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Thomas Heberden (1703-1769) foi um médico e naturalista inglês, membro da Royal Society desde 1761. Viveu muitos anos nas ilhas Canárias e, posteriormente, mudou-se para a Madeira, onde exerceu medicina até à sua morte, em 1769. Irmão do eminente médico londrino William Heberden (1710-1801), Thomas foi um dos primeiros médicos a recomendar o Funchal como destino para as pessoas que sofriam de doenças pulmonares, tendo prestado importantes serviços durante a epidemia de sarampo que eclodiu na Ilha em 1751. Publicou numerosos artigos sobre a Madeira na Philosophical Transactions of the Royal Society entre 1751 e 1770, entre eles, as primeiras observações meteorológicas da Madeira, “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira”, com medições de pressão atmosférica e temperatura ao longo dos anos; um relatório pormenorizado sobre o terramoto acontecido na Ilha em 1761, “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761”; e um artigo sobre o aumento da mortalidade dos habitantes da Madeira, “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira”. Na Madeira, Heberden conheceu o naturalista e botânico inglês Joseph Banks, durante a primeira viagem do capitão James Cook a bordo do Endeavour, em 1768, e deu assistência a Banks e ao seu colega Daniel Solander, botânico suíço, na sua atividade de recolha de plantas na Ilha. Estas coleções botânicas foram depositadas no herbário do Museu de História Natural de Londres. Banks dedicou a Thomas um novo género de plantas, Heberdenia, pertencente à família Myrsinaceae. Estas plantas são endémicas à Laurisilva e conhecidas vulgarmente como aderno. Thomas Heberden morreu no Funchal, em 1769. Obras de Thomas Heberden: “Observations of the Weather in Madeira, A continuation of the account of the weather in Madeira” (1754); “An account of the earthquake felt in the Island of Madeira, March 31, 1761” (1761); “Of the increase and mortality of the inhabitants of the Island of Madeira” (1767).     Pamela Puppo (atualizado a 23.02.2018)

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O Brasil exerceu, ao longo da história, um certo fascínio sobre os insulares, que se encontram ligados ao seu processo de construção desde o início. Nos sécs. XVI e XVII, destacou-se a presença de madeirenses, de norte a sul do Brasil, como lavradores e mestres de engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-de-açúcar, funcionários, que consolidaram as instituições locais e régias, e militares, que se bateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nos primórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S. Vicente como a “Nova Madeira”. Evaldo Cabral de Mello Neto e José António Gonsalves de Mello são aliás raros exemplos na historiografia brasileira de valorização desta presença madeirense. Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma ponte entre a Ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram construídos por mestres madeirenses. Na Baía, em Pernambuco e em Paraíba encontramos muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos de engenho. A Madeira também serviu de modelo no processo de colonização do Brasil, nomeadamente no que respeita aos regimes de capitanias hereditárias e das sesmarias, e ainda no aparelho administrativo e religioso, pois o Funchal foi sede de arcebispado entre 1514 e 1533, com jurisdição sobre o Brasil. O progresso económico do Brasil veio despertar a atenção da burguesia madeirense, que emigrou para essa colónia à procura das suas riquezas, em particular o açúcar. Neste sentido, são várias as famílias brasileiras com origem madeirense. É o caso das famílias pernambucanas Regueiras, Saldanha, Moniz Barreto e Cunha, que teve a sua origem no madeirense Pedro da Cunha Andrade. Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da religião (os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo, a presença de madeirenses, ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se por todo o espaço brasileiro, com focos de maior influência em S. Vicente, na Baía, nas Caraíbas e nos ilhéus. A situação teve eco na historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava, em 1936, que a “Madeira foi entreposto, estância de passagem para o Brasil” (VIEIRA, 2004, 14). O processo de transferência de pessoas ganha uma nova vertente no séc. XVIII, com a emigração de casais. Esta foi a solução para resolver os problemas sociais das ilhas e garantir a soberania das terras do Sul brasileiro. Em 1746, temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o Sul, como garantia de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. Nos sécs. XIX e XX, o Brasil continuou a ser um destino cobiçado pelos insulares. A história e o quotidiano registam de forma evidente esse movimento. Nos sécs. XVIII e XIX, as ligações comerciais das ilhas com o Brasil mantêm-se suportadas na oferta insular de vinho e vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. No séc. XX, o Brasil continuou a ser o El Dorado para os insulares, nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e em Santos a possibilidade de fuga às dificuldades da guerra ou às difíceis condições de sobrevivência. A Inquisição exercia a sua atividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia a jurisdição de todo o espaço atlântico. A ação do tribunal não era permanente e fazia-se através de visitadores enviados às ilhas. Na Madeira e nos Açores, realizaram-se três visitas: em 1575, por Marcos Teixeira, em 1591-1593, por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-1619, por Francisco Cardoso Tornéo; todavia, só é conhecida a documentação das duas últimas visitas. Nas ilhas, é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. O Tribunal do Santo Ofício interveio apenas nas ilhas da Madeira e dos Açores, levando a julgamento alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existente e pela sua insistente permanência. No intervalo de tempo entre as visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, o clero, os reitores do Colégio dos Jesuítas, os familiares e os comissários do Santo Ofício. A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e do comércio a longa distância. A criação do Tribunal do Santo Ofício em Lisboa obrigou os judeus a avançarem no Atlântico, por força da perseguição que lhes era movida, primeiro para as ilhas, depois para o Brasil. A diáspora fez-se de acordo com os vetores da economia atlântica, pelo que deixava um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi, sem dúvida, um dos principais móbeis da atividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento com os portos nórdicos facilitou uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeros cuidados por parte do clero e do Santo Ofício na visita às embarcações que chegavam ao Funchal. Outra motivação para a deslocação dos madeirenses para o Brasil decorria da necessidade de defesa daquele território. A libertação do Maranhão, em 1642, foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a resistência aos holandeses foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Assim, a defesa da soberania portuguesa foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a Ilha. O envio de soldados madeirenses para o Brasil continuou ao longo do séc. XVII, deste modo, temos a ida, em 1631, de João de Freitas da Silva; em 1632, de Francisco de Bettencourt e Sá; em 1646, de Francisco Figueiroa e, em 1658, de D. Jorge Henriques com 600 homens. Em 1696, temos o envio de 100 soldados para o estado do Maranhão. Já em 1734, a nova leva teve como destino Santos. Em 1774, foram 200 soldados da Madeira na companhia de 1000 homens enviados ao Rio de Janeiro. Para Santa Catarina temos notícia do envio de militares nos sécs. XVII e XVIII, antecedendo o período de colonização insular. Francisco de Figueiroa está, desde 1628, ligado a diversas campanhas em Pernambuco, mas, em 1646, encontrava-se na Madeira quando recebeu do Rei a carta de patente de mestre de campo. O terço de Francisco de Figueiroa é constituído por quatro companhias, sendo uma comandada pelo Cap. Manoel de Azevedo, que já havia servido no Rio de Janeiro, na Baía e em Pernambuco. Manoel Homem d’El-Rei era o capelão nomeado pelo próprio mestre de campo, enquanto António Faria era o ajudante. A despesa deste serviço é coberta pela Provedoria da Fazenda no Funchal, com o dinheiro reservado para a fortificação da Ilha. João de Freitas da Silva, sobrinho de Braz de Freitas da Silva, foi morto em Pernambuco à testa da companhia de 100 homens que havia levantado. Em razão disso teve seu tio, em 07/08/1647, uma comenda de Cristo com 100 cruzados de pensão. Heitor Nunes Berenguer, filho de Cristóvão Berenguer, foi distinguido com uma comenda e hábito da Ordem De Cristo Para seu filho Belchior e uma promessa de 40$000 de pensão, por terem ambos servido na Baía e em Pernambuco (26/10/1648). Francisco foi capitão duma companhia enviada a Angola e serviu também em Pernambuco e Castela. Obteve 30$000 de tença nas obras pias, com hábito de Santiago e alvará de ofício de justiça para quem casasse com sua filha. Joane Mendes de Vasconcelos ajudou no Brasil a matar os flamengos e foi sargento e alferes. Em 12/08/1648, deu-lhe o monarca a mercê de 20$000 réis de pensão, em comenda de Santiago, ou um foro de Setúbal da mesma quantia e hábito daquela Ordem. Apoio financeiro-militar Em 1637, com a ocupação holandesa de Pernambuco, os madeirenses foram convidados a participar com uma finta de 13.000 cruzados, sendo 10.000 angariados pela capitania do Funchal e apenas 3.000 pela capitania de Machico, para as despesas com a restauração do Brasil; este valor foi cobrado a partir do real de água e do cabeção das sisas. Os madeirenses reclamaram, dizendo que o dinheiro fazia falta na Ilha, para a fortificação e preparação da defesa contra os corsários, apontando o caso de 1566. A propósito referem o gasto de 800 cruzados da renda da imposição do vinho com este fim, ao mesmo tempo que manifestam o seu desagrado pela despesa e o mal-estar criado com as três alçadas de 1615. Consideram, ainda, que este encargo sobre o preço do vinho podia afugentar os mercadores do porto. Já a vereação de Machico, em maio, apontava a pobreza da Ilha e as dificuldades que o mesmo finto iria causar aos madeirenses. No processo de defesa do Brasil, destacam-se várias personalidades madeirenses, que ficaram figurando no panteão de heróis libertadores de Pernambuco. Francisco de Figueiroa Nasceu na Madeira nos finais do séc. XVI. Em 1663, dizia ter mais de 60 anos. Foi o mais idoso dos participantes nas guerras de restauração, em Pernambuco. Começou a sua vida militar, em 1615, numa expedição comandada por Manuel Dias de Andrade, com o intuito de expulsar os piratas argelinos que se haviam fixado no Porto Santo. Em 1624, tomou parte na expedição que correu a costa de Portugal, comandada por D. Manuel de Menezes. No mesmo ano, tomou parte na chamada “jornada dos vassalos”, comandada por D. Fradique do Toledo Osório, que recuperou a Baía ao poder holandês. Em 1626, fez parte da armada que se destinava a proteger a frota da Índia nos mares próximos da Europa, onde costumava ser atacada por holandeses e ingleses. Esta expedição foi assolada por grandes temporais, fazendo muitos desaparecidos devido aos naufrágios. Figueiroa salvou-se a nado. Em 1628, embarcou na expedição sob comando de Rui Calaça Borges, com a missão de expulsar da ilha de Fernando de Noronha os holandeses que ali se haviam fixado, comandados pelo famoso pirata “Pé de Pau”. A 10 de janeiro do ano seguinte, estava de volta a Pernambuco. Em fevereiro desse ano, Figueiroa estava, de novo, a enfrentar os holandeses, sob o comando do Cap. Pereira Temudo, a quem coube defender as praias do Rio Tapado e Pau Amarelo, onde haviam desembarcado holandeses. O Cap. Temudo morreu em combate com os holandeses e Francisco Figueiroa foi o escolhido para o substituir. A 25 de fevereiro de 1629, foi mandado para o Forte de S. Jorge, para reforçar a guarnição do Cap. António de Lima, que acabaria derrotada pelos holandeses. Feitos prisioneiros, os portugueses foram obrigados a jurar não tomar arma de novo, o que Figueiroa, entre outros, se recusou a fazer, ficando prisioneiro por algum tempo. Em março, já era referido noutros serviços como capitão. A 10 de agosto, participou na guarnição das obras da trincheira de defesa do vau do Rio Beberibe, no Buraco de Santiago, que os holandeses destruíram a 23 de setembro. Tomou parte na refrega que se seguiu ao incêndio da casa de Francisco do Rego, nas Salinas, permanecendo aqui algum tempo, para defesa de várias casas que os holandeses incendiavam. A 10 de junho de 1631, Figueiroa distinguiu-se na defesa da Estância da Passagem dos Afogados. Em 1633, participou na defesa do Arraial do Bom Jesus, que era alvo de ataque dos holandeses. No ano seguinte, participou na defesa do cabo de Santo Agostinho e suas fortalezas, onde tinham desembarcado os holandeses. Em 1639, dirige-se a Angola, sendo nomeado almirante da expedição. A 20 de abril, a sua nau foi forçada a arribar à ilha da Madeira, por não trazer a carga bem arrumada, chegando a Luanda a 18 de outubro desse ano. Aqui, foi nomeado ouvidor-geral e corregedor da comarca. Exerceu bem estes cargos, administrando a justiça com a mesma qualidade com que guerreava. A 30 de maio de 1641, partiu do Recife uma expedição de 21 navios holandeses, com o objetivo de tomar Luanda e ocupar Angola, de forma a dominar o mercado de escravos da região, que era importante para o fornecimento de mão de obra para os engenhos de Pernambuco. A 17 de maio de 1643, os holandeses atacaram, de surpresa, o Bengo, matando e aprisionando os seus moradores, entre os quais o governador e o ouvidor, Francisco de Figueiroa. Do Bengo, os prisioneiros foram levados a Luanda e, daí, muitos embarcaram para o Recife, entre eles Figueiroa. Do Recife foi para a Baía e dali foi mandado para o reino, no ano de 1644. No princípio do ano de 1646, Figueiroa encontrava-se na Madeira, onde recebeu, em abril, uma carta de D. João IV, a nomeá-lo mestre de campo do terço das ilhas de Pernambuco, indicando-lhe o caminho do Brasil e recomendando que se fizesse acompanhar do maior número de gente das ilhas que pudesse, para socorrer o Brasil de ataques dos holandeses. Em 1647, chega à Baía e, em 1653, ao Recife, distinguindo-se em várias batalhas da guerra da restauração. Em reconhecimento pelos seus serviços, o Rei, em 1654, fez-lhe mercê de uma comenda da Ordem de Cristo, de Santo Ildefonso, do bispado de Coimbra da mesma ordem, e deu-lhe o governo de Cabo Verde e ainda o de Paraíba, caso João Fernandes Vieira não o quisesse. Mais tarde, perante recurso, o Conselho Ultramarino fez-lhe mercê do foro de fidalgo com moradia ordinária. O Rei, a 21 de abril de 1655, concedeu-lhe o foro e acrescentou a promessa do aumento da comenda de 120 para 150$. Não se sabe quando veio Figueiroa para Portugal, mas sabemos que já cá estava, em 1656. A 14 de março, é nomeado para o cargo de governador e capitão-general das ilhas de Cabo Verde, que governou até 1662. Aqui foi objeto de uma devassa, sendo preso, em 1664, solto no ano seguinte, e autorizado a regressar a Portugal. António de Freitas da Silva Foi capitão nas guerras de Pernambuco, general da Armada Real, comendador da Ordem de Cristo e participou na restauração do Brasil. Era descendente de João de Freitas da Silva que, em 1631, levantou, na ilha da Madeira, a suas expensas, uma companhia de 100 homens para servir em Pernambuco, logo após a tomada desta cidade pelos holandeses, perdendo aí a vida. João Fernandes Vieira (c. 1610-1681) São várias as teses sobre a sua filiação, que levantaram dúvidas e controvérsia. Diz-se que nasceu por volta do ano de 1610, filho segundo de Francisco de Ornelas Muniz, do Porto da Cruz; que tinha o nome de Francisco de Ornelas; que fugiu sozinho e por iniciativa própria para o Brasil, com apenas 10 anos, tendo mudado de nome, quando aí chegou, para João Fernandes Vieira. Em Pernambuco, cidade para onde se dirigiu e onde se fixou, serviu como assalariado e, depois, como auxiliar de marchante. No início das invasões holandesas ao Recife, apresentou-se como voluntário para servir na guerra e participou, em 1630, na defesa do forte de S. Jorge, tendo aí ficado três dias e três noites de sentinela. Nesta altura, já gozava de uma situação económica desafogada, dispondo de dois criados ao seu serviço. Em 1635, caiu o Arraial na posse dos holandeses e a amizade que o ligava a Jacob Stachouwer conduziu-o a uma aproximação aos holandeses, com quem estabeleceu estreitas ligações. Inicia-se, aqui, a sua ascensão social e económica na sociedade pernambucana do seu tempo. Em 1638, Stachouwer regressa à Holanda e faz de Vieira seu procurador, assumindo este a administração dos três engenhos daquele (do Meio, Ilhetas e Santana). Em 1639, Vieira era já uma figura de proa da comunidade portuguesa de Pernambuco, sendo o seu nome indicado, em junho desse ano, para o cargo de escabino de Olinda, não sendo, no entanto, o escolhido. A partir daqui, Vieira acomodou-se à governação holandesa, de forma a poder servir os seus interesses de senhor de engenho e de homem de negócios. Em 1640, Vieira considerou-se plenamente vitorioso na sua longa ascensão, de menino de açougue a senhor de engