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galerias de arte

Entre os finais do séc. XIX e as primeiras décadas do séc. XX, as poucas exposições de arte que ocorreram na Madeira foram organizadas em espaços improvisados. A designação galeria de arte foi usada em 1922, no contexto da primeira exposição de arte moderna que teve lugar no Funchal. Nas décadas seguintes, foram espaços como o Ateneu Comercial do Funchal e a Junta Geral que chamaram a si a organização de exposições. A partir dos anos 60, surgiram projetos privados mais próximos do conceito de galeria, destacando-se as galerias Tempo, Decorama, Mundus, Quetzal, Funchália, Porta 33, Edicarte e Mouraria. Dentro das iniciativas de caráter institucional, merecem registo a galeria da SRTC e o teatro municipal do Funchal. Fora do desta cidade, refira-se a Casa das Mudas, as casas da cultura de Santa Cruz e de Câmara de Lobos e a Galeria dos Prazeres. Palavras-chave: exposições; artes plásticas; artistas. O Grémio Artístico, nos finais do séc. XIX, e a Sociedade Nacional de Belas Artes, a partir de 1901, dominaram o panorama das exposições de pintura e escultura em Portugal, com os seus frequentes “Salões” de inspiração francesa. Na Madeira, em contraste com Lisboa, as exposições esporádicas de que há notícia aconteceram em espaços improvisados de hotéis e casinos da cidade do Funchal. Contudo, o protagonismo dos artistas madeirenses Francisco Franco, Henrique Franco e Alfredo Miguéis, tanto em Lisboa como em Paris, motivou o inesperado aparecimento, embora efémero, da primeira galeria de arte moderna no Funchal, em abril de 1922. A Galeria de Arte do Casino Pavão, como ficou conhecida, foi uma iniciativa do banqueiro e mecenas Henrique Vieira de Castro. Este espaço foi especialmente construído para acolher a, também primeira, exposição de arte moderna na Ilha, e na qual os artistas referidos participaram ao lado dos estrangeiros Bernard England e Madeleine Gervex-Émery, e do aguarelista continental Roberto Vieira de Castro, formando assim o Grupo dos Seis, que deu nome à exposição. Dois meses antes da sua abertura, um artigo no Diário de Notícias do Funchal, anunciando esta inédita exposição, insistia na necessidade de dotar a cidade com museus e galerias de arte, de maneira a promover o necessário e urgente desenvolvimento cultural da Madeira. Apesar das intenções de ali se organizar anualmente uma exposição de arte moderna, tal nunca veio a acontecer. Nesta déc. de 20, encontramos apenas a iniciativa isolada de Adolfo de Noronha que, em 1929, com o apoio da Câmara Municipal, abriu ao público o Museu Municipal do Funchal, que contemplou, nos primeiros anos, uma sala de pintura e escultura, mas que logo se especializou nas ciências naturais. Durante o regime do Estado Novo, o número de galerias privadas a nível nacional foi verdadeiramente exíguo, tendo cabido às instituições do Estado o controlo e organização das exposições artísticas. Nas décs. de 30 e 40, passaram pela Madeira, muito esporadicamente, algumas exposições de pintura organizadas pelo Estado, tendo o átrio da então Junta Geral funcionado como sala de exposições temporárias. Como exemplo, é de mencionar a visita do pintor Alberto de Sousa, que ali expôs em 1934. Às salas de hotéis e casinos que acolheram as exposições no período anterior, acrescentam-se, a partir dos anos 40, espaços não menos provisórios em associações comerciais, clubes, e galerias, que eram mais lojas de antiguidades do que espaços de exposição. Da iniciativa privada, destaca-se o papel dinamizador do Ateneu Comercial do Funchal, que, fundado em 1898, ganhou algum protagonismo cultural, a partir dos anos 30. Durante os anos 40 e 50, o Ateneu promoveu diversas atividades, sobretudo no âmbito da poesia e literatura, através de concursos e prémios. Contudo, é de salientar a criação, em 1936, de um núcleo de fotografia, que promoveu a realização do I Salão de Arte Fotográfica no Funchal, em 1937. Aquando do estabelecimento do museu da Quinta das Cruzes, em 1946, à data conhecido como Museu César Gomes, foi pensada a criação de um espaço que serviria de ateliê a artistas visitantes e um outro que funcionaria como sala de exposições temporárias. Mas tal não aconteceu, a não ser muito pontualmente, pois esta não seria a vocação do museu. A primeira exposição temporária ocorreu em 1949, com a Exposição de Estampas Antigas da Madeira e, durante os anos 50, há notícia de duas mostras, uma do pintor Francisco Maya, em 1953, e outra de desenhos de Egon von der Wehl, no ano seguinte. Para além dos espaços referidos, na sede da Sociedade de Concertos da Madeira ocorreram algumas exposições. Em 1950, foram exibidos 42 trabalhos – entre aguarelas e desenhos de paisagem – de Américo Marinho, pintor de origem continental e, por essa altura, professor da Escola Industrial e Comercial do Funchal. No mesmo ano, foi notícia na revista Das Artes e da História da Madeira uma exposição de aguarelas e óleos de uma pintora inglesa, Bryce Nair, desta vez nas Galerias da Madeira. Este local comercial, situado na esquina da rua 5 de Outubro com a rua Bettencourt, era vocacionado, sobretudo, para a venda de antiguidades. Por sua vez, o Clube Funchalense, entidade de carácter social e cultural, já criada no séc. XIX (foi fundado em 1839), organizava, mormente, bailes e soirées, e só apresentou exposições de arte muito esporadicamente; sendo de destacar, no séc. XX, a primeira exposição individual de Lourdes Castro, em 1955, uma das poucas que realizou na Madeira, e uma mostra de António Aragão, no ano seguinte. A partir dos anos 60, o número de galerias aumentou, em Portugal continental, de forma significativa, passando de três, no início da década, para cerca de 30. Alguns novos projetos seguiram o figurino de loja-galeria ou galeria-livraria, em voga nessa época. Em 1964, é o tempo de inaugurar, na Madeira, o primeiro espaço próximo deste figurino, a Galeria de Artes Decorativas Tempo, sita na rua do Bom Jesus. Iniciativa do Arqt. Rui Goes Ferreira e do escultor madeirense Amândio de Sousa, esta galeria apostou na comercialização de objetos de design moderno e também em exposições temporárias. Na sua exposição inaugural, Sete Pintores Portugueses, foram apresentados trabalhos de Manuel Mouga, Jorge Pinheiro, Espiga Pinto, Manuel Pinto, José Rodrigues, Ângelo de Sousa e Júlio Resende. Num figurino semelhante, merece destaque a abertura da Galeria Mundus, em 1965. Neste espaço comercial foram realizadas as primeiras exposições de arte moderna de uma nova geração de artistas madeirenses. Em 1966, foram expostos desenhos surrealizantes de António Vasconcelos (Nelos) e Humberto Spínola; assim como pintura abstrata de Danilo Gouveia e Ara Gouveia. Por esta galeria passaram também artistas continentais mais ou menos conhecidos, entre os quais António Palolo, que ali expôs individualmente em 1967. Outra iniciativa integrada no conceito de loja-galeria foi a fugaz Decorama, da responsabilidade de João Silvério Cayres. Esta trouxe ao Funchal mobiliário e objetos de gosto contemporâneo, mas cedo deu lugar a uma loja mais vocacionada para mobiliário clássico, mais ao gosto do comprador local. Um projeto ambicioso foi o da utópica Casa do Artista, que partiu da ideia trazida por alguns críticos e galeristas franceses de visita à Madeira por ocasião da II Exposição de Arte Moderna realizada no Funchal, em 1967, entre outros, Victor Lacks e Michel Tapié de Céleyran. A proposta atraiu alguns artistas empreendedores da Região, nomeadamente Amândio de Sousa e António Aragão, que cedo contribuíram para transformá-la num projeto, que chegou a ser apresentado à Junta Geral do Funchal, em 1968. Aquela que parece ter sido a primeira tentativa real para criar uma estrutura cultural de apoio e divulgação das manifestações artísticas de vanguarda, e que incluía um espaço de exposições, próximo do conceito de galeria, acabou por não vingar, por desinteresse das entidades governamentais. Entrados os anos 70, novas intenções de constituir espaços para a exposição de arte moderna foram surgindo, mas não tiveram continuidade. Lembremos o caso da Sociedade de Empreendimentos Turísticos Matur, que organizou duas exposições em 1973, uma com artistas locais e outra com convidados do continente. O objetivo era criar um museu/galeria no Hotel Atlantis, pertencente àquele grupo, mas a ideia não vingou. No pós-25 de Abril, as anteriores iniciativas privadas foram desaparecendo. O Governo Regional, através de algumas galerias institucionais, foi promovendo o desenvolvimento dos espaços expositivos. Foi o recém-criado Instituto de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) que se constituiu como uma das alternativas mais atuantes ao longo das décs. de 80 e 90. Na sua sede, na rua da Carreira, foi criada uma pequena galeria de exposições aberta ao público, onde foram realizadas inúmeras mostras escolares e, com alguma frequência, exposições de artistas locais, nacionais e estrangeiros. Em simultâneo, a galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (SRTC), situada na avenida Arriaga, e conhecida localmente como Galeria do Turismo, desempenhou um papel importante ao longo das décs. de 80 e 90 na realização de exposições de artistas locais, nacionais e estrangeiros, tirando partido da sua localização privilegiada no centro da cidade, o que permitiu uma afluência considerável de visitantes. Por outro lado, e no mesmo período, o salão nobre do teatro municipal Baltazar Dias também acolheu numerosas e diversificadas iniciativas apoiadas pela Câmara Municipal do Funchal, em estreita colaboração com várias instituições, sobretudo com o ISAPM e o Cine Forum do Funchal. Ainda na déc. de 80, e em diálogo com as instituições acima mencionadas, assiste-se ao aparecimento de alguns espaços de iniciativa privada, hoje desaparecidos, tais como a galeria Quetzal, em 1981, e a galeria Funchália, em 1989. A primeira, da responsabilidade de Francisco Faria Paulino, e associada a uma editora homónima, trouxe ao Funchal exposições de artistas portugueses contemporâneos. A Quetzal não abriu portas em local próprio, tendo sido as suas exposições montadas em espaços como o teatro municipal Baltazar Dias, o Museu de Arte Sacra do Funchal, e a galeria da SRTC. No contexto da sua atividade como galerista, Francisco Faria Paulino foi também o principal responsável, em 1987, pelo Festival de Arte Contemporânea MARCA-Madeira, evento inédito no Funchal que contou com a participação de 31 galerias portuguesas e incluiu um congresso de arte contemporânea, entre outras ações paralelas que muito dinamizaram o ambiente artístico regional, por esses anos. Por sua vez, a galeria Funchália foi inaugurada no centro comercial Eden Mar sob a direção de Manuel Brito, Maurício Fernandes e Rui Carita, entre outros. De iniciativa local, esta galeria constituiu a primeira iniciativa com sede própria dedicada à arte contemporânea local e nacional. Ali foram organizadas um total de 31 exposições, sete das quais com artistas locais, tendo cessado a sua atividade em 1994. Expuseram na Funchália artistas como Helena Vieira da Silva, Celso Caires, João Moreira, André Sander, Cruzeiro Seixas, Rocha Pinto e António Botelho. Preenchendo o vazio deixado pelo encerramento da Funchália, o galerista Francisco Faria Paulino propôs um novo projeto, desta vez com sede própria: a galeria Edicarte, inaugurada em 1996, com sede na rua dos Aranhas, e que foi responsável pela realização da segunda e terceira edições do festival MARCA-Madeira onde, uma vez mais, estiveram representadas importantes galerias portuguesas. Ainda nos anos 90, regista-se a abertura de uma delegação, na zona turística do Caniço, da galeria Falkenstern Fine Art, sediada na ilha de Sylt, na Alemanha, vocacionada para mostrar trabalho de artistas estrangeiros de passagem pela Madeira e também do seu fundador, Siegward Sprotte. No começo do séc. XXI, a sede alemã continua em atividade, mas a delegação da Madeira, aberta em 1991, revelou-se um projeto efémero. Um caso à parte é a galeria Porta 33, criada em 1989 e ainda em funcionamento. Concebido, nos seus estatutos, como associação cultural, este espaço tem trazido ao Funchal nomes importantes da arte contemporânea. Para mais, tem desenvolvido com alguns artistas projetos específicos de exposição; tem promovido o debate com críticos convidados de âmbito nacional e internacional; e tem organizado diversos workshops e palestras. A Porta 33 trouxe ao Funchal obras de artistas de recorte nacional como Graça Pereira Coutinho, Ilda David, João Penalva, Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, Pedro Croft e Pedro Calapez. De entre os artistas locais ou madeirenses que fizeram carreira no exterior, destacam-se Lourdes Castro, António Aragão, Rigo, António Dantas e Rui Carvalho. Esta galeria também tem participado em feiras de arte internacionais, tais como a ARCO, em Madrid. No dealbar do séc. XXI, foi inaugurado um novo espaço comercial, a Galeria Mouraria, da responsabilidade de Ricardo Ferreira, e que trouxe ao Funchal algumas coletivas com representantes do contexto nacional, apresentando obra de artistas locais, assim como desenvolvendo a iniciativa project room, com mostras de carácter mais experimental. Alguns dos artistas que a galeria representou individualmente ao longo da sua existência foram reunidos numa coletiva comemorativa do seu 10.º aniversário, em 2011, a saber: Cristina Perneta, Filipe Rodrigues, Guareta, Hernando Mejia, Marcos Milewski, Maria São José, Patricia Morris, Roberto Bolea, Sílvio Sousa Cró e Trindade Vieira. Meses depois, este projeto galerístico fechou portas. O início do séc. XXI viu desaparecer a galeria da SRTC, em 2006, pondo-se assim fim a um intenso trabalho de divulgação e dinamização cultural no centro da cidade. Um ano antes, fora também encerrado o Centro Cívico Edmundo Bettencourt, situado na rua Latino Coelho, e cuja ação foi muito menos marcante do que a daquela galeria, por se ter resumido a exposições coletivas de pouco impacto e com critérios de organização pouco consistentes. Fora do Funchal, outros espaços, sob a tutela das autarquias locais, foram cumprindo a missão de organizar exposição de artes plásticas, complementando assim o trabalho das poucas galerias privadas que se foram mantendo em atividade. É exemplo a Casa da Cultura de Santa Cruz, cuja atividade profícua teve como coordenadores José Baptista e o escultor António Rodrigues, e que apresentou, ao longo dos anos 90, para além de inúmeras coletivas, mostras individuais de António Aragão, Hélder Baptista e Lagoa Henriques. Por sua vez, e sob a coordenação de Paulo Sérgio BEJu, a Casa de Cultura de Câmara de Lobos privilegiou, entre 2005 e 2010, as mostras coletivas em formato de instalação, com propostas temáticas que desafiavam a criatividade dos aristas convidados. Para além destas, foram apresentadas mostras individuais de artistas locais, tais como Teresa Jardim, Domingas Pita e Rita Rodrigues. Neste contexto, é importante destacar o papel da Casa das Mudas, Casa da Cultura da Calheta, inaugurada em 1997, coordenada por Luís Guilherme Nóbrega até 2007. Esta galeria aproveitou a sua localização para operar uma descentralização cultural e uma ação direta no meio. Alguns dos artistas ali apresentados foram José Manuel Gomes, Lígia Gontardo, Élia Pimenta e Ara Gouveia, do contexto local, e Alberto Carneiro, António Palolo e José de Guimarães, do contexto nacional. Este espaço privilegiou também a linguagem fotográfica, trazendo à Madeira mostras coletivas e individuais neste âmbito, assim como mostras de importantes coleções de fundações nacionais, como a da Fundação Serralves. Uma outra iniciativa descentralizadora é a que levou à criação da Galeria dos Prazeres, inaugurada em 2008 e orientada por Patrícia Sumares até 2012. Trata-se de um projeto galerístico inserido na Quinta Pedagógica dos Prazeres, uma iniciativa, por sua vez, de origem paroquial e com carácter recreativo e cultural. A galeria propriamente dita pauta-se por uma estreita ligação com natureza e com o património local, privilegiando exposições de artistas locais e estrangeiros que desenvolvem propostas artísticas nesse sentido. A partir de 2013, a galeria passou a ser coordenada por Hugo Olim, artista visual e docente na Universidade da Madeira. Nesse espaço, destacam-se, para além de artistas estrangeiros, as mostras individuais de artistas locais como Carla Cabral, António Dantas, Paulo Sérgio BEju, Jose Manuel Gomes, Filipa Venâncio, Ara Gouveia, Martinho Mendes e o Arqt. Paulo David.   Carlos Valente (atualizado a 01.02.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares Educação Madeira Cultural

