meneses, albino de
De seu nome completo Albino Espiridião de Meneses (Santana, 18 de dezembro de 1889-Funchal, 26 de abril de 1949), assinou alguns dos seus textos com o pseudónimo Adème ou com as iniciais A, A. E. M. ou A. M. Licenciado em Direito pela Univ. de Coimbra e senhor de uma vasta cultura, colaborou na imprensa madeirense a partir de 1907, destacando-se os periódicos Almanach de Lembranças Madeirenses, Diário da Madeira, Diário de Notícias, Diário Popular e O Primeiro de Dezembro. Mesmo vivendo alguns anos no continente, manteve a participação nos jornais da Madeira. Antes de partir para Coimbra, em 1909, cooperou com outros autores ilhéus no romance Uma Tragédia na Madeira, que ficou inacabado. Consta que escreveu um romance que, em 1918, a Livraria Teixeira tinha já no prelo, do qual se imprimiram somente algumas páginas por ter desistido de o publicar. Editores de Lisboa propuseram-lhe a publicação dos seus textos, o que recusou, alegando não produzir nada de valor. No continente, colaborou assiduamente em periódicos e revistas, nomeadamente em O Primeiro de Janeiro, do Porto, em 1913, e, já regressado à Ilha, em 1921, nas revistas coimbrãs Ícaro e Presença. Nesta última, em 1927, publicou o poema“Olá, vadio!”. Pouco se sabe da sua vida. No entanto, tem-se conhecimento de haver participado, de 1917 a 1918, na Primeira Guerra Mundial, o que lhe causou um problema de surdez. Na Ilha, foi colocado em Santana como conservador do Registo Civil, cargo em que se manteve até 1946. A sua predisposição para a doença mental e o alcoolismo levou-o a arredar-se do mundo literário e social, tendo vivido perigosamente até à sua morte, em 1949, devido a uma hérnia estrangulada. Aquando da sua estada no continente, considerado pela crítica um ficcionista de mérito, foi convidado por Boavida Portugal a colaborar no Portugal Intelectual. Inquérito à Vida Literária (1915). Tinha uma escrita poderosa, vibrante e heroica, altamente imagética e metafórica, razão que levou Octávio de Marialva a cognominá-lo de “príncipe da prosa helénica”. Tal como ele, Albino de Meneses praticou o culto da aristocracia do espírito, do vago, do esotérico e do misterioso, exaltando a cultura grega e os exotismos orientais, o que se nota sobretudo no conto A Noite Bizantina, título que o historiador Nelson Veríssimo atribuiu a um livro resultante de uma aturada pesquisa dos seus textos dispersos, que em 1991, a então Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC) publicou. Em 2011, a investigadora Dalila Pestana fez uma recolha de grande parte dos seus escritos, que reuniu num livro, publicado também pela DRAC, intitulado Lava Fervente, o qual contou com o prefácio do Prof. Doutor Arnaldo Saraiva. No período que passou na capital, frequentou a tertúlia da Brasileira, onde pontificavam os órficos. Ali conheceu e privou com Fernando Pessoa, o qual, admirando-o, o convidou, em 1917, a colaborar no Orpheu 3. Albino de Meneses dispôs-se a fazê-lo com o conto “Após o rapto”. No entanto, por falta de verba, a revista acabou por não ser editada. Autor singular de epístolas, contos e novelas, publicou também boa poesia. Tanto Nelson Veríssimo como Pedro da Silveira inserem-no no decadentismo que coexistiu com o modernismo no Orpheu. Há também, na sua obra, marcas ultrarromânticas e parnasianas. Só a partir de 1915 o seu discurso passa a apresentar coordenadas modernistas, aproximando-se de Mário de Sá-Carneiro e, em parte, do heterónimo pessoano Álvaro de Campos pelas marcas futuristas, sensacionistas e intersecionistas que se revelam nos seus textos. O amor e a mulher, a própria mãe foram os temas centrais da escrita menesiana, numa linguagem rítmica e descritiva, apresentando ricas figuras de estilo como, e.g., sinestesias. Deixou inédita a novela Caleschèse. Abandonou definitivamente a literatura em 1936, ficando dispersos todos os seus textos. No início do séc. XXI, vários investigadores nacionais têm-se debruçado sobre a sua prosa, considerando-a digna de profundos estudos e ampla divulgação. Obras de Albino de Meneses: “Olá, vadio!” (1927); A Noite Bizantina (1991); Lava Fervente (2011). Bibliog.: CLODE, Luiz Peter, Registo Bio-Bibliográfico de Madeirenses. Sécs. XIX e XX, Funchal, Caixa Económica do Funchal, 1983; GOUVEIA, Horácio Bento, “Grande escritor madeirense Albino de Meneses (1889-1949)”, Das Artes e da História da Madeira, n.os 19-20, 1955, pp. 19-22; Id., “Evocando Albino de Meneses”, Diário de Notícias, Funchal, 7 jun. 1964; GUIMARÃES, Fernando, “Albino de Meneses e o modernismo”, Jornal de Letras, Artes & Ideias, 12 maio 1992; MARINO, Luís, Musa Insular: Poetas da Madeira, Funchal, Eco do Funchal, 1959; MARTINS, Carlos, “Ainda recordando um amigo Dr. Albino Espiridião de Meneses”, Comércio do Funchal, 5 jul. 1964, p. 3; PEREIRA, José Carlos Seabra, “Em torno do Orpheu. A outra literatura”,in DIX, Steffen (org.), 1915. O Ano do Orpheu, Lisboa, Tinta-da-china, 2015, pp. 97-120;PESTANA, Dalila, “Albino de Meneses e o fascínio do feminino”, Islenha, n.