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archer, maria emília

Maria Archer. Foto - Wikimedia  Escritora e jornalista, Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar Moreira (nome artístico: Maria Archer) nasceu em Lisboa, a 4 de janeiro de 1899, e faleceu na mesma cidade, em 1982. Durante a sua infância e juventude viajou com os pais, João Baltazar Moreira Junior e Cipriana Archer Eyrolles Baltasar, para diversas partes do país e de África, tendo vivido na Ilha de Moçambique (1910-1913) e, de 1916 a 1918, na Guiné Bissau, em Bolama e Bissau. Casa-se, em 1921, com Alberto Passos, e vai viver para o Ibo, Moçambique, regressando à Europa cinco anos depois. A futura escritora vai, então, habitar em Vila Real, de onde o marido era natural. Divorcia-se após 10 anos de matrimónio e em 1932 une-se aos pais, que na altura viviam em Angola. É em Luanda que publica o seu primeiro romance, Três Mulheres (1935), num volume que continha igualmente A Lenda e o Processo do Estranho Caso de “Pauling”, texto de Pinto Quartim Graça. No mesmo ano, dá à estampa África Selvagem. Folclores dos Negros do Grupo “Bantu”. A educação de autodidata, que fez que tivesse completado a 4.ª classe só no final da juventude, em muito deve ter beneficiado das viagens que contribuíram para a sua formação como escritora e para a carreira que escolhe como colaboradora na imprensa. Em 1935, volta à metrópole e decide viver em Lisboa, fazendo conferências e entrevistas como jornalista. Dedica-se, igualmente, à escrita de teatro e de romances. A preferência pela temática ligada a África e a receção positiva de África Selvagem levam-na a escrever diversos volumes da Coleção Cadernos Coloniais, da Editorial Cosmos, entre os quais Sertanejos, Singularidades dum País Distante, Ninho de Bárbaros e Angola Filme, e o romance Viagem à Roda de África. Em 1945, publica Aristocratas, romance que a leva ao corte de relações com a família, que considerou a história um retrato dos vários parentes. Viaja para o Brasil em 1955, depois de ser considerada suspeita pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) ao decidir escrever um livro sobre o julgamento do Cap. Henrique Carlos Galvão. Tal livro, Os Últimos Dias do Fascismo Português, viria a ser publicado no Brasil em 1959. Já antes, no entanto, várias das suas obras, e.g., Casa Sem Pão, de 1947, tinham sofrido a censura e sido apreendidas. No Brasil, escreveu para diversos jornais, como O Estado de S. Paulo e Portugal Democrático, e publicou vários livros, entre os quais Terras onde Se Fala Português, em 1957. Este livro tinha sido publicado em Portugal, com o título Roteiro do Mundo Português, em 1940, com 2.ª edição revista e ampliada em 1950, e republicado no mesmo ano, em Luanda, com novo título, Herança Lusíada; o livro publicado no Brasil apresenta um prefácio pela própria, bem como um “Prefácio à Edição Brasileira”, por Júlio Gouveia, incluindo igualmente o texto com que Gilberto Freyre tinha contribuído para a 2.ª edição, agora com o título “Prefácio à Edição Portuguesa”. No volume publicado no Brasil, Terras onde Se Fala Português, Maria Archer apresenta uma edição especialmente feita para o público brasileiro, como declara no “Prefácio da Autora ao Leitor Brasileiro”, incluindo informações que julga de interesse. Sem finalidade erudita, nas suas palavras, e sem o tom “massudo dos compêndios” (ARCHER, 1957, 11), a escritora pretende que todos os leitores se “sintam partícipes da grande comunidade mundial da língua portuguesa” (Id., Ibid., 12). O mesmo tom de união entre os povos e as raças do mundo português adota Júlio Gouveia, ao terminar o seu prefácio advogando um mundo de amanhã feito de paz e harmonia. As sugestões do lusotropicalismo a que a autora aludira no prefácio para justificar a vontade de olhar para o mundo de língua portuguesa de forma a “marcar a sua unidade” (Id., Ibid., 10) e despertar nos jovens o sentido ecuménico da língua portuguesa complementam-se com o “Prefácio à Edição Portuguesa”, de Gilberto Freyre. O sociólogo afirma faltar pouco ao livro de Maria Archer para ser um ensaio de lusotropicalismo de “todo consciente da unidade na diversidade, que parece dar à simbiose lusotrópico definido carácter de área – área suscetível de ser considerada e estudada sociologicamente sob o critério dos modernos ‘area studies’” (FREYRE, 1957, 16). Considera ainda que ela seria a Margaret Mead portuguesa, caso tivesse aliado às capacidades literárias o conhecimento académico e científico. Fruto da experiência de Maria Archer como viajante, Terras onde se Fala Português inclui a descrição do arquipélago da Madeira, no interior do capítulo dedicado a Portugal, complementada com comentários sobre a história, a paisagem, a economia e aspetos sociais do Porto Santo e da Madeira. Em Roteiro do Mundo Português a escritora referira apenas brevemente, no capítulo “Começa, para os portugueses, a miragem africana…”, os episódios relacionados com o descobrimento das ilhas, integrando-os na grande epopeia portuguesa da expansão. Justifica-se, tendo em mente a sua intenção de louvar o espírito aventureiro dos Portugueses, o carácter de deslumbramento e de promessa que marca a descrição do achamento. A chegada a Porto Santo corresponde à conquista dos medos, o “exconjuro dos demónios, e também a espada pronta para exterminar os monstros” de um mundo desconhecido. O assombro pela constatação de uma terra fértil, com plantas e árvores semelhantes às da Europa, abre aos navegadores as portas para um “horizonte limpo onde se não vislumbrava traição da natureza ou do inferno” (ARCHER, 1950, 15). O território adquire, deste modo, uma profunda significação simbólica da forma de suplantar os medos e de abrir caminhos para a viagem para sul: “O mar Tenebroso deixava de existir, de se impor, a oeste de Portugal” (Id., Ibid., 16). Na edição brasileira, Maria Archer tem o cuidado de situar o arquipélago do ponto de vista geográfico e da sua constituição. Depois de uma breve incursão nos primeiros tempos do povoamento e da governação, passa a descrever as duas ilhas habitadas. Porto Santo é considerado um território pequeno e pobre, sem qualquer relevo comercial, panorâmico ou histórico. De chão arenoso, dá bons produtos agrícolas. A vila Baleira (que designa por “Babeira”; mais à frente também se referirá a Machico como “Moxico”) é de um pitoresco arcaico e desusado. Já a ilha da Madeira é considerada de forma diferente: célebre pela beleza paisagística, os vinhos e os bordados “feitos por mãos de fadas” (ARCHER, 1957, 39), nasceu e encontra-se na encruzilhada marítima de três continentes e, por isso, é visitada pelos turistas de todo o mundo. A autora é muito específica em relação à extensão da terra, ao número de habitantes, à altura das montanhas, ao clima, à horografia e à produção agrícola, da qual destaca o vinho. Refere também a cana sacarina, usada à época apenas como produto comestível e não para fabrico de açúcar, e conta a história da sua implantação na ilha e do seu declínio, na concorrência com o Brasil. O mar da Madeira exerce forte atração na escritora, com as praias de calhau escuro, as águas temperadas, a pesca e a presença dos lobos-marinhos. Tendo em conta o clima e a natureza, compreende o facto de a Madeira ser uma famosa estação balnear de inverno para os europeus. O Funchal, no entanto, é considerado uma cidade antiga e antiquada, resistente à modernização (Id., Ibid., 42): o arquipélago pobre não permite inovação, ainda que as quintas, dispostas em anfiteatro, primem pelos seus jardins, e que monumentos como a antiga Fortaleza de S. Lourenço e a Sé, assim como as muitas capelas e conventos da Ilha, mereçam uma visita. Para a autora, as paisagens são o verdadeiro deslumbramento da Ilha – e nomeia o Paul da Serra, o Rabaçal e o Monte. De Machico, sublinha a existência de um bairro típico, Banda d’Além, que desenvolveu uma gíria tão cerrada como um dialeto. Em conclusão, se a Madeira é, de facto, um jardim, a Ilha é pobre e a população, que cresceu muito, vive apertada, não havendo uma economia sólida que permita alimentá-la. Só o vinho é exportável e os bordados são um negócio lucrativo apenas para os comerciantes e não para as bordadeiras. O turismo está mal explorado e não dá lucros compensadores. Daí a emigração para a América do Sul e do Norte. Revela ainda que são tantas as bordadeiras a emigrar para o Brasil que, em São Paulo, já se tinha desenvolvido uma indústria similar. O arquipélago, visto de perto por Maria Archer, inspira-lhe sensações contraditórias: se, por um lado, se admira com a beleza paisagística, de fortes sugestões, por outro, acentua a pobreza da população e a falta de investimento e aproveitamento; se se surpreende com o vasto anfiteatro do Funchal, também olha para a cidade como antiquada e arcaica. E se o bordado é feito por “mãos de fadas”, as mulheres que a ele se dedicam acabam por ter de emigrar pelo fraco rendimento do seu trabalho. Em conclusão, em resposta à beleza do lugar encontra má governação e falta de planeamento. Exceção feita para as festas de passagem de ano, que, no remate do texto, diz serem famosas. Em 1979, regressa a Portugal, já doente, e acaba por encontrar repouso no lar Mansão de S.ta Maria de Marvila, no qual residirá até à data do seu falecimento. Obras de Maria Archer: Roteiro do Mundo Português (1940); Herança Lusíada (1950); Terras onde Se Fala Português (1957).   Luísa Paolinelli (atualizado a 14.12.2016)

