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O Brasil exerceu, ao longo da história, um certo fascínio sobre os insulares, que se encontram ligados ao seu processo de construção desde o início. Nos sécs. XVI e XVII, destacou-se a presença de madeirenses, de norte a sul do Brasil, como lavradores e mestres de engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-de-açúcar, funcionários, que consolidaram as instituições locais e régias, e militares, que se bateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nos primórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a “Nova Madeira”. Evaldo Cabral de Mello Neto e José António Gonsalves de Mello são aliás raros exemplos na historiografia brasileira de valorização desta presença madeirense. Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a Ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos por mestres madeirenses. Na Baía, em Pernambuco e em Paraíba encontramos muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. A Madeira também serviu de modelo no processo de colonização do Brasil, nomeadamente no que respeita aos regimes de capitanias hereditárias e das sesmarias, e ainda no aparelho administrativo e religioso, pois o Funchal foi sede de arcebispado entre 1514 e 1533, com jurisdição sobre o Brasil. O progresso económico do Brasil veio despertar a atenção da burguesia madeirense, que emigrou para essa colónia à procura das suas riquezas, em particular o açúcar. Neste sentido, são várias as famílias brasileiras com origem madeirense. É o caso das famílias pernambucanas Regueiras, Saldanha, Moniz Barreto e Cunha, que teve a sua origem no madeirense Pedro da Cunha Andrade. Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo, a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se por todo o espaço brasileiro, com focos de maior influência em S. Vicente, na Baía, nas Caraíbas e nos ilhéus. A situação teve eco na historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava, em 1936, que a “Madeira foi entreposto, estância de passagem para o Brasil” (VIEIRA, 2004, 14). O processo de transferência de pessoas ganha uma nova vertente no séc. XVIII, com a emigração de casais. Esta foi a solução para resolver os problemas sociais das ilhas e garantir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746, temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o Sul, como garantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. Nos sécs. XIX e XX, o Brasil continuou a ser um destino cobiçado pelos insulares. A história e o quotidiano registam de forma evidente esse movimento. Nos sécs. XVIII e XIX, as ligações comerciais das ilhas com o Brasil mantêm-se suportadas na oferta insular de vinho e vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. No séc. XX, o Brasil continuou a ser o El Dorado para os insulares, nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e em Santos a possibilidade de fuga às dificuldades da guerra ou às difíceis condições de sobrevivência. A Inquisição exercia a sua atividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia a jurisdição de todo o espaço atlântico. A ação do tribunal não era permanente e fazia-se através de visitadores enviados às ilhas. Na Madeira e nos Açores, realizaram-se três visitas: em 1575, por Marcos Teixeira, em 1591-1593, por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-1619, por Francisco Cardoso Tornéo; todavia, só é conhecida a documentação das duas últimas visitas. Nas ilhas, é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. O Tribunal do Santo Ofício interveio apenas nas ilhas da Madeira e dos Açores, levando a julgamento alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existente e pela sua insistente permanência. No intervalo de tempo entre as visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, o clero, os reitores do Colégio dos Jesuítas, os familiares e os comissários do Santo Ofício. A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e do comércio a longa distância. A criação do Tribunal do Santo Ofício em Lisboa obrigou os judeus a avançarem no Atlântico, por força da perseguição que lhes era movida, primeiro para as ilhas, depois para o Brasil. A diáspora fez-se de acordo com os vetores da economia atlântica, pelo que deixava um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi, sem dúvida, um dos principais móbeis da atividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento com os portos nórdicos facilitou uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeros cuidados por parte do clero e do Santo Ofício na visita às embarcações que chegavam ao Funchal. Outra motivação para a deslocação dos madeirenses para o Brasil decorria da necessidade de defesa daquele território. A libertação do Maranhão, em 1642, foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência aos holandeses foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Assim, a defesa da soberania portuguesa foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a Ilha. O envio de soldados madeirenses para o Brasil continuou ao longo do séc. XVII, deste modo, temos a ida, em 1631, de João de Freitas da Silva; em 1632, de Francisco de Bettencourt e Sá; em 1646, de Francisco Figueiroa e, em 1658, de D. Jorge Henriques com 600 homens. Em 1696, temos o envio de 100 soldados para o estado do Maranhão. Já em 1734, a nova leva teve como destino Santos. Em 1774, foram 200 soldados da Madeira na companhia de 1000 homens enviados ao Rio de Janeiro. Para Santa Catarina temos notícia do envio de militares nos sécs. XVII e XVIII, antecedendo o período de colonização insular. Francisco de Figueiroa está, desde 1628, ligado a diversas campanhas em Pernambuco, mas, em 1646, encontrava-se na Madeira quando recebeu do Rei a carta de patente de mestre de campo. O terço de Francisco de Figueiroa é constituído por quatro companhias, sendo uma comandada pelo Cap. Manoel de Azevedo, que já havia servido no Rio de Janeiro, na Baía e em Pernambuco. Manoel Homem d’El-Rei era o capelão nomeado pelo próprio mestre de campo, enquanto António Faria era o ajudante. A despesa deste serviço é coberta pela Provedoria da Fazenda no Funchal, com o dinheiro reservado para a fortificação da Ilha. João de Freitas da Silva, sobrinho de Braz de Freitas da Silva, foi morto em Pernambuco à testa da companhia de 100 homens que havia levantado. Em razão disso teve seu tio, em 07/08/1647, uma comenda de Cristo com 100 cruzados de pensão. Heitor Nunes Berenguer, filho de Cristóvão Berenguer, foi distinguido com uma comenda e hábito da Ordem De Cristo Para seu filho Belchior e uma promessa de 40$000 de pensão, por terem ambos servido na Baía e em Pernambuco (26/10/1648). Francisco foi capitão duma companhia enviada a Angola e serviu também em Pernambuco e Castela. Obteve 30$000 de tença nas obras pias, com hábito de Santiago e alvará de ofício de justiça para quem casasse com sua filha. Joane Mendes de Vasconcelos ajudou no Brasil a matar os flamengos e foi sargento e alferes. Em 12/08/1648, deu-lhe o monarca a mercê de 20$000 réis de pensão, em comenda de Santiago, ou um foro de Setúbal da mesma quantia e hábito daquela Ordem. Apoio financeiro-militar Em 1637, com a ocupação holandesa de Pernambuco, os madeirenses foram convidados a participar com uma finta de 13.000 cruzados, sendo 10.000 angariados pela capitania do Funchal e apenas 3.000 pela capitania de Machico, para as despesas com a restauração do Brasil; este valor foi cobrado a partir do real de água e do cabeção das sisas. Os madeirenses reclamaram, dizendo que o dinheiro fazia falta na Ilha, para a fortificação e preparação da defesa contra os corsários, apontando o caso de 1566. A propósito referem o gasto de 800 cruzados da renda da imposição do vinho com este fim, ao mesmo tempo que manifestam o seu desagrado pela despesa e o mal-estar criado com as três alçadas de 1615. Consideram, ainda, que este encargo sobre o preço do vinho podia afugentar os mercadores do porto. Já a vereação de Machico, em maio, apontava a pobreza da Ilha e as dificuldades que o mesmo finto iria causar aos madeirenses. No processo de defesa do Brasil, destacam-se várias personalidades madeirenses, que ficaram figurando no panteão de heróis libertadores de Pernambuco. Francisco de Figueiroa Nasceu na Madeira nos finais do séc. XVI. Em 1663, dizia ter mais de 60 anos. Foi o mais idoso dos participantes nas guerras de restauração, em Pernambuco. Começou a sua vida militar, em 1615, numa expedição comandada por Manuel Dias de Andrade, com o intuito de expulsar os piratas argelinos que se haviam fixado no Porto Santo. Em 1624, tomou parte na expedição que correu a costa de Portugal, comandada por D. Manuel de Menezes. No mesmo ano, tomou parte na chamada “jornada dos vassalos”, comandada por D. Fradique do Toledo Osório, que recuperou a Baía ao poder holandês. Em 1626, fez parte da armada que se destinava a proteger a frota da Índia nos mares próximos da Europa, onde costumava ser atacada por holandeses e ingleses. Esta expedição foi assolada por grandes temporais, fazendo muitos desaparecidos devido aos naufrágios. Figueiroa salvou-se a nado. Em 1628, embarcou na expedição sob comando de Rui Calaça Borges, com a missão de expulsar da ilha de Fernando de Noronha os holandeses que ali se haviam fixado, comandados pelo famoso pirata “Pé de Pau”. A 10 de janeiro do ano seguinte, estava de volta a Pernambuco. Em fevereiro desse ano, Figueiroa estava, de novo, a enfrentar os holandeses, sob o comando do Cap. Pereira Temudo, a quem coube defender as praias do Rio Tapado e Pau Amarelo, onde haviam desembarcado holandeses. O Cap. Temudo morreu em combate com os holandeses e Francisco Figueiroa foi o escolhido para o substituir. A 25 de fevereiro de 1629, foi mandado para o Forte de S. Jorge, para reforçar a guarnição do Cap. António de Lima, que acabaria derrotada pelos holandeses. Feitos prisioneiros, os portugueses foram obrigados a jurar não tomar arma de novo, o que Figueiroa, entre outros, se recusou a fazer, ficando prisioneiro por algum tempo. Em março, já era referido noutros serviços como capitão. A 10 de agosto, participou na guarnição das obras da trincheira de defesa do vau do Rio Beberibe, no Buraco de Santiago, que os holandeses destruíram a 23 de setembro. Tomou parte na refrega que se seguiu ao incêndio da casa de Francisco do Rego, nas Salinas, permanecendo aqui algum tempo, para defesa de várias casas que os holandeses incendiavam. A 10 de junho de 1631, Figueiroa distinguiu-se na defesa da Estância da Passagem dos Afogados. Em 1633, participou na defesa do Arraial do Bom Jesus, que era alvo de ataque dos holandeses. No ano seguinte, participou na defesa do cabo de Santo Agostinho e suas fortalezas, onde tinham desembarcado os holandeses. Em 1639, dirige-se a Angola, sendo nomeado almirante da expedição. A 20 de abril, a sua nau foi forçada a arribar à ilha da Madeira, por não trazer a carga bem arrumada, chegando a Luanda a 18 de outubro desse ano. Aqui, foi nomeado ouvidor-geral e corregedor da comarca. Exerceu bem estes cargos, administrando a justiça com a mesma qualidade com que guerreava. A 30 de maio de 1641, partiu do Recife uma expedição de 21 navios holandeses, com o objetivo de tomar Luanda e ocupar Angola, de forma a dominar o mercado de escravos da região, que era importante para o fornecimento de mão de obra para os engenhos de Pernambuco. A 17 de maio de 1643, os holandeses atacaram, de surpresa, o Bengo, matando e aprisionando os seus moradores, entre os quais o governador e o ouvidor, Francisco de Figueiroa. Do Bengo, os prisioneiros foram levados a Luanda e, daí, muitos embarcaram para o Recife, entre eles Figueiroa. Do Recife foi para a Baía e dali foi mandado para o reino, no ano de 1644. No princípio do ano de 1646, Figueiroa encontrava-se na Madeira, onde recebeu, em abril, uma carta de D. João IV, a nomeá-lo mestre de campo do terço das ilhas de Pernambuco, indicando-lhe o caminho do Brasil e recomendando que se fizesse acompanhar do maior número de gente das ilhas que pudesse, para socorrer o Brasil de ataques dos holandeses. Em 1647, chega à Baía e, em 1653, ao Recife, distinguindo-se em várias batalhas da guerra da restauração. Em reconhecimento pelos seus serviços, o Rei, em 1654, fez-lhe mercê de uma comenda da Ordem de Cristo, de Santo Ildefonso, do bispado de Coimbra da mesma ordem, e deu-lhe o governo de Cabo Verde e ainda o de Paraíba, caso João Fernandes Vieira não o quisesse. Mais tarde, perante recurso, o Conselho Ultramarino fez-lhe mercê do foro de fidalgo com moradia ordinária. O Rei, a 21 de abril de 1655, concedeu-lhe o foro e acrescentou a promessa do aumento da comenda de 120 para 150$. Não se sabe quando veio Figueiroa para Portugal, mas sabemos que já cá estava, em 1656. A 14 de março, é nomeado para o cargo de governador e capitão-general das ilhas de Cabo Verde, que governou até 1662. Aqui foi objeto de uma devassa, sendo preso, em 1664, solto no ano seguinte, e autorizado a regressar a Portugal. António de Freitas da Silva Foi capitão nas guerras de Pernambuco, general da Armada Real, comendador da Ordem de Cristo e participou na restauração do Brasil. Era descendente de João de Freitas da Silva que, em 1631, levantou, na ilha da Madeira, a suas expensas, uma companhia de 100 homens para servir em Pernambuco, logo após a tomada desta cidade pelos holandeses, perdendo aí a vida. João Fernandes Vieira (c. 1610-1681) São várias as teses sobre a sua filiação, que levantaram dúvidas e controvérsia. Diz-se que nasceu por volta do ano de 1610, filho segundo de Francisco de Ornelas Muniz, do Porto da Cruz; que tinha o nome de Francisco de Ornelas; que fugiu sozinho e por iniciativa própria para o Brasil, com apenas 10 anos, tendo mudado de nome, quando aí chegou, para João Fernandes Vieira. Em Pernambuco, cidade para onde se dirigiu e onde se fixou, serviu como assalariado e, depois, como auxiliar de marchante. No início das invasões holandesas ao Recife, apresentou-se como voluntário para servir na guerra e participou, em 1630, na defesa do forte de S. Jorge, tendo aí ficado três dias e três noites de sentinela. Nesta altura, já gozava de uma situação económica desafogada, dispondo de dois criados ao seu serviço. Em 1635, caiu o Arraial na posse dos holandeses e a amizade que o ligava a Jacob Stachouwer conduziu-o a uma aproximação aos holandeses, com quem estabeleceu estreitas ligações. Inicia-se, aqui, a sua ascensão social e económica na sociedade pernambucana do seu tempo. Em 1638, Stachouwer regressa à Holanda e faz de Vieira seu procurador, assumindo este a administração dos três engenhos daquele (do Meio, Ilhetas e Santana). Em 1639, Vieira era já uma figura de proa da comunidade portuguesa de Pernambuco, sendo o seu nome indicado, em junho desse ano, para o cargo de escabino de Olinda, não sendo, no entanto, o escolhido. A partir daqui, Vieira acomodou-se à governação holandesa, de forma a poder servir os seus interesses de senhor de engenho e de homem de negócios. Em 1640, Vieira considerou-se plenamente vitorioso na sua longa ascensão, de menino de açougue a senhor de engenho de amplos haveres. Após a compra dos três engenhos, que adquiriu a crédito, adiantou dinheiro à Fazenda Real e serviu de intermediário na compra de açúcar para a Companhia das Índias Ocidentais. Contratou a captura de escravos pertencentes aos emigrados de Pernambuco, arrematou o contrato da pensão dos engenhos e, ao mesmo tempo, negociava no Recife com loja de comércio, de que também o encarregara Stachouwer, comprando grandes quantidades de fazendas, de roupas e de escravos. Arrematou a cobrança dos três principais contratos das rendas da colónia. Representou os moradores portugueses da várzea do Capibaribe na assembleia que se reuniu de 27 de agosto a 4 de setembro de 1640. Em 1641, Vieira encarregou-se, por contrato com o Alto Conselho Holandês, de estabelecer dois trapiches nas margens dos rios Capibaribe e Beberibe, para recolher caixas de açúcar. Ainda neste ano, arrematou a cobrança de vários impostos, como os dízimos dos açúcares de Pernambuco, por 154.000 florins, e os de Itamaracá, por 5000 florins, as pensões dos engenhos de Pernambuco, por 29.000 florins, e o dízimo das freguesias de Iguaraçu, S. Lorenço, Paratibe e N.ª Sr.ª da Luz por 5.000 florins. Em outubro de 1641, os holandeses Laureus Cornelissem de Jonge e Jan Sybrantsen Schoutsen trespassaram-lhe o contrato da balança. Ao mesmo tempo, contraiu dívidas enormes. Tomou, à sua conta, os engenhos comprados a crédito por Stachouwer e por este em sociedade com Nicolaes de Ridder, já referidos, comprometendo-se a pagar por eles 119.000 florins. Além destes engenhos, adquiriu escravos e cobres. Vieira possuía também terras onde criava gado e cortava pau-brasil. Foi eleito escabino de Maurícia para os anos de 1641 e 1642, tendo sido reconduzido para o cargo no ano seguinte. Para manter toda esta situação económica, alimentou uma estreita amizade com os holandeses, a quem serviu de conselheiro, obsequiando-os com lautos banquetes. João Fernandes Vieira era por eles considerado como pelos serviços prestados aos holandeses. Comportou-se sempre com dissimulação pois, ao mesmo tempo que colaborava com os holandeses, não se afastou da fidelidade ao seu país, nem deixou de combater ao lado dos que lutavam contra a usurpação holandesa. Em 1638, após a conjura contra os holandeses, interferiu em favor dos presos. A partir de 1641 ou começos de 1642, Vieira fez parte do principal núcleo de reação contra os holandeses, que era o dos senhores de engenho e lavradores da Várzea do Capibaribe, do qual seu sogro era uma das figuras de proa. Todo o prestígio acumulado nestes anos iria fazer dele o chefe, do qual iria depender a vitória ou o fracasso da insurreição pernambucana. A partir de 1645, insatisfeito com o estado de coisas a que chegara a ocupação holandesa, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros vão liderar a revolta dos naturais da terra pela restauração do território brasileiro, devolvendo-o à soberania portuguesa em 1654, num movimento a que chamaram Insurreição Pernambucana. O movimento começou no engenho S. João da Várzea, a 15 de junho de 1645, onde um grupo de 300 homens derrotou 1200 holandeses. Assim começou a guerra de restauração, que terminou em janeiro de 1654, com a capitulação do Recife. Na sociedade de então, o senhor de engenho era a figura de maior destaque, um verdadeiro senhor feudal, que possuía privilégios e integrava a chamada nobreza terratenente. João Fernandes Vieira rapidamente se tornou feitor-mor, fazendo crescer a sua riqueza graças aos seus esforços e às doações recebidas do seu empregador, Afonso Rodrigues Serrão, e de sua mulher, bem como da amizade com Jacob Stachouwer. Quando morreu, em Olinda, a 10 de janeiro de 1681, era proprietário de 16 engenhos e muitas terras onde criava gado, no Rio Grande do Norte, chegando a promover uma leva migratória de casais madeirenses e açorianos para o Nordeste brasileiro. Comércio Foi o açúcar a principal ou uma das principais causas da rede atlântica de negócios, que perdurou por alguns séculos. A Madeira, que até à primeira