mundividência insular tem, no modernista Albino de Menezes (1889-1949), um seu representante. Por ele, apercebemo-nos das desigualdades (também culturais) entre a Ilha e o resto do país. A sua personalidade – e a sua escrita, obviamente – releva um sentimento de autor isolado, insulado, guardado pelo mar, que lhe cerra as portas do mundo, mas isolado por outras ilhas que se erguem dentro da própria Ilha. De entre todos os colaboradores de Orpheu, indicador das tendências literárias do seu tempo, foi Albino Menezes que figurou ao lado dos grandes nomes da literatura portuguesa desta época – Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros –, integrando-se nas expectativas sensacionistas dos dois primeiros. A sua vertente de poeta surge mais tarde: primeiro com quadras de natureza popularizante, publicadas no Diário de Notícias (27 jan. 1921) sob o título “Mulheres”, e, depois, com sonetos que reúnem características românticas, modernistas e decadentistas. O poema “Olá Vadio!”, publicado na Presença (n.º 5, 4 jun. 1927), é um dos mais conhecidos do autor, um texto claramente modernista que, apesar de descrever o movimento num cais de Lisboa, faz lembrar, pelos pormenores, a sua origem insular. Outros autores madeirenses da mesma geração inserem-se ainda nesta corrente, como Cabral do Nascimento (1897-1978), que revela um sentido renovador, inspirado numa sensibilidade lírica nacional, chamando a atenção para os perigos de uma ameaçadora rutura com os valores da cultura portuguesa. Teve um papel muito importante na cultura literária da Ilha e do país, como tradutor e organizador de coletâneas, nomeadamente de Líricas Portuguesas e O Livro de Cesário Verde. Como poeta, publicou, em Lisboa, no ano de 1916, o seu primeiro livro de poesia, As Três Princesas Mortas num Palácio em Ruinas, obra essa elogiada por Fernando Pessoa pelo seu caráter sensacionista. No entanto, havia de se distanciar das linhas do movimento de Orpheu, chamando-lhe Mónica Teixeira um “clássico moderno”, um autor com um caminho muito próprio que define a poesia dos seus livros: Além-Mar (1917), onde se denota um certo patriotismo insular, Descaminho (1926), Arrabalde (1928), Litoral (1932), Confidência (1945) e Digressão (1953). Filósofo Y, Príncipe d’Arcádia ou Cavaleiro do Cisne são os nomes autorais de outro poeta que se destaca na Ilha, sobretudo a partir dos anos 20 da centúria: Octávio José dos Santos ou Octávio de Marialva. Nascido no Funchal em 1898, onde viria a falecer a 3 de junho de 1992, da sua obra versátil, na medida em que toca vários temas – filosofia, teosofia, astronomia e esoterismo –, destaca-se a poesia, género no qual revela a sua permanente procura de harmonia com o universo. Publicou, entre outros livros de poesia, A Morte do Cisne (1923), A Sinfonia do Eu (1937) e Olimpo – 25 Poemas da Grécia (1991). Da geração da Presença, destaca-se, na Ilha, o escritor João Brito Câmara (1909-1967), delegado da Associação Portuguesa de Escritores (APE) na Madeira, entre 1956 e 1958. Foi diretor da página literária do semanário Eco do Funchal, o “Eco Literário”, que se revelou importante na divulgação de autores contemporâneos: Edmundo Bettencourt, Herberto Helder, Florival de Passos, Rogério Correia, Horácio Bento de Gouveia, Octávio de Marialva, Luís Marino e Baptista Santos. Foi, porém, como poeta que este advogado mais se distinguiu. Cabral do Nascimento assinou o prefácio do seu primeiro livro de poesia: Manhã (1927). Publicou, ainda, Relance (1942), Auto da Lenda (1943), um poemeto nacionalista com características épicas, Ilha (1940) e Poesias Completas (1967), cujo prefácio é da autoria de Fernando Namora. Edmundo de Bettencourt (1899-1973) foi, também, um dos fundadores da