º 43, jul.-dez. 2008, pp. 37-55; SARAIVA, Arnaldo, “O ‘frustrado’ e abençoado Orpheu”, in DIX, Steffen (org.), 1915. O Ano do Orpheu, Lisboa, Tinta-da-china, 2015, pp. 407-420; SILVA, António Marques da, “Dr. Albino de Meneses”, Jornal da Madeira, 4 jul. 1973; SILVEIRA, Pedro da, “Um modernista madeirense. Albino de Meneses”, Islenha, n.º 6, jan.-jun. 1990, pp. 115-116; TEIXEIRA, Maria Mónica, “A Noite Bizantina de Albino de Meneses em busca da Alma Rara”, Islenha, n.º 13, jul.-dez. 1993, pp. 5-10; Id., Tendências da Literatura na Ilha da Madeira nos Séculos XIX e XX, Funchal, CEHA, 2005; VERISSÍMO, Nelson, “No centenário do nascimento dum modernista, Albino de Meneses”, Diário de Notícias, sup. Cultura, Funchal, 17 dez. 1989. Fátima Pitta Dionísio artigos relacionados: poetas bettencourt, edmundo luzia (luísa susana grande de freitas lomelino) nascimento, joão cabral do marialva, octávio de
andrade, maria lucinda de sousa
Maria Lucinda de Sousa Andrade nasceu no sítio das Feiteiras de Cima, freguesia e concelho de São Vicente, na costa Norte da Ilha da Madeira a 10 de março de 1903. Filha de João Francisco de Andrade e de Dª. Amélia Carolina de Sousa, foi batizada na igreja matriz desta freguesia a 24 de março do mesmo ano sendo seus padrinhos seu tio materno Carlos João de Sousa e Nossa Senhora, (segundo prática habitual no seio da religião católica em que é possível consagrar uma criança a uma figura do culto católico no momento do batismo ou por falta de um dos padrinhos ou por vontade dos pais). O casal teve outras duas filhas, Maria Pia (n. 22.06.1900) e Teresa (n. 09.02.1908) sendo Lucinda a filha do meio e, segundo relatos, em São Vicente as três irmãs eram conhecidas quando solteiras como “as meninas Andrade”, sendo que Lucinda Andrade nunca viria a contrair matrimónio. Após terminar o ensino básico no ensino particular, rumou à capital madeirense onde completou o sétimo ano do Curso dos Liceus no Liceu Nacional do Funchal e na década de 30, com vista a prosseguir uma carreira no ensino, terá frequentado um curso de Pedagogia em Lisboa no Liceu de Pedro Nunes, segundo uma notícia publicada no Jornal da Madeira aquando da sua morte (Jornal da Madeira, 13.10.2000), embora no decurso desta investigação tenha surgido também a hipótese de haver frequentado a Escola Pedagógica João de Deus, não nos foi possível confirmar nenhuma das hipóteses sendo que certo é que ambas as instituições eram então estruturas vocacionadas para a formação de professores. Mais tarde, de volta ao Funchal, iniciou a sua carreira docente e em 1943 regressou à freguesia de São Vicente, de onde, exceto em viagem, não voltaria a sair, dedicando-se ao ensino – atividade que exerceria durante toda a sua vida. Considerada a “mãe” do ensino secundário no concelho de São Vicente, a vida de Lucinda Andrade está intimamente ligada à evolução do ensino nesta localidade, pois até meados da década de 60, em São Vicente, o ensino era ministrado em regime de ensino particular por professores em suas residências, sendo que Lucinda Andrade ensinava já matérias do nível secundário e chegou a preparar na sua residência uma divisão para o efeito, onde em “mesas estreitas e bancos corridos”, ensinava Inglês, Português, Matemática, Desenho e Físico-química sendo a sua área de eleição o Francês, em que era considerada “excelente”, preparando os alunos ditos “auto-propostos” para os exames de 2º e 5º ano do Liceu. Tendo em conta que os dados estatísticos revelam que na primeira metade do século XX o analfabetismo na RAM ascendia aos 70%, valor que só minguaria para os 33% a partir da década de 60 após a criação do Plano de Educação Popular e da Campanha Nacional de Educação de Adultos em 1952, pode-se associar a crescente alfabetização da população do Norte da ilha da Madeira, e em especial no concelho de São Vicente, à enérgica ação de Lucinda Andrade assumindo esta o papel de grande impulsionadora do ensino