gabinetes de leitura

Cidade aberta à presença de estrangeiros, nomeadamente Ingleses, o Funchal do séc. XIX nem sempre respondia às solicitações culturais de quem visitava a cidade. O madeirense era pouco letrado e os estrangeiros queixavam-se do facto de não haver livrarias na cidade. Referiam-se, porém, à existência de gabinetes de leitura, lugares onde podiam conviver, ler jornais e revistas ingleses, em clubes onde pagavam quotas. Estes gabinetes eram, então, de acesso privado. Alguns dos estrangeiros que falam da ilha da Madeira referem-se-lhes. Em 1840, Fitch Taylor regista a sua existência no relato que faz da sua viagem à volta do mundo. O mesmo acontece no texto A Winter in Madeira, de 1850. Estes gabinetes revelam-se uma necessidade dos Ingleses e são referenciados nos guias de viagem. O Clube Inglês disponibilizava aos seus membros, para além dos jornais e das revistas, livros de tipologia diversa – desde ensaios e trabalhos científicos até “literatura ligeira da época” (DIX, 1850, 90). Nos começos do séc. XIX, a biblioteca deste clube detinha cerca de 2000 títulos – afirma-o um guia para viajantes e para “inválidos”. Este Clube Inglês, fundado em 1832, também conhecido como “english rooms”, situava-se na R. da Alfândega, entre as duas entradas do Blandy Brothers (Banqueiros Lda.), segundo consta do guia para o visitante assinado por Gordon Brown, o que evidencia a clara importância que esta estrutura teria para suprir as necessidades dos visitantes. Mediante uma quota semestral de 15 dólares, os estrangeiros poderiam conviver, jogar cartas ou bilhar, assim como consultar os mais recentes jornais, periódicos e livros ingleses. O gabinete de leitura do Clube Português não tinha livros, mas apenas jornais e revistas, em português. Não obstante verificar-se um maior interesse e uma maior divulgação dos gabinetes de leitura que servem os turistas que descobrem a Ilha, a verdade é que há referências a associações mais abrangentes, onde a preocupação com a leitura começa a fazer-se sentir. Numa nota a “Instrução pública”, relativa ao período monárquico-liberal, Álvaro Rodrigues de Azevedo remete para dois clubes recreativos, criados por associações particulares, com gabinetes de leitura: o União, criado a 10 de março de 1836, na Pr. da Constituição; e o Funchalense, estabelecido “ao Carmo, mas desde muitos anos também, no palácio da rua do Peru”. Este autor, nas notas que apõe a Saudades da Terra, faz menção de outro gabinete, inserido na Associação Comercial, que se situava à entrada da cidade, assim como “o princípio de uma biblioteca no Grémio Recreativo dos Artistas” (FRUTUOSO, 1873, 804-805). Na realidade, os estatutos de 1836 da Associação Comercial do Funchal já permitiam o acesso a periódicos, mapas, folhetos, livros e notícias, abrindo caminho para a instalação de um gabinete de leitura que, tal como o seu congénere do Clube Inglês, funcionava como um centro de encontro e convívio entre os sócios e os visitantes. No inventário de 1884 desta Associação consta a existência do mobiliário do gabinete de leitura, não havendo referência a qualquer armário, móvel ou estante para arrumação de livros e jornais, que estariam guardados fora do alcance dos utilizadores, na sala de sessões. Em 1897, é aprovado o projeto de regulamento da biblioteca e do gabinete de leitura desta Associação, clarificando as funções de cada um: o gabinete de leitura teria apenas o catálogo das obras existentes na biblioteca, e jornais, que um amanuense distribuía e recolhia diariamente e que eram facultados, mediante bilhetes de requisição, quer a sócios da Associação, quer a assinantes do gabinete. Nesse espaço, não era permitido fazer barulho, fumar, “levar para fora […], extraviar, mutilar ou danificar os jornais ali expostos” (MELLO e CARITA, 2002, 164), cabendo ao diretor da biblioteca zelar pelo bom funcionamento do gabinete. O gabinete, cujo horário era das 06.00 h às 21.00 h, permanecia aberto até mais tarde nos dias da chegada dos navios de Lisboa e dos paquetes ingleses que traziam notícias do mundo. Não temos conhecimento se as outras Associações que, entretanto, se formaram na cidade do Funchal teriam serviço semelhante. Na realidade, os gabinetes de leitura abriam as portas para a criação das bibliotecas públicas. No Funchal, à semelhança do que acontecia em outras cidades – sobretudo nas capitais dos distritos –, a Câmara fundou uma biblioteca pública, no dia 12 de janeiro de 1838, com um acervo constituído pelos 193 volumes da Encyclopedia Methodica, comprada aos herdeiros do conde de Canavial, e, em 1844, o município do Funchal solicita alguns livros do depósito das bibliotecas dos conventos extintos, tendo recebido, em 1863, 3060 volumes, em latim, português, francês, italiano e inglês. Um relatório americano dá conta dessa Biblioteca Municipal, em 1893. No começo do séc. XXI, as bibliotecas públicas oferecem serviços similares, agora gratuitos, apesar da necessidade de aquisição de um cartão de leitor/utilizador, que permite o acesso aos espaços das bibliotecas e dos centros de documentação, bem como à leitura, empréstimo e reserva de obras, à utilização de computadores e acesso à Internet, à visualização de conteúdos audiovisuais, entre outros serviços.     Graça Alves (atualizado a 01.02.2017)

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social

formação de professores

A formação de professores na Madeira inicia-se no ano de 1900 com a criação da Escola Distrital do Funchal, que se situava num edifício da R. dos Aranhas, e conferia a habilitação para o exercício do Magistério Primário. Nos anos seguintes, e correspondendo a diferentes reformas legislativas que ocorrem entre 1900 e 1921, a escola foi mudando de designação, passando a partir de 1904 a Escola Normal do Funchal e, a partir de 1919, a Escola Primária Superior do Funchal, designação esta que se mantem até 1921. O seu primeiro diretor foi Pedro José Lomelino, médico, nascido na ilha do Porto Santo a 19 de novembro de 1864. O primeiro curso tem a duração de dois anos e abarca as seguintes disciplinas: Aritmética e Geometria, Moral e Doutrina, Lavores, Desenho e Música, Português, Geografia, Ciências Naturais, Gramática, Caligrafia, Direitos e Deveres e História. Em 1921, inicia-se um hiato na formação de professores que se prolonga até 1943, ano em que, pelo dec.-lei n.º 33.019 de 1 de setembro, se cria a Escola do Magistério Primário do Funchal, que vem suprir a falta de professores primários no arquipélago da Madeira devido ao interregno que este período de 20 anos provocara na formação. A Escola do Magistério funciona, inicialmente, numa sala do Liceu Jaime Moniz, por determinação do art. 2.º do referido decreto, e tem, por inerência, como seu primeiro diretor o reitor do mesmo, na altura, o Dr. Ângelo Augusto da Silva. No ano letivo de 1943-1944, primeiro ano de existência da Escola, do seu corpo docente fazem parte António Marques da Silva, Lúcio Santana Bartolomeu do Rosário e Miranda, José Nunes Parro, William Edward Clode, Gustavo Augusto Coelho, Adelino dos Santos Lã, Ernesto Marçal Martins Gonçalves, Cón. Manuel Francisco Camacho e Judite Adriana Teixeira de Sousa Moniz. A frequência do curso passa pela aprovação num exame de admissão com prova escrita e oral, e a sua conclusão, após a aprovação em Exame de Estado, mais tarde Termo de Conclusão do Magistério Primário, confere habilitação para o magistério primário. Os cursos têm, inicialmente, a duração de dois anos e fazem parte do seu plano curricular as seguintes disciplinas: Pedagogia e Didática Geral; Psicologia Aplicada à Educação; Higiene Escolar; Educação Física; Desenho e Trabalhos Manuais; Educação Feminina; Música e Canto Coral; Organização Política e Administrativa da Nação; Educação Moral e Cívica; Prática Pedagógica; Didática Especial; Legislação. O plano curricular do curso sofreu alterações e, a partir de 1977, passa a ter uma duração de três anos letivos. Mais tarde, já no final dos anos 70, a Escola do Magistério Primário do Funchal alarga a sua área de ação na formação e abarca a formação inicial de educadores de infância. Assim, no ano letivo de 1977-1978, através de um protocolo com a Escola João de Deus de Lisboa, inicia esta formação. Este curso funciona nas instalações da Escola do Magistério Primário do Funchal, na altura sediada na Qt. da Ribeira, à Calç. da Cabouqueira n.º 5, em estreita colaboração com a escola mãe – que dava apoio pedagógico e científico ao curso, deslocando à Madeira pessoal docente para garantir algumas disciplinas diretamente relacionadas com aspetos técnicos e metodológicos de aplicação do método João de Deus –, mas no essencial garantido por docentes da Escola do Magistério do Funchal. A escola João de Deus apresenta a particularidade de usar um método específico de iniciação à leitura e à escrita, o método João de Deus, criado em 1920 pelo pedagogo João de Deus Ramos, filho do poeta João de Deus, patrono da escola. A turma deste curso, que é composta por 25 alunos, conclui a sua formação no ano letivo 1979-1980, vindo a responder a uma grande necessidade de profissionais na educação infantil e reforçando, assim, a resposta educativa profissionalizada na Madeira. No ano letivo 1982-1983, a Escola do Magistério Primário ganha independência da outra instituição, criando o seu próprio Curso Normal de Educadores de Infância, que funciona até à sua integração na Escola Superior de Educação da Madeira. A 21 de setembro de 1982, é criada a Escola Superior de Educação da Madeira (ESEM), pelo dec.-lei n.º 395/82, e inicia-se um longo processo de estruturação da escola, que só se efetiva após a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (lei n.º 46/86, de 14 de outubro), que tem um forte impacto na formação de professores na região autónoma. A formação de professores reforça-se, pois para além do Curso do Magistério Primário e do Curso Normal de Educadores de Infância, que transitam da Escola do Magistério, a ESEM chama, ainda, a si a formação pedagógica de professores já integrados no sistema de ensino, particularmente nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, através da profissionalização em serviço, sistema coordenado pelo então criado Centro Integrado de Formação de Professores (CIFOP), estrutura da ESEM que abarca esta modalidade de formação, que se encontra enquadrada no dec.-lei n.º 287/88 de 19 de agosto. A partir do ano de 1982 são criados no Funchal centros de apoio de estabelecimentos de ensino superior universitário, ao abrigo do dec.-lei 205/81, de 10 de julho. O despacho normativo 262/82 cria, na Região Autónoma da Madeira, sob proposta do Governo regional e ouvida a Universidade de Lisboa, o Centro de Apoio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; pelo despacho normativo 182/83, é criado o Centro de Apoio da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O Centro de Apoio da Faculdade de Ciências funciona na R. Bela de Santiago, num antigo anexo do Liceu Jaime Moniz, onde já havia funcionado a Escola do Magistério Primário e o da Faculdade de Letras na R. dos Ferreiros n.º 163. Os cursos lecionados nestas extensões universitárias – de formação de professores especialistas para áreas determinadas do currículo do 3.º ciclo e do ensino secundário – reforçaram o corpo docente de muitas escolas que foram surgindo por quase todas as freguesias da Madeira, por força de uma política de expansão do parque escolar. O número de professores profissionalizados em disciplinas como a História, o Português, o Francês, o Inglês, o Alemão e a Geografia, formados pelo então Centro de Apoio da Faculdade de Letras de Lisboa, cresce significativamente, contribuindo para que a grande maioria das escolas reforce o seu corpo docente e complete os seus quadros com professores profissionalizados. O mesmo se passa com a formação de professores em Matemática, Química, Física e Ciências. Nos últimos dois anos dos seus cursos, estes Centros integram formação em Ciências de Educação e estágio integrado em escolas do 3.º ciclo e do ensino secundário, garantindo com isso a profissionalização efetiva e o ingresso na carreira docente de um corpus cada vez mais coeso de profissionais de ensino científica e pedagogicamente habilitado. Ainda em 1982, cria-se a extensão à Madeira da UCP, que assume um papel importante na formação de professores de Português do 3.º ciclo e do ensino secundário, bem como de professores de Latim e Grego para o ensino secundário. É importante destacar que todos estes cursos, que funcionavam em regime de extensão universitária, eram ministrados por professores que se deslocavam das respetivas universidades e tinham lugar ao fim de semana, de sexta-feira a domingo. Não menos importante – e por se tratar da formação de professores de nível de mestrado (formação essa que se tornava cada vez mais necessária tendo em conta a emergência do ensino superior na Região e a necessidade de docentes especialmente vocacionados para o ensino politécnico e universitário) – é o facto de em 1984 se iniciar, através de um protocolo com a Universidade do Minho, um mestrado em Análise e Organização do Ensino, que tem a duração prevista de dois anos e que forma um grupo considerável de docentes habilitados. Os anos 80 foram anos de intensa atividade no que diz respeito à preparação do terreno para o aparecimento de uma instituição que pudesse chamar a si tão variadas experiências formativas na área docente, que se revelaram importantíssimas para a evolução e garantia de qualidade do sistema educativo na Região. Toda a tradição de formação de professores que tinha vindo a ser construída desde o início do séc. xx, com a criação da Escola Distrital de Funchal e a consequente formação dos primeiros professores habilitados para o exercício do magistério, frutificou na criação da Universidade da Madeira (UMa), um espaço destinado nomeadamente a manter a continuidade desta formação. A UMa herda, como já foi referido, a tradição da formação de professores dos diferentes graus e níveis de ensino. Vinda já do CIFOP, a Universidade ganha também a profissionalização em serviço, uma modalidade de formação que não confere grau académico, e que pretende responder à necessidade de preparar os profissionais de ensino para os desafios decorrentes da aplicação da Lei de Bases. O dec.-lei n.º 287/88, de 19 de agosto, que cria a profissionalização em serviço, diz no seu preâmbulo a este respeito: “Os professores dos quadros de nomeação provisória, agora com direito à profissionalização em serviço, apresentam perfis de experiência muito diversos e, em resultado da nova conceção e organização dos concursos, realizarão a sua formação profissional numa rede de escolas caracterizada pela dispersão geográfica e pela diferenciação. As suas legítimas expectativas tornam imperioso imprimir um ritmo rápido ao processo de profissionalização. Assim, urge rendibilizar os recursos humanos e materiais disponíveis, de modo a responder, com eficiência e racionalidade, às exigências da situação no menor prazo de tempo possível, desejavelmente não superior a cinco anos.” Este modelo de formação contínua de professores nasce da necessidade de proporcionar, o mais depressa possível, a formação pedagógica adequada a um grande grupo de professores que à data exerciam a profissão com estatuto de professores provisórios devido ao facto de apenas serem portadores de formação académica mas não possuírem a necessária formação pedagógica. A inexistência deste requisito levava a um bloqueio no acesso à progressão na carreira docente. O modelo apresenta duas componentes de formação: formação na área das Ciências da Educação e Prática Supervisionada, que se efetiva pela implementação do Projeto de Formação e Ação Pedagógica. A componente de Ciências da Educação abarca áreas como a Teoria e Desenvolvimento Curricular, a Sociologia da Educação, a Gestão e Administração Escolar e a Didática Específica, que pode ser uma ou duas consoante o grupo disciplinar a que o professor pertence seja mono ou bidisciplinar. As disciplinas referidas são garantidas inicialmente pela ESEM e mais tarde pela UMa, com a criação do seu departamento de Ciências da Educação. A componente de implementação de projeto é realizada na escola à qual o professor pertence e é acompanhada, preferencialmente, por um orientador da respetiva escola, que deverá ser o delegado de disciplina e que aqui assume a função de orientador pedagógico, e por um orientador da ESEM/UMa, que assume a função de orientador científico. Estes coordenadores acompanham o trabalho do professor em formação, assistindo a aulas e reunindo-se com o objetivo de avaliar não só momentos particulares da atividade do professor, mas também o seu desempenho geral (avaliação final). A conclusão deste percurso formativo com avaliação positiva concede ao professor a possibilidade da sua integração na carreira docente, passando da figura de professor de nomeação provisória para a de nomeação definitiva. O dec.-lei n.º 287/88 de 19 de agosto prevê ainda que os professores que à data da conclusão do primeiro ano da sua profissionalização (ou seja, à data da conclusão da componente de Ciências da Educação) possuam seis ou mais anos de serviço docente fiquem dispensados da frequência do 2.º ano, podendo passar imediatamente à condição de professor de nomeação definitiva. A profissionalização em serviço, enquanto programa de formação de professores com vínculo provisório, prolongou-se até ao ano letivo de 2013-2014, ano em que este modelo de formação deixou de funcionar na UMa. Este não foi o único modelo de profissionalização que se implementou na RAM. Outra área que no final dos anos 70 apresentava grande carência de docentes capacitados era a Educação Especial, que funcionava com muito poucos professores e educadores especializados, que entretanto se iam especializando em escolas de Lisboa, sendo a grande maioria dos seus docentes somente portadora de formação inicial em professores do 1.º ciclo do ensino básico e educação de infância. Para solucionar esta situação, a RAM, através da Direção Regional de Educação Especial (DREE), abre em 1983, em colaboração com o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, a entidade formadora nacional, sediada em Lisboa, que então centralizava toda a formação de professores especialistas para a Educação Especial, uma turma de 26 alunos. Os professores/alunos que compõem a turma são selecionados por concurso público e destacados para a frequência do curso. Esta turma funciona em regime de extensão, numa sala especialmente preparada para o efeito, no Lar do Internato da Quinta do Leme. As aulas são lecionadas por professores do referido Instituto, que se deslocam à Madeira. No primeiro ano, os estudantes frequentam a sede da Escola onde ficam a conhecer a instituição; os restantes momentos formativos funcionam no Lar do Internato da Qt. do Leme, no Funchal. O curso tem a duração de três anos letivos, dois dos quais são teóricos, sendo um de estágio na área de especialização de opção de cada formando. As áreas de especialização são as seguintes: Deficiência Auditiva, Deficiência Intelectual, Deficiência Motora e Deficiência Visual. Dos 26 professores/estudantes que iniciam a formação, 23 concluem-na com aproveitamento e passam a integrar o quadro da DREE, exercendo funções nos seus diferentes serviços técnicos: Serviço Técnico de Educação de Deficientes Auditivos; Serviço Técnico de Educação de Deficientes Intelectuais; Serviço Técnico de Educação de Deficientes Motores e Serviço Técnico de Educação de Deficientes Visuais. Após este primeiro curso, a DREE estabelece protocolos com escolas superiores de educação do continente, que tinham começado a dar resposta de formação de professores de educação especial por força da extinção do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, que ocorre no ano de 1989. Promove formação em regime de extensão, primeiramente pela Escola Superior de Educação do Porto e, mais tarde, pela Escola Superior de Educação de Lisboa. Estes cursos são cursos de estudos superiores especializados e já proporcionam não só a obtenção de habilitação profissional para o exercício da função de professor de Educação Especial, como também a obtenção de grau académico de diploma de estudos superiores especializados, equiparado para todos os efeitos a licenciatura. Os docentes de educação especial que frequentaram cursos que não conferiam este grau deslocaram-se à Escola Superior de Educação de Lisboa, que promoveu módulos de formação adicional de modo a permitir a este grupo de docentes a referida habilitação académica e o consequente impacto na sua carreira. Esta foi a primeira etapa da formação de professores de educação especial na Madeira, a qual mais tarde foi ganhando outras formas através de cursos de formação à distância e mista, online e presencial, proporcionados por algumas escolas de formação particulares do continente. Podemos, assim, considerar que a Madeira construiu um corpo docente que permitiu responder a esta modalidade educativa de forma adequada. Por força da aplicação do dec.-lei n.º 255/98 de 11 de agosto, que operacionaliza o estabelecido na lei 115/97, que refere no seu artigo 2.º que o Governo definirá por decreto-lei as condições em que os educadores de infância e professores do ensino básico sem o grau académico de licenciatura o poderão adquirir, criam-se os cursos de complemento de formação científica e pedagógica para educadores de infância e professores do ensino básico com o grau de bacharéis. Tais cursos são organizados e funcionam em escolas superiores de educação e em estabelecimentos de ensino universitário; no caso da Madeira, centram-se na UMa. O acesso aos cursos é feito por concurso, sendo os candidatos seriados por análise curricular. A sua frequência é gratuita. As primeiras turmas são de educadores de infância, professores do 1.º ciclo do ensino básico e professores do 2.º ciclo dos grupos bidisciplinares de Matemática e Ciências, e Português e História. Esgotada a formação dos professores bacharéis do 2.º ciclo, a formação continua agora exclusivamente dirigida a educadores de infância e professores do 1.º ciclo. Estes cursos têm a duração de três semestres e funcionam nas instalações da UMa, ao Campus da Penteada, em horário pós-laboral, de segunda a sexta-feira e aos sábados de manhã. Os professores que os concluem com aproveitamento adquirem o grau de licenciatura e o seu tempo de serviço é recontado para efeitos de carreira docente como se tivessem iniciado a carreira como licenciados. Isto provoca um acréscimo salarial de todos estes docentes na ordem de um ou dois escalões, consoante o seu tempo de serviço docente e o escalão onde se encontravam. Estamos perante um processo de formação que influi simultaneamente na carreira e na habilitação académica dos professores que a ele se sujeitam. Nos anos 80 do séc. XX, situações de formação idênticas a estas, que permitiram a obtenção de grau académico de licenciatura, foram também proporcionadas aos professores de Educação Tecnológica e Trabalhos Manuais pela Universidade Aberta e a professores de Educação Física pela UMa. Todas estas respostas de formação de professores se encaminham para a construção de um corpo docente com uma habilitação académica do mesmo nível, acabando assim com a grande variação de habilitações presente na carreira docente, que implicava, logo à partida, diferenças salariais significativas. Entre os anos 80 do séc. XX e os primeiros cinco anos do séc. XXI a formação de professores viveu um período de grande efervescência, que agitou a classe e a envolveu em processos formativos que trouxeram grandes benefícios para os professores em particular, e para as escolas em geral, enquanto espaços onde essa formação tinha impacto real. O Estatuto da Carreira Docente pode ser considerado o motor na procura de formação de nível de mestrado e doutoramento por parte dos professores e na sua consequente oferta pelas universidades, dado o reconhecimento que tal Estatuto lhes confere na carreira docente. A UMa não foge à regra e em 2001 abre o seu primeiro curso de mestrado destinado, fundamentalmente, a professores e educadores. O mestrado é da responsabilidade do Departamento de Ciências da Educação; enquadra-se na área das Ciências da Educação/Supervisão Pedagógica e tem lugar em colaboração com a Faculdade de Ciências de Educação da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto. Todos os mestrandos concluem o curso com aproveitamento e as dissertações apresentadas fornecem uma perspetiva crítica e reflexiva sobre diferentes âmbitos da realidade educativa regional. Seguiram-se mestrados em Inovação Pedagógica e Administração e Gestão Escolar, que devolvem às escolas professores mais aptos e capazes para o exercício de outras funções educativas, como a gestão dos estabelecimentos de ensino, a avaliação docente e a implementação de estudos centrados em problemáticas que emergem da situação das escolas e do sistema educativo. Aos cursos de mestrado seguem-se os doutoramentos em educação na área do Currículo e da Inovação Pedagógica, que também são procurados pelos professores. A par da formação inicial e por força da implementação do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, introduzido pelo dec.-lei n.º 139-A/90 de 28 de abril, em conjugação com o dec.-lei 409/89, de 18 de novembro – que aprova a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e no art. 9.º estabelece as normas relativas ao seu estatuto remuneratório, definindo como um dos critérios para a progressão nos escalões da carreira docente a frequência com aproveitamento de módulos de formação –, a questão da formação contínua dos professores adquire uma grande dimensão, dada a importância que assume na garantia da sua progressão remuneratória. A formação contínua de professores, que durante muitos anos foi regularmente promovida pelas entidades com responsabilidades na educação na Madeira (desde a Secretaria da Educação às escolas, passando pelas diferentes associações profissionais de professores) através de ações de formação pontuais e de jornadas pedagógicas (com destaque para as jornadas organizadas pelo Sindicato dos Professores da Madeira), ganha estatuto legal em 1992, ano em que foi aprovado o 1.º regime jurídico da formação contínua de professores, pelo dec.-lei n.º 249/92, de 9 de novembro. Nele se definem os princípios a que deve obedecer esta modalidade de formação, as áreas sobre as quais deve incidir e as várias modalidades e níveis que deve assumir. Definem-se igualmente as instituições e as entidades vocacionadas para a formação de professores. É assim que, ao lado das instituições de ensino superior, surgem os Centros de Formação de Associações de Professores. As primeiras instituições que chamam a si a formação contínua de professores já nos moldes previstos no seu regime jurídico – formação creditada e acreditada pelo Conselho Coordenador da Formação Contínua de Professores, depois Conselho Científico-Pedagógico – são a Secretaria Regional de Educação, o Centro Integrado de Formação de Professores da UMa e o Centro de Formação do Sindicato dos Professores da Madeira. Sendo uma associação profissional, o Sindicato dos Professores da Madeira, no cumprimento da legislação em vigor, submete-se a um processo de acreditação que culmina a 14 de agosto de 1993 com a aquisição do 1.º certificado de acreditação do seu Centro. Este é o único Centro de Formação que, no plano regional, atinge tal objetivo. A sua primeira diretora foi a Prof.ª Isabel Sena Lino. Mais tarde, outras organizações profissionais de professores, através de protocolos com centros de formação do continente, promovem também ações de formação contínua – o que vem alargar o leque de formação, bem como o número de ações disponíveis. Surgem também as comissões de formação nas escolas, órgãos que dependem dos Conselhos Pedagógicos e que têm como missão divulgar e organizar formação para os professores da sua escola, em primeiro lugar, e de outras escolas, caso o número de vagas o permita. As várias revisões do Estatuto da Carreira Docente, do regime jurídico da formação contínua e de outros documentos legais que configuram a carreira docente, bem como a recessão económica que teve efeitos mais evidentes na economia no início de 2010, colocaram um travão à quantidade de oferta formativa disponível para a formação contínua de professores, que se tornou cada vez mais escassa e sujeita a apertados controlos financeiros. A oferta formativa da UMa, em cursos de mestrado e doutoramento em educação, manteve-se, mas a sua procura baixou significativamente nestes anos.     Fernando Luís de Sousa Correia (atualizado 31.01.2017)