Presença, juntamente com José Régio, Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca. Colaborou em diversos jornais e revistas e consagrou-se um dos grandes poetas da época, na Madeira e no continente. Em 1930, publica O Momento e a Legenda, a sua primeira e solitária obra em mais de 30 anos. Só em 1963, Bettencourt volta a evidenciar-se com a publicação de toda a sua obra. Os Poemas de Edmundo Bettencourt integram, além de O Momento e Legenda, Rede Invisível, de 1930-31, Poemas Surdos, de 1934-40, e Ligação, escrito entre 1936 e 1962, e são prefaciados por Herberto Helder. Um outro poeta com algum significado nesta época é Carlos Agapito Camacho (1903-1994), que assina os seus textos sob o pseudónimo Santiago de Melo. Como poeta e ensaísta, colabora na imprensa, nomeadamente no Diário da Madeira e no semanário Trabalho e União, onde assina, sobretudo, artigos de crítica literária e crítica social, assumindo um discurso provocatório e fantástico e demarcando-se pela sua originalidade, pela ironia e pelo ritmo das frases, levando o Visconde do Porto da Cruz a chamá-lo “o ritmador da ironia”. Em 1928, surge integrado no segundo grupo da Presença, com quem politicamente mais se identifica, e publica os poemas “Insolação”, “Senti Saudades de Mim” e “Claro-Escuro” na Presença (n.º 28, vol. 2, ago.-set. 1930). “Insolação” virá a ser publicado, a 13 de dezembro desse ano, em Trabalho e União e Luís Marino publica-o na coletânea Musa Insular, caraterizando-o como um poeta modernista com estilo próprio. Octávio de Marialva dedica-lhe o soneto “Don Juan” que o Diário da Madeira publica no dia 10 de agosto de 1930. Em Musa Insular, Luís Marino reúne uma plêiade de 372 poetas madeirenses, entre o séc. XV e a data da publicação (1959) deste “espicilégio popular madeirense”, como lhe chama o próprio autor no prólogo da obra: desde João Gonçalves da Câmara (1414-1501) a Carlos Maximiliano Alves de Menezes Cabral (1942-), o último poeta referenciado nesta obra. Luís Marino é o nome literário de Luís Gomes da Silva (1909-1996). De entre a sua vasta produção literária, destacamos: Revoada de Sonhos (1932), Cardos e Papoilas (1944), O Pobre e o Rico (1950), O Canto do Cisne. Poemas (s.d.) e Bolas de Sabão (s.d.). [caption id="attachment_14724" align="alignleft" width="218"] António Aragão[/caption] Os anos 50 são essencialmente ligados à poesia e a uma certa afirmação do meio insular. Por esse motivo, à semelhança do que já havia acontecido no séc. XIX com Flores da Madeira, alguns dos poetas madeirenses são reunidos em coletâneas. Surge, de facto, em 1952, Arquipélago, uma publicação do jornal Eco do Funchal, na qual se destacam poetas como António Aragão, Carlos Cristóvão, Florival de Passos, Jorge Freitas, Rebelo Quintal, Rogério Correia e Silvério Pereira. É este o primeiro palco de Herberto Helder. Nascido no Funchal, em 1930, cedo se afastou da Ilha e abriu o seu mundo a outros mundos. Desde cedo, também, manifestou interesse por determinadas culturas que, ao longo do tempo, sofreram grandes mutações. É lá que o poeta vai beber a sua linguagem (quase) ritualística, a ideia de uma metamorfose contínua e a noção de poeta como alquimista, como um deus ou um mago possuído pela força animista da linguagem. O autor, considerado, hoje, um dos maiores vultos da literatura portuguesa, participa também num opúsculo, Poemas Bestiais, em 1954, com Carlos Camacho e Jorge Freitas, uma publicação que passa praticamente em silêncio pelo Funchal. Esta é uma obra provocatória, um pouco na linha de Arquipélago e de Aerópago, que aparece como uma resposta bem-disposta à primeira coletânea. Estas coletâneas permitiram desencadear uma certa consciência literária madeirense, pela mão de escritores como António Aragão (1921-2008), Cabral do Nascimento ou Edmundo Bettencourt (1899-1973). Os suplementos literários dos jornais continuam a desempenhar um papel fundamental na vida cultural e literária da Madeira na segunda metade do séc. XX. Pedra é um desses casos. Surge em duas séries: a 25 de março de 1965, no jornal Eco do Funchal, e a 22 de janeiro de 1967, no Comércio do Funchal. Um olhar descomprometido permite-nos perceber nomes até então desconhecidos no panorama literário madeirense: Vicente Jorge Silva, Luís Manuel Angélica, José de Sainz-Trueva, entre outros. Alguns dos autores do séc. XX deixaram a sua poesia dispersa na imprensa ou referenciada em coletâneas: César Pestana (1904-1986), por exemplo, ou João França (1908-1996), mais conhecido pela sua prosa. A partir dos anos 70, alguns poetas madeirenses são integrados em antologias organizadas no continente. É o caso de Poesia 70 (Porto, 1970), Poesia 71 (Porto, 1971) e Poemografias (Lisboa, 1985). Na Ilha, José António Gonçalves (1954-2006) é o responsável pela divulgação literária de muitos dos poetas insulares. Pelas suas mãos, também se organizaram antologias de poesia: Ilha (1975), Ilha 2 (1979), Ilha 3 (1991), Ilha 4 (1994) e Ilha 5 (2006), esta última organizada pelo seu filho depois da sua morte, Cadernos Ilha, que contou com 12 volumes publicados a partir de 1988, e Livros de Cordel, que teve 10 números. Para além disso, o poeta integrou, em 1973, o Caderno de Poesia & Crítica Movimento, lado a lado com António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Pedro Tamen, José Bento, A. J. Vieira de Freitas, José Agostinho Baptista e Gualdino Avelino Rodrigues. Nos anos 70, foi o responsável pela página literária do Jornal da Madeira, “Poesia 2000”, e, nos anos 90, pelo suplemento cultural do jornal Notícias da Madeira. A ele se deve também uma vasta criação poética, de que salientamos: Os Pássaros Breves (1995), Pedra Revolta (2000), Esquivas São as Aves (2001), Memórias da Casa de Pedra (2002) e As Sombras no Arvoredo (2004). Verifica-se, nestes anos, a tendência para juntar os poetas da Madeira com os dos Açores numa antologia insular, um ensaio das afinidades entre poetas de ilhas, na medida em que alguns poetas refletiram sobre eventuais pontos de contacto das escritas ilhoas, ainda que as respostas dos dois arquipélagos pareçam ter sido diferentes ao longo dos tempos: por um lado, os Açores reagem mais facilmente às correntes que se erguem na Europa e na América; por outro, a Madeira aproxima-se mais do que vai acontecendo em território português. Surge, assim, Pontos Luminosos. Açores e Madeira, uma antologia de poesia do séc. XX que abriga também alguns poetas do início do séc. XXI: João Carlos Abreu (n. Funchal, 1935); Irene Lucília Andrade (n. Funchal, 1938); António Aragão (n. São Vicente Madeira, 1924); José Agostinho Baptista (n. Funchal, 1948); Isabel Aguiar Barcelos (n. Funchal, 1958); Edmundo Bettencourt (n. Funchal, 1889); João David Pinto Correia (n. Funchal, 1939); Ana Margarida Falcão (n. Funchal, 1949); A. J. Vieira de Freitas (n. Madeira, 1940); São Moniz Gouveia (n. Santo António da Serra, Madeira, 1967); Octávio de Marialva (n. Funchal, 1898); José Tolentino Mendonça (n. Machico, Madeira, 1965); José Viale Moutinho (n. Funchal, 1945); João Cabral do Nascimento (n. Funchal 1987); José de Sainz Trueva (n. Funchal, 1947); Ângela Varela (n. Camacha, Madeira, 1938), e alguns poetas açorianos. A Ilha continua a inspirar poetas. Os que mais se têm destacado no panorama literário são, sobretudo, aqueles que conseguiram ultrapassar as fronteiras basálticas da Ilha, alguns dos quais com grande projeção nacional e mesmo internacional. Organizados cronologicamente pela data do seu nascimento, ressaltamos alguns autores: Herberto Hélder (1930-2015), a sua vasta obra, que se iniciou como uma procura surrealista, experimenta o poder da palavra e propõe uma reflexão sobre a escrita. De entre a sua poesia, sublinham-se as obras seguintes: Poemacto (1961), Retrato em Movimento (1967), O Bebedor Nocturno (1968), Cobra (1977), O Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), A Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988), Do Mundo (1994) e Poesia Toda (1973 e 1996). Irene Lucília Andrade (n. 1938) publicou O Pé Dentro d’Água (1980), Ilha que é Gente (1986), A Mão que Amansa os Frutos (1991), Estrada de um Dia Só (1995), Protesto e Canto de Atena (2002), Água de Mel e Manacá (2002). Ao longo do tempo, integrou coletâneas dedicadas à poesia insular: Ilha 2, Ilha 3 e Ilha 4, Duplo Olhar (1997), Poetti Contemporanei dell'Isola di Madera, (Itália, 2001), Saudades da Ilha – Evocações Poéticas da Ilha da Madeira (2003) e Pontos Luminosos – Açores e Madeira: Antologia de Poesia do Século XX (2006). Ângela Varela (n. 1938) é uma poetisa representada em jornais e revistas da Ilha e do continente, bem como nas antologias Ilha 3, com “Espaços de Passagem”, de 1991, e Ilha 4, com “Corpo – Ilha”, de 1994. João David Pinto-Correia (n. 1939), docente universitário na área da literatura, escreveu, entre outras obras, Este Branco Silêncio (1991) e Onze Mais um Poemas e Lugares (2001). A. J. Vieira de Freitas (1940-1982) publicou A Palavra que Somos (1971), Habitar o Tempo (1975) e Erosão (1982). A ele se deve, também, a coordenação da antologia Da Ilha que Somos (1977), que pretendeu transmitir a voz poética da insula. No prefácio que assina, o poeta explica que o insular intui a poesia a partir da limitação geográfica da Ilha. A obra reúne, assim, um conjunto de “jovens poetas”, alguns dos quais não madeirenses, que pretendem traduzir o complexo mundo do ilhéu. De entre os autores aí representados, destacam-se Fátima Dionísio, A. Brito Figueiroa, Carlos Alberto Fernandes e Laurindo Gois, estes três últimos ligados ao grupo Ilha. José de Sainz-Trueva (n. 1947) manteve, desde muito jovem, uma produção poética regular na imprensa regional e de Lisboa, bem como em revistas literárias e várias antologias publicadas no Funchal, no Porto e em Lisboa. Em 2013, publicou O Lento Arder das Coisas. José Viale Moutinho (n. 1945) é um dos poetas da Ilha que viveu grande parte da sua vida fora dela. Jornalista, cronista, investigador, contista e poeta, tem, entre muitas outras, as seguintes obras poéticas publicadas: Urgência (1966); Atento Como um Lobo (1975); Os Laços (1979); Quarteto de Viagens e Paixões (1980); Correm Turvas as Águas Deste Rio (1982); Piano Bar (1986); Máscaras Venezianas. Poemas (1987); Tretze Quadres de Mário Botas (1987); As Portas Entreabertas: Poesia 1975 – 1985 (1990); Un Caballo en la Niebla (1992), que foi considerado pela revista Leer (Madrid) um dos 100 melhores livros da déc. de 90; Caderno de Entardecer (1996); O Amoroso (1997 e 2004); Nomes de Árvores Queimadas (1997); Areias Onde Gregos se Perdem (1998); Poemas Tristes (2001); A Ilha do Ogre (2003); Outono: Entre as Máscaras (2003); Sombra de Cavaleiro Andante: Antologia Poética 1975-2003 (2004); Por um Bosque tão Sombrio e Outros Poemas (2007); São Coisas Tais Efeitos Só do Acaso? (2009). João Dionísio (n. 1947) foi um dos três madeirenses (com José de Sainz-Trueva e António Aragão) a participar numa nova vertente do experimentalismo apresentado nas antologias portuenses Poesia 70 e Poesia 71. Tem a sua obra poética dispersa por antologias várias. Recorrendo, com frequência, ao poema em prosa, publicou, por exemplo, A Cidade de Álea (1981), Os Açúcares ou o Ruído do Silêncio (1996), Uma