metade do séc. XVI havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico, cede lugar a outros (Canárias, São Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo, as rotas divergiram para novos mercados, colocando a Ilha numa posição difícil; por um lado, os canaviais foram abandonados na sua quase totalidade, fazendo perigar a manutenção da importante indústria de conservas e doces e, por outro lado, o porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara noutras épocas. A solução possível para debelar esta crise foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno madeirense, para as indústrias que dele precisavam, ou como animador das relações da Ilha com o mercado europeu. Por isso, os contactos com os portos brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas comerciais madeirenses do Atlântico Sul. Tal como refere José Gonçalves Salvador, as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o “trampolim para o Brasil e Rio da Prata” (SALVADOR, 1978, 247). É o mesmo quem esclarece que estas rotas podiam ser diretas, ou indiretas, sendo estas últimas traçadas através de Angola, São Tomé, Cabo Verde ou da costa da Guiné. O Brasil foi, a partir de finais do séc. XVI, o principal mercado para o vinho Madeira, onde era trocado por açúcar. A Coroa proibiu, em 1598, os mercadores e as embarcações provenientes do Brasil de fazerem escala na Ilha, como forma de defesa do açúcar local. A medida foi considerada lesiva para o comércio do vinho e favorável ao de La Palma. Os madeirenses reclamaram em 1621, obtendo autorização para comerciar o vinho no mercado brasileiro. A partir daqui, os contactos com o Brasil tornaram-se assíduos, afirmando-se pela sua posição dominante no consumo do vinho Madeira. Em 1663, Eduard Barlow conduziu 500 pipas ao Rio de Janeiro, justificando-se a escolha pelo facto de ser o único vinho que se adaptava aos locais quentes. Esta situação favoreceu a frequência do vinho no mercado brasileiro, nomeadamente na Baía e em Pernambuco. Este último porto recebeu, entre 1687 e 1694, um volume de 2249 pipas. As rotas comerciais definiam um circuito de triangulação, de que são exemplo as atividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de 1649 a 1652. Desde finais do séc. XVI, estava documentado o comércio do açúcar, servindo os portos do Funchal e de Angra do Heroísmo como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando para a Europa. Este comércio de açúcar do Brasil foi, por imperativos da própria Coroa ou por solicitação dos madeirenses, alvo de frequentes limitações. Assim, em 1591, ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal, medida que não produziu qualquer efeito, pois, em vereação de 17 de outubro de 1596, foi decidido reclamar junto da Coroa a aplicação plena de tal proibição. Desde 1596 é evidente uma ativa intervenção das autoridades locais na defesa do açúcar de produção local, o que constitui uma prova evidente de que se promovia esta cultura. Em janeiro daquele ano, os vereadores proibiram António Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias. Passados três anos, o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía, sendo obrigado a seguir para o seu porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta situação repete-se com outros navios nos anos subsequentes, até 1611, v.g.: Brás Fernandes Silveira, em 1597; António Lopes, Pedro Fernandes, “o grande”, e Manuel Pires, em 1603; Pero Fernandes e Manuel Fernandes, em 1606; e Manuel Rodrigues, em 1611. A constante pressão dos homens de negócios do Funchal envolvidos neste comércio veio a permitir uma solução de consenso para ambas as partes. Assim, em 1612, ficou estabelecido um contrato entre os mercadores e o município, em que os primeiros se comprometiam a vender um terço do açúcar da Madeira. Note-se que, desde 1599, estava proibida a compra e venda deste açúcar, sendo os infratores punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas, a partir de dezembro de 1611, ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da Madeira. Por esse motivo, os vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide, sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos ingleses. Em 1620, a transação do açúcar da Madeira e do Brasil era feita à razão de um por dois, ou seja, por cada caixa do Brasil deviam ser vendidas duas da Ilha, sendo o embarque feito por licença assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este controlo, os escravos e barqueiros foram avisados de que, sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem autorização da Câmara. Em 1657, a proporção entre o açúcar da Ilha e o do Brasil açúcar era de metade. Após a restauração da independência de Portugal, o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações. Primeiro, foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da Companhia criada para esse efeito, depois, o estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação. Desta situação, estabelecida em 1649, ressalva-se o caso particular da Madeira e dos Açores que, a partir de 1650, passaram a poder enviar, isoladamente, dois navios com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam, posteriormente, trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Mais tarde ficou estabelecido que os madeirenses não podiam suplantar as 500 caixas de açúcar. Por determinação de 1664, estes navios pagavam um donativo de 50.000 réis, existindo no Funchal um comissário dos comboios, que procedia à arrecadação dos referidos direitos. No ano de 1676, era Diogo Fernandes Branco quem os administrava. De acordo com as recomendações do Conselho da Fazenda, a arrecadação dos direitos de entrada do açúcar do Brasil era lançada em livro próprio. Estes dados permitem avaliar a importância das relações comerciais entre a Madeira e o Brasil, assentes, predominantemente, no açúcar. Para o período de 1650 a 1691, foi possível identificar 39 navios provenientes da Baía, do Rio de Janeiro, de Pernambuco e do Maranhão, com mais de 10.000 caixas de açúcar. Destes, 18 são navios de Pernambuco, com 3343 caixas de açúcar e 71 caras (i.e., a primeira parte do açúcar da forma, que era o açúcar mais puro e de melhor qualidade). A partir da Baía, do Rio de Janeiro e do Recife, chegava o açúcar, a farinha de pau e o mel. D. Guiomar de Sá assumiu aqui um papel destacado na segunda metade do séc. XVIII. À sua conta, entraram na Ilha 2058 arrobas de açúcar branco e 438 de mascavado, com origem no Rio de Janeiro ou em Pernambuco. Um facto de particular interesse é a participação neste comércio das comunidades da Companhia de Jesus da Baía, do Rio de Janeiro e do Maranhão que, usufruindo do privilégio de isenção dos direitos, também colocavam açúcar das fazendas no mercado madeirense, conduzindo à Ilha 82 caixas de açúcar, sendo 7 do Maranhão, 65 da Baía e 10 do Rio de Janeiro. No séc. XVII, o grosso das exportações em torno do açúcar na Ilha tem como origem o Brasil: em 1620, do açúcar exportado do porto do Funchal, 23.560 arrobas eram do Brasil e 1992 da produção local, enquanto em 1650 surgem só 83 caixas do Brasil e 111 caixas de produção madeirense. Para o período de 1650 a 1691 conse­guimos identificar 53 navios provenientes da Baía, do Rio de Janei­ro, de Pernambuco, de Paraíba, do Pará e do Maranhão, que conduziram ao Funchal mais de 10.000 caixas de açúcar. O açúcar brasileiro foi, na segunda metade do séc. XVI, uma mercadoria importante do comércio na Ilha e das principais fontes de receita para o Erário Régio. Esse período marca o início da quebra do comércio, que teve repercussões evidentes no negócio de casca e conservas. Assim, em 1779, o governador João Gonçalves da Câmara refere que o comércio da casca estava quase extinto. O movimento das duas embarcações madeirenses consignadas ao comércio com o Brasil fazia-se com toda a descrição, conforme recomendava o Conselho da Fazenda, mediante as licenças, e a sua entrega deveria ser feita no sentido de favorecer todos os mercadores da Ilha. Para estes navios havia uma escrituração à parte na Alfândega. Mesmo assim, nos dados compilados é bem visível a presença, neste tráfico, de embarcações não autorizadas, como se pode verificar pelo movimento de entradas no porto do Funchal. Os navios não incluídos no número estabelecido para a Ilha declaram sempre ser vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários, o que não os impede de descarregarem sempre algumas caixas de açúcar. Será esta uma forma de iludir as proibições estatuídas. Para o séc. XVIII, o movimento amplia-se, não obstante as insistentes recomendações para o respeito da norma estabelecida no século anterior. Nesta centúria, foi possível reunir 117 licenças para o período de 1736 a 1775, que equivaleram a 151 ligações com Pernambuco, que assumem uma posição dominante à frente da Baía. Neste circuito de escoamento e comércio do açúcar brasileiro, é evidente a intervenção de madeirenses e açorianos. A oferta de vinho ou vinagre era compensada com o acesso ao rendoso comércio do açúcar, tabaco e pau-brasil. Mas o trajeto destas rotas comerciais ampliava-se até ao tráfico negreiro, cobrindo um circuito de triangulação. Para isso, os madeirenses criaram a sua própria rede de negócios, com compatrícios fixos em Angola e no Brasil. Releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco, cuja atividade incidia, preferencialmente, na exportação de vinho para Angola, onde o trocava por escravos que, depois, ia vender ao Brasil para conseguir açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada das naus à Ilha, vergadas sob o peso das caixas de açúcar ou dos rolos de tabaco. A partir daqui iniciava-se outro processo de transformação do produto em casca ou conservas. Esta era uma tarefa caseira que ocupava muitas mulheres na cidade e arredores. Os mercadores, como Diogo Fernandes Branco, coordenavam todo o processo, de acordo com as encomendas que recebiam, uma vez que o produto, depois de laborado, deveria ter rápido escoamento. Os principais portos de destino situavam-se no Norte da Europa: Londres, Saint-Malo, Hamburgo, Rochela, Bordéus. Diogo Fernandes surge-nos neste circuito como o interlocutor direto dos mercadores das praças de Lisboa (no caso, Manuel Martins Medina), Londres, Rochela e Bordéus, satisfazendo a sua solicitação de vinho e derivados do açúcar a troco de manufaturas, uma vez que o dinheiro e as letras de câmbio raramente encontravam destinatário na Ilha. A par disso, manteve a sua rede de negócios apoiado em alguns mercadores de Lisboa e das principais cidades brasileiras. São múltiplas as operações comerciais registadas na sua documentação epistolar. À primeira vista, parece-nos que se especializou em duas atividades paralelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil, e o de açúcar e derivados para a Europa. Esta situação repercute-se, de modo evidente, na produção e no comércio de casca, que era um dos principais sustentáculos da produção local de açúcar e importação do Brasil.   