neste concelho, que a agraciou por seus méritos em 1983 com a sua Medalha Municipal (Id., Ibid ,.). Em 1964, aquando da criação do Externato São Vicente, no sítio das Casas Novas, fez parte do corpo docente inicial desta instituição de ensino vocacionada para o ensino do 1º e 2º ciclo do ensino Liceal, com capacidade para 80 alunos de ambos os sexos – algo pouco habitual na época – e que se manteria em regime de ensino particular até 1988, ano em que, por se considerar “ser necessário proceder à criação do Ensino preparatório e Secundário oficial nesta Vila [de São Vicente] (…), foi criada a Escola Preparatória e Secundária de São Vicente; que entrou em funcionamento no ano letivo de 1988-1989”. Ainda no ano de 1988, por deliberação do Conselho de Governo e assente no Ofício – Circular nº 189/4.0.1/88, atribuiu-se à nova entidade escolar a denominação de Escola Preparatória e Secundária Dona Lucinda Andrade, como forma de homenagear a professora que “dedicou toda a sua vida ao ensino, com espírito de abnegação invulgar e extraordinária competência e zelo.”, citando o documento supramencionado. As novas instalações da atual Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade foram inauguradas no sítio do Passo no dia 04 de outubro de 1993, em cerimónia que contou com a presença do então Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, do Secretário Regional da Educação, Francisco Santos e Gabriel Drummond, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente e em que Lucinda Andrade teve a honra de destapar a placa ostentando o seu nome (fig.2). De referir que a atual escola comemora anualmente o Dia da Escola a 10 de março, data de nascimento de Lucinda Andrade. Fig. 2– Inauguração da Escola Básica e Secundária Dona Lucinda Andrade. 04.10.1993. Foto do arquivo pessoal de Teresa Silva Atendendo ao falecimento recente de Lucinda Andrade, bem como à escassez de material consultável onde se pudesse apoiar este texto, ele acabou por ser produzido com recurso, sobretudo, a testemunhos obtidos de antigos alunos, colegas de profissão, amigos e familiares que nos traçaram o perfil de uma mulher de personalidade forte, vivaz e determinada, ainda que reservada e pouco dada a contactos sociais tendo recebido as homenagens que lhe foram prestadas com “aparente modéstia”. Pioneira e empreendedora, terá sido das primeiras mulheres a conduzir um automóvel em São Vicente, era “muito culta”, amante da moda, cultivando um extremo cuidado com a sua imagem, sendo senhora de postura altiva e grande beleza física, “a sua maior relação era com os alunos”, segundo relatos, dizendo-se mesmo que “dava a vida pelos alunos”, atribuindo-se à sua paixão pela Educação o facto de não haver constituído família. Contudo, ainda segundo relatos a própria Lucinda Andrade terá comentado certa vez sobre o tema: “não calhou” [casar]. Faleceu na cidade do Funchal no dia 12 de outubro de 2000, aos 97 anos, vítima de acidente doméstico em sua residência de São Vicente. Isilda Quintal Fernandes artigos relacionados silva, ângelo augusto da liceu / escola secundária jaime moniz moniz, jaime a obra das mães pela educação nacional na madeira
nóbrega, ciríaco de brito
Ciríaco de Brito Nóbrega (1856-1928). Photographia Vicente, 17 Dezembro 1912. Col. ABM – Arquivo Regional e Biblioteca Pública da Madeira. Jornalista e escritor, Ciríaco de Brito Nóbrega nasceu a 16 de março de 1856 na freguesia de São Pedro, Funchal. Filho de Roberto Constantino Nóbrega e de Matilde Leocádia de Nóbrega, moradores na Rua Nova de São Pedro da freguesia com o mesmo nome. Foi batizado na igreja de São Pedro a 27 de março do mesmo ano e apadrinhado pelos clérigos Zeferino José de Santa Ana, "reverendo beneficiado" da Igreja de São Pedro e Joaquim Gomes da Silva Lume, Vigário da mesma, segundo consta do seu registo de batismo. Casou a 13 de setembro de 1883 na Igreja Paroquial de São Pedro com D. Maria Cândida Mesquita Spranger, de quem teve três filhos: D. Maria Isabel Mesquita Spranger de Brito e Nóbrega, Fernando Ciríaco Spranger Brito e Nóbrega e D. Ana Brito e Nóbrega Lomelino Victor. Foi funcionário das finanças como primeiro-oficial da repartição da Fazenda do Distrito do Funchal, integrou as comissões executiva e de propaganda e publicidade para as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Madeira e terá também feito parte da comissão instaladora do Instituto Madeirense das Letras, Sciencias e Artes, conforme noticiado na edição de 11 de março