Inquestionável Distância (1999) e Os Construtores da Memória (2000). José Agostinho Baptista (n. 1948) foi jornalista e tradutor, tendo sido responsável pela tradução em português de alguns autores de língua inglesa, como Walt Whitman e Tennessee Williams. Assumiu-se como um dos grandes poetas dos sécs. XX e XXI. Da sua vasta obra publicada, destacam-se os livros: Deste Lado Onde (1976); O Último Romântico (1981); Morrer no Sul (1893); Auto-Retrato (1986); Paixão e Cinzas (1992); Canções da Terra Distante (1994); Agora e na Hora da Nossa Morte (1998); Biografia (2000); Anjos Caídos (2003), que lhe mereceu o Prémio PEN de Poesia; Esta Voz é Quase o Vento (2004), que lhe valeu o Grande Prémio de Poesia APE/CTT; Quatro Luas (2006); Além-Mar (2007); Assim na Terra como no Céu (2014). José Tolentino Mendonça (n. 1965) é dos mais reconhecidos poetas da sua geração, tendo sido distinguido por diversos prémios literários, como o Cidade de Lisboa de Poesia, em 1998, e o PEN Clube Português, em 2004. À semelhança de José Agostinho Baptista, foi distinguido com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique, tendo sido considerado um dos 100 portugueses mais influentes em 2012 pela Revista do jornal Expresso. Da sua vasta obra literária, destacamos: Os Dias Contados (1990); Longe Não Sabia (1997); A Que Distância Deixaste o Coração (1998); Baldios (1999); De Igual Para Igual (2001); A Estrada Branca (2005); A Noite Abre Meus Olhos (2006); O Viajante Sem Sono (2009); A Papoila e o Monge (2013). A atividade poética da ilha da Madeira mostra-se, assim, intensa. Talvez a sua condição insular e os singulares fatores geográficos e culturais façam dela uma terra de poetas. Registe-se, pois, outros nomes que fazem parte da história literária da Ilha: Carlos Alberto Fernandes, Eurico de Sousa, Gualdino Avelino Rodrigues, Guilhermina Luz, Isabel Aguiar Barcelos, Jorge Freitas, Luís Viveiros, Laura Moniz (nome com que passou a assinar São Moniz Gouveia após alteração do nome civil), João Carlos Abreu, entre muitos outros poetas que terão, certamente, lugar na história da literatura que se faz na Ilha. Há outros poetas, porém, que, não tendo nascido na Ilha, dela fizeram a sua casa. De entre os muitos que se deixaram inspirar pela Madeira, sublinham-se alguns pela importância que o tempo lhes tem dado: João de Brito Câmara (1909-1967) nasceu em Lisboa, mas foi viver para o Funchal com quatro anos. Advogado, foi sócio do Instituto Cultural da Madeira e pertenceu à Associação Portuguesa de Escritores (de que foi delegado na Ilha, entre 1956 e 1958). Colaborou na imprensa regional. Escreveu Manhã (1927), Relance (1942), Auto da Lenda (1943), Ilha (1950) e Poesias Completas (1967). Maria Aurora Carvalho Homem (1937-2010), natural da Beira-Alta, escolheu a Madeira para viver a partir de 1974. Como poeta, publicou Raízes do Silêncio (1982), Ilha a Duas Vozes, com João Carlos Abreu (1988), Cintilações, poesia sobre aquarelas de Mellos (1995), Uma Voz de Muda Espera (1995) e 12 Textos de Desejo (2003). Carlos Nogueira Fino (n. 1950), apesar de ter nascido em Évora, residiu na Madeira desde 1959, optando pela Ilha como sujeito nos seus poemas. Dos seus livros de poesia, destacamos XXIII Poemas de Ilhamar (1987), Simbiose (1988), Este Cais Vertical (1989), Contemplação do Olhar (1992), (Pre)Meditação (1992), Segundo Livro de Ishtar (1994), Arco e Promontório (1997), Inquietação da Água (1998), O Deus Familiar (2001), Funchal (2004) e 39 poemas (2006). A poesia é voz antiga na Madeira. As suas raízes (con)fundem-se com as origens humanas da Ilha. No princípio, destacaram-se os poetas palacianos, depois os que beberam a sua arte no colégio religioso, seguidos dos que foram nascendo dos salões onde as