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pelourinhos

O pelourinho, inicialmente designado por picota, é uma coluna de pedra colocada num lugar público de uma cidade ou vila como símbolo do município e da sua jurisdição. Tudo parece indicar que deriva de costumes muito antigos, designadamente, da ereção nas cidades do ius italicum das estátuas de Mársias ou de Sileno, símbolos das liberdades municipais na Roma da Antiguidade. Remete também para a columna ou columna moenia romana, um poste ereto em praça pública no qual os sentenciados eram expostos No nordeste de Portugal, alguns pelourinhos aparecem associados aos berrões, estátuas de pedra da tribo pré-céltica dos vetões, mas essa associação pode ter sido induzida por acontecimentos posteriores e, muito provavelmente, pelas campanhas românticas de recuperação patrimonial, nos meados do séc. XIX. Nas épocas mais recuadas, eram pendurados nos pelourinhos alguns avisos municipais e, pontualmente, eram punidos e expostos os criminosos locais, embora na Madeira tal fosse feito, em princípio, no tronco. Este último termo significava “cepo com olhais, onde se prende o pé ou o pescoço” de um criminoso (SILVA, 1958, XI, 303), mas passou, logo nos finais do séc. XV e inícios do XVI, a indicar também prisão e cárcere, pelo que não é muito fácil entender a diferenciação entre tronco e prisão, parecendo utilizar-se a primeira palavra para os casos de reclusão de um alegado criminoso municipal e a segunda já para o cumprimento efetivo da pena. Os pelourinhos foram, pelo menos desde os finais do séc. XV, considerados o padrão ou o símbolo da liberdade municipal. Embora alguns historiadores, na sequência de Alexandre Herculano, entendam que o termo só começou a aparecer no séc. XVII, em substituição de “picota”, dado como sendo de origem popular, nos meados do séc. XVI, já existia na Madeira. Com efeito, “pelourinho” consta na planta do Funchal de Mateus Fernandes (III) (c.1520-1597) (BNB, Cart., 1090203), no largo que com essa denominação chegou até ao séc. XXI, sendo também referido assim, por volta de 1586-1590, em Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso (1522-1591). A ida de um pelourinho para o Funchal deve-se ao jovem duque, futuro Rei D. Manuel (1469-1521), que enviou o seu ouvidor Brás Afonso Correia e o seu contador Luís de Atouguia, com provimento e regimento de 4 de julho de 1485, para demarcarem o chamado chão do Duque, o que foi feito a 5 de novembro do mesmo ano. O documento em causa referia que o duque, “por nobreza e honra” e “para boa ordem” da Ilha, cedia o chão para o concelho fazer uma praça “e nela uma boa câmara para o concelho, sobradada e que fosse tão grande e tal, que na lógia debaixo se pudessem fazer as audiências”. Além disso, queria que na dita praça “se fizesse uma casa para paço dos tabeliães, e por conseguinte se fizesse nela” também “uma muito boa picota” (ARM, Câmara..., fls. 25-25v.) (Urbanismo). O pelourinho do Funchal foi enviado pelo duque D. Manuel, por certo nesse ano de 1485, e foi colocado no largo em frente à igreja de S.ta Maria do Calhau, embora do outro lado da ribeira, que passou a ser designado “do Pelourinho”. Ao saber disso, em 1486, D. Manuel determinou que o pelourinho fosse levado para o largo previsto, junto da futura Câmara, no chamado chão do Duque, conforme a sua determinação anterior. Insistiu então: “E a picota onde a pusestes não me parece que esteja bem, porque não deve estar senão na praça onde está em todos” os outros municípios, assim, “ainda que nisso se faça algum gasto, encomendo-vos que para lá a mandes mudar” (Id., Ibid., 25v.-26). O pelourinho inicial era em madeira, pois na vereação de 23 de dezembro de 1488 o juiz Álvaro de Ornelas, os restantes vereadores e homens-bons, entre os quais Garcia da Vila, que tinha o pelouro das obras, determinaram “que se fizesse de pedraria o pé da picota na praça do campo do Duque, onde ora está a picota de pau”, mandando arrecadar para isso os 2$000 réis “que eram julgados pelo ouvidor para a dita picota” (COSTA, 1995, 228). Um mês e pouco depois, a 7 de fevereiro 1489, na vereação camarária do mesmo dia, pagou-se ao pedreiro Antão de França “o acarretar as pedras da picota ao chão do Duque, e de desfazer e tornar a fazer no dito chão onde ora está feito, e pôr a pedra miúda, e pôr cal, e de suas mãos armar o pé da dita picota, como está na praça junto com a Alfândega” velha (Id., Ibid., 238). Tudo parece indicar que chegou a haver dois pelourinhos, um em madeira e que seria o inicialmente enviado por D. Manuel, na praça junto da Alfândega, ou seja, na futura praça do pelourinho, e outro que tinha, pelo menos, uma base de pedra (em calcário-brecha da Arrábida) e que terá sido expedido do continente e das oficinas régias, sendo montado em fevereiro de 1489, no campo do Duque. Nos anos seguintes, com a construção da nova igreja, cujas obras começaram nos finais da déc. de 90 do séc. XV (Sé do Funchal), o pelourinho de pedra terá voltado ao seu antigo lugar, tal como está representado na planta do Funchal de 1567-1570. A 11 de fevereiro de 1492, o procurador recebeu de “André serralheiro” dois colares e duas algemas estanhadas para a picota (Id., Ibid., 336). Parece assim que se preparava a picota para servir de local de justiça. Mas, logo na vereação de 19 de setembro 1495, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), futuro terceiro capitão do Funchal, foi convocado para que, como “alcaide-mor” (Alcaide e Alcaide-mor), “desse e fizesse tronco, em que se metessem todos os que fossem presos de noite e outros que se levariam perante os juízes, por dívidas e outras coisas leves e civis” (Id., Ibid., 389). O futuro capitão respondeu que tal já estava assegurado, utilizando-se para o efeito a casa do alcaide pequeno; não há mais referências a esse respeito, nem à utilização do pelourinho, habitual em casos de justiça municipais. Com a União Ibérica, deu-se um caso algo inédito em relação ao pelourinho no Funchal. Nos inícios de 1583, ocorreram vários incidentes implicando soldados do presídio castelhano (Presídio) e funchalenses, tendo intercedido o juiz da cidade, Manuel Vieira e sendo libertados os soldados envolvidos. No entanto, a 6 de março, envolveram-se soldados e populares, num confronto físico que passou a fazer-se à espada, resultando um português morto, Tomé Andrea, natural de Aveiro e tripulante da frota do Brasil retida na Ilha, e três soldados veteranos do presídio feridos, um deles com gravidade. Nas prisões efetuadas, encontravam-se os três veteranos envolvidos e um dos principais autores do desacato, o soldado Francisco de Espinosa. Os juízes do Funchal acabaram por determinar a pena de morte para este soldado, entregando Gaspar Afonso de Magalhães a sentença ao governador, o conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598). O conde não aceitou de ânimo leve o veredicto, mas ao cabo de várias pressões acabou por mandar sentenciar Francisco de Espinosa no pelourinho, algo perfeitamente inédito no Funchal, referindo-se que tal se fazia pela sua ascendência de fidalgo, pois qualquer pena de morte era executada fora da cidade, em princípio, no Lg. da Forca. Acresce que a pena de morte era da exclusiva responsabilidade régia e não encontrámos documentação da sentença ter ido à aprovação do monarca. No século seguinte, existe outra referência a uma sentença executada no pelourinho, mas simbólica e em efígie. Um jovem de famílias sem especiais pergaminhos, o estudante Francisco Rodrigues Jardim, em maio de 1629, apaixonara-se por uma jovem das principais famílias madeirenses, sua vizinha na R. dos Netos: D. Maria de Moura, filha do morgado Aires de Ornelas de Vasconcelos, já falecido, e de D. Catarina de Moura, entretanto casada em segundas núpcias com um primo do ex-marido, Miguel Rodrigues Neto de Atouguia. A família do estudante apoiara o mesmo, participando no rapto da jovem, mas ambos acabaram por ter de fugir para o Brasil. O processo foi levantado pelo corregedor Estevão Leitão de Meireles (Alçadas) e o jovem estudante foi condenado à morte na forca, logo, fora da cidade, em 1631. Dado não se encontrar na Madeira, a família da jovem promoveu o seu enforcamento em estátua no pelourinho da cidade. Pelos últimos anos do séc. XV, o duque D. Manuel enviou, com certeza, exemplares de pelourinho idênticos, e talvez também em madeira, para as vilas e sedes das capitanias de Machico e do Porto Santo, tal como enviou depois, em 1501, para a Ponta do Sol, então elevada a vila, e, em 1502, para a Calheta, e, em 1515, para Santa Cruz. Este último pelourinho era bastante semelhante ao do Funchal e, muito provavelmente, era também em calcário-brecha da serra da Arrábida, pedra utilizada na capela-mor da igreja matriz do Salvador de Santa Cruz. Conhecemos o pelourinho do Funchal através de um desenho de um viajante inglês, datado de 1832 e de dois fragmentos que foram depositados no parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes (MQC). O pelourinho de Santa Cruz foi litografado a partir de um desenho do reverendo James Bulwer (1794-1879), editado em Londres, em 1827, encontrando-se então no local hoje ocupado pelo cruzeiro com as armas dos Freitas (Cruzeiros), que, nessa litografia, ficava mais a poente. A imagem mostra o pelourinho de Santa Cruz com dois fustes de coluna torsos, à semelhança do pelourinho do Funchal, e unidos por um anel relevado, porém, já sem a base, elemento que subsiste nos fragmentos originais do do Funchal. Os pelourinhos de Machico e de Santa Cruz ainda vêm apontados nas plantas do major Inácio Joaquim de Castro, levantadas em 1799, mas do de Machico nada se sabe, devendo ter sido destruído pela aluvião de 9 de outubro de 1803 (Aluvião de 9 de outubro de 1803; Aluviões). Algo idêntico acontecera ao pelourinho da vila da Ponta do Sol, segundo relata Francisco Libânio de Cárceres em texto sobre aquela vila publicado na Revista Madeirense, indicando que, no dia 2 de novembro de 1799, um repentino golpe de mar arrasou a vigia e derrubou o antigo pelourinho que ficava à ilharga da praça. Sobre o pelourinho da Calheta, o Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), na planta da Madeira de agosto de 1819, refere que era necessário reativar a bateria do Paul e colocar uma peça militar junto ao pelourinho da Calheta, que ficava a uma dezena de metros abaixo da igreja matriz (Fortes da Calheta), num largo que dava acesso ao caminho que levava ao convento franciscano (Convento de S. Sebastião da Calheta). Como a vila fora parcialmente destruída por uma “grande levadia do mar”, que arrasara o forte e 30 casas, levando ao abandono quase geral da mesma povoação (CARITA, 1982, 64), o pelourinho terá sido destruído por esse fenómeno, em 1799 ou então pela aluvião de 1803. Nada se sabe sobre o pelourinho da vila do Porto Santo, salvo que existe esse topónimo para o largo em frente ao edifício da antiga Câmara Municipal. Mas, como observámos antes, tendo D. Manuel enviado um pelourinho para o Funchal, com certeza que os enviou também para as restantes vilas sedes de capitania. O abandono e os inúmeros saques corsários a que esta Ilha foi entretanto sujeita devem ter feito desaparecer o pelourinho muito mais cedo que nos restantes municípios madeirenses. O pelourinho do Funchal foi mandado demolir pela vereação camarária, em novembro de 1835, dentro da ideologia, então vigente, de que os pelourinhos eram manifestações do Antigo Regime. Em 1989, toda a área foi sujeita a uma completa remodelação e voltou-se a instalar ali um pelourinho, réplica do antigo, mas em calcário de Molianos, tendo-se ainda restaurado o passo de procissão daquela praça. Como restavam dois pequenos fragmentos do pelourinho original no parque do MQC, como adiantámos, em calcário-brecha da Arrábida, um material que se tornara dificilmente disponível, com base neles e no desenho efetuado poucos meses antes da sua demolição, procedeu-se à execução da réplica, inaugurada no dia 21 de agosto desse ano de 1989. A aluvião de 20 de fevereiro de 2010 voltou a afetar gravemente toda a baixa da cidade, mas o pelourinho foi posteriormente restabelecido no local.   Rui Carita (atualizado a 19.11.2015)