Literatura

archais, associação de arqueologia e defesa do património da madeira

A ARCHAIS nasceu a 15 de abril de 1998. A sua atuação engloba a área da arqueologia e luta pela defesa do património cultural. Como obra fundamental de arranque, realizou o projeto cultural do Solar do Ribeirinho, em Machico, distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Realizou inúmeros encontros, seminários e publicações diversas. Palavras-chave: arqueologia; associações culturais; defesa do património; inventários; recriações históricas.   A ARCHAIS, acrónimo da Associação de Arqueologia e Defesa do Património da Madeira, inspirado na palavra grega Arkhais que significa “antigo”, nasceu a 15 de abril de 1998, data em que formalmente registou os seus estatutos, então com sede no Sítio do Povo, em Gaula, Santa Cruz. A ARCHAIS surgiu na sequência de uma série de associações deste âmbito que proliferaram em Portugal continental e na ilha da Madeira durante as décs. de 80 e de 90, mas quase sempre, por razões de ordem vária, quer políticas quer sociais, de duração efémera. Os sócios fundadores foram Arlindo Quintal Rodrigues, Richard da Mata e Élvio Sousa. A associação assumiu-se desde logo como sociedade sem fins lucrativos, apartidária e não religiosa, visando desenvolver na RAM uma série de atividades de forma a defender os valores relacionados com a arqueologia e com o património, e a enriquecer o espírito de grupo e a cidadania. Os elementos fundadores já se encontravam a trabalhar desde 1997 pelo menos, procurando fazer um diagnóstico da situação do património cultural a nível regional. Foi com base nesse diagnóstico que vieram a assumir intervenções em várias frentes, especialmente na promoção de campanhas e de trabalhos na área da arqueologia, criando, inclusivamente, não só uma escola de arqueologia para o ensino, a formação e a promoção das campanhas a efetuar, e a promoção de cursos técnicos de introdução e de iniciação à arqueologia, à conservação e ao restauro, mas também visitas de alerta para a preservação geral do património cultural material do passado. No final da primeira década do séc. XXI, foi lançado o Portal do Arqueólogo, dedicado a todos os profissionais da área da arqueologia. Este serviço pretendia facilitar e agilizar os procedimentos decorrentes da prática profissional da arqueologia no território continental e promover a dinâmica entre a tutela do património arqueológico e o trabalhador/investigador. A obra fundamental de arranque do projeto cultural da ARCHAIS foi o trabalho de arqueologia desenvolvido a partir do Solar do Ribeirinho, em Machico, coordenado pelo Prof. Arlindo Rodrigues, que se estendeu a outros locais da cidade, tendo depois o solar sido transformado em museu, com projeto do arquiteto Vítor Mestre, que, em 2016, foi distinguido com o prémio APOM, da Associação Portuguesa de Museologia. Solar do Ribeirinho. Tapete.     Escavação Junta de Freguesia de Machico   Foi no projeto de escavação da área do solar que se alicerçaram, de imediato, outras iniciativas, tal como a realização do I Encontro Regional de Arqueologia e Património, no Funchal, a 26 e 27 de abril de 2000, cujos conteúdos foram depois publicados no Livro Branco do Património (2003). Outros encontros seguiram-se, e.g.: Legislação e Património, Arqueologia e História e Mesa-Redonda sobre a Nova-Lei de Bases do Património. Partindo da premissa de que publicar seria a melhor forma de defender e de valorizar o património e o trabalho desenvolvido, foram sendo dados à estampa não só vários estudos temáticos, tais como A Propósito do Solar do Ribeirinho (2000) e Iluminação Pública em Machico (2001), mas também inventários gerais de património de cidades e de freguesias da Região, com o apoio fundamental das Câmaras Municipais e de outras instituições.   As atividades de defesa do património da ARCHAIS estenderam-se ainda ao património cultural e ao imaterial, tendo-se tais ações integrado especialmente nos chamados mercados quinhentistas (recriações históricas muito divulgadas por toda a Europa desde os finais do séc. XX, de que o mercado de Machico se tornou paradigmático na Região). Estes eventos começaram com vários elementos ligados à Associação, com o apoio da Câmara de Machico e da Escola Básica e Secundária de Machico, quer na orientação dos professores quer na participação dos alunos, tendo-se alargado progressivamente. Naqueles mercados quinhentistas organizaram-se também colóquios sobre o património cultural imaterial que, embora não surgissem com a chancela da ARCHAIS, tinham a sua marca de origem. A atividade da ARCHAIS é indissociável da revista Ilharq, cujo n.º 0 apareceu em 2000 e o n.º 1, em 2001,e que abarca um amplo leque de temas, especialmente na área do património arqueológico. A partir do seu n.º 8, a revista começou a apresentar uma periodicidade bianual com o apoio da Câmara Municipal de Machico, e a ARCHAIS começou a ter a sua sede na antiga escola do Sítio dos Maroços, em Machico. O n.º 11 foi apresentado no Solar do Ribeirinho, a 11 de dezembro de 2015, reunindo um conjunto de artigos sobre o concelho de Machico, e revelando temáticas tais como a história regional e local, o património arquitetónico, a arte, a azulejaria, a etnografia, as tradições e as vivências quotidianas. Desde o nascimento da ARCHAIS, em 1998, foram sendo publicados também boletins informativos, acompanhados de imagens das atividades da Associação, tendo os primeiros boletins começado com uma periodicidade quadrimestral, evoluindo para uma periocidade semestral, e acabando, finalmente por se tornar anuais. A atividade da Associação, embora gozando do apoio de inúmeras personalidades nacionais ligadas à arqueologia, pretendendo intervir em toda a Ilha e arvorando-se de valores da cidadania participativa, encontrou alguma dificuldade no Funchal, devido a também existirem naquele local outras estruturas regionais e concelhias relacionadas com a área da arqueologia. Acresce que, embora assumindo-se como não partidária pelos seus estatutos, teria sido no seio desta associação, ou pelo menos com elementos ligados à mesma, que surgiu a formação partidária Juntos pelo Povo (Partidos políticos), que conquistou rapidamente representação autárquica e regional. Nesse sentido e torneando essas dificuldades, a ARCHAIS e os elementos ligados à mesma apostaram na diversificação de polos de desenvolvimento, fundando, por exemplo, o Centro de Estudos em Arqueologia Moderna e Contemporânea (CEAM), que, em união com outras entidades, desenvolveram projetos alternativos e apostaram em interessantes iniciativas vocacionadas para as camadas mais jovens (e.g., os chamados Giro de Património e os roteiros juvenis), com bastante sucesso. Estas ações, que pretendiam divulgar a realidade patrimonial local numa perspetiva de sensibilização para a necessidade de proteger, de preservar e de valorizar a mesma, conseguiram assim estender-se a quase toda a Ilha, inclusivamente às várias freguesias do Funchal, com o apoio das respetivas juntas de freguesia. O primeiro Giro, intitulado Património Histórico de Machico, editado com o apoio da Câmara Municipal de Machico, com textos de Isabel Gouveia e de Virgínia Nóia, e com design de Ricardo Caldeira, teve edição em abril de 2000; seguiu-se-lhe o Giro pelo Património Edificado de Santa Cruz, em 2001, com o mesmo design, texto de João Lino Pereira Moreira e fotografias de Élvio Duarte Martins Sousa. O sucesso da iniciativa levou a que ambos estes giros tivessem nova edição, seguindo-se, ainda em 2001, o Giro pelo Património Edificado da Ponta do Sol, com texto de Emanuel Gaspar e com o apoio da respetiva Câmara. Seguiram-se o Giro pelo Património Cultural de Santana, em 2002, e o Património Edificado da Ribeira Brava e Histórico-Arquitetónico da Calheta, em 2004, tendo sido depois promovidos, nas freguesias do Funchal, o Histórico de Santa Maria Maior, em 2005, o Histórico da Sé, em 2006, o Histórico de São Pedro, também em 2006, e o Histórico do Monte, em 2007. A ARCHAIS lançou ainda, em formato de livros de bolso, facilmente consultáveis em caminhadas, vários roteiros culturais das freguesias da zona leste da Madeira: o do Caniçal, o do Santo da Serra, o da Água de Pena, o do Porto da Cruz, o de São Jorge, e o de Gaula e de Caniço, entre outras.   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

Arquitetura Património Madeira Cultural

almeida, luís beltrão de gouveia e

O governo do Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida, nascido por volta de 1750, caracterizou-se por uma intensificação das dificuldades com as forças britânicas, que permaneciam na Ilha mesmo depois do retorno à soberania portuguesa e da assinatura dos acordos de paz com a França (Guerras napoleónicas; Ocupações inglesas). A época marcou o início de uma certa retração económica da Madeira no quadro do Atlântico, de que resultou também um menor interesse na posição estratégica da Ilha, pelo que os interesses ingleses e norte-americanos se transferiram para outros locais, como os vizinhos arquipélagos das Canárias e dos Açores. Acrescia que, com a presença das forças britânicas na Madeira, ficaram patentes uma série de problemas económicos e sociais e os atritos no relacionamento com a Igreja Católica, dificuldades que não deixaram de aumentar durante esses anos. O Gov. Pedro Fagundes Bacelar de Antas e Meneses (c. 1760-1813) (Meneses, Pedro Fagundes Bacelar de Antas e), após quatro anos de difícil governo, sofreu, a 4 de maio de 1813, “um ataque de paralisia” que lhe afetou o lado direito (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3197-3198), ficando o governo entregue ao velho secretário João Marques Caldeira de Campos (c. 1760-1814), que estava em São Lourenço há 35 anos. A 4 de julho, o governador ainda mandou escrever que estava a recuperar e, optando por um período de recuperação em Lisboa, acabou por ali falecer a 1 de novembro seguinte. O Governo português, então no Rio de Janeiro, já a de 30 de janeiro de 1813 nomeara como governador o Ten.-Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida (c. 1750-1814), com patente de governador da Madeira e do Porto Santo por três anos. O tenente-general tinha foro de fidalgo da Casa Real e iniciou o seu notável percurso na Campanha do Rossilhão, para onde fora destacado em 1793, regressando em 1795, depois do que foi promovido a coronel. Em 1799, foi comandar as tropas de São Salvador da Baía, capital do Reino do Brasil, com a patente de marechal, assumindo logo funções de inspeção-geral. Regressado ao continente, foi promovido a tenente-general do Exército em 1805 e, no ano seguinte, nomeado governador da Beira, no âmbito de cujas funções ficava encarregado de mudar o quartel-general da praça de Almeida e o regimento de Penamacor para Viseu, seguindo depois com a corte para o Brasil. Luis Beltrão de Gouveia de Almeida. 1814. A 23 de abril de 1813, o Ten.-Gen. Luís Beltrão foi avisado para comparecer, a 27 seguinte, “às dez horas da manhã”, no paço do Rio de Janeiro, “para dar nas Reais Mãos” juramento de menagem pelo “governo de capitão da ilha da Madeira” (ABM, Governo Civil, liv. 200, fl. 4v.). O novo governador chegou ao Funchal a 7 de agosto – “depois de uma longa, mas feliz viagem” – e tomou posse no dia 10 seguinte na Câmara do Funchal, para a qual já no dia anterior tinha enviado a sua carta régia para transcrição (Ibid., liv. 202, fl. 1). Somente a 22 de março do ano seguinte, demonstrando já algum distanciamento de certas práticas anteriores, entrou como “irmão protetor e presidente” da Confraria de N.ª Sr.ª da Soledade do Convento de S. Francisco do Funchal (ABM, Governo Civil, liv. 235, fl. 7), coisa que os seus antecessores tinham feito quase logo após tomar posse.     Armas de Luís Beltrão de Gouveia de Almeida. 1814.   Chegado à Madeira, o novo governador tratou de montar o seu gabinete, pedindo a presença, como ajudante de ordens, do Cap. Joaquim de Freitas e Aragão, e, tal como os seus antecessores, comunicou imediatamente ao Rio de Janeiro as informações obtidas acerca da situação na Europa. Assim, a 10 de setembro, escrevia que “parece que os soberanos da Europa vão conhecendo à sua própria custa o despotismo da França”. Nessa altura, enviou para o Rio de Janeiro várias “folhas” inglesas, incluindo o periódico Star, de 21 de agosto, cuja leitura permitia depreender que Napoleão pretendia “vir a Espanha, reparar as perdas que fez seu irmão, e erros dos seus marechais”; Luís Beltrão rematava: “Agora, porém, com esta notícia do armistício roto, não lhe falta sarna com que se coce no Norte” da Europa (Ibid., liv. 202, fl. 2). A partir de 1812, desenvolveu-se na Ilha uma forte reação contra a presença inglesa, chegando mesmo, nos inícios desse ano, a pensar-se em enviar o Cor. Alberto Andrade Perdigão ao Rio de Janeiro para expor a situação, aproveitando a Câmara do Funchal a ida do coronel à corte para apresentar ali alguns assuntos e atribuindo-lhe para isso, inclusivamente, um subsídio de 1600$000 réis (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1367, fl. 88); todavia, a deslocação não se concretizou. Ao fim de quatro meses na Ilha, a 1 de novembro, Luís Beltrão elaborou o ponto da situação militar insular, apresentando o que denominou por “considerações” para salvar a colónia “das mãos dos Ingleses”, uma vez que estes “já a devoram, com as suas vistas e medidas ambiciosas, enquanto não podem de outro modo” fazer, pois “aspiravam à sua posse absoluta” (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 5v.-10). Assim, os Ingleses controlavam nessa altura toda a estrutura militar, tal como fizera Napoleão em Espanha e em Portugal, corrompendo mesmo “alguns desgraçados Portugueses”. Como exemplo, apresentava o Ten. Alexandre Teles de Meneses, filho de uma Inglesa “e péssimo Português, vendido aos Ingleses”, que nos anos seguintes não deixaria de criar problemas. O oficial empenhara-se em obter para os comandos ingleses – tanto para Robert Meade (1772-1852) como para Hugh Mackay Gordon (1760-1823) – informações sobre os vários trabalhos de levantamento das costas da Madeira efetuados pelo Cap. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832). Por esse serviço, Teles de Meneses “recebia 30$000 réis por mês, para fornecer as plantas”, entretanto copiadas pelo “paisano” Vicente de Paula Teixeira (1785-1855). Tenente-General Hugh Mackay Gordon-1823. Arquivo Rui Carita.     No “empenho” e no “mistério e na despesa” aí envolvidos, aos quais se uniam a “corrupção e compra dos seus assalariados”, não podia estar outra coisa senão um “interesse oculto” dos Ingleses em possuir todos os elementos necessários a uma mais profunda ocupação e domínio da Madeira (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 5v.-10).       Charles Stuart-George Hayter-1830. Arquivo Rui Carita   Em relação ao contingente militar da Ilha, que lhes poderia resistir, tinha sido opção inglesa a sua diminuição (com o objetivo de o aumentar posteriormente, caso isso fosse favorável aos Ingleses). Luís Beltrão dava como exemplo a atitude do Gen. Robert Meade, anterior comandante das forças inglesas, que instara junto de Charles Stuart (1779-1845) – futuro conde de Machico e embaixador inglês na corte do Rio de Janeiro – para que se efetuasse um recrutamento de 3000 homens para o Exército de Portugal. Além disso, o governador anterior tinha entregado, lamentavelmente, o comando dos regimentos de milícias aos Ingleses, deixando assim que o comando dos regimentos dependesse deles; num quadro destes, o governador não sabia atempadamente quando se reuniam as milícias, por que o faziam, as ordens que tinham e o destino que se lhes dava. A despesa feita pela Fazenda portuguesa com a tropa inglesa, até ao final do ano de 1812, tinha ascendido aos 85.977$299 réis. A 5 e a 25 de novembro de 1813, Luís Beltrão enviou dois extensos relatórios sobre o “estado da agricultura da Madeira e as formas de promover o seu desenvolvimento”, o tipo de terrenos da Ilha e os aspetos do clima, por vezes sujeito a intensos nevoeiros que tornavam a subsistência difícil, pois “as névoas de S. João tiram o azeite e não dão pão”. A principal questão colocada era a da dificuldade dos caminhos – referindo o governador “que não uso o termo estradas, porque não existem” – a que acresciam os problemas das águas, da reflorestação dos picos da Ilha e do direito de propriedade dos terrenos. Escreve o governador que “todo o terreno desta Ilha, com pouquíssimas, ou talvez nenhumas exceções, tem três donos”: o primeiro dono era o senhor direto (quando havia emprazamento, o que raras vezes acontecia); o segundo era o senhor útil (quando o terreno não caía em comissão, o que também poderia acontecer); o terceiro era o colono, aquele que “cultiva de meias” o terreno (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3281). Estrada Norte da Ilha. Paulo Dias de Almeida. 1828   Curiosamente, e ao contrário do modo de ver do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), em meados do século anterior, Beltrão de Gouveia considera que o colono é o que tira maior benefício do solo, “porque come e cria todo o ano, de que não paga meação, porque só a devem dos géneros da colheita”. Acrescenta, no entanto, que “o colono é quase um servo da gleba, sem o saber e sem o ser por lei”. Como remate, o governador insiste no sistema de levadas (Levadas), sobre o qual deverá incidir um maior investimento insular, inclusivamente sob os auspícios da Fazenda Real (algo que só viria a acontecer algumas décadas mais tarde). Como refere o governador, enquanto a Ilha estiver enfeudada à “prestação à Inglaterra”, ele próprio não se arrisca a uma proposta desse género (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3281). Foi certamente nos inícios da construção do sistema de levadas que Beltrão de Gouveia encomendou a Paulo Dias de Almeida um estudo sobre a possibilidade de uma estrada que atravessasse a Ilha de Norte a Sul, desde a calçada de N.ª Sr.ª do Monte até às planícies das “freguesias do Norte, Porto da Cruz, Faial e Santana”, que o governador enviou a 24 de setembro de 1813, juntamente com um orçamento de 24.254$700 réis, tendo também começado a reunir várias informações sobre as levadas da ilha da Madeira (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3282-3284), e cuja planta ficou conservada nos arquivos militares (DSI, GEAEM, cota 1337-1A-12-15). Neste contexto, nos inícios de dezembro de 1813, convocava a primeira reunião da Junta de Melhoramentos da Agricultura, estrutura anteriormente concebida, mas que ainda não havia sido possível reunir efetivamente. A principal tarefa de Luís Beltrão de Gouveia foi, no entanto, a de tentar travar a tentativa de implantação, na Ilha, de uma estrutura militar completamente controlada pelo comando inglês. Durante este período, o Cor. Gordon pressionara o governador por diversas vezes, no sentido de obter, para os oficiais que considerava afetos à Inglaterra, os lugares cimeiros nos principais corpos militares. Usando os mais diversos subterfúgios, Beltrão de Gouveia conseguiu sempre furtar-se às nomeações em causa. Nesse quadro de contínuo conflito, em meados de dezembro de 1813, o governador voltava a defrontar-se com o comandante inglês. De facto, tendo sido determinadas as salvas de ordenança pelas fortalezas do Funchal comemorativas do “dia de aniversário de Sua Majestade a Rainha” D. Maria I, o Cor. Gordon não as autorizara na totalidade. Como depois o governador informa para o Rio de Janeiro, encontrar-se-ia doente a mulher do médico inglês Shanthear e, para seu espanto, somente salvou a fortaleza do Ilhéu e metade do que lhe competia (ABM, Governo Civil, liv. 202, fl. 17), não tendo salvado a fortaleza do Pico , como também lhe competia. No final do mês, outro acontecimento veio azedar ainda mais as relações entre o governador e o Cor. Hugh Gordon. O Conselho de Guerra inglês condenara à morte um soldado que assassinara, num ato de insubordinação, um sargento. Ao saber do ocorrido e na iminência da execução, o Gov. Beltrão de Gouveia intercedeu junto do Cor. Hugh Gordon, referindo os inconvenientes de tal atitude, mostrando-lhe que essa execução “ofendia os direitos territoriais do soberano português, lembrando-lhe que Luís XIV expulsara a Rainha Cristina da Suécia, por mandar enforcar o seu secretário, quando se achava viajando naquele país e que no Rio de Janeiro, os senhores almirantes ingleses Curry e Dickson, respeitando o território português, mandavam cumprir as execuções capitais no alto do mar, a bordo de um navio de guerra” (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 19v.-20). A indicação sobre a Rainha Cristina da Suécia não estaria correta, pois o seu secretário terá morrido noutras circunstâncias (salvo se o governador soubesse de outros pormenores que não sejam do domínio público). A execução, no entanto, acabou por ser cumprida no forte da Penha de França, tendo a ela assistido o Sarg.-mor do Batalhão de Artilharia, António Fernandes Camacho, em representação do comando português. A cerimónia foi feita perante a formatura geral das forças inglesas e do regimento de artilharia português, que, em conjunto, formaram um círculo em torno do local da execução. A sentença foi lida pelo major White, “achando-se armada uma forca, tendo-se exortado o soldado que ia ser enforcado por ter matado com um tiro de fuzil ao seu sargento. Ao meio-dia em ponto se enforcou o dito soldado, estando pendurado por espaço de uma hora”. As forças militares inglesas desfilaram perante o enforcado e só depois o carrasco cortou a corda, tendo o corpo caído para um carro e sido transportado para o Convento de S. Francisco (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3313-3316). A reação de repulsa a este atropelo dos direitos dos Portugueses foi tal que nos princípios do séc. XX era ainda usual voltar a cara para o lado do mar quando se passava em frente dos muros desta velha fortaleza. Agravava ainda o facto ocorrido serem raríssimas as execuções capitais na ilha da Madeira, não havendo a elas qualquer outra referência nesta época. Os problemas entre o governador e as forças britânicas continuaram a existir e, em fevereiro de 1814, surgiram novas questões envolvendo a chegada ao Funchal de mais uma brigada de peças de artilharia. Londres, em vez de retirar as suas forças da Ilha, quando já se adivinhava o colapso de Napoleão em França, ainda as reforçava com mais armamento. A reação do governador foi protelar, como podia, o despacho do armamento, mandando inspecionar demoradamente todas as embalagens. Disso mesmo se queixou o Cor. Gordon a Londres: “todos” os artigos que chegavam à Madeira, destinados às forças britânicas, eram abertos e “demoradamente” examinados, o que o general entendia ser “contra a Convenção” entre os dois Governos e portanto uma “ofensa ao Governo britânico” (RODRIGUES, 1999, 398). A zona marítima da Madeira continuava, entretanto, a ser um dos palcos privilegiados da guerra de corso que opunha as potências marítimas, lideradas pela Grã-Bretanha, às continentais, lideradas pela França. A 6 de fevereiro de 1814, nomeadamente, entravam no porto do Funchal as naus S. Paulo, espanhola, com graves avarias, e a Magestic, inglesa, sob o comando do Cap. Hayes. O Gov. Luís Beltrão informava, então, que a nau inglesa estava transformada em fragata de guerra e que trazia, aprisionada, a fragata francesa Terpsichore, assim como 320 prisioneiros franceses. A fragata francesa tinha sido tomada no espaço marítimo compreendido entre a Madeira e a ilha de Santa Maria, nos Açores, e fazia parte de um conjunto de três fragatas que tinham tomado uma galera espanhola vinda de Lima, na América do Sul (na galera espanhola viajavam o marquês e a marquesa de Lima, que morreram na viagem). Em maio desse mesmo ano, o governador dava conta de que duas fragatas francesas (provavelmente as do conjunto de que fazia parte a fragata Terpsichore) haviam metido a pique o navio Conde das Galveias e o bergantim Bom Sucesso e Dois Amigos, cujos tripulantes e passageiros acabavam de chegar à Madeira, transportados pela galera portuguesa Comerciante. Esta época marca uma nova tentativa de abertura à Rússia, com a presença habitual de navios daquela nacionalidade no porto do Funchal, tendo-se o governador inclusivamente deslocado, logo em outubro de 1813, ano da sua nomeação, num bergantim russo, o Heleno, comandado pelo Cap. Drack Maschek, com 10 pessoas a bordo, o qual levara 60 dias de São Petersburgo a Portsmoyuth e 20 dias de Portsmoyuth ao Funchal. Em finais de 1812, tinha chegado à Madeira um “cônsul Ruciano”, o cavaleiro de Borel (ABM, Governo Civil, liv. 198, fl. 79v.), o qual em 1815 seria altamente elogiado pelo bispo de Meliapor, D. Fr. Francisco Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828) (Ataíde, D. Fr. Francisco Joaquim de Meneses e), vigário apostólico do Funchal. Em fevereiro de 1814, o governador informava o conde das Galveias, D. Francisco de Almeida de Melo e Castro (1758-1819), no Rio de Janeiro, que o Imperador da Rússia enviara a Henrique Correia de Vilhena Henriques (1769-c. 1830), irmão do visconde de Torre Bela (1768-1821), um magnífico anel de brilhantes em reconhecimento pelos serviços prestados em prol do estreitamento das relações comerciais entre a Rússia e a ilha da Madeira; em anexo à sua carta, envia a transcrição da carta do conde de Romanov, em francês, escrita em nome do Imperador, “mon maître” [“meu senhor”], no dizer do conde de Romanov, datada de 23 de outubro do ano anterior, bem como o anel para Henrique de Vilhena (ABM, Governo Civil, liv. 220, fl. 22v.). As relações intensificar-se-iam nos anos seguintes, com a estadia do futuro conde do Porto Santo, António de Saldanha da Gama (1778-1839), como ministro plenipotenciário na Rússia (que passaria pela Madeira entre finais de 1818 e inícios de 1819). Nos meses seguintes, avolumaram-se na Madeira as notícias das vitórias aliadas na Europa contra as forças napoleónicas, que o governador imediatamente comunicava, primeiro ao conde das Galveias e, em seguida, ao novo secretário de Estado, D. Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817), marquês de Aguiar, na corte do Rio de Janeiro. Em abril e maio de 1814, e.g., comunicava ao Rio de Janeiro a entrada do “Exército Aliado do Norte” em Paris, os boatos de paz e as indemnizações de guerra pedidas pelos diversos Estados. Ainda nesse mês de maio, perante a confirmação da queda de Napoleão e o início das negociações de paz, o governador queixava-se da manutenção das forças inglesas na Madeira e manifestava os seus receios em relação às pretensões ocultas da Inglaterra sobre a Ilha (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 21v. e 22). Na sequência das informações recebidas sobre as futuras negociações a realizar em Paris, o Gov. Beltrão de Gouveia sugeria “que Sua Alteza Real tivesse também no Congresso quem o representasse com dignidade e interesse”, pois só dessa forma poderia salvar os seus Estados “de algum sacrifício”, numa provável alusão à situação da Madeira, ocupada por forças britânicas. Os receios do governador eram mais do que justificados, tendo este chegado a sugerir que um dos aliados de Portugal fosse o Imperador da Rússia, que tinha então três navios estacionados no Funchal. O Imperador era, porém, um dos aliados preferenciais da Inglaterra, que esta respeitava mas que também temia. O príncipe regente deveria, assim, fazer-se representar “com toda a sua luz naquele Congresso” por pessoas que o fizessem “com dignidade e muita fidelidade”, assim como interessar “eficazmente na nossa causa o Imperador da Rússia, que tem em vistas um mais intensivo comércio com o Brasil e com esta Ilha” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 32v.-33). Nessa época, os navios espanhóis voltaram a fazer escala na Madeira, instalando-se novamente um consulado espanhol na Ilha. Entre problemas vários, refira-se a chegada da nau S. Paulo, comandada por D. António Pacaro. A nau arribara à Madeira devido a avarias sofridas no mar alto ao longo de uma viagem de 78 dias, encontrando-se a sua tripulação e passageiros, no total mais de 150 homens, atacados por escorbuto. Parte deles teve mesmo de ser transportada em padiolas para o Hospital da Misericórdia no Funchal. Com vista ao seu restabelecimento, o governador mandou alugar uma casa a Pedro Jorge Monteiro, afastada da cidade; e para o conserto da nau o morgado João de Carvalhal (1778-1837) (Carvalhal, 1º conde de) mandou cortar madeira nas suas vastas propriedades, e “não aceitou [o] preço dela” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 29v.-30v.). Por outro lado, voltava a assumir um certo protagonismo o consulado norte-americano, cujo cônsul, Diogo Leandro Cathecart, se queixava, nos inícios de junho de 1814, de que a escuna britânica Ecclipse arvorara o pavilhão dos Estados Unidos por baixo do pavilhão inglês. De facto, “no dia 4, aniversário de Sua Majestade britânica, lembrou-se Guilherme Corneille”, comandante da referida escuna, de hastear desse modo as bandeiras. O governador refere que o assunto não tinha sido senão uma brincadeira, mas não deixava de ser uma ofensa à nação norte-americana. Na mesma altura, o cônsul comunica ao governador o interesse de um comerciante residente em Lisboa, Nicolau George Querk, “irlandês de um excelente carácter”, em adquirir alguns terrenos na Madeira, e também os receios que havia sobre as intenções inglesas a respeito da Ilha (ABM, Governo Civil, liv. 220, fl. 36).   George Day Welsh Também por essa altura, o governador informava o Rio de Janeiro de uma nova forma de posicionamento dos Ingleses na Ilha, que até essa data não tinha sido muito notória, mas que não escapara a Luís Beltrão, algo que, segundo o governador, “prova alguns temores que tenho exposto nos ofícios que tenho enviado a V. Ex.ª” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 30v.-31). O assunto dizia respeito a D. Vicência de Freitas, filha de uma irmã do visconde de Torre Bela e viúva do Ten.-Cor. Francisco Anacleto de Figueiroa (c. 1760-1812), por sua vez primo de D. Antónia Basília de Brito Herédia, mulher de D. António de Saldanha da Gama (1778-1839), então ministro português na Rússia e futuro conde do Porto Santo. D. Vicência contraíra matrimónio com o súbdito inglês George Day Welsh (1776-c. 1830), natural dos Estados Unidos e residente na Ilha pelo menos desde 1808. O casamento ocorrera a bordo de uma nau inglesa, ao largo do Funchal, e segundo o rito anglicano, visto o bispo vigário apostólico do Funchal e o núncio de Lisboa se terem negado a conceder as necessárias licenças. Os nubentes haviam embarcado na nau e, “passadas quatro horas, voltavam ao porto” (Ibid.), casados. Acrescentava Luís Beltrão que “nem o visconde, nem outros poucos parentes aprovavam tal casamento e suas circunstâncias” (Ibid.); no entanto, os outros parentes (pelos vistos, a maior parte), sendo do seu interesse, não se importariam. Acontecia que George Welsh mantinha, por vezes, longas demandas com a vereação camarária, como acontecera em 1812, quando acusou o guarda da bandeira e intérprete da Casa da Saúde, José Joaquim da Costa, de carregar carne salgada em dois navios espanhóis que estavam de quarentena. Como alertava o governador, a comunidade inglesa começava, deste modo, a adquirir um vasto património imobiliário, o que envolvia problemas vários, entre os quais os decorrentes da venda de capelas, v.g., a capela pertencente a Bento da Veiga, fundada em 1580, em cujo terreno, adquirido pelo comerciante Robert Blackburn, teria origem a quinta da Palmeira, desaparecendo a capela. Ora, tais aquisições não se haviam registado até então, e os comerciantes estrangeiros não recusavam agora, inclusivamente, casar-se com elementos das principais famílias locais. Em meados desse ano de 1814, dois acontecimentos vieram, entretanto, possibilitar a alteração da forma de posicionamento do governo da Ilha em relação às pretensões inglesas. Em finais de janeiro, tinha adoecido gravemente o secretário do governador, João Marques Caldeira de Campos, uma das figuras mais importantes da Ilha e o grande apoio dos governadores anteriores. O secretário encontrava-se na Madeira há 36 anos e era um profundo conhecedor dos problemas da Ilha. No ano anterior, aquando da doença de Pedro Bacelar, assumira inclusivamente o gabinete do governador e tinha tido o cuidado de informar a corte do Rio de Janeiro de que essa seria a solução ideal até ser nomeado um novo governador, pois sobre a nomeação de um governo interino não tinha quaisquer dúvidas: “Que Deus nos livre” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3197). Luís Beltrão não teve outra hipótese senão nomear um novo secretário interinamente, Gaspar Pedro de Sousa e Almada. Infelizmente, a doença era irreversível e a 5 de março o velho secretário falecia, pelo que o governador pediu a nomeação definitiva de Sousa e Almada, a que a corte anuiu a 6 de junho. A comunicação, com data de 10 do mesmo mês de junho, chegou ao Funchal a 9 de agosto de 1814, com uma rapidez muito pouco usual. Às duas horas da madrugada de 28 de junho de 1814, no palácio de S. Lourenço, repentinamente (o que gerou alguma celeuma), o Gov. e Cap.-Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida era “atacado de uma fortíssima apoplexia” que o levaria “à eternidade” a 1 de julho. Foi sepultado na capela do Santíssimo da Sé do Funchal (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 38v.). Aparentemente, abria-se uma brecha nas autoridades superiores da Madeira e seria de esperar que o comando inglês aproveitasse de imediato a situação para alargar a sua influência. No entanto, não foi isso que aconteceu, pois o governo interino não autorizou este tipo de manobra por parte do comandante inglês, além de que uma nova convenção, assinada com o Governo inglês, cessara com a paz recentemente assinada.   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

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almeida, januário correia de

A apresentação no Funchal do Gov. Januário Correia de Almeida (1829-1901) ocorreu nas vésperas da cerimónia de aclamação do rei D. Luís, ainda determinada pelo anterior governador civil do Funchal, 2.º conde de Farrobo, mas que já não se encontrava na Madeira. O novo governador era engenheiro civil e militar, tendo deixado um interessante conjunto de Obras Públicas em Cabo Verde, mas poucos meses depois retirava-se para o continente e não regressaria à Madeira, aceitando o congénere lugar em Braga. Palavras-chave: Aclamação Régia; Engenheiros militares; Obras Públicas; Partidos políticos.   Januário Correia de Almeida. Arquivo Rui Carita. A apresentação no Funchal do Gov. Januário Correia de Almeida encontra-se ligada a uma das muitas histórias picarescas da política madeirense dos meados do séc. XIX. Nos inícios de janeiro de 1862, a Câmara Municipal do Funchal assumia as festas para a aclamação do Rei D. Luís (1838-1889), em moldes semelhantes ao acontecido anos antes com D. Pedro V (1837-1861) – sinal de que o governador civil do Funchal, 2.º conde de Farrobo (1823-1882) (Farrobo, 2.º conde de), já não se encontrava na Madeira, enviando o impresso o então presidente da Câmara, Marceliano Ribeiro de Mendonça (1805-1866). Embora o mesmo impresso informe que fora o governador civil do distrito a marcar o dia 20 de janeiro para “a grande festividade da inauguração do Reinado” de Sua Majestade “O Senhor Dom Luís Primeiro”, nem o governador nem o secretário-geral deviam estar na Madeira, saindo o “préstito para a aclamação do Nosso Augusto Senhor” dos Paços do Concelho “pelas 11 horas da manhã” em direção à Sé do Funchal (ABM, Alfândega do Funchal, liv. 679, impr. 14 jan. 1862), sem qualquer outra informação sobre o acompanhamento. Saindo o conde de Farrobo para Lisboa, foi nomeado (ou nomeou-se) governador interino o administrador do Porto Santo, João de Santana e Vasconcelos, membro influente local do Partido Regenerador. A sua receção no Funchal foi organizada pelos familiares, futuros viscondes das Nogueiras (Nogueiras, viscondes das), nessa noite, com um baile em S. Lourenço, na sequência das festas ali também dadas pelo conde de Farrobo e dentro da tradição de três dias de festas oficiais (previstos para os dias 18, 19 e 20), para no último dia ser então aclamado o Rei D. Luís. Decorria a receção em S. Lourenço, na noite de 18 de janeiro, quando entrou na baía do Funchal a embarcação que trazia o novo governador. Houve o prudente cuidado de não interromper a festa, guardando-se para o dia seguinte a entrada oficial de Januário Correia de Almeida, o futuro visconde de S. Januário em S. Lourenço; mas a oposição não deixou de fazer correr que o governador interino se preocupara de tal modo com a administração “que nem o tempo chegara para dormir enquanto ela durou” (SILVA e MENESES, I, 1998, 51), pois só durou a noite em que decorreu o baile. O novo governador era filho do homónimo Januário Correia de Almeida (c. 1805-1835), tesoureiro-geral da Armada, e de sua mulher, Bárbara Luísa dos Santos Pinto (c. 1800-1860), tendo nascido em Paço de Arcos, a 31 de março de 1829. Seguindo a carreira militar, assentou praça no Batalhão de Caçadores n.º 2, a 4 de novembro de 1842, e, passando depois a frequentar a Escola do Exército, foi promovido a alferes de Cavalaria, a 22 de dezembro de 1846. Frequentou a seguir a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em Matemática e em Filosofia, voltando à Escola do Exército, graduado no posto de tenente, concluindo o curso do Estado-Maior em 1856, como engenheiro civil e militar. No ano seguinte, seria nomeado diretor das Obras Públicas de Cabo Verde, percorrendo todas as ilhas do arquipélago e deslocando-se inclusivamente à costa da Guiné, de cuja estadia editaria em Lisboa um pequeno trabalho: Um Mês na Guiné. Em 1860, já com o posto de capitão, seria nomeado governador interino de Cabo Verde, deixando uma obra muito interessante como engenheiro, e.g. o cais do Porto da Praia e o liceu daquela cidade, na ilha de Santiago, bem como as alfândegas do Mindelo, em São Vicente, e de São Filipe, na ilha do Fogo. Regressaria ao continente em 1860, terminada a sua comissão de serviço de três anos, e, no início de 1862, seria nomeado governador da Madeira. O decreto de nomeação data de 15 de janeiro, tendo tomado posse a 19 seguinte, o que foi de uma rapidez inédita para a época sendo por essa razão que não era esperado no Funchal. Entretanto, havia sido nomeado novo secretário-geral para o governo civil do Funchal, António Lopes Barbosa de Albuquerque, que, por circular impressa em S. Lourenço, comunica às autoridades locais, pelo decreto de 8 de janeiro desse ano, a exoneração do 2.º conde de Farrobo e do ex-secretário-geral, António Correia Herédia (1822-1899) (Herédia, António Correia) – e, pelo mesmo decreto, a sua nomeação para o lugar deste último. Na data de 19 de janeiro de 1862, foi distribuída nova circular a informar que o Gov. Januário Correia de Almeida tomara posse nesse dia. Seria então o novo governador a presidir às cerimónias de aclamação do Rei D. Luís, assistido pelo novo secretário-geral, António Lopes Barbosa de Albuquerque. O Gov. Januário Correia de Almeida começou por solicitar às autoridades insulares elementos para elaborar o seu relatório para o Governo de Lisboa, que deveria seguir no início de cada ano civil, e que o seu antecessor não chegara a enviar. Em fevereiro nomeava o diretor da Alfândega, Diogo Teles de Meneses (1788-1872), posteriormente visconde Teles de Meneses (Teles de Meneses, visconde), para a presidência de uma comissão encarregada de propor medidas com vista à elaboração de um decreto sobre fiscalização marítima, mas logo em julho comunicava que, tendo de se ausentar para o reino, “com a devida autorização” de Sua Majestade, deixava em funções o secretário-geral António Lopes Barbosa de Albuquerque (ABM, Alfândega do Funchal, liv. 679, of. 19 jul. 1862). É provável que a deslocação ao continente tivesse a ver com o falecimento da mãe, que ocorre nesse mesmo ano; contudo, acabaria por não voltar à Madeira, pois seria, também nesse ano, nomeado governador civil de Braga. Tendo deixado um interessante conjunto de obras públicas em Cabo Verde, nada se conhece na Madeira da sua intervenção nessa área, nem sequer vistorias ou pedidos de informação a esse respeito. Não deixa de ser estranha a posição do Gov. Januário Correia de Almeida, uma vez que era homem do Partido Regenerador do também engenheiro civil e militar António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887), filho do então governador de Cabo Verde, que ao passar pela Madeira em outubro de 1848 não deixara de ir ver as obras da Levada do Rabaçal, quando ali trabalhava o capitão Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875). Pensa-se que data da sua vigência como governador a revisão da nova divisão concelhia e paroquial, de que se conhecem, depois, alguns acertos. No dia 11 de setembro de 1862, e.g., após vários incidentes e peripécias, fez o secretário-geral do distrito, António Lopes Barbosa de Albuquerque, servindo de governador civil, reunir na Casa dos Romeiros do Santo da Serra representantes das câmaras municipais de Machico e Santa Cruz, administradores do concelho, diversos funcionários públicos e outras pessoas de representação; e foi nesse local que se assentou definitivamente a nova divisão, tendo deste modo terminado as reclamações e os protestos que duma e doutra parte se levantavam. O secretário-geral António Lopes Barbosa de Albuquerque, que entre maio e setembro de 1865 seria governador civil de Faro, também não estaria muito mais tempo na Madeira, pois em janeiro de 1863 tomava posse desse lugar Jacinto António Perdigão (Perdigão, Jacinto António), jurisconsulto que mais tarde haveria de ganhar alguma nomeada no continente e que ocupou assim o lugar de governador interino e, posteriormente, o de efetivo. Januário Correia de Almeida, entretanto membro do Partido Progressista (Partido Progressista), sairia da Madeira para idêntico lugar em Braga e, em fevereiro de 1864, era comissário régio em Vila Real e, depois, oficial às ordens do Rei D. Luís. Seria governador-geral da Índia em 1870, de onde passou a Macau e Timor, tendo sido ministro plenipotenciário na China, no Japão e no Sião. Regressando a Lisboa em 1875, seria um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, à frente da qual teria uma ação francamente notável. Foi ainda, em 1878, encarregado de negócios junto de várias repúblicas da América do Sul e teve, depois, as pastas da Marinha e Ultramar e da Guerra, sendo barão por decreto de 10 de novembro de 1886 e conde pelo de 27 abril de 1889, desconhecendo-se a data do decreto de visconde. Foi promovido a general-de-brigada a 30 de junho de 1893 e a general-de-divisão a 13 de maio de 1896. Nesse ano de 1896, foi-lhe confiado o comando da 1.ª Divisão Militar, tendo sido ainda comandante do Estado-Maior e da Escola do Exército. Faleceu em Paço de Arcos, onde havia nascido, a 27 de maio de 1901. Obras de Januário Correia de Almeida: Um Mês na Guiné (1859).   Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

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O Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) descendia de alguns dos principais fidalgos que tinham aclamado D. João IV, tendo sido de sua casa que os mesmos partiram para o Paço da Ribeira no dia 1 de dezembro de 1640. Essa situação parece explicar a sua nomeação para a Madeira sem serviço militar prévio e o facto de ter ocupado o lugar somente por 2 anos, embora as funções desempenhadas tivessem dado mostras de estar preparado para o lugar. A pedido da Coroa preparou uma leva de 100 soldados para Angola, resolveu uma série de problemas pendentes na Fazenda Régia e concluiu a construção da muralha de frente mar, que fez rematar com o Portão dos Varadouros. Ocupou depois os lugares de governador de Angola e do Brasil, tendo-se escrito que em Luanda se portara com tanta circunspeção que, além do bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa. Palavras-chave: Defesa; Levas militares; Muralhas do Funchal; Nobreza de Corte; Portão dos Varadouros; Relações institucionais.   Filho de D. Luís de Almada (c. 1620-1666) e de sua segunda mulher, D. Luiza de Meneses, veio a herdar a casa de seus pais pelo falecimento prematuro do irmão mais velho, D. Antão de Almada (1644-1669). A partir dessa altura, passou a usar os vários títulos da família, tais como 12.º senhor dos Lagares d’El Rei e 7.º senhor do Pombalinho, a que juntou ainda, em 1675, a comenda de S. Vicente de Vimioso e a alcaidaria de Proença-a-Velha, na Ordem de Cristo, que pertencera ao seu avô materno, D. Antão de Almada (1573-1644). Embora o pai já houvesse acompanhado o avô na aclamação de D. João IV (1604-1656), sendo assim esta família da alta nobreza da corte de então, D. Lourenço de Almada (1645-1729) ter-se-á fixado em Condeixa-a-Nova, onde a família também possuía residência. Antes da sua nomeação, em 1687, para governador da Madeira, não há conhecimento do exercício de especiais funções – ao contrário, aliás, da grande maioria dos seus antecessores e sucessores, praticamente todos com provas dadas na vida militar – apesar de ter tido um papel de certo relevo em Condeixa-a-Nova, mesmo que circunscrito à localidade, designadamente na Fundação da Confraria das Almas, em 19 de novembro de 1679, de que foi o primeiro juiz. Mas foi o papel desempenhado na Madeira que demonstrou que D. Lourenço de Almada estava preparado para o lugar de governador e que o projetou como uma das primeiras figuras na nobreza da corte da sua época, vindo mais tarde a ocupar outros altos cargos nos domínios ultramarinos. Casa de Almada 1509. Arquivo Rui Carita. Foi nomeado governador da Madeira a 4 de agosto de 1687, mas só prestou menagem a 1 de abril de 1688 e tomou posse no Funchal a 13 do mesmo mês, onde substituiu Pedro de Lima Brandão (c. 1640-1718) (Brandão, Pedro de Lima). Uma das suas primeiras funções foi preparar uma leva de 100 soldados, determinada em Lisboa, a 21 de fevereiro de 1688, logo antes de prestar menagem; do Funchal, a 28 de maio, veio a informação de que tal leva se encontrava em preparação e de que, dada a existência de grande número de criminosos e vadios na Madeira, não seria difícil cumprir a ordem da Coroa. A leva destinava-se a acompanhar o Gov. D. João de Lencastre (1646-1705) e deveria estar pronta quando aquele governador passasse pelo Funchal, a caminho de S. Paulo de Luanda, em Angola. A leva foi assumida pelo morgado Pedro de Bettencourt Henriques (1632-1687). Em 1689, por esse serviço e pelas suas qualidades pessoais, seu segundo filho, Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) (Noronha, Henrique Henriques), receberia alvará de moço-fidalgo com 1$000 réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia.   Família Almada 1525. Arquivo Rui Carita. Logo no início do seu governo, o Rei D. Pedro II (1648-1706), por carta de 2 de abril de 1688, determinou-lhe a arrecadação das avultadas quantias em dívida ao erário régio, que se encontravam nas mãos de tesoureiros e recebedores, e que as remetesse através de letras para Lisboa. O trabalho decorreu ao longo dos seus dois anos de governo, no termo dos quais o Rei determinou, a 9 de setembro de 1690, a prisão dos culpados na “devassa dos descaminhos da Fazenda Real”, tirada pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade (ANTT, Ministério do Reino, Decretos, mç. 8, n.º 13, docs. DLA), e também a execução dos bens de Diogo Fernandes Branco (filho) (c. 1636-1683), por dívidas à Junta do Comércio Geral (Junta Geral do Comércio). Desta última execução foi efetuada certidão por João de Bettencourt, escrivão judicial, a 25 de outubro do mesmo ano, transcrita na Câmara do Funchal, a 24 de março de 1695. O provedor chegou também a escrever ao Rei registando a colaboração que recebeu da parte do governador. Um dos casos registados envolveu o Cap. Gonçalo de Freitas Correia, que tentou raptar uma jovem escrava da casa de um depositário, ao qual tinha sido entregue por mandado judicial. O problema foi agravado por ter ocorrido à porta da Alfândega e por ter desencadeado tumulto, para além de o capitão ter oferecido resistência à justiça. O provedor entendeu, por fim, que toda a situação tinha colocado em causa a segurança da Alfândega e poderia ter levado a algum descaminho da Fazenda Real. A intervenção atempada, prudente e eficaz do governador, segundo o provedor, tinha conseguido repor a normalidade. O capitão viria a receber mandado de prisão, a 21 de março de 1689, para a cadeia do Limoeiro, em Lisboa; o Rei voltou a escrever ao governador, a 23 de março do mesmo ano. Logo no início do seu governo, D. Lourenço de Almada, na carta de 28 de maio de 1688 em que aborda a organização da leva de 100 soldados para Angola, justificava o excesso de crimes na ilha da Madeira pela falta de uma rigorosa aplicação da justiça. Nessa altura, não havia corregedor de comarca na Ilha, e D. Lourenço observa que fazia muita falta. Constava-lhe ainda ser prática corrente colocar suspeições ao juiz de fora; nas vilas, a justiça estava a cargo dos juízes ordinários, em sua opinião, pouco esclarecidos na matéria e comprometidos por laços de parentesco e vizinhança. Assim, o governador solicitava ao Rei que mandasse “considerar muito esta matéria pelo grande prejuízo de que padece este Povo” (Ibid.). O conde de Castelo Melhor (Castelo Melhor, conde e marquês de), Luís de Vasconcelos e Sousa (1636-1720), antigo escrivão de puridade de D. Afonso VI (1643-1683), entretanto caído em desgraça, mas depois reabilitado, tentou tomar posse dos seus antigos senhorios. Nesse quadro, em 1689, João Pereira de Paiva, seu procurador, apresentou-se no Funchal para tomar posse da Fortaleza de S. Lourenço , de que os condes de Castelo Melhor e da Calheta eram alcaides-mores. Perante o inusitado da situação, o Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada prendeu-o, dando conhecimento a D. Pedro II; numa carta de 22 de junho desse ano, o Rei condescendeu com a atitude do procurador por “supina ignorância” (Ibid.) e recomendou que João Pereira de Paiva fosse libertado quando o governador considerasse suficiente o castigo. Pedra de armas. Jardim Quinta das Cruzes_2000. Arquivo Rui Carita Na vigência do Gov. Lourenço de Almada, houve nova pressão de Lisboa para se acabarem as demoradas obras da fortificação do Funchal. A carta do Rei, de 2 de abril de 1688, logo no conjunto de ordens determinadas mesmo antes de prestar menagem (que, todavia, só viria a ser registado no Funchal a 24 de setembro de 1689), insiste para se acabarem “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 968, fl. 61) as obras iniciadas pelo Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700) (Brito, João da Costa de), recorrendo-se ao parecer dos oficiais de guerra mais experientes no assunto. Foi ainda chamada a atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e para outras estruturas que poderiam precisar de revisão ou reconstrução total (Defesa Muralhas do Funchal). É neste enquadramento que se deve filiar a deslocação à Madeira dos técnicos continentais, em março de 1689: o capitão de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que finalmente completaram a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional – o chamado Portão dos Varadouros (Portão dos Varadouros), onde, no ano de 1689, o governador mandou colocar uma inscrição em latim, que se pode traduzir por “Cada um dos antecedentes governadores debalde se esforçou por concluir estas muralhas; ao Senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão” (SILVA e MENESES, 1998, II, 467). Refere o provedor Ambrósio Vieira de Andrade, em certidão de 30 de setembro de 1690, que o governador “fez findar a muralha com toda a perfeição, brevidade e comunidade”, para além de ter mandado reparar “com grande cuidado” algumas vigias e fortins da ilha da Madeira (VERÍSSIMO, 2000, 321). Os registos deixados por D. Lourenço de Almada referem ainda algum aumento do número das companhias de ordenanças, que de cerca de 70, em 1683, passaram em 1688 para 75. Talvez pelo aumento desses efetivos e do serviço militar geral, em 1689, o juiz do povo solicitou ao Rei dispensa do serviço de vigias e de trabalhos nos entulhos das ribeiras para os aprendizes dos ofícios. O juiz argumentava que, desviando-se os mesmos da aprendizagem da sua arte para essas ocupações, faltariam, no futuro, oficiais na cidade devidamente habilitados, “pois muitos mestres os não querem ensinar com estas pensões” (ANTT, Ministério do Reino, mç. 8, n.º 13, docs. DLA). O pedido foi enviado de Lisboa a D. Lourenço de Almada, a 26 de agosto desse ano, para o governador dar o seu parecer, mas D. Lourenço de Almada não lhe deve ter dado seguimento. O governador veio a ser substituído, dois anos depois (um dos mais curtos governos da época), por D. Rodrigo da Costa (1657-1722) (Costa, D. Rodrigo da), filho de D. João da Costa (1610-1664), 1.º conde de Soure, general de Artilharia, mestre de campo general e governador da província do Alentejo, que tomou posse a 20 de outubro de 1690 e foi depois vice-rei da Índia. A residência do Gov. e Cap.-Gen. D. Lourenço de Almada revelou uma atuação considerada exemplar e em conformidade com as obrigações e disposições do seu regimento. O Rei D. Pedro II, no despacho de 4 de abril de 1691, elogiou e agradeceu os bons serviços deste governador, escrevendo ter “procedido com muita vigilância, esforço, cristandade e zelo”, “muita limpeza de mãos” e, inclusivamente com gastos pessoais, sem, porém, deixar de garantir o aumento da Fazenda Real (ANTT, Ibid.). D. Lourenço de Almada fixou-se na corte de Lisboa, dedicando-se a recuperar o Palácio Almada ou Palácio da Independência, no Lg. de S. Domingos, onde foram depois instaladas a Sociedade Histórica da Independência de Portugal e a Comissão Portuguesa de História Militar. As primeiras obras de reconstrução deste edifício devem datar de 1684, quando D. Lourenço de Almada pediu à Câmara de Lisboa que lhe aforasse o chão público necessário para endireitar as suas casas; e continuaram em 1713, quando lhe foi concedido outro aforamento, que deve corresponder a uma nova campanha de obras de remodelação e ampliação, com um alinhamento diverso do original. Permaneceram, no entanto, algumas portas manuelinas, painéis de azulejos dos anos 70 do séc. XVII, assim como outros de 80, assinados pelo célebre mestre Gabriel del Barco (c. 1650-c. 1708). Tinha-se casado a 28 de outubro de 1671 com D. Catarina Henriques (c. 1650-1721), dama da Rainha D. Maria Francisca de Saboia-Nemours (1646-1683), filha de D. João de Almeida, vedor da Casa Real, e de D. Violante Henriques, irmã de D. Tomás de Noronha, 3.º conde dos Arcos; teve larga geração e os seus herdeiros residiram neste palácio até aos inícios do séc. XIX. Palácio Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita. D. Lourenço de Almada foi mestre-sala da Casa Real de D. Pedro II e de D. João V (1689-1750), fidalgo do Conselho Real, deputado da Junta dos Três Estados e, por último, Presidente da Junta do Comércio. Deveria, entretanto, ter usado o título de conde de Abranches, a que em princípio teria direito, mas não consta que alguma vez o tenha feito; esse título só voltaria a aparecer na família no séc. XIX. Em 1702, foi um dos fidalgos nomeados em Santarém para acompanhar D. Pedro II na primeira fase da Guerra de Sucessão de Espanha e, em 1705, foi nomeado governador de Angola, lugar de que tomou posse a 20 de novembro desse ano, tendo governado até 4 de outubro de 1709 “com grande prudência e integridade, mas com tanta circunspeção, que além do Bispo, nenhuma pessoa se sentou em sua casa” (TORRES, 1825, 230). A 29 de novembro, o Rei escreveu-lhe a convidá-lo para governar a capitania-geral do Estado do Brasil, sob o mesmo preito de homenagem – convite esse que ele aceitou. No entanto, a situação nesse local revelou-se muito difícil, coincidindo com a Guerra dos Mascates no Recife e mais tarde, em setembro de 1711, com o assalto à cidade do Rio de Janeiro, levado a cabo pelo corsário francês René Duguay-Trouin (1673-1736). A circunstância do assalto francês – a que a guarnição da cidade quase se entregou sem resistência, limitando-se a negociar um importante resgate – levou D. Lourenço de Almada a apresentar a demissão, regressando algum tempo depois ao continente. Faleceu a 2 de maio de 1729, sendo sepultado na capela de S. Fulgêncio da igreja do convento de N.a Sr.a da Graça, em Lisboa, pertencente à sua família.     Armas dos Almada 1690-1740. Arquivo Rui Carita.     Rui Carita (atualizado a 13.11.2016)

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almada, joão francisco de

Nascido em Santana, na ilha da Madeira, a 9 de julho de 1874, era filho de João Francisco de Almada e de Maria Emília Cardoso de Almada. Casou-se a 23 de outubro de 1907 com Ilda Beatriz Pinto Prado de quem teve três filhos: Maria Prado de Almada, Manuel Prado de Almada e António Manuel Prado de Almada. Estudou no Liceu do Funchal e, depois, entrou na Faculdade de Medicina de Coimbra, concluindo a licenciatura a 26 de julho de 1899. De regresso à Madeira, fixou morada em Santana ao ser nomeado subdelegado de saúde do concelho, por alvará de 17 de junho de 1905. Depois, a 21 de outubro de 1905, assumiu as funções de médico municipal da Câmara Municipal do Funchal, passando a residir na cidade, onde desenvolveu um importante trabalho como médico. Da sua ação como médico ao serviço da população madeirense, destaca-se o facto de ter sido o impulsionador da luta contra a tuberculose na Madeira. Assim, a ele se deve a criação do primeiro dispensário de luta antituberculosa, no Campo da Barca, posteriormente designado por Centro Dr. Agostinho Cardoso. Agostinho Cardoso (1908-1979), genro deste médico e também profissional da mesma área, seguiu a mesma linha de luta contra a tuberculose, daí ter o seu nome vinculado ao centro do Campo da Barca. Devemos, ainda, ter em conta a ação de João Francisco de Almada no sentido da instalação do sanatório da Qt. de Santana, no Monte, que foi inaugurado a 8 de dezembro de 1940 e que viria a receber o seu nome a 2 de julho de 1942, por deliberação da comissão executiva da ANT – Assistência Nacional aos Tuberculosos. A par disso, foi diretor clínico do Hospital Princesa D. Amélia e dos manicómios de Câmara Pestana e Casa de Saúde do Trapiche. Acresce, ainda, a sua ação no sentido da mudança do Hospital da Misericórdia do centro do Funchal (das instalações onde depois funcionaria o Governo regional) para o local dos Marmeleiros, no Monte. A sua obra em prol da Madeira e da saúde da sociedade madeirense foi reconhecida em vida, tendo sido agraciado, a 7 de dezembro de 1933, pela comissão administrativa da Câmara Municipal, com o título de cidadão benemérito da cidade do Funchal. Depois, em 1937, recebeu do Governo francês o grau de oficial da Academia, pelo trabalho como presidente da comissão de receção ao cruzeiro médico francês que teve na Madeira, em 1932 e em 1936. João Francisco de Almada faleceu no Funchal a 14 de junho de 1942. A lembrança da sua memória e da sua obra está registada publicamente na designação atribuída ao Hospital Dr. João de Almada e no busto em bronze, obra do escultor Anjos Teixeira, de 1974, que foi inaugurado a 22 de março de 1988 no pátio do referido Hospital (Qt. de Santana, Funchal). É ainda de referir a existência, na Quinta Grande (freguesia do concelho de Câmara de Lobos), desde 9 de julho de 1998, do caminho Dr. João Francisco de Almada, o que se relaciona com o facto de a Qt. do Pomar, na Quinta Grande, ter sido propriedade familiar por via da sua esposa.   Alberto Vieira (atualizado a 13.11.2016)

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