tertúlias literárias aconteciam e nas páginas dos jornais. A Madeira foi acompanhando, ao longo da história da literatura, as correntes estéticas e ideológicas do resto do país. No entanto, muitos dos poetas de origem madeirense deixaram que a Ilha entrasse nos seus versos. Basta percorrer os títulos de algumas obras já citadas para perceber que o imaginário da Ilha está, de algum modo, presente nos poetas que citamos. Veja-se, por exemplo, as coletâneas Flores da Madeira, Álbum Madeirense e Ilha, ou nomes de obras como A Divina Ilha, de Albino Menezes, ou XXIII Poemas de Ilhamar, de Carlos Fino. A partir dos finais do séc. XX, os poetas madeirenses procuraram o estatuto de cidadãos do mundo, mais preocupados com os temas e os problemas que se colocam à humanidade do que propriamente com temas locais e regionais. A Ilh a, porém, parece continuar a desencadear vocações poéticas, na medida em que todos os anos aparecem novos poetas e novos livros de poesia, dando conta da importância deste espaço para a literatura.   Graça Maria Nóbrega Alves (atualizado a 11.12.2018)

Literatura

natureza à medida do homem

Nesta rota abordamos a temática da relação entre o Homem e o meio natural, isto é, a forma como a espécie humana tira partido das condições dos locais habitados. Na Madeira, embora menos visto, ainda se encontram, e se usam em alguns casos, rudimentares construções nas rochas para diversas finalidades, tais como para abrigo de animais, armazenamento de água, para lagares, celeiros e habitação própria, entre outras finalidades. Descarregue aqui esta rota! Levada do Castelejo Iniciamos esta rota no Curral das Freiras na Levada do Castelejo. Esta levada representa um exemplo da importância destes canais de água, devido à dupla funções que desempenhou. Para além do transporte de água, o qual beneficiou a costa Sul da ilha, de clima mais seco, foram as principais vias em algumas localidades, casos do Curral das Freiras. Através desta levada, iam os Homens à costa Sul e transportavam-se mercadorias para os mercados do Funchal, algumas delas provenientes da costa Norte.   . Sítio da Rocha Comprovando a outrora importância desta levada como meio de comunicação e transporte de carga, neste sítio encontramos um conjunto de construções constituído por pequenos lagares na rocha, supõe-se que para produção de vinho, bem como o aproveitamento para abrigos dos assentamentos de grandes pedras.   Veredas e Levadas Um dos aspectos mais visíveis da intervenção do homem na paisagem trata-se das Levadas e das Veredas, constituindo ambas as vias principais de comunicação até à construção da Estrada Regional 107. É de facto notório o perigo e o arrojo dos homens que construíram essas infra-estruturas.   . Caminho das Voltas Este Caminho Real leva-nos ao miradouro da Eira do Serrado, pertencente à freguesia de Santo António, era a principal via de comunicação entre a freguesia do Curral das Freiras e a costa Sul. Rivalizava em importância com a vereda de São Martinho e a vereda de ligação ao Jardim da Serra. Por aqui passavam os homens e os animais, criados no Curral, para além das mercadorias que provinham do norte da ilha. O Curral das Freiras hoje isolado, era um ponto de ligação de mercadorias e homens que provinham do Norte. . Ribeira do Gato Associada à Ribeira do Gato encontra-se a lenda dos “Grima”. Segundo conta, aqui vivia um povo “estranho” à restante população do Curral das Freiras. Os Grima – o mesmo que diabos – desciam das montanhas para roubar o gado. Revoltados com os saques constantes, a população do Curral das Freiras reagiu com uma emboscada, obrigando à integração de alguns elementos e à fuga dos restantes.   Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho

Rotas