de 1917 do periódico O Progresso. Foi redator do periódico literário mensal As Faíscas (de março a setembro [4 nºs] de 1883), do Aurora Liberal: Semanario Litterario, mais tarde designado de Orgão do Gremio Litterario Madeirense (de Dezembro de 1875 a Fevereiro de 1876, havendo sido publicados oito números) e redator principal do Diário de Notícias da Madeira durante vinte anos (1907 - 1927) “e como jornalista deixou o seu nome ligado à reportagem dos mais importantes acontecimentos dessa época” (CLODE, 1983, 333). Foi autor de diversas crónicas publicadas em vários periódicos literários e noticiosos usando diversos pseudónimos. É descrito nas páginas do Elucidário Madeirense como um dos escritores regionais destacados do último quartel do séc. XIX, ao lado de nomes como Dª. Joana Castelo Branco, Carlos Azevedo de Menezes ou António Feliciano Rodrigues (Castilho), (SILVA e MENEZES, 1998, III, 276. Considerado pioneiro na literatura madeirense no que concerne às narrativas ficcionais de crime, por alturas da sua morte era “o decano dos jornalistas madeirenses”, tendo nessa qualidade prestado importantes serviços, pois na escrita dos editoriais que diariamente abriam cada nova edição do Diário de Notícias, onde era chefe redator, não se coibia de ter uma atitude interventiva focando vários temas de interesse para o desenvolvimento da sociedade madeirense tais como questões sociais, com artigos reivindicativos da criação de um serviço de medicina dentária para as populações desfavorecidas, de melhores salários para a polícia pública, manutenção e alargamento do sistema de abastecimento de água potável à população; questões relacionadas com igualdade de género; questões económicas, versando acerca do monopólio inglês da indústria açucareira, mostrando-se contra o mesmo; e até temas relacionados com urbanismo, focando a cidade do Funchal e fazendo observações a partir das quais é possível alvitrar que Ciríaco de Brito Nóbrega seria provavelmente apoiante do plano urbanístico de Ventura Terra, apresentado no ano de 1915. Focava ainda assuntos da História regional, abordando o tema do Descobrimento da Madeira e de política. Esta atitude interventiva é corroborada pelos editoriais na imprensa regional que lhe foram dedicados aquando da sua morte: “Deve ainda estar na memória de muitas pessoas os retumbantes artigos que publicou (...) todos em prol dos oprimidos e das necessidades mais urgentes da Madeira.” (Diário de Notícias, 03.04.1928); “As classes pobres perderam um amigo, porque no jornal em que ele trabalhou, não recusava o auxílio da sua pena na colaboração e propaganda das obras creadas para irem ao encontro do órfão, ou da velhice, enfim, dos desherdados da sorte.” (O Jornal, 03.04.1928). Publicou em 1898 o romance Um marinheiro do século XV, em coautoria com Óscar Leal e em 1901 o romance O Perdão do Marido, cujos primeiros capítulos foram inicialmente publicados na secção “Folhetim” do Diário de Notícias do Funchal nos primeiros meses do ano, cujos primeiros exemplares foram colocados para venda a partir do dia 23 de junho, conforme noticiou este jornal a 15 de junho de 1901 (Diário de Notícias, 15 de Junho de 1901). Escreveu A Visita de Suas Majestades os reis de Portugal ao archipélago Madeirense: narração das festas, obra que descreve as comemorações ocorridas na Madeira por altura da visita do rei D. Carlos e da rainha Dª Amélia em 1901 dedicada e oferecida ao então recém-eleito governador civil do distrito José Ribeiro da Cunha, a quem “coube a singular honra (…) de dirigir as imponentes festas realisadas na Madeira por occasião da recente visita de Suas Majestades” e a quem “também em boa parte [coube] a glória do brilhante exito d'essas festas, cuja descrição se impôz ao meu espírito como um dever patriótico.”(NÓBREGA, 1901, 3). Esta é uma obra que ostenta um elevado cunho patriótico de exaltação nacionalista, seja por parte do próprio autor, seja na forma como narra a reação dos habitantes da ilha à presença da família real, impressões estas que seriam corroboradas pelos telegramas enviados pelo Conselheiro de Estado e então líder do Partido Regenerador Ernesto Hintze Ribeiro ao Ministro da Justiça: “ Suas Majestades gozam de excellente saude, e vivamente impressionadas com a belleza das paizagens e o inexcedível enthusiasmo com que são acolhidas” (ç, 115). Dedicou a sua narrativa histórica intitulada Uma Gloria Portugueza publicada nas páginas do jornal O Liberal, Orgão do Partido Liberal, a