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estufas, impostos sobre as

Era um imposto especial e privativo da Madeira, sendo uma receita da Junta Geral, usada, entre outras coisas, para a construção e a preservação das estradas. Foi instituído em 1805 e terá sido extinto em 1856 – tendo a Junta deixado de usufruir da sua receita, única fonte de financiamento que tinha para as obras públicas –, certamente devido às dificuldades por que passara a cultura da vinha, com o aparecimento, em 1852, do oídio; com efeito, em 1857, Francisco Correia Herédia referia que o imposto nada produzia. Todavia em 1888, vemos publicitada a cobrança do imposto na imprensa, de acordo com uma tabela de 1837, o que pode significar que o mesmo foi restabelecido. De facto, num regulamento da Câmara do Funchal de 1919, aparece uma taxa sobre as estufas de sol e as de calor artificial, sendo, respetivamente, de 8$05 e 30$00. Tratava-se de uma contribuição distrital, sendo a arrecadação e a aplicação da receita feita na área do distrito. Em 1806, a sua receita foi usada para financiar a construção da cadeia pública. Em 1838, usou-se 67 % da quantia na construção e na reparação de estradas. Depois, tornou-se o suporte financeiro dos melhoramentos da agricultura e das estradas, sendo apresentada, em 1843, como a única receita da Junta Geral. Nesse ano, a Junta encarregou um empregado seu da função de arrecadar este direito e de fiscalizar a contribuição das estradas e a escrituração da receita e da despesa. Todavia, em 1844, refere-se que o ato de carregamento da estufa deveria ser comunicado à secretaria do Governo e, em 1906, que o engenheiro agrónomo do distrito deveria ser informado desse facto. Nos inícios do séc. XIX, as estufas haviam proliferado por toda a cidade do Funchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e das respetivas lojas. A Fazenda Real viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo um imposto mensal de 16.000 reis, por cada estufa, sem ter em conta o tamanho ou o número de pipas que aí se cozia. Em março de 1806, a Junta dava conta da resolução régia de 12 de junho de 1805, propondo que o imposto, aplicado a todas as estufas, o fosse de acordo com a capacidade de cada uma. Mas, noutra conta, de 23 de agosto de 1806, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de julho, a Junta propõe o lançamento de um imposto de 12.000 reis, por pipa, em cada mês, de acordo com o que já havia deliberado numa reunião de 26 de março. No entanto, a 25 de fevereiro de 1807, a Junta fez o assento de um novo decreto, de 15 de dezembro de 1806, comunicado por provisão do Erário Régio de 16 de fevereiro de 1807, e alterou o imposto, de 16.000 reis mensais por cada pipa, para 1.920 reis por pipa cozida. Por isso, ordenou ao deputado corregedor da Câmara que vistoriasse as estufas, verificasse a capacidade e cobrasse a soma respetiva, impondo-se a pena de imposto dobrado para aqueles que fizessem novas entregas e as não manifestassem. Tudo isto foi regulamentado publicamente por edital de 28 de fevereiro de 1807, em que se tinha em conta, não só a medida de cada estufa, mas, igualmente, o número de pipas carregadas por temporada lançando-se, depois, mensalmente, a respetiva imposição. Por decreto de 23 de julho de 1834, sucedeu nova alteração, passando a imposição a ser cobrada mensalmente a partir de então, à taxa de 200 reis, por pipa de vinho cozida. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinho submetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processo de aquecimento, de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com o decreto de 1805, que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em laboração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e dos proprietários, pelo que se mandou proceder a um inventário ou manifesto, por editais de 29 de outubro e de 26 de novembro de 1806. De acordo com os editais, o dono deveria dirigir-se à Junta para registar as estufas, pois, caso contrário, seriam encerradas. A partir de 1806, a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capacidade, não se tendo em conta os meses de laboração e a quantidade de vinho. Apenas se tornava necessário vistoriá-las para dar conta do número de pipas que cada uma podia conter. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maior vigilância na laboração e, ao mesmo tempo, era preciso uma ação de fiscalização nos momentos de carga e descarga, de forma a estabelecer-se o cômputo do número de pipas em laboração. Em 1831, estabeleceu-se que o imposto deveria ser lançado sobre todo e qualquer método de construção, sempre que se aproveitasse o calor do fogo artificial. Daqui resultou que a cobrança, feita em 1839 e em 1840, atingia o vinho que amadurecia ao ar livre, em cima dos fornos de cozer pão, o que foi considerado lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado como o principal fator de entorpecimento das trocas. A estrutura administrativa para a cobrança do imposto era simples. A partir de 1807, a tarefa de vistoriar as estufas ficou a cargo do deputado executor ou corregedor da comarca, cargo que, em 1821, era ocupado por Luís António Oliveira, nomeado pela Junta, e em 1825 por João da Cruz Henriques. O administrador era coadjuvado por alguns fiscais. O imposto foi confirmado por carta de lei de 20 de fevereiro de 1835, sendo três os fiscais que o supervisionavam: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares e Tude Fernando Carmo. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento que, como se pode inferir por vários documentos, era muito morosa, tardando, frequentemente, os devedores a realizar o seu pagamento e obrigando a Junta a notificá-los por várias vezes, ou a proceder judicialmente. Em alguns casos, chegou-se mesmo a confiscar as estufas e a pô-las em hasta pública, para se poder reaver os direitos em dívida ou proceder à avaliação dos bens confiscados. A partir de 1843, a Junta Geral decidiu encarregar um seu funcionário da arrecadação da taxa. De acordo com determinação da mesma Junta, de 1844, todos os proprietários de estufas, no momento de proceder ao carregamento, que acontecia normalmente nos meses de novembro a fevereiro, deveriam dar conta do seu carregamento na secretaria da junta, para se proceder ao lançamento da taxa. Noutro aviso de 1906, refere-se que todo o movimento que aconteça nas estufas deverá ser comunicado ao engenheiro agrónomo do distrito. Esta fiscalização visava evitar abusos, nomeadamente na cobrança das taxas. Ainda em 1918, o diretor da Alfândega, em aviso de 18 de abril, informava que todos os mostos e vinhos que entrassem nas estufas deveriam ser fiscalizados no ato de entrada e só depois disso poderiam ser baldeados para as cubas de aquecimento. Depois, à saída para a Alfândega ou os armazéns, deveriam ser portadores de uma guia de trânsito. Também se informava que a delegação agrícola realizava análises dos vinhos estufados, tirando as amostras adequadas.     Alberto Vieira (atualizado a 04.02.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