Património História Política e Institucional

santana

Neste texto, são tratados de forma sintética aspectos relacionados com a administração municipal, funcionários, atividades socioeconómicas, evolução da população, património e principais personalidades que se destacaram no concelho de Santana. Palavras-chave: Santana; São Jorge; Arco de São Jorge; Faial; São Roque do Faial; Ilha.   Em 1578, Santana era identificada na documentação como ficando “detrás da Ilha” (RIBEIRO, 2001, 75), mas já em 1821 é referenciada em Paulo Dias de Almeida como as “freguesias do Norte, Porto da Cruz, Faial e Santana” (CARITA, 1982, 171). Antes, em 1722, Henrique Henriques de Noronha já afirmara que “a Paróquia de S. Jorge, que foi a mais antiga de todas as da parte do Norte; por cujo respeito iam em tempos mais antigos os vigários circunvizinhos com suas cruzes assistir nela à procissão do Corpo de Deus; cuja observância guardam ainda hoje as duas que lhe ficam mais próximas, que são a de S. Ana, e do Arco” (NORONHA, 1996, 206). Para muitos, este concelho afirma-se pela forte presença das imagens da casa de madeira e restolho, como pelas suas paisagens bucólicas. Todos, ou quase todos, os visitantes da Ilha, cientistas, escritores e políticos de diversa origem visitavam este lugar e levavam imagens e registos escritos que nunca se apagaram. Aliás, Santana fica no caminho que ligava o sul da Ilha com o norte, sendo um espaço de acolhimento para os que por aí circulavam. Ferreira de Castro escreveu parte significativa do seu romance Eternidade (1933) aqui. Dos escritos destes visitantes, tivemos várias expressões elogiosas do local. Assim, em 1927, o marquês de Jácome Correia considerava-o “o jardim agrícola da Madeira” (CORREIA, 1927, 160) A memória histórica do concelho de Santana está limitada pela ausência de documentos que desapareceram num incêndio no edifício da Câmara, em 1948. Por este motivo, os Paços do Concelho tiveram novo edifício, inaugurado a 28 de abril de 1958. Ao contrário do que aconteceu noutros concelhos, os tumultos populares de 1868 e 1887 não provocaram o saque e queima da documentação. O município de Santana integra as freguesias de Arco de São Jorge, Faial, Ilha, Santana, São Jorge e São Roque do Faial. A 19 de outubro de 1852, a freguesia do Porto da Cruz foi desanexada deste concelho, passando a pertencer ao de Machico. A 26 de novembro de 1879, foi publicado um decreto, anexando a freguesia do Arco de São Jorge à de São Jorge e a de São Roque do Faial à do Faial. O nome de Arco de São Jorge tem origem na forma em arco das montanhas que a circundam. A primeira capela, da invocação de N.ª Sr.ª da Piedade, surgiu no Sítio dos Casais, mas, devido ao seu estado de ruína, foi ordenada a construção de outra, em 1740, que abriu ao culto em 1744. A primeira capelania do Faial surgiu em 1519, na ermida dedicada a N.ª Sr.ª da Natividade, surgindo a freguesia por alvará régio de 20 de fevereiro de 1550. O topónimo deverá ter origem na abundância de faias (Myrica faya) que aí encontraram os primeiros colonos. A localidade de São Jorge tem origem no padroeiro de uma ermida, que deu origem à primeira igreja, no Chão da Ribeira, cerca de 1551, destruída pela aluvião de 1883. A freguesia da Ilha foi criada em 1989, ano em que se desanexou de São Jorge. A designação resulta da sua localização entre duas ribeiras, que a faz assemelhar-se a uma ilha. A tradição aponta a presença de açorianos nos princípios do povoado. Em 1559, existiriam dois morgadios, conhecidos como Ilha e Carvalhal, ligados a Lopo Fernandes Pinto, considerado o primeiro povoador. A primitiva ermida do orago de S.ta Ana foi elevada a sede de freguesia em 8 de agosto de 1564. Entre 1509 e 1521, temos referência a um capelão de São Jorge e Santana. A partir de 1519, foi capelania, elevada a freguesia por alvará régio de 2 de junho de 1564. Em 1835, foi vila e sede do concelho. Segundo Paulo Dias de Almeida, em 1817 era “a melhor freguesia que tem a ilha” (CARITA, 1982, 72). A 1 de janeiro de 2001, foi elevada à categoria de cidade. São Jorge foi uma das primeiras áreas do atual concelho a serem povoadas, sendo já referenciada em 1425 e, como paróquia, em 1519, não obstante haver, em 1509, um documento que fala do ordenado do vigário de São Jorge, o qual, em 1535 e 1550, acumulava funções também em Santana. O núcleo primitivo situava-se na zona do Calhau, junto ao mar. A escolha do santo guerreiro para dar nome à localidade estará, segundo alguns, relacionada com a bravura da ribeira, mas outros apontam a capela consagrada a São Jorge como a razão mais provável. Em 1817, Paulo Dias de Almeida é perentório ao caracterizar São Jorge como “a paróquia é a melhor de toda a ilha” (Id., Ibid., 71). Administração Em 1744, com a criação da nova vila e sede do concelho em São Vicente, os lugares do Porto Moniz, Seixal, Ponta Delgada, Arco e São Jorge estiveram sob a sua alçada. Em 1822, foi apresentado nas cortes um projeto de divisão municipal da Madeira que propunha São Jorge para sede do concelho, mas que não teve aprovação. A reorganização da estrutura municipal de 1835 conduziu ao aparecimento dos municípios, como o de Santana e o de Porto Moniz, pelo que São Vicente ficou reduzido à atual área. Foi depois extinto, pelo dec. de 10 de dezembro de 1867, passando as freguesias do Faial e de São Roque do Faial para o concelho de Machico e as do Arco de São Jorge e de São Jorge para o de São Vicente, contudo, o decreto não teve execução, uma vez que os concelhos foram pouco tempo depois restabelecidos. O concelho de Santana começou por ser constituído pelas freguesias do Arco de São Jorge, São Jorge, Santana, Faial, São Roque do Faial e Porto da Cruz. Por dec. de 15 de outubro de 1852, a freguesia do Porto da Cruz foi desmembrada e acabou, de novo, integrada no concelho de Machico. Com os decs. de 10 de dezembro de 1867 e 18 novembro de 1895, o concelho regressou à área inicial. A 5 de julho de 1955, o dec. n.º 40.221 fixou os atuais limites do concelho de Santana. Desde 1 de janeiro de 2001, Santana foi elevada à categoria de cidade, sendo, por isso, considerada a primeira cidade do séc. XXI e da costa norte. População Como o povoamento da Ilha foi predominantemente litoral, pelas dificuldades colocadas pela orografia na penetração da mesma, o progresso habitacional dos núcleos interiores foi lento. Em 1817, Paulo Dias de Almeida referia que “Os caminhos de comunicação para a freguesia de St.ª Ana são péssimos, embora o que vai ao porto não é mau, ainda que passe por um formidável despenhadeiro” (Id., Ibid., 72), e que o pequeno porto que existia em São Jorge, e servia também na freguesia de Santana, oferecia condições precárias: “O porto tem muita rocha e os barcos que ali vão receber os vinhos não chegam a terra e não encalham, recebendo as pipas ao vaivém, e muitas se perdem porque batem contra a rocha” (Id., Ibid., 72). Por isso, planearam-se estradas pelo maciço central da Ilha para aproximar o norte do Funchal, no entanto, apenas em pleno século XXI essa solução atingiu a sua plenitude. O primeiro passo nesse sentido teve lugar nas décs. de 30 e 50 do séc. XX. Neste contexto, foi um marco relevante a construção da ponte do Faial, que, desde 30 de outubro de 1940, foi um avanço na aproximação daquela área ao Funchal. Na déc. de 90 do séc. XVI, Gaspar Frutuoso afirma que Santa Ana tinha apenas 30 fogos, enquanto São Jorge, com bom porto e junto ao mar, já apresentava 150. N.ª Sr.ª do Faial, presa entre duas ribeiras, apresentava 100 fogos e era considerada um lugar de romagem. Esta era também, na visão de Frutuoso, a localidade que apresentava maiores proventos aos seus habitantes. Já no recenseamento de 1598, temos Santana, com 55 fogos e 184 almas, São Jorge, conhecida como Ribeira de São Jorge, com 87 fogos para 280 almas, e o Faial, designado Ribeira do Faial, com 42 fogos e 188 almas. Em Corografia Insulana (1713-1714), António Carvalho da Costa refere a freguesia do Faial, com 100 vizinhos, Santana, com apenas 70, e São Jorge, com 200 “quase espalhados” (COSTA, 1930, 76), não havendo qualquer referência à Ilha e ao Arco. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha dá conta, no Faial, de 666 almas, depois Santana, com 298 fogos e 1294 pessoas. São Jorge, considerada a freguesia mais antiga do norte, regista 230 fogos e 715 pessoas, e, por fim, o Arco, com 86 fogos e 243 almas. Em 1821, Paulo Dias de Almeida refere o ponto da situação da população: o Faial com 619 fogos e 3097 habitantes, Santana com 600 fogos e 2629 habitantes, São Jorge com 520 fogos e 2230 habitantes e o Arco de São Jorge com 800 fogos e 3214 habitantes. Para o período de 1835 a 1847, temos apenas a indicação do número de habitantes: 14.799, em 1835, 15.011, em 1839, 15.009, em 1843, e 12.132, em 1847. Em 1850, temos, de novo, os dados por freguesia: o Faial com 670 fogos e 2650 habitantes, Santana com 563 fogos e 2672 habitantes, São Jorge com 580 fogos e 2700 habitantes, e o Arco de São Jorge com 143 fogos e 572 habitantes. As dificuldades sentidas na déc. de 40, com a fome, refletiram-se na população, principalmente por força da emigração. Assim, entre 1886 e 1899, há registo de 2621 emigrantes oficiais registados neste concelho, representando, juntamente com a Ponta de Sol, o concelho com maior emigração. Desta forma, em 1864, temos um total de 8315 habitantes. As condições entretanto melhoraram na economia e, em 1878, já se fala em 9475 habitantes, 9013 em 1900, e 9337 em 1900. Em 1930, a população era de 10.910 almas. Com os censos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1990, 2001 e 2011, temos, respetivamente, 14.097, 15.663, 14.038, 15.543, 13.971, 12.850, 11.253 e 7719 habitantes. Economia Gaspar Frutuoso, na déc. de 90 do séc. XVI, referindo-se ao local de Santana, afirma que “São terras de lavrança de muito pão e criações; tem muita castanha e noz, e muitas águas e frutas de toda sorte” (FRUTUOSO, 1966, 131). Em São Jorge, subjaz a vantagem do mar na sua importância económica: “[…] a par do mar, com muito bom porto; tem muitas vinhas de bom vinho de carregação, e muitas terras de lavrança de pão e criações, e muita fruta de toda sorte, com muitas águas” (Ibid., 131). A situação de N.ª Sr.a do Faial, não obstante o acidentado criado pelas duas ribeiras, “tem muita fruta de espinho, de cidras e limões, peras e peros e maçãs, e castanha e noz. Sendo a igreja de boa grandeza, […] a oito de setembro se ajuntam de romagem de toda a ilha passante de oito mil almas, onde se vê uma rica feira de mantimentos de muita carne de porco e vaca, e chibarro, a qual é uma extremada carne de gostosa naquela ilha, ainda que em outras muitas terras e ilhas seja a pior de todas. Ali se ajuntam muitos cabritos e frutas, e outras coisas de comer, para comprarem os romeiros, que muitas vezes se deixam estar dois, três e mais dias em Nossa Senhora, descansando do trabalho do caminho, […] e juntos fazem muitas festas de comédias, danças e músicas de muitos instrumentos de violas, guitarras, frautas, rabis e gaitas de fole pelas fraldras das ribeiras, que têm grandes campos, no dia de Nossa Senhora e em seu oitavário, se alojam os romeiros em diversos magotes, fazendo grandes fogueiras entre aquelas serranias” (Id., Ibid., 130). Sem dúvida, porém, que a principal riqueza está nos canaviais, nos dois engenhos de açúcar, um de Luís Doria e o outro de António Fernandes das Covas, e numa serra de água, “[…] que foi um grande e proveitoso engenho, em que dois ou três homens chegam por engenho de pau de vinte palmos de comprido e dois e três de largo à serra, e, por arte, um só homem, que é o serrador, com um só pé […] leva o pau avante e a serra sempre vai cortando e, como chega ao cabo com o fio, com o mesmo pé dá para trás, fazendo tornar o pau todo, e torna a serra a tomar outro fio; de maneira que quem vir esta obra julgará por mui grande e necessária invenção a serra de água naquela ilha, onde não era possível serrarem-se tão grandes paus, como nela há, com serra de braços, nem tanta suma de tabuado, como se faz para caixas de açúcar […]” (Id., Ibid., 130). António Carvalho da Costa, em Corografia Insulana (1713-1714), refere em Santana a sua riqueza agrícola: “[…] pela terra dentro está situada em vistoso plano, que regado com muitas águas faz aquele terreno abundante de saborosas frutas, em dilatados pomares” (NASCIMENTO, 1949, 76). Depois temos São Jorge, que “[…] produz alguns vinhos suficientes para embarque, muitas frutas, além de pão, que em mais quantidade se lavra em toda esta parte do Norte” (Id., Ibid., 76). Em 1722, Henrique Henriques de Noronha dá-nos a imagem de Santana, como sendo terra “regada de muitas águas; com que produz excelentes frutos” (NORONHA, 1996, 206). Na primeira metade do séc. XIX, o concelho adquiria importância na cultura da vinha, sendo dominado pelas freguesias de Santana e São Jorge. O porto de São Jorge era a principal via de escoamento deste vinho. A zona do porto era servida de armazéns e de um forte. Em 1821, a produção de vinho no concelho era de 4623 pipas por ano, sendo 1128 em São Jorge, 295 no Arco, 1800 em Santana e 1400 no Faial. Em 1848, a água das chuvas inundou o concelho de Santana, tendo sido arrastadas pelas águas as benfeitorias produtivas mais importantes. A isto junta-se, no início da déc. de 50, o oídio, que provocou perdas no concelho no valor de 103.670$000. A cultura da vinha é importante para o concelho, como o atestam os números de produção em hectolitros: 11.214 em 1787, 28.760 em 1813, 25.576 em 1837, 23.341 em 1851, 931 em 1852, e, mais próximo de nós, tivemos, em 1986, a produção de 19.092 hl, o que atesta o dinamismo da cultura. Em 1863, eram 11 os lagares em funcionamento. Os cereais também têm importância na atividade agrícola do concelho, não apenas os cereais trazidos pelos europeus, mas também outros exóticos, como o milho, trazido para a Madeira, em 1847, por iniciativa de Laureano Câmara Falcão e plantado no sítio da Ilha, em São Jorge. Na Madeira, a cana sacarina, usufruindo do apoio e proteção do senhorio e da Coroa, conquista o espaço ocupado pelas searas, atingindo todo o solo arável da Ilha em duas áreas: a vertente meridional (de Machico à Calheta), com um clima quente e abrigada dos alísios, onde os canaviais atingem 400 m de altitude, e a área da vertente norte, dominada pelas plantações da capitania de Machico (Porto da Cruz e Faial até Santana). No concelho de Santana, apenas se registam engenhos em São Jorge, Arco e Faial. Na freguesia de São Jorge, temos notícia dos seguintes engenhos para o fabrico de aguardente: 1858, de Manuel Fernandes de Nóbrega; 1859, de Manuel José Catanho; 1896, de João Francisco Jardim; 1896, de Luzia Augusta; e 1899, de Francisco da Cunha. No Arco de São Jorge, referem-se os seguintes: 1859, de Maurício Castelo Branco & C.ª; 1896, de António Joaquim França; do mesmo ano, de Francisco José Brito Figueiroa; e 1905, de José Oliveira Jardim Júnior. Em São Roque do Faial, tivemos um engenho no Sítio das Covas desde 1859, que, em 1899, era pertença do Dr. João Catanho de Menezes (1854-1942) e de Leocádia Maria Menezes, tendo-se mantido no ativo até 1939. Surgiu outro nos Terreiros, em 1899, propriedade de Albino Rodrigues Sousa. Em meados do séc. XIX, com o retorno da cana-de-açúcar, surgem os primeiros engenhos, em São Jorge e no Faial e, depois, em Santana. As áreas de cultivo dos canaviais continuam a manter a tradição histórica. Para o ano de 1865, temos indicação dos valores de produção, por conselho. O facto mais significativo é o concelho de Santana, cuja produção incide no Faial e alastra, depois, a São Jorge e Arco de São Jorge. A cultura foi conquistando importância e captando o interesse dos agricultores em toda a Ilha, mesmo em terras impróprias. Deste modo, os problemas do mercado da primeira metade do séc. XX levaram o Governo a delimitar áreas de produção, ficando de fora os concelhos de Santana e São Vicente, que, em 1953, reclamavam o direito à mesma. A partir de 1956, a Estação Agrária da Madeira criou viveiros em toda a Ilha, de forma a alargar a cultura da cana a todo o espaço arável. Isto surgiu por imposição das câmaras de São Vicente e Santana, que haviam solicitado, em 1953, ao ministro do Interior o restabelecimento da cultura na vertente norte. Todavia, o dec. de 1955, que alargou a área de cana, não o contemplou. Contudo, a Junta Geral estabeleceu campos experimentais em ambos os concelhos, no sentido de conhecer as possibilidades da cultura. A par disso, é de realçar, também, a insistência das gentes do norte, representadas através dos municípios de São Vicente e Santana, em pretenderem furar as limitações impostas pelas autoridades para a área de produção de cana, que não acautelavam a vertente, devido ao baixo teor de sacarose, levando a Junta Geral, em 1955, a contrariar as ordens do Ministério do Interior, implantando dois campos experimentais, em São Vicente e Santana. A situação é resultado do facto de a cana ser um complemento importante da pecuária e um dos poucos meios de assegurar a subsistência dos lavradores, tendo em conta a total desvalorização da vinha. Nas décs. de 60 e 70, a Junta Geral do Funchal procedeu a estudos de diversas variedades de cana, nos postos agrários do Caniçal e Lugar de Baixo, com o intuito de encontrar a que mais se adequava aos solos do arquipélago. As variedades CP.44-101, CP.36-105, POJ.-2725 apresentavam-se com maiores possibilidades de adaptação. Património No quadro do património histórico, a referência vai para a igreja de São Jorge, pelo recheio da sacristia, a beleza da imaginária e a sua talha barroca. A primitiva igreja paroquial foi destruída por uma aluvião de 1660 e foi construída a nova, que hoje conhecemos, concluída na segunda metade do séc. XVIII. Sobre esta igreja, diz-se: “Na Madeira, um dos primeiros sacrários que demonstra alguns motivos rococós e a decadência do barroco está patente na capela-mor da igreja matriz de São Jorge, ostentando os motivos decorativos análogos à restante talha da capela, embora numa escala menor e trabalhados com maior minúcia. Como nos retábulos, também nos sacrários o trabalho de marcenaria e carpintaria foi-se sobrepondo ao de entalhe, começando a aparecer espaços progressivamente mais lisos, primeiro pintados em coloridos marmoreados, mas depois com uma cor muito mais uniforme e até, progressivamente, branca” (LADEIRA, 2009, 171). A memória da arquitetura primitiva e popular da Madeira ainda se preserva, neste concelho, com a chamada casa de palha, que ficou popularizada como a casa de Santana. Dentro da mesma ligação de raiz tradicional, temos o Festival 48 Horas a bailar, que se realiza, desde 25 de agosto de 1985, em finais de julho e que tem sido um meio de reavivar e valorizar a música e as tradições populares da Ilha. O quadro completa-se com o Parque Temático da Madeira, inaugurado em 2004. Personalidades a recordar Aponta-se Baltazar Dias, poeta, romancista e dramaturgo madeirense do séc. XVI, como tendo nascido no concelho. Do séc. XIX, temos outra figura popular, que foi Manuel Gonçalves, o “feiticeiro do Norte”, que nasceu no Arco de São Jorge. Temos ainda outras personalidades de relevo, que especificamos por freguesia. Arco de São Jorge: P.e António Alexandrino França e Vasconcelos (1791-1884); Faial: o médico Dr. Francisco Simplício Lomelino de Vasconcelos (1821-1890), o P.e João de Freitas Alves (1930-1984), a poetisa Joana de Castelbranco (1856-1920), Alfredo de França (1883-?), o frade mendicante João José Bartolomeu dos Mártires Martins (190?-1976) e o médico Dr. João Albino Rodrigues de Sousa (1872?-1922); São Jorge: o advogado e poeta, João Brito Câmara (1909-1967); Santana: o P.e Carlos Acciaiuoli (1845-1924), o matemático Abel Almada do Nascimento (1905-1970), o médico Dr. João Francisco de Almada (1874-1942), o médico Dr. João Maria Jardim (1879-1962), o médico Dr. Lino Cassiano Jardim (1845-1895), o proprietário Carlos Teixeira de Mendonça (1909-1968), o advogado e escritor Albino de Meneses (1890-1949), a freira Maria do Cenáculo de Meneses (1833-1949), o médico Dr. Francisco Assis do Nascimento (1877-1956), o médico Dr. Albino Rodrigues de Sousa (1901-1966), o Prof. Álvaro Rodrigues de Sousa (1902-1975), Manuel Marques da Trindade, presidente da Câmara em 1958 e iniciador das obras dos Paços do Concelho (1917-1971), e o Cón. Fernando de Meneses Vaz (1884-1954); e em São Roque do Faial: o bispo D. Manuel Ferreira Cabral (1918-1981).   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