Álvaro Rodrigues de Azevedo, responsável pela cadeira de oratória, poética e literatura do Liceu Nacional do Funchal, procurador à Junta Geral e membro do Conselho de Distrito “como homenagem á elevada erudicção e aos nobres sentimentos que adornão a alma de v. excª, digne-se permittir que o seu nome respeitavel venha honrar este humilde trabalho, - debil producto da minha pobre intellingencia” (O Liberal, 15 de Dezembro de 1875, p 1). Publicou os romances Um Crime Célebre (1883), sob o pseudónimo de Alberto Didot, e Jorge (1875), como F. Arnault tendo sido possível estabelecer que Ciríaco assumiu o papel de “tradutor” de obras que ele próprio concebera, assinando sob pseudónimo. Ainda que não tenha sido possível determinar as razões pelas quais Brito Nóbrega se dizia tradutor do seu próprio trabalho, ter-se-á que assumir essa atitude como incontestável através da leitura da nota introdutória em Um Crime Célebre onde claramente assume Didot como sendo um pseudónimo: “Alberto Didot – um pseudonymo, - (...) foi inspirado por uma ideia, que julgou a mais feliz da sua vida: escrever um romance...”, o que entra em contrassenso com a nota final da mesma obra: “… [o] único merecimento [do leitor ler esta obra] é devido ao talento do auctor. O traductor para si não quer glorias. Com sinceridade: a tradução do romance nada vale.”(DIDOT, 1883). Este comportamento ambíguo na produção literária de Brito Nóbrega, que também se manifestou nos contos e novelas, quase sempre com forte cunho moralista, que publicou em diversos periódicos que assinou sob diversos pseudónimos (periódicos literários) pode ter estado na origem de uma contenda com o poeta Jaime Câmara, que lhe dedicou um opúsculo satírico intitulado Sátyra – O Funeral do Cyriaco. Ainda da autoria de Brito Nóbrega é o romance Os Mistérios do Funchal, cuja publicação data de 1881 pela Typographia do Diário da Madeira, numa edição dita “anónima”, mas que foi posteriormente a si atribuída numa recensão literária publicada no Diário de Notícias, provavelmente da autoria de Alfredo César de Oliveira (1840-1908), fundador do título matutino (Diário de Notícias, 28 de Agosto de 1881). De cunho marcadamente situado no âmbito da “Literatura de mistérios”, género muito em voga e com grande popularidade na época a que nos reportamos, a obra foi reeditada pela Imprensa Académica em 2018. Isabel de Brito Nóbrega, sua filha, terá seguido as pegadas do pai pelos caminhos da literatura pois figura na antologia de poetas da Madeira Musa Insular organizada por Luis Marino publicada em 1959 onde encontramos, entre outros, um soneto petrarquiano dedicado ao pai sob o título “Coração de Pai (trinta anos depois)”: naquela escura tarde em que partia / Sereno, as mãos em cruz, como a rezar, / Com ele se apartou, foi a enterrar / A luz que neste mundo incerto eu via (MARINO, 1959, 377). Com elevado sentido crítico e considerado por muitos um “polemista de largos recursos”, Brito Nóbrega era imbuído dos ideais liberais e refere-se entusiasticamente à fundação do jornal O Liberal, orgão do Partido Liberal na edição do periódico Aurora Liberal: “Appareceu um novo campeão das ideias democratas com o titulo de Liberal. O primeiro numero, apresentou-se grave e elegantemente redigido. Bemvindo sejaes, ó Liberal! Desejamo-vos um futuro brilhante e uma vida duradoura!” (Aurora Liberal, 21.12.1875). Faleceu no Funchal no dia 1 de abril de 1928 vítima de “sincope cardíaca” aos 72 anos. Obras de Ciríaco de Brito Nóbrega: A Visita de Suas Majestades os Reis de Portugal ao Arquipélago Madeirense: narração das Festas, Tipografia Esperança, Funchal, 1901; Os Mistérios do Funchal, Typographia do Diário da Madeira, 1881 e Imprensa Académica, 2018 ; O Perdão do Marido,Tipografia Esperança, Funchal, 1901; Um Crime Célebre, pseud. Alberto Didot, Funchal, Tipografia Popular, 1883; Um Marinheiro do Século XV, (co-autor.) Tipografia Esperança, Funchal, 1898; Jorge, de F. Arnault, (trad.) Funchal, 1875. teatro: A Roleta, apresentada em três actos pela Companhia Lírica italiana, sob a direcção do Maestro Petri, Funchal, 1889 Isilda Quintal Fernandes artigos relacionados luzia (luísa susana grande de freitas lomelino) bettencourt, edmundo nunes, diocleciano francisco de assis periódicos literários (sécs. xix e xx)
arquitetura popular na madeira
O termo "vernacular" terá sido usado pela primeira vez por Bernard Rudofsky, em 1964, no âmbito da exposição “Arquitetura sem arquitetos” realizada no Museu de Arte Moderna, de Nova Iorque. Neste roteiro vamos ao encontro de exemplos constitutivos desta expressão “popular” na Madeira, bem como das construções que se enquadram na tipologia tradicional, cujas técnicas foram apropriadas nalguns casos pelos arquitetos. Núcleo arquitetónico dos Salgados O Sítio dos Salgados é tido como a primeira área habitada desta zona, apontando-se a mesma como sendo o berço da freguesia da Camacha. No entanto, neste sítio encontramos um conjunto de habitações que remetem para diversas épocas. As casas com telha-marselha, por exemplo, remetem para o século XX, provavelmente relacionado com o regresso de emigrantes. As suas características, segundo o arquiteto e investigador português Vítor Mestre, são largamente influenciadas pelas técnicas tradicionais. Aqui encontramos vários exemplos caracterizadores da arquitetura popular madeirense. Na parte de menor altitude da localidade, junto ao acesso pela Levada da Camacha, proveniente do Caniço, que terá sido a primeira via de ligação ao litoral, encontramos habitações datadas de períodos anteriores. Casa Elementar de dois pisos Estas casas correspondem a um modelo evolutivo das casas de um piso, sendo que um dos principais objetivos consiste no aproveitamento do desnível do terreno. No andar superior situam-se os aposentos, enquanto que no inferior encontram-se as "lojas", normalmente duas, reservadas para armazenamento dos produtos agrícolas. Repare-se ainda que o balcão de acesso à casa fica situado no piso superior, sendo o espaço aproveitado para a lida da casa. Cachorros de pedra Este elemento desempenha a função de suporte das varas da latada, presença característica na arquitetura popular. As latadas funcionavam como um prolongamento do espaço habitado, desenrolando-se aí algumas actividades relacionadas com a lida da casa. Provavelmente um espaço eminentemente feminino sendo também por esse motivo um espaço de ligação entre a casa e a horta ou campo agrícola, no qual as mulheres tinham papel ativo. A relação entre este espaço e a feminilidade representativa da cultura madeirense é reforçada nos casos em que a latada se encontra na zona mais discreta da casa, isto é, afastada das áreas de ligação ao mundo exterior da habitação, cuja presença masculina é muito mais notada que a feminina. A rocha como espaço funcional A perfuração da rocha para construção de grutas, ou furnas, como localmente são mais conhecidas, foi uma das primeiras formas de habitar na ilha. Provavelmente, com influencias do habitar guanche, povo canário, que terá sido trazido para a Madeira na condição de escravo. Paulatinamente abandonadas, foram no entanto recuperadas em períodos de crise, desenvolvendo-se o conceito até ao ponto em que eram edificadas fachadas com os elementos caracterizadores das casas. A continuação da evolução remeteu as grutas para espaços de despejo ou de apoio à habitação. Mas foram-lhe dadas outros usos, como abrigo de animais ou armazéns. Neste caso concreto, aproveitava-se o frio deste espaço para guardar mantimentos que requerem frio para evitar a deterioração dos mantimentos. Forno e Chaminé Nesta casa de dois pisos encontramos dois elementos presentes na arquitetura popular. Referimo-nos à chaminé e ao forno. Sobre este último, estamos na presença de um forno exterior com boca para o interior, colocado a um nível relativamente superior ao piso térreo, situação encontrada com alguma regularidade. Quanto às chaminés, tornaram-se mais esbeltas e ligeiras ao longo da sua evolução, apresentando forma retângular na maior parte dos casos. Por último, referência para os elementos decorativos na extremidade dos beirais. Estes elementos expressam o caráter supersticioso e religioso, associando-se estas representações ao desejo de proteção e de fertilidade. Influenciado por exemplos existentes no continente português adquiriram especificidade na Madeira, atingido expressões exuberantes no século XX. As “pombinhas” estarão associados ao Espírito Santo. Outro exemplo de iconografia animalista neste âmbito é a cabeça de cão ou outros animais. Casa elementar com telhado de palha Este tipo de casa (a casa elementar) é um dos paradigmas da arquitetura popular na Madeira, cujos modelos incorporam caraterísticas dos modelos de Portugal continental mas que ganharam especificidade no contexto insular madeirense, fruto das condições geográficas, climáticas e dos materiais disponíveis no meio natural. Esta é a tipologia mais comum na ilha da Madeira, podendo o telhado ser de palha ou de cerâmica, e as paredes serem em pedra ou em madeira. Por outro lado, a cozinha pode aparecer integrada no corpo principal ou num corpo à parte por motivos de segurança. Casa elementar de dois pisos com balcão As casas elementar de dois pisos podem apresentar caraterísticas distintivas quanto à volumetria do corpo. Observou-se relativamente a este aspecto duas formas diferentes, uma de cariz mais modesto, de aspeto sóbrio, enquanto que outras têm um aspeto pretensioso, com um maior equilíbrio nas proporções. Ganham relevância precisamente pela sua volumetria inserida na paisagem rural. textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho
a paixão do povo e a páscoa porta a porta
Durante o recato que caracteriza a época pascal existe espaço para as brincadeiras infantis e juvenis. Mas estes jogos são usados por todos, desempenhando talvez a função de distracção num período usado pelos Cristãos para a reflexão. Talvez se possa encontrar nesta prática semelhanças com práticas contemporâneas visíveis noutras latitudes, onde o desporto e o lazer surgem como uma forma de alterar as rotinas concentradas num determinado período. Lembramos a este propósito o que ocorre em Inglaterra com o designado Boxing Day. Jogos Tradicionais Esta é umas das recriações da tradição realizada pela Casa do Povo da Camacha, que se realiza na altura da Quaresma. Neste período, nesta vila serrana da Madeira não se ouviam tocar os instrumentos musicais, como noutras épocas do ano. O recato em respeito pelo sofrimento do Salvador era regra, pelo que nos dias de descanso o tempo era ocupado com diversos jogos, casos do “jogo do pião”, jogo do batoque (consiste derrubar uma rolha de cortiça colocada no chão, atirando moedas) ou o jogo do burro (placa no chão numerada à qual os participantes atiram rodelas de borracha, ganhando quem atingir maior numero de pontos) ou o “jogo das pedrinhas” e “saltar à corda”. Outros jogos populares são as escondidas, a bilhardeira ou o Jogo do lenço. Os Acólitos e o Espírito Santo Já no elucidário faz-se referência às comissões que constituídas com a coordenação do pároco para levar a efeito a celebração do Espírito Santo. Ainda segundo o Elucidário Madeirense, esta comissão é reconhecida “pelas capas encarnadas dos seus membros, um dos quais leva a coroa, outro o ceptro, outro a bandeira e um quarto o pendão”. Na Camacha tal comissão está a cargo do Grupo de Acólito da Paróquia da Camacha, que se fazem acompanhar por saloias e instrumentistas. Na Camacha as visitas ocorrem durante três dias, em que o ponto mais alto ocorre no Domingo com as visitas aos estabelecimentos comerciais, seguindo-se o cortejo do pão, realizado em benefício dos mais necessitados da freguesia. Banda Paroquial de São Lourenço. Fonte: www.paroquiadacamacha.com Banda Paroquial de São Lourenço Tem realizado um concerto, por altura das Páscoa. Fundada em 1973, pelo pároco António Joaquim Figueira Pestana Martinho. Ao seu lado esteve o primeiro ensaiador e maestro, o professor Raul Gomes Serrão, seguido pelo maestro José da Costa Miranda. Por ter sido fundada sob a égide da Fábrica da Igreja Paroquial da Camacha a banda recebeu o nome do padroeiro da freguesia (São Lourenço). Registe ainda o facto de ter sido das primeiras bandas em solo português a adoptar elementos do sexo feminino na sua formação. O estandarte ostenta as cores vermelhas (o sangue derramado por São Lourenço) e o branco (evocativo da sua santidade) e no centro a lira musical bordada a ouro, ladeada pela grelha e pela palma. Senhor dos Passos e procissão do Enterro do Senhor Este é o centro das cerimónias religiosas dedicadas à Páscoa. As cerimónias começam na Quinta-feira com o acto do Lava-Pés. Na Sexta, realiza-se a Procissão do Enterro do Senhor, que percorre o Largo da Achada, no centro da freguesia, procissão recuperada pelo actual pároco depois de uma interrupção de quarenta anos. No Sábado realiza-se a Vigília Pascal “com a bênção do círio Pascal e do lume novo”. Finalmente, no Domingo, é tempo dos cristãos celebrarem Cristo Ressuscitado, realizando a eucaristia pela manhã, seguida da Procissão, novamente em redor da Achada. Gastronomia típica da Páscoa A gastronomia da Páscoa na Madeira apresenta características comuns a todas as freguesias. Entre os pratos tidos como mais representativos desta época conta-se o bacalhau assado, o filete de espada e de atum e o atum de escabeche, acompanhado de salada, inhame, feijão e batatas. No Domingo de Páscoa volta-se a comer carne, sendo um dos pratos o borrego assado. Na doçaria, comprovando a riqueza da doçaria madeirense, relacionado com a outrora dinâmica açucareira na ilha, de que damos alguns exemplos como os torrões de açucar, bolos e doces de amêndoas. Da terra o Homem retira o tremoço, apreciado ao longo do ano a acompanhar uma cerveja ou um copo de “vinho seco”, mas muito associado a esta época. textos: César Rodrigues fotos: Rui A. Camacho
camacha moldadora do vime
A partir de finais do século XIX a indústria do vime desenvolveu-se na Camacha até ocupar lugar central na economia local e ao ponto de, a par do folclore, se tornar um dos embaixadores da localidade serrana. Atualmente, o setor perdeu a importância detida outrora, muito por força das transformações sociais e económicas de uma região especializada nos serviços, com o turismo a desempenhar o papel que antes cabia ao setor primário. E é neste contexto que urge conhecer, não só os modos tradicionais de produção, mas também os processos inovadores. Bazar Flor da Achada Este bazar é atualmente mantido pelas filhas do proprietário, as quais têm outra ocupação profissional. Fazem-no dado ser uma tradição familiar. Para além de através desta relação familiar e da decisão das filhas em manter o negócio, é igualmente demonstrativo da importância da indústria na Camacha e do estatuto social detido. Entre algumas peças importadas do exterior é possível encontrar alguns trabalhos dos artesãos locais. A cobertura interior do teto em vimes é um pormenor que não nos escapa dada a sua particularidade. Café Relógio Um dos espaços que facilmente se associa ao vime, o Café Relógio está de forma directa relacionado com a história do vime, dado que para além de comerciar vimes alberga uma oficina onde se pode ver a execução do trabalho pelos artesãos. Para além desta facto, a torre do edifício alberga um relógio, originário da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, e é um símbolo da presença inglesa na freguesia, tendo sido mandada construir pelo Drº Michael Graham no que era, na época, a Quinta da Camacha, sua propriedade. Realce-se que a comunidade inglesa na ilha da Madeira desempenhou um papel importante no desenvolvimento de algumas artes tradicionais da freguesia, casos do bordado e do próprio vime. José de Jesus Fernandes Aprendeu com um tio quando tinha 12 anos a arte da obra de vime e aos 19 anos instalou-se por conta própria. Os intermediários traziam o vime do Porto da Cruz, de Santana e de Boaventura. Contribuindo na criação de modelos, chegou a empregar 200 pessoas. Hoje, ocupa sozinho a sua fábrica onde ainda guarda os moldes e as máquinas rudimentares usadas. Cada artesão tendia a especializar-se em determinadas peças. O mestre José Fernandes especializou-se na cestaria. José Pedro O artesão José Pedro, que começou a trabalhar na obra de vime com 8 anos, é um exemplo da inovação e criatividade que os artesãos colocam no seu trabalho. Se a reprodução a partir de outras peças está presente, a inovação surge como reflexo do desejo de aperfeiçoamento da peça segundo a perspetiva individual. Resultam daqui peças funcionais. Para lá chegar, contudo, é necessário várias etapas de confeção. Esta afirmação aplica-se aos trabalhos em que não recorre aos moldes, de dimensão média e grande, como móveis. Nesse caso faz-se o desenho da peça, moldando-se o ferro para o cobrir e ligar nas diversas partes com vime. José Fernandes da Silva Junto à Levada da Meia Serra, José Fernandes da Silva tem o seu pequeno atelier onde tece a arte do vime para com ela fazer cestaria em vime da Camacha. Ocorre também que José Fernandes da Silva é um dos artesãos que mais tem contribuindo para a perpetuação da arte da obra em vime, dando cursos de formação e participando em ações de divulgação. Plantação de Vimes Segundo registos, o início da produção e do uso na confeções de cestaria em vime data do século XIX, embora outras fontes apontem para um período bem anterior, isto é, no século XVI. Em todo o caso, foi no século XIX que o vime, primeiro introduzido na Camacha, veio a desempenhar um papel fundamental na freguesia, sendo sustento de parte significativa da população. Os campos deste pequeno vale eram ocupados na totalidade com vimeiros, restando uma pequena parcela na margem direita da ribeira. Cuidar dos vimeiros requer a execução de tarefas simples, sendo a principal a poda. Textos: César Rodrigues Fotos: Rui A. Camacho