comércio do funchal

O Comércio do Funchal teve a sua 1.ª edição em 1866 sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira, mantendo-se a sua publicação até ao n.° 13, em 1867. Reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso a 15 de agosto do mesmo ano. No ano de 1966, um grupo de democratas madeirenses, que tinham atividade profissional ligada à agência de publicidade Foco, uma das duas primeiras agências de publicidade da Madeira, pretendendo fazer ouvir a sua voz através de um jornal autónomo e sem dependência editorial de terceiros, decidiu abalançar-se à publicação de um semanário. Na impossibilidade política e prática, devido à ditadura de Salazar, de criar um título novo, optou por “refundar” o CF, semanário já existente, arrendando-o ao seu proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, e criando a sigla CF, para retirar significado ao nome original. Além de ser o proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, embora sem exercer o cargo, figurava como diretor do jornal pois, face à legislação vigente, não era possível substituí-lo, aparecendo Vicente Jorge Silva como diretor interino, situação que se manteve até ao 25 de Abril. No grupo inicial de fundadores, que transcendeu os provenientes da Foco, contavam-se Artur Andrade (pai), António Aragão Mendes Correia, José Manuel Barroso, Vítor Rosado, Luís Manuel Angélica, Ricardo França Jardim, José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira, entre outros. Alguns destes fundadores, apesar de já terem colaborado com outros periódicos regionais, Diário da Madeira, Jornal da Madeira e Eco do Funchal, não possuíam, no entanto, a experiência da publicação autónoma, o que não impediu que o grafismo adotado fosse inovador para a época, bem como a singularidade na escolha da cor (cor-de-rosa), que se ficou a dever ao facto de o preço deste papel ser o mais barato. Apesar da inexperiência e de todos os condicionamentos económicos e políticos, o grupo partilhava, para além da oposição ao regime salazarista, uma decidida vontade de inovar no jornalismo madeirense, rompendo, com esta proposta, o marasmo e a apatia reinantes, levando a liberdade de expressão o mais longe que a censura permitisse. Todos esses constrangimentos obrigavam a que, além de quatro funcionários administrativos, só dois elementos da redação, com dedicação exclusiva, auferissem ordenado. O CF existia graças ao apoio duma certa intelectualidade madeirense e nacional, tendo-se afirmado no panorama da imprensa nacional, com particular incidência junto da juventude universitária e dos milicianos que lutavam nas colónias, leitores fiéis, que constituíam quase exclusivamente o sustentáculo económico do jornal. Esta projeção valeu-lhe, no entanto, fortes dissabores com a censura e, posteriormente, com o exame prévio de Marcelo Caetano. Eram feitos, sistematicamente, cortes parciais e integrais em artigos, que tinham de ser substituídos em cima da hora de fecho da edição, tornando a saída de cada número uma odisseia. O periódico foi, inclusivamente, suspenso pela censura entre maio e outubro de 1968. O CF era paginado às quartas-feiras na Tipografia Minerva, situada na R. dos Netos, onde também era paginado o semanário Voz da Madeira, no qual colaborava Alberto João Jardim. Posteriormente, o jornal era dobrado manualmente e expedido, de modo a estar nas bancas no fim de semana. O jornal Voz da Madeira, da responsabilidade de Agostinho Cardoso, tio e figura tutelar de Alberto João Jardim, defendia e veiculava as ideias e posições da União Nacional e do regime salazarista. Todo o trabalho de dobragem e expedição do CF era realizado com recurso a trabalho voluntário predominantemente por pessoas ligadas à Juventude Operária Católica (JOC). A JOC, caso inédito a nível nacional, apesar de ser um movimento ligado à Igreja Católica, defendia e tinha na Madeira uma militância de esquerda. O CF chegou a atingir tiragens de 15.000 exemplares, a maioria dos quais expedidos para fora da Madeira. As receitas mal chegavam para cobrir os custos de edição e expedição para o continente e para as colónias, sendo o preço de venda do jornal nas colónias inclusivamente inferior ao preço dos portes. Ao longo da sua existência, o jornal ocupou várias sedes, respetivamente na R. dos Aranhas, na Av. do Mar, na R. do Seminário, na R. dos Netos, sendo a sua última fase na R. do Carmo (cedida gratuitamente pelo seu maior mecenas, o médico França Jardim). Paralelamente à sua atividade editorial, o CF apoiava e divulgava nas suas páginas toda uma série de iniciativas de âmbito cultural, fomentando um debate aberto e plural na sociedade madeirense. De entre essas iniciativas inéditas destacam-se debates sobre temas pertinentes tais como: a situação do turismo, a cultura na Madeira e o plano de urbanização do Funchal, da autoria de José Rafael Botelho, prestigiado arquiteto de esquerda, por encomenda do então presidente da Câmara do Funchal, Fernando Couto, plano esse que dividiu profundamente a sociedade madeirense. Outro dos assuntos debatidos versava o tema Portugal perante a Europa, participando nesses debates figuras regionais, algumas com ligações ao regime, e personalidades nacionais de relevo como Francisco Balsemão, António Barreto e João Martins Pereira. Desde os primeiros tempos interiorizou e assumiu o CF o desejo de autonomia como um dos seus traços mais característicos, não só a nível político e administrativo, face à centralização paternalista, asfixiante e castradora do salazarismo, mas um desejo de autonomia das próprias pessoas, no que se refere à sua dignidade de cidadãos. Quando começou a aventura do CF encarava-se a autonomia enquanto conceito libertador da secular dependência e do subdesenvolvimento da Madeira, sendo esse sentimento partilhado por um leque de pessoas dos mais variados quadrantes sociais e políticos, incluindo até responsáveis da União Nacional salazarista, como Agostinho Cardoso.   O CF e a censura do regime salazarista As contradições da época, o isolamento e a quietude social e política da Madeira permitiram que o CF tivesse beneficiado de um ambiente menos hostil à sua difusão local e ao seu posterior crescimento a nível nacional. Ao contrário do que se passava no resto do país, onde os censores eram numerosos e anónimos, na Madeira os censores não possuíam enquadramento ideológico seguro, tendo por vezes de aceitar essas funções, para as quais não estavam vocacionados, por arrasto doutras profissões que exerciam. Graças à proximidade e às boas relações pessoais existentes, era possível estabelecer um diálogo civilizado com os censores, sendo a censura na Madeira de certo modo mais benigna e sendo possível negociar cortes e proibições. Tinham os jornalistas e redatores uma luta constante para “escrever nas entrelinhas” de modo a que os censores não se apercebessem da verdadeira mensagem que estava a ser veiculada de forma sub-reptícia. Contudo, essa situação não se manteve eternamente e, a partir de uma edição sobre o Maio de 68 em França, arrancada quase a ferros ao censor, veio uma ordem do poder central para o CF ser censurado em Lisboa. Considerou o CF que, se obedecesse a essa ordem, estaria a criar um precedente gravíssimo e definitivo. A estratégia adotada foi a de interceder junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional, invocando, por um lado, precisamente o (alegado e formal) regime de autonomia atribuído às chamadas ilhas adjacentes (distrito autónomo) e, por outro lado, argumentando que todo o material publicado na edição em questão tinha sido previamente visado pela censura local e que deste modo “não havia infringido nenhuma regra ou publicado material interdito […] e que se os textos dessa edição tinham sido carimbados e aprovados pela censura local e, além disso, se existia esse regime autonómico (apesar de formal), então o CF estava a ser alvo de uma medida claramente discricionária e até de uma flagrante ilegalidade” (SILVA, 2006, 19). No entanto, teve de se esperar que Salazar fosse substituído por Marcelo Caetano, iniciando-se a chamada “primavera marcelista” (fictícia primavera política), para que a coação exercida de forma continuada junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional produzisse resultados. Apesar de ter nascido e ser editado na Madeira, o CF implementou-se em Portugal continental, junto dum público fidelizado, o que, até então, nenhum órgão de comunicação madeirense alcançara. Progressivamente, o CF foi-se afirmando a nível nacional, assumindo o papel de ponto de encontro, de plataforma nacional que espelhava debates ideológicos que as esquerdas, em especial as esquerdas universitárias, vinham travando. Essa abertura alterou, contudo, o “centro de gravidade” do jornal, que de algum modo, e pouco a pouco, começou a refletir as posições políticas e ideológicas dos seus colaboradores. Apesar de debater e refletir os grandes temas de discussão nacional, o CF nunca perdeu de vista nem descurou as suas raízes, dedicando, de forma continuada e permanente, atenção aos temas regionais, tendo inclusivamente uma secção específica para o efeito, a secção “Aqui e Agora”. Os tempos eram contudo de tempestade política que prenunciava, aliás, o fim do Estado Novo. Ninguém escapou a esse movimento que exacerbou as divergências entre as várias tendências da esquerda mais radical, acentuando clivagens ideológicas e o sectarismo das correntes maoistas, neoestalinistas e trotskistas, tanto por parte dos leitores como dos colaboradores. A descontinuidade geográfica em relação ao continente e a circunstância de se encontrar longe do epicentro das lutas que se travavam permitiu uma providencial distanciação física e ideológica insular ou, se se quiser, provinciana, filtrando e atenuando as mais exuberantes manifestações, preservando e possibilitando a existência dum resguardo. Por outro lado, a linha não engajada, que era a linha do socialismo libertário, da autogestão, da social-democracia norte europeia, prosseguida por Vicente Jorge Silva, principal responsável editorial do jornal, conseguiu durante algum tempo exercer uma arbitragem eficaz, mesmo que quixotesca, junto às posições opostas e cada vez mais extremadas dos colaboradores do CF.   O CF e o 25 de Abril Citando o próprio Vicente Jorge Silva, “quando acontece o 25 de Abril, o Comércio do Funchal constituía o núcleo central da oposição visível à ditadura na Madeira. Tinha sido a partir do Comércio do Funchal que se tinha tomado a iniciativa da chamada Carta ao Governador (que era então o coronel Braamcamp Sobral, um homem de grande estreiteza mental e que fazia pressões sistemáticas junto da censura para criar dificuldades crescentes ao jornal). Tinha sido também a partir do CF que se organizou a lista da oposição às eleições de 1969. Nessas iniciativas é justo destacar o papel de José Manuel Barroso e António Loja. Entretanto, tinham afluído ao jornal pessoas de novas proveniências, nomeadamente, a nível local, do militantismo católico e que em grande parte acabariam por converter-se, mais tarde, ao marxismo-leninismo. Foi-se verificando, assim, um choque de tendências entre a chamada oposição moderada e a oposição mais esquerdista que se refletiu também no interior do Comércio do Funchal, onde a influência do esquerdismo predominava (e a que não eram estranhos a maioria dos colaboradores radicados no continente)” (SILVA, 2006, 21). À medida que as posições ideológicas se extremavam, tornava-se cada vez mais difícil a situação de Vicente Jorge Silva, emparedado entre essas tendências, porque, por um lado, considerava a chamada oposição moderada e republicana, protagonizada pelos que mais tarde viriam a fundar o Partido Socialista, demasiado branda, mas, por outro lado, não se identificava “nem com o comunismo soviético (o Comércio do Funchal era, aliás, muito crítico em relação à URSS e aos regimes de Leste), nem com as correntes maoistas dominantes na juventude universitária onde o jornal tinha forte implantação” (SILVA, 2006, 22). O 25 de Abril tomou a todos de surpresa. Nas primeiras horas, a falta de informação e a informação contraditória não permitia descortinar quem eram os reais autores do golpe e a sua verdadeira dimensão, correndo inclusivamente, nessa altura, o boato de que se poderia tratar de um golpe de extrema-direita protagonizado por Kaúlza de Arriaga. Nos dias seguintes, à medida que ia chegando informação de que se tratava da queda do regime, a assimilação das suas verdadeiras implicações por parte dos madeirenses, incluindo as autoridades civis e militares, não foi imediata, pelo que se viveu “na Madeira um tempo de confusão verdadeiramente surreal, em que as autoridades locais fingiam comportar-se como se nada se tivesse passado (apesar de Tomás e Caetano terem sido enviados sob prisão para o Funchal) e em que alguns agentes da PIDE apareciam nos cafés falando em voz alta para serem ouvidos nas mesas vizinhas, alegando que nunca tinham feito mal a ninguém. Sentia-se que era preciso reagir, fazer qualquer coisa, mostrar que o 25 de Abril também tinha chegado à Madeira, apesar de não ter havido na ilha nenhuma movimentação militar. Ora, as comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade constituíam uma ocasião particularmente propícia para isso. E foi a partir das instalações do Comércio do Funchal, transformadas em quartel-general, que se organizou a manifestação do 1.º de Maio que juntou dezenas de milhares de pessoas ao longo das ruas do Funchal, passando pelo palácio de S. Lourenço onde estavam detidos Tomás, Caetano e ministros da ditadura como Moreira Baptista e Silva Cunha, até terminar no largo do Colégio. Os discursos foram feitos a partir da varanda da Câmara Municipal (alguns elementos do MFA destacados na Madeira tinham colaborado na parte logística) que decidimos ocupar simbolicamente, até para exigir a demissão dos responsáveis do antigo regime que se mantinham placidamente nos seus postos, fingindo ignorar o que acontecera no país” (SILVA, 2006, 22). Com a Revolução de 25 de abril, o tradicional papel histórico do CF, sem ninguém disso se aperceber, estava paulatinamente a chegar ao fim. Na primeira edição do período depois do 25 de Abril, dada a indefinição existente, nem se sabia ao certo se seria ou não necessário submete-lo à censura. Nos dias, seguintes, multiplicavam-se as edições, à medida que surgiam novos desenvolvimentos. Foram dias de frenesim e excitação revolucionária, com novos desenvolvimentos hora a hora, minuto a minuto. A excitação e a euforia revolucionária desses dias forneciam a energia para ultrapassar o cansaço. Para além de assegurar as múltiplas tarefas inerentes às sucessivas edições, o núcleo de pessoas pertencentes ao CF teve de conciliar essa ação com as atividades emergentes da militância política. Rapidamente se colocou a questão de saber qual o papel que o jornal deveria assumir futuramente. Adquirido era apenas o facto de que continuaria a ser de esquerda, porém estava em questão se deveria continuar a ser uma publicação politicamente autónoma e independente ou se, pelo contrário, deveria tornar-se o porta-voz de um movimento político e partidário. Vicente Jorge Silva e o núcleo duro dos fundadores moderados defendiam a primeira alternativa, mas estavam claramente em minoria face à vontade dominante, que acabaria por prevalecer. Entretanto, fora criado um movimento político, a União do Povo da Madeira (UPM), que juntou a oposição mais à esquerda, e ao qual aderiram também muitos recém-chegados à democracia. A certa altura, chegou-se a verificar um mimetismo entre a redação do CF e os órgãos de cúpula da UPM, cujos membros eram oriundos em parte dos movimentos cristãos da juventude, embora incluíssem também outros militantes, nomeadamente Liberato Fernandes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martins, que formaram uma tendência claramente maoista no interior do CF. A oposição mais tradicional ao regime lançou o Movimento Democrático da Madeira (MDM). “Apesar de algumas tentativas para aproximar os dois movimentos, o corte consumou-se, em larga medida devido à irredutibilidade do chefe do MDM, Fernando Rebelo. O MDM chegou rapidamente ao poder transitório da época, mas acabou também rapidamente por consumir-se no fogo-fátuo do PREC madeirense. Quanto à UPM, tornou-se progressivamente uma sucursal da UDP e ganhou um cariz cada vez mais radical e populista, propagando as teses da revolução operária e camponesa numa terra sociologicamente muito conservadora e marcada pelo caciquismo político-religioso. Um caciquismo a que o novo bispo do Funchal, Francisco Santana, não deixou de recorrer em força: foi ele, aliás, quem escolheu Alberto João Jardim para diretor do jornal da Diocese, o Jornal da Madeira, dando-lhe a notoriedade e a cobertura para lançar a carreira política que se conhece” (SILVA, 2006, 24) Com a fragmentação e clivagem que se verificou, bem como com a consequente radicalização das diferentes fações ideológicas no interior do CF, assumiu preponderância a linha ligada à UPM, com as suas teses marxistas-leninistas-maoistas. Uma das suas exigências era a da fixação dum salário mínimo regional igual ao do continente, sem se considerar a exiguidade e sustentabilidade económica dessa medida, i.e., a possível falência das empresas e o consequente desemprego que poderia provocar. A UPM estava interessada predominantemente na luta de classes e nas teses que dela decorriam, pelo que não olhava com bons olhos os editoriais – do seu ponto de vista pouco ortodoxos –assinados por Vicente Jorge Silva nem o facto de este não estar engajado em qualquer das correntes dominantes e se encontrar preocupado com questões de outra ordem, como as relacionadas com autonomia da Madeira, que não eram consideradas como tendo valia suficientemente revolucionária e que representavam, no entender dos seus delatores, graves desvios em relação à “linha correta” por eles prosseguida. Essas críticas, partilhadas por parte significativa dos colaboradores regulares de Lisboa, foram aumentando de tom até se tornarem insustentáveis e conduzirem ao pedido de demissão de Vicente Jorge Silva, que posteriormente prosseguiu uma carreira profissional a nível da imprensa nacional, desempenhando cargos de chefia no Público e no Expresso. Com a liberdade trazida pelo 25 de Abril, deixou de sociologicamente fazer sentido uma plataforma de encontro entre as várias tendências da esquerda portuguesa, que até aí tinham conseguido coexistir de forma relativamente pacífica e que eram a base de sustentabilidade do CF. As diferentes tendências ou partidos criaram os seus próprios órgãos de comunicação social. Com a saída de Vicente Jorge Silva, chegou ao fim a linha editorial que o CF prosseguira, tendo a tendência ligada à UPM (futuramente União Democrática Popular e Bloco de Esquerda) feito dele o seu órgão de comunicação. Mais tarde, a comissão de trabalhadores, liderada por Vasco Sousa, saneou os elementos maoistas da UPM e assumiu a direção do jornal, tendo-se, por razões táticas que se prenderam sobretudo com a sustentabilidade do periódico, aliado ao Partido Comunista Português. Contudo, tal aliança não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do jornal, o qual veio a encerrar algum tempo depois, tendo perdido toda a importância e o prestígio que a oposição ao regime de Salazar e Caetano lhe tinham granjeado.   Helder Melim (atualizado a 28.01.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