Alberto Vieira (aualizado a 24.02.2018)

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shaw, george bernard

O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw foi uma das personalidades famosas que visitaram a Madeira e ficaram hospedadas no célebre Hotel Reid’s Palace. Shaw desembarcou na Madeira em dezembro de 1926 para uma “cura de sol”. Mais tarde, a estadia seria descrita pelo New York Times como um período bastante criativo. Além disso, Shaw aprendeu a dançar tango e usufruiu das cálidas águas do Oceano Atlântico. Palavras-chave: dramaturgo; viagem; cura; sol. Dramaturgo, romancista, ensaísta e jornalista irlandês nascido a 26 de julho de 1856, em Dublin. Recebeu, em 1925, o Prémio Nobel da Literatura, passando pela Madeira um ano depois. Filho de George Carr Shaw, um pequeno comerciante de cereais e detentor de um pequeno cargo de oficial civil, e de Elizabeth Lucinda Shaw, uma cantora profissional que lhe transmitiu o gosto pela música, nasceu no seio de uma família anglo-irlandesa protestante que fazia parte das classes mais privilegiadas de uma Irlanda marcadamente pobre. Tendo consciência desta realidade, Shaw repudiou desde sempre a pobreza, tal como o país que o viu nascer. Foi igualmente marcado pela casamento falhado dos pais, não sendo, pois, de admirar que as suas obras reflitam sobre o tema do casamento e da vida conjugal. Tendo-se mudado para Londres quando a mãe conheceu o professor de música George John Vandeleur Lee, viu-se envolvido num meio musical que o motivou, mais tarde, a ganhar a vida como crítico de música, ao mesmo tempo que iniciava uma pesquisa social que serviria de génese às suas obras literárias. Rebelde e com sensibilidade social, nunca deixou de expressar o que pensava sobre os males da sociedade que conheceu e em que viveu, bem como os males do mundo em geral. Foi aliás este seu carácter rebelde que o levou a abandonar prematuramente os estudos na Dublin English Scientific and Commercial Day School, exatamente por detestar a imposição dos ensinamentos escolares e religiosos. Assim, apesar da educação religiosa, cedo se rebelou contra as instituições que impunham limites à liberdade, tendo sido um opositor da rigidez vitoriana. Foi um grande antagonista do Cristianismo, porque abominava as superstições e aquela que considerava uma religião vingativa ensinada às crianças na catequese. Dizia-se contra um Deus maléfico que não hesitava em sacrificar inocentes. Antes de se tornar um dramaturgo de renome, Bernard Shaw já havia começado a sua luta política, mostrando propensão para o compromisso social, que marca todo o seu percurso social e literário. A sua escrita e os seus discursos panfletários de socialista fabiano refletiam, então, a sua rebeldia. Nesta medida, os seus primeiros romances abordam já questões ligadas à doutrina socialista, sendo marcados pelas leituras que fez de Progress and Poverty, de Henry George, e de Das Kapital, de Karl Marx. No início, os seus romances, sendo reveladores de uma obra que se rebelava contra a sua própria classe social, credo e todo um conjunto de regras adquiridas e impostas, não tiveram sucesso em Inglaterra, mas eram muito lidos nos EUA e em vários países europeus. Foi esta personalidade controversa que, a 30 de dezembro de 1924, desembarcou na Madeira, tendo ficado hospedado no Hotel Reid’s. O facto é relatado no livro Reid’s Palace: The Most Famous Hotels in The World, de Andreas Augustin. Citando uma reportagem publicada no New York Times, Augustin refere que Bernard Shaw foi à Madeira para uma cura de sol, aproveitando a sua passagem pela ilha para umas lições de tango, tendo regressado depois com melhor saúde a Londres. Contudo, o próprio admitiria que a sua passagem pela Madeira não foi apenas curativa. O período em que permaneceu na ilha correspondeu também a uma grande fase criativa, tendo aí completado uma peça que seria pouco depois levada à cena. Na Madeira, George Bernard Shaw teve também lições de tango pela mão de Max Rinder, professor de dança do Reid’s Palace. Segundo Augustin, o dramaturgo deixou mesmo uma dedicatória a Rinder, na qual admitia que o instrutor de dança teria sido o único homem que lhe tinha ensinado alguma coisa. Para além disso, terá realizado várias excursões e apreciado as cálidas águas do Atlântico, onde costumava mergulhar, facto documentando por uma foto publicada no livro de Augustin. O dramaturgo irlandês falaria mais tarde sobre a sua passagem pela Madeira numa peça jornalística publicada pelo New York Times, a 28 de janeiro de 1926. Na altura, e quando confrontado com a declaração de Max Rinder de que tinha ensinado Shaw a dançar o tango na Madeira, George Bernard Shaw disse que tais afirmações eram literalmente verdadeiras. O dramaturgo acabaria por acrescentar que não continuou as suas lições de tango após o regresso a Londres porque não tinha o tempo nem a juventude necessários para tal. George Bernard Shaw foi, assim, uma das muitas personalidades que passaram pelo Hotel Reid’s, que acolheu outros nomes famosos, como alguns elementos da Casa dos Lordes britânica, o artista Max Römer e o político Winston Churchill, entre outros. A obra de Bernard Shaw chegou tardiamente a Portugal, já depois de este ter sido consagrado com o prémio Nobel da Literatura em 1925, tendo sido poucas as obras traduzidas para português. De realçar, contudo, que, em 1956, a peça Santa Joana foi representada no Teatro D. Maria II pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, sendo acolhida com grande sucesso. Bernard Shaw faleceu em 1950, deixando uma vasta obra onde se inclui crítica, romance, ensaio e drama moderno, de cariz explicativo e denunciante, antes mesmo da consciencialização e politização do teatro épico de Brecht. Obras de George Bernard Shaw: Cashel Byron’s Profession (1886); An Unsocial Socialist (1887); The Quintessence of Ibsenism (1891); Widowers’ Houses (1893); The Perfect Wagnerite: A Commentary on the Ring of the Niblungs (1898); Plays: Pleasant and Unpleasant (1898); Three Plays for Puritans (1901); Man and Superman (1903); The Irrational Knot (1905); John Bull’s Other Island and Major Barbara: How He Lied to Her Husband (1907); The Doctor's Dilemma, Getting Married, & The Shewing–up of Blanco Posnet (1911); Love Among the Artists (1914); Misalliance, the Dark Lady of the Sonnets, and Fanny's First Play (1914); Pygmalion (1914); Heartbreak House, Great Catherine, and Playlets of the War (1919); Back to Methuselah: A Metabiological Pentateuch (1921); The Apple Cart: A Political Extravaganza (1930); Immaturity (1931); The Adventures of the Black Girl in Her Search for God (1932); An Unfinished Novel (1958).   Raquel Gonçalves (atualizado a 30.12.2017)

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jersey