Educação História da Educação

bancos e casas bancárias

No séc. XVI, convergiram para a Madeira as atenções das sociedades comerciais e bancárias, que trouxeram consigo as novas práticas bancárias europeias, fazendo do Funchal uma praça financeira importante. A partir do séc. XIX, a comunidade britânica radicada na Madeira conferiu uma outra dinâmica àquelas operações. Data de 1824, a primeira proposta de criação de um banco na Madeira. Palavras-chave: bancos; casa bancária; falência; Banco Figueira; Banco Sardinha.   O facto de a Madeira, por força da importância do açúcar, ter assumido uma grande preponderância no comércio mediterrâneo-europeu, a partir do último quartel do séc. XV, e de ter atraído as atenções das sociedades comerciais conduziu a que as práticas bancárias chegassem cedo à Ilha. As dificuldades do sistema monetário, uma situação comum na Madeira, não implicaram apenas o recurso à troca produto a produto, mas, de igual modo, à procura de outras formas de pagamento substitutivas da moeda, então em voga na Europa: a carta ou letra de câmbio e o trespasse de dívidas em dinheiro ou em produtos. O Funchal ou Las Palmas surgiram, no séc. XVI, como importantes praças bancárias, situando-se ao nível das de Medina del Campo e de Valência. Os genoveses detinham aí a maior parte do movimento de cédulas. A letra de câmbio teve uma importância igual nas transações comerciais com o exterior. Este meio de pagamento ativou o trato do açúcar, sendo usual nas trocas com o reino, nomeadamente com Lisboa. A existência de uma importante comunidade de italianos e de flamengos, ligada ao comércio do açúcar com as principais praças europeias, contribuiu para a generalização desta forma de pagamento. Os florentinos, experientes nas transações financeiras, surgiram também com grande evidência, sendo particularmente importantes as ações de Feducho Lamoroto e de Francisco Lape. Neste contexto, verificou-se a presença de destacadas sociedades comerciais europeias, que substabeleciam as tarefas a desempenhar em familiares ou concidadãos com o estatuto de societários, de agentes ou de procuradores. Os Welsers, e.g., tinham um feitor em Lisboa (Lucas Rem) e vários agentes substabelecidos no Funchal e em La Palma. A forma mais divulgada de associação e de alargamento da rede de negócios foi a companhia ou sociedade comercial, nas suas diversas modalidades. Estas definiam-se, de um modo geral, pelo seu carácter familiar, pela eventualidade da sua ação e por uma composição variada de intervenientes, que investiam o seu capital ou o seu trabalho. Tratava-se, geralmente, de empresas familiares, que se serviam dos laços de parentesco para assegurar a permanência da sua ação, a solidariedade e a comunhão de interesses. Quando tal se tomava impossível, recorria-se aos compatrícios avizinhados nas principais praças. Esta última forma surgiu, com frequência, na Madeira. O relacionamento dos intervenientes nestas sociedades fazia-se de acordo com o investimento na empresa: capital e trabalho. Quando um dos societários apenas intervinha com o seu trabalho, poderia ser definido como agente ou feitor. Quando esses laços eram de menor dimensão, surgia o procurador, que, mediante um documento notarial, atuava sobre a fazenda do seu parceiro no mercado local, cobrando, por isso, uma determinada percentagem. Ambas as situações apareceram com grande evidência na praça funchalense, enquanto nas Canárias se afirmou, com muita acuidade, a segunda. A rede de negócios funchalense, em tomo do trato do açúcar, foi criada e incentivada pelo mercador estrangeiro, alemão ou italiano, que aí apartou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa; ele dominou as principais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova; o seu domínio atingiu não só as sociedades criadas no exterior com intervenção na Ilha, mas também o grupo de agentes ou feitores e procuradores substabelecidos no Funchal. A escolha destes é criteriosa; primeiro os familiares, depois os compatrícios enraizados na sociedade e, só depois, os madeirenses ou nacionais. Entre as principais casas intervenientes no trato açucareiro madeirense sob esta forma, houve Baptista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala, e Pero de Mimença. Na déc. de 90 do séc. XV, o açúcar madeirense sofreu uma quebra nos preços, não por falta de procura, mas por excesso de oferta da praça funchalense. Os madeirenses reclamaram em vários sentidos e clamaram por medidas da Coroa. A 12 de outubro de 1496, D. Manuel respondeu “vimos uma carta com certos capítulos e apontamentos que nos enviastes em que nos declaras os danos e perdas que tendes recebidas por razão dos contratos e demprestidos e vendas dante mão que se em essa Ilha fazem nos quais entram muitas onzenas donde se seguem grandes demandas de maneira que essa Ilha está em caminho para se perder pedindo-nos por mercê que defendêssemos que tais contratos se não fizessem e que não houvesse um estrangeiro” (MELO, 1973, 350). Foram dadas várias orientações no sentido de atalhar as situações e de procurar estabelecer a regularidade das operações comerciais, dos empréstimos e das vendas, sem dano para os intervenientes. A moeda e os usuais meios de pagamento são um fator importante e ativador do movimento de troca. Aliás, o progresso da atividade comercial depende, em última instância, da situação monetária e das condições de crédito. No caso concreto da Madeira, onde se afirmaria uma economia colonial, o instrumento de troca teria uma ação primordial na estrutura económica insular. A moeda e os seus substitutos foram, ainda, necessários para a compra de manufaturas de importação e aquisição dos bens essenciais de que a sociedade insular carecia, pois os produtos dominantes não perfaziam nem contrabalançavam essa entrada. A situação monetária das ilhas não se apresentava diferente, pois em todas era dominante a falta do metal amoedável e da sua circulação. Esta foi, assim, a característica dominante da sociedade insular, que condicionou, de modo vincado, as operações financeiras e contribuiu para o entorpecimento das relações de troca. Esta questão tornou necessária a criação de novas formas de pagamento e condicionou o aparecimento de novos instrumentos de troca. Assim, ter-se-ia generalizado, nestas ilhas, o pagamento em géneros, a troca produto a produto e, em circuitos mais amplos, o crédito, a letra de câmbio e o trespasse de dívidas. Embora não haja factos que corroborem e documentos que atestem a importância da praça financeira madeirense, é necessário considerar o volume das operações comerciais em jogo nesta altura e a circunstância de, na Madeira, atuarem alguns dos mercadores e algumas das sociedades europeias mais importantes, que fizeram com que as suas práticas bancárias atingissem a Ilha. Mais tarde, a partir de meados da centúria seiscentista, com a formação da feitoria britânica, a atividade bancária assumiu uma nova dimensão, com o predomínio da letra de crédito, como se constata na correspondência comercial de Diogo Fernandes Branco ou de William Bolton. Nesta época, a presença da comunidade britânica conferiu outra perspetiva às operações comerciais e bancárias. A Madeira beneficiaria, deste modo, pelo facto de os britânicos terem criado na Ilha uma importante praça bancária, que, muitas vezes, se entrelaçava com as demais operações do império, de forma especial do Brasil. Apenas no séc. XIX surgiram notícias dos primeiros bancos, tal como hoje se entende. Até então, não se divisava semelhante situação e as operações bancárias eram oferecidas, no caso dos empréstimos, pelas confrarias, pelas misericórdias e por alguns particulares, mas sempre numa postura de medo, tendo em conta a posição declarada da Igreja, que fazia guerra à usura e às onzenas. Assinale-se que, nas constituições sinodais do Funchal, de 1578, 1597, 1615 e 1695, não há qualquer condenação a estas. Mas, já em 1725, o bispo afirmava que “achei [...] muitas usuras e onzenas que são transcendentes por toda a Ilha” (TRINDADE, 2012, 17). Esta atividade foi, assim, denunciada nas visitações de S. Jorge, em 1727, como nas de Ponta Delgada, em 1733. A sua denúncia foi insistente por parte da Igreja. Pela insistência dos prelados nas visitações ao espaço rural contra esta prática, pode-se afirmar que esta foi generalizada em todo o arquipélago, apontando-se assiduamente como alvos desta prática os senhorios e os ingleses. A situação do Porto Santo levaria a coroa a intervir, em 1770, apesar de não ter como controlar a posição e postura inglesa, que assumiu um protagonismo desusado nos sécs. XVIII e XIX, de tal forma que, em 1873, Álvaro Rodrigues de Azevedo referia a “leonina usura”. E assim era, pois, em 1791, o ajudante Manuel Figueira de Ornelas cobrava juros de 20 %. Desta forma, o Alf. Nicolau da Ponte foi condenado “visto ser pouco liso nos seus contratos, e querer enriquecer-se à custa e chupando o sangue dos pobres” (TRINDADE, 1999, 154). A usura, tão generalizada em toda a Ilha, levou a Igreja a assumir uma posição protecionista até ao séc. XIX, através das confrarias, das misericórdias, dos colégios (o caso dos Jesuítas do Funchal), e dos conventos, como o de S.ta Clara, intervindo com uma política de empréstimos, a juros adequados. As misericórdias faziam empréstimos a todos os que delas se socorressem, menos aqueles que fossem irmãos, embora tenham existido casos que demonstram o não cumprimento desta orientação do compromisso. A Misericórdia recebia dinheiro, ao qual pagava 5 % de juros ao ano e, com este, fazia empréstimo no valor de 6,4 %. O referido dinheiro era entregue com condicionantes quanto ao empréstimo, que raramente eram tidas em conta. Assim, Joseph Ferreira Pazes entregou o seu dinheiro, mediante condições a juro: “doa aos ditos pobres deste Hospital a quantia de duzentos e sessenta e cinco mil réis, os quais logo entregou em moedas de prata corrente nesta Ilha que eles administradores contaram e lhe deram quitação; cuja doação faz com tal condição e declaração que serão obrigados os ditos pobres por seus administradores a porem logo a sobredita quantia a juro, em mão de pessoas da segunda condição que bem pagam os juros, e para isso sejam pessoas ricas e abonadas, por nenhum modo se darão os ditos duzentos e sessenta e cinco mil réis a juro a outras qualquer pessoas e também se não dará a clérigo algum; e que dos juros dos ditos duzentos e sessenta e cinco mil réis serão obrigados os ditos pobres por seus administradores pagarem a ele doador, durante a sua vida, o juro de cinco por cento da sobredita quantia, pagos aos quartéis juntamente com os oito mil cruzados, que ele tem doado na primeira doação, abatendo-se e tirando-se dez tostões” (AMORIM, 2011, 240). A entrada do Convento de S.ta Clara deve-se ao facto de a instituição ter sido obrigada, a partir de 1660, a assegurar a sua manutenção, procurando, assim, todos os meios ao seu alcance para o conseguir. Deste modo, houve, a partir de 1673, empréstimos a juros de 5 % e mesmo de 6,25 %. De 1874, encontra-se uma referência à usura de 12 a 24 %. Na segurança das dívidas, os devedores hipotecavam propriedades rústicas e urbanas, objetos de ouro e prata, ou, então, apresentavam fiador. Os ingleses foram os principais agiotas da usura na Ilha, de forma que ficou testemunho disso no livro A Arte de Furtar, publicado em 1625, e que tem sido atribuído a Francisco Manuel de Melo. Aí se relata o caso de um madeirense que, pretendendo emigrar para o Brasil, pedira emprestado 50$00 réis a um comerciante inglês, que, em vez do dinheiro, lhe entregou um lote de tecidos, que, vendidos, dariam de lucro o dinheiro que queria. Como não vendeu, apelou ao dito mercador que os consignara, que aceitou recebê-los aos preços que comprara em Londres. Conclusão: o madeirense acabou por gastar 200$00, mesmo sem sair da Ilha. No séc. XVIII, insistiu-se na usura dos adelos de Gaula e Santa Cruz, que percorriam toda a Ilha, inclusive o Porto Santo, e acabavam por estabelecer muitas dívidas com os agricultores. Na mesma época, insistiu-se também, acima de tudo, no hábito comum da troca direta e dos adiantamentos da venda dos mercadores britânicos na compra do vinho na Ilha. Por outro lado, a abertura que a comunidade britânica fazia ao mercado financeiro e aos bancos londrinos fazia com que esse fosse o meio mais usual, afirmando o deputado Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira (conhecido como o Giraldes) que eram os “richaços” (ricaços) que guardavam o seu dinheiro nos bancos em Londres. Certamente, por conta disso, as instituições que serviam de bancos atuavam junto das populações, como forma de combater a usura de alguns usurários locais. Estava neste grupo João de Carvalhal Esmeraldo. A primeira proposta, no sentido de criação de um banco local, data de 1824. Em ofício para Joaquim José Monteiro Torres, ministro da Marinha, José Joaquim de Almeida e Araújo Corrêa de Lacerda apresentaram a necessidade da criação de um banco local de “desconto e depósito”, como solução para a crise da agricultura. Também uma representação dos Proprietários e Negociantes da Madeira, de 9 de julho de 1824, insistiu na ideia, afirmando que pretendiam “um Banco, não usurário, mas patriótico e benéfico ocorrerá à maior parte dos males que sofremos. Ele ministrará fundos ao negociante cauteloso, ao especulador prudente, ao ativo e inteligente proprietário para o melhor aumento de suas terras, para promover prados artificiais e o plantio de arvoredos para a construção d’ edifícios e navios; para se afrontar aos estabelecimentos custosos e indispensáveis à criação e conservação dos gados; à abertura d’ estradas; e construção de pontes e canais ou levadas; autorizando ou regulando V. Ex.ª o que deverão pagar os que para eles ou d’ eles se servirem, e finalmente aos empreendedores espertos e hábeis para estabelecerem fábricas e manufaturas. Um Banco promovendo a indústria e assistindo à atividade individual em todas as classes, sexos e idade aumentará de necessidade o valor das propriedades rurais e urbanas e cortará pela raiz a insaciável usura, os excessivos criminosos lucros, arrancados ao cidadão oprimido, que à custa de pesados sacrifícios quer remir a sua opinião ou sacrifício. Um Banco, finalmente, que distribuindo com igual prudência e segurança capitais moderados pelos cidadãos industriosos, evitará o cúmulo das riquezas em poucos capitalistas e felicitará cento de famílias procurando-lhes uma decente mediocridade, que só faz a base da independência, da moral e da harmonia das famílias e dos povos” (ALMEIDA, 1907, 208, nº. 9783). Em 1834, o jornal Imparcial apresentou uma nova proposta de projeto de regulamento para uma instituição bancária, seguindo-se outra, em A Ordem, (no n.º 145), de 1854. No entanto, só no último quartel se começou a desenhar a importância da instituição bancária na Madeira. E este período inicial, tal como, depois, na déc. de 30 do séc. XX, foi marcado pelas piores razões, e.g., pela falência de algumas instituições, o que causaria, na sociedade madeirense, uma suspeita sobre os bancos e as casas bancárias. As dificuldades sentidas por muitas famílias e empresas nessa fatídica déc. de 30 perduraram no tempo e foi perpetuada por algumas gerações. Em 1875, começou a funcionar o Banco de Portugal no Funchal, sob a gerência do negociante João José Rodrigues Leitão. A agência do Banco de Portugal, no Funchal, enfrentou dificuldades, com a falência do seu responsável, o comerciante João José Rodrigues Leitão, em 1878, recebendo os credores apenas 50 % dos créditos. Entretanto, em 1873, a comissão administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Funchal mantinha empenho na criação de um banco de crédito agrícola, de forma a oficializar uma situação que já existia nesta instituição através da Caixa dos Órfãos, que emprestava dinheiro ao juro de 5 %. Entretanto, surgiu o Banco Comercial do Funchal, no dia 1 de junho de 1874, com estatutos de 25 de abril deste ano a que estavam associados António Caetano Aragão, Carlos de Bianchi, João de Salles Caldeira, José Paulo dos Santos, Manuel Figueira de Chaves, Manuel Inísio da Costa Lira, Severiano Alberto de Freitas Ferraz, e William Hinton. Porém, não foi fácil a atividade desta instituição, acabando por falir em 1887. Em 1879, João da Câmara Leme defendeu a ideia de um banco de crédito agrícola como solução para os problemas que envolviam a agricultura, atuando com mecanismo financeiro da sua reabilitação. Em 1922, Fernando Augusto da Silva retratava assim o panorama bancário na região: “As casas bancárias estabelecidas agora no Funchal são as de Blandy Brothers & C.ª, Henrique Figueira da Silva, Reid Castro & C.ª, Rocha Machado & C.ª, e Sardinha & C.ª. Estas casas que realizam as operações bancarias exigidas pelo comércio do Funchal, e ainda outras, estão todas em estado bastante próspero, devido à sua excelente administração e à confiança de que gozam no mercado, como para os elevados juros, que eram de 12 a 15 %, podendo mesmo chegar aos 24 % ao ano” (SILVA e MENESES, 1978, I, 116-117). Já para a déc. de 30, houve notícias de diversas instituições bancárias locais e nacionais com intervenção no crédito. Assim, são conhecidas 4 agências de bancos nacionais – Bancos de Portugal (1878) e Nacional Ultramarino (1919), Companhia de Credito Predial Português, Banco Espírito Santo – e 11 casas bancárias com sede no Funchal – Reid, Castro & Co., Rocha Machado & Co., Teixeira Machado & Co., Rodrigues Simão & Co., Sardinha & Co., Henrique Figueira da Silva, Blandy & Co., Banco Madeira (1920), A. Adida & Co., Rodrigues & Irmão Co., Teixeira & Machado C.ª. De entre estas, destacava-se a casa bancária com o nome do seu proprietário, Henrique Figueira Sardinha (1868-1945), mais conhecida por Banco Sardinha, que se havia popularizado, tendo uma importante carteira de depósitos e de empréstimos, no valor de um milhão de libras esterlinas, a um grupo significativo de empresas madeirenses. A Casa Bancária de Henrique Figueira da Silva, ou Banco Figueira, surgiu em 1898, com instalações na R. dos Murças. Esta casa dominava os financiamentos ao comércio e à indústria da Ilha, sendo de destacar a sua ação nos sectores das moagens e dos engenhos de açúcar e de aguardente com a Fábrica de S. Filipe. Normalmente, aponta-se a situação ocorrida em 20 de novembro de 1930 como um efeito retardatário da quinta-feira negra de Nova Iorque, de 24 de outubro de 1929. Mas, ao nível da sociedade madeirense, a maioria dos testemunhos apontam para um turbilhão de boatos lançados anonimamente na cidade que apontavam a falta de liquidez desta casa e que levaram a uma corrida desenfreada dos populares ao levantamento das suas economias. Os boatos eram anónimos, mas facilmente identificáveis, sabendo-se do interesse de algumas famílias estrangeiras, com interesses na atividade bancária e em sectores industriais financiados por esta casa. Por outro lado, se se tiver em conta que os dois principais beneficiários da venda em hasta pública do património do banco foram as famílias Blandy e Hinton, não se estará longe de fazer sair do anonimato os principais orquestradores da situação que levou à falência do Banco Figueira e do Banco Sardinha e que teve um efeito negativo na atividade bancária da Ilha, nos anos imediatos, tendo a maioria da população perdido as suas economias por não aceitar os bancos públicos e por preferir a esteira das camas ou um outro sítio que considerava mais seguro. Para esta situação, também se apontam culpas ao Governo (sendo então ministro das Finanças Oliveira Salazar) por não ter tomado qualquer medida para evitar esta situação de falência, pois, em 1929, havia assumido uma atitude diferente com a casa bancária de Henrique Tota. Mas, se tivermos em conta as facilidades que algumas destas famílias inglesas, beneficiadas com as falências, tinham junto do Governo da República, não será difícil de adivinhar o porquê desta atitude. A falência destas duas casas bancárias, Sardinha e Figueira, abalou a economia madeirense da déc. de 30, uma vez que ambas representavam 75 % dos depósitos e empréstimos da Ilha. Com a ida do património destas casas bancárias à praça pública, a família Hinton arrematou o seu rival, a Fábrica de S. Filipe, e a família Blandy, as moagens e muitos dos prédios do Funchal. Por outro lado, a casa bancária desta última família foi uma das mais favorecidas com a situação do sistema de depósitos e créditos bancários. A solução da crise bancária madeirense, mais apregoada na altura, era a da fusão. Esta ideia colhia a concordância dos responsáveis dos bancos da Madeira, Sardinha e Henriques e Irmão e C.ª, e foi aceite pelo Gov. Artur Almeida Cabaço, que, por sua vez, fez a proposta a Salazar, contando com a participação do Governo, no capital social do banco fundido, com o montante de 15.000 contos. O ministro das Finanças, porém, recusou liminarmente, propondo a constituição de um banco regional “que absorva os estabelecimentos existentes de feição local” (FREITAS, 2014, 68). Este autor falou num grupo de personalidades madeirenses que, porventura, teriam influenciado a posição de Salazar, mas sem as enumerar. Esta ideia da constituição de um banco regional vem de longa data, pelo menos do início do séc. XIX, quando o Governo recomendou ao Gov. e Cap.-Gen. da Madeira José Manuel da Câmara “a criação duma Caixa de Crédito na Madeira”, não existindo, nesta altura, qualquer banco formalmente constituído em Portugal. Só em 1920, surgiu o Banco da Madeira, que faliu com a depressão económica de 1929 e que foi reconstituído e fundido com a casa bancária Sardinha e C.ª e Rodrigues, Irmão e C.ª, em 1933. O Banco da Madeira, fundado em abril de 1920, só viu os seus estatutos aprovados no ano seguinte, tendo como sócios algumas sociedades comerciais como a Viúva de Romano Gomes e Filhos, Luís Gomes da Conceição e F. F. Ferraz e Companhia Ld.ª, e também algumas personalidades madeirenses de renome. Arrancou com o capital social de 2000 contos e criou uma filial em Lisboa, a 17 de fevereiro de 1923, tendo, em janeiro do ano seguinte, aumentado o capital social de 4000 para 6000 contos. A filial de Lisboa prosperou numa fase inicial mas, a certa altura, sofreu denúncias na Inspeção do Comércio Bancário, por má gestão e uso fraudulento de dinheiros, por parte dos gestores aí colocados (Manuel Jorge Pinto Correia e Carlos da Silva Barros) e negócios feitos sem conhecimento da Assembleia do Banco. No entanto, uma inspeção levada a cabo por peritos do Comércio Bancário não chegou a qualquer conclusão, tendo os visados se mantido nos cargos que ocupavam e alguns deles transitado para o novo Banco da Madeira depois da fusão. A crise económica de finais da déc. de 20, na Madeira, agravada com a suspensão de pagamentos das casas bancárias, Henrique F. da Silva e Sardinha e C.ª, e o encerramento da Reid, Castro e C.ª juntamente com a Revolução da Farinha, seguida da Revolta da Madeira, geraram preocupação em alguns políticos madeirenses que se movimentaram nos meios nacional e local, no sentido de encontrar uma solução para a crise bancária: e a solução apontada era a liquidação da casa Henrique F. da Silva e a fusão dos outros três bancos. No entanto, os depositantes da Casa Sardinha continuaram sem poder aceder aos seus depósitos, devido à continuada falta de liquidez do banco fundido, e só o Estado poderia ajudar, intervindo, porque a reconstituição dos bancos feita sem este apoio poderia gerar uma crise maior. Contudo, Salazar apenas incentivou a fusão dos três bancos, sem intervenção do Estado. Assim, a 12 de setembro de 1933, por dec.-lei n.º 23.026, foi instituído o novo Banco da Madeira, mercê da fusão dos três bancos referidos, com o capital social de 10.000.000$00 “e constituído pelo excedente do ativo de cada um dos bancos alvo de fusão e do que ainda for necessário para completá-lo, deduzido proporcionalmente de depósitos e débitos comuns do atual Banco da Madeira e do Banco Sardinha” (Id., Ibid., 107). O decreto autorizou o Banco da Madeira a emitir, logo após a sua constituição definitiva, até 15.000.000$00 de obrigações, preferenciais de 500$00 cada, de forma a prover as dificuldades que surgiriam com a falta ou a fraca liquidez do banco. Os valores apurados pela comissão de avaliação aos bancos fundidos foram os seguintes: como excedente do ativo do Banco da Madeira, 1.672.800$00; Casa Sardinha, 333.300$00; e Rodrigues e Irmão, 420.220$00. As ações da Casa Sardinha de 500$00 foram reavaliadas a 33$00, e as do Banco da Madeira de 100$00 foram revalidadas a 20$00. O conselho de administração do banco ficou constituído por um elemento indicado por cada banco falido: Leonel G. Luís (Banco da Madeira), António Bettencourt Sardinha (Banco Sardinha) e Juvenal Araújo (Rodrigues e Irmão e C.ª) e presidido pelo comissário do Governo, Eduardo Paquete. Nos primeiros anos da sua existência, este banco continuou com as mesmas dificuldades, tendo-se pensado também na sua liquidação. Para esta situação, contribuiu o facto da excessiva avaliação dos ativos dos bancos fundidos; só com os apoios concedidos pelo Estado o banco foi-se equilibrando até à sua total revitalização, que aconteceu após a Segunda Guerra Mundial. Na déc. de 1960, o movimento bancário fusionista levou a que este se incorporasse no Banco Lisboa e Açores, rentabilizando o negócio. A casa bancária Blandy Brothers constituiu-se no dia 29 de novembro de 1920, com o capital social de 550.000 libras esterlinas, através de uma família inglesa radicada na Madeira, desde o início do séc. XIX. A firma Blandy tinha ligações económicas a quase todos os sectores comerciais da Ilha e ainda mantinha ligações com o exterior, em termos de exportação e importação, designadamente com o mercado inglês que lhe trouxe proventos económicos importantes para se abalançar no negócio bancário, trazendo-lhe maior sustentabilidade e marcando uma posição de realce no financiamento económico e no mercado cambial, no qual apostou grandemente. Os sócios eram John Ernest Blandy, Charles Maurice Blandy, Richard Rober Faber e Dudley Oliveira Davies. Só o primeiro e o último residiam na Madeira e a sociedade tinha, por objeto, o comércio em geral. A 29 de novembro de 1924, alteraram os seus estatutos, com o objetivo de reduzir o capital social em 50.000 libras e de especificar a distribuição do capital, ficando ao primeiro sócio 39 %, ao segundo, 28 %, ao terceiro 22 %, e ao quarto 11 % do capital. No dia 4 de junho de 1925, foi dissolvida a sociedade Blandy Brothers e C.ª, de nome coletivo, e transformada em sociedade limitada por quotas. A casa Blandy resistiu à crise de 1929, que levou à falência das outras casas bancárias na Madeira, a par da Rodrigues e Irmão, possivelmente devido às suas raízes e à forte ligação ao exterior, beneficiando da compra de cambiais que viriam a ser importantes para o investimento no comércio e na indústria madeirense. Para o seu êxito, contribuiu, ainda, a compra em hasta pública da moagem de cereais da Fábrica de S. Filipe, pertencente a Henrique Figueira da Silva, ampliando a sua influência no mercado da moagem local, arrematando muitos outros prédios provenientes de falências e comprando lotes de vinho Madeira. Diz-nos J. A. Freitas que este grupo “cresceu e fortificou-se no meio da turbulência da praça do Funchal, porque dispunha de liquidez e, assim, a foi aplicando nos negócios que, nas condições existentes, podia fazer, segundo opções por si definidas no sentido de consolidar os negócios do grupo” (Id., Ibid., 121). A casa Blandy ocupava a terceira posição, em termos de depósitos existentes, com 9344 contos, em 1931, e 8199, em 1932. O dec.-lei n.º 41.403, de 27 de novembro de 1957, que pretendia regular o sistema bancário português, obrigou os estabelecimentos especiais de crédito a praticar, em exclusivo, o exercício da atividade bancária. O grupo Blandy, reunido em assembleia-geral, a 26 de maio de 1958, decidiu constituir uma nova sociedade por quotas, transitando para a nova sociedade o ativo bancário, incluindo os bens imóveis. A nova empresa assumiu a designação de Blandy Brothers (Banqueiros) Ld.ª, com o capital de 10.000.000$00, dividido em quatro quotas, sendo 8.700.000$00 pertença de Blandy Brothers (Banqueiros) Ld.ª, 100.000$00 de Blandy Brothers e Companhia Limited de Londres, 100.000$00 de Peter Graham Blandy, e os restantes 100.000$00 de John Reeder Blandy. Em 1968, esta sociedade incorporou-se no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. A casa bancária Henrique Figueira da Silva foi coletada como cambista em 1902 e como banqueiro, em 1910, não se sabendo ao certo a data da sua fundação. Foi uma casa próspera até a deflação económica de 1929, tendo detido um grande prestígio e irradiado confiança nos seus depositantes. No final de 1930, tinha 71.678 contos de depósitos que correspondiam a 9.403 depositantes. Foi a maior casa bancária da Madeira nesta época. Até mesmo as caixas económicas faziam aqui os seus depósitos para usufruírem dos altos juros que esta casa praticava, assim como os emigrantes madeirenses. Esta casa suspendeu os pagamentos no dia 19 de novembro de 1930, sendo nomeado, dois dias depois, como comissário do Governo no banco, o madeirense Eduardo Paquete. Pouco tempo depois, transitava para a casa Sardinha e C.ª, sucedendo-lhe Óscar Baltasar Gonçalves, logo em janeiro de 1931, que exerceu as funções até 4 de maio de 1931. Os presidentes das comissões liquidatárias deste banco também tiveram a mesma sorte e foram sendo nomeados e substituídos com frequência. Em outubro de 1933, já eram cinco: Juvenal Araújo, Brás Alves, Martins Costa, Gonçalves da Silva, e o juiz Carlos Henriques da Silva e Sousa, o que provocou grande instabilidade nos cargos, dificultando a sua gestão. Diz-nos J. A. Freitas que “o desmantelamento de Henrique Figueira da Silva tornou-se um acontecimento sem retorno e de efeitos muito nefastos na economia da Madeira e dos seus depositantes, de longe a maior casa bancária” (Id., Ibid., 126). Este autor apresenta, como exemplo, o montante do valor dos seus depósitos que correspondiam, ao tempo da falência, ao dobro de todos os outros bancos a trabalhar na Madeira. O banco foi liquidado por via administrativa através do dec. n.º 20.316, de 16 de setembro de 1931, sem prerrogativas ou a possibilidade de poder reconstituir-se, mesmo após o relatório da comissão liquidatária de 31 de dezembro de 1931, onde se refere um ativo de 87.033.509$00, superior ao passivo de 77.861.344$00. A comissão liquidatária requereu a falência desta casa bancária a 19 de novembro de 1931, no tribunal judicial do Funchal. A falência foi decretada por uma votação de 2 votos contra 1. O banqueiro recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, em março de 1935, o qual revogou a sentença do tribunal do Funchal, com o argumento de que, para a declaração de falência, não bastava a suspensão de pagamentos: “a falência decorre da relação ativo/passivo do estabelecimento e, neste caso, o ativo é superior” (Id., Ibid., 128). A comissão liquidatária voltaria a recorrer para o Supremo Tribunal que confirmou a decisão da Relação, indicando que, quando esta casa bancária suspendeu os pagamentos, não se encontrava em situação de falência. No entanto, apesar destes reveses, a comissão liquidatária continuava a desfazer-se dos bens do banco em hasta pública e em vendas diretas. João Abel de Freitas diz que esta falência foi “um grande imbróglio de consequências nefastas para a economia da Madeira que serviu determinados interesses e com largos prejuízos para os depositantes” (Id., Ibid., 128). Este autor insinuou que esta falência fora incentivada por terceiros e por forças e interesses que apostaram na sua liquidação e que contou com jogos de influência junto de Salazar para que o fim fosse este. Havia ainda outra tese que defendia a falência, apontando “para uma certa maquilhagem da escrita como argumento para a falência” (Id., Ibid., 130). Opinou o autor referido que esta era, então, uma forma corrente em todas as casas bancárias e perguntou porque se deveria então penalizar apenas esta com a falência e recuperar as outras. Parece ter havido muitos interesses apostados no desmantelamento desta casa bancária, o que, ligado à má gestão do banco, facilitou a vida dos pretendentes, cometendo-se um gravíssimo erro com consequências nefastas para a economia da Madeira, pois não fazia sentido reorganizar a banca madeirense, deixando de fora o maior banco da época. Lembre-se ainda que, na Madeira, a situação bancária era muito frágil, com exceção para a casa Blandy, ficando no ar muitas suspeições. A casa bancária Reid, Castro e C.ª foi fundada por Henrique Vieira de Castro, oriundo do Porto e colocado, no Funchal, como delegado do Banco de Portugal, fixando residência na Madeira, a partir de 1893. Tendo enriquecido, fundou a casa bancária com esse nome entre outras empresas ligadas aos vários ramos económicos da Ilha. A casa bancária foi constituída como sociedade por quotas, no ano de 1905, sob o nome de Reid, Castro e Companhia Ld.ª, com o capital de 60.000$00 réis e com os sócios William James Reid, Alfred Eduard Reid, Henrique Vieira de Castro, Abraham Adida, visconde de Cacongo, Alfred L. Jones, e Eduardo A. Cunha. A 29 de maio de 1912, a empresa foi vendida a William James Reid, Alfred Eduard Reid, Henrique Vieira de Castro e Abraham Adida, e transformada em sociedade comercial em nome coletivo, de responsabilidade ilimitada. A 17 de junho do mesmo ano, o capital social foi aumentado para 100.000$00 réis, distribuídos entre eles da seguinte forma: William e Alfred Reid com 25 contos cada, Henrique Vieira de Castro com 40 contos, e Abraham Adida com 10 contos, tendo Henrique Vieira de Castro sido nomeado gerente, com o vencimento anual de 1.080.000$00 réis e 10 % nos lucros líquidos quando superiores a 8 % do capital social da sociedade. Era um vencimento simbólico. A partir daqui, surgiu a casa bancária propriamente dita, já que a sociedade passou a ter por objetivo as transações bancárias. Em junho de 1925, com a morte de Abraham Adida e, em 1927, com a de Henrique Vieira de Castro, o pacto social foi alterado para registo das quotas em nome dos herdeiros, em virtude do dec. n.º 10.634, de 20 de março de 1925, o que fez com que esta casa bancária solicitasse, a 10 de junho desse ano, a sua inscrição no registo das instituições de crédito. Este processo demorou, por não corresponder a todas as regras do referido diploma, ficando apenas concluído em 1930, com o depósito obrigatório na Caixa Geral de Depósitos e com a apresentação da guia do pagamento do registo no valor de 523$00. Depois da morte de Henrique Vieira de Castro, o banco perdeu algum fulgor, devido à falta de experiência empresarial dos herdeiros, acusando um atraso, a partir de janeiro de 1931, e originando muitas queixas junto da Inspeção do Comércio Bancário e do Comissário do Governo, na fase de liquidação. A partir de 7 de dezembro de 1931, foi comunicada à Inspeção do Comércio Bancário e ao ministro das Finanças a suspensão de pagamentos, aguardando-se a nomeação do comissário do Governo, o que aconteceu no dia 15 de dezembro desse ano, tendo recaído a escolha em Nuno de Vasconcelos Porto, a quem foi retirada a autorização para o exercício da indústria bancária, por portaria de 18 de maio de 1932, com a sua imediata liquidação. A comissão liquidatária, nomeada a 13 de junho desse ano, foi constituída por Juvenal Raimundo de Vasconcelos, que representava os sócios, e José Quirino de Castro, que representava os credores, tomando posse no dia 23 desse mês. Esta comissão não conseguiu cumprir o seu trabalho dentro do prazo previsto, em especial devido à situação de grave crise financeira da praça do Funchal, sendo prorrogado o seu prazo até ao dia 20 de janeiro de 1934. No entanto, o processo de liquidação desta sociedade só se encerrou a 12 de agosto de 1944, após a aprovação das contas de liquidação, sendo apresentado um relatório à Inspeção do Comércio Bancário e resultando daqui elevados prejuízos para os credores comuns, cerca de 324, que perderam tudo, no valor de 14.990.137$00. Sardinha e C.ª, com um crédito de 1.760.714$00, recuperou 1.045.900$00, e Luís da Rocha Machado, com um crédito de 650.072$00, recuperou 200.000$00. A realização da venda do património imobiliário (15 prédios rústicos e urbanos) pouco rendeu e a venda em hasta pública das águas foi pouco transparente, tendo garantido um valor muito abaixo de real. A casa bancária Rocha Machado teve em Luís da Rocha Machado, um açoriano, emigrante no Brasil e radicado na Madeira, como funcionário da casa Blandy, o seu proprietário. A partir de 1890, deixou a casa Blandy e dedicou-se a vários negócios. Não há muita informação disponível sobre esta casa bancária, sabendo-se que ela se antecipou aos acontecimentos económicos dos finais da déc. de 1920, na Madeira, fundindo-se, a 10 de outubro de 1928, com Cupertino de Miranda e Irmão, Ld.ª e com o Banco Económico Português, dando origem ao Banco do Comércio e do Ultramar, que também sofreu um processo de liquidação, realizado em setembro de 1932. No capital social deste banco, participaram algumas casas de crédito como a Bernardino Correia e C.ª, Marques Seixas e C.ª, Sá Leitão e C.ª, Matos Vaz e C.ª, Martins Lourenço Aparício, e José Simões Coelho. A casa bancária Rodrigues, Irmão e C.ª foi constituída no dia 19 de abril de 1922, no Funchal, e teve, como sócios fundadores, Henrique Augusto Rodrigues, Alfredo Guilherme Rodrigues, João Anacleto Rodrigues, Francisco Roberto Câmara, Juvenal de Araújo, e Francisco Leão de Faria. Era quase uma sociedade familiar, composta por pessoas que detinham outros interesses económicos na praça financeira do Funchal, entre eles o comercial, como era o caso do Bazar do Povo. Tinha um capital social de 750.000$00, repartido entre os irmãos Rodrigues, com uma quota igual a cada um de 200.000$00 e de 50.000$00 aos restantes três. Esta sociedade requereu à Inspeção do Comércio Bancário o seu registo como banqueiros, no dia 9 de junho de 1925. Em 1926, entrou um novo sócio, Alfredo Campanella, em substituição de Francisco Leão de Faria. O ativo desta casa bancária, a 31 de dezembro de 1932, ascendia a 6.662.635$00; os depósitos à ordem e a prazo, nesta data, totalizavam cerca de 2117 contos e os credores cerca de 2200 contos. O capital próprio era inferior a 800 contos. Juntamente com a casa bancária Blandy Brothers, ela constituiu uma das exceções à crise bancária ocorrida na Madeira, após a queda da Bolsa de Nova Iorque de 1929; foi cumprindo a legislação em vigor, nunca necessitando de intervenção estatal. Devido à influência política de alguns dos seus sócios, nomeadamente Juvenal de Araújo, conseguiu posicionar-se estrategicamente para integrar a fusão bancária, ocorrida com a falência dos outros bancos, integrando o novo Banco da Madeira, constituído com o apoio do Estado. Juvenal de Araújo ocuparia uma posição de destaque dentro do novo banco, sendo nomeado membro efetivo do conselho de administração. Com a constituição do novo Banco da Madeira, encerrou-se a atividade da casa bancária Rodrigues, Irmão e C.ª, sendo o único dos três incorporados que tinha cessado pagamentos. A casa bancária Sardinha e C.ª foi constituída no dia 29 de dezembro de 1920, no Funchal. Os seus sócios constituintes foram Manuel Bettencourt Sardinha e Leonardo Bettencourt Sardinha; este último fora emigrante em Demerara e detinha uma avultada fortuna que, depois, investiu na Madeira em vários negócios, entre eles o bancário. Esta casa bancária assumiu a forma jurídica de sociedade comercial em nome coletivo, com o objeto de realizar operações bancárias e outro tipo de negócios. A sociedade tinha um capital social de 400.000$00, entre esse capital 80.000$00 do ativo líquido da sociedade Sardinha e Companhia, entretanto dissolvida, e o restante subscrito pelos dois sócios. Com a morte de Manuel Bettencourt Sardinha, que era o gerente, a gestão foi assegurada por Leonardo Bettencourt Sardinha, que passou a ser o único sócio e gerente, pelo conteúdo de uma das cláusulas da escritura de constituição da sociedade que determinava que, aquando da morte de um dos sócios, o outro continuaria no negócio, pagando aos herdeiros do sócio falecido a parte correspondente, em prestações semestrais de igual valor, cada uma com um juro de 6 % ao ano, no prazo de 6 anos a contar do dia do óbito. A crise de 1929 e o número exagerado de casas bancárias fizeram com que o sector estagnasse; a instabilidade instalou-se nas casas bancárias e algumas abriram falência. A casa bancária Sardinha e C.ª suspendeu os pagamentos a 21 de novembro de 1931. A 3 de janeiro de 1932, Eduardo Paquete foi nomeado comissário do Governo junto deste banco. A casa bancária Sardinha e C.ª reconstituiu-se sob o nome de Banco Sardinha, por dec. de 30 de abril de 1931, com o apoio do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, contando com uma grande tolerância por parte de Salazar na sua reconstituição. Esta passou a sociedade anónima, a 21 de maio de 1931, sob a designação de Banco Sardinha “sendo os primeiros outorgantes da escritura de mudança os sócios da casa Sardinha e Companhia e os segundos outorgantes, todas as pessoas, na generalidade credores, que subscreveram o aumento de capital em 3.000 contos” (Id., Ibid., 173). Neste aumento de capital, 7 pessoas subscreveram 50.000$00 e 23 outras subscreveram ações entre 45.000$00 e 10.000$00; no entanto, a desconfiança face à reconstituição das casas bancárias era muito grande e levou a uma corrida aos levantamentos e à exigência de reembolsos dos créditos por completo, havendo necessidade de recorrer a novas moratórias. Prorrogaram-se os prazos, mesmo após a sua transformação em banco, e a suspensão de pagamentos foi-se consolidando com indemnizações tardias, com muitos processos judiciários e com sucessivas prorrogações. Esta era a segunda maior casa bancária da Madeira da época, em número de depósitos. No seu processo de liquidação, ela foi alvo de alguns processos polémicos e judiciais com alguns dos devedores, entre eles, Tiago Matias de Aguiar, F. F. Ferraz e C.ª Ld.ª que mostraram discordância quanto à forma de liquidação dos seus créditos. Entretanto, com o cimentar da sustentabilidade económica e financeira do Estado Novo, filiais de outros bancos nacionais foram aparecendo na praça financeira do Funchal, como a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Espírito Santo, o Banco Pinto e Sotto Mayor, o Banco Fonsecas e Burnay, o Montepio Geral, o Banco Português do Atlântico, o Banco Português de Investimento, o Banco BIC, e a Caixa Económica do Funchal (este foi um banco de raiz madeirense, que passou por algumas dificuldades, após o 25 de Abril, tendo-se transformado no Banco Internacional do Funchal). Com a expansão económica e financeira proporcionada pelas novas condições económicas saídas da Revolução de 1974, proliferam novas filiais de bancos nacionais e estrangeiros. Tendo em consideração as publicações do Instituto Nacional de Estatística e da Direção Regional de Estatística da Madeira (DREM), é possível verificar o comportamento mais recente de um conjunto de variáveis relacionadas com a atividade da Banca. Desde o ano 1998, o número de estabelecimentos bancários demonstrou uma evolução como que a dois ritmos, sendo que foi verificado um período inicial favorável e, posteriormente, um outro no qual as variáveis apresentavam um certo ressentimento no sector, seguramente pela própria crise financeira que assolou o mundo e provocou efeitos colaterais na Região. Para o ano 1998, o número de estabelecimentos de bancos e de caixas económicas na RAM era de 133, representando cerca de 2,6 % do total de estabelecimentos a nível nacional. No ano 2000, o número de estabelecimentos ascendia a 150 na Região, com uma proporção de 3,0 % comparativamente ao número de estabelecimentos em Portugal continental. Esta proporção foi tendencialmente aumentando, embora o valor mais elevado tenha sido o de 3,2 %, que se constatou nos anos 2001, 2002 e 2007, onde o número de estabelecimentos na Madeira era de 156, 156 e 171, respetivamente. Todavia, foi no ano 2009 que se verificou o número mais elevado de estabelecimentos na Região, com 182, quando Portugal tinha 5877 estabelecimentos bancários e caixas económicas. De notar que, a partir do ano 2010, inclusive, verificou-se uma queda no número daqueles. Queda essa que não foi um fenómeno único da Região, mas também de todo o território nacional, embora seja de interesse ressaltar que a diminuição do número de estabelecimentos foi mais acentuada na Madeira, pois, ao se verificar a proporção do número de estabelecimentos bancários regionais no número de estabelecimentos bancários nacionais para o ano 2013, o valor ficou pelos 2,8 %, um valor percentual inferior ao verificado em anos anteriores, comparável com aqueles que se verificavam nos últimos anos da déc. de 90 do séc. XX. No ano 2010, o número de estabelecimentos passou para os 178, diminuindo no ano seguinte para 169. No ano 2012, verificou-se uma nova queda para 157, sendo que, no ano 2013, foram encerrados 10 estabelecimentos bancários, passando a RAM a contar com apenas 147. Outra forma de se analisar a evolução do sector é através do número de pessoas ao serviço nesses mesmos estabelecimentos. No ano 1998, o número de funcionários do sector bancário cifrava-se nos 946, sendo que a partir desse ano verificou-se uma diminuição que faria com que, no ano 2001, o número fosse de 851 pessoas. No entanto, a partir do ano 2002 e até o ano 2004, constatou-se um crescimento, no qual, no ano 2002, o sector bancário contava com 922 colaboradores, passando para 945, no ano seguinte, e para 1098, em 2004. A partir do ano 2005, voltou a verificar-se uma tendência caracterizada pela diminuição do pessoal ao serviço, muito embora, no triénio 2008-2010, o número tenha superado o milhar de pessoas. A partir do ano 2011, o número decaiu, fazendo com que os dados referentes ao ano 2013 apresentassem um número de funcionários novamente inferior ao ano imediatamente anterior, fixando-se em 842. Os dados apresentados anteriormente podem ser analisados efetuando induções sobre os motivos que provocaram esta diminuição de pessoal ao serviço, apoiadas, eventualmente, no argumento da melhor utilização e otimização dos serviços. Todavia, cabe destacar que, a partir do ano 2008, o sistema bancário se ressentiu, fundamentalmente, pela crise financeira despoletada. Este fenómeno não se fez sentir unicamente em território regional, mas também no espaço nacional, porque, se se comparar a proporção do pessoal ao serviço em bancos e em caixas económicas na RAM relativamente ao pessoal ao serviço nas instituições de todo o país, verifica-se que, apesar de ter havido algumas alterações pontuais, o valor percentual se manteve nos 1,6 %. Uma publicação de 2014 do periódico Económico constatava o encerramento de um número elevado de agências bancárias nesse mesmo ano. Segundo a mesma, os bancos com maior presença em Portugal fecharam 200 balcões em território nacional no ano 2014. Na publicação, o encerramento de balcões e o despedimento de colaboradores são explicados não só pelas exigências efetuadas pelas autoridades europeias, após ter-se intervencionado um conjunto de instituições bancárias, mas também pelos prejuízos verificados no sector que obrigaram a elaborar planos de reestruturação assentes parcialmente nestas medidas. Outro dado de elevado interesse, relacionado com o número de terminais multibanco na Região, permite-nos concluir que foi verificado um crescimento importante daqueles entre o ano 1997 e o ano 2013. Enquanto, no ano 1997, o número de terminais na RAM era de 98, no ano 2013 o número ascendia aos 327. Neste intervalo de tempo, apenas foram verificadas diminuições anuais no ano 2011, momento em que o número caiu para 344, quando em 2010 o número de terminais era de 347, e no ano 2013, altura em que se verificou uma diminuição de 18 terminais multibanco. Relativamente a esta variável, é possível verificar, de igual forma, que, entre o ano 1997 e o ano 2013, a distribuição concelhia desses mesmos terminais sofreu alterações, destacando-se a descentralização dos terminais no concelho do Funchal: no ano 1997, localizavam-se ali 61,2 % do número total, um valor que diminuiu para 55,7 % no ano 2013. Não obstante, apesar de ter havido um aumento da proporção de terminais nos restantes concelhos que não a capital da RAM, verificou-se uma diminuição da mesma em concelhos como: a Calheta, onde a relação passou de 6,1 % para 3,1 %, entre o ano 1997 e 2013; o Porto Moniz, onde, no ano 1997, os terminais multibanco representavam 2,0 % do total regional, e, no ano 2013, um valor inferior situado nos 1,8 %; a Ribeira Brava e São Vicente, que, no ano 1997, representavam 5,1 % e 4,1 %, e, no ano 2013, 4,0 % e 1,8 %, respetivamente. O número de operações efetuadas em terminais multibanco também aumentou significativamente, quase que quadruplicando entre o ano 1997, ano no qual o número de operações foi de 5411 milhões. No ano 2013, foram registadas 21.010 milhões de operações em território regional. Os números alteraram-se de tal forma que uma análise à caracterização desses mesmos movimentos permite constatar a dinâmica verificada. Tome-se, por exemplo, o ano 1997, no concelho de Porto Moniz, onde o número de operações efetuadas foi de 23.000, sendo apenas de 19.000 no concelho da Ponta do Sol. Sendo uma das principais funções das instituições bancárias a concessão de crédito à economia, determinados dados da DREM revelam que, a 31 de dezembro de 2013, a percentagem de devedores face ao total da população adulta residente na RAM era de 51,1 %, valor inferior ao verificado no território nacional (52,9 %). Cabe destacar de igual forma que cerca de 1 em cada 4 adultos residentes na RAM tinha um empréstimo à habitação, e para 43,2 % foi concedido um empréstimo para consumo e para outros fins, empréstimo esse que, a 31 de dezembro de 2013, ainda estava em dívida.   Alberto Vieira Emanuel Janes Sérgio Rodrigues (atualizado a 23.01.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

valor acrescentado bruto

O Valor Acrescentado Bruto (VAB) é um indicador que quantifica o valor total do output produzido numa dada economia, para um certo período de tempo. Apenas o excedente é considerado como VAB, pois ao valor total da produção é deduzido o valor do consumo intermédio. O somatório do VAB de todas as atividades de uma dada economia com o valor dos impostos sobre os produtos, subtraindo o valor dos subsídios para os mesmos produtos, deverá igualar o PIB da região em apreço. Para uma dada economia, estima-se que o valor total do VAB deverá ser um contributo de cerca de 90 % do PIB. Em 1995, e tendo em consideração a informação patente nas contas regionais de 1995-2012, base 2006, do Instituto Nacional de Estatística, a Região Autónoma da Madeira (RAM) apresentava um VAB a preços correntes de 1635,5 milhões de euros, sendo o valor provisional apresentado pela instituição estatística, para 2012 de 4155,6 milhões de euros. Desde 1995, o VAB regional apresentou, na sua generalidade, taxas de crescimento, quando comparado o valor do VAB anual com o do ano imediatamente anterior; essas variações chegaram a ultrapassar os 20 pontos percentuais em 2000 e 2002, com taxas de crescimento de 21,1 % e 21,0 %, respetivamente. Em 2002, o VAB da RAM já ultrapassava o dobro do VAB que a Região apresentava em 1995, nomeadamente com 3516,7 milhões de euros, em contraponto com os 1635,5 milhões do ano de partida do estudo em apreço. Apesar de se terem constatado taxas de crescimento tendencialmente positivas no período compreendido entre 1995 e 2012, em cinco dos anos que constam neste intervalo verificaram-se variações negativas, nomeadamente nos anos 2001, 2003, 2009, 2011 e 2012; em 2009, 2011 e 2012, o decréscimo do VAB foi mais pronunciado, com variações de -1,1 %, -1,6 % e -7,4 %, respetivamente. As diminuições apresentadas em 2011 e 2012 não podem ser interpretadas como variações negativas impulsionadas unicamente pela realidade regional da RAM e pelos constrangimentos vivenciados por este território em matéria económica, visto que todas as regiões em estudo – Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Açores, e o território português no seu todo – apresentaram taxas de variação negativas. Não obstante, para 2012, a Madeira apresentava a diminuição mais significativa em termos percentuais. Relativamente ao peso que o VAB regional tem no VAB nacional, a RAM representava, em 1995, 2,1 %. Em 2012, o valor proporcional do VAB da RAM no VAB português aumentou para 2,9 %, depois de, em 2006, ter sido de 3,1 %. É de notar que a RAM, à semelhança dos Açores, de Lisboa e do Algarve, viu aumentar o seu contributo no total do VAB do país. Uma análise do VAB regional permite-nos concluir que, neste período, a economia da Região assentou no sector terciário, cuja importância relativa no VAB da RAM é notória. Assim, no ano de 1995, o VAB do sector terciário representava 76,4 % do VAB regional, enquanto o do sector secundário tinha um peso percentual de 20,2 % e o do sector primário era de 3,3 %, assumindo os valores de 1250 milhões de euros, 331,2 milhões de euros e 54,3 milhões de euros, respetivamente. Tendo em consideração a variação anual do VAB, a preços correntes, da Região, entre 1995 e 2012, é possível comprovar que, para o sector primário (agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca), as variações foram negativas em 1996, 1999, 2005, 2007, 2008, 2009 e 2012, com diminuições nominais de 1,4 %, 2,1 %, 2,8 %, 0,5 %, 3,2 %, 4,5 % e 1,6 %, respetivamente. Quanto às variações positivas anuais verificadas no sector primário, são de ressaltar as que se verificaram nos anos: 2002, com um aumento na ordem dos 11,2 %; 2004, com uma variação de 10,9 %; e 2006, onde se verificou uma taxa de crescimento de 11,3 %. É curioso que o sector primário tenha sido o único que, em 2011, não acompanhou a diminuição do VAB regional, com uma variação positiva de 1,0 %. Esta realidade contrasta com a que se verificou nos sectores secundário e terciário, cujas variações negativas se fixaram nos 4,9 % e 1,1 %. O sector secundário (indústrias extrativas; indústrias transformadoras; produção e distribuição de eletricidade, gás, vapor e ar frio; captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição; e construção) apresentou, desde o ano de 1995, variações anuais significativas que chegaram a fixar-se nos 24,7 %, em 1998. Desde 1995 até 2007, a evolução anual foi tendencialmente positiva, à exceção de 2005, onde se constatou uma diminuição de 0,6 % em relação ao ano anterior. Todavia, e apesar da propensão para o crescimento do sector, desde 2008, inclusive, até 2012, a variação anual foi negativa, com diminuições a alcançarem os 6 % em 2008, e os 8 % em 2012. No que respeita ao sector terciário, onde se encontram as atividades relacionadas com a prestação de serviços, apesar de se terem constatado variações anuais positivas bastante elevadas, como em 2000, com uma variação de 25,6 %, e em 2002, com 25,5 %, o sector também foi afetado com diminuições no valor do VAB, principalmente nos últimos dois anos, com variações de -1,1 % no ano de 2011, e -7,4 % no ano de 2012. Verificando, mais pormenorizadamente, a distribuição do VAB regional, a preços correntes, pelas diversas atividades, através da leitura da repartição do VAB pelos ramos de atividade A10, é possível concluir que as variações ocorridas entre 1995 e 2012 são significativas. A hegemonia do sector terciário é conseguida através das prestações das seguintes atividades: comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos; transportes e armazenagem; e atividades de alojamento e restauração. O VAB deste ramo de atividade contribuía com 31,4 % para o VAB da RAM no ano de 1995, sendo que, em 2012, o valor desta proporção sofreu um aumento para os 32,1 %, o que significa que este ramo, cujo VAB para o último ano mencionado se cifrava nos 1334,2 milhões de euros, tinha um peso de cerca de 1/3 no VAB da Região. Este facto é justificado pela importância que as atividades direta e indiretamente relacionadas com a atividade turística, considerada como fundamental para a economia do arquipélago, tiveram neste aglomerado que constitui o ramo em consideração. Em 2001, estimava-se que a contribuição do sector do turismo para o VAB, a preços de mercado, na RAM, era de 10,5 %, importância bastante mais elevada que a verificada pelo mesmo sector no âmbito nacional, que se fixava nos 4,9 %. Para 2005, as estimativas apontavam para um peso da atividade turística no VAB regional, a preços de mercado, de 9,5 %, que, apesar de inferior ao registado em 2001, ultrapassava o valor percentual para o país, 4,6 %. Comparando os 10 ramos considerados no levantamento de dados levado a cabo nas contas regionais, é possível verificar que 4 destes viram diminuir o peso do seu VAB no VAB regional: o ramo da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, que representava 3,3 % em 1995, e apenas 1,9% em 2012; o ramo onde se incluem atividades como indústrias extrativas; indústrias transformadoras; produção e distribuição de eletricidade, gás, vapor e ar frio; captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição — cuja importância relativa se fixava nos 8,2 % em 1995, e em 7,2 % em 2012; o ramo da construção, cuja diminuição é bastante considerável, pois em 2012 o VAB do mesmo representava 6,1 % do VAB regional, quando em 1995 tinha uma importância relativa na ordem dos 12 %; e o ramo onde se incluem as atividades relacionadas com a informação e comunicação cujo peso era de 2,5 % em 1995 e de 2 %, em 2012. A perda de importância do ramo da construção é de tal forma considerável que este é o único, entre os 10 ramos de atividades analisados, que não só viu reduzida para cerca de metade o seu peso no VAB da RAM entre 1995 e 2012, como também apresentou taxas de variações anuais negativas desde 2008, inclusive, chegando a registar uma variação negativa de 18,8 % entre 2011 (312,1 milhões de euros) e 2012 (253,4 milhões de euros). Entre os ramos de atividade que viram a sua influência no VAB regional aumentar entre 1995 e 2012, cabe destacar o ramo que inclui: atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, e atividades administrativas e dos serviços de apoio, que, em 1995, tinha um VAB que representava 6,7 % do VAB da RAM, perfazendo 109,7 milhões de euros, passando, em 2012, a ter um peso de 12,4 %, com 517,3 milhões de euros. Relativamente à proporção do VAB das empresas maioritariamente estrangeiras no VAB regional, verificou-se um aumento entre 2005, com 2,94 %, e um valor de 50,58 milhões de euros, e 2012, onde se registou um peso de 3,84 % e um valor absoluto de cerca de 52 milhões de euros. Contudo, apesar de a evolução ter sido positiva, a Região continua a ficar aquém da proporção verificadas na região dos Açores, onde a importância das empresas maioritariamente estrangeiras no VAB, em 2012, ascendeu aos 4,76 %. Para o país no seu todo, no mesmo ano, a proporção era de 18,7 %. A diminuição em termos nominais que se verificou no VAB regional, e consequentemente no PIB da RAM, em 2012 é justificada, segundo nota divulgada pela Direção Regional de Estatística da Madeira, “pela saída de diversas empresas de dimensão relevante que anteriormente operavam a partir do Centro Internacional de Negócios da Madeira, levando a que o VAB das atividades aí desenvolvidas tivesse sofrido uma assinalável redução. Há ainda a referir os efeitos das medidas implementadas no âmbito do Programa de Ajustamento Económico-financeiro, iniciado em janeiro de 2012 e com impacto direto na economia regional”.   Sérgio Rodrigues (atualizado a 04.01.2017)

Economia e Finanças

parcerias público-privadas

Partindo da definição proposta por E. R. Yescombe em Public Private Partnerships: Principles of Policy and Finance (2007), pode-se começar por definir as parcerias público-privadas (PPP) como: 1) um contrato de longo prazo (o contrato de PPP), celebrado entre um parceiro do sector público e um parceiro do sector privado; 2) que tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado; 3) mediante pagamentos feitos ao privado, ao longo da vida do contrato de PPP, seja pelo Estado com recurso a dotações orçamentais, seja diretamente pelos utentes ou utilizadores através da cobrança de tarifas ou taxas; 4) assegurando-se que a infraestrutura ou permanece na propriedade do Estado ou reverte para este, no final da vigência do contrato de PPP, ainda que o mesmo possa ser objeto de renovação. Estes quatro aspetos merecem, contudo, algumas precisões (atender-se-á, nomeadamente, à concretização das PPP em Portugal). Quanto ao aspeto mencionado em 1), de que as PPP configuram um contrato de longo prazo, a afirmação não é inteiramente linear. A dúvida não se prende com a segunda parte: é de facto característica das PPP serem de longo prazo. Na verdade, a dúvida é a de saber se as PPP traduzem verdadeiramente um tipo de contrato ou antes um modelo de contratação (falar-se-á então de contratação em PPP), e se, sendo contrato, será um contrato único ou antes uma pluralidade de contratos (no limite, uma união de contratos). Isto porque as PPP são geralmente caracterizadas pela sua complexidade, envolvendo não apenas o contrato principal (o acordo de PPP propriamente dito), mas também outros, com destaque para os contratos de financiamento, contratos de seguros, contratos de empreitadas e de fornecimentos, contratações técnicas diversas, etc. Mas regressemos à primeira questão, mais interessante: a de saber se as PPP são um contrato ou antes um modelo de contratação. Admitimos como válidas as duas hipóteses, embora propendamos para a segunda opção. Ainda assim, admitindo que as PPP possam ser olhados como contrato, importa fazer notar que a identificação do tipo contratual em causa dependerá, antes de mais nada, do modelo de PPP perante o qual se esteja. Assim, à luz do modelo anglo-saxónico (o modelo da Private Finance Iniciative –PFI), que apresenta, na nossa opinião, uma natureza eminentemente institucionalizada, o contrato de PPP traduz-se na criação de um Special Purpose Vehicle (SPV), o qual pode inclusive passar pela formação de uma joint venture entre os principais parceiros (público e privado). Pertencerá a esse SPV assegurar a construção e a gestão da infraestrutura durante o período de vida útil do ativo e todas as relações contratuais iniciais e ulteriores que hajam de ser estabelecidas passam pela intervenção deste novo protagonista. Ora, como se vê, no modelo da PFI, a PPP estriba-se num contrato de direito societário (ou próximo deste), e a matriz é eminentemente privatística. Já no modelo concessivo – o modelo continental –, o contrato (principal) de PPP consiste numa concessão (de obras ou de serviços públicos), i.e., é verdadeiramente um contrato administrativo, ainda que lhe possam ser apontadas algumas especificidades relativamente às concessões “tradicionais”, quer do ponto de vista conceitual ou do alcance legal do conceito (respetivamente, por se tratar sempre de uma concessão de longo prazo e por delimitar a lei a aplicação do regime das PPP apenas a parcerias de montantes superiores a um valor predefinido), quer no plano do regime jurídico aplicável (seja em sede inicial, de decisão de contratar e de contratação, seja em fase posterior, a nível da execução – aspetos que veremos mais adiante). Nesta medida, no modelo concessivo, a matriz é mais fortemente juspublicística. Posto isto, olhando agora para o modelo português, que é um modelo concessivo, propendemos a defender que as PPP se traduzem não num (único) contrato, ou sequer numa união de contratos, antes verdadeiramente num modelo de contratação (ainda que encerrem um contrato principal, de concessão, a par de outros, contratos acessórios). Esta qualificação resulta dos seguintes elementos (para maior desenvolvimento dos pontos seguintes, leia-se o estudo de 2009 de Nazaré C. Cabral; veja-se ainda, em sentido não distante, o texto de Maria Eduarda Azevedo): i) Fundamento das PPP: as PPP desenvolvem-se sobretudo a partir de finais do séc. XX para superarem as restrições orçamentais com que diversos países desenvolvidos se veem confrontados, nomeadamente para continuarem a realizar grandes investimentos públicos. As PPP foram um expediente satisfatório que esses mesmos países forjaram para ganhar “espaço orçamental” numa altura em que se acentuavam os seus problemas orçamentais, designadamente em virtude do elevado crescimento da despesa pública e dos níveis de endividamento. Nesta medida, as PPP aproveitam-se de modelações contratuais convencionais (g. contratos de concessão) para as adaptarem a finalidades contemporâneas do ponto de vista económico e financeiro: capacidade de realização de grandes investimentos em contexto orçamental restritivo; ii) Os alcances da noção de PPP: mais do que contrato, mais do que união de contratos, as PPP traduzem um arranjo complexo que envolve relações contratuais (relevância estrita ou jurídica), mas que envolve também, desde logo, uma determinada visão ou conceção acerca da forma como o Estado deve agir na economia, pela intermediação da ideia de contratualização externa (contracting out) e, se se quiser, em sentido amplo, de privatização da própria administração pública (relevância ampla ou económica). Enquanto visão acerca da atuação do Estado na economia, as PPP configuram muito mais do que um contrato: elas são um verdadeiro modelo de contratação. Justamente, neste sentido, é usual encontrar a contraposição entre modelo de contratação em PPP e modelo de contratação pública tradicional, conforme foi clarificado por António Pombeiro. Neste último, o Estado envolve-se diretamente na conceção, desenho, aprovisionamento, produção, distribuição, aquisição, posse, propriedade, manutenção, atualização dos ativos destinados à satisfação de necessidades públicas. Diversamente, no modelo de contratação em PPP, a Administração Pública apenas delimita, caracteriza e quantifica as necessidades públicas essenciais, contratando esse provimento em parceria com o sector privado, de modo a maximizar o Value for Money (VfM) e a minimizar o risco do seu envolvimento, sem deixar no entanto de exercer controlo efetivo sobre o provimento em causa. O parceiro privado é corresponsabilizado pelo sucesso do empreendimento por toda a vida do contrato, respondendo pela economia, eficiência e eficácia, e ainda pelo impacto económico de todo o empreendimento na satisfação das necessidades públicas. Repare-se que a própria legislação aplicável (o de-lei n.º 111/2012, de 23 de maio, e também, para o efeito, o n.º 2 do art. 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), lei n.º 91/2001, de 20 de agosto) acolhe o chamado “princípio do comparador do sector público” (CSP), que mais não significa, na verdade, do que a necessidade de, aquando da decisão de contratar em PPP, se proceder a uma análise comparada entre os resultados económicos e financeiros a obter com a PPP e os resultados que se obteriam caso se optasse pela contratação pública em moldes tradicionais; iii) A dimensão whole-life das PPP: um dos elementos que permite também diferenciar as PPP relativamente às soluções de contratação pública convencionais reside na sua perspetiva whole-life. O princípio do VfM (antes mencionado), que basicamente significa “fazer mais com o mesmo dinheiro”, permite fixar a atenção numa característica nem sempre evidenciada nos processos de contratação pública: o facto de tais processos não se esgotarem no momento pré-adjudicatório e adjudicatório, antes se tratando de processos whole-life, de aquisição a terceiros de bens, serviços ou obras públicas que, por isso, se iniciam com a identificação da necessidade coletiva e terminam com a conclusão do contrato ou com o fim da disponibilidade da infraestrutura em causa. O VfM pode ser assim definido, de acordo com Darrin Grimsey e Mervyn Lewis (2004), como a combinação ótima do custo e da qualidade whole-life, com vista à satisfação das necessidades dos utilizadores. Estes mesmos autores acrescentam que uma das grandes vantagens das PPP reside no facto de se alicerçarem numa abordagem “whole-of-life cycle ‘bundled’” (GRIMSEY e LEWIS, 2004, 135). Esta integração leva a que a infraestrutura seja desenhada não apenas tendo em vista a satisfação de serviços core, mas também de todos os serviços associados. Por sua vez, trata-se não apenas de responder, no imediato ou no curto prazo, a uma dada necessidade, mas também de garantir a provisão ao longo do ciclo da vida da infraestrutura (disponibilidade e qualidade da infraestrutura no médio e longo prazos). As PPP são pois um incentivo contratual que leva o parceiro privado a olhar para além da fase de conceção e construção, para se fixar também nas fases de funcionamento e manutenção. Ainda que existam argumentos favoráveis à provisão unbundled, a verdade é que, para estes autores, “a atribuição da coordenação do projeto a uma só entidade do sector privado (ou consórcio) garante melhores incentivos e aumenta o esforço de ‘accountability’” (Id., Ibid., 136); iv) As PPP e a distribuição dos riscos: este é, sem dúvida, um dos elementos matriciais das PPP enquanto modelo novo, distinto, de contratação relativamente às soluções convencionais. Mas repare-se, antes de mais nada, que os princípios de distribuição dos riscos são já de há muito conhecidos no direito, tal como lembra António Menezes Cordeiro: “O sentido geral do sistema do risco, bastante harmonioso, é o seguinte: se o Direito atribui a um sujeito, através do esquema do direito subjetivo, uma vantagem, é justo que corra, contra ele, a possibilidade de dano superveniente causal. Ubi commoda, ibi incommoda. [...] Observa-se ainda que, em situações relativas – maxime, contratos bilaterais – o risco distribui-se por ambos os intervenientes” (CORDEIRO, 1987, 43). No caso das PPP, o critério operativo, aceite em termos internacionais (FMI, OCDE, etc.) e pela generalidade das legislações aplicáveis, e que permite identificar que riscos é que devem transferidos do parceiro público para o privado e os que devem permanecer da responsabilidade do primeiro é um critério pragmático. Ele expressa-se, de acordo com Yescombe (2007), no seguinte: o risco deve ser suportado pela parte que o consiga suportar melhor a um custo mais baixo. A esta regra não é alheia, como bem se compreende, a natureza duradoura do contrato em PPP. Além deste critério pragmático de distribuição de riscos (impropriamente também denominada de partilha de riscos), uma outra particularidade nos contratos em PPP reside no facto de deles constar, ab initio, e., logo na definição do clausulado contratual, a chamada “matriz de riscos”. Nesta, as partes, em regra de acordo com o critério supra, alocam os diferentes riscos de uma PPP aos dois parceiros principais envolvidos e eventualmente, em casos particulares, a terceiros (e.g., seguradoras). De entre os riscos geralmente cometidos ao parceiro público, destacam-se os riscos políticos (v.g. revisões constitucionais, alterações legislativas que tenham relevância direta ou indireta sobre a execução do contrato de PPP, em suma, o chamado fait du prince) e os riscos económicos (v.g. taxa de inflação). A alteração das taxas de juro em regra tende a ser assumida por ambos os contraentes (uma vez que ela é por vezes exógena relativamente à ação governativa) e, sendo um risco de grande significado, pode mesmo ser estabilizada pelas partes, mediante definição prévia, no mercado de derivados, da taxa de juro aplicável ao longo da execução do contrato: o caso mais comum são os swaps de taxas de juro. Já os riscos de conceção e de construção, bem como os riscos de funcionamento ou e performance (incluindo o risco de mercado ou de procura), são, em regra, assumidos pelo parceiro privado; v) A posição particular do terceiro financiador: este é um aspeto que se evidencia nas modernas PPP, quando as comparamos com os modelos de contratação convencionais. Repare-se, desde logo, que as PPP são marcadas por arranjos financeiros complexos, que em certos casos envolvem o recurso ao project finance. Como é referido por R. Yescombe, o project finance, enquanto técnica de financiamento, está particularmente vocacionado para a implementação de infraestruturas e/ou exploração de monopólios naturais (e.g., recursos naturais e energia). O maior impulso ao desenvolvimento das soluções de project finance aconteceu a partir da déc. de 70 do séc. XX, com o desenvolvimento de algumas técnicas financeiras, a saber: generalização dos empréstimos de longo prazo a sociedades clientes (quando até aí os bancos comerciais apenas emprestavam no curto prazo); utilização de créditos de exportação para financiar projetos de maior envergadura; recurso à shipping finance, pela qual os bancos financiam a construção de navios grandes, garantindo-se através dos fretes a realizar no longo prazo (i.e., o financiamento da construção é feito contra um cash-flow contratual, em que o financiado é uma companhia special-purpose proprietária do navio, em moldes muito similares às estruturas de project finance); o desenvolvimento das finanças do imobiliário, de novo envolvendo empréstimos garantidos através dos rendimentos de longo prazo projetados; a locação financeira tax-based que habituou os bancos a complexos cash-flows. Como é referido, por outro lado, por Graham Vinter, o project finance é uma forma de financiamento de infraestruturas ou projetos industriais de longo prazo, baseado numa estrutura financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g. ações próprias), na qual a dívida é saldada através do cashflow gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto. O financiamento é, por sua vez, fundamentalmente garantido por todos os ativos afetos ao projeto, incluindo os rendimentos previstos no contrato. Poder-se-á, na verdade, considerar que o objetivo último de recurso a esta forma de “engenharia financeira” é justamente o de assegurar que o projeto em causa seja autossuficiente do ponto de vista financeiro. Neste amplo complexo de financiamento, ganha, assim, importância acrescida o papel do terceiro financiador que, sendo terceiro relativamente ao contrato de base (o contrato de concessão), acaba por assumir o papel principal. Isto resulta em boa medida do facto, antes assinalado, de as PPP constituírem um processo alternativo de captação de financiamento para realização de grandes projetos de investimento. Por isso, a posição do terceiro financiador acaba por merecer, desde logo na lei, especiais cautelas e tutelas, principalmente na fase de execução da PPP e perante vicissitudes contratuais tão diversas, como sejam a modificação unilateral dos contratos, a renegociação ou a reposição do equilíbrio financeiro; iv) A diversificação das fontes de pagamento ao parceiro privado: diferentemente das concessões tradicionais, em que os pagamentos se fazem sobretudo diretamente pelos utilizadores, nas concessões PPP esses pagamentos podem também ser reclamados ao Estado mediante dotações orçamentais. Nesta medida, e sem prejuízo do que foi referido em ii) (apontando para um menor envolvimento do Estado nas PPP, em comparação com a contratação pública tradicional), a verdade é que, no caso particular das contratações sob a forma de concessão, veremos que, paradoxalmente, nas concessões PPP acabam por existir alguns elementos que apontam para uma menor privatização (lato sensu) destas, quando comparadas com as concessões tradicionais. E um desses aspetos tem que ver precisamente com a questão dos pagamentos, os quais, nas PPP, podem ser feitos diretamente pelo Estado ao parceiro privado; v) A reversibilidade dos ativos para o Estado: as PPP oscilam entre modelos que não implicam necessariamente a reversibilidade dos ativos para o Estado no final do contrato, como é o caso do modelo Buy-Build-Operate (BBO) – no qual o sector privado compra ao Estado uma infraestrutura previamente existente, assegurando depois a sua manutenção, renovação, modernização e expansão, e garantindo a sua exploração, sem haver qualquer obrigação de devolução posterior ao Estado –, e modelos em que essa reversibilidade ocorre, o caso do Build-Operate-Transfer (BOT) – no qual o sector privado desenha e constrói a infraestrutura, opera com ela, e depois procede à sua transferência para o Estado logo que concluído o prazo de duração do contrato ou em data específica, ainda que posteriormente possa arrendar o mesmo ativo –, passando por modelos em que a propriedade permanece no Estado, como sucede com o design-finance-build-operate (DFBO) – em que o sector privado desenha, constrói, possui, desenvolve, opera e gere a infraestrutura, mas com a propriedade nas mãos do Estado. Repare-se que desta forma, com a explicação mencionada em iv) e v), acabamos por tratar também, desde já, dos elementos característicos da noção de PPP apontados ainda por R. Yescombe, respetivamente nos pontos 3) e 4) de que demos nota logo no início do texto presente. Resta-nos assim a análise da característica restante, mencionada no ponto 2) da mesma definição: recorde-se o facto de as PPP terem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado. Este aspeto tem, em nossa opinião, mais importância do que à primeira vista parecer ter. Na verdade, o facto de as PPP estarem referenciadas a uma infraestrutura – e deverá ser, quanto a nós, uma infraestrutura económica ou social hard (e não apenas soft) – permite afastar da noção de PPP simples formas de cooperação entre o sector público e privado (veja-se no caso português, e.g., os acordos de cooperação celebrados entre o Estado e as instituições particulares de solidariedade social na área da ação social), que, sendo de carácter duradouro, não se referem de forma inequívoca à construção, gestão e exploração de uma certa e determinada infraestrutura hard. As PPP em Portugal  As PPP têm uma história impressionante em Portugal, não apenas por causa da sua expressão e, até certo momento, por causa da sua vitalidade, mas também pelos resultados perniciosos. Na verdade, precedendo ainda a aprovação do primeiro regime jurídico sobre contratação em PPP, o dec.-lei n.º 86/2003, de 26 de abril (alterado, especialmente pelo dec.-lei n.º 141/2006, de 27 de julho), e bem assim do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo dec.-lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e suas alterações), diversas PPP foram celebradas no nosso país, sobretudo nos sectores rodoviário (autoestradas com portagens, mas também sem custos para o utilizador – SCUTs) e ferroviário (e.g., Fertagus e metropolitano ligeiro do sul do Tejo). O modelo de PPP não se limitou contudo a estes sectores: já antes, em 2002, se conhecera a primeira regulamentação das parcerias no sector da saúde, com a aprovação do dec.-lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, e já antes se dera a celebração do primeiro contrato de gestão com um grupo privado, no caso relativo à gestão do Hospital Amadora-Sintra. Aliás, este aspeto é curioso: o contrato de gestão, adaptado às parcerias na saúde, não é muito diferente de uma concessão de serviço público (ainda que possa implicar a construção da infraestrutura hospitalar); a sua especificidade estará no objeto – concessiona-se o serviço de saúde (i.e., a prestação de cuidados médicos em estabelecimentos clínicos). Desde cedo, o modelo seguido em Portugal demonstrou falhas de conceção e de execução que foram aliás evidenciadas pelo Tribunal de Contas nas sucessivas auditorias que realizou a propósito de cada uma delas: i) falhas de planeamento e de consulta; ii) custos exorbitantes associados à contratação externa de consultores (jurídicos, financeiros, técnicos, etc.); iii) insuficiente estimação de custos, insuficiente avaliação da comportabilidade orçamental do projeto, insuficiente avaliação de impactos económicos e sociais de longo prazo; iv) falhas na distribuição dos riscos geralmente em desfavor do Estado (v.g. imputação afinal do risco de procura ao Estado); v) cláusulas leoninas em desfavor do Estado; vi) adjudicações a baixo custo potenciando renegociações geralmente lesivas do interesse público; vii) em resultado da má negociação inicial, recurso posterior à modificação unilateral do contrato, implicando o recurso ao mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro, também ele desfavorável para o Estado; viii) atrasos diversos na execução dos projetos determinado revisão ulterior dos custos finais respetivos. Acima de tudo, verificou-se que as PPP acabaram por ser um expediente fácil, não suficientemente blindado e balizado do ponto de vista jurídico e financeiro, para obviar a falta de “espaço orçamental”, criando dívida futura, em muitos casos oculta sob a forma de responsabilidades contingentes. A crise financeira iniciada em 2008 exacerbou a dimensão desta herança. Após a celebração do Memorando com a Troika (maio de 2011), Portugal adotou um conjunto de medidas relativamente a esta matéria. Foi elaborado um primeiro relatório (2012), intitulado “Parcerias Público-Privadas e Concessões”, do qual resultou a seguinte avaliação financeira referente às PPP existentes: i) os seus encargos líquidos globais (nos vários sectores) ascendiam, em 2011, a 1.823.000.000 euros; ii) o período mais crítico dos encargos líquidos das PPP ocorreria entre 2015-2018, com o valor a ascender a 2.000.000.000 euros; iii) a partir desta data e até 2045 (fim dos contratos ou do período de vida útil dos ativos), os encargos decresceriam até atingirem então o valor de zero euros. Na sequência desta primeira avaliação, foram adotadas as seguintes medidas: 1) proibição de lançamento, desde 2011 em adiante, de novas PPP (embora algumas estivessem já em fase de estudo, mormente no sector da saúde, e não viessem a ser abandonadas); 2) aprovação, em 2012, de um novo quadro legal das PPP (dec.-lei n.º 111/2012, de 23 de maio); 3) avaliação e renegociação de diversas PPP antes celebradas no continente: as concessões ex-SCUTS (Norte Litoral, Grande Porto, Interior Norte, Costa de Prata, Beira Litoral/Beira Alta, Beira Interior e Algarve); as concessões do Norte e da Grande Lisboa; e as subconcessões da EP (Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal Interior e do Algarve Litoral). O dec.-lei n.º 111/2012 surge pois numa altura de contenção, dada a situação presente e futura das finanças públicas portuguesas. A malha das exigências aplicáveis às fases pré-contratual e contratual apertaram-se, embora na essência não tenha havido uma grande mutação relativamente ao regime anterior (constante do dec.-lei n.º 86/2003). Ainda assim, há no novo decreto-lei uma novidade importante: a criação da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos que passa a centralizar as funções de preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global  dos processos de PPP, ao mesmo tempo que presta apoio técnico especializado ao Governo em matéria de natureza económico-financeira. Esta Unidade Técnica vem ainda, para este efeito, substituir a Parpública, pois a esta cabe, nos termos da legislação anterior, a generalidade das funções ora cometidas à nova Unidade. Na implementação de uma PPP, vamos distinguir entre fase de preparação e fase pré-contratual. Na fase de preparação, intervém a equipa de projeto, constituída sempre que algum dos possíveis parceiros públicos (desde logo, o Estado) entenda lançar mão de uma parceria, cabendo-lhe, além de verificar os pressupostos para o lançamento de uma parceria (cf. n.º 3 do art. 12.º, em articulação com o art. 6.º, ambos do dec.-lei n.º 111/2012), também proceder à elaboração e justificação do modelo de parceria a adotar, bem como realizar o estudo estratégico e económico-financeiro que a sustentará. Tendo por base este trabalho prévio, os membros do Governo competentes (ministro das Finanças e ministros sectoriais) aprovam a decisão de lançar a parceria. Dessa decisão, constará também, de entre outros elementos (cf. art. 13.º, n.º 4), a escolha do tipo de procedimento, a aprovação do caderno de encargos e a escolha dos membros do júri. O lançamento da parceria corresponde assim à fase pré-adjudicatória e aqui deve atender-se não apenas ao regime do dec.-lei n.º 111/2012 (especialmente os arts. 16.ºss.), mas também ao Código dos Contratos Públicos (CCP) (regras procedimentais, sobretudo arts. 130.ºss.). A fase pré-adjudicatória é encerrada com a adjudicação e celebração ulterior do contrato de parceria, sem prejuízo de se prever no n.º 3 do art. 18.º a chamada cláusula gateway, uma cláusula usual neste tipo de contratação, justificada pela necessidade de salvaguarda do interesse público e dos interesses financeiros do Estado, que garante que a qualquer momento se possa pôr “termo ao procedimento em curso relativo à constituição da parceria, sem direito a qualquer indemnização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objetivos a prosseguir, os resultados das análises e avaliações realizadas até então ou os resultados das negociações levadas a cabo com os concorrentes não correspondam, em termos satisfatórios, aos fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria, incluindo a respetiva comportabilidade de encargos globais estimados”. Estando implementada a parceria, esta começa a ser executada. Não se ignora que, por causa da sua natureza duradoura, uma PPP fique sujeita a inúmeras vicissitudes, algumas previstas, outras imprevisíveis, que poderão conduzir a diferentes tipos de alterações. As PPP comportam ainda, durante a sua execução, dois elementos que não raro se antagonizam: de um lado, a prevalência que nelas deve ser dada à prossecução do interesse público; do outro, a necessidade de garantir a tutela da confiança e dos interesses económicos dos parceiros privados. As alterações podem ter dois tipos de fontes jurídicas. Podem ser ditadas pela renegociação ou por modificações unilaterais  por parte do Estado (sobre estas fontes de modificação objetiva, vejam-se os arts. 311.ºss. do CCP). Sempre que as alterações, afetando o equilíbrio económico e financeiro do contrato, sejam devidas ao chamado fait du prince ou a atos unilaterais do parceiro público (v.g. atos administrativos), reconduzíveis ao exercício de potestas variandi, há lugar à reposição do equilíbrio económico financeiro do contrato (cf. n.º 1 do art. 314.º do CCP). Esta pode implicar uma revisão de preços, a alteração dos prazos do contrato com natureza reparadora, redefinição de outras condições contratuais, etc. Importa notar que, para aferir do equilíbrio financeiro, deverá ter-se em conta o respetivo Caso Base (anexo ao contrato) que representa a equação financeira da PPP, o qual deverá integrar todas as receitas previstas pelo parceiro privado decorrentes do desenvolvimento da parceria, i.e., as receitas acessórias e receitas cessantes. O dec.-lei n.º 111/2012 limitou as possibilidades de modificação unilateral, desde logo do ponto de vista financeiro: assim, carece de despacho prévio de concordância dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do projeto em causa qualquer decisão do parceiro público, no âmbito da execução do respetivo contrato e das condições aí fixadas, suscetível de gerar: a) um acréscimo dos encargos previstos para o sector público, exceto se o respetivo valor não exceder, em termos anuais, 1.000.000 euros brutos ou, em termos acumulados, 10.000.000 euros brutos, em valores atualizados; b) uma redução de encargos para o parceiro privado (cf. n.º 2 do art. 20.º). Nos demais casos de alteração – mormente nos casos de renegociação –, poderão ser definidas outras formas de compensação ou de redefinição da equação financeira, mas tecnicamente, em sentido estrito, não se tratará de reposição do equilíbrio financeiro. Próximo do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro, de certa forma o seu reverso, é o instituto da partilha de benefícios, previsto no art. 21.º do dec.-lei n.º 111/2012 e no art. 341.º do CCP. Há lugar à partilha de benefícios sempre que numa PPP se verifiquem duas condições cumulativas: i) ocorra um acréscimo anormal e imprevisível dos benefícios financeiros para o parceiro privado; ii) o referido acréscimo não resulte da eficiente gestão e das oportunidades criadas pelo mesmo parceiro privado. Tal pode ficar a dever-se, nomeadamente, à melhoria das condições de financiamento da PPP em virtude da renegociação ou substituição dos contratos de financiamento. Pode dizer-se, em suma, que a partilha de benefícios, tal como a reposição do equilíbrio financeiro, constituem respostas jurídicas para os efeitos da alteração das circunstâncias (de fonte vária) sobre o equilíbrio contratual e recursos jurídicos que visam garantir a preservação da justiça negocial e, em última análise, evitar o enriquecimento ilícito. As PPP nas regiões autónomas Uma última referência nos resta para as parcerias público-privadas celebradas nas regiões autónomas (RA). À semelhança do que sucedeu no continente, também aqui o interesse pelas PPP cresceu a partir do começo do séc. XXI e também aqui o modelo concessivo – sobretudo no sector rodoviário – foi o dominante. Vejamos, em particular, o caso madeirense. A experiência iniciou-se ainda em finais do séc. XX, com a criação da VIALITORAL – Concessões Rodoviárias da Madeira, S.A. encarregue da concessão do troço rodoviário da VR1 (ER 101) entre a Ribeira Brava e Machico, e depois com a criação, em 2004, da VIAEXPRESSO, S.A., uma concessionária de serviço público responsável pela gestão, exploração e conservação das vias expresso regionais, em regime SCUT, por um período de 25 anos. Mais tarde, em 2008, viria a ser criada uma outra empresa, a VIAMADEIRA, S.A., cujo objetivo seria também o de assumir a concessão de vias rodoviárias construídas ou a construir naquele território. Até à sua dissolução em 2011 (coincidente grosso modo com a celebração do memorando da Troika), diversos contratos foram adjudicados à mesma empresa. Assim, segundo informação fornecida pelo Tribunal de Contas no seu Relatório de Auditoria n.º 14/2012-FS/SRMTC, de novembro de 2012, a concessão à VIAMADEIRA, S.A. abrangeu a exploração, conservação e manutenção dos troços de estradas regionais abaixo descritos, em regime de exclusivo, sem cobrança direta aos utilizadores (SCUT): VE1 – Ribeira de São Jorge-Arco de São Jorge; VE1 – Arco de São Jorge-Boaventura; VE1 – Boaventura-São Vicente; VE8 – Vasco Gil-Fundoa, à cota 500; VR2 – Câmara de Lobos-Estreito de Câmara de Lobos; VE3 – Fajã da Ovelha-Ponta do Pargo; VE3 – Variante da Madalena do Mar. De acordo com a indicação constante na p. 36 do mesmo Relatório, “em termos globais, até 30 de novembro de 2011, o envolvimento financeiro da RAM rondava os 309 milhões de euros, dos quais 253,5 milhões de euros respeitantes às empreitadas de construção dos troços e 40 milhões de euros respeitantes a juros de mora”. De resto, os efeitos das concessões sobre o erário regional continuam a fazer-se sentir, mesmo em relação àquelas duas empresas iniciais. Em agosto de 2015, o Governo regional anunciou a decisão de assumir encargos orçamentais no valor de 158.700.000 euros relativos à regularização de dívida com as empresas concessionárias de rede viária VIAEXPRESSO e VIALITORAL. Esta medida é ainda o resultado de um processo de renegociação das PPP, imposto pelo Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) do arquipélago e celebrado na sequência do Memorando da Troika.   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 01.01.2017)  

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