colégio de machico

O Externato Tristão Vaz Teixeira, também conhecido por Colégio de Machico, foi inaugurado em 11/10/1965 e foi estatizado em 30/09/1976. Precedido pelo colégio de S. Vicente, pioneiro do ensino secundário no meio rural, inaugurado em 1964, foi a segunda escola superior ao 1.º ciclo do básico criada na ilha da Madeira fora do Funchal, tendo desempenhado um papel assaz relevante no desenvolvimento pessoal e social das populações daquela zona no leste da ilha. No início do séc. XXI, passou a existir no seu lugar a Escola Básica e Secundária de Machico. O Colégio foi fundado por dois professores vindos do continente. Em setembro de 1965, o Dr. Emídio César de Queiroz Lopes, professor de Matemática, Física e Química, que era diretor da Escola Secundária de Santa Comba Dão, e a sua esposa, também professora, a Dr.ª Maria Ariete Teixeira de Aguiar, filha de Machico, professora de Português, História e Geografia, foram convidados por João Carlos de Sousa, então presidente da Câmara de Machico, para abrirem um colégio do ensino secundário naquela localidade. O autarca prometeu o apoio da Câmara, que pagaria, durante três anos, uma verba anual de 30 contos desde que fosse recebida uma meia dúzia de jovens de famílias sem meios para pagar o ensino. No mês seguinte, com a autorização do Ministério da Educação, o Dr. Emídio Lopes chegou a Machico, tendo ficado logo decidida a instalação do novo colégio. Para local foi escolhido o Hotel de Machico, há muito encerrado. Foi mandado fazer localmente o mobiliário escolar necessário. Foi difícil recrutar os professores necessários, pois foram abertos logo os cinco anos do curso liceal e o curso comercial; aproveitaram‑se os talentos locais, cientes de que a sua dedicação sairia recompensada. Do Funchal vieram as professoras de Inglês e Francês; couberam as Ciências Naturais às farmacêuticas de Machico e Santa Cruz, recrutaram‑se professoras primárias das duas vilas; Manuel Araújo, chefe do posto policial, habilitado com o Curso Comercial, lecionou Datilografia e Caligrafia a alunos que obtiveram altas classificações nos exames da Escola Industrial e Comercial do Funchal; as aulas de Trabalhos Oficinais, que eram na altura exigidas no Ciclo Preparatório do Curso Comercial, foram desempenhadas pelo mestre Fernando, habilitado com o curso de faróis e faroleiro da ponta de São Lourenço, que já tinha construído as estruturas de metal das novas carteiras dos alunos; coube ao padre da freguesia do Caniçal lecionar Religião e Moral. Todos ensinaram com brio as disciplinas que lhes foram confiadas. O primeiro dia de cada período era dedicado à formação de professores que, em discussão de grupo, comentavam textos pedagógicos selecionados pelo diretor, habilitado com curso de Ciências Pedagógicas, que recebia regularmente documentação do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigido então por Alberto Martins de Carvalho, de quem fora aluno no Liceu D. João III. O nome do Colégio é o do navegador Tristão Vaz Teixeira, escudeiro do infante D. Henrique (acompanhou‑o a Ceuta e Tânger), descobridor da ilha de Porto Santo e, em 1440, e o primeiro responsável pela Capitania do Machico em 1440. Na cerimónia de inauguração, no início do ano letivo de 1965/1966, estiveram presentes o presidente da Junta Autónoma da Madeira, Homem Costa, o presidente da Câmara de Machico, juntamente com alguns membros da vereação, o P.e Manuel Andrade, o pároco local, para além de muitos elementos da população, que encheram a sala. Discursaram o presidente da Junta Autónoma e o presidente da Câmara. O Colégio rapidamente ganhou reconhecimento. Mais tarde, todos os alunos ocupavam os seus tempos livres em atividades prescritas pelo método pedagógico de Freinet, uma corrente da chamada “escola nova”: agricultura, tela e bordado, cestaria, marcenaria e serralharia. Desenvolveram‑se campos de agricultura em Santa Cruz, perto do Aeroporto da Madeira, e no Caniçal. Os trabalhos de serralharia, orientados pelo mestre Fernando, decorriam no edifício do cabrestante, que estava sem uso e que foi cedido pela Câmara para esse efeito. Os produtos destas atividades e as peças em ferro forjado, algumas encomendadas, eram vendidos pela Cooperativa dos Alunos. Também se confecionaram enxovais para crianças de famílias mais carenciadas (na déc. 60 do séc. XX naquela região da Madeira, a pobreza era manifesta). O Colégio interessou‑se pelo cultivo das artes. As aulas de Educação Musical foram lecionadas pelo pianista João Luís Abreu, professor do Conservatório do Funchal. Compraram‑se dois pianos, um para o Colégio e outro para a Escola do Ciclo Preparatório. Além do ensino da Música, onde se iniciou o maestro da Banda Municipal, Amaro Nunes dos Santos, os alunos representaram no Cinema de Machico, com lotação esgotada, a peça O Auto do Curandeiro, de António Aleixo. Em 1967, não existia ainda Escola de Hotelaria da Madeira. Assim, a empresária de turismo Fernanda Pires da Silva, que desenvolveu a Matur, proprietária do Hotel Holiday Inn, que muito contribuiu para o desenvolvimento de Machico, solicitou ao diretor do Colégio que formasse as empregadas de que o seu empreendimento necessitava. Eram precisos conhecimentos de inglês, de serviço hoteleiro (quartos e refeições), de etiqueta, etc. As empregadas preparadas pelo Colégio revelaram‑se boas profissionais na Matur. Em 1968, o Colégio realizou com êxito, durante dois dias, um curso de formação de alunos, presidido por D. Maurílio de Gouveia, mais tarde bispo de Évora, com a colaboração do vice-presidente da Junta Geral, do diretor dos Serviços Sociais da Madeira e de vários professores, que desenvolveram com os alunos temas de formação pessoal, social e valores. Em 1970, dado o visível aumento do número de alunos e na impossibilidade de os acolher a todos, diretor dirigiu‑se ao ministro da Educação, Veiga Simão, de quem fora colega na Universidade de Coimbra, solicitando-lhe que fosse criada no local uma escola do ciclo preparatório, ficando o Colégio apenas com os ensinos liceal e técnico. O ministro acedeu e, em outubro de 1970, foi criada uma secção da Escola Gonçalves Zarco, sediada no Funchal, que funcionou durante dois anos no Colégio, enquanto o edifício da nova escola não ficava concluído. Os alunos do ciclo preparatório passaram então do ensino privado para o ensino público. A escola do ciclo recebeu também adultos que buscavam complemento de formação. Quando se abriram, na escola preparatória, as inscrições para o primeiro curso de adultos, em 1972/1973, foi tão grande a procura, que foi necessário abrir duas turmas para acolher 60 pessoas em regime noturno. Em reconhecimento pela sua qualidade pedagógica, em 1971/1972 e 1972/1973, o Colégio foi encarregado pelo Ministério da Educação de proceder à distribuição e recolha das provas de exame do ciclo preparatório nos colégios do campo na Madeira. Em 1972/1973, foi pedido ao seu diretor que desse um curso de formação em Matemática Moderna aos professores do ciclo preparatório da Madeira, que decorreu naquele ano letivo, na Escola Gonçalves Zarco. A qualidade do ensino era avaliada por inspeções do Ministério da Educação. No ano letivo de 1972/1973, coube a inspeção a Paulo Crato – pai de Nuno Crato, que foi ministro da Educação no XIX Governo constitucional –, que almoçou com professores e alunos no refeitório, em edifício atrás do Mercadinho. O alargamento da escolaridade obrigava a medidas de inclusão. A partir do ano letivo de 1973/1974 foi celebrado um contrato de associação com o Estado. Todos os alunos do Colégio (liceal e técnico) passaram então a desfrutar de ensino gratuito. O número de alunos cresceu rapidamente; tendo-se iniciado com 78 alunos em 1965, as duas escolas serviam, em 1975/1976, cerca de 1200 alunos. A Revolução de 25 de abril de 1974 provocou grandes mudanças. Em 1974/1975, os 10 colégios do ensino particular da Madeira elegeram por unanimidade o Colégio de Machico para defender o ensino privado, contra a política de estatização do ensino então prevalecente, em várias reuniões com o secretário da Educação e o presidente da Junta Governativa. Foi uma luta perdida. O Colégio passaria para a mão do Estado em setembro de 1976, transformando‑se numa escola inteiramente pública. No dia 10 de outubro de 2015 foram celebrados os 50 anos da fundação do Colégio, numa festa onde se relembraram os tempos antigos. Foi formulada uma proposta para dar os nomes do primeiro diretor e da professora sua mulher à escola que o substituiu. O antigo diretor, que fora viver para Oeiras, aproveitou o seu tempo de reforma para desenvolver materiais pedagógicos para o ensino da Matemática, exercer tarefas de voluntariado em escolas e traduzir vários livros de grande interesse para a história da ciência, como obras de Descartes, Newton, Huygens, Lavoisier e Fresnel. Para ajudar na sua difusão, criou a sua própria editora, a Prometeu.   Carlos Fiolhais (atualizado a 29.01.2017)

Educação Património História da Educação

fichas

“Token”, do inglês antigo “tacen”, significa peça de metal estampada (em cobre, níquel, latão, alumínio, zinco, etc.), usada para substituir a moeda. Em espanhol, diz-se “guitón”, em francês, “jeton” e, em português, é popularmente conhecida como “ficha”, sendo designada por “dinheiro da necessidade”. As fichas não têm curso legal, uma vez que são cunhadas por particulares, empresas, instituições e organismos não oficiais. Os povos antigos usavam a téssera (do latim, “tessera”), peça de madeira, de marfim ou de metal (ferro ou bronze) com diversas funções, como as de contrassenha, de manifestação honorífica, de expressão de amizade, de contrato ou de declaração de direitos. As fichas, como substituto do dinheiro, chegaram à Madeira certamente por influência da comunidade inglesa, que se serviu muito delas no decurso dos sécs. XIX e XX. Palavras-chave: Dinheiro; comércio; Ingleses; moeda; vinho.   A utilização das fichas ou tokens aconteceu em todo o mundo. Não foram usadas apenas em substituição do dinheiro (nomeadamente como meio para facilitar os trocos, pela falta de moeda metálica de valor reduzido). Por norma, as fichas não apresentam qualquer valor, pois limitam-se a cumprir a função de vale de consumo (e.g., nas discotecas), servindo também para acionar mecanismos (telefones, máquinas de jogo nos casinos, máquinas de lavar e secar, cancelas de parques de estacionamento, nos parques de atrações, nos meios de transporte, como no metro nos Estados Unidos e no Canadá). Não devem ser confundidas com os dispositivos usados para segurança pessoal nas operações bancárias pela Internet, que geram uma senha temporária de proteção para as contas em uso desta forma; esta significa “passe” e refere os dispositivos geradores de códigos aleatórios de acesso a uma conta bancária juntamente com a correspondente senha individual. As fichas, enquanto substituto do dinheiro, chegaram à Madeira certamente por influência da comunidade inglesa, que se serviu muito delas no decurso dos sécs. XIX e XX. Para além desta tradição comercial e empresarial, deve ter-se em conta que, na Madeira, a falta de moeda foi um problema constante. Assim, para combater esta dificuldade, em especial relativa às moedas de baixo valor, surgiram, a partir do séc. XVIII, as fichas em papel (v.g., em cartolina) ou em metal pobre (alumínio, chumbo, cobre, estanho, folha de Flandres, latão, zinco), que eram emitidas pelas casas comerciais. A primeira emissão destas fichas terá sido feita, em 1793, por João Francisco Esmeraldo, que terá apresentado aos seus clientes fichas de latão, com os valores de 50, 100, 200 e 300 réis. Rapidamente se generalizou esta modalidade de substituição do dinheiro em falta, de forma especial em importantes casas de comércio de vinho, bem como em instituições públicas, companhias de navegação, fábricas, casas de jogo e lojas. Entre estas emissões, podemos destacar as de Vicente de Oliveira (1799), J. W. Phelps & Co. (1802), Phelps, Page & Co. (1803), Colson, Smith & Robinson (1804), Cossart, Gordon & Co. (1902), Casa Blandy, Administração do Cabrestante do Comércio, Wilson & Sons, Correia, França & Fillhos, Samuel John Dreff & Co., A. Giorgi & Companhia, Carlos Teixeira, Luiz Augusto da Silva Carvalho, John Payne & Sons, Club Funchalense, Club Recreio Musical, Cory’s Madeira Coaling Company Limited, Club Restauração, Casino da Quinta Vigia, Confraria de São Vicente de Paulo, Almeida & Companhia, William J. Krohn, Krohn Brothers & Co., Luiz Gomes da Conceição, Francisco Rodrigues & Companhia, A. Izidro Gonçalves, Viúva de Romano Gomes & Filhos, Manuel Ferreira Cabral, Fábrica do Torreão (W. Hinton Sons), Carlos de Bianchi, Diogo d’Ornelas Frazão (depois visconde e conde da Calçada), Diogo Adams & Companhia, João António de Bianchi, Thaumaturgo de Sousa Drummond, Francisco da Costa & Filhos, Vicente d’Oliveira e Companhia, Café Golden Gate, Rodoeste, Supermercado Bach, Manuel dos Passos de Freitas & Cº Lda. Também encontramos esta situação em instituições públicas, como a Alfândega do Funchal, a Câmara Municipal do Funchal, a Junta Geral, o Governo Civil, e em instituições de solidariedade, como o Asilo da Mendicidade e Órfãos do Funchal. A ficha, que havia surgido para facilitar o troco em moeda pequena, acabou rapidamente por se generalizar, sendo usada pelas firmas de vinho para pagamento do mosto entregue e do soldo de muitos trabalhadores. As fichas poderiam ser depois substituídas por dinheiro, mas, por terem aceitação nas diversas lojas comerciais do Funchal, eram frequentemente usadas em vez do dinheiro. Recorde-se que, nas tarefas ligadas ao transporte do vinho ou de cana-de-açúcar, às cargas e descargas no porto, os borracheiros, os boieiros e os carregadores recebiam diariamente fichas, que, no final da semana, vertiam em dinheiro. A par disso, deveremos assinalar que as fichas estabeleciam uma relação de dependência com a entidade emissora, difundindo-se, nomeadamente junto da comunidade britânica, como modo de dependência económica de agricultores e produtores de vinho, porque na verdade obrigavam todos a estabelecer trocas com os emissores das mesmas (Moeda).   Alberto Vieira (atualizado a 31.01.2017)