Nome de uma ilha situada no canal da Mancha, ao largo da costa da Normandia, que, junto com Guernsey, forma o arquipélago das ilhas do Canal, uma dependência da Coroa britânica que não faz parte do Reino Unido. Estas ilhas foram propriedade do duque da Normandia, tendo passado para a Coroa inglesa, quando William, o Conquistador, se tornou Rei da Inglaterra, em 1066, sendo que os habitantes das ilhas do Canal são cidadãos britânicos. Apesar de, no ano de 1204, a Inglaterra ter perdido a Normandia – a parte continental –, as ilhas permaneceram na posse da Inglaterra. Entre 1940 e 1945, foram ocupadas pela Alemanha. As ilhas têm como línguas oficiais o inglês e o francês. As ilhas foram divididas em bailiados, regidos por parlamentos eleitos, chamados Estados. Estas assembleias aprovam a sua própria legislação, com o consentimento da Coroa (responsável pela defesa, representação diplomática e de cidadania). Apesar de não fazerem parte da União Europeia, estas ilhas estão sujeitas a uma união aduaneira. O território de Jersey, a ilha maior, tem uma área de 116 km2 e é governado por representantes do Governo britânico, os baillifs. São juízes máximos da justiça nomeados pela Coroa e presidem o Parlamento dos Estados. Entre o séc. XX e começos do séc. XXI, os poderes destes representantes começaram a transferir-se para os Estados, adotando-se um sistema ministerial e a nomeação de ministros-chefe em 2005. De acordo com estudos realizados, e tendo como base o censo de 2011, a população residente em Jersey foi estimada em 97.857 pessoas, 34 % das quais na cidade de Saint Helier. Uma análise aos dados disponíveis permite concluir que apenas metade da população terá nascido na ilha, sendo a restante população migrante. Desta, 7 % é portuguesa, nomeadamente madeirense, num total, para o ano de 2011 (data do último censo), de 7031 pessoas. Estes números explicam o facto de o português ser uma língua comummente escutada na ilha, em particular na capital, onde se encontra em avisos, afixados sobretudo nas cabines telefónicas. Devido à emigração, Jersey está, então, ligada à Madeira de modo especial, não obstante haver registos de trocas comerciais entre os dois espaços insulares. Daquela ilha britânica, chegava o trigo e a farinha, fundamentais para a alimentação, como prova uma ordem de António Noronha, datada de junho de 1823, e dirigida ao guarda-mor João António Gouveia Rego, para dar entrada ao bergantim inglês Comet, apesar de não trazer a carta da saúde referendada pelo consulado, alegando como principal motivo o facto de os cereais serem um produto de primeira necessidade; o mesmo aconteceu com a chalupa inglesa Thane, em agosto de 1823, proveniente daquela ilha britânica, e carregada com farinha. Há muito tempo que Jersey é procurada por madeirenses, que ali encontram possibilidades de trabalho. Embora houvesse alguns Portugueses na ilha na primeira metade do séc. XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou nos anos 40 do séc. XX, com a chegada de madeirenses para trabalhar na agricultura, nas fábricas e no sector doméstico. Os primeiros dados sobre a presença madeirense nesta ilha remontam ao ano de 1934, mas é efetivamente nos anos 40 que a emigração insular começa a ganhar maior expressão. Ao proceder à análise do fenómeno económico e social da emigração do arquipélago da Madeira, Agostinho Cardoso situa em 1952 a alteração do paradigma da emigração de madeirenses para Jersey: “Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha” (CARDOSO, 1968, 16). Aproveitando a sazonalidade que caracterizava o turismo da Madeira (sendo o inverno especialmente importante), os madeirenses empregados na hotelaria deslocavam-se, durante o verão, para as ilhas do Canal, nomeadamente para Jersey, para o mesmo sector. Em 1961, existiam cerca de 500 Portugueses na ilha, não se sabendo, ao certo, quantos destes seriam madeirenses. As oportunidades de trabalho dos madeirenses foram muito condicionadas pela falta de conhecimentos de inglês, pelo que os empregos eram pouco qualificados – na construção civil, em cozinhas de hotéis, em serviços de hotelaria e de limpeza, em restauração e bar. Por outro lado, a primeira geração de Portugueses fixou-se numa área muito afastada da capital, o que não facilitou a aprendizagem do inglês, na medida em que se abriam lojas portuguesas, cafés portugueses, clubes sociais de Portugueses, o que lhes permitia continuar a comunicar na sua língua materna (algo que, por outro lado, facilitou a sua integração). Em 1971, por iniciativa de um madeirense, Luís Vieira, surge o Jersey Portuguese Football Club, um pequeno bastião de Portugal naquela ilha britânica. O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, foi aí celebrado, pela primeira vez, em 1980. Por outro lado, houve um manifesto esforço para integrar, o melhor possível, estes imigrantes, oferecendo-lhes aulas de inglês e disponibilizando tradutores, de forma a facilitar-lhes o acesso aos serviços sociais. O sector da agricultura só começou a recrutar trabalhadores estrangeiros nos anos 70. Um historial da emigração da Região Autónoma da Madeira, publicado pelo Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, dá indicação da existência de 1800 madeirenses em Jersey, em 1972, número que se manteve inalterado até ao censo de 1981, e que triplicou no de 1991. A emigração organizada para a região autónoma de Jersey terá tido o seu início em 1978. Nesse ano, terão saído da Madeira 12 pessoas rumo a Jersey, sendo que, em 1980, esse número já ultrapassava as 500, tendo duplicado em 1990, em que 1000 madeirenses trabalhavam na agricultura daquela ilha do Canal. A crescente procura deste destino por parte das gentes da Madeira e do Porto Santo era clara nas percentagens reveladas pelos recenseamentos: em 1981, 3 % dos imigrantes são madeirenses; em 1991, 4 %; em 2001, 6 %; e 7 % em 2011. Em 1998, foi assinado um acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, que potenciou as relações económicas, ambientais e culturais entre as duas ilhas, conforme um discurso proferido pelo baillif no Dia da Madeira de 2010, o primeiro ano em que aquele foi assinalado em Jersey: “The Friendship Agreement signed between Jersey and Madeira in May 1998 committed the Governments of both Islands to promote mutual respect for the different cultural traditions of the two Islands and their peoples” [“O acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, assinado em maio de 1998, empenha os Governos de ambas as ilhas na promoção do respeito mútuo pelas diferentes tradições culturais das duas culturas e respetivos povos”] (“Speech for Madeira Day”). De registar a ajuda de Jersey à Madeira, aquando da aluvião de 20 de fevereiro de 2010: “An indication of the close relations between Madeira and Jersey can be seen in the events following the terrible floods in Madeira in February of this year in which 40 people lost their lives and a great number lost their homes. The response from the community in Jersey was immediate and generous and I commend all those who participated in those fund raising activities or contributed financially” [“A estreita ligação entre a Madeira e Jersey ficou demonstrada na sequência das terríveis inundações que tiveram lugar na Madeira em fevereiro deste ano, durante as quais cerca de 40 pessoas perderam a vida e muitos ficaram desalojados. A resposta da comunidade de Jersey foi imediata e generosa e foram muitos os que participaram na angariação de fundos assim como nas ofertas monetárias”] (Ibid.). Nos começos do séc. XXI, os madeirenses estavam integrados na sociedade de Jersey, trabalhando sobretudo nas áreas da hotelaria e da restauração, se bem que, nesta fase migratória, muitos jovens desempenhassem outras funções, designadamente em repartições públicas, em hospitais (e.g., na enfermagem), assim como na praça financeira e zona franca fiscal [offshore], um dos aspetos mais importantes da economia de Jersey. Por outro lado, foi realizada nesta altura uma missão empresarial entre as duas regiões autónomas, que resultou no aumento das exportações de bebidas e de produtos hortofrutícolas da Madeira para Jersey (banana, anona, pera abacate, inhame e maracujá, entre outros). À distância de 02.45 h de avião, Jersey continuava a ser, nos começos do séc. XXI, um dos destinos europeus mais importantes para a mobilidade madeirense, o que facilita as trocas comerciais entre os dois espaços insulares e garante trabalho e estabilidade.   Graça Alves (atualizado a 18.12.2017)

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jamestown (ilha de santa helena)

É a capital da ilha de Santa Helena no Atlântico sul. Foi fundada em 1659 pela English East India Company e mereceu este nome em honra de James, duque de Yorke e futuro Rei James II de Inglaterra. Foi em Longwood House, próximo desta cidade, na parte norte da ilha, que Napoleão Bonaparte passou os últimos cinco anos da sua vida. À figura de Napoleão, associa-se um período fulgurante da história da Madeira, definido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição do Inglês. Talvez por tudo isso, quando o fatídico Imperador passou pela Ilha, em agosto de 1815, a caminho do exílio, o cônsul inglês Henry Veitch não terá encontrado uma melhor lembrança para lhe ofertar que um tonel de vinho. A conjuntura europeia protagonizada por Napoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante no mercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos Ingleses, os principais comerciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso néctar regressou à Ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à Madeira multiplicou-se, em 1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros Ingleses. Churchill, de visita à Ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados. Quando se menciona o fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do mesmo pela Ilha a caminho do cativeiro em Santa Helena e também ao retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns recordam a importante peça literária que, a esse propósito, leu J. Reis Gomes, na sessão da classe de letras da Academia de Ciências, em 18 de janeiro de 1934, publicada, em separado, com o título O Anel do Imperador. Note-se que, na Madeira, o termo “vintage” se refere a um vinho feito de uma casta nobre, numa colheita especial que deve permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado. Particulares e empresas dispõem de coleções variadas deste tipo de vinho, sendo a mais famosa a de 1815, engarrafada em 1840 por John Blandy. É do vinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena, conhecido como Waterloo Madeira. O desfecho funesto do Imperador Napoleão Bonaparte repercutiu-se de forma evidente na história da Madeira, sendo mais um fator favorável à quase total afirmação da comunidade britânica na Ilha. Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

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jamestown (california)