História Económica e Social História Política e Institucional

provérbios e outros ditos populares

Não existindo nenhum dicionário de provérbios madeirenses, mas apenas algumas recolhas avulsas, este texto procura contribuir para um melhor conhecimento do património linguístico e cultural da Madeira. Pretende-se ainda participar na discussão sobre a questão colocada por Cabral do Nascimento, em 1950, acerca da “existência de palavras e locuções madeirenses”, através da análise de exemplos concretos de usos proverbiais atestados no arquipélago da Madeira e de reflexões provenientes de vários estudiosos madeirenses. Palavras-chave: Cabral do Nascimento; gentílicos; regionalismos; topónimos; variações madeirenses do português. Não havendo dicionários específicos sobre os provérbios e outros ditos populares em uso no arquipélago da Madeira, foram analisados vários dos trabalhos publicados sobre vocábulos madeirenses (v.g., monografias dialetais), alguns dos quais remontam a 1916, e também estudos de especialistas em linguística que se têm debruçado sobre os vocábulos regionais. Outros dados foram reunidos na ilha do Porto Santo, junto de fontes orais, após a seleção de pessoas de faixa etária muito avançada. Durante o processo de recolha, e por não haver conhecimento de qualquer registo proverbial referente a esta ilha, começou por se contactar Manuel Avelino Melim, cantor repentista de 90 anos, conhecido como “o peru”. Quando questionado, não sabia o significado do termo “provérbio”, mas posteriormente veio a dar dele a definição de “falar por tabela”, adiantando que aquilo que se pretendia saber poderia ser resumido naquela expressão, cuja referência também se encontra na obra Dizeres da Ilha da Madeira, de Luís de Sousa, que define “falar por tabela” como “referir-se indiretamente” a algo (SOUSA, 1950, 74). Foram igualmente realizadas recolhas orais em várias localidades da ilha da Madeira, junto de pessoas com idades superiores a 60 anos. Estas recolhas permitiram atestar o uso dos provérbios e dos ditos populares selecionados, muitos dos quais se encontram registados em monografias dialetais sobre o arquipélago. Na freguesia do Porto da Cruz, v.g., um ancião afirmou, com o sentido de dar tempo ao tempo ao assunto que ali nos tinha levado: Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe irá dar sono. Assim, aplica-se às recolhas orais realizadas no arquipélago da Madeira o que disse Raphael Bluteau: “Recolhi Palavras anticadas, como relíquias de Portugal o velho e acrescentei vozes modernas, como enfeites de Portugal o novo” (BLUTEAU, 1712, I, 33). Após esta fase preliminar de pesquisa, em que nos questionámos sobre a existência de provérbios madeirenses, seguiu-se um processo muito importante do ponto de vista metodológico: confrontar os dados coligidos com os que se encontram publicados em dicionários da especialidade, a fim de aferir, através do método da comparação, a sua especificidade madeirense (no caso de não se encontrar atestado o uso dos provérbios e dos ditos populares em outras partes do país). António Carvalho da Silva considera esta questão muito importante e refere que: “A grande questão é que trabalhos anteriores ao de Luís de Sousa (Emanuel Ribeiro, Antonino Pestana, Jaime Vieira dos Santos ou Urbano Canuto Soares) já consideravam madeirenses alguns termos usados em todo o território nacional” (SILVA, 2008, 65). Neste trabalho, foram excluídos muitos dos provérbios recolhidos, pelo facto de também se encontrarem citados em dicionários de provérbios nacionais, como estando em uso noutras regiões de Portugal. Sobre este critério de seleção – o vínculo do uso proverbial às comunidades insulares do arquipélago da Madeira –, já Cabral do Nascimento questionava, a propósito do referido trabalho de Luís de Sousa, a existência de palavras e locuções madeirenses. Relativamente às 140 páginas por ele analisadas, referia que o autor não teria tido o tempo suficiente para saber se os vocábulos por ele recolhidos seriam também utilizados no território nacional. O próprio Luís de Sousa o admitia: “Quero fazer sentir a enorme dificuldade com que se depara quem, tendo nascido na Madeira e sempre na Madeira vivendo, só em rápidas e trabalhosas digressões pelo continente português e pelos Açores, teve ensejo de entrar em contacto com os naturais dessas paragens, faltando-lhe, portanto, o tempo para averiguar se determinada palavra ou locução é original desta ilha ou só aqui empregada, pois a consulta dos nossos dicionaristas e a leitura dos nossos escritores, mesmo daqueles que, como Aquilino, mais se comprazem com os dizeres do povo, não são, em muitos passos, o suficiente para a elucidação de um curioso, às voltas com um trabalho deste género” (SOUSA, 1950, 7-8). Este é um trabalho do qual se irá encarregar o próprio Cabral do Nascimento, ao comparar alguns dos vocábulos de Sousa com outros semelhantes, usados em certas regiões de Portugal continental, muitas vezes, como o próprio afirma, com desvios semânticos. A amostra de provérbios e de ditos populares atestados na Madeira, que a seguir se apresenta, tem em conta esta questão central: a sua originalidade insular. Para além deste condicionamento metodológico, que leva a reter apenas o uso atestado de um provérbio ou de um dito popular numa comunidade linguística situada num determinado território, é de salientar a opção pela descrição linguística, indo de encontro ao que referem Gabriela Funk e Matthias Funk: “Após mais de um século de estudo sobre o Provérbio, seria de esperar que este género da Literatura Oral se encontrasse devidamente caracterizado. No entanto, nas publicações da especialidade, não encontramos nem uma definição global nem uma caracterização consensual de Texto Proverbial” (FUNK e FUNK, 2008, 15). No seu dicionário, Bluteau regista algumas obras que tratam da definição de “provérbio”; descreve o adágio como “sentença comum popular e breve com alusão a alguma coisa”, acrescentando que o licenciado António Delicado reduziu a lugares-comuns os adágios portugueses, e que “os adágios são as mais aprovadas sentenças, que a experiência achou nas ações humanas, ditas em breves e eloquentes palavras” (BLUTEAU, 1712, I, 237). O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Editora Objetiva, 2001) define “provérbio” como sendo uma “frase curta, ger. [geralmente] de origem popular, freq. [frequentemente] com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral (p. ex.: Deus ajuda a quem madruga) […] na Bíblia, pequena frase que visa aconselhar, educar, edificar; exortação, pensamento, máxima”. Em Adagios, Proverbios, Rifãos e Anexins da Lingua Portugueza… encontramos a seguinte definição: “Ora todas as Nações têm ajuizado, que os Provérbios ou Adágios, são de grande utilidade para os Homens […]. Muitas cerimónias, e costumes antigos se encerram nos Provérbios. Eles são o depósito de toda a Antiguidade” (ROLLAND, 1780, 6). Este trabalho visou essencialmente selecionar os provérbios e os ditos populares usados na Região Autónoma da Madeira (RAM), registados ou não, que são verdadeiramente insulanos, ou seja, que mencionam características do arquipélago ou que a ele se referem, bem como às suas gentes e aos seus costumes. Na opinião de Manuel Nóbrega, “a cultura popular nunca pode competir com a erudita. Desaparecendo a atividade agrícola, desaparece a eira, o forno, a matança dos porcos, a lareira de aquecimento, a lenha, bem como o serão que se concentra em volta da televisão em vez de ser em volta da lareira. Por isso mesmo, a preservação da riqueza e cultura popular perde-se de modo irreversível. Perde-se a cultura popular dos provérbios, sobrepondo-se a cultura escrita à oral” (NÓBREGA, 2005-2006, 74). Esta observação leva-nos a pensar se – dado que não existe nenhum dicionário específico de provérbios e ditos populares insulanos, como inicialmente referido – será possível assegurar que determinado provérbio ou dito usado na ilha da Madeira ou de Porto Santo tem efetivamente aí a sua origem, apesar de existirem obras, exclusivamente dedicadas a adágios, ditos e provérbios nacionais, que não o afirmem. Trata-se de uma tarefa muito difícil e complexa. Relativamente a esta exigência metodológica, vale a pena referir de novo o clérigo Bluteau, que, em 1712, escreveu que estava há 30 anos a recolher vocábulos portugueses e lhe disseram que a língua portuguesa não merecia tanto trabalho, pois a maioria dos estrangeiros considerava-a como uma corruptela do castelhano, mas que ele próprio considerava isso um disparate: “Também houve, quem com rústica simplicidade me disse, que não merecia a língua Portuguesa tanto trabalho. A razão desse disparate é, que na opinião da maior parte dos estrangeiros, a língua Portuguesa não é língua de per si, como é o francês, o italiano e Cia mas língua enxacoca e corrupção do castelhano, como os dialetos, ou linguagens particulares das províncias, que são corrupções da língua” (BLUTEAU, 1712, I, 35). Na crítica publicada no Arquivo Histórico da Madeira, em 1950, Nascimento comunga da opinião de Sousa, ao referir a importância de “não nos fiarmos nos dicionários, porque atualmente alguns deles registam (como o de Cândido de Figueiredo) certos termos colhidos por estes monografistas, sem lhes aditar o pormenor da sua origem, o que determina ainda maior confusão” (NASCIMENTO, 1950, 207). V.g., são de salientar termos como “vilão”, vocábulo tipicamente madeirense, e “balalau”, tipicamente porto-santense, ambos em uso nas duas ilhas, mas porventura com diferentes conotações consoante os dicionários. Emanuel Ribeiro dizia: “Desde o primeiro dia em que desembarquei na Madeira resolvi tomar nota dos diversos e variadíssimos vocábulos que têm o uso aqui e para mim, forasteiro, formavam uma linguagem estranha e extravagante” (RIBEIRO, 1929, 10). A classificação da amostra selecionada a partir do corpus de provérbios e ditos populares recolhidos fez-se de acordo com o critério “marcador de regionalidade”, ou de “madeirensidade” (RODRIGUES, 2010, 210-226), o que permitiu formar dois conjuntos. De um primeiro conjunto, de forte grau de regionalidade, fazem parte os dois subconjuntos a seguir especificados: os provérbios e ditos populares que contêm um topónimo (Toponímia) ou um gentílico (Gentílicos), cujo nome de lugar e nome de origem sejam identificados como existentes no espaço do arquipélago, e aqueles provérbios e ditos que recorrem a regionalismos e que, a nível semântico, estão relacionados, direta ou indiretamente, com usos e costumes, com diversos aspetos culturais e sociais insulanos (alguns deles já se encontram registados desde 1950). Neste conjunto, é de salientar, v.g., o uso dos termos “vilão” e “palheiro”. Um segundo conjunto, com grau de regionalidade mais fraco, cuja classificação (autenticidade local) se prende com o facto de ter sido registado, nas obras consultadas, como sendo de carácter regional, ou de estar atestado como estando em uso na região, decorre de recolhas orais efetuadas em 2013. Este grupo contém provérbios ou ditos populares – por vezes carregados de ironia, ou com o intuito de admoestação ou de conselho – ligados a vários aspetos da condição humana e insular (meteorologia, festividades e costumes religiosos, etc.). Na mostra, os provérbios e ditos populares são apresentados com indicação da sua fonte e do seu sentido. Nem sempre a sua significação foi retirada da respetiva fonte, como é o caso das expressões que constam dos trabalhos de João da Cruz Nunes (Os Falares da Calheta…, de 1965), de Horácio Bento de Gouveia (A Canga, de 1976) e de Gabriel de Jesus Pita (A Freguesia dos Canhas, de 2003), uma vez que estes autores não fornecem os significados das expressões por si registadas. Provérbios Provérbios com topónimos e gentílicos regionais De São Vicente, nem bois nem gente (MOREIRA, 1996; RIBEIRO, 2007): antigo, em desuso; nem uma coisa nem outra. De São Vicente, nem bom vento nem bom casamento (MOREIRA, 1996): conselho; o vento de Norte significa mau tempo (São Vicente localiza-se no Norte da Madeira, sendo outrora dificilmente acessível); aplicado ao matrimónio contraído com naturais de São Vicente e à necessidade de prudência a esse respeito. Deserta descoberta, chuva certa (fonte oral, Madeira): referência a uma das ilhas que faz parte do conjunto de ilhas desabitadas que são área de reserva natural do arquipélago; quando a ilha Deserta está extremamente visível e o mar calmo, pode ser sinal de chuva. Onde está um machiqueiro, está um engenheiro (fonte oral, Madeira): capacidade de vencer obstáculos, atribuída aos habitantes de Machico. Porto Santo alerta, bonança certa (SANTOS, 1995): referência à segunda ilha do arquipélago; calmaria no mar, boa viagem marítima, sinal de bom tempo. Provérbios com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira Do Leste à chuva vai um salto de pulga (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; PITA, 2003): indica que o tempo é imprevisível; do vento Leste (que está associado ao tempo quente e seco) à chuva pode ser uma mudança brusca. É como o vilão, que dá o pé e toma a mão (NUNES, 1965): João da Cruz Nunes não regista a definição; no entanto, poderá exprimir o facto de alguém que tenta vincar a sua importância; exprime o facto de o vilão (o colono, o trabalhador) não respeitar o seu senhor (o dono da terra). Ao vilão dá-se o pé para ele dar a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando alguém se impõe na troca de cumprimentos, para evitar que o vilão abuse; neste uso, parece existir um sentido de superioridade, uma tentativa de demonstrar ao vilão quem é mais importante. Filho de balalau, balalau é! (fonte oral, Porto Santo): o vocábulo “balalau” é tradicional da ilha do Porto Santo; este adjetivo avalia ou qualifica alguém com menos capacidade, alguém com dificuldades, que não é rápido nem eficaz nas decisões que toma; v.g., “Ah, rapaz! Tás ficando balalau?”; “Bem disse que filho de balalau, balalau é!”. Variante: Filho de balalau é balalau em cheio! (fonte oral, Porto Santo). O Leste nunca morreu à sede (CALDEIRA, 1961): diz-se quando há estiagem e, a certa altura, sopra vento de Leste; v.g., “Isto é que é um Leste para queimar as plantas! Mas, como se costuma dizer, o Leste nunca morreu à sede”. As primeiras chuvas de verão são para enganar o vilão (fonte oral, Madeira): o vocábulo “vilão” tem uma conotação específica na RAM, sendo tanto o vilão que baila (sentido etnográfico), como aquele que usa de esperteza em determinadas alturas, que trabalha na agricultura ou ainda aquele que usa o tradicional barrete de orelhas, feito de lã de ovelha; no passado, o termo “vilão” servia para diferenciar socialmente o camponês do habitante da cidade; significa que as primeiras chuvas de verão não regam nada, servem apenas para enganar o agricultor. Quem quer ver vilão, ponha-lhe o mando na mão (NUNES, 1965): exibir-se; determinadas situações revelam a natureza das pessoas. Com o mesmo sentido, Bluteau regista: Se queres saber quem é o vilão, mete-lhe a vara na mão (BLUTEAU, 1720, VII, 541). Relativamente ao termo “vilão”, Bluteau tem ainda vários provérbios, e.g.: Se o vilão soubesse o sabor da galinha em janeiro, nenhuma deixaria no poleiro (BLUTEAU, 1721, VIII, 512). O vocábulo “vilão”, em Bluteau (BLUTEAU, 1721, VIII, 512), apresenta a seguinte definição: “Homem do campo, dedicado aos mais humildes ofícios da agricultura”. Quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete (CALDEIRA, 1961): diz-se das pessoas que, sem motivo, se tornam petulantes; v.g., “Ah! Ele fala assim agora… pois é… quem quiser ver o vilão confiado, dê-lhe a chave da retrete”. Provérbios sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Existem outros provérbios relacionados com várias realidades e atividades do quotidiano, muitas delas interligadas, como é o caso da meteorologia e da agricultura, ou ainda da alimentação e da agricultura. Da lista a seguir apresentada, apenas alguns provérbios se encontram registados. Agricultura Alqueire muito cheio é mexer no que é alheio (fonte oral, Porto Santo): alguém tirou mais do que devia. Ciúmes a sudoeste, se lavraste bem no cedo, bem fizeste (fonte oral, Porto Santo): indícios de que irá chover, o que será bom para a agricultura, se a terra tiver sido cultivada a tempo. Enquanto há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que enquanto se tem o artigo na mão é que se deve aproveitá-lo. O trabalho faz cansar, mas o descanso não faz alterar (fonte oral, Porto Santo): sobre a relação trabalho-descanso; o descanso não é suficiente para recuperar do cansaço. Quando ameaça mijar, o campo vai regar (fonte oral, Porto Santo): emprega-se quando a previsão é de chuva. Quando há água na fazenda é que se rega (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que quando há ocasião é que se faz, ou se diz. Vermelho ao nascente, é picar os bois e andar sempre (NUNES, 1965): com o nascer do sol, é andar depressa para a lavoura. Outros provérbios, de estrutura semelhante, fazem referência à vida no campo e à ocupação do dia, desde a aurora até ao entardecer, com diversas atividades: Vermelho ao nascente, é amassar e trazer gente (PITA, 2003): quando está a nascer o sol, é hora de começar a trabalhar. Vermelho ao poente, é amassar e trazer gente (NUNES, 1965): quando está a anoitecer, é hora de fazer o pão. Vermelho ao poente, é picar os bois e andar sempre (PITA, 2003): quando está a anoitecer, é hora de guardar os bois. Existe uma particularidade em cada um destes provérbios. Alimentação Nem sempre é pão com fel, nem sempre é pão com mel (CALDEIRA, 1961): nem sempre mau, nem sempre bom. Pão e vinho fazem o velho menino (PITA, 2003): expressão popular que manifesta dois fatores de satisfação na vida – o pão alimenta e o vinho dá alegria e rejuvenesce. Para a serra leva pão e gabão (PITA, 2003): espécie de alerta; recomendação de que para a serra se leve comida e agasalho. Uns comem os figos, outros arregalam os beiços (NUNES, 1965): uns comem, outros não; aplicada quando, na mesma circunstância, uns saem beneficiados e outros prejudicados; v.g., “Ah! Então é assim? Uns comem ui figues, outros arregalam ui beiços”. Aviso/ameaça Alto vareta, quem não quer dar não prometa (SANTOS, 1995): advertência a quem promete e não cumpre. Burro velho é melhor matar que ensinar (fonte oral, Camacha): diz-se de quem não consegue aprender nada. Variante: Burro velho não aprende línguas. Cachorro macho só é capado uma vez (CALDEIRA, 1961): refere-se à pessoa que nem se deixa levar por intrigas nem permite ser vigarizada; o mesmo que dizer: “Enganado, só uma vez”. Há muita maneira de matar pulgas (CALDEIRA, 1961): diz-se a alguém que duvida da forma como aconteceu ou se fez alguma coisa; v.g., “Ah! Não acreditas nisso? Olha que há muita maneira de matar pulgas”. Homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz (fonte oral, Madeira): incitação a desconfiar de quem muito se queixa; v.g., “Não acredites nele nem nas suas cantigas [falas/queixumes], porque homem que bate muito com a mão no peito, é fugir dele como o diabo da cruz”. Os piores venenos guardam-se nos frascos mais pequenos (SANTOS, 1995): as pessoas são capazes de atitudes inesperadas e drásticas; a maldade revela-se, muitas vezes, onde menos se espera. Pragas sem razão nem sequer ao maior cão (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem roga pragas. Variante: Praga sem razão não se pede nem ao maior cão. Quem dá e tira, quando morrer, nasce-lhe uma tira (NUNES, 1965; CALDEIRA, 1961): aviso a quem dá e depois se arrepende de o ter feito; servia como forma de assustar as crianças, para não pedirem a devolução daquilo que davam umas às outras; v.g., “Ah, menino! Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira”. Quem dá e tira, nasce-lhe uma tira (CALDEIRA, 1961): aplica-se a quem dá e depois se arrepende. Quem diz o que quer ouve o que não quer (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre os que censuram outros; diz-se quando alguém dirige insultos ou palavras insinuadoras e se mostra melindrado se a outra pessoa retribui da mesma maneira; o mesmo que dizer: “Se não querias ouvir, não dissesses”. Quem fala no barco é que quer embarcar (CALDEIRA, 1961; PITA, 2003): sobre a revelação implícita de um desejo; alguém fala num assunto que lhe interessa, mas de forma indireta; o mesmo que dizer: “Estás falando nisso, faz tu ou paga tu”. Quem não tem que fazer, descosa a saia e torne a coser (CALDEIRA, 1961): velho aforismo que se usa quando alguém maça ou perturba outra pessoa; diz-se da pessoa que nada faz e que incomoda, com insistência, os outros. Quem quiser empobrecer sem Deus querer, chame gente e não vá ver (PITA, 2003): aplica-se a quem perdeu os seus bens por não os saber administrar e que por isso poderá receber comentários negativos a seu respeito. Quem tem rabo não se assenta (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se pisa o rabo de um gato ou de um cão e eles emitem sons de dor; diz-se de quem foi castigado por ter prejudicado alguém; v.g., “Oh, diabo! Quem tem rabo não se assenta!”. Conselhos A rico não devas e a pobre não prometas (SANTOS, 1995): conselho para que se não fique a dever a pessoas abastadas, porque se ficará dependente delas, e para que se não prometam bens a um pobre, porque ele ficará dependente deles. Boca calada não entra moscas (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se aconselha alguém a estar calado; v.g., “O melhor que tens a fazer é ficar calado, porque boca calada não entra moscas”. Casa quanto caibas e bens que não saibas (PITA, 2003): conselho para se ser feliz – ter uma vida modesta e não pôr os bens materiais em primeiro lugar. Fala pouco e bem e ter-te-ão por alguém (PITA, 2003): estímulo à boa educação. No mesmo sentido: Fala pouco e bem e ter-te-ás por alguém (MILHANO, 2008; RIBEIRO, 2007). Mulher desconfiada vigia-se como gavião (fonte oral, Camacha): é necessário ter uma visão apurada; é necessário vigiar muito bem a reação de terceiros perante os próprios atos. Mulher santeira não queiras à tua beira (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância de se ter uma mulher honesta e sensata. Para quem tem boa ideia não há mulher feia (fonte oral, Madeira): expressão que exorta a ter apreço pelos valores e pelas qualidades humanas. Quem casa com mulher bonita tem o diabo à porta (fonte oral, Madeira): diz-se do facto de a beleza atrair pretendentes. Quem tem olhos, tem abrolhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer “quem tem olhos tem o direito de ver”; sobre o dever de observar as coisas tal como são. Se queres um bom conselho, toma com quem é mais velho (PITA, 2003): sobre a importância da experiência de vida. Sim ou não duas coisas são (CALDEIRA, 1961): incitamento à resolução imediata, afirmativa ou negativa, de algum assunto; v.g., “Então, vais ou não vais? Sim ou não, duas coisas são!”