História Económica e Social

câmara de lobos

Câmara de Lobos apresenta uma ligação muito evidente com a família do primeiro capitão do Funchal e com o início da ocupação do arquipélago. O nome da baía e do lugar terá sido inspirado pela abundância de lobos-marinhos (monachus monachus) que os navegadores, acompanhantes de João Gonçalves, teriam visto numa furna. Este primeiro encontro marcou o nome do lugar, que passou a chamar-se Câmara de Lobos, em homenagem a este grupo de lobos-marinhos e à sua atitude de repouso. Depois, o Cap. João Gonçalves, também conhecido pelo apelido de Zarco, que alguns identificam como “zarolho”, quando recebeu carta de armas de 4 de julho de 1460, assumiu o apelido de “Câmara de Lobos”, embora, depois, tenha usado apenas o de “Câmara”. Diz o cronista Gaspar Frutuoso que “em uma rocha delgada à maneira de ponta baixa, que entra muito no mar; e entre esta rocha e outra fica um braço de mar em remanso, onde a natureza fez uma grande lapa, ao modo de câmara de pedra e rocha viva. Aqui se meterem com os batéis e acharam tantos lobos marinhos, que era um espanto; e não foi pequeno refresco,  e  passatempo  para  a gente;  porque  mataram  muitos  deles,  e tiveram  na matança  muito  prazer  e  festa.  Pelo  que  o  Cap. João  Gonçalves  deu  nome a  este  remanso  Câmara  de  Lobos,  donde  tomou  o  apelido,  por  ser a derradeira  parte,  que  descobria  deste  giro  e  caminho,  que  fez:  e deste  Jogar  tomou  suas  armas,  que  El-Rei  lhe  deu,  tornando  ao  reino” (FRUTUOSO, 2008, 39-40). Para além deste episódio, deve-se considerar que o território deste concelho foi marcado pela imponência do Cabo Girão, uma referência no turismo madeirense. A designação resultou do fato de os navegadores, no séc. xv, ao chegarem à Ilha na primeira viagem de reconhecimento, terem feito o retorno ou giro ao ponto de partida. Um dos testemunhos mais importantes foi dado em 1854, por Isabella de França: “É impressionante olhar para tamanha altura, com os  penhascos vermelhos a brilhar a luz, como se fossem os limites de um céu que pendesse sobre outro mundo para lá do nosso. Sucedia-se uma longa fila de rochas sobranceiras ao mar, de altitude variável e aqui e ali aplanadas em manchas de vinhedos e outras culturas.  Havia camponeses a trabalhar em sítios onde parecia não existir espaço para assentar um pé; dir-se-ia que estavam colados à rocha. Na verdade, só os poderia comparar a moscas deslocando-se num espelho, e, no entanto, moviam-se cá e lá e andavam acima e abaixo como se tivessem o poder de sustentar-se no ar, independentes de todas as leis da locomoção humana” (FRANÇA, 1970, 90-91). A proximidade deste território ao Funchal sempre impediu que ganhasse a importância devida em termos administrativos, mantendo-se como uma periferia agrícola distante do município funchalense até 1835, altura em que assumiu autonomia municipal. Em 1817, Paulo Dias de Almeida referiu que, embora sendo “um  dos  lugares  mais  bem  povoados  e  o  mais  próximo da  cidade,  está  inteiramente sem defesa e muito  sujeito a ser saqueado por qualquer corsário de pequena força” (CARITA, 1982, 60), provando a pouca atenção e a situação de abandono que persistiam em princípios do séc. XIX. Porém, a criação do município, em 1835, seria um caminho para a sua valorização e rápida afirmação.   O concelho de Câmara de Lobos A separação do Funchal é uma das mais antigas, mas tardou muito a acontecer. O Funchal era muito distante e acarretava danos aos interesses dos seus moradores; o facto de “haverem de ir pelas coisas da  justiça  cada  dia  tão  longe  lhes  é  grande  opressão  e perdimento de suas fazendas”, daí o terem querido “fazer jurisdição sobre si”, mas o infante D. Fernando, em sentença de 6 de agosto de 1468, determinou que o lugar de Câmara de Lobos deveria continuar a ser “termo e jurisdição da vila do Funchal” (SILVA, 1995, I, 661). A pretensão das populações de Câmara de Lobos a um estatuto concelhio só veio a ser concretizada pela portaria de 25 de maio de 1835, que estabeleceu uma reestruturação à estrutura municipal madeirense. Até então, os funcionários com jurisdição para atuar naquele território  limitavam-se a um juiz e a um alcaide do lugar, documentados a partir de princípios do séc. XVI. É com a alteração da situação do poder local que foram criados os novos municípios de Câmara de Lobos: Santana e Porto Moniz. De acordo com o Elucidário Madeirense (1978), a instalação do concelho ocorreu a 16 de outubro, mas as investigações de Manuel Pedro de Freitas conduziram à retificação desta data, estabelecendo, como fundador, o dia 4 de outubro, data de registo da primeira ata das eleições e de juramento dos oficiais eleitos. Esta sessão decorreu na sacristia da igreja de S. Sebastião, em Câmara de Lobos, sendo a mesa eleitoral presidida por João Crisóstomo Urel, vereador da Câmara do Funchal. Por força desta circunstância, o dia do concelho, que, desde 1977, era assinalado a 16 de outubro, passou a ser celebrado no dia 4 de outubro. Com o tempo, a sua jurisdição territorial foi sendo alterada. A 6 de maio de 1914, a freguesia do Campanário passou para a jurisdição do concelho da Ribeira Brava, entretanto criado. A 15 de setembro de 1994, a sede da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos foi elevada à categoria de vila, e, a 3 de agosto de 1996, a sede do concelho passou à categoria de cidade. O município foi constituído pela freguesia do Jardim da Serra (5 de julho de 1996) e pelas paróquias, depois também transformadas em freguesias, de Câmara de Lobos (1430?), do Estreito de Câmara de Lobos (1509?), do Curral das Freiras (17 de março de 1790), e da Quinta Grande (24 de julho de 1848). As freguesias/paróquias estavam integradas no concelho do Funchal, sendo desanexadas à medida da sua valorização social e das reclamações dos fregueses. Há um dilema sobre a atribuição do estatuto de vila à sede do concelho de Câmara de Lobos. Fernando Augusto da Silva, a propósito de Câmara de Lobos, escreveu: “Apesar de comummente se chamar vila de Câmara de Lobos ao agrupamento de casas que constitui a parte mais central e importante da freguesia, a verdade é que a capital deste concelho nunca foi vila, mas simplesmente lugar, que era noutro tempo designação dada à povoação intermediária entre vila e paróquia”. E, mais adiante, ao referir a criação do concelho, que considera ter acontecido em 1832, revela que “as repartições concelhias estão instaladas no sítio chamado da vila” (SILVA, 1978, I, 213). Noutro passo sobre os concelhos, o autor reafirma o já dito: “As antigas denominações de vila, município ou concelho, eram sinónimos da nossa antiga legislação, ao menos na sua aplicação à Madeira, mas o mesmo se não dá no direito moderno do período constitucional em que vila e concelho ou município representam coisas muito distintas. E, assim temos que Câmara de Lobos, Santana e Porto Moniz são apenas concelhos ou municípios e não vilas, pois não existe nenhuma lei ou decreto especial que os tivesse elevado a esta categoria, havendo entretanto no continente várias vilas que não são cabeças ou sedes de concelho” (Id., Ibid., 296). Desta forma, pode-se afirmar que esta situação contradiz aquilo que o código administrativo afirma, aprovado pelo dec.-lei n.º 31.095, de 31 de dezembro de 1940, sobre as sedes dos concelhos. Assim, no seu parágrafo n.º 1, do n.º 3 do art. 12, diz-se: “Têm a categoria de vila todas as povoações que forem sedes de concelho”. Esta é a última referência direta a uma relação entre a vila e o concelho, pois, a partir daqui, o divórcio foi total, sendo a sua consumação institucional estabelecida pela lei de 1982. A criação do concelho é uma reivindicação muito antiga, pelo que, no momento em que aconteceu, surgiu uma elite local que assumiu as rédeas do poder municipal e que viu com bons olhos esta descentralização que aconteceu no séc. XIX, retirando o território da alçada do Funchal. A valorização económica do espaço e a consciência política dessa elite favoreceram esta nova realidade e a afirmação do município. Assim, de acordo com recolha de Manuel Pedro de Freitas (1999), a galeria de todos aqueles que exerceram o cargo de presidente é maioritariamente originária das freguesias de Câmara de Lobos e do Estreito de Câmara de Lobos. Por outro lado, a tardia valorização dos elementos heráldicos não resultou de qualquer desinteresse, mas da pouca valorização que os mesmos assumiam em termos práticos no quotidiano. Daí que o seu aparecimento e a sua exibição resultassem de uma exigência ou necessidade sentida num momento especial. Embora se tenha documentado o brasão de armas do concelho desde 1921, num dos tetos pintados do antigo salão do Seminário da Encarnação no Funchal, só em 1940, por ocasião da exposição Mundo Português, se sentiu a necessidade de dispor da heráldica do concelho, que foi aprovada em sessão camarária de 6 de setembro de 1944, e do estandarte, em março de 1949. Mas o brasão de armas só foi publicado no Diário do Governo n.º 3, série II, de 4 de janeiro de 1957. A última alteração foi de 9 de janeiro de 1997, por força da elevação do lugar de Câmara de Lobos à categoria de cidade, surgindo as quatro torres acasteladas. Destas armas, são emblemáticos os dois lobos-marinhos, a testemunhar o primeiro encontro dos portugueses com esta baía.   De lugares a paróquias e freguesias Nos princípios do séc. XXI, o município foi constituído pelas freguesias de Câmara de Lobos (1430?), do Estreito de Câmara de Lobos (1509?), do Curral das Freiras (17 de março de 1790), da Quinta Grande (24 de julho de 1848), e do Jardim da Serra (5 de julho de 1996). O arciprestado de Câmara de Lobos apresentou 9 paróquias, resultantes da reforma de 24 de novembro de 1960, por iniciativa de D. David de Sousa (1957-1965), bispo da Diocese do Funchal (Sousa, D. David de). Assim, das quatro paróquias existentes (paróquia de Câmara de Lobos, orago de S. Sebastião; paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, com invocação a N.ª Sr.ª da Graça; paróquia do Curral das Freiras, com invocação a N.ª Sr.a do Livramento; e paróquia da Quinta Grande, com invocação a N.ª Sr.ª  dos Remédios) surgiram, em 1960, outras cinco, sendo a de Câmara de Lobos dividida em três novas (paróquia de Câmara de Lobos, com invocação a S. Sebastião; paróquia do Carmo, com invocação a N.ª Sr.ª do Carmo; paróquia de S.ta Cecília, com invocação a S.ta Cecília), a do Estreito de Câmara de Lobos em quatro (paróquia do Estreito de Câmara de Lobos, com invocação a N.ª Sr.ª da Graça; paróquia da Encarnação, com invocação a N.ª Sr.ª da Encarnação; paróquia do Garachico, com invocação a N.ª Sr.ª do Bom Sucesso; e paróquia de S. Tiago). Quanto à paróquia da Quinta Grande, ela só viria a ser alvo de alterações em termos de área geográfica. Câmara de Lobos demarca-se por uma importante baía, por um ilhéu e pela desembocadura de uma ribeira, tendo assinalado, em termos geográficos, um sítio adequado à fixação dos primeiros povoadores. Certamente, estas condições levaram a família do capitão a considerar a hipótese de nela estabelecer a sua primeira morada, sendo, depois, preteridas em favor do Funchal. Diz o cronista: “Chegando a  um  alto  sobre a Câmara de  Lobos, traçou ali  onde  se fizesse  uma  igreja  do  Espírito  Santo;  passando mais  abaixo  a  umas  serras  muito  altas,  ali  traçou  outra igreja  da  Vera  Cruz. E todos estes altos tomou para seus herdeiros”. A proximidade e o crescimento do Funchal conduziu à dependência de Câmara de Lobos, cuja zona urbanizada se caracterizava, segundo  Gaspar Frutuoso, como pequena, tendo “duzentos  fogos e  uma  só  rua  principal  e muito comprida, e, no  cabo  dela, a  igreja,  muito  boa e  bem consertada” (FRUTUOSO, 1968, 87 e 122). O processo de povoamento começou a partir da baía e foi, com o tempo, subindo a encosta e alargando-se para poente. Assim, o lugar do Estreito de Câmara de Lobos deverá ter começado em 1440, com o eremitério dos Franciscanos, tendo rapidamente ganhado importância, pois, em 1460, já existia uma capelania, e a paróquia terá sido criada por volta de 1515. A freguesia da Quinta Grande foi criada a 24 de julho de 1848, definindo-se o seu território por áreas desanexadas às freguesias de Câmara de Lobos e do Campanário. A 8 de fevereiro de 1820, havia sido elevada à categoria de curato. A designação de “Quinta Grande” é anterior aos Jesuítas, pois, em 1501, a área era já referida como a Quinta do Cabo Girão, sendo propriedade de João Gonçalves da Câmara, filho de Zarco, que a passou ao seu filho Manuel de Noronha. Sobre esta quinta, refere o cronista: “Tem  esta  quinta  boas  terras  de  canas e  de  trigo  e centeio,  mas  vinhas  poucas,  por ser a  terra  alta,  ainda  que ao longo do mar tem o mesmo Luís de Noronha uma fajã de grande pomar e  vinhas de muito preço, e passatempo, que dá cada ano 40, 50 pipas de malvasias. E está a  ribeira dos Melões, que parece que os há naquela parte muitos e, sobretudo, estremados, que dá também muitas canas e,  em  parte,  algumas  vinhas”(Id., Ibid., 123). A capela da Vera Cruz é atribuída à família dos capitães do Funchal. Mas, certamente, o facto de a área ter sido toda uma propriedade dos Jesuítas, entre os sécs. XVI e XVIII, não deverá ser alheio à perpetuação do seu nome de “Quinta dos Jesuítas”. Esta foi-lhes vendida a 27 de abril de 1595, por Fernão Gonçalves da Câmara. Diz-se que o sítio da quinta era onde estava situada a casa e capela dos Jesuítas. Todavia, em 1770, depois do confisco dos bens daqueles, passou ao domínio privado, por venda em hasta pública. O Curral das Freiras foi buscar o nome ao facto de a propriedade ter integrado o dote de freiras da família Câmara, quando do seu ingresso no recém-fundado convento de S.ta Clara.  O sítio estava dedicado a pastagens de gado, donde as freiras do convento passaram a tirar um elevado benefício em carne e manteiga para o seu consumo diário. A tradição aponta que, em 1566, aquando do assalto de B. de Montluc ao Funchal, as freiras se teriam escondido nesta sua quinta. Diz o cronista: “As freiras e o Curado, com alguns frades e o homem que  as  defendeu,  enquanto  isto  do  baluarte  passou,  saíram por entre  os  canaviais  e  se  acolheram  e  não  pararam  até  o seu  Curral,  que  dista  bom  pedaço  da  cidade,  e,  assim,  se foram,  deixando  tudo  no  mosteiro,  sem  salvar nenhum  ornamento;  salvo  a  custódia  do  Santíssimo  Sacramento,  que um  padre  comungou,  e  alguns  cálices,  que  puderam  levar nas  mangas,  tudo  o  mais  foi  roubado” (Id., Ibid., 345). As terras do Curral haviam sido doadas por João Gonçalves Zarco a João Ferreira, mas, em 1480, passaram, por venda, para a posse do Cap. donatário João Gonçalves da Câmara, que as  entregou ao convento, como dote das filhas Elvira e Joana, dando assim início à posse pelo convento. Em termos de jurisdição paroquial, pertencia à freguesia de Santo António, mas, em 17 de março de 1790, assumiu o estatuto de paróquia independente. O Jardim da Serra deve o nome à Qt. do Jardim da Serra, propriedade de Henry Veitch, que este fizera erguer, de forma imponente, para a sua última morada após a morte, sendo o único caso de um mausoléu fora do recinto de uma igreja ou cemitério justificado pelo facto de ser protestante. A freguesia só foi criada a 5 de julho de 1996, no local da paróquia de S. Tiago, criada em 1961.   Sociedade O lugar de Câmara de Lobos começou o povoamento em torno da figura do capitão do Funchal e manteria esta ligação, fazendo com que alguns criados ou apaniguados do mesmo assumissem, com o tempo, uma posição de destaque. Foram diversas as famílias que estabeleceram um vínculo a este lugar e que ganharam importância social. Através dos livros de manifesto da produção do  vinho  e  da receita  do  subsídio  literário, que recaía sobre o mesmo, é possível rastrear esta realidade e estabelecer uma ideia da elite fundiária. Recorde-se que a área que vai do  Funchal ao Campanário, que inclui a área de Câmara de Lobos, foi dominada por terras de morgadio. Assim, num registo para 1819-1834, estabeleceram-se 12 morgados em Câmara de Lobos, que representaram metade dos existentes. Podemos destacar os mais importantes: o visconde de Torre Bela, João de Carvalhal, Ayres de Ornellas de Vasconcellos, João da Câmara Leme, José Ferreira,  António  Ferreira,  Carlos  Vicente,  Henrique  Fernandes, e Fernando  da Câmara. Nestas terras, predominou o  contrato  de  colonia, sendo de assinalar que, em 1829, o número de senhorios era superior a 30, com especial realce para Pedro Santana, o visconde de Torre Bela, e João da Câmara. O crescimento demográfico da área do concelho foi atestado em diversos momentos por múltiplos testemunhos, desde que Frutuoso a descrevera como tendo duzentos fogos. Em 1598, o “recenseamento dos fogos” diz que: “No  Lugar de  Câmara  de  Lobos  há  a  igreja principal de  S.  Sebastião  e  duas  ermidas:  N.ª Sr.ª  da  Conceição,  que  foi  a  segunda igreja  que  nesta  se fez,  e  a  do  Espírito  Santo.  Tem  logo  fora  do  lugar um  mosteiro  de  S.  Bernardino,  com  10  a  12  religiosos.  Daqui  tomaram  os  capitães, os  Câmaras,  os  lobos  por  armas,  por  acharem  lobos marinhos  metidos  numa furna,  quando  aqui  desembarcaram. Tem este lugar 134 fogos e 510 almas de  sacramento […]. No  Estreito  sobre  Câmara  de  Lobos  está  a  freguesia  de  Nossa Senhora  da  Graça,  que  tem  97 fogos  e  404 pessoas  de  confissão” (CARITA, 1991, II, 235 e 239). Em 1722, Henrique Henriques de Noronha, natural do lugar, descreveu assim Câmara de Lobos: “No  seu  porto  faz  este  lugar  uma baía,  acompanhada  por  uma e outra parte de rocha, com 170 passos de largo, a tiro de mosquete pelo  mar dentro,  compõem-se  de  uma só,  mas  grande rua,  que  principia no desembarcadoiro,  onde  está uma boa  Igreja de  N.ª  Sr.ª  da  Conceição,  e  se termina  na  da  Paróquia  da  invocação  de  S.  Sebastião,  Igreja  colegiada hoje  de  moderno  reedificada.  Tem  Vigário,  Cura,  quatro  Beneficiados, Tesoureiro,  e  organista;  compreende 390 fogos, com 1820 almas […] Por cima  deste  lugar  fica outra  freguesia que chamam do Estreito de Câmara de Lobos, mais para o sertão;  cuja  paróquia  é  da  invocação  de N.ª Sr.ª da Graça; tem  um Vigário, e Cura; que administram os Sacramentos a 1048 almas, em 288 casas dispersas; no seu distrito estão as ermidas de S. António, de N.ª  Sr.ª da Encarnação, e do Socorro” (NORONHA, 1996, 223-224). Paulo Dias de Almeida, em princípios do séc. XIX, referiu o lugar de Câmara de Lobos como: “Sendo  este  um  dos  lugares  mais  bem  povoados  e  o  mais  próximo da  cidade […] Compreende  duas  freguesias  com  6550  habitantes, 1348  fogos,  1642  pipas  de  vinho  e  92  moios  de  trigo  e  centeio” (CARITA, 1982, 60 e 79).   Economia e riqueza dos recursos Câmara de Lobos é um concelho que se divide entre o mar e a terra. As populações ribeirinhas, aproveitando as condições da baía, têm-se dedicado à pesca, nomeadamente do peixe-espada. É tradição do local a indústria da secagem da gata, um peixe que vem com a captura do principal. No princípio, porém, era um local agrícola, dizendo-se mesmo que aqui se plantaram as primeiras videiras, a que se seguiram os canaviais. A maior valorização agrícola do território aconteceu, de forma particular, a partir de 1952, com a abertura da Levada do Norte, que possibilitou o desenvolvimento de culturas de regadio. Daí que o ato de inauguração da levada tivesse sido muito celebrado pela população da Quinta Grande, do Estreito, e de Câmara de Lobos. Refere, assim, Gaspar Frutuoso: “Tem  mais  dois  engenhos  de  açúcar,  um,  que  foi de  António  Correia,  e  outro  de  Duarte  Mendes,  e  muitas canas  e  vinhas  de  boas  malvasias,  e  muitas  frutas  de toda sorte,  e  muita  água”. E, encosta acima, assinala “os pomares do Estreito, que  têm muita castanha e noz, e peros de toda sorte muito doces, e vinhas e criações” (FRUTUOSO, 1968, 120 e 122). A concorrência do açúcar das restantes áreas produtoras do Atlântico, bem como a peste de 1526 e a falta de mão-de-obra apenas vieram a agravar a situação de queda. A tudo isto acresceu, em finais do século, os efeitos do bicho sobre os canaviais, como foi testemunhado para os anos de 1593 e  1602. O último quartel do século foi o momento de viragem para culturas de maior rendibilidade, como a vinha. A documentação testemunha a mudança. Assim, em 1571, Jorge Vaz, de Câmara de Lobos, declarou, em testamento, um chão que “sempre andou de canas e agora  mando que se ponha de malvasia para  dar  mais proveito” (ABM, Juízo dos Resíduos e Capelas,  fls. 499v.-500v.). Há, mesmo assim, uma continuidade da cultura açucareira nas centúrias seguintes. Em Câmara de Lobos, verificou-se a presença de vários engenhos, de que não restam vestígios. Um dos mais  antigos estava no sítio da Palmeira, erguido em 1847, por ação de Manuel Martins e João da Silva. Na vila, mais propriamente na Rua da Carreira, havia, em 1854, o segundo  engenho de  Tibúrcio Justino Henriques, preparado para aguardente e melaço. Na déc. de 50, assinalaram-se ainda outros dois. Em 1857, João Figueira Quintal construiu um no sítio do Ribeiro Real, e, no ano imediato, Joaquim Figueira & Co. construiu o do sítio de Jesus Maria José.  Na linha de fronteira,  na  margem  da  Ribeira  dos  Socorridos, que  separa o  município do  Funchal  do  de Câmara de Lobos, construiu-se  o  engenho dos Socorridos, o único que se manteve em atividade no decurso do  séc. XVIII, demonstrativo  da persistência da  cana nas  proximidades.  De entre os inúmeros proprietários, assinala-se a figura de Guiomar Madalena de Sá Vilhena. Da estrutura, persistiu apenas a capela. No princípio do séc. XXI, a agricultura continuou a assumir um papel destacado na economia do concelho. Assim, na freguesia de Câmara de Lobos, dominou a banana, mas, na freguesia do Estreito, tornou-se evidente a viticultura, tal como a horticultura na Quinta Grande, no Jardim da Serra e no Curral das Freiras. Em 1854, Andrade Corvo afirmou que “o  concelho  de Câmara  de Lobos  é um  dos concelhos,  em  que  se produz  mais  vinho  e  de  melhor  qualidade.” No enunciado das castas disponíveis na área, refere a sercial, a tinta negra mole e a malvasia que dá “um  vinho muito precioso, e estimado” (CORVO, 1855, 23). Em 1884, Henri Vizetelly considerou que a melhor área para a produção de vinho na Ilha se situava na Torre, em Câmara de Lobos. Há uma ideia muito divulgada da excelência dos vinhos do concelho que está divulgada entre os nacionais e estrangeiros. Deste modo, Eward Harcourt, em 1851, afirmou que “os melhores vinhos da Madeira são produzidos nas freguesias de Câmara de Lobos, São Martinho e São Pedro, nas partes mais baixas de Santo António, no Estreito de Câmara de Lobos, no Campanário, em São Roque e em São Gonçalo. As partes mais altas das últimas cinco freguesias produziam apenas vinhos de segunda e terceira qualidade. Os melhores Malvasia e Sercial são da Fajã dos Padres no sopé do Cabo Girão e do Paul e Jardim do Mar. As parras de malvasia são as melhores para suportar um enxerto. A melhor vinha para plantar no sul é a verdelho, obtida tanto do norte como do Curral das Freiras” (VIEIRA, 1993, 362). Uma memória sobre o vinho, publicada em 1851 por José Silvestre Ribeiro, reafirma a importância da área do concelho de Câmara de Lobos na produção de muitos e bons vinhos: “O melhor vinho que a Madeira produz é a malvasia e sercial da Fajã dos Padres. Na freguesia de Campanário, concelho de Câmara de Lobos [...] Dizem que o bual e o verdelho de Campanário são os melhores vinhos da Madeira; há preferência ao de Câmara de Lobos. Câmara de Lobos é a freguesia que produz o melhor vinho da Madeira, exceto malvazia e sercial. A freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, do sítio do Salão para baixo, dá vinho igual, ou quase igual, ao de Câmara de Lobos” (Id., Ibid., 170). Henri Vizetelly, em 1880, traçou o quadro da Ilha após a filoxera, dizendo que Câmara de Lobos, terra de produção de mais de 3000 pipas de vinho, agora só produzia 100, porque “quase todas as vinhas deterioraram-se e plantou-se cana de açúcar no seu lugar” (Id., Ibid., 382), mas, por certo mantiveram-se as vinhas nas terras mais altas do Estreito. Esta situação marcou uma viragem que conduziu à valorização e ao retorno da antiga cultura da cana-de-açúcar e, depois, no séc. XV, da bananeira. A recuperação definitiva de muitos dos vinhedos só aconteceu de forma clara a partir dos anos 80 do séc. XX, por incentivo do Governo regional. A ligação do concelho ao vinho é muito evidente. Primeiro, com os vinhedos que dominam a paisagem; depois, com as instalações de apoio da firma Barbeito de Vasconcelos e os armazéns da firma Henriques Henriques. No Estreito de Câmara de Lobos, existiu, ainda, desde 17 de agosto de 1990, um armazém de vinhos Madeira, propriedade da empresa Silva Vinhos Lda., que foi desativado, e apenas se regista um outro armazém da empresa Henriques e Henriques. A família Henriques está ligada aos primórdios da ocupação e ao cultivo da vinha no arquipélago. Até à década de 70 do séc. XX, foi detentora de importantes terras de colonia, ocupadas com vinha, nos sítios da Torre e da Quinta Grande. A partir de 1850, João Joaquim Gonçalves Henriques, com base nas propriedades de família em Belém (Câmara de Lobos), instalou-se como partidista do vinho Madeira, fornecendo as principais casas. Em 1913, surgiu a atual empresa, resultado da fusão da Casa de Vinhos da Madeira Lda., Belém’s Madeira Lda., Carmo Vinhos Lda., António Eduardo Henriques Sucrs. Lda., e António Filipe Vinhos Lda. Em 1960, foi a vez de Freitas Martins Caldeira & Cia. Se juntar ao grupo. A  firma  esteve, no princípio do séc. XXI, em  mãos  dos  sócios  A.  N.  Jardim,  Peter  Cossart  e  Nunes Pereira. Em 1992, iniciou um processo de modernização, transferindo-se do Funchal para o concelho de Câmara de Lobos. Na vila, junto à ribeira do Vigário, ficaram as instalações de vinhos, as lojas de vendas e o escritório, enquanto na Quinta Grande ficavam 10 ha de vinha das diversas castas nobres e as instalações de receção da uva, vinificação e estufa. Na época das vindimas, o Estreito era um local de grande atividade e animação. Neste contexto, assinala-se a primeira festa das vindimas realizada em 1963, que foi realizada de novo em 1979,  com grande animação e continuidade até aos princípios do séc. XXI. Os Jesuítas  foram  detentores  de  extensas  áreas  de  vinha no Funchal e na Quinta Grande. No séc. XIX, a Quinta Grande foi uma das freguesias que não foi molestada pelos efeitos nefastos da filoxera, persistindo, inclusive, na Fajã dos Padres, os bacelos da primitiva casta de malvasia. A Companhia de Jesus está ligada à Fajã dos Padres e à malvasia aí produzido. Entre todos os tipos de vinho, o mais celebrado foi o malvasia. A malvasia cândida manteve-se, por muito  tempo, a rainha das videiras, quer no  Mediterrâneo, quer no Atlântico, tendo, por assento, e.g. a Madeira e as Canárias. Na Europa do séc. XV, este vinho foi celebrado por poetas e dramaturgos, e.g. Shakespeare. A fama condicionou  a  opção  do  infante D. Henrique em  recomendar  aos  povoadores  as  videiras  de malvasia de cândida. O senhor da Ilha pretendia cultivar o vinho no novo espaço. Todavia, nunca previu que havia de se tornar no mais afamado da Madeira, levando o seu nome aos quatro cantos do mundo. Em meados do séc. XV, o veneziano Cadamosto fazia fé dessa realidade. Aliás, em 1530, outro italiano, Giulio Landi, proclamava que o malvasia madeirense era reputado melhor do que o vinho de cândida. A fama persistiu até ao presente, sendo o malvasia o mais considerado de todos os vinhos da Ilha. A produção foi sempre reduzida, mas a procura foi sempre elevada. Em 1757, a produção foi de apenas 50 pipas, muito disputadas pelos mercadores funchalenses. Ali, incluíam-se algumas pipas da Fajã dos Padres. A Fajã confunde-se com o malvasia, que foi o mais cobiçado vinho entre todos os mercadores. Os Jesuítas destacaram-se na produção de vinho, sendo acusados, em 1689, por John Ovington, de quase monopólio da malvasia: “Eles asseguram aqui o monopólio do malvasia do que existe em toda a Ilha apenas uma boa e grande vinha - na dita fajã - de que são os únicos possuidores” (ARAGÃO, 1993, 198). A malvasia foi plantada por iniciativa do P.e Sebastião de Lima. Foi dele a ordem de 1663 para  plantar  7000  bacelos  de  malvasia,  a maioria em latada. A  Fajã  deveria  ser  uma  referência  para  os estrangeiros,  pois,  em  1825,  Edward  Bowdich descreveu a viagem por barco à descoberta deste recanto. Por outro lado, para John Driver, aquilo que o entusiasmara, em 1834, tinha sido o malvasia, considerado o melhor entre todos. Em meados do séc. XIX, a fama da malvasia persistia ainda, como afirma Isabella de França: “há um sítio chamado Fajã dos Padres, por  ter  pertencido  antigamente  aos  jesuítas: cresce aqui a melhor malvasia, famosa em todo o mundo” (FRANÇA, 1970, 91). Em 1873, Henry Vizetelly referiu a celebridade do local em virtude das mesmas uvas, mas salienta que a família Neto, proprietária da Fajã, plantou aí verdelho. Os  Jesuítas,  desde  a  fixação  na  Ilha  na  2.ª metade do séc. XVI, foram detentores de fartas fazendas  onde  medravam  culturas  ricas, e.g. a cana de açúcar e a vinha. As suas quintas estendiam-se por toda a Ilha, ficando célebre a que se situava na freguesia de Campanário. Em  1759,  os  bens  da companhia  foram  confiscados  e  arrematados  em hasta  pública  por  João  Francisco  de  Freitas Esmeraldo, no ano de 1770. Na déc. de 70 do séc. XIX, a Fajã estava em poder do Cor. Manuel de França Dória, que a vendeu, em 1919, a Joaquim  Carlos de  Mendonça. A  Qt.  dos Jesuítas  de  Campanário,  definida  pela Quinta Grande, indiciava uma faixa de terreno que ia até ao mar, contemplando a ubérrima Fajã, isolada no litoral, cujo acesso se fazia apenas por mar. Não há muitas informações sobre a Fajã,  para  além  do  afamado  malvasia  que  aí  se  produziu. O isolamento do lugar e os vestígios sobre o  terreno  indiciam  a  presença  permanente  de colonos,  tendo-se  construído, para  o  efeito, uma capela  da  invocação  de  N.ª  Sr.ª  da  Conceição. Apenas sabemos da sua existência em 1626, quando foi  profanada  por  corsários,  mas  a  construção deverá  ser  de  inícios  da  centúria, se tivermos em consideração a data da aquisição pelos Jesuítas, em 1595. A  ermida  foi  referida,  em  1722,  por  Henrique Henriques  de  Noronha,  sendo deixada, 40 anos depois, ao abandono, com a expulsão e o sequestro dos bens dos Jesuítas na Ilha. A memória material da presença quase se apagou no tempo, tendo restado, numa das habitações, a pia para a água benta. Aí, deveria existir uma pequena comunidade de Jesuítas e colonos, que tratavam do amanho da terra, sendo certamente um local de veraneio dos frades, como sucedia na Qt.  do  Cardo, no  Funchal. As  construções  existentes  são  testemunho  disso. Certamente que os piratas argelinos não assaltariam um lugar ermo, sem vivalma e sem interesse económico e religioso. O assalto provocou uma devassa, pelo facto de as gentes de Câmara de  Lobos,  nomeadamente  os  pescadores,  não  terem  acudido  ao  rebate dos sinos. Saíram os Jesuítas, mas ficou o nome na designação do local, Fajã dos Padres, e o interesse pelo vinho aí produzido continuou até 1920, altura em que a Fajã logrou o último afamado malvasia, sobrevivendo apenas algumas parreiras. Em 1940, encontrou-se uma donde se retiraram bacelos que foram plantados em Câmara de Lobos, nas terras de Dermot  Francis  Bolger. Em  1979,  a  operação  foi  repetida  pelo  então proprietário, Mário Jardim Fernandes, que enviou um exemplar ao Instituto Gulbenkian para proceder à clonagem e para o plantar no local. Nos princípios do séc. XXI, a Fajã estava rejuvenescida, e os largos e dourados cachos de uvas regressaram ao recanto junto ao precipício. Recuperou-se a memória e a técnica do afamado malvasia, ao mesmo tempo que se  redescobriu  um  recanto  paradisíaco,  refúgio  de  locais  e  estrangeiros. Desta forma, a cultura da vinha tornou-se um importante recurso para o concelho, como atestam os números de produção em hectolitros: 6838 hl em 1787, 8850 hl em 1813, 11.960 hl em 1837, 8208 hl em 1851, 1455 hl em 1852, e 53.891 hl em 1986. Note-se, ainda, que, em 1863, o concelho dispunha de 23 lagares. A importância agrícola do concelho não se resumia à vinha e a esta localidade, pois também se expandiu a outras localidades, atividades e produções.  A construção da Levada do Norte, inaugurada no dia 1 de junho de 1952, foi um fator importante no maior aproveitamento dos solos, permitindo culturas de regadio. Também na sequência da existência desta infraestrutura, houve a inauguração da iluminação em 14 de dezembro de 1956. Destaca-se a importância que assumiu a cultura da banana, que conviveu com a vinha, com produtos hortícolas e com outras atividades, e.g. a pesca. Na verdade, o concelho de Câmara Lobos, demarcou duas áreas diferenciadas de atividade, a zona baixa, definida pela vila, e o antigo ilhéu, onde dominou a atividade piscatória. Por outro lado, no âmbito do aproveitamento dos recursos do meio, merece referência o aproveitamento da cereja do Jardim da Serra e da castanha, ginja e cidra do Curral das Freiras. De notar as festividades alusivas a estes recursos, e.g. a festa da Cereja e a da Castanha, destacando-se a primeira, por se realizar desde 1953. O Curral das Freiras, dadas as suas condições orográficas, gerou uma realidade económica separada que, por tradição, sempre esteve ligada ao Funchal, por pertencer ao património do Convento de S.ta Clara desde finais do séc. XV. Considere-se que, aqui, como em outras áreas, ainda existem lagariças cavadas na pedra que, no passado, foram usadas para fazer o vinho. A riqueza da área do concelho era diversificada e muito importante para a economia da Ilha. Do mar, vinha o peixe que se vendia para o Funchal, nomeadamente para os conventos. Em terra, verificavam-se as disponibilidades de lenhas e madeiras das zonas altas, das pedreiras do Estreito e do Cabo Girão para a construção de edifícios no Funchal. Acoplado a estas atividades, existia um forno de cal em laboração, que se abastecia de matéria-prima no Porto Santo ou em S. Vicente. A pedra explorada nas diversas pedreiras do concelho (Covão, Gimbreiros, Laurencinha, Palmeira, Cabo Girão) era muito usada na construção dos edifícios da cidade. Desde o séc. xv que a exploração das pedreiras foi um recurso importante para o concelho. Assim, desde finais desse século, as obras da construção da Sé do Funchal alimentaram-se da exploração da cantaria em pedra mole do Cabo Girão. Da pedreira no Estreito, certamente do Sítio do Covão, nos sécs. XVI e XVII “se  arrancou  grande  quantidade  de pedra  de  cantaria  fina, a  qual  se  acarretou  até  Câmara  de  Lobos  e  de  Câmara de  Lobos  até ao  Colégio,  com grande trabalho e extraordinário dispêndio,  e muitas e  grandes  pedras  e  colunas,  que  estavam  em  Câmara de  Lobos  há  muitos  anos, e  parecia  a  todos  impossível  acarretar-se  em  barco” (CARITA, 1987, 50). Note-se que a construção da igreja de S. João  Evangelista  do  Colégio  dos  Jesuítas  do Funchal começou em 1624 e, em 1664, ainda não estavam concluídas as obras. A indústria piscatória foi importante nesta área, abastecendo muitas vezes os conventos do Funchal, como o da Encarnação. Na freguesia de Câmara de Lobos, por força da proximidade do mar e da baía que a serve, criou-se um núcleo muito importante de homens ligados ao mar, que atuaram como barqueiros ou pescadores. E, segundo Maria Lamas, “os  pescadores  de  Câmara  de  Lobos [eram] considerados, desde os tempos do Descobrimento, os principais abastecedores  da  Madeira, especializados, além  disso, na pesca  do  espada” (LAMAS, 1956, 146). Por toda a Ilha, estes barqueiros e pescadores estavam na mira dos oficiais do contrabando, pois eram os interlocutores diretos e ativos deste processo. Desde o Caniçal ao Paul do Mar, as comunidades piscatórias faziam desta sua participação uma compensação lucrativa à sua ação. Na primeira metade do séc. XIX, era evidente este conluio dos pescadores  de  Câmara  de Lobos  com  esta  atividade,  fazendo  da  baía  do  lugar  um  destacado centro de contrabando. Deste modo, em 1838, o diretor da Alfândega apelava ao governador civil, no sentido de se estabelecer uma vigilância  permanente nesta baía com oito praças. Na verdade, os terços auxiliares e as tropas regulares de artilharia, cumpriam também esta função de vigilância auxiliar à Alfândega. Por outro lado, é manifesta a imagem que o lugar sempre transmitiu da sua ligação à pesca e ao mar. Santelmo sempre foi a invocação óbvia em momentos de tempestade. A ele se associava as  centelhas luminosas que apareciam nas extremidades dos mastros dos navios, provocadas pela eletricidade atmosférica. Este fenómeno ficou conhecido como fogo de santelmo. A devoção ao santo ocorria com particular incidência no Funchal, junto ao cabo do Calhau, e em  Câmara de  Lobos. Em  ambos os  portos piscatórios, existiu uma  capela da  sua  invocação, cujo culto  era assegurado por  uma confraria da responsabilidade dos mesmos pescadores. Todavia, a  confraria em questão apostava mais no auxílio mútuo aos pescadores e familiares. Cada barco deveria entregar uma cotização à confraria, para a possibilidade de auxílio em caso de naufrágio ou de morte. Assim sucedeu no Funchal, em Câmara de Lobos e na Calheta, onde funcionou esta confraria. Todo esse apoio passou a estar, desde 1939, centralizado na Casa dos Pescadores. O quotidiano do ilhéu e da vila marcou, durante muitos anos, a imagem de Câmara de Lobos. Maria Lamas descreve assim esse mundo: “Lá do seu bairro, construído sobre o Ilhéu e nas ruelas onde as suas habitações se comprimem,  constituíam uma colónia fechada. Pouco expansivos, mas solidários nas grandes ocasiões, como na desafronta de ofensas que atingem alguns da sua classe, casam sempre dentro do seu meio, têm o seu dialeto, o seu código e o seu conceito de honra, que lhes dita as atitudes. Pena é o hábito de esbanjar nas tabernas o ganho de dias e dias de trabalho, de que resulta tanta miséria. Vêm do mar com os membros lassos, o cérebro entorpecido, a boca a saber a sal; e a excitante poncha de aguardente aquece-lhes o sangue e dá-lhes a sensação de se libertarem, momentaneamente, dos barcos, das redes, das maresias e da penúria” (Id., Ibid., 149). No entanto, nem sempre a proximidade do mar e a presença de uma comunidade de pescadores significavam uma disponibilidade de pescado, e um pescador de Câmara de Lobos, certamente  atraído pelo melhor preço do pescado no mercado do Funchal, foi “condenado por não vender metade do seu peixe ao povo do lugar” (SILVA, 1995, 298). Nesta ligação ao mundo do mar e aos pescadores, aparece-nos associada a “poncha” como a bebida favorita dentro deste universo de pescadores, que acabou por adquirir um estatuto de bebida regional, servida em toda a Ilha. Segundo Maria Lamas, em meados do séc. XX, a situação do consumo e a fama da ponha já era conhecida: “Aguardente de cana, sumo de limão, água e açúcar, tudo batido  com um pauzinho apropriado  que  se  faz  rolar  rapidamente,  entre  as  palmas  das  mãos – é  a  receita  da bebida  cem  por  cento  madeirense  a  que  chamam  ‘poncha’  ou  ‘ponchinha’, um  diminutivo  popular  de  muito  apreço.  Bebem-na  especialmente os  pescadores,  é  certo,  mas grande  consumo  lhe  dão  também  pastores e  outros  homens  da  montanha – nem  há  nada melhor  para  dar  calor  e  levantar  o  ânimo,  sobretudo  nas  friagens  do  Inverno […] A de Câmara de  Lobos  tem  fama – em  nenhuma  outra  freguesia  há  quem  saiba prepará-la como  ali” (LAMAS, 1956, 149). Outro recurso eram as madeiras e as lenhas que tinham uma utilização diversa no concelho e no Funchal. Até meados do séc. XIX, a floresta foi um  meio indispensável à sobrevivência e às comodidades humanas, com o fornecimento de lenhas e madeiras.  Em todos os tempos,  a  riqueza  de  uma região dependeu da reserva que delimitava a fronteira do espaço agrícola e humanizado. As  madeiras da  ilha  da  Madeira  foram  muito apreciadas no séc. XV na construção naval, no reino e na Ilha. O seu uso imoderado nestas e noutras atividades  conduziu  à  paulatina  desarborização da Ilha, pelo que as autoridades concelhias atuaram no sentido  da  defesa  do  parque  florestal  madeirense, restringindo o uso das madeiras a sectores essenciais da vida local. Por outro lado, deve-se ter em consideração as necessidades de lenhas para o fabrico do açúcar. Na ribeira dos Socorridos, os dois engenhos geravam uma atividade constante ao longo da Ribeira, assim descrita por Gaspar Frutuoso:  “toda  a  lenha  que  se  gasta  nos  dois  engenhos que  estão  nela e  em  outros dois, que tem  Câmara  de Lobos,  que  está  perto, trazem  por ela abaixo,  que  podem ser 80.000 cárregas de azémola cada ano, antes mais que menos.  E tem esta ordem para  trazer  esta  lenha:  tendo-a cortada  nos  montes, a põem em  lanços  perto  das  rochas  da ribeira,  e  cada  senhorio  da lenha,  que  a  mandou  cortar,  tem posto sua marca em  cada  rolo,  que,  pela  maior parte,  é  toda lenha grossa,  pondo  uma  mossa,  outras  duas, outros  três ou quatro,  e  tanto  que chove se ajuntam como 100 homens das fazendas,  indo-se  aos  montes  e  serranias,  onde  têm  suas rumas  de lenha  posta,  e  lançam-na  à  ribeira  pelas  rochas abaixo,  que  são  muito  altas;  a  água,  como  é  muita,  traz aquela multidão  de  lenha  e  muitos  daqueles homens  trazem uns  ganchos  de  ferro  metidos  em  umas  hastes  de  pau compridas,  com  os  quais desembarram e desembaraçam a lenha, que vem toda pela  ribeira  abaixo,  e, se (como acontece muitas  vezes)  acerta de  cair  algum  deles  na  ribeira,  com  aqueles ganchos  apegam  dele  por  onde  se acerta, ainda  que  o firam;  com  que,  ou  morto  ou  vivo,  o  tiram  fora  da  água, e acontece  algumas  vezes  morrerem  alguns  homens  neste grande  trabalho.  Vindo  com  esta  lenha  pela  ribeira  abaixo com grande arruído  e  pressa,  e  comidas e bebidas,  que  para este  efeito  ajuntam  e  o trabalho  requer,  quando chegam junto  dos engenhos,  onde a  ribeira  espraia  e  faz  maior largura, espalha-se  a  água,  por  ser a  ribeira  muito chã,  e,  ficando quase  em  seco,  dali a tiram com  os mesmos ganchos, e cada um  dos  senhorios,  por sua marca,  aparta  a  sua,  pondo-a  em rumas  muito  grandes  para  o  tempo  da  açafra  do  açúcar. Mas acontece algumas vezes, chovendo em demasia na serra, que enche a  ribeira  muito  e  leva muita  cópia desta lenha  ao mar,  em  que  se perde  grande  parte do  custo  que têm  feito” (FRUTUOSO, 1968, 119-120). Apenas mais uma referência: no Estreito de Câmara Lobos, houve, em princípios do séc. XX uma fábrica de manteiga, propriedade do médico José  Sabino  de Abreu (1874-1954).   Património Em Câmara de Lobos, Isabella de França, em 1854, visitou a igreja matriz e exaltou o contraste da pobreza do meio com a riqueza do interior do tempo: “A  igreja  de  Câmara  de Lobos  fica no  extremo da  vila,  e, como a porta estivesse aberta, nós entrámos, em parte para ver o  templo  e  em parte para  escapar  aos mendigos.  Neste  local tão bravio,  incivilizado, de aspeto primitivo,  onde se diria  só passar  gente  rude,  é  curioso  deparar-se-nos uma  igreja  adornada de magníficas  colunas de ouro e prata, pinturas de cores brilhantes,  embora  sem  arte  no  desenho,  lampadários,  obra de  talha,  toda  a  espécie  de  coisas  inadequadas  a  semelhante lugarejo.  Faz-me confusão pensar como é que veio ter a Câmara de  Lobos  tanto  ouro e tanta prata!” (FRANÇA, 1970, 197). O Estreito possui três igrejas, que correspondem às sedes das três paróquias existentes: igreja de N.ª Sr.ª da Graça (1753-1814), igreja de N.ª Sr.ª da Encarnação (1966-67), no Covão, e igreja do Garachico ou de N.ª Sr.ª do Bom Sucesso (1963). Como capelas, regista-se a capela de N.ª Sr.ª da Encarnação (1671), a capela das Almas (1767), e a capela de S.to António (1780). Na Quinta Grande, existe a capela de N.ª Sr.a dos Remédios, a capela da Vera Cruz (séc. XV?), a capela de S.to António (1883), e a capela de N.ª Sr.a de Fátima (déc. de 70 do séc. XX?). O Curral das Freiras possui apenas a igreja matriz, da invocação de S.to António (1784). No Jardim da Serra, há a igreja paroquial de S. Tiago e a capela de N.ª Sr.a da Consolação (1684). Nas diversas freguesias, houve instituições culturais e desportivas que desenvolveram um papel relevante no concelho. No Estreito de Câmara de Lobos, houve a Casa do Povo desde 1970 e, depois dos anos 80 do séc. XX, diversas instituições: o Grupo Desportivo do Estreito, fundado em 24 de julho de 1980, proprietário da rádio local Girão, de 2 de setembro de 1989 a 30 de setembro de 1997, que teve o mesmo nome que a revista Girão, publicada a partir de 1988. Na freguesia, surgiu ainda o Grupo Coral do Estreito de Câmara de Lobos, fundado a 3 de julho de 1989, e, desde 15 de abril de 1997, a Associação Cultural e Recreativa do Estreito. Na Quinta Grande, merece destaque a criação da  Casa do Povo, em 1995, com o Grupo Folclórico da Casa do Povo da Quinta Grande, desde 1996, que havia sido fundado em 12 de setembro de 1988, por João de Carvalho; no Curral das Freiras, a Casa do Povo, criada em 1973, e o Grupo de Folclore da Casa do Povo do Curral das Freiras, fundado no dia 1 de novembro de 1986. Foi criado ainda o Clube Desportivo do Curral das Freiras e a associação Refúgio da Freira. O Jardim da Serra apresenta uma Associação Cultural e Recreativa do Jardim da Serra, criada a 10 de setembro de 1990, que tinha, desde 1993, um Grupo de Cantares e Tocares, integrado na Casa do Povo, que surgiu em 29 de janeiro de 1997.   Personalidades Na lista de gente ilustrada do concelho, deve-se destacar primeiro a figura de João Gonçalves,  ligada a esta localidade pelo nome e pela extensão de propriedades que vinculou aos seus familiares. Próximo dele está João Afonso, seu companheiro de viagem de reconhecimento da Ilha, que teve terras em Câmara de Lobos, onde instituiu uma capela do Espírito  Santo. Está na origem da casa Torre Bela, uma das mais importantes do concelho e da Ilha. Exerceu nesta o cargo de almoxarife do infante D. Henrique, arrecadando as receitas e os impostos que lhe eram destinados. Na mesma linha, podemos apontar a figura de Fr. Pedro da Guarda (1435-1505), que, em  1485, se retirou para a Ilha, criando em Câmara de Lobos o eremitério de S. Bernardino. Era conhecido como o santo servo de Deus, sendo muito venerado pelas populações devido às suas virtudes e aos seus milagres. Em princípios do séc. XVIII, a memória do lugar e do frade ainda estava muito ativa: “Convento  da  invocação de S. Bernardino, em  que residem 20 Religiosos, aonde se veneram as relíquias de um  servo  de  Deus.  Fr.  Pedro  da  Guarda, natural  daquela Cidade, floresceu  em maravilhosas virtudes naquele Convento, aonde  continuamente recorrem  os  moradores desta  Ilha com romarias, e deprecações, voltando quase sempre a suas casas remediados nas suas vexações;  o  que  mais  difusamente trata o P. Mestre Fr. Fernando da  Soledade na  terceira parte da sua Crónica” (COSTA, 1945, 66). De entre as várias personalidades deste concelho, destacam-se: Jaime  César  de Abreu (1899-1967), da freguesia  do Estreito  de  Câmara  de  Lobos; Luiz Vicente de Afonseca (1803-1878), médico do Estreito de Câmara de Lobos; António  Rodrigues de Aguiar (1932-1981), de Câmara de Lobos, emigrante na Venezuela desde 1947, onde criou a cadeira de lojas TIA; João  Crisóstomo de Aguiar (n. 1935), economista,  nascido  no Sítio  da  Torre; P.e José  Gonçalves de Aguiar (n. 1831), doutor  em  Teologia,  nascido na Vila  de  Câmara  de Lobos; D. Manuel Joaquim Gonçalves Andrade (1767), da Quinta Grande,  bispo na cidade de São Paulo no Brasil; António Joaquim Gonçalves de Andrade (1795-1865), da Quinta Grande; João  Isidoro  de Araújo Figueira (1859-1934), comerciante do Estreito de  Câmara de Lobos; Francisco Vieira  da Silva Barradas (1821-1897), bacharel  formado  em  Direito, pela Universidade  de  Coimbra,  e proprietário, nascido no concelho de Câmara  de  Lobos; João Higino de Barros (1883-1941), nascido  na  freguesia  de Câmara  de  Lobos ; José  de Barros Sousa (1859-1930), magistrado, nascido na freguesia  de  Câmara  de  Lobos;  José  Lino  da Costa (1891-1945), sacerdote, nascido no Estreito de Lobos; João  Pedro  de  Freitas Drummond (1760-1825), advogado  e  escritor,  nascido em  Câmara de  Lobos; Agostinho  Figueira Faria (1923-1980), cónego da Sé do Funchal e orador; Francisco  Figueira Ferraz (1861-1948), proprietário e comerciante, nascido no Estreito de Câmara de Lobos, sócio-gerente  da firma  F.  F.  Ferraz & Ca.; Francisco  de  Araújo Figueira (m. 1914), comerciante e proprietário, nascido na freguesia de Câmara  de Lobos, diretor da Companhia do Caminho-de-Ferro  do  Monte e  diretor  da  Companhia  da  Luz Eléctrica  da  Madeira; Alfredo  Isidoro Gonçalves (1882-1965), comerciante, sobrinho de António  Isidoro  Gonçalves, fundador  da  Companhia  Vinícola  da Madeira; João  Isidoro Gonçalves (m. 1909), médico  pela  Escola  Medico-Cirúrgica  do  Funchal; João Joaquim Henriques (1879-1968), proprietário  e  comerciante, conhecido por João de  Belém, fundou a firma exportadora de vinhos Henriques & Henriques; João de  Sousa Henriques Júnior (m. 1959), licenciado em Matemática, nascido em Câmara de Lobos; Luís  Soares  de Sousa Henriques Júnior (m. 1939), médico  pela  Escola  Médico-Cirúrgica  do  Funchal,  nascido  em Câmara  de  Lobos; João  Evangelista Lopes (1909-1967), sacerdote  católico,  nascido  na freguesia  de  Câmara  de  Lobos; António  José  de Macedo (1840-1912), advogado,  nascido  no  Estreito  de Câmara de Lobos; Eduardo  Clemente  Nunes Pereira (1887-1976), sacerdote,  professor e  jornalista da vila; D. Mateus de Abreu Pereira (1742-1824) da Quinta Grande, bispo na cidade de São Paulo, no Brasil; Eduardo  Antonino Pestana (1891-1963), professor,  advogado,  publicista  e  jornalista; Henrique  Augusto Rodrigues (1856-1934), proprietário  e  comerciante da freguesia de  Câmara  de Lobos, coproprietário do Bazar  do Povo, no Funchal; Anselmo  Baptista de  Freitas Serrão (1846-1922)  de  Câmara  de Lobos,  regente  da  filarmónica  dos Artistas  Funchalenses; Ernesto Baptista Serrão (1893-1937), nascido  na  freguesia  de Câmara  de  Lobos,  segundo-sargento,  músico que deixou um legado de composições musicais. Merece menção separada Henrique Henriques de  Noronha, que nasceu  a  1  de  março  de  1667,  filho  de  Pedro  Bettencourt  Henriques e de Maria de Meneses. Casou-se a 27 de abril de 1697, na freguesia da Sé, com Francisca Maria de Vasconcelos, de que nasceu uma só filha,  Antónia Joana Francisca Henriques de Noronha. Fez  estudos  de  cânones  em  Coimbra,  nos  anos  de  1682  a  1684. Foi  uma personalidade  de  destaque  na  sociedade  madeirense,  participando  ativamente  na  vida da cidade.  Assim,  entre 1706 e 1707, foi provedor  da  confraria  da  Misericórdia  do  Funchal.  Faleceu a  27  de  abril de 1730,  sendo sepultado na capela-mor da igreja do Colégio no túmulo dos Brandões,  cujo  morgadio  administrava  desde  a  morte  do  seu  tio  Inácio Bettencourt da Câmara. Deixou inédita a obra Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal, que foi publicada em 1996. Câmara de Lobos é conhecida nos princípios do séc. XXI pela sua atividade piscatória e pelo facto de ter, na sua área, alguns dos acidentes geográficos mais emblemáticos da Ilha que, com o desenvolvimento do turismo no séc. XX, ganharam importância e atenção: o Cabo Girão e o miradouro da Eira do Serrado. O nome terá sido atribuído por João Gonçalves Zarco e pelos navegadores que o acompanhavam no reconhecimento da costa sul da Ilha, ficando a marcar o fim da primeira fase e o retorno à base, como diz Gaspar Frutuoso: “Deste lugar de Câmara de Lobos não passaram mais para baixo, assim porque lhe ficavam os navios longe, como porque daqui não puderam ver bem para  baixo a costa com o  muito  arvoredo. Contudo, quando se saíam desta câmara e remanso, da ponta do mar viram uma  rocha muito alta, logo aí apegado e arrebentar no mar em uma ponta que ela abaixo fazia, a qual lhe ficou por  meta e fim  do seu descobrimento, e lhe deram nome o Cabo de Girão por ser daquela vez  a  derradeira  parte e cabo do  giro  de seu caminho. Daqui tornaram outra  vez dormir aquele  dia ao  ilhéu  da  noite passada,  onde  dormiram nos batéis  a  ele abrigados” (FRUTUOSO, 1968, 49). A valorização deste espaço como um eixo importante dos roteiros turísticos da Madeira só começou no séc. XX, por iniciativa da Delegação de Turismo da Madeira, sob a presidência de João Abel de Freitas. A partir de outubro de 1938, este seria um ponto de visita obrigatória. Novas obras aconteceram no espaço em 1953 e 2012. Na literatura de viagens e turismo sobre a Madeira, o Cabo Girão é uma referência que se perpetua no tempo. Assim, em meados do séc. XIX, Isabella de França afirmou, como se verificou acima, o seu deslumbramento. Já o miradouro da Eira do Serrado, embora tenha o miradouro desde 1852, mandado construir por José Silvestre Ribeiro, só adquiriu importância relativamente ao turismo em 1962. Depois, no ano imediato, foi aberto ao público, fazendo a ligação ao sítio do Curral. A vista deste miradouro foi celebrada por muitos visitantes, podendo referenciar-se o deslumbramento de A. Samler Brown, em 1890, de O. Hanstein, em 1925, de J. Hutcheon, em 1929, e de Claude Dervenn, em 1959. Note-se ainda a importância da base do Cabo Girão na extração de cantaria mole, que foi utilizada em muitas construções de fachadas de edifícios, e.g. na Sé Catedral do Funchal, no convento de S.ta Clara, no forte de S. Tiago, no museu da Qt. das Cruzes, no museu Frederico de Freitas, no museu de Arte Sacra, no palácio de S. Lourenço, no palácio dos Cônsules, no palácio dos Ornelas, na capela do parque de S.ta Catarina, na capela da Boa Viagem, e na Torre do Capitão.      Alberto Vieira (atualizado a 25.01.2017)  

História Económica e Social História Política e Institucional

busk, george

(São Petersburgo, 1807 - Londres, 1886) Médico e naturalista, exerceu funções no Seamen’s Hospital Society (SMS), no Reino Unido, e fez importantes contribuições para as áreas da epidemiologia, da parasitologia e da paleontologia. Descobriu, em 1843, 14 vermes parasitários do duodeno, que foram denominados Fasciolopsis buski em sua homenagem e, como naturalista, dedicou-se ao estudo de invertebrados marinhos, tendo descrito 45 espécies de filo Bryozoa da Madeira, a partir de amostras que lhe foram enviadas James Y. Johnson Foi, também, o responsável pela observação do primeiro crânio adulto de Neandertal descoberto, em 1848, em Gibraltar. Trocou correspondência com Darwin, recebeu numerosos prémios de reconhecimento e foi membro fundador da Microscopical Society.   Palavras-chave: George Busk; Bryozoa da Madeira; Buskia; Fasciolopsis buski; crânio de Gibraltar; correspondentes de Darwin . Busk nasceu a 12 de agosto de 1807, filho de colonos ingleses, em São Petersburgo, Rússia. Completou todos os seus estudos no Reino Unido, primeiro na Dr. Hartley’s School, em Yorkshire e, depois, na Royal College of Surgeons, em Londres. Como médico, contribuiu para o conhecimento de diferentes epidemias. Em 1838, e.g., publicou, juntamente com o seu colega George Budd, um relatório sobre 20 casos de cólera (Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship) e escreveu relatórios para a SHS sobre outras doenças, como o escorbuto e a varíola. Também no campo da parasitologia, fez valiosas descobertas, tendo, em 1843, descrito 14 vermes parasitários do duodeno. Estes trematodes foram depois chamados Fasciolopsis buski em sua honra. As suas aportações nesta área tornaram-no tão conhecido que, numa carta a Charles Darwin de 1863, Joseph Hooker descreve Busk como “o cérebro mais fértil que conheço em tudo o que diz respeito ao estômago” (“George Busk”, Darwin Correspondence…), facto que levou Darwin a escrever-lhe para pedir conselho sobre os seus próprios sintomas gástricos. Darwin também escrevera a Busk para pedir a sua opinião sobre outros assuntos, nomeadamente se haveria alguma relação entre a cor do cabelo e a suscetibilidade às doenças tropicais nos soldados britânicos, e sobre a evolução dos Bryozoa. Em 1864, Busk, na altura membro do conselho da Royal Society, foi um dos que persuadiram a Sociedade a outorgar a Darwin a Medalha Copley, a condecoração de maior prestígio no domínio das ciências. Durante a sua vida, especialmente após a sua reforma da SHS, em 1855, George Busk dedicou-se ao estudo dos Bryozoa (ou Polyzoa). Embora não haja registos de ter estado alguma vez na Madeira, recebeu muitas amostras de Bryozoa desta ilha enviadas por James Yate Johnson (1820-1900), e fez uma contribuição importante para o seu conhecimento, descrevendo no total – como se referiu – 45 espécies nos vários artigos que publicou no Quarterly Journal of Microscopical Science: “Zoophytology”, “On some Madeiran Polyzoa”, e “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860”. A sua coleção foi depositada no Museu de História Natural de Londres. Um novo género de Bryozoa, Buskia, foi-lhe dedicado por Alder, em 1856. George Busk também se interessou pela paleontologia. Traduziu o trabalho onde Shaaffhausen descrevia os restos de esqueletos humanos descobertos no vale de Neander (“o homem de Neandertal”) e, em 1863, viajou até Gibraltar, para visitar a caverna onde tinha sido descoberto, em 1848, o primeiro crânio adulto de Neandertal. Foi o responsável por levar para Londres este “crânio de Gibraltar”, publicando o resultado das suas observações em 1864, no The Reader, com o título “Pithecoid priscan man from Gibraltar”. Casou-se, em 1843, com uma prima direita, Ellen, e teve duas filhas. Foi membro de muitas sociedades científicas e ganhou vários reconhecimentos. Por exemplo, foi um dos fundadores da Microscopical Society, em 1839, foi nomeado membro da Linnean Society em 1846, da Royal Society em 1850, da Zoological Society em 1856 e da Geological Society em 1859. Recebeu a Medalha Real em 1871, a Medalha Lyell em 1878 e a Medalha Wollaston em 1885. Faleceu na sua residência em Londres, a 10 de agosto de 1886. Obras de George Busk: Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship (1838), com George Budd; “Zoophytology” (1858); “On some Madeiran Polyzoa” (1858 e 1859); “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860” (1860 e 1861); “Pithecoid priscan man from Gibraltar” (1864).   Pamela Puppo (atualizado a 25.01.2017)

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