Foi a primeira cidade fundada pelos primeiros colonos americanos, em 14 de maio de 1607, na Virgínia, numa ilha da margem do rio James. Foi capital de colónia entre 1616 e 1699. Porém, as dificuldades geradas pelos mosquitos e o facto de a água ser imprópria para consumo levaram os colonos a procurar nova morada. Desta forma, a partir do séc. XVIII, a cidade perdeu importância e, nos princípios do séc. XXI, apresenta-se como uma herança em ruínas. Não existe conhecimento de quaisquer ligações diretas à Madeira, mas é muito provável que esses contactos tenham existido em relação ao vinho, cuja presença em solo norte-americano ficou documentada desde a segunda metade do séc. XVII. Jamestown é também um lugar em Tuolumne County, na Califórnia, que tem uma ligação com a Madeira, pois existem referências a madeirenses que aí se fixaram, de acordo com o estudo de Donald Warren sobre John Pereira. A afirmação da Califórnia como destino de emigração enquadra-se na corrida ao ouro, a partir de 1848. É neste quadro que se deve compreender a presença de madeirenses, a partir de Massachusetts ou diretamente da Madeira, por via ferroviária. John Pereira (1814-1902), filho de Francisco Pereira Camacho e Anna de Jesus, é um dos que partiu, em 1838, para os Estados Unidos. Primeiro, foi acolhido em Luisiana, mas a divulgação, a 24 de janeiro de 1848, da notícia da descoberta de uma pepita de ouro, nas margens do rio Yuba, fê-lo mudar de direção. Decidiu então partir à procura do Eldorado na Califórnia, deixando a mulher e filhos em Nova Orleães. Sabe-se que, passado algum tempo, eles se lhe juntaram, pois em 1853 nasceu o terceiro filho, em Jamestown. Foi um dos primeiros a subir o rio Yuba até Foster's Bar e a encontrar as desejadas pepitas de ouro, conseguindo um pecúlio de 1800 dólares, com que iniciou nova vida no acampamento de Jamestown. Com esta pequena fortuna, começou a comprar terrenos e a organizar o seu assentamento num rancho de 124 ha, onde cultivava hortaliças e plantou árvores de fruto, incluindo a vinha. No ano seguinte, não era o único madeirense atraído pelo ouro, estando já registados outros 23, alguns dos quais como trabalhadores no seu rancho. John Pereira era maçon e filiado no Partido Democrata, sendo considerado uma personalidade influente em Jamestown, na medida em que “acumulara bens imóveis de avultado valor e era conhecido de todos como cidadão empreendedor, patenteando muito interesse no bem-estar e no progresso da comunidade”; a par disso, “era um homem de acentuadas opiniões sobre todos os assuntos e, em tempos passados, exercia muita influência no comércio e na política” (WARREN, 2003, 2008).   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

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havai, emigração para o

Na Madeira, no séc. XIX, o fenómeno emigratório foi uma constante, devido a períodos de fome, à crise económica e a um grande crescimento demográfico. Tratou-se, também, de uma emigração alimentada por fortes solicitações do mercado internacional de mão de obra. Dentro deste fenómeno, há a destacar, pela sua especificidade, a emigração para as ilhas do Havai, entre 1878 e 1912. Este processo fez-se ao abrigo de uma convenção assinada entre o reino de Portugal e o reino do Havai, em 5 de maio de 1882, pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, António de Serpa Pimentel, e pelo ministro plenipotenciário Henrique A. P. Carter, representante do Rei havaiano Kalakaua. Esta convenção estipulava os procedimentos a seguir na contratação de emigrantes, tendo deixado de vigorar em 4 de março de 1892 por aviso publicado no Diário do Governo n.º 154, de 15 de julho de 1891. Apesar de existir um cônsul honorário, o Governo de Portugal decidiu enviar um cônsul de carreira para acompanhar a aplicação da convenção nas ilhas havaianas. Foi nomeado António de Sousa Canavarro, que apresentou as suas credenciais ao Rei Kalakaua a 6 de setembro de 1882, exercendo o cargo até 1886. Os cônsules posteriores foram depois nomeados cônsules honorários, uma vez que o Havai foi integrado nos EUA em 1896. Um dos motivos para a nomeação de um cônsul de carreira teve a ver com denúncias publicadas em jornais da Califórnia sobre o modo de vida dos imigrantes portugueses no Havai. Tendo em conta os preconceitos sociais da época e a distância entre as ideias de liberdade americanas e a monarquia havaiana, não admira que houvesse desconfiança relativamente aos EUA. Na sequência de tais denúncias relativas às condições de vida dos açorianos e dos madeirenses no Havai, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português mandou realizar um inquérito, do qual foram encarregadas as administrações dos concelhos da Madeira e dos Açores, e cujos resultados foram publicados no Diário do Governo n.º 88, de 20 de abril de 1882. Este inquérito baseou-se nos testemunhos de familiares dos emigrados e nas cartas recebidas por eles, embora fossem muito incompletos para uma visão global da vida do imigrante. Entre madeirenses, açorianos e continentais, o Havai recebeu mais de 20.000 imigrantes portugueses entre 1878 e 1913. No Consulado Geral de Portugal em Honolulu, no livro de registo de matrículas, que ficou depois na posse da Portuguese Genealogical Society, estão registados 4556 madeirenses, entre homens, mulheres e crianças, chegados a Honolulu. No entanto, sabemos que o livro não está completo. Segundo a lista existente no Harbor Master’s Record Archives do Havai, os navios que transportaram contratados portugueses foram: Priscilla, barca alemã que aportou em Honolulu a 30 de setembro 1878, após 116 dias de viagem, com 80 homens, 40 mulheres e 60 crianças, num total de 180 passageiros (os documentos do consulado de Portugal apontam a chegada aproximada de 120 passageiros); Ravenscrag, navio inglês que chegou a 23 de agosto de 1879, com 123 dias de viagem desde a Madeira, com 133 homens, 110 mulheres e 176 crianças, num total de 419 pessoas; High Flyer, barca inglesa, chegada a 24 de janeiro de 1880, com 99 dias de viagem a partir de Ponta Delgada, nos Açores, com 109 homens, 81 mulheres e 147 crianças, num total de 337 pessoas; High Flyer, barca inglesa chegada a 2 de maio de 1881, com 130 dias de viagem desde São Miguel, nos Açores, com 173 homens, 66 mulheres e 113 crianças, num total de 352 pessoas; Suffolk, barca inglesa chegada a 25 de agosto de 1881, com 102 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 206 homens, 100 mulheres e 182 crianças, num total de 488 passageiros; Earl Delhausie, barca inglesa chegada a 27 de março de 1882, com 113 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 94 homens, 82 mulheres e 146 crianças, num total de 322 pessoas; Monarch, navio a vapor inglês chegado a 8 de junho de 1882, com 57 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 202 homens, 197 mulheres e 458 crianças, num total de 857 pessoas; Hansa, navio a vapor inglês chegado a 15 de setembro de 1882, com 70 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 307 homens, 286 mulheres e 584 crianças, num total de 1177 pessoas; Abergeldie, navio a vapor inglês chegado a 4 de maio de 1883, com 62 dias de viagem desde São Miguel, Açores (não temos informações sobre o número de passageiros); Hankow, navio a vapor inglês chegado a 9 de julho de 1883, com 66 dias de viagem desde São Miguel e a Madeira, com 427 homens, 317 mulheres e 718 crianças, num total de 1462 pessoas; Bell Rock, navio a vapor inglês chegado a 1 de novembro de 1883 com açorianos, 396 homens, 294 mulheres e 715 crianças, num total de 1405 passageiros; City of Paris, navio a vapor inglês chegado a 13 de junho de 1884, com 74 dias de viagem a partir da Madeira e de São Miguel, com 295 homens, 199 mulheres e 330 crianças, num total de 824 pessoas; Bordeaux, navio a vapor francês chegado a 3 de outubro de 1884, com 72 dias de viagem a partir da Madeira e com 273 homens, 173 mulheres e 262 crianças, num total de 708 pessoas. Inicialmente, no Funchal, o Bordeaux aceitara mais de 1000 passageiros. No entanto, quando o governo civil fez a vistoria do navio, verificou que perante a legislação em vigor só poderiam seguir 760 passageiros, pelo que o governador mandou desembarcar 440, sendo que dos embarcados já tinham falecido duas crianças, uma de pneumonia e outra de fraqueza. Esse excedente de passageiros foi alojado num armazém na R. da Queimada de Cima, tendo as autoridades distribuído aos candidatos a emigrantes 120 réis aos adultos e 60 réis aos menores. Uns desistiram e outros seguiram no navio Daca. A lista prossegue com Daca, navio inglês chegado a 19 de janeiro de 1885, após 114 dias de viagem, com 63 homens, 50 mulheres e 165 crianças, num total de 278 passageiros; Stirlingshire, navio inglês chegado a 4 de março de 1886, com 112 dias de viagem desde a Madeira, com 157 homens, 107 mulheres e 203 crianças, num total de 467 pessoas; Amana, navio inglês chegado a 23 de setembro de 1886, após 142 dias desde a Madeira, com 117 homens, 116 mulheres e 239 crianças, num total de 501 pessoas; Thomas Bell, barca inglesa chegada a 13 de abril de 1888, após 156 dias de viagem desde a Madeira, com 117 homens, 62 mulheres e 163 crianças, num total de 342 pessoas; Braunfels, navio a vapor alemão chegado a 4 de abril 1895, após 68 dias de viagem desde Ponta Delgada, Açores, com 274 homens, 124 mulheres e 259 crianças, num total de 657 pessoas; Victoria, navio a vapor inglês chegado a 13 de setembro de 1899, após 67 dias de viagem desde a Madeira, com 215 homens, 56 mulheres e 72 crianças, num total de 343 pessoas; Heliopolis, navio a vapor espanhol chegado a 26 de abril de 1907 do Faial, Açores, e de Malága, com 608 homens, 554 mulheres e 1084 crianças, num total de 2246 passageiros; Kumeric, chegado a 27 de junho de 1907 da Madeira, com 333 homens, 306 mulheres e 475 crianças, num total de 1114 pessoas; Swanley, chegado a 12 de dezembro de 1909 da Madeira e Açores, com 337 homens, 221 mulheres e 310 crianças num total de 868 pessoas; Osteric, navio a vapor chegado a 13 de abril de 1911 da Madeira, com 547 homens, 373 mulheres e 531 crianças, num total de 1451 passageiros; Willesden, navio a vapor chegado a 3 de dezembro de 1911 dos Açores e do continente português, com 639 homens, 400 mulheres e 758 crianças, num total de 1797 pessoas; Harpalien, navio a vapor chegado a 16 de abril de 1912 dos Açores e do continente português, com 496 homens, 328 mulheres e 626 crianças, num total de 1450 pessoas; Willesden, navio a vapor chegado a 30 de março de 1913, proveniente das ilhas e do continente português, com 491 homens, 377 mulheres e 440 crianças, num total de 1308 passageiros; Ascot, navio a vapor chegado a 4 de junho de 1913, proveniente das ilhas e continente português, com 424 homens, 327 mulheres e 532 crianças, num total de 1283 pessoas. Os madeirenses que com suas famílias partiam para o Havai suportaram tempestades terríveis junto ao cabo Horn, sofrendo doenças – que resultaram, por vezes, na sua morte –, falta de alimentos e más condições de acomodação. Houve famílias inteiras emigraram com contratos de três ou cinco anos para trabalharem nos campos de cana sacarina, nos engenhos ou nas plantações de ananases. O Governo havaiano tinha um departamento de imigração, que controlava o número de contratos e de imigrantes que entravam anualmente, olhando às necessidades de mão de obra dos plantadores e às necessidades do reino. Este departamento tutelava os contratos e, enquanto os imigrantes estivessem abrangidos pelo contrato de trabalho, este organismo também exercia fiscalização sobre as condições de trabalho, de alojamento e de alimentação. No caso de o contratado desejar mudar de plantação, o departamento procedia a essa mudança. Por vezes, à chegada, os imigrantes com um contrato firmado para uma certa plantação eram colocados noutra, sob a orientação do departamento. Com efeito, depois da promulgação de lei do Great Mahele, de 1846, na qual o Rei autorizava os estrangeiros a serem proprietários de terras, os Americanos residentes no Havai iniciaram o processo de aquisição de terras nas ilhas do arquipélago e desenvolveram o cultivo da cana sacarina. Em finais do séc. XIX, a indústria açucareira era a principal indústria havaiana, tendo substituído em importância a indústria da pesca da baleia. O aparecimento de novas plantações e a aplicação de novas tecnologias industriais exigiam um aumento constante de mão de obra a que os nativos não conseguiam dar vazão – em parte porque, quando os europeus chegaram ao Havai, levaram doenças como a gripe e o sarampo, entre outras, que provocaram uma tremenda baixa demográfica –, o que levou os plantadores a exigirem a importação de mão de obra estrangeira. Os plantadores importavam mão de obra com um contrato de três ou cinco anos, como já referido, usando um modelo de contrato semelhante ao utilizado na Guiana Inglesa e noutras áreas do Império Inglês nas plantações de cana sacarina. Estes contratos surgiram nas colónias inglesas para colmatar a falta de mão de obra escrava após a libertação dos escravos; no Havai, o contrato foi utilizado para colmatar a falta de mão de obra livre. A importação de mão de obra com contratos de trabalho iniciou-se no Havai por volta de 1850 e, a partir desta data, muitos imigrantes oriundos de Portugal, principalmente madeirenses e açorianos, mas também alguns continentais, bem como espanhóis, noruegueses, chineses, japoneses e filipinos entraram nas vagas de contratados. Em 1850, já existia no Havai um núcleo de Portugueses, constituído fundamentalmente por marinheiros dos navios baleeiros contratados nos Açores, na Madeira e na ilha Brava, Cabo Verde, que fugiam das duras condições de vida e de trabalho nesses navios. A contratação dos trabalhadores portugueses fora sugerida ao departamento de imigração havaiano inicialmente por Jacinto Pereira, natural do Faial que, em 1878, era cônsul honorário de Portugal, tendo assumido o nome de Jason Perry, e pelo botânico alemão William Hillebrand, que vivera no Havai em 1871, a fim de fazer pesquisas botânicas, e que em 1876 visitara as ilhas da Madeira e dos Açores; em carta enviada à associação de produtores da cana de açúcar do Havai (HSPA), Hillebrand afirmava que os ilhéus eram sóbrios, honestos, pacíficos e trabalhadores com grandes capacidades para o trabalho manual. Atendendo ao teor da carta, o departamento autorizou, em novembro de 1876, a contratação e o pagamento das passagens a Portugueses oriundos das ilhas, pagando 75 dólares por homem, 50 dólares por mulher e 25 por cada criança. Além disso, os imigrantes assinavam um contrato de trabalho que estipulava um período de 36 meses, com 26 dias de trabalho mensal e 10 h diárias de trabalho a partir do nascer do sol. Os homens receberiam um salário de 10 dólares por mês, teriam direito a uma ração diária, alojamento, horta, assistência médica e medicamentos gratuitos. As mulheres e as crianças que trabalhassem receberiam igualmente salários. Com a anexação do Havai pelos EUA, em 1898, as ideias de liberdade individual passaram a ter de ser expressas na legislação. Daí a denúncia que houve dos contratos de trabalho, dado a legislação americana considerar as obrigações pessoais expressas naqueles contratos de trabalho inconsistentes com a democracia. Na América, a escravatura fora abolida em 1863 e a contratação e importação de trabalhadores, tal como era feita, tornara-se ilegal a partir de 1885. Todos os contratos assinados antes do desembarque no Havai foram declarados nulos. Normalmente após o término do primeiro contrato, os Portugueses saíam das plantações e fixavam-se nas ilhas onde trabalhavam ou, em alternativa, iam para a ilha de Oahu, onde havia mais oportunidades de trabalho. Aí iniciavam atividades agrícolas, no pequeno comércio e na construção civil, entre outras. Em Portuguese-Hawaiian Memories, Joaquim Francisco de Freitas refere muitas famílias portuguesas, as suas origens, ilhas de residência e atividades. Através dele, verificamos o seguinte: na ilha de Kaui, uma das ilhas onde existiam muitas plantações, os Portugueses de primeira geração tornavam-se, após o contrato, capatazes de plantação; depois de novo contrato, ganhavam mais liberdade, convertendo-se em contabilistas ou trabalhadores livres nas plantações. Os que deixavam as plantações tornavam-se proprietários de pequenas explorações agrícolas, funcionários do comércio, pequenos negociantes a retalho, jardineiros, motoristas, mecânicos de locomotivas, donos de mercearias, armazenistas ou assistentes de gerência em área comercial, havendo até o caso de um agente de cinema. Nestes casos, os alfabetizados chegavam a gerentes comerciais, ficando os empregos mais modestos para aqueles que tinham chegado analfabetos. Olhando para os Portugueses de segunda geração em Kaui, vemos pelo seu posicionamento social que tinham maior instrução: eram capatazes, agentes comerciais, assistentes de gerência, polícias de campo ou juízes de distrito; as filhas de algumas famílias exerciam a profissão de professoras primárias de língua portuguesa. Relativamente a Oahu, na cidade de Honolulu, mesmo entre os elementos de primeira geração, há uma maior diversidade de atividades profissionais. Assim, encontramos eletricistas, proprietários de terras ou pequenas explorações, comerciantes, donos de padarias, comerciantes de laticínios, empresários, vendedores comerciais, pedreiros e construtores civis, técnicos de hidráulica, motoristas, mecânicos, maquinistas, carpinteiros e industriais de móveis, advogados e notários. Podemos inferir que muitos dos que se estabeleceram em Honolulu na primeira geração traziam já uma boa escolarização. Quanto à segunda geração de Portugueses, encontramos construtores civis, capatazes, barbeiros, eletricistas, inspetores de eletricidade, contabilistas, gerentes comerciais, joalheiros, funcionários bancários, inspetores de obras, inspetores alfandegários, funcionários superiores, corretores de seguros, supervisores, professores, médicos, advogados e deputados. Na ilha de Havai, José Gomes Serrão e seus irmãos Luís e Alfredo, oriundos de Santo António, na Madeira, fundaram, após o término dos seus contratos, uma casa de comercialização de aguardente de cana de açúcar, vinhos e licores, a primeira e única do Havai em 1891. O vinho era produzido com as vinhas que os mesmos cultivavam nas suas terras. O negócio tornou-se próspero, com exportações para Nova Iorque e Califórnia, até à publicação da 18.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, em 29 de janeiro de 1929. Depois dela, a firma só produzia sumos, fechando definitivamente no início da Segunda Guerra Mundial. Segundo as pesquisas de Randy Borges, lusodescendente residindo em Honolulu em 1998, foram os Portugueses que introduziram a construção em pedra vulcânica nos edifícios. Conta a tradição que um dia, ao construírem um campo numa plantação, o capataz ordenou que deitassem fora as pedras, respondendo os Portugueses que era pena, pois nas suas terras construíam prédios em pedra vulcânica. O capataz desafiou os trabalhadores a demonstrarem o que diziam. Aceitando o desafio, estes pediram apenas que lhes dessem uma planta. Assim aconteceu: o primeiro edifício em pedra construído em Honolulu, concluído em 1886, foi aquele que se tornaria no Bishop Museum. Entre 1886 e 1924, foram construídos pelos Portugueses o Pauahi Hall, a Punahou School em 1889, a estação de bombeiros em 1906, o Music Hall em 1916, a igreja protestante dos Pioneiros, a estação de bombagem de água de Honolulu, o Mid Pacific Institute, a igreja protestante Central Union e o edifício MCCandles da Universidade do Pacífico do Havai. Os pedreiros portugueses cedo criaram uma sociedade conhecida como Cabinet Makers. Nos censos de 1900 do Havai, estavam recenseados 34 pedreiros portugueses com a designação de “stone mason”, referindo-se que tinham chegado ao Havai entre 1878 e 1886. No mesmo censo já estavam indicados filhos de portugueses nascidos em Honolulu com a qualidade de aprendizes. A cultura musical havaiana sofreu influências madeirenses. O ukulele, instrumento musical do folclore havaiano que consiste numa pequena viola de quatro cordas dedilhadas, tem as suas raízes na braguinha madeirense. A bordo do navio Ravenscrag, que saiu do Funchal a 23 de agosto de 1879, seguiam os imigrantes Augusto Dias, José do Espírito Santo, Manuel Nunes, João Luís Correia e João Fernandes. Segundo Leslie Nunes, descendente de Manuel Nunes, construtor de ukuleles, ele foi o primeiro madeirense a tocar em terras havaianas após o desembarque foi João Fernandes. Aliás, era hábito os imigrantes, quando chegavam a terra firme, tocarem e dançarem. Manuel Nunes abriu uma loja de mobílias e instrumentos musicais em 1884, sendo João Fernandes o afinador dos ukuleles. Também Augusto Dias abriu uma loja em 1884 e José do Espírito Santo em 1888. João Fernandes, Augusto Dias e João Luís Correia formaram um trio musical que atuava em várias festividades, tocando muitas vezes no Palácio Real Iolani a convite do Rei. O ukulele, por ser um instrumento fácil de tocar, tornou-se no preferido dos havaianos. Nas plantações, os Portugueses gostavam de cantar ao desafio e à desgarrada; nas festas, usavam a guitarra, a braguinha, o rajão, o acordeão e, para além destes, os madeirenses usavam o brinquinho e os ferrinhos. Manuel de Jesus Coito (Paul do Mar, Madeira, 1876-Honolulu, 1957), conhecido como o poeta do Punchbowl, zona preferida para viver pelos Portugueses que trabalhavam em Honolulu, que embarcara com seus tios António Joaquim de Freitas e Maria Violante de Freitas, publicou poesia em jornais portugueses de Honolulu, principalmente no Luso-Havaiano, entre 1899 e 1919. Mostrava bom domínio da língua materna escrita, bem como da cultura e poesia portuguesas da época, pois refere-se, nos seus poemas, a Pinto Coelho, madeirense e redator no Diário de Notícias da Madeira, Tomás Ribeiro, Guerra Junqueiro, João de Deus e Camões, entre outros. Mostrava uma educação católica cuidada, referia o culto de N.ª S.ª do Monte, o culto do divino Espírito Santo e aspectos da história do cristianismo. Mostrava um bom conhecimento da história de Portugal, da expansão portuguesa, da situação portuguesa nos finais da monarquia, das pressões internacionais sobre as colónias na Conferência de Berlim, em 1895, e defendia o regime republicano, tendo referido igualmente o papel do exército português na Primeira Guerra Mundial. Como a religião da monarquia havaiana era a protestante, mandou-se vir de Jacksonville e Springfield, no estado do Illinois, pastores que falavam português. Estes faziam parte dos madeirenses que tinham sido forçados a sair da Madeira devido à perseguição religiosa que sofreram por se terem convertido ao protestantismo pela ação evangelizadora do escocês Robert Reid Kalley, tendo ido inicialmente para a ilha de Trindade e posteriormente para os EUA. Alguns madeirenses optaram pelo protestantismo, pois era a religião dos Reis e dos haoles – expressão havaiana que designa os caucasianos de origem inglesa e americana – e um modo de progressão social. Como a maioria continuou católica, foram depois enviados padres católicos, tendo o primeiro bispo católico no Havai sido D. Estêvão de Alencastre, natural do Porto Santo. Depois da sua morte, o Havai ficou subordinado a uma diocese americana, a de São Francisco. Os portugueses tinham a preocupação de garantir o seu futuro e o apoio às famílias, razão pela qual constituíram sociedades de socorros mútuos. No livro de Joaquim de Freitas atrás referido, para além de se relatar a origem das famílias portuguesas, é indicada a sociedade de socorros mútuos a que pertenciam. Encontramos, neste contexto, referência à Sociedade Lusitana Beneficente de Havai, à Sociedade Portuguesa de Santo António Beneficente de Havai, à Court Camões, à Sociedade Madeirense, à Sociedade Beneficente de São Martinho e à Redmen. A primeira sociedade foi a Sociedade de Santo António, que foi fundada em 1877 e terminou a sua atividade a 1 de abril de 1965; os seus fundadores foram António Joaquim Lopes, M. S. Pereira, Manuel G. Correa, João Gaspar, António de Fraga e José Francisco Medeiros. Segundo o testemunho de James Gonçalves em 1998, além das sociedades Santo António e Lusitana, seu avô pertencera a outra sociedade beneficente, a Court Camões, tendo seu pai pertencido ainda a uma terceira, a Redmen, cujo objetivo fundamental era o apoio às famílias nas despesas de funerais, dando 200 dólares à viúva. A maioria das sociedades desapareceu durante a Segunda Guerra Mundial, na opinião de James Gonçalves devido à lei marcial publicada em 8 de dezembro de 1941, em Honolulu, após o ataque japonês a Pearl Harbour; nessa ocasião, todos os cidadãos estrangeiros tiveram de se registar junto da polícia militar, sendo de ressaltar que a maioria dos imigrantes portugueses ainda mantinha a nacionalidade portuguesa. Nessa época, os estrangeiros eram olhados com suspeita pelos militares americanos. Muitos Portugueses morreram durante a guerra e os de primeira geração foram falecendo até cerca dos anos 50 do séc. XX. Para além disso, as terceiras e quartas gerações foram integradas na sociedade havaiana, nomeadamente ao nível laboral, pelo que as sociedades de socorros mútuos deixaram de ser necessárias. Os Portugueses foram aceites como cidadãos americanos por volta de 1940, sendo só a partir dessa data que, nos censos, deixam de ser tratados como portugueses e passaram a ser incluídos como americanos. Os Portugueses desde sempre lutaram contra a discriminação a que foram sujeitos e tudo fizeram para serem considerados haoles, como eram designados os Americanos escolarizados. Assim, foram gradualmente cortando as suas raízes e a sua ligação com o “velho mundo”, pelo que os seus jornais em língua portuguesa, os clubes e as sociedades foram desaparecendo após a guerra. Os Portugueses eram olhados como classe média, tendo contribuído para o aparecimento de uma nova cultura havaiana pelos seus casamentos inter-raciais. Curiosamente, enquanto católicos, continuaram a dançar, nas festividades religiosas, as danças folclóricas tradicionais trazidas pelos primitivos colonos. Assim, no Festival de Danças Folclóricas Portuguesas, em 1954, a cultura portuguesa emergiu com toda a pujança, quando a maioria das pessoas pensava que os Portugueses tinham perdido a sua raiz europeia Os promotores desse festival – no qual se cantou em português – realçaram o valor da cultura portuguesa e o orgulho que tinham nas suas origens lusas. A partir de 1954, houve uma tendência para fazer renascer as origens madeirenses, açorianas e, de uma forma geral, portuguesas face à discriminação de que os imigrantes tinham sido alvo no passado. Em 1978, foi festejado o centenário da chegada dos primeiros colonos oriundos da Madeira à cidade de Honolulu, no Havai. A comissão do centenário, nomeada pelo governador do estado, George Ariyoshi, era composta por John Henry Félix, cônsul de Portugal; Jack Mello, vice-cônsul de Portugal; Edna Rebelo Ryan, presidente do Hawaiian Portuguese Heritage, da direção do grupo musical Camões Players e da Portuguese Civic Association; Audrey Rocha, vice-presidente do Portuguese Civic Association e diretora de um programa de rádio na ilha de Maui, entre outros. Desde então, passou a celebrar-se, em setembro, a festa portuguesa, rotativamente nas ilhas da Oahu, Maui e Hawai, organizada pelas associações culturais de origem portuguesa. No ano de 1978, existiam as seguintes organizações portuguesas no Havai: Brotherhood Holy Ghost of Holy Trinity em Honolulu; Camões Players em Honolulu; Crianças de Portugal em Honolulu; Hawaiian Portuguese Heritage Council em Honolulu; Kalihi Holy Ghost em Honolulu; Kewalo Holy Ghost em Honolulu; Pioneer Civic Association em Honolulu; Portuguese Genealogical Society em Honolulu; Hilo Chamarrita na ilha de Havai; e Maui Portuguese Corporation na ilha de Maui. Como podemos ver, muitas associações estavam ligadas à religião. Oriundos maioritariamente de um grupo social iletrado, como se referiu, os Portugueses começaram as suas vidas nas plantações, tendo, logo após os contratos, iniciado atividades fora delas; tornaram-se assim uma classe média respeitada e deram instrução aos filhos, que vieram a ocupar lugares de relevo na administração havaiana: sendo senadores, juízes e deputados. Apesar de as novas gerações terem a cidadania americana, por volta dos anos 50 do séc. XX, começaram a interessar-se pelas suas origens europeias, aprendendo a língua portuguesa em cursos livres particulares ou frequentando cursos na Universidade do Havai. A emigração insular para o Havai contribuiu para a criação da cultura havaiana.   Ana Isabel Spranger (atualizado a 30.12.2017)

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