. Destino Boa romaria faz quem em casa fica em paz (PITA, 2003; MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): é melhor ficar em casa que envolver-se em confusões; v.g., “Ah, rapaz! O que é aquela romaria? Vão todos para a tasca?! Aquilo vai acabar mal. Boa romaria faz quem em casa fica em paz”. Cada um rega com a água que tem (NUNES, 1965): cada um sabe de si. Casa acrescentada, morte chegada (PITA, 2003): expressão que se usa quando os idosos investem na recuperação das suas habitações. Variante: Casa nova, velho para a cova. Esta vida é mais larga que comprida (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se comentam factos da vida de outras pessoas, quando as coisas não correm bem. Meninos feitos à pressa saem cabeçudos (CALDEIRA, 1961): diz-se das coisas que são realizadas de forma precipitada e não se concluem com perfeição. Nem sempre o que diz a boca o coração sente (GOUVEIA, 1976): não revelar o que se sente ou pensa; esconder a verdade; ser precipitado nas observações. Quem caçoa também morre (SANTOS, 1995): expressão dirigida a quem ri de algo que se passou com outrem, sem perceber que lhe pode acontecer a mesma coisa. Quem chora menos urina (SANTOS, 1995): forma popular de se endereçar às crianças quando choram. Quem dá o que tem fica no caminho do concelho (CALDEIRA, 1961): sobre a necessidade de prudência para não se ficar pobre; não se deve doar os bens antes de morrer. Quem morre nã volta a este mundo (GOUVEIA, 1976): acerca do destino e da importância da vida. Quem nasce prove nunca espera sê rico (GOUVEIA, 1976): sobre a fatalidade. Quem o seu cu aluga não se senta quando quer (fonte oral, Porto da Cruz): sobre a situação de dependência de algo ou de alguém. Ter uma no coiro, outra no lavadoiro (fonte oral, Madeira): sobre aquele que tem poucas posses; v.g., “Ah! Aquele só tem uma no coiro e outra no lavadoiro”. Esperteza Bezerrinho manso mama a sua e mama a alheia (SANTOS, 1995): sobre aqueles que usam do silêncio e da calma quando querem lucrar com alguma situação. Bezerro manso mama a sua e mama a alheia (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre o jeito para negociar; v.g., “Olha p’ra ele, já viste o que tem? Sempre caladinho, é assim mesmo, bezerro manso mama a sua e mama a alheia”. O mesmo que: Bezerro manso mama o seu e o alheio; Boi manso mama o seu e o alheio (PITA, 2003). Burro dado não se olha para os dentes (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): coisa dada aceita-se prontamente. O mesmo que: Burro dado não se olha para as orelhas (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965). O cão ladra, é a porta do dono (CALDEIRA, 1961): quando alguém provoca outrem, estando protegido. Outros temas A noivos e a batizados só vai quem é convidado (PITA, 2003): sobre as formalidades; v.g., “Então, não vais c’a gente? – Não fui convidado e, ademais, a noivos e a batizados só vai quem é convidado”. Atrás de maio vem S. João (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): depois de uma coisa, vem outra. Cachorro que aveza a sangue de ovelhas nunca mais larga (fonte oral, Madeira): sobre os indivíduos que têm vícios; pode ser também aplicado a homem mulherengo. Comer e coçar, o mais é começar (NUNES, 1965): equiparação entre a fome e a comichão. Dia de S. Tomé, quem mata o porco amarra a mulher pelo pé (CALDEIRA, 1961): aforismo caído em desuso; dizia-se quando havia discussões por ocasião da matança do porco. Dum poço sujo não se tira água limpa (CALDEIRA, 1961): ditado de uso comum; define as qualidades de alguém; v.g., “Não devia meter-me contigo; dum poço sujo não se tira água limpa”. Mijo e urina são a mesma coisa (NUNES, 1965): forma de se referir depreciativamente a alguém; duas coisas iguais. Muita festa para a festa e nada para a véspera (CALDEIRA, 1961): sobre quem ostenta ser melhor do que, na realidade, é. Ouve-se cantar o galo, mas não se sabe aonde ou adonde (CALDEIRA, 1961): sobre quem não é frontal, não tendo a coragem de assumir o que diz, não se conseguindo saber dessa pessoa a verdade dos factos. Para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): expressão que manifesta uma forma de apreciação das pessoas indiscretas e atrevidas. As primeiras mulheres são trapos, as segundas guardanapos (CALDEIRA, 1961): provérbio antigo, aplicado a algum tipo de doença que vitimava as mulheres. Quando os porcos bailam adivinham chuva (CALDEIRA, 1961): expressão muito usada no caso de crianças que estão eufóricas e têm gestos chamativos, maliciosos ou travessos; muito utilizado também no caso dos adultos, quando há grande entusiasmo numa determinada situação de natureza pouco clara. Santos que cagam e mijam não são santos, ou não merecem devoção (SANTOS, 1995): classificação, de sentido pejorativo, de determinado comportamento. Tu não sabes da missa metade (fonte oral, Madeira): diz-se quando determinada pessoa julga saber tudo sobre determinado assunto, mas, na realidade, não sabe. Meteorologia e tempo Abril chuvoso, maio ventoso, S. João calmoso faz o ano bondoso (CALDEIRA, 1961): sobre o estado do tempo nos meses do ano. Cerco na Lua, sinal de chuva (NUNES, 1965): previsão popular do tempo. Céu pedrado, mau tempo e mar bravo (fonte oral, Madeira): diz-se quando as nuvens se apresentam fragmentadas, sendo isso sinal de tempestade. Chovendo dia de S. Braz, chove quarenta dias e mais (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Chuva de maio nem sequer no rabo de um gato (CALDEIRA, 1961): menção do facto de que a chuva deste mês estraga as culturas. Chuva que no mar faz alvarinho com bom vento de terra se avizinha (fonte oral, Porto Santo): referência aos chuviscos que, do mar, serão arrastados até à costa pelo vento. Chuvinha de Ascensão, até das pedras se faz pão (SANTOS, 1995): sobre a importância da chuva pela Páscoa no fortalecimento das culturas. Conceição enxuta, Festa molhada (NUNES, 1965): previsão popular do tempo, segundo a qual, quando não chove pela festa da Imaculada Conceição, irá chover no Natal. Diferente de: Senhora da Conceição, dai-me sol e chuva não. Dia de Santa Luzia, minga a noite e cresce o dia (CALDEIRA, 1961): indica a data em que os dias começam a crescer. Dos Santos ao Natal, é inverno natural (PITA, 2003; RIBEIRO, 2007; MILHANO, 2008): diz-se para indicar que, entre o dia de Todos os Santos (1 de novembro) e o Natal, sendo fim de outono e início de inverno, é normal que chova. Em abril vai a velha aonde tem de ir e volta ao seu covil (fonte oral, Madeira): significa que em abril ainda está muito frio para sair de casa a não ser para coisas mesmo necessárias. Em abril, a velha queima o canzil (fonte oral, Madeira) e Em março, a velha está no espinhaço (fonte oral, Porto Santo): sobre a doença e a idade; exprimem o presságio de que alguma coisa grave irá acontecer. Fevereirinho quente traz o diabo no ventre (SANTOS, 1995): expressão regional definindo o clima, possivelmente também usada noutras paragens. Fevereirinho é garotinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de se tratar do mês com menor número de dias. Gaivotas na serra é sinal de mau tempo (CALDEIRA, 1961): expressão de presságio usada pelo povo, quando vê gaivotas voarem em direção à serra. Janeiro, mete ombreiro (NUNES, 1965): sobre a necessidade andar bem agasalhado. O Leste de S. Braz, não vindo adiante, vem sempre atrás (PITA, 2003): mais tarde ou mais cedo, chega o calor. Março é cachorrinho (NUNES, 1965): alusão ao facto de que neste mês há, por vezes, grande variação de temperaturas. Natal com chuva, Páscoa com sol (CALDEIRA, 1961): previsão popular do tempo. Profano e religioso Ave-marias em casa, meia-noite na rua (CALDEIRA, 1961): diz-se de alguém que encobre o hábito de chegar a casa tarde; antigamente, ao anoitecer, os sinos da torre das igrejas tocavam as ave-marias, indicando que eram horas de recolher. Bem com Deus, mal com o diabo (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que devemos estar bem com quem mais nos interessa; devemos estar voltados para o bem e de costas para o mal. Deus não castiga nem com pau nem com pedra (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando acontece alguma infelicidade a alguém, depois de ter praticado uma má ação. Deus não fecha uma fonte que não abra outra (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer: vai uma coisa mas vem outra; apelo a que se não perca a fé e se tenha esperança. Deus o deu, o diabo o levou (CALDEIRA, 1961): alusão ao carácter mutável da existência; tão depressa se ganha como se perde. Em dia de S. João toda a água é benta (fonte oral, Madeira): existe a crença de que as águas são purificadas no dia deste santo popular. Variante: Em noite de S. João, a água é lampa: nesta ocasião, há o costume de as pessoas se deslocarem até ao mar, ou para se banharem, ou para tocarem na água. Outra variante: Em noite de S. João, todas as ervas são bentas (SANTOS, 1995): sobre a fé sanjoanina; as ervas são purificadas, ficam benzidas pelo santo popular. Não há romaria sem cambado (CALDEIRA, 1961): aplica-se quando, em qualquer festa, reunião ou ocasião social, aparece uma pessoa a cambalear. Nunca se é velho para pagar pecados (NUNES, 1965): o castigo pelo mal cometido tarda, mas sempre chega. Quem pela murta passou, o seu raminho não apanhou, de Nossa Senhora não se lembrou (FREITAS e MATEUS, 2013): alusão ao sentido do gesto de apanhar um ramo de murta para oferecer a Nossa Senhora na igreja. Quem se emenda agrada a Deus (GOUVEIA, 1976): sobre a importância do arrependimento de coisa mal feita. Rata de sacristia, difícil ficar na ratoeira (fonte oral, Madeira): diz-se de mulher experiente e discreta. Santo da casa não faz milagres (NUNES, 1965): sobre quem, apesar dos seus esforços, nada consegue fazer para modificar a conduta e os costumes dos que lhe são próximos. Santo que não conheço, não lhe rezo nem ofereço (CALDEIRA, 1961): diz-se quando se quer mostrar que não se tem interesse em falar com pessoa a quem não se conhece ou deve atenções. Saúde e doença Chá de alfavaca, se não morrer escapa (FREITAS e MATEUS, 2013): o chá de alfavaca é aconselhado em determinado tipo de doenças. Quem está doente vai ao médico (NUNES, 1965): sobre quem se queixa mas não procura solução para o seu problema. Sorte Dar sem proveito faz mal ao peito (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): diz-se quando alguém oferece com algo com boa intenção e não lhe é dado o devido valor. Debaixo dos pés se levantam os trabalhos (SANTOS, 1995): os problemas aparecem quando menos se espera. Donde menos se espera é que saem os coelhos (CALDEIRA, 1961): o mesmo que dizer que conseguiu obter-se algo de forma inesperada; outro sentido será: alguém assume a culpa de alguma coisa, causando espanto. Filho de aselha não dá carreira certa (fonte oral, Porto Santo): prenúncio de insucesso na vida por falta de formação. Fui de balde e vim de celha (fonte oral, Porto Santo): Celha significa a bandeja que os vendedores de peixe usavam antigamente à cabeça, por cima da molhelha, para transportar o peixe (mais tarde, surgiu a canastra); refere-se a quem fez algo inutilmente, ou de que não obteve proveito. Furtar a quem tem não é pecado (CALDEIRA, 1961): diz-se como resposta a alguém que lamenta furtos feitos a pessoas com haveres. Nem todos os dias são dias de festa (CALDEIRA, 1961): não se faz sempre a mesma coisa. Nem todos têm sorte longe da sua terra (GOUVEIA, 1976): sobre a emigração. Quem espera, mais tarde ou mais cedo sempre alcança (GOUVEIA, 1976): sobre a importância de se ser paciente. Quem mata um gato ladrão tem sete anos de perdão (CALDEIRA, 1961): em desuso; aplicado a quem mexe no que é alheio. Quem não pode queixa-se da molhelha (NUNES, 1965): sobre o servir-se de desculpas; diz-se de quem fala muito, mas depois nada faz, arranjando para isso muitas justificações. Quem não sabe vender fecha a loja (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): sobre a arte de ser comerciante. Trabalho Barco parado (varado) não ganha frete (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965; MOREIRA, 1996; PITA, 2003; MILHANO, 2008): o mesmo que: “Quem não trabalha não ganha”. Contas feitas, barco lavado (PITA, 2003): acabado o trabalho, é hora de fazer a limpeza; aplica-se também aos negócios concretizados. Moleiro que carrega na maquia não tem freguesia amiga (fonte oral, Madeira): sobre o valor a cobrar; quem cobra montantes excessivos, perde a clientela. O mesmo que: “É muito caro, não volto lá para comprar”. Quem faz um cesto faz um cento (CALDEIRA, 1961; NUNES, 1965): quem aprende a fazer um trabalho pode voltar a fazê-lo; provérbio que evoca o artesanato regional, em particular a obra de vimes, com forte ligação à Camacha. Quem lava um prato, lava dois (CALDEIRA, 1961): quem lava um prato, facilmente lava dois, dispensando ajuda; a expressão tem também um sentido não literal. Trabalhas como um preto e gastas como um fidalgo. O provérbio remonta ao tempo da escravatura no arquipélago, pode ter dois sentidos: trabalhas muito e não poupas, ou trabalhas pouco e gastas muito. O vendeiro tem de beber para o cliente não desconfiar (fonte oral, Madeira): conselho sobre como vender; quando o vendeiro bebe, demonstra que o produto é bom, é genuíno, não está adulterado, de modo que gera a confiança dos clientes. Outros ditos Outros ditos com topónimos e gentílicos regionais Boa para pregar no Pilar de Banger (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): expressão que se empregava quando uma história não era completamente verdadeira e, por esse motivo, deveria ser afixada no Pilar de Banger, de forma a ser conhecida por toda a gente. O Pilar de Banger, com 30 m de altura e 3 de diâmetro, foi mandado construir por John Light Banger. Concluído em 1798 na marginal da cidade do Funchal, servia essencialmente para ajudar a transportar carga do mar para terra e vice-versa. Mais tarde, tornou-se um posto de vigia e de sinais. Em 1939, foi demolido. Em 1990, a base foi reposta. Os ceguinhos morreram no Caniçal (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): não se deixar intrujar; não ir no logro; modismo que exprime “não ir nessa”. Enxergar um mosquito nas Desertas, Ser capaz de (PITA, 2003): diz-se de alguém que tem a capacidade de ver a grande distância. Também pode ser dito com ironia, nesta variante: És capaz de enxergar um mosquito nas Desertas. Justiça da Ponta do Sol (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): ficar sem os haveres e sem apelo; com sentido de expressão idiomática, é uma referência a uma forma de justiça popular referenciada como sendo daquela localidade da Madeira. Na freguesia da Ponta Delgada, sê colono é sê digraçado (GOUVEIA, 1976): alude à situação de dependência de algo; referência à Lei da Colonia, segundo a qual o colono teria de entregar parte da produção ao senhorio; segundo Fernando Augusto da Silva, colonia é um regime agrícola de propriedade em que as terras pertencem ao chamado “senhorio e as benfeitorias ao colono, fazendo este toda a cultura com direito à dimidia da produção” (SILVA, 1950). Peru velho da Calheta quer casar não tem jaqueta (CALDEIRA, 1961): expressão antiga, utilizada nos tempos em que se vendiam perus pelas ruas da cidade, podendo referir-se a alguém que, tendo uma certa idade, quer contrair matrimónio mas não tem bens nem dinheiro. Variante: Peru velho do ilhéu quer casar não tem chapéu (CALDEIRA, 1961). Ribeira Tem-Te Não Caias (fonte oral, Madeira): nome, em forma de apelo, atribuído a uma ribeira existente no Porto da Cruz; consoante o seu caudal, é necessário ter atenção ao atravessar (“Tem-te”) e manter o equilíbrio (“Não Caias”); este nome foi atribuído à estrada que circunda a montanha onde está situada a ribeira; espécie de alerta. São Braz do Arco (Calheta) matou sete e afogou quatro (CALDEIRA, 1961): rifão popular de origem desconhecida; usado como gracejo. São Vicente, boa gente (fonte oral, Madeira): alude à existência de boas pessoas em São Vicente, com as quais vale a pena fazer amizade. O Senhor dos Milagres aceita a brincadeira (CALDEIRA, 1961): referente a Machico; a propósito de promessa não cumprida. Valha-me São Braz do Arco (Calheta) (SANTOS, 1995): vocativo implorando a ajuda divina. Valha-me o Senhor dos Milagres (SANTOS, 1995): referente a Machico; vocativo implorando a ajuda divina. Outros ditos com regionalismos e referências diretas ou indiretas à Madeira As camacheiras estão abanando as saias (CALDEIRA, 1961): diz-se quando o vento, vindo da direção nordeste, é bastante agreste; as camacheiras são na realidade as habitantes da freguesia da Camacha, na ilha da Madeira, apesar de haver também um sítio denominado Camacha na ilha do Porto Santo; a população do Funchal proferia este provérbio sempre que soprava o vento de Nordeste; de realçar que as saias das camacheiras, aqui referidas, são as saias coloridas das floristas e das bailarinas, de cariz etnográfico. Camacheiro (SIMÕES, 1984; SILVA, 1950): é um regionalismo pelo qual se designa o vento de Leste, vento frio e agreste que sopra dos lados da freguesia da Camacha; apesar de este vocábulo identificar também o habitante da freguesia da Camacha, o seu sentido proverbial atribui-lhe a referência ao vento; Guilherme Augusto Simões, em Expressões Populares Portuguesas…, texto publicado em 1984, regista este provérbio, referindo que Artur Bivar já o tinha mencionado no Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, em 1948; estamos perante um vocábulo da RAM registado fora da Ilha. És como o vilão, não vê nada sem tocar com a mão (CALDEIRA, 1961): diz-se quando uma pessoa toca numa coisa em que outra não quer que se mexa; v.g.: “Não toques nisso! És como o vilão, que não pode ver nada sem tocar com a mão?”. Estar como o vilão na casa do sogro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se do indivíduo que está comodamente recostado, refastelado, à-vontade. Caldeira regista o seu sentido: aplica-se “quando um indivíduo está à vontade, bem encostado de perna estendida” (CALDEIRA, 1961, 59). Março marçagão, de manhã dente de cão, ao meio-dia sol de alegria e à tarde escapa vilão (NUNES, 1965): sobre a esperteza; comer bem, apanhar sol e passear. Ser galo do palheiro ou galinho do palheiro (CALDEIRA, 1961): pessoa esperta, atrevida; pessoa que fala muito. As canelas de João Blandy ou do senhor Blandy (SOUSA, 1950): no jogo do loto, aquele a quem sai o 77 grita, em vez do número, “as canelas de João Blandy” ou “as canelas do senhor Blandy” (de forma semelhante, quando se diz “boca da peça” os jogadores sabem imediatamente que se trata do número 1, e quando se profere “duas irmãzinhas” identificam logo ter saído o número 66); a família Blandy reside na Madeira há centenas de anos, onde se dedica ao comércio e serviços. Outros ditos sem marcador lexical explícito de “madeirensidade” atestados na Madeira (registados e/ou em uso) Agricultura É mais fácil o céu produzir abóboras, e a terra estrelas, do que virar o nosso feitor (“Provérbios populares”, 1969): forma de se expressar por meio da qual os agricultores se referiam ao modo de ser do feitor da quinta. Mijai, senhor, que a terra está seca (SANTOS, 1995): não é certo que esta expressão seja do arquipélago; de cariz jocoso, é um comentário perante uma situação inesperada; referência à necessidade de chuva. Santa Isabel está a abanar as saias (fonte oral, Camacha): diz-se sobre o vento no verão; em tempos, o povo queria que houvesse vento em julho, mês de S.ta Isabel, para ajudar a ajoeirar o trigo, depois de passar pelo mangual e antes de o guardar; v.g., “Parece que Santa Isabel já está a abanar as saias”. São Pedro bem-disposto, campo regado com gosto (fonte oral, Porto Santo): referência à chuva pelo mês deste santo popular. Alimentação Casca fora, inhame dentro (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): comer com grande apetite, com sofreguidão; v.g., “Isto cá é assim. Casca fora, inhame dentro”. Castanhas com carepa faz o cú tocar rebeca (fonte oral, Camacha): alusão à flatulência provocada pela ingestão de castanhas cruas. Comer formigas faz bem à vista (CALDEIRA, 1961): velho adágio que se pronuncia quando alguém se queixa de ter engolido uma formiga; v.g., “Estava a comer uma maçã e engoli uma formiga! Não faz mal, fez bem à vista”. Meio-dia, panela cheia, barriga vazia (SANTOS, 1995): diz-se para referir a hora da refeição. Aviso/ameaça O diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher (fonte popular, Porto Santo): diz-se a mulher que fala muito e continuamente; o mesmo que: “Vai lá p’Argel, o diabo quis cuidar de cem cabras e não quis cuidar duma só mulher”. Do coiro te sai as correias (CALDEIRA, 1961): sobre sofrer as consequências dos próprios atos. Ele com uma mão, eu com duas (CALDEIRA, 1961): usado para se alegar que, na celebração de um negócio, se foi mais sério do que a outra parte nele envolvida. Também se pode dizer: “Ele com duas mãos e eu com uma”. Fecha o aparelho que a burrinha espanta (fonte oral, Porto Santo): incitamento a fechar o guarda-chuva; v.g., “Ah, rapaz! Fecha o aparelho que a burrinha espanta”. Guarda o rir para quando chorares (CALDEIRA, 1961): conselho que se dá a quem ri de escárnio; v.g., “Olha, tás a rir? Guarda para quando chorares!”. A madeira onde o diabo se sujou (SANTOS, 1995): referência ao mau cheiro da madeira de til; era uma expressão muito usada pelos carpinteiros. Não dar cópia nem mandado (SOUSA, 1950): não dar notícia; estar em parte incerta. Não me venhas tirar o inhame da porta (SOUSA, 1950): aviso; frase que indica não ter medo de qualquer ameaça que vise os próprios bens ou bem-estar. Nem que te mates, nem que te esfoles (CALDEIRA, 1961): menção de algo de irreversível ou relativamente ao qual é inútil insistir; v.g., “Olha, eu já te disse que não te dou isso, nem que te mates e esfoles”. Variante: Nem que me mate nem que me esfole. Olho vivo, Santa Luzia (CALDEIRA, 1961; SOUSA, 1950): locução que indica ser preciso ter cautela. Quem me pica num dedo veja em que dedo me pica (CALDEIRA, 1961): admoestação, em tom de ameaça, no sentido de evitar qualquer ofensa; v.g., “Olha, toma cuidado, porque quem me pica no dedo veja em que dedo me pica, ouviste?”. Variante: Quem me pica num dedo, pica-me em dois: forma de alguém fazer sentir que não admite ofensas, que fica melindrado; v.g., “Já sabes. Quem me pica num dedo, pica-me em dois. Então vê lá como me tratas, ouviste?”. Se isso tem veneno, não me mata (CALDEIRA, 1961): sobre ser fiel; não tocar; expressão que supõe a recusa em contactar com algo que se deve evitar; o mesmo que: “Se isso tinha veneno, não me matou”. Vai pr’ Argel (fonte oral, Madeira): expressão usada desde os tempos remotos da pirataria e dos saques, em que a população do arquipélago era levada como refém para a Argélia e mais tarde pedido o seu resgate; alguns idosos costumam usar esta expressão quando se sentem importunados por alguém ou por coisa que querem que vá para longe. Conselhos Amarrem as filhas que os cabritos andam à solta (CALDEIRA, 1961): expressão que se ouvia algumas vezes quando as raparigas eram imprudentes e queriam sair com rapazes (“cabritos”). Come o que te dão e não sejas refilão (PITA, 2003): exortação a aceitar com humildade o que se recebe. Destino A cara não pode esconder o qu’a gente sente cá dentro (GOUVEIA, 1976): a face espelha o sofrimento, a angústia. A terra alheia nunca foi má madrasta p’ra quem quer andar à boa vida (GOUVEIA, 1976): sobre aquele que quer andar na boa vida nos terrenos de terceiros. Esperteza Olho atrás, olho adiante (CALDEIRA, 1961): ter cautela, estar precavido; v.g., “Lá com aquele tipo é preciso ter olho atrás, olho adiante”. Inveja Que d’inveja se comia: a expressão perpetua-se no romanceiro e nos dizeres populares. Na literatura que faz o retrato do mundo rural, como acontece em Horácio Bento de Gouveia, diz-se que entre os madeirenses havia “muita imveja im riba do lombo”, e que a gente “arrepelava-se de inveja” (VIEIRA, 2016). Como refere Alberto Vieira, “na ilha, a inveja diz-se e a invejidade vive-se”: trata-se de uma maneira de ser e de estar; segundo o autor, é uma característica comportamental, também conhecida como “dor de cotovelo”, que se torna mais notada nos espaços pequenos, onde ninguém larga os seus hábitos, usos e costumes, atitudes e sentimentos (VIEIRA, 2016, 26). Este autor cita ainda o Re-nhau-nhau (10 abr. 1952): Se a inveja fosse tinha toda a gente andava tinhosa (VIEIRA, 2016). Outros temas Andas vestida como uma rainha e descalça como uma galinha (fonte oral, Porto Santo): andar bem vestida, não tendo grandes posses. De rir e mijar gravetos (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): diz-se daquilo que desperta hilaridade; v.g., “Aquele estuporzinho diz coisas de rir e mijar gravetos”. Deixa-te de cramar (fonte oral, Madeira): expressão idiomática endereçada a quem está sempre a reclamar ou a queixar-se. Está um burro para cair pela rocha abaixo (CALDEIRA, 1961): diz-se quando acontece uma coisa boa de forma inesperada. Estar como o Belchior, cada vez pior (MILHANO, 2008; MOREIRA, 1996): expressão muito usada em Porto Santo, que faz alusão a Belchior Baião. “Belchior Baião, de linhagem nobre, foi o primeiro deste apelido que se estabeleceu na Madeira. Esta família teve um morgadio no Porto Santo e era padroeira duma capela na igreja paroquial, que ainda é conhecida pela capela da morgada” (SILVA e MENESES, 1998, 115). Maria, a “Atalaia”, tem o vestido mais comprido que a saia (CALDEIRA, 1961): diz-se à laia de crítica; quando se vê a roupa interior de alguém; v.g., “Olha-me pr’aquilo! Parece a Maria d’Atalaia!”. Para quem é, bacalhau basta (CALDEIRA, 1961): expressão que reflete menosprezo por alguém; diz-se quando não se quer dar a alguém mais do que aquilo que se julga que essa pessoa merece. O relógio da Sé é que se repete (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961), diz-se quando não se está disposto a voltar a dizer ou a fazer a mesma coisa. O mesmo que: O relógio da Sé é que dobra (CALDEIRA, 1961). A vida de João p’ra rua é comer, dormir e andar na rua (CALDEIRA, 1961): aplicado às pessoas que são mandrionas. Meteorologia e tempo Abril, manguil, canzil, maio, mamaio, marangaio, São João, São Joanás é o mês que nasce o nosso rapaz (PITA, 2003): dito de mulher grávida a explicar o estado adiantado da sua gravidez. Chuva em abril é a salvação da ilha (fonte oral, Porto Santo): sobre a importância da chuva para a subsistência. Sol e chuva, feiticeiras a se pentear (NUNES, 1965): diz-se quando simultaneamente ocorrem chuviscos, faz sol e aparece o arco-íris. Tenha calma. Antes da meia-noite não lhe vai dar o sono (fonte oral, Porto da Cruz): dar tempo ao tempo; não ter pressa. Profano e religioso Assim se canta na Sé. Uns assentados, outros de pé (SOUSA, 1950): sobre a ordem das coisas; o mesmo que dizer: “Ah! Assim, sim, está correto”. Dia de varrer os armários (SOUSA, 1950; CALDEIRA, 1961): referência ao dia 15 de janeiro, dia de S.to Amaro, Santa Cruz, Madeira, em cujos festejos, no mês de janeiro, se encerra o tempo natalício; e.g., “Venha a minha casa no dia de Santo Amaro, que é o dia de varrer os armários”. O mesmo que: Dia de S.to Amaro, varre os armários (fonte oral, Madeira). Sorte Criou fama e deitou-se na cama (fonte oral, Madeira): sobre quem teve êxito em alguma coisa e, depois disso, começou a levar uma vida ociosa. Desde que o mundo é mundo sempre houve ricos e pobres (GOUVEIA, 1976): sobre o destino. Livres de semear, prisioneiros das consequências (fonte oral, Madeira): sobre o uso da liberdade e as responsabilidades dele decorrentes. Não vejo moita por onde saia coelho (CALDEIRA, 1961): diz-se quando não há – ou não se vislumbra – qualquer possibilidade de se conseguir o que se quer. Quem falou pagou (NUNES, 1965): quem fala para desacreditar outrem, acaba por sofrer as consequências disso. Muitos dos provérbios e ditos populares apresentados, e atestados pelas recolhas orais realizadas, foram extraídos de obras publicadas, que constituem um património de grande valor. Convém salientar também que, no plano da linguística, esta amostra tem em consideração aquilo que especialistas de diversas épocas referiram. Em 1950, Cabral do Nascimento afirmava que, relativamente à língua, existia um “antepassado comum” (NASCIMENTO, 1950, 205), o que, anos mais tarde, foi aferido de igual modo por Lindley Cintra e Celso Cunha, que acrescentam: “os dialetos falados nas ilhas atlânticas […] são um prolongamento dos dialetos portugueses continentais” (CINTRA e CUNHA, 2005, 19). Muito antes, no séc. XVIII, Raphael Bluteau descrevera da seguinte forma a sua admiração pela língua portuguesa: “Da tua impaciência conheço, que és Português; como tal não podes deixar de estranhar, que se arrojasse um estranho a compor o teu idioma, o Dicionário. Entendamo-nos Amigo, e entende, que isto, que te parece arrojo, é veneração” (BLUTEAU, 1712, I, 33).   Manuel Justino de Freitas Rodrigues (atualizado a 15.02.2018)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

portão dos varadouros

Antiga entrada da cidade, o portão foi construído em 1689, no tempo do governador D. Lourenço de Almada, na muralha defensiva do Funchal. A partir do séc. XIX, sobretudo quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, foi perdendo progressivamente o interesse. Foi demolido, entre abril e maio de 1911, na sequência da implantação da República e das questões de poder entre os novos e os velhos grupos de republicanos. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Palavras-chave: defesa; muralhas; República; anticlericalismo.   O portão dos Varadouros, antiga entrada da cidade, foi construído em 1689, no tempo do Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) e encerrou aparatosamente a muralha defensiva do Funchal. Deixou de ter interesse, progressivamente, a partir dos inícios do séc. XIX, sobretudo dos meados da centúria, quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, na sequência das obras do cais regional. Com a implantação da República e as questões de poder entre os novos e os velhos grupos republicanos, foi demolido, entre abril e maio de 1911. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita O regimento de fortificação de 1572, logo após o preâmbulo, definia muito concretamente a espessura das muralhas, a maneira de as fazer (de forma a resistirem ao clima marítimo) e o número de portas que a cintura deveria ter (Muralhas da cidade). Assim, o número de portas estabelecido era cinco: duas para serventia do mar, entre a fortaleza existente e a da Pç. do Pelourinho, e três para serviço da cidade, uma junto à ponte de N.ª Sr.ª do Calhau, outra junto às casas de Gaspar Correia, a poente da fortaleza, e a última junto a S. Paulo, na entrada da R. da Carreira, por onde haviam surgido os corsários franceses. O regimento remata com a indicação: “E não haverá mais portas” (ARM, Câmara..., Registo Geral, tombo 2, fl. 140v.). A muralha estaria sumariamente levantada na primeira metade do séc. XVII, com as portas indicadas em cima. Citando o cronista Gaspar Frutuoso, por volta de 1590, “no muro da banda do mar tem uma porta de serventia, junto de Nossa Senhora do Calhau, e outra, mais no meio da cidade, junto dos açougues, e outra, que é a mais principal, aos Varadouros, defronte da rua dos Mercadores” (FRUTUOSO, 1968, 111), mais tarde, da Alfândega. Mas nem a muralha nem a porta estavam prontas, concluindo-se quase 100 anos depois. Ao longo da segunda metade do séc. XVII, terminou-se, com dificuldade, o troço da frente mar da muralha, entre as fortalezas de S. Filipe do Lg. do Pelourinho e de S.to António da Alfândega (Reduto da Alfândega). Embora ao longo desse século vários governadores e provedores da Fazenda, como António Nunes Leite (em referência ao ano de 1621), escrevessem que “toda a cidade estava murada” (ANTT, Corpo Cronológico, parte I, mç. 118, doc. 151), a verdade é que não foi bem assim. O espaço compreendido entre as fortificações mencionadas, onde se situava o cabrestante, os açougues e o mercado municipal de peixe, não possuía muro de defesa na verdadeira aceção da palavra. A muralha era então constituída pelos muros das próprias casas, com uma ou outra obra mais ou menos improvisada, como se veio a afirmar. Com efeito, em carta enviada em 1664 pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade, considerando o emprego do dinheiro atribuído às fortificações, o autor refere que quando o Gov. Diogo de Mendonça Furtado (c. 1620-c. 1680) chegara ao Funchal, em 1660, não havia muralha alguma na frente mar, tendo-se até enviado um rascunho do que deveria ser feito para Lisboa, documento que não chegou até nós. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita Não sabemos qual foi a resposta enviada ao pedido de 1664, pois só temos informações a esse respeito mais de 20 anos depois. Com efeito, em setembro de 1688, a corte insistiu para que fossem concluídos os “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 61), iniciando-se então as obras, sob o Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700), com a indicação de que fossem auscultados os oficiais de guerra mais práticos no assunto. Nesse documento, foi ainda feita uma chamada de atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e outros elementos que poderiam precisar de ser revistos ou totalmente reconstruídos. Durante a vigência do governador seguinte, D. Lourenço de Almada, houve uma nova insistência de Lisboa no sentido de se concluírem as intermináveis obras da fortificação do Funchal. Terá sido neste contexto que, em março de 1689, certos técnicos continentais aportaram à cidade: o Cap. de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que completaram finalmente a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional, justamente, o portão dos Varadouros. Este portão representa um certo empolamento para a cidade do Funchal, embora tenha um desenho muito simples, em comparação com os inúmeros portões congéneres levantados por essa época nas praças-fortes continentais. Apresenta dois pares de colunas meias-colunas de cada lado da porta, esta com um arco de volta perfeita e as armas do Funchal ao centro; tem ainda cornija e um largo frontão redondo, encimado pelas armas reais. Sob estas, encontra-se uma inscrição em latim: “Perfecta haec varii praefecti / maenia frusta, praeteriti cu / piunt tempore quisque suo, sed / domino Laurentio ea est seruata / voluptas. D. Almada qui istud fi / ne coronat opus. Anno 1689”, que pode ser traduzir por: “Cada um dos antecedentes governadores de balde se esforçou por concluir estas muralhas; ao senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão. Ano de 1689” (SILVA e MENESES, II, 1998, 467). Portão dos Varadouros, 1909. Arquivo Rui Carita O Elucidário Madeirense indica que era por este portão que os governadores e prelados faziam a sua entrada solene na cidade e que tal cerimónia se “revestia sempre de extraordinário luzimento, com a presença do elemento oficial, todas as tropas da guarnição, as pessoas mais gradas da terra, o clero, fidalgos, cavaleiros e muito povo” (Id., Ibid., 468), algo repetido depois por outros autores. Não encontrámos, no entanto, registo coevo de tais cerimónias, nomeadamente na correspondência dos governadores e dos bispos alusivas à sua chegada à Ilha. Assim, a terem acontecido nos moldes descritos, terão sido entradas de carácter excecional. Com a implantação da República, o portão foi alvo de complicada polémica, pretendendo os mais novos a sua demolição imediata, alegando a necessidade de limpeza da área. Efetivamente, grassava na cidade uma epidemia de cólera, mas as razões para esse ato iconoclasta eram essencialmente políticas. O portão ostentava as armas reais e possuía, em anexo, uma pequena capela dedicada a N.ª Sr.ª do Monte dos Varadouros, tudo elementos que os republicanos mais novos queriam fazer desaparecer rapidamente. Os mais velhos, como era o caso do Gov. civil Manuel Augusto Martins (1867-1936), aconselhavam alguma contenção, mas, entre abril e maio de 1911, na preparação das primeiras e polémicas eleições republicanas, efetuadas a 28 de maio daquele ano, o portão foi demolido. As pedras foram guardadas nas arrecadações camarárias, transitando depois para as arrecadações do palácio de S. Pedro (Palácios) e, mais tarde, para o parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes. O recheio da capela, com o retábulo e a imagem de N.ª Sr.ª do Monte, foi entregue à Sé do Funchal, encontrando-se a capela remontada na antiga sacristia desta Catedral, sob a sua torre sineira (Sé do Funchal). Rua da Praia e Varadouros. Arquivo Rui Carita A ideia de remontar o portão foi ensaiada várias vezes pela Câmara Municipal do Funchal, tendo-se iniciado o estudo da recolocação dos materiais e executado os desenhos prévios em junho de 1993. O projeto levantou então alguma polémica, pelo que, somente em setembro de 2004, em parceria com entidades privadas, foi levada a cabo a remontagem, no âmbito e no início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal.     Rui Carita (atualizado a 18.02.2018)

Património

porto santo

O nome dado à ilha e o seu encontro pelos europeus são os dois primeiros problemas com que nos deparamos. Ao folhear as crónicas e as interpretações que a historiografia fez delas, surge-nos uma multiplicidade de versões da descoberta da ilha, pelo que não é fácil a resposta adequada às eternas questões: quando e quem descobriu o Porto Santo? O problema do seu descobrimento, em quase todas as fontes consultadas, está ligado ao descobrimento da Madeira. Assim o defendem Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Gaspar Frutuoso e António Cordeiro. Porém, há versões que nos apresentam o descobrimento do Porto Santo, ou o primeiro encontro da ilha, de forma isolada: António Galvão refere o descobrimento por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz; Francisco Alcoforado aponta-o como iniciativa dos Castelhanos; Valentim Fernandes atribui-o ao incauto Robert Machim. Cais do Porto Santo. Foto Perestrellos. Desde a mais antiga fonte – Francisco Alcoforado – ficou assente que foram os Castelhanos, no decurso das inúmeras expedições às Canárias, quem primeiro pisou o solo porto-santense, apontando-se para o facto a data de 1417. Por isso, a ilha era já conhecida, e não espanta que dois anos depois os Portugueses a tivessem encontrado, de forma ocasional ou não. Esta ideia passou para as diversas crónicas através de um texto de Jerónimo Dias Leite. Este foi também o primeiro autor a associar o nome da ilha ao encontro fortuito com a mesma protagonizado pelos Castelhanos, uma vez que Francisco Alcoforado nada diz a esse respeito. Uma tormenta, no decurso de uma viagem para as Canárias, teria trazido os Castelhanos até à ilha. O acontecimento terá servido de mote ao nome que lhe foi atribuído – Porto Santo; porque foi este o porto que os salvou da tormenta pela qual haviam passado. Valentim Fernandes atesta ainda que os Castelhanos passaram a escalar a ilha com assiduidade, para aí fazer carnagem e beber água. A tempestade, como razão para o nome dado à ilha, surgiu noutras versões, embora tendo como protagonistas, não os Castelhanos, mas os marinheiros do infante D. Henrique: João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz. De acordo com João de Barros, os marinheiros iam em demanda da costa da Berberia, mas uma tempestade obrigou-os a sair do rumo e terá feito com que chegassem a uma ilha a que deram o nome de Porto Santo; “porque os segurou de perigo que nos dias da fortuna passaram” (FRUTUOSO, 1873, 17). António Galvão acrescenta que os dois marinheiros ficaram na ilha dois anos. Diferente de todas é a opinião de Diogo Gomes. Segundo este autor, os marinheiros do infante D. Henrique, estando em viagem de reconhecimento a cargo de Afonso Fernandes, encontraram a ilha de forma ocasional. Mais lacónico é, todavia, Gomes Eanes de Zurara, que refere apenas o encontro fortuito da ilha por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, ao qual se seguiram as viagens de reconhecimento e o povoamento. A única certeza possível de tudo isto é que foram os Portugueses os primeiros a fixar morada no Porto Santo, pois, como refere Cadamosto, esta ilha “nunca dantes fora habitada” (ARAGÃO, 1981, 36). Nada nos permite avalizar ou questionar a veracidade das múltiplas versões existentes sobre o descobrimento da ilha. Todavia, de uma coisa temos a certeza: o nome foi-lhe atribuído em época muito anterior às façanhas descritas nos textos acima citados, na medida em que já na segunda metade do séc. XIV se lhe atribui esse nome. Encontramos a mais antiga referência no Libro del Conoscimiento, elaborado em meados do séc. XIV por um frade mendicante espanhol. Aí é referida a ilha de “Puerto Santo”, ao lado da ilha da “Madera”. A mesma designação é passada para o Atlas Medicis de 1370 – “Porto Sco” –, surgindo depois na carta Pinelli-Walkenaer (c. 1384) com a grafia atual. Por isso, podemos afirmar que uma tormenta que assolou os marinheiros Portugueses e/ou Castelhanos nos princípios do séc. XIV deu origem ao nome da ilha. A este propósito, na Corografia Insulana (1713-1717), António Carvalho Costa refere o seguinte: “Em cuja jornada tomarão nesta ilha ao porto chamado dos Frades, por acharem nele uns Religiosos de S. Francisco quase mortos, que tinham escapado entre muitos do naufrágio de um navio que ali se perdera” (NASCIMENTO, 1949, 82). Luís de Albuquerque, baseado na lenda de S. Brandão, e na interpretação que dela faz a cartografia, associando-a à Madeira, conclui que o nome “Porto Santo” deve ser o corolário da passagem do dito monge irlandês pela ilha. A ilha terá sido o paraíso que o monge procurava e encontrou. Na carta dos irmãos Pizzigani (1367) surge uma figura que certamente representa S. Brandão na ilha do Porto Santo. Conta Martim Behaim que, no ano de 565 d.C., o monge S. Brandão saiu da Irlanda com alguns companheiros à procura da terra prometida. Em pleno oceano, foram assolados por uma tempestade e encontraram abrigo numa ilha, a partir da qual encontram a procurada terra de promissão, que alcançaram após terem ultrapassado uma cortina de espessa névoa. Aí estiveram sete anos, ao fim dos quais regressaram à Irlanda. Neste relato, encontram-se aspetos semelhantes aos posteriores, que descrevem as navegações portuguesas para a Madeira: o naufrágio e a ultrapassagem do espesso negrume como via para atingir o objetivo. O texto de Cadamosto oferece-nos uma versão diferente do assunto: “Esta ilha é chamada Porto Santo, porque foi descoberta pelos portugueses no dia de Todos os Santos” (ARAGÃO, 1981, 36). Todavia, isto suscita algumas dúvidas. Em primeiro lugar, o topónimo não faz qualquer referência ao referido dia, pois, se assim fosse, a ilha deveria chamar-se Todos os Santos ou Santos, como sucedeu no Brasil, e nunca Porto Santo. Além disso, nos meses de inverno, era pouco comum encontrar marinheiros por estas paragens, uma vez que as viagens, devido às condições do mar, se faziam com particular incidência na época estival. Por fim, não se deverá esquecer que, desde meados do séc. XV, estes mares circunvizinhos da Madeira e do Porto Santo foram frequentemente devassados por Castelhanos e marinheiros portugueses ou estrangeiros ao serviço da Coroa portuguesa. As Canárias eram frequentadas desde 1312, data da mais antiga expedição aí realizada. O interesse português e castelhano pelas viagens às Canárias ficou manifesto na acesa disputa pela sua posse junto do papado, em 1345. Por isso, é muito possível que os Portugueses e os Castelhanos, nesse vai e vem, fossem confrontados com a Madeira e com o Porto Santo. A prova insofismável disso é a representação cartográfica das duas ilhas. Porto Santo. Foto Perestrellos. O solo da ilha do Porto Santo foi pisado por diversas vezes por gentes das mais diversas procedências, que, sem nela fixar morada, certamente procuravam nas suas praias o descanso e a água que lhes permitiria aguentar a demorada e perigosa viagem. Por isso, quando aí chegaram os Portugueses, no princípio do séc. XV, não havia ninguém na praia para os acolher, a ilha encontrava-se desabitada. Este é um aspeto em que todos os cronistas estão de acordo. O processo é sempre o mesmo: primeiro, o encontro ocasional seguido do reconhecimento, e, finalmente, a ocupação humana. Tal como o refere Zurara, a segunda viagem de reconhecimento foi feita por João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo, que levavam consigo um casal de coelhos que lançaram na ilha para atestar as condições de sobrevivência animal. Os coelhos são as cobaias para esta nova experiência. Será que os Portugueses duvidavam das condições de habitabilidade destas paragens, como preceituavam os textos antigos? Para João de Barros, esta segunda viagem é já de ocupação, tendo os ditos navegadores levado consigo sementes e plantas para a nova terra. Os coelhos foram os primeiros habitantes da ilha, e também a primeira dificuldade com que os primeiros povoadores tiveram de defrontar-se: a sua rápida capacidade de reprodução tornou-os uma praga para as culturas que os primeiros colonos ensaiavam. Deste modo, a ilha, que num primeiro momento se apresentou prometedora a Bartolomeu Perestrelo, acabou numa situação verdadeiramente catastrófica. Desiludido, o capitão abandonou-a e preferiu regressar ao reino a ser dono de uma ilha sem futuro. Os povoadores Não é possível saber como teve lugar o primeiro assentamento e a origem dos colonos na ilha. Insiste-se numa forte presença algarvia e na sua origem fidalga. Neste caso, a documentação é madrasta. Sabe-se apenas, por um documento de 1529, que a ilha começou a ser povoada com sete ou oito homens. Daqui resultava que quase todos eram parentes, o que provocava dificuldades na aplicação dos regimentos régios que estabeleciam as incompatibilidades na governança. Por isso, o terceiro capitão, Bartolomeu Perestrelo, solicitou o alargamento da sua alçada, como forma de conduzir adequadamente a vida administrativa. Também Gaspar Frutuoso é pouco preciso na referência que faz aos primeiros povoadores: “Foi povoada esta ilha de gente fidalga e nobre, cujos apelidos são Perestrelos ou Pelestrelos, como outros dizem, Calaisas, Pinas, Rabaçais, Vasconcelos, Mendes, Vieiras, Crastos, Nunes, Pestanas, e de outras muitas nobres gerações” (FRUTUOSO, 1873, 50). Daqui resultou a ideia, profusamente divulgada, de que as gentes do Porto Santo eram oriundas da nobreza e fidalguia do reino. Aliás, Fernando C. Menezes Vaz não hesita em afirmar “que mais de dois terços da população da ilha é de origem fidalga” (SARMENTO, 1933, 102), colocando nesse grupo Alves, Alvarengas, Arrudas, Baiões, Britos, Caiados, Calaças, Castros, Coelhos, Colaços, Cordovis, Delgados, Farinhas, Ferreiras, Gaviões, Mendes, Noias, Nunes, Peixotos, Teixeiras, Perestrelos, Pestanas, Pinas, Rabaçais, Ruas, Travassos e Vasconcelos. A isto, acresce ainda o facto de, em 6 de novembro de 1522, o Rei ter atribuído à família de Bartolomeu Perestrelo o direito de utilizar o título de Dom. Daqui resultou uma generalização do uso do mesmo título por parte dos residentes, bem como a convicção de que eram todos descendentes das mais importantes varonias do reino. Entretanto, em 1584, os oficiais da Câmara, em carta ao novo Rei, Filipe I, reclamavam a mercê do privilégio de cavaleiros fidalgos, pelo facto de terem sempre manifestado a sua oposição à causa de D. António Prior do Crato. Numa outra carta de 1586, refere-se o afrontamento deste povo aos desígnios do capitão Diogo Perestrelo, fiel seguidor de D. António, o que deveria merecer tamanho título. A convicção de que os porto-santenses tinham ascendência fidalga estava na origem da vida ociosa e de luxo que aí se vivia na segunda metade do séc. XVIII. Por isso, no período das ceifas, os trabalhadores eram recrutados no Caniço e em Santa Cruz, e aí iam trabalhar a troco de cereais. Era também a troco de cereais que se alimentava o luxo, manifesto em panos finos e sedas. Em 1769, o Gov. Sá Pereira procurou atacar o mal pela raiz: proibiu-se a entrada dos panos e do vinho da Madeira, e impediu-se que os jornaleiros da Madeira fossem trabalhar no Porto Santo. Esta recomendação foi insistentemente repetida nas posturas. A par disso, combateu-se a vadiagem e a ociosidade com a necessária vinculação do porto-santense à terra. Assim, só podiam ser eleitos para a vereação ou providos em cargos públicos aqueles que tivessem lavoura. Ademais, ordenou-se a escolha de 24 jovens vadios para a aprendizagem dos ofícios de sapateiro, alfaiate, oleiro, carpinteiro, pedreiro e ferreiro. Entretanto, o Rei D. José, por alvará de 13 de outubro de 1770, é perentório em afirmar que “no Porto Santo tem grassado a mal entendida vaidade, de sorte que todos os sobreditos moradores dela cuidam em alegar genealogias para fugirem do trabalho” (SARMENTO, 1933, 49). A mesma acusação surge, um século depois, pela boca de D. João da Câmara Leme de Vasconcelos: “Os senhores ou proprietários das terras ou viviam vida folgada, na Madeira ou na Corte, à custa dos rendimentos que de lá auferiam ou, quando não abastados, passavam na sua ilha vida ociosa, apenas ocupados em desfrutar da fidalguia” (PEREIRA, 1965, 26). Os porto-santenses ficaram célebres como profetas, e, por vezes, ainda são designados dessa forma, em sentido pejorativo. O epíteto, de origem remota (1533), relaciona-se com o aparecimento de um falso profeta, Fernão Bravo, num momento em que as principais autoridades estavam ausentes da ilha. Fernão Bravo, pastor para os lados do Farrobo, teve uma crise mística e desceu à vila para apontar os pecados da sociedade. Conduziu o povo a um excesso de fanatismo religioso que durou 18 dias. A 6 de fevereiro, a chegada do corregedor e a sua devassa, que durou até 3 de março, afugentou o profeta e levou à prisão os principais autores daquele acontecimento, inclusivamente alguns membros do clero que haviam sido coniventes. Os implicados no caso tiveram de expor-se à porta da Sé de Évora com o círio aceso e com um cartaz com os dizeres “Profeta do Porto Santo”, enquanto os moradores tiveram de contribuir com um donativo para os melhoramentos locais. Tudo isto resultava do facto de, no decurso do séc. XVI, se ter generalizado o sistema de morgadios ou de vinculação à terra. A lista dos encabeçamentos, feita de acordo com o alvará de 1770, evidencia a generalização deste sistema, que provocava o afastamento dos legítimos proprietários dos seus domínios, passando estes a viver no Funchal, em Machico, em Santa Cruz, na Gaula e em Lisboa. Note-se que foram os próprios capitães da ilha a dar esta opção como exemplo. Foi o caso de Diogo Perestrelo, que, segundo Gaspar Frutuoso, se casou na vila da Calheta e aí assentou morada, vindo ao Porto Santo uma vez por ano para a defender dos corsários franceses. Por isso, Álvaro Rodrigues de Azevedo é incisivo no seu juízo sobre as condições que deram origem ao estado da vida do porto-santense: “Duas eram as principais causas imediatas do atraso e miséria do Porto Santo, uma nascida de outra: o contrato de colonia, que atrofiava o agricultor, e a ociosidade vaidosa, que enobreceu o proprietário” (FRUTUOSO, 1873, 712). A evolução populacional da ilha está ainda por esclarecer. Os dados disponíveis são avulsos, e, por vezes, desconexos. A primeira referência surge com Valentim Fernandes, em 1506, que aponta a existência de 40 moradores; mas, passados apenas 23 anos, fala-se já em 820 habitantes, o que não se ajusta bem com o dado anterior. Todavia, isto poderá ser o reflexo das cíclicas crises a que a ilha esteve sujeita, com reflexos evidentes no movimento populacional: às secas sucede-se a fome, aos assaltos dos piratas e corsários o desespero e a fuga generalizada. Em finais do séc. XVI, Gaspar Frutuoso faz um rastreio da situação da ilha, dando conta da presença de 400 fogos na vila, a que se associavam escassos casais no sítio do Farrobo e os pastores na terra Gil Eanes. O recenseamento de 1598 refere 720 pessoas de sacramento. O que sucede no século seguinte não será melhor: primeiro, os atropelos do Cap. Diogo Perestrelo Bisforte levaram à saída de muitas famílias para a Madeira e para o Brasil; depois, o assalto dos Argelinos, em 1617, lançou a ilha num total abandono: os Argelinos levaram 900 cativos; segundo Alberto Artur Sarmento, só ficaram 19 homens e 7 mulheres. Isto levou a Coroa a atribuir a Martim Mendes de Vasconcellos, em 13 de agosto de 1619, a difícil tarefa de repovoar a ilha com gentes do Porto da Cruz, Caniçal e de Santa Cruz. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha conta o seguinte sobre o assalto: “Padeceu a Ilha do Porto Santo uma terrível invasão dos Mouros de Argel, que sobre a destruírem a deixaram quase despovoada, levando a maior parte da gente cativa; entre a qual foi uma moça filha de nobres Pais, e de gentil presença; por cuja causa foi perseguida, e acabou a vida em defensa da sua pureza, como achamos por uma relação escrita no mesmo cativeiro por João Correa de Miranda natural da vila de S. Cruz desta Diocese; que deixou em segredo o seu nome, fazendo narração das suas virtudes” (NORONHA, 1996, 106). Pior foi a situação com que o ilhéu deparou nos sécs. XVIII e XIX: aos assaltos dos piratas argelinos sucederam-se os efeitos da seca, que foi quase permanente, e algumas enfermidades. Em 1769, José António Sá Pereira refere a existência de 866 habitantes; mas os seus planos apontavam para os reduzir a apenas 300, valor mais consentâneo com os recursos que a ilha oferecia. Todavia, uma relação da igreja refere 362, sendo 90 menores. Foi no seguimento deste projeto que, em 1778, foi criada no Santo da Serra uma aldeia – Aldeia Nova – para acolher o excesso populacional do Porto Santo. Mas as condições inóspitas do local levaram ao seu abandono, de modo que, em 1783, estava já totalmente deserta. Chegamos ao séc. XIX e a situação da população não melhorou. Em 1821, Paulo Dias de Almeida refere 433 fogos para 1615 almas. Em 1850, temos 447 fogos e 1739 habitantes. Em 1910, existem na ilha 2311 pessoas e, em 1930, a mesma apresentava-se com 2490 almas. Os censos de 1950 apresentam 2709 habitantes, os de 1960, 3017, e os de 1970, 3505. Em 1980, o número de pessoas sobe para 3760, e, em 1990, para 4376. No decurso dos sécs. XVIII e XIX, as epidemias condicionaram o decréscimo da população na ilha: por vezes, estas funcionam como válvulas de controlo. Em 1721, houve 100 mortes resultantes de malignas. Todavia, foi a cólera morbus que, em 1856, vitimou 260 habitantes do Porto Santo, e, em 1910, 10. Porto Santo. Arquivo Rui Carita     Porto Santo. Foto BF A Igreja A ilha do Porto Santo é uma ilha de pouca gente, mas nunca de reduzida devoção. A conjuntura difícil que acompanhou o seu percurso histórico era propícia a uma extremada devoção. Isso é evidente no elevado número de capelas, que surgiram por iniciativa particular ou por necessidade de retirar do alcance dos profanadores argelinos e franceses as alfaias religiosas. Na vila, ao lado da igreja paroquial que invoca Nossa Senhora da Piedade, há a referenciar ainda três capelas: S.ta Catarina, S. Sebastião e Misericórdia. No interior, em sítios recônditos e fora do olhar profanador dos piratas, temos outras três capelas que serviam para guarda a hóstia sagrada e para o culto nesses momentos de aperto: N.a Sr.a da Graça (Serra da Feteira), Espírito Santo (Campo de Baixo) e S. Pedro (Pico de Ana Ferreira). A capela de N.a Sr.a da Graça terá sido construída pela família Coelho, sendo uma das mais antigas da ilha. Em 1533, é referenciada como um templo de grande devoção, mas, no séc. xviii, entrou em ruína: diminuíram os assaltos de piratas e a sua utilidade foi menor. A sua reconstrução começou no séc. xix, mas só ficou concluída em 1951, data em que foi de novo benzida. Bartolomeu Perestrelo e administração da ilha Esta foi a primeira capitania a ser criada (1 de novembro de 1446) e extinta (13 de outubro de 1770). Na verdade, até às mudanças operadas com o Governo de D. Maria II, a evolução da estrutura administrativa foi muito atribulada e alvo de inúmeras tentativas de mudança. Assim, até à extinção da capitania (em seu lugar criou-se o cargo de governador), houve um interregno (1619-1653), altura em que o capitão deu lugar a um funcionário nomeado pela Coroa, conhecido como capitão-governador. Porém, o Governo dos capitães, ou dos governadores, não foi o melhor, sucedendo-se inúmeros atropelos. Esta instabilidade da estrutura administrativa é consequência e causa de uma idêntica conjuntura a nível social e económico; o que resultou em mais um pesado fardo para os porto-santenses. Com a morte de Bartolomeu Perestrelo, que ocorreu em 1457 ou em 1458, a posse da capitania entrou num processo de derrapagem. Primeiro, o problema das transações ilegais da sua posse, depois, as demandas entre os moradores e os capitães. Por morte, a sucessão da capitania era feita, de acordo com o preceituado na carta de doação, ao filho mais velho, no caso, Bartolomeu Perestrelo. Uma vez que este era menor, Isabel Moniz, sua mãe, exerceu o papel de tutora. E foi então que vendeu por 300.000 reais a capitania ao genro, Pedro Correia, que era capitão da ilha Graciosa. Esta mudança foi confirmada pelo infante D. Henrique (17 de maio de 1458) e por D. Afonso (17 de agosto de 1459), mas sem a outorga do legítimo herdeiro, pelo que, quando este atingiu a maioridade, colocou uma demanda e conseguiu ver confirmado o direito de posse da capitania por carta régia de 15 de março de 1473. As dificuldades na sucessão e as demandas pela posse da capitania continuaram no séc. XVI. Bartolomeu Perestrelo, terceiro de nome, estava na posse da capitania quando, por questões amorosas, matou Aldonça Delgada, sua mulher, pelo que lhe foi movida uma perseguição pelos capitães do Funchal. Saiu ilibado do processo que correu, foi viver para o Algarve e deixou a capitania. Depois disso, surgiu outra demanda. Esta envolvia os filhos da segunda mulher do terceiro Bartolomeu Perestrelo e o neto do seu filho varão. A Coroa resolveu tudo a favor do dito neto, Diogo Soares, confirmando-o por carta régia em 29 de maio de 1545. Por sua morte, em 1576, a capitania passou para as mãos de Diogo Perestrelo, que, não obstante ser considerado por Gaspar Frutuoso “bom cavaleiro, brando e de boas artes” (FRUTUOSO, 1873, 53), acabou por perder a capitania em 1606, por ter sido adepto de D. António Prior do Crato, e pelas inúmeras vexações a que sujeitou os moradores da ilha, e.g. com a cobrança de tributos ilegais. Em seu lugar, foi nomeado um locotenente, João de Ornelas Rolim. Em 1619, foi criado o cargo de capitão-governador, tendo nessa altura sido provido Martim Mendes de Vasconcelos. A capitania ficou reestabelecida em 1653, como forma de a Coroa premiar os serviços de Vitoriano Bettencourt Perestrelo. Todavia, esta situação durou pouco tempo, uma vez que, em 1670, a Coroa lhe retirou todos os poderes. No seu lugar, foi criado o cargo de governador, sendo provido Nicolau Bettencourt Perestrelo. Esta nova estrutura institucional gerou, mais uma vez, inúmeros problemas aos moradores. Na verdade, o mal não estava nas instituições, mas nos homens. A prepotência e a violência foram de novo sentidas no Governo de Manuel Nobre de Figueiroa e de João Baptista Roffe. O meio e o Homem A ilha manifestou-se, desde o início do seu povoamento, desfavorável à presença de colonos europeus. O entusiasmo inicial desfez-se, não apenas pela ação depredadora dos coelhos, mas também pelas condições inóspitas do meio. A falta de água, e, por consequência, de um parque florestal adequado, condicionaram a sobrevivência dos seus habitantes, gerando uma extrema dependência da vizinha ilha da Madeira. Porto Santo. Foto BF Segundo Valentim Fernandes, não terá sido apenas a praga dos coelhos que levou Bartolomeu Perestrelo a abandonar a ilha em 1419, mas também o facto de a água ser salobra. João de Barros reforça essa ideia, afirmando que as dificuldades sentidas pelos primeiros povoadores tinham sido o resultado da praga dos coelhos e da falta de água. Gaspar Frutuoso, em finais do séc. XVI, reafirma esta realidade, dizendo que a ilha “não tem boas águas por ser seca e de pouco arvoredo” (FRUTUOSO, 1873, 45). Na verdade, uma das principais dificuldades dos porto-santenses é a falta de água: poucas chuvas e mananciais de água salobre incapazes de satisfazer as necessidades agrícolas e caseiras, sendo os poucos que existiam lugares de peregrinação. Assim sucedeu com a fonte da Areia, uma das poucas de água salobre. Ela dominava o quotidiano da ilha, sendo para lá que se dirigia o principal caminho que saía da vila. A Câmara interveio na defesa desta fonte, tendo estabelecido um vigia. Desde o séc. XIX que se insistiu na necessidade de resolver este problema com recurso aos mais diversos meios. Para além da insistência no plano de rearborização da ilha, apostou-se em algumas formas de aproveitamento dos poucos mananciais de água. Em 1709, Francisco Alincourt, no seu relatório sobre o estado da ilha, refere a existência de 13 nascentes, o que era parco para as suas necessidades, tendo em conta que “quase todas iam desaguar no mar” (COSTA, 1959, 23). Por isso, uma das soluções para os problemas hídricos da ilha estava na construção de noras. A primeira nora de que temos notícia só surgiu em 1799, no sítio das Eiras. No arquivo da Câmara, encontra-se um livro de escalas de rega. Aí são referenciados duas levadas e dez poços que serviam 280 heréus. Foi, todavia, a partir de 1854 que se generalizou o uso das noras. Um alvará concedia aos lavradores empréstimos para o descobrimento de água de regadio, tendo-se construído por essa via oito noras. Cerca de 20 anos mais tarde, foi feito um estudo sobre as possibilidades de irrigação da ilha, de que resultou, em 1889, o plano de uma levada entre o Pico do Facho e o sítio da Camacha, a fim de irrigar a área vitícola. A esta vieram juntar-se depois outras, como a do Tanque, a das Matas, a da Língua de Vaca, a do Ribeiro Salgado e a de Ponta. No início do séc. XXI, as carências hídricas foram colmatadas com o recurso a uma central des-sanilizadora e a represas para a captação de águas pluviais. Esta política é herdeira do plano de fomento agrícola e florestal levado a cabo a partir de 1951. A par desta procura direta de soluções para resolver a falta de recursos hídricos, é de realçar a aposta no plano de rearborização da ilha. A falta de arvoredos não é apenas resultado da intervenção do Homem, mas, acima de tudo, das condições do ecossistema, situação que já se notava nos primórdios do povoamento da ilha, em que era evidente esta carência. Valentim Fernandes refere a existência do mesmo tipo de arvoredo que havia na Madeira, mas não em tanta abundância. Para Gaspar Frutuoso, as principais matas estavam no Norte da ilha, que considera de pouco arvoredo. Ambos os autores realçam a abundância de dragoeiros, vegetação que teve um importante valor económico nos primeiros anos de colonização. Séculos mais tarde desapareceu quase completamente. A sua memória é apenas recordada no ilhéu dos Dragoeiros e nas armas da vila. Perante isto, foi insistente a atuação das autoridades na defesa da parca floresta. Primeiro, em 1770, foi o plano de Francisco de Alincourt, que levou o Rei D. José I a obrigar todos os lavradores a plantar árvores nas suas terras e ribeiras, nomeadamente figueiras. A mesma ideia é repetida nas posturas de 1780, enquanto em 1796 estava proibido o corte de qualquer árvore sem licença da Câmara. Compulsadas as posturas municipais, é evidente esta preocupação por parte das autoridades. Porto Santo. Foto BF Perante estas dificuldades colocadas ao corte de madeira, o porto-santense deparou com problemas para suprir as suas carências de lenha e madeira. Por isso, o alvará de 1770 concedia-lhe o privilégio de as importar da Madeira, nomeadamente das serras do Faial e do Porto da Cruz. Em 1834, procuraram-se soluções alternativas, nomeadamente através da cultura da tamargueira, que se tornou no principal combustível da ilha. A par disso, procurou-se repovoar a ilha com espécies arbóreas. Este plano foi iniciado em 1911 e prosseguido em 1952, por impulso de António Bon Schiappa de Azevedo. Por fim, acrescente-se que esta insistente falta de lenhas e madeiras levou os porto-santenses a socorrerem-se das que davam à costa, pelo que é possível encontrá-las em algumas casas antigas. Vila Baleira. Porto Santo. Foto BF Vila Baleira. Porto Santo. Foto BF As situações atrás referidas levam-nos inevitavelmente a ter uma visão catastrófica do quotidiano da ilha do Porto Santo. A ilha sofreu prolongadas estiagens, que se sucedem com frequência nos sécs. XVIII (1702, 1711, 1715, 1723, 1749, 1751, 1769-70, 1779, 1783) e XIX (1802, 1806, 1815-16, 1829, 1847, 1850, 1854, 1855, 1883). A mais antiga referência que temos a uma seca prolongada data de 1589, ano em que, por falta de pastagem, foi necessário enviar o gado para a ilha da Madeira. O mesmo sucedeu em 1783, tendo o governador da Madeira recomendado aos agricultores de Machico, de Santa Cruz e do Porto da Cruz que recebessem o gado até setembro. Perante esta situação, o aparecimento de chuvas era sempre saudado, mas também considerado com apreensão, pelos efeitos catastróficos que podia causar. Os anais registam três anos – 1842, 1857 e 1859 – em que a população sofreu especialmente com os danos causados nas casas pelas chuvas, uma vez que estas, na sua maioria, eram cobertas de barro. Perante as que caíram nos dias 18 e 19 de dezembro de 1859, o cronista exclamava que não havia “notícia de tanta chuva acompanhada de ventos tão fortes nesta ilha” (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 61). Destaque para a queda de neve registada a 4 de fevereiro de 1860. Os montes e os vales cobriram-se deste manto branco, perante a estupefação de todos. Os anais rematam: “caso virgem entre este povo” (Id., Ibid., 89). Em 1770, a situação do Porto Santo era caótica. Desde 1769 que o Gov. Sá Pereira vinha a considerá-la como resultado do mau governo a que estava entregue. Em 15 de maio, o lamento da Câmara da ilha era dramático: as areias quase haviam coberto todas as áreas de cultura, e a falta de chuvas tornava impossível qualquer colheita. Como consequência, as gentes tinham abandonado a sua ilha, tendo já saído cerca de 50 vizinhos. O pedido era apenas para acudir à aflição em que se encontravam os poucos resistentes, pois, a ilha estava a correr o grave risco de despovoar-se. O governador madeirense enviou à ilha o Sarg.-mor Francisco Alincourt com o objetivo de fazer o ponto da situação. O primeiro relatório é um pedido de socorro: 30 moios de milho para serem distribuídos pela Câmara. Este valor era insuficiente, se considerarmos que viviam na ilha 866 habitantes necessitados diariamente de 2 moios, 13 alqueires e 1/4. Ora, a colheita estimada em 760 moios dava apenas para 5 meses, ficando na demais sujeita as remessas de fora. Porto Santo. Foto BF Porto Santo. Foto BF Em 9 de junho de 1769, o projeto apresentado por Francisco Alincourt para resolver a crise com que se debatia a ilha incluía medidas drásticas, como a redução do número de habitantes para apenas 300. Advertia-se também para que fossem trabalhadores, devendo evitar-se por todos os meios o ócio e o luxo. Mas a crise continuou no decurso do ano seguinte, altura em que a Coroa tomou algumas providências, de acordo com esse relatório. Assim, para além da extinção da capitania, criou condições para que os poucos habitantes da ilha se dedicassem à labuta da terra e à aprendizagem dos ofícios. Para isso, foi nomeado um inspetor-geral da agricultura da ilha, cargo que foi entregue ao Cap. Pedro Telo de Menezes. Todavia, ele não conseguiu solucionar os graves problemas da ilha, pois, segundo alguns, dedicava-se apenas à caça de pombos e perdizes. A incapacidade do Homem para ultrapassar este problema persistiu. Como refere A. F. Gomes, o porto-santense estava condenado a esse triste destino: “Num ano mais noutro menos, a estiagem, porém, era certa. Não chovia. Secavam as fontes, chorava o povo. O gado morria. Lastimava-se amargamente os lavradores, e as autoridades nada podiam fazer. É então que esgotadas todas as impetrações aos homens da governação soltavam-se as almas aflitas para Deus. Faziam-se preces na igreja paroquial de manhã e à tarde, e o templo enchia-se de fiéis. O pároco numa prece cheia de emoção, implorava a misericórdia divina – e as lágrimas corriam nas faces queimadas dos porto-santenses” (GOMES, 1949, 340). A ilha foi insistentemente martirizada pelo espectro da morte no decurso do séc. XIX. A seca permanente, só quebrada com as ocasionais tempestades de meados do século, provocou uma situação de calamidade. A fome foi uma constante, sendo de salientar como momentos de maior aflição os anos de 1802, 1806, 1815, 1823, 1829, 1847. Os socorros vindos da Madeira ou de outras partes eram quase sempre escassos, e as soluções inventariadas para debelar a crise acabavam por não surtir efeito. Por isso, muitos saíram esfaimados para a Madeira ou para outras paragens à procura do pão que a sua terra lhes negava. Em 5 de fevereiro de 1855, foi necessário fazer uma subscrição pública para pagar o frete que fazia o transporte de 60 trabalhadores para a Madeira. Ao espectro permanente da fome juntaram-se outras situações que agravavam o sofrimento dos porto-santenses. Algumas enfermidades, como bexigas (1859), cólera morbus (1856) e febre escarlatina (1857), alargaram a chaga do sofrimento desta gente. Por fim, em 1852, até o vinho, um dos raros recursos da ilha, sucumbiu sob o ataque do oidium aos vinhedos. Piratas e corsários Uma das notas dominantes da história da ilha do Porto Santo é a sua vulnerabilidade aos assaltos de piratas e corsários. A extensa praia, que mais tarde se tornou um dos principais atrativos da ilha, foi durante cinco séculos um dos maiores entraves a uma adequada salvaguarda das pessoas e dos seus haveres perante a investida de qualquer intruso. Estas dificuldades naturais, associadas ao pouco empenho das autoridades em delinear um sistema de proteção e defesa capaz, transformaram a ilha num campo aberto a estas investidas. Gaspar Frutuoso faz eco desse quase total abandono a que estavam sujeitos os porto-santenses. Segundo ele, o próprio capitão a quem incumbia a defesa residia na Calheta, e só no período estival, “por ser tempo de corsários franceses, que muitas vezes a saqueiam”, ia à ilha, altura em que a defendia “mui valorosamente” (FRUTUOSO, 1873, 53). Mesmo assim, o historiador das ilhas conta que, no período de Diogo Perestrelo, o Porto Santo foi saqueado por três vezes. Porto do Porto Santo. Foto BF Do séc. XV ao séc. XVIII, os anais da história registam inúmeros assaltos que marcaram o quotidiano atribulado dos porto-santenses: a incerteza da segurança dos seus haveres; os atropelos ao culto religioso, com as profanações; e o permanente temor gerado pela presença de algum veleiro na linha do firmamento. Esta insegurança e este temor, manifestados já no séc. XV, promoveram, em 1498, uma má receção a Colombo, altura em que este se encontrava no decurso da sua terceira viagem. O aparecimento da sua imponente frota fez pensar em mais uma razia de piratas: ninguém sonhava que era Colombo, todos consideravam que os Franceses estavam de volta. Todavia, nesta época não se conhece nenhum assalto francês; o único assalto desta centúria realizou-se na déc. de 70 por iniciativa dos Castelhanos. Os Franceses chegam, e em força, no século seguinte. O primeiro assalto deu-se em 7 de junho de 1550, tal como o descreve João de Brito numa carta enviada ao Rei no ano de 1552. Depois, foi o assalto de 1566 à Madeira, que havia começado no Porto Santo. Mais tarde, em 1590 e em 1690, há outras duas investidas dos Franceses, que chegaram a incendiar a igreja matriz e algumas habitações. O maior e principal terror dos porto-santenses foram, sem dúvida, os piratas argelinos, que até 1827 continuaram a ser o principal perigo para a ilha e para os mares circunvizinhos. Para a história ficaram célebres três assaltos – 1600, 1615 e 1617 – que levaram a um abandono quase total da ilha. Os assaltos do ano de 1600 e do ano de 1615 não se comparam ao do ano de 1617. No caso do segundo, valeu-lhes o pronto-socorro enviado da Madeira, sob o comando de Manuel Dias de Andrade. O ano de 1616 preludiava um novo momento de aplicação para as gentes insulares, que tiveram de se haver de novo com estes algozes. Em junho, os Argelinos atacam a incauta ilha de Santa Maria, e, a partir daí, sucederam-se os avisos às demais ilhas, que nunca chegaram ao Porto Santo, a próxima vítima. A Câmara e demais autoridades do Funchal, avisadas, tomaram as devidas precauções em julho de 1617, não avisando os porto-santenses, que, na terceira semana de agosto, foram apanhados de surpresa pela Armada de oito navios. Mesmo assim, o Sarg.-mor João de Viveiros resistiu dois dias, faltando-lhe depois meios humanos e materiais para resistir mais tempo. Como resultado, deu-se a razia quase total da vila e 900 pessoas foram cativas. A ilha ficou quase deserta, e só terão conseguido escapar à fúria dos assaltantes 18 homens e 7 mulheres. Seguiu-se uma ação concertada por parte da Mesa de Consciência e Ordens para providenciar o necessário resgate. Os corsários berberiscos tinham um interesse especial pelas mulheres e crianças; relativamente aos despojos, interessavam-se pelos mantimentos, de que muitas vezes careciam. Na sua violência, procuravam destruir a memória coletiva de uma tradição que era preciso quebrar. O seu périplo era considerado uma continuidade da jihad (guerra santa), pelo que procuravam apagar nos cativos a imagem do passado religioso e trazê-los à religião do profeta. A cobiça pelo sexo feminino resultava fundamentalmente da necessidade que delas havia para alimentar os haréns. Quanto aos cativos, refere-se quase sempre a sua espera pelo ambicionado resgate; estes ignoravam como isso se haveria de fazer e o que sucederia se este nunca chegasse. Sabemos que a maioria dos cativos pelos peninsulares era feita escrava, sendo raros os casos do seu uso como troca pelos cativos cristãos. Mas o destino dos que eram cativos ou levados pelos corsários era diferente. Ofereciam-se-lhes duas hipóteses: perpetuar o cativeiro até à morte, mantendo a condição de escravos, ou aguardar o pagamento do resgate por parte dos familiares ou de instituições criadas para o efeito. É de referenciar que, a exemplo do que sucedia nos reinos cristãos, os cativos havidos na jihad ou no corso eram considerados escravos se fossem pagãos ou descrentes. Todavia, o cativo tinha os seus direitos, sendo-lhe facultada a possibilidade de alcançar a liberdade antes de ser lançado no mercado dos escravos. As cidades tinham espaços de acolhimento para receber os cativos enquanto estes aguardavam este momento. O principal empenho dos árabes estava no volume do resgate alcançado com a libertação do cativo, e não, a exemplo do que sucedia com os cristãos, no usufruto dos seus serviços como escravo. Por isso, talvez se torne compreensível a revolta dos mouriscos feitos escravos, que não se conformavam com a sua situação, e expressavam-no com violência. Os mouriscos, na Madeira ou nas Canárias, foram quase sempre sinal de perigo e violência, daí o apertado espaço de convívio social estabelecido pelas posturas. Diferente era o destino do cristão feito cativo. A sua passagem à condição de escravo era tardia e só tinha lugar quando se esgotavam as vias do resgate. Note-se que, por vezes, concedia-se a liberdade a um deles, que regressava à sua terra com o objetivo de conseguir o valor estabelecido para o resgate. Existiam, ainda, os alfaqueques, isto é, os encarregados de negociar o resgate dos cativos. Em 1442, Martim Fernandes estava incumbido dessas funções ao serviço do infante D. Henrique. O preço do resgate era estabelecido pelo detentor do cativo, e de acordo com a sua condição social e as suas posses. Aqui, o que contava era o património deixado algures, e a solidariedade dos seus, principais aferidores do mercado escravocrata, nunca a idade ou as capacidades físicas. Deste modo, os mouriscos submetiam todos os cativos a um demorado interrogatório para saber das suas reais condições económicas. A premência desta realidade levou a Coroa a estabelecer uma estrutura de apoio à libertação dos inúmeros cativos das praças africanas. A partir de 1484, existiu no Funchal o cargo de mamposteiro-mor dos cativos, que tinha a superintendência de receber as esmolas para o resgate dos cativos. No séc. XV, era comum pedir-se esmola para o resgate de cativos, pelo que a Coroa estabeleceu esta estrutura para coordenar estas dádivas e outras, estabelecidas por testamento ou alcançadas através das penas pecuniárias estabelecidas nas posturas municipais. A situação criada com os assaltos às ilhas de Santa Maria e do Porto Santo, em 1616 e 1617, respetivamente, levou a Coroa a intervir, assumindo a Mesa da Consciência e Ordens a liderança das negociações para libertar os cativos. Estávamos perante cativos de tenra idade, havendo o perigo de deixarem a fé, como acontecia com alguns. Nesta guerra santa, prevaleceram sempre os interesses de uma religião oficial e, à custa dela, campeou por vezes a violência. O porto-santense esteve sempre exposto às ameaças dos piratas e corsários, faltando-lhe armas pessoais e um concertado plano de fortificação e defesa. Tudo isso era o resultado da falta de meios financeiros, devido à extrema pobreza da ilha. Além disso, o assalto de 1566 ao Funchal fizera incidir todos os espaços para o relançamento do plano de defesa da cidade. Perante isto, restava apenas a possibilidade de uma resistência efémera ou a fuga para os locais mais recônditos da ilha. A tradição refere alguns destes locais, como a gruta dos Homiziados e a gruta do Porto do Eiró. O Pico do Castelo foi considerado uma fortaleza inexpugnável e o principal refúgio das populações em fuga. Este espaço só foi preparado como recinto defensivo depois deste assalto do ano de 1617, existindo, desde o ano de 1624, o cargo de condestável do Castelo do Pico. Nos anais do município de 1850, refere-se a existência do referido pico: “Umas boas casas, com paiol, casinha e forno, e uma boa cisterna, e além de três ou quatro peças montadas. Aqui faziam os habitantes, anualmente, nos primeiros tempos, um depósito de biscoito, e enchiam a cisterna de água [...]. Era este Castelo o ponto e refúgio, para onde se retiravam os habitantes, quando eram assaltados pelos argelinos e piratas franceses” (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 14). Opinião idêntica tem Álvaro Rodrigues de Azevedo, que, em 1873, afirma que a fortaleza do Pico do Castelo “era mais um refúgio que uma praça”, pois o pico apenas se defende “por íngreme e pedregoso, que só com as pedras em que abunda, se defende, e por isso a expedição era mais hospitaleira que de guerra” (FRUTUOSO, 1873, 626). A primeira fortaleza na vila, o forte de S. José, foi construída no tempo do marquês de Pombal. Este novo plano foi estabelecido em 1769 por Francisco Alincourt, que preconizava a defesa da praia com duas vigias do Pico do Castelo. Com o suor arrancado da terra No parco espaço da ilha, a área agrícola é diminuta, mas esta pequenez mais se acrescenta se tivermos em conta que a indisponibilidade de água tornava difícil definir uma vocação agrícola. Apenas algumas culturas de sequeiro poderiam medrar. E ainda estas tiveram poucas possibilidades em termos de uma economia de exportação, mesmo nos domínios da cerealicultura. As condições do ecossistema não possibilitaram culturas com um alto valor mercantil, como a vinha e a cana-de-açúcar, mas apenas uma aposta na cerealicultura, que dominava uma economia de subsistência. Aliás, as primeiras dificuldades surgiram já no séc. XV, sendo também o resultado da praga dos coelhos. Segundo Zurara, os ditos coelhos “empacharam a terra, de guisa que não podiam semear nenhuma coisa” (FERREIRA, 1959, 63). De acordo com Zurara, por volta de 1446, na ilha só se podia criar gado e aproveitar o sangue-de-drago, que parece ter existido em abundância. Todavia, Cadamosto, nove anos depois, é de opinião diferente, referindo que a ilha “produz trigo e cevada para seu consumo” (ARAGÃO, 1981, 35). Em 1506, esta ideia é corroborada por Valentim Fernandes, e, em 1567, por Pompeo Arditi, que não hesita em afirmar que a ilha é “muito fértil em trigo e aveia” (Id., Ibid., 129). Num documento de 1559, em que os moradores do Porto Santo se manifestaram contra a revenda do seu cereal na Madeira, reafirma-se a aposta da ilha na cerealicultura. Esta medida é considerada danosa “por não terem na dita ilha outra lavoura alguma nem de que vivam salvo trigo cevada centeio de que compravam toda as coisas para seu repairo de suas pessoas e família” (GUERRA, 1991, 59). Deste modo, era com o cereal que os porto-santenses adquiriam na Madeira os demais produtos de que necessitavam para o seu dia a dia. Isto justifica a aposta preferencial neste produto, a que não era alheia a dinâmica de uma economia de troca. Aliás, a ilha, no decurso do séc. XVI, firmou-se através da cultura da cevada, que adquiriu uma importância fundamental, por ser o alimento dos cavalos. Neste sentido, o Porto Santo afirmou-se como um destacado centro produtor de cevada: no período compreendido entre o ano de 1527 e o ano de 1561, as estrebarias reais receberam 354 moios e 57 alqueires de cevada. Em finais do séc. XVI, Gaspar Frutuoso insiste na elevada fertilidade do solo da ilha: 1 moio de semeadura dava 60 de colheita. Neste caso, o autor realça as terras do norte, mais especificamente o local das Areias, “onde dá conta de muito centeio e trigo” (FRUTUOSO, 1873, 49), não obstante as terras estarem preparadas para a cevada e para o centeio. Foi curta a dominância da ilha do Porto Santo no âmbito da cerealicultura, pois, a partir do séc. XVII, sucedem-se inúmeras dificuldades, havendo mesmo que buscar socorro na Madeira para a manutenção das suas gentes. Mesmo no séc. XVI, quando a seca apertava, houve momentos de dificuldade na cultura de cereais. Assim sucedeu em 1528, como se pode verificar na explicação apresentada para que a tença de Manuel de Noronha não fosse paga em 20 moios de trigo e cevada. O mesmo ocorreu em 1552, pois, o Cap. Diogo Enes Perestrelo comunica ao Rei a impossibilidade do envio de 300 moios de cevada, adiantando como razão o facto de a seca ter destruído as searas. Maiores dificuldades surgiram no séc. XVII, tornando-se necessária a vinda de cereal da Madeira, como sucedeu em 1675 e em 1683. No séc. XVIII, confirma-se a perda irremediável desta parca fonte de riqueza. Carvalho da Costa, na Corografia Insulana (1712), afirma que a ilha caminhava a passos largos para a desertificação e para o abandono dos poucos habitantes. Os responsáveis eram: as areias que avançavam, ameaçadoras, sobre os terrenos de cultura, a seca, e as ameaças de piratas e corsários. Em 1718, afirmava-se que “até os pobres da ilha da Madeira participam das mesmas pressões, que vindo buscar em o Verão dois alqueires de pão a troco do suor do seu trabalho, e da sua indústria para matarem a fome, vão escandalizados e não pagos do seu suor, e se não se queixam, é por temer, porque quem não tem que comer, não tem boca para queixar-se” (GUERRA, 1991, 72). O relatório sobre a ilha do Porto Santo elaborado em 1769 por Francisco Alincourt apresentava esta realidade, sendo já evidente a extrema dependência que a ilha tinha dos fornecimentos do exterior. Assim, os cerca de 167 moios de cevada, trigo e centeio semeados davam apenas para o sustento das suas gentes por 5 meses. Como corolário disto, em 1774, o regimento da agricultura passou a controlar a vida agrícola da ilha, no sentido de obviar as dificuldades, que começavam a ser gritantes. Relativamente aos cereais, o regimento, além de estabelecer inúmeras recomendações sobre a sua cultura, proibia a saída de qualquer cereal para fora. Em maio de 1782, a Câmara do Porto Santo decide a vinda de 50 homens da Madeira para as ceifas, e em 1786, a de 75 pessoas, mas o pagamento deveria ser feito em numerário, tendo o procurador do concelho requerido o controlo das saídas do cereal da ilha. O solo da ilha estava em progressivo estado de degradação, mercê das invasões das areias, tornando inevitável o abandono das culturas. Em 1848, de acordo com os anais, “as terras rendiam cada vez menos, os suportes térreos estão destruídos, ninguém os repara, a erosão é grande, não há pastos para o gado e quase nada cresce” (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 46). Da vivência da cerealicultura no Porto Santo restaram alguns vestígios materiais: as eiras, os moinhos de vento e as matamorras, consideradas uma herança mourisca. Estas eram usadas para guardar o cereal e os demais haveres da cobiça dos piratas argelinos, e para proteger do sequestro. Eram abertas no chão das casas ou em espaços abrigados e recônditos. Para o fabrico da farinha, uma vez que, no Porto Santo, os cursos de água eram parcos, a população socorria-se muito dos moinhos de mão, das atafonas e, a partir de 1603, dos moinhos de vento, que continuaram a dominar a paisagem. No início, havia uma azenha do capitão a funcionar, mas a partir do séc. XVII, por falta de água, foi substituída pelas atafonas e pelos moinhos de vento. No séc. XVI, são referenciadas duas das primeiras atafonas e uma ordem régia para construir um engenho. As atafonas dominaram todo o sistema de fabrico da farinha até ao séc. XIX, altura em que começou a generalizar-se o uso do moinho de vento, não obstante ter-se apostado, em 1814, num moinho de água. O primeiro moinho de vento terá sido construído em 1792, por iniciativa da Câmara, no sítio das Matas. Mas foi a partir de meados do séc. XIX que se generalizou o seu uso, passando a ser uma nota dominante na paisagem. É muito provável que os primeiros colonos tenham plantado algumas videiras quando iniciaram a ocupação da ilha, como foi hábito em todo o espaço português. Mas o solo não foi, de certeza, propício a isso, pois os primeiros cronistas são omissos quanto a esta cultura. Todavia, Gaspar Frutuoso, em finais do séc. XVII, refere nas proximidades da vila “muitas vinhas, que dão muito boas uvas” (FRUTUOSO, 1873, 46). Na mesma época, Leonardo Torriani refere a existência de uvas, “que por serem poucas se não faz vinho” (TORRIANI, 1959, 262). Por muito tempo, a videira acompanhou o íncola quase no esquecimento, e foi pouco, para não dizer nulo, o empenho por parte das autoridades em promover a sua cultura. No regimento para a agricultura da ilha, em 1774, esta só era permitida em terrenos impróprios para a cerealicultura. Passados 10 anos, a intenção era promover a cultura, tendo-se enviado alguns bacelos para o inspetor de agricultura Pedro Tello de Menezes, que se apropriou dos mesmos para os plantar nas suas terras. As castas mais comuns eram a tinta do Porto Santo, o moscatel, o boal e o listrão, usadas maioritariamente como uva de mesa. Mas estes bagos tostados pelo sol também dão um vinho de elevada graduação alcoólica, para gáudio dos residentes e veraneantes. As dificuldades em alcançar um suplemento económico que garantisse a sobrevivência levaram as gentes da ilha a procurar de forma insistente novas fontes de riqueza e o ensaio de novas culturas. Assim, o íncola esqueceu-se de todo o perigo e lançou-se nos rochedos mais ingremes à procura da urzela. As notícias assíduas da morte de alguns incautos não intimidavam os apanhadores do líquen. Em 1857, fizeram-se os ensaios para a plantação de sorgo de açúcar. C. Smith viu as suas sementes frutificarem, anunciando-se esta, segundo os anais, como “um grande ramo de receita para os lavradores” (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 84). No ano imediato, o lavrador João José Lomelino plantou uma pequena porção de sorgo. Porém, a sua expansão estava condenada por falta de engenhos e alambiques. As condições do clima não ofereciam grandes possibilidades de aproveitamento pecuário na ilha. Note-se que, por diversas vezes, em razão da seca, o gado teve de ser transferido para a Madeira para não morrer de fome; mas a sua presença era imprescindível, que mais não fosse pela sua utilidade nos trabalhos agrícolas. As dificuldades permanentes na manutenção do gado miúdo nas serranias levaram à sua total extinção, de modo que, em 1706, os bardos estavam totalmente destruídos. A aposta estava quase limitada ao gado vacum, pelo uso que dele se fazia nos serviços agrícolas, como estabelecia o regimento de agricultura. Em muitas situações históricas, a natureza revela-se madrasta, apesar de ter presenteado o tão martirizado porto-santense com alguns dons: deu-lhe o usufruto das potencialidades económicas do dragoeiro; e, depois, o aproveitamento das riquezas piscícolas e minerais (a cal deu o nome a um ilhéu – o ilhéu da Cal). Em 1882, a aposta nos recursos minerais da ilha levou a Câmara a abrir um livro para registar os minerais. O primeiro recurso que mereceu a atenção dos navegadores portugueses foi o dragoeiro. A sua presença na ilha devia ser abundante, a darmos crédito ao que é referido por Cadamosto, Valentim Fernandes, Jerónimo Dias Leite e Gaspar Frutuoso. Aliás, essa abundância terá justificado o nome dado a um ilhéu – ilhéu dos Dragoeiros. Uma das suas principais utilidades resultava da extração do sangue-de-drago, muito usado na tinturaria; o que se revelou uma importante fonte de rendimento económico. A exploração da cal teve alguma importância na vida económica da ilha, tendo como principal finalidade colmatar a falta do mesmo elemento na ilha da Madeira, onde era usado nas diversas campanhas de fortificação e na construção de igrejas. O filão da cal estava no ilhéu de Baixo. No livro de Minas, estabelecido pela portaria de 2 de abril de 1868, registam-se duas minas de manganês, três de ferro, uma de alúmen e uma de traquite. Além disso, registam-se duas nascentes de água mineral, e, no ilhéu de Baixo, cinco de pedra calcaria. Entre o ano de 1895 e o ano de 1916, surgem num livro de licenças para exploração de pedreiras 45 licenças para a exploração da cal no ilhéu de Baixo e apenas 1 relativa ao ilhéu de Cima. No início destes trabalhos o aproveitamento da pedra de calcário era livre; o capitão ficava apenas com o dízimo, conforme preceituava a carta de doação da capitania. Todavia, em 1769, a extração era feita pela família do sargento-mor, que a considerava sua propriedade, passando esta, desde 1770, para a posse da Câmara, que, a partir de 1859, passou a usufruir do direito de 300 reis por tonelada de cal entrada na Alfândega funchalense. Para além disso, os barqueiros que transportavam a cal até ao Funchal estavam obrigados a levar lenha no regresso. Os barqueiros de Santa Cruz e Machico não acolheram de bom grado esta medida, mas, em 1834, ao serem colocados perante o aumento do direito sobre a barcada de cal, como medida de represália, foram obrigados a aceitar. O barro foi outro recurso utilizado pelos porto-santenses: no fabrico de telha e da louça, e na purga do açúcar. D. Manuel, por provisão de 1502, concedeu aos oleiros inteira liberdade para extrair o barro da terra sem qualquer impedimento dos seus donos. Em 1870, referem-se duas olarias. O sal também foi um recurso possível nesta ilha, mas nunca teve o desenvolvimento desejado. Era extraído do ilhéu de Fora e em algumas marinhas da costa Norte. Aliás, existe mesmo um sítio designado como Salinas. Os anais referem apenas as salinas da vila, que eram propriedade de Izidoro da Silva, residente no Funchal: “Das quais ele não tem tirado grandes lucros” (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 25). O mar garantia outros recursos imprescindíveis à dieta alimentar do porto-santense, podendo considerar-se, tendo em conta que a terra era parca em recursos, que era uma compensação da natureza madrasta. Valentim Fernandes refere que a ilha era rica em peixe. Porém, tirou-se pouco partido deste recurso, pelo que se importava muito peixe salgado, como o arenque, o salmão e o bacalhau. O pouco empenho dos pescadores contribuía para isso. Em 1783, pretendeu-se criar uma associação de pesca, com o intuito de renovar a frota, mas os pescadores retorquiram com a falta de peixe. Entretanto, um comprador que obrigou um arrais a ir pescar foi confrontado com tanta abundância que teve de enviar algum peixe para a Madeira; um corregedor denunciou a inércia destes pescadores, referindo que enquanto durava o dinheiro de uma pescaria não regressavam ao mar. Entretanto, em 1769, Francisco Alincourt aponta a necessidade de guarnecer os barcos para a pesca, bem como para a pesca da baleia, capaz de granjear elevados recursos. Esta seria uma forma de arruinar as atividades rentáveis e de abastecer a Madeira de peixe salgado. A praia é um dos mais ricos dons da natureza, e tem favorecido muito a ilha. O extenso areal dourado faz desta ilha um lugar aprazível para os banhos de mar, tornando-se por isso a estância balnear dos madeirenses. Note-se que, nos anais do Município datados de 1862, já é referida a atração dos estrangeiros pelas praias desta ilha e os seus efeitos terapêuticos. Pertencem ao Porto Santo dois momentos memoráveis da história do arquipélago que tiveram implicações na história do Atlântico. Em primeiro lugar, a ilha emerge como a primeira área portuguesa no Atlântico, sendo assim um marco importante na gesta quatrocentista. Em segundo lugar, a ilha está ligada a um dos mais importantes acontecimentos da expansão europeia – a descoberta da América por Colombo –, pois terá sido aqui que Colombo tomou conhecimento da existência de terras a Ocidente e preparou o seu arrojado projeto. Acresce ainda que o Porto Santo teve um papel importante na navegação do Atlântico, sendo uma referência constante nos roteiros das caravelas; servia como prova de rota segura. Aliás, refere-se que, antes da ocupação portuguesa, terá sido um ponto de apoio importante nas viagens castelhanas às Canárias. As barcas andaluzas faziam escala na ilha, onde os tripulantes podiam beber água e fazer carnagem das cabras e bodes aí deixados, no dizer de Valentim Fernandes, por Robert Machim. O Porto Santo foi a primeira experiência portuguesa no novo espaço atlântico, mas, por razões óbvias, não se revelou um bom prenúncio para este processo. O desastre ecológico provocado pelos coelhos prejudicou o primeiro assentamento: as necessárias e verdejantes searas desapareciam ao brotar da terra, tal era a voracidade dos coelhos recém-chegados. Deste modo, aquilo que se perspetivava como a primeira pedra do promissor reduto português no Atlântico parecia estar malfadado. Neste retrato tenebroso e de esquecimento, houve um facto que levou o nome desta ilha a ficar gravado em letras douradas nos anais da história europeia. Bastou apenas que o navegador se tivesse enamorado de uma das filhas do capitão do donatário e, atraído pelos relatos da esposa, fosse procurar refúgio no Porto Santo para as difíceis iniciativas comerciais e marítimas da época quatrocentista. Assim, Colombo alheou-se da vida do mar e do trato do açúcar e, acompanhado pela mulher, deambulou pelas ilhas do Porto Santo e da Madeira durante algum tempo. O texto do Fr. Bartolomé de las Casas é bastante explícito quanto a esta questão: “Asi que fue se a vivir Cristobál Colón a la dicha isla de Puerto Santo, donde engendró al dicho su primogénito heredero, D. Diego Colón, por ventura por sola esta causa de querer navegar, dejar alli su mujer, y porque alli también se habia descubierto entonces, comenzaba a haber gran concurso de navios sobre su población y vecindad y frecuentes nuevas se tenían cada dia de los descubrimientos que de nuevo se hacian. Y este parece haber sido el modo y ocasion de venida de Cristobál Colón a España y el primer principio que tuvo del descubrimiento deste grande orbe” (CASAS, 1875, 54). No entanto, este testemunho não é considerado por alguns autores, que teimam em negar a ligação do navegador à ilha do Porto Santo. Sobre este casamento muito se tem dito no sentido de justificar a concretização do enlace. Mas continuamos a pensar, tal como o seu cronista, Fr. Bartolomé de las Casas, que terá resultado da Providência: “Foi vontade de Deus levar-lhe a mulher, porque convinha ao seu projeto” (Id., Ibid., 54). Há algumas situações que corporizam uma resposta cabal a esta dúvida. Em primeiro lugar, é necessário ter em conta que entre Perestrelos e Colombos havia afinidades, pois o pai do seu sogro tinha uma origem remota em Piacenza. Mais importante é o facto de a família Perestrelo ser italiana, sendo Bartolomeu Perestrelo filho de Filippo Palastrelli, que, em 1380, trocou Piacenza por Lisboa. Assim, estamos perante mais um italiano que se juntou à numerosa colónia existente em Lisboa, e que privava com a Coroa e com os príncipes empenhados no processo político do reino e nos Descobrimentos: Bartolomeu Perestrelo era um fidalgo da casa do infante D. João, o que contribuiu para que recebesse o privilégio de comandar o processo de povoamento da ilha do Porto Santo, pois, ao contrário do que habitualmente é referido, Bartolomeu Perestrelo não foi navegador, nem acompanhou João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira na gesta que reconheceu a ilha em 1419. O seu aparecimento como povoador do Porto Santo nos anos imediatos é um mistério que a história teima em não nos revelar. Enquanto povoador, Bartolomeu Perestrelo parece ter sido um homem de azar, pois, para além do aspeto inóspito da ilha, teve de enfrentar a praga dos coelhos. Não obstante, Valentim Fernandes refere que, em 1506, a façanha de conseguir das mãos do infante D. Henrique a posse desta ilha só se justifica pelo facto de aquele ter sido um homem poderoso. Mas quis o destino que a melhor fatia de terreno fosse atribuída a João Gonçalves Zarco, o menos poderoso, na boca deste autor. Bartolomeu Perestrelo foi também infeliz no seu relacionamento amoroso, uma vez que se encontrou viúvo por duas vezes, tendo-se casado sucessivamente com D. Margarida Martins, com D. Catarina Furtada de Mendonça e com D. Isabel de Moniz. Foi deste último enlace que nasceu Filipa de Moniz, que veio a consorciar-se com Cristóvão Colombo. Este facto singular tem sido contestado, porque, erradamente, se relaciona Isabel Moniz com a família de Tristão Vaz, considerando que era filha de Vasco Martins Moniz e de Joana Teixeira. As investigações de Anselmo Braamcamp Freire provaram que esta era filha de Gil Aires, o escrivão da puridade de Nuno Alvares Pereira e de Leanor Rodrigues, não tendo, portanto, qualquer afinidade com os Monizes de Machico. A remota origem italiana do capitão deste recanto e o seu relacionamento com a principal nobreza do reino não devem ser alheios ao encontro e casamento da donzela (encerrada no Convento de S. Domingos em Lisboa) com Cristóvão Colombo no final de 1479. A ascendência italiana facultara-lhe o contacto. De acordo com o seu cronista, Fr. Bartolomé de las Casas, após o casamento foram viver para as ilhas da Madeira e do Porto Santo, onde nasceu Diogo, o único filho deste enlace. A permanência no Porto Santo, e, depois, na Madeira, ainda que curta, deu-lhe a possibilidade de conhecer as técnicas de navegação usadas pelos Portugueses, e abriu-lhe as portas dos segredos guardados na memória dos marinheiros sobre a existência de terras a Ocidente. Las Casas e Fernando Colombo afirmam que este terá recebido das mãos da sogra escritos e cartas de marear, e que com essas e outras informações que recolhera junto dos marinheiros madeirenses deu forma ao seu projeto de navegar por essas paragens. Diz-se, ainda, que o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores), lhe dava conta de outras notícias das terras açorianas. A tudo isto se devem associar os estranhos despojos lançados pelo mar na praia da ilha, que despertavam a curiosidade dos naturais e forasteiros. O convívio de Colombo com as gentes da ilha deverá ter sido prolongado e cordial, pois, em junho de 1498, aquando da sua terceira viagem, não resistiu à tentação de fazer escala na vila. A sua presença foi considerada, como se referiu, um mau presságio, pois, os porto-santenses pensavam estar perante mais uma armada de corsários. Mas, desfeito o equívoco, o navegador foi recebido pelos naturais da terra com grande pompa, como viria a suceder na Madeira. Foi com este protagonismo que a ilha do Porto Santo deixou o seu nome lavrado em formato bem visível nos anais da história da expansão europeia.   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

História Política e Institucional

porto moniz

São tratados de forma sintética aspetos relacionados com: administração municipal, funcionários, atividades socioeconómicas, a evolução da população, património e principais personalidades que se destacaram. Palavras-chave: concelho, município, Achadas da Cruz, Porto Moniz, Ribeira da Janela, Seixal.   O povoamento do local conhecido como Ponta do Tristão, onde terminava a delimitação da capitania de Machico pela costa norte, ganhou importância a partir da fixação de Francisco Moniz, o primeiro sesmeiro. Foi ele quem mandou construir a capela sob invocação de N.ª S.ra da Conceição, que serviu de sede à capelania e, depois, à paróquia. No séc. XVII, foi construída outra capela para sede de paróquia em sítio mais abrigado, que se tornou, até ao séc. XXI, igreja paroquial. Sabemos que, em 1520, Francisco Anes deixou de servir na capelania, dando lugar a António Anes, que, em 1527, é já referenciado como vigário, o que indicia uma mudança de estatuto. O local começou por ser designado Ponta do Tristão em homenagem a Tristão Vaz, capitão desta capitania de Machico. Deste modo, até 1577, a paróquia era conhecida como de N.ª S.ra da Conceição da Ponta do Tristão; a partir daí, tomou o nome do primeiro povoador, Francisco Moniz, natural do Algarve, que se fixou ali em 1533, sendo casado com Joana da Câmara, uma das netas de João Gonçalves Zarco. Porto Moniz, 1965. Arquivo Rui Carita Em 1817, Paulo Dias de Almeida, na sua Descrição da Ilha da Madeira, defende a criação, no vale do Porto Moniz, de uma nova vila, separada da de São Vicente, devido aos sacrifícios que os seus moradores faziam para se deslocar a São Vicente através do Paúl. Foi aqui que se assentou, em 1835, a nova vila do norte da Ilha. Assim, o novo município seria composto pelas freguesias de Achadas da Cruz, do Porto Moniz, da Ribeira da Janela e do Seixal. No que toca a Achadas da Cruz, o nome deverá resultar da conjugação do acidente natural – as achadas –, com a invocação de Vera Cruz, da capela aí fundada no séc. XVI, cujo curato, criado em 1548, foi extinto em 1577. Por alvará de 28 de dezembro de 1676, foi restabelecido um curato de N.a S.ra da Conceição do Porto Moniz, com obrigação de o cura residir na localidade, sendo o primeiro cura o P.e Manuel Ferreira da Silva. Apenas a 24 de julho de 1848 se tornou paróquia. A primitiva freguesia de Porto Moniz era, pois, conhecida como Ponta do Tristão; com a morte do primeiro povoador, Francisco Moniz, terá passado a ter esta designação; não há consenso quanto à criação da paróquia, sendo apontadas as datas de 1520 e 1574. O Seixal esteve, durante muito tempo, isolada em relação a São Vicente e ao Porto Moniz. Paulo Dias de Almeida afirmava que era “a povoação mais remota da ilha e não tem comunicação por terra”. Além do mais o “porto de mar é muito mau e desembarca-se em uma grande lage” (CARITA, 1982, 69). O nome de Ribeira da Janela provém do facto de, a cerca de 100 m da foz da ribeira, se erguer um ilhéu com uma reentrância que faz lembrar uma janela aberta. Em 1516, era conhecida como Janela de Clara. Aí existiu, desde 1558, uma ermida sob a invocação de N.ª S.ra da Encarnação, destruída por uma aluvião, tendo sido erguida nova capela em 1699. Por carta régia de 4 de fevereiro de 1733, foi estabelecido um curato, filial da freguesia do Porto Moniz e, por carta régia de 24 de julho de 1848, foi elevada a paróquia. Paulo Dias de Almeida refere a povoação da Ribeira da Janela como lugar da “mais indecente igreja em toda a ilha”, devido à humidade, onde “a povoação é muito pobre e as choupanas dos camponeses estão entre os ramos, sendo por consequência muito húmidas” (Id., Ibid., 68). A presença da estrutura municipal na encosta norte do Porto Moniz foi tardia. Somente em 1744 tivemos o primeiro município com sede em São Vicente, com alçada sobre a área. Desta forma, a administração era feita a partir da vila de Machico. A vereação desta vila nomeava os oficiais da administração nas localidades, como eram o alcaide, o juiz e o escrivão dos lugares do Seixal, Porto Moniz e Ribeira da Janela. Com a criação do município de São Vicente, passa a ser maior a proximidade da vila e os moradores destes lugares podem participar na vereação. Assim, em 1774, o Alf. Francisco João da Costa foi nomeado almotacel e, em 1834, J. J. P. Machado, da freguesia do Seixal, era juiz ordinário. Não será, então, por acaso que os do Seixal, por intermédio de Manuel Inízio da Costa Lira, pediram ao Rei, em 1878, para serem incluídos no concelho de São Vicente. A Revolução Liberal abriu uma nova era à administração municipal, iniciada com a reforma de Mouzinho da Silveira. Assim, pela carta de lei de 25 de abril de 1835, o território foi dividido em distritos, concelhos e freguesias, donde resultou o aparecimento de novos municípios na Madeira. Na costa norte da Ilha foram criados os municípios de Santana e Porto Moniz, cujo território foi desmembrado dos territórios de São Vicente e da Calheta. O concelho do Porto Moniz, criado em simultâneo com os concelhos de Câmara de Lobos e Santana, por decreto de 25 de outubro de 1835, foi instalado a 31 de outubro do mesmo ano; foi suspenso por três vezes: a primeira, a 27 de novembro de 1849, para ser restabelecido a 24 de novembro de 1867; a segunda a 26 de junho de 1867, para ser restabelecido por decreto de 10 de janeiro de 1868, de forma que a vereação voltou a funcionar a 13 de abril; a terceira a 8 de novembro de 1895, para ser restabelecido por decreto de 13 de janeiro de 1898, de forma que a vereação estava instalada em 13 de fevereiro de 1899. A freguesia da Ponta do Pargo estava incluída no concelho, mas, por decreto de 26 de junho de 1871, passou para a Calheta. Com o Código Administrativo aprovado em 1878, ficou estabelecida uma estrutura de poder abaixo do município, coincidente com a área da circunscrição religiosa, conhecida como paróquia civil, que, com a lei n.º 621 de 23 de junho de 1916 passou a designar-se freguesia. Daqui resulta a confusão que é comum estabelecer-se entre a freguesia como circunscrição religiosa e como jurisdição religiosa. À luz da documentação disponível, não é possível esclarecer qual a data exata de criação da freguesia, entendida como circunscrição religiosa. Alguns autores apontam o ano de 1540, mas tudo indica que isto terá sucedido na década anterior. A freguesia, como circunscrição administrativa, surgiu por força da já referida carta de lei de 25 de abril de 1835. Mas esta é uma determinação genérica e não específica para o Porto Moniz. Daqui resulta que, à falta de melhor referência cronológica, podemos socorrer-nos da data que evoca o orago da freguesia. Note-se que, durante o período do Estado Novo, quando se decidiu estabelecer a data para o feriado e dia do município, optou-se, na maioria dos casos, pela do santo patrono da freguesia-sede. Porto Moniz. 1934. Arquivo Rui Carita O dia do concelho não deve confundir-se com o dia do santo patrono da freguesia que lhe serve de sede, pois, enquanto o primeiro tem uma abrangência total a todas as freguesias que integram a circunscrição, o segundo limita-se ao espaço da freguesia. Desta forma, a data mais adequada para o dia do concelho deve ser a da criação e não a de evocação no calendário religioso do santo patrono. No caso do Porto Moniz, a situação torna-se complicada devido ao seu processo conturbado de criação e dos primeiros anos de vida do concelho. O Elucidário Madeirense não apresenta dados credíveis. Assim, depois de enunciar que é “uma das mais antigas freguesias do Norte da Madeira” (SILVA e MENESES, 1978, 104), conclui que se ignora a data de criação, sendo o diploma mais antigo que a referência de 12 de março de 1572. Entretanto, no Dicionário Corográfico do Arquipélago da Madeira (Id., 1934, 279), o mesmo autor refere que a paróquia foi criada em meados do séc. XVI. João Adriano Ribeiro, no texto Porto Moniz, diz, de forma incorreta, que a freguesia foi criada “cerca” de 1572; e depois afirma que a primeira referência à igreja é de 1518. Com o advento do liberalismo, ao contrário do que sucedia no período monárquico, a cria­ção ou suspensão do município ou freguesia não eram obrigatoriamente personalizadas, acontecendo sob a forma de decreto conjunto, de acordo com a conjuntura política. Mesmo assim, a data não deixa de ter interesse, pois marca o início da estrutura de poder. Embora o ato de criação seja o momento mais importante da vida da instituição municipal, é a sua instalação que marca o momento do exercício pleno. Pelos decretos de 7 de novembro de 1849 e de 10 de dezembro de 1867, que extinguiram o concelho do Porto Moniz, ficaram as freguesias do Porto Moniz, do Seixal e da Ribeira da Janela incorporadas no concelho de São Vicente, e a da Ponta do Pargo no da Calheta. Quando o mesmo concelho voltou a ser extinto pelo decreto de 18 de novembro de 1895, todas as freguesias que dele faziam parte passaram para o concelho de São Vicente, à exceção da das Achadas da Cruz, que foi incorporada no concelho da Calheta, ao qual pertencia já, como se viu, a freguesia da Ponta do Pargo. População Não obstante o Porto Moniz oferecer boas condições em termos de abordagem, tendo-se mesmo pensado, no séc. XIX, transferir para lá o principal porto da Ilha, a questão da distância em relação aos principais núcleos populacionais da vertente sul deve ter tido peso no atraso do arranque da sua valorização em termos populacionais. Diz-se que terá sido com Francisco Moniz que se deu esse arranque decisivo. Na déc. de 90 do séc. XVI, Gaspar Frutuoso refere 30 casais no Seixal e na Madalena, com 30 fogos, e nada refere acerca do local que delimitava as duas capitanias e que era referido como a Ponta do Tristão. Porto Moniz, Praça do Lyra. Arquivo Rui Carita De acordo com o recenseamento de 1598, tinha então 104 fogos e 374 almas de confissão, e o Seixal tinha 18 fogos e 200 almas de confissão. Não aparece, todavia, qualquer referência à Ribeira da Janela e às Achadas da Cruz, o que poderá dizer que ainda não tinham população. António Carvalho da Costa, em Da Geografia Insulana (1713-1714), refere a freguesia do Seixal com 300 vizinhos e o Porto Moniz com 30 vizinhos, mas nada refere acerca dos demais núcleos de povoamento. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha, por sua vez, dá conta, no Seixal, de 423 almas em 121 fogos, o Porto Moniz com 304 fogos e 1114 almas. Já A Descrição (1817-1827) de Paulo Dias de Almeida refere 4019 habitantes e 861 fogos. Para o período de 1835 a 1847, temos apenas a indicação do número de habitantes: 7332 em 1835, 7164 em 1839, 7243 em 1843, 6141 em 1847. Em 1850, temos, no Porto Moniz, 601 fogos e 2295 habitantes; o Seixal com 256 fogos e 986 habitantes; e a Ribeira da Janela com 179 fogos e 607 habitantes. Na segunda metade do séc. XIX, o movimento populacional decresce por força do fenómeno da emigração. Assim, em 1864, contam-se 5964 habitantes no concelho, que em 1878 eram já de 4559, em 1890 de 4265, e em 1900 de 4206. O Porto Moniz tinha, em 1930, 5058 habitantes. Nos censos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1990, contabilizam-se, respetivamente, 6170, 6382, 6175, 6422, 5917, 4480, e 3963 habitantes. Economia A economia do concelho assenta na terra e na floresta vizinha. A pecuária assume aqui um papel importante, como se vê pela feira do gado iniciada em 1956, bem como pela construção de uma fábrica de manteiga, de iniciativa do advogado e proprietário João de França Cosme (1874-1952). No começo, porém, as riquezas do lugar geriam-se à medida das condições e das necessidades. Podemos observá-lo na fazenda de Francisco Moniz, que era o principal polo de atividade na localidade. De acordo com um documento de 1516 (SOUSA, 1985, 186) sabemos que tinha 14 escravos ao seu serviço. Para além de grandes extensos de terreno de meios indispensáveis ao processo produtivo, o património da casa estava organizado da seguinte maneira: no sector pecuário, temos 4 bestas de albarda, 8 éguas, 5 poldros, e 8 asnos e burros, certamente usados no transporte; destinados à lavoura e criação, 28 vacas e bezerros, 30 porcos, 70 cabras e 1 bode. As terras produziam maioritariamente cereais, pois sabemos que Francisco Moniz tinha um compromisso de pagar 50 moios ao Convento de S.ta Clara, e a sua mulher refere, em 1516, que tinha 23 moios, sendo 3 para semear e 5 para comer. Refere, ainda, 2,5 moios de centeio, e 4,5 moios de cevada; e 6 pipas de vinho encascado. Não podemos esquecer que o Porto Moniz tinha na terra cultivada a sua principal riqueza, complementada com uma importante retaguarda de pastos e florestas. O bom porto da Fajã dava, assim, escoamento a lenhas, tabuado, gado, cereais, vinho e inhame para abastecer especialmente o Funchal. Esta ideia da riqueza agrícola e pecuária é testemunhada, na déc. de 90 do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso, que refere que o Seixal “tem muitas terras de grandes criações, e lavrança de pão, e vinho, e fruta de toda sorte” e que a Madalena “tem muitas criações e lavoura de pão, e muitas águas” (FRUTUOSO, 1966, 134). Em termos de testemunhos históricos sobre a riqueza do concelho, só voltamos a ter informação em 1787, nomeadamente sobre os cereais na Ribeira da Janela e Achadas da Cruz: 155 moios de trigo, 27 de cevada e 8 de centeio; e, no Seixal, 17 moios de trigo, 6 de centeio e 30 alqueires de cevada. Paulo Dias de Almeida refere a produção de 1733 pipas de vinho e 294 moios de trigo, afirmando, relativamente às Achadas da Cruz e a Santa Maria Madalena, que o terreno é “muito bom” (CARITA, 1982, 84). O vinho do Porto Moniz era escoado para o Funchal e existia, em torno deste processo, uma especulação por parte dos compradores, que assumiu tal escândalo que a Igreja viu-se na obrigação de intervir para condenar as usuras. Em 1726, o bispo intervém, condenando a compra de vinho por adiantado. Note-se que, em 1787, o Seixal produzia 380 pipas, e o Porto Moniz (incluindo Ribeira Janela e Achadas da Cruz) tinha 318 pipas de vinho. Em A Descrição, mais uma vez, lê-se que o Porto Moniz “é o melhor porto que se encontra na ilha”, e que a população vive no alto, “nos magníficos terrenos de Santa Maria Madalena” e que “os habitantes mais ricos tem as suas propriedades em baixo, no porto, e ali têm os armazéns” (Id., Ibid., 67) A cultura da semilha encontrou, aqui, terreno propício, apesar de ter sofrido os efeitos da doença de 1846-47, falando-se, ainda em 1877, dos seus efeitos nefastos sobre a colheita. O vinhedo não foi muito danificado com o oídio, de forma que, em 1863, havia 23 lagares em funcionamento, 7 dos quais nas Achadas, 3 na Ribeira da Janela, 2 no Porto Moniz e 11 no Seixal, o que releva a importância da cultura da vinha nas Achadas da Cruz e no Seixal. Aliás, em 1877, esta freguesia produziu 1000 pipas de vinho. A produção de vinho era considerada excelente. Os cereais estão também presentes na atividade agrícola do concelho – os terrenos, aliás, apresentavam boas condições para isso; além disso, eram fundamentais para a dieta alimentar das populações. Escasseiam os dados da produção, mas temos informação sobre os moinhos em funcionamento: em 1836, temos um nas Achadas da Cruz, dois no Seixal e na Ribeira da Janela, e sete no Porto Moniz; entre 1856 e 1863, são referidos dois na Ribeira da Janela, nove no Porto Moniz e cinco no Seixal; em 1911, temos seis no Porto Moniz, um no Seixal, um na Ribeira da Janela, e um nas Achadas da Cruz; e em 1936 temos cinco no Porto Moniz, um no Seixal e outro nas Achadas da Cruz. O interesse e valorização da cana-de-açúcar no concelho é testemunhado pela presença de engenhos. No espaço do município do Porto Moniz, só temos notícia da presença de engenhos a partir de meio do séc. XIX. A cultura da cana sacarina e, de modo especial, o sorgo, expandiram-se até aqui. No Seixal, existiram três engenhos movidos a água para o fabrico de aguardente, instalados por José Homem de Gouveia: um no sítio da Serra de Água, em 1857; e outros dois em 1890, um no sítio do Corpo Comprido e outro no Lombo do Moinho, respetivamente. Surgiram ainda, em 1895, duas novas destiladoras uma de Manuel Luísio da Costa Lira e a outra de uma sociedade composta por João António de Andrade, Manuel Estêvão Pereira Machado, Daniel Joaquim de Souza Pinto e António Rodrigues Gouveia Jardim. No Porto Moniz, a única fábrica de moer cana doce e fabricar aguardente – conhecida como Fábrica da Conceição –, surgiu na vila, em 1907, propriedade da sociedade Gouveia Lima e C.ª, dividida entre Manuel de França Dória, António Domingos de Gouveia, João Correia e Manuel de Lima Júnior. A fábrica laborou até 1923, mas o edifício e a chaminé mantiveram-se de pé até 1990. No concelho, e neste contexto económico, é de sublinhar ainda a presença da norça (Tamus edulis Lowe), planta trepadeira que dá um tubérculo muito parecido ao inhame, comestível, no qual foi feito um investimento, e da floresta Laurissilva, causa do desenvolvimento da produção de azeite de louro, usado na medicina popular. Acresce que o aproveitamento dos recursos florestais foi, sem dúvida, fundamental para as populações do concelho. A criação de gado – vacas, porcos, cabras e cavalos – está entre as atividades mais relevantes. Em 1726, o bispo refere a usura no gado dado de meias, como vacas, cabras e ovelhas. Em 1876, a partir de um inventário do gado do concelho, sabemos existirem 1700 porcos, 1400 cabras, 1600 ovelhas, 2000 vacas e 30 cavalos. O mar, neste quadro, não é um recurso muito importante, apesar da sua proximidade. Em 1863, o concelho não dispunha de condições para se abastecer de peixe e estava sujeito ao que vinha de fora. Em 1894, havia na vila uma praça do peixe. Já nos princípios do séc. XX, parece que, no Seixal, a pesca teve um grande incremento. Há referência a muitos pescadores da localidade que iam a São Vicente vender os excedentes, permitindo que as populações rurais do concelho pudessem trocar peixe pelos produtos da terra. Além disso, desde inícios do séc. XVIII que temos notícia da pesca à baleia, que veio a acontecer, de forma provisória, em 1939, com a Companhia Açoriana de Pesca à Baleia, que aí instalou a sua fábrica, antes de passar de forma definitiva ao Caniçal. Porto Moniz. Caça à baleia. Arquivo Rui Carita O mar é uma presença atribulada e incerta na economia destas terras do Norte. A ondulação e os ventos fortes geram dificuldades e perdas no comércio de cabotagem interna. Por terra, a dificuldade era ainda maior, como nos conta Paulo Dias de Almeida, em 1817: “É a povoação mais remota da ilha não tem comunicação por terra com as outras freguesias, senão com muito perigo, A este lugar não se pode ir a cavalo e mesmo de rede é com muita dificuldade. Para S. Vicente há uma comunicação dos vilões pela rocha, que devia ser proibida, porque sempre dela cai gente ao mar. É esta feita em grande distância, com paus presos na rocha à semelhança de escada, amarrados com vimes, e tem sucedido muitas vezes desatarem-se os paus, e irem pela rocha abaixo, sempre caindo gente ao mar. Chega a temeridade destes povos ao ponto de transitarem ali carregados com um borracho de vinho que leva dois almudes e meio” (Id., Ibid., 69). Desta forma, não obstante os contratempos, não esmorece esta facilidade que o transporte marítimo concede no escoamento dos produtos, por falta de adequados transportes terrestres. Mas as populações do Porto Moniz sempre tiravam algum lucro desta ligação e da presença do mar, quer por salvados, que eram frequentes nas costas do Porto Moniz, no séc. XIX, quer pela proximidade de navios estrangeiros, que permitiam algumas trocas de legumes, vinhos, cereais, gado e aves, fora dos olhares dos guardas da Alfândega. Por isso, a partir de 1849, discutiu-se a necessidade de estabelecer um posto alfandegário e de criar condições para que aqui existisse um desembarcadouro e para que os refrescos dos navios se fizessem de forma legal. Em 1863, dizia-se que “quase todos os dias por aqui passam dezenas e dezenas de navios, uns lá por tão longe que apenas se apercebem no horizonte, outros tão próximo que a olho nu é vista a tripulação” (RIBEIRO, 1966, 149). Ribeira da Janela. Foto BF Ribeira da Janela. Foto BF Este contacto permanente com os navios estrangeiros, que demandavam esta costa, abriu as portas ao contrabando, pois o mar era aberto e nada impedia que ele se fizesse, tal era a precariedade da vigilância costeira. Desta forma, em 1853, o diretor da Alfândega é contrário à pretensão da construção de um ancoradouro do Porto Moniz, alegando que “era oferecer aos contrabandistas uma paragem segura para ali virem os navios escudados com a lei, a título d refrescar, descarregar os contrabandos que introduziriam facilmente em terra, aquem e alem do desembarcadouro” (Id., Ibid., 148). Na verdade, um grupo numeroso de barqueiros, pescadores e adelos atuava aqui licitamente, mas fundamentalmente à espera de uma oportunidade para o contrabando. A abertura desta costa e a quebra do isolamento do Seixal acontecem a partir de meados do séc. XX, com a construção da estrada que liga São Vicente ao Porto Moniz, que se assumiu como um dos principais cartazes nos itinerários turísticos. O último troço a ser aberto foi entre o Seixal e a Ribeira da Janela, a 28 de maio de 1954. Património e personalidades a recordar No que diz respeito ao património do local, já no séc. XXI, merece referência o Aquário da Madeira e o Centro de Ciência Viva, no centro da vila. A memória patrimonial em termos artísticos e arquitetónicos não merece uma referência especial, pois espelha a situação histórica do concelho em termos de criação de riqueza. Daí a aposta na funcionalidade e sobriedade dos templos que, ainda hoje, servem de sede às paróquias. A propósito das personalidades dignas de memória, refiram-se as seguintes. Manuel Inísio da Costa Lira (1805-1877), comerciante e cidadão benemérito natural do Seixal, que fez muito pelos seus vizinhos e pelo Funchal. No Seixal, temos João de Azevedo (1807-1843), que se destacou pela sua ação como soldado durante as Guerras Liberais; foi um dos 7500 bravos que desembarcaram no Mindelo a norte do Porto em 8 de julho de 1832. Também se destacou na batalha do Cabo de São Vicente em 1833, tendo recebido o colar da Ordem da Torre e Espada, o que motivou, no séc. XXI, a designação de uma rua em sua homenagem no Seixal. Nas Achadas da Cruz, temos outro cidadão benemérito, o comendador Manuel de Pontes Câmara (1815-1882), que emigrou para o Brasil, onde foi um importante empresário. A estas três, que merecem especial destaque, somem-se ainda outras personalidades que merecem figurar no panteão de cidadãos ilustres deste concelho e ser referidas por nome, ao menos. No Porto Moniz: os médicos Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939), e Fernando Tolentino da Costa (1874-1957), os padres João Joaquim Pinto (1853-1919) e Manuel Joaquim de Paiva (1867-1935), o Dr. João de França Cosme (1874-1952), o militar Francisco Maria Henriques (1879-1942), o Cón. Manuel Gomes Jardim (1881-1949), o Cón. Jaime de Gouveia Barreto (1887-1963), o Eng.º Américo Homem de Gouveia (1891-1970); nas Achadas da Cruz: o militar Carlos Alberto Gonçalves Marques (1879-1962), o advogado Heliodoro Hermenigildo José de Sousa (1894-1974), o P.e Angelino Sousa Barreto (1905-1985), o P.e José Gonçalves da Costa (1899-1967), o médico José Diamantino Lima (1908-1965), o P.e Manuel Joaquim de Paiva (1867-1935), o P.e João Joaquim Pinto (1853-1919), o Prof. Francisco dos Anjos França (1891-1955), o Eng.º Américo Homem de Gouveia (1891-1970), o proprietário Elias Homem de Gouveia (1848-1944). No Seixal: o militar Ernesto França Mendes Machado (1883-1966), o médico António Maria Vasconcelos Jardim (1918-1984), o proprietário Francisco Alexandrino da Costa Lira (1806-1877), o militar Ernesto França Mendes Machado (1883-1966), o P.e Joaquim Plácido Pereira (1885-1966). Por fim, na Ribeira da Janela: o advogado João Rodrigues Ponte (1903-1963). Ilhéu Mole, Porto Moniz. Foto BF   Alberto Vieira (atualizado a 15.02.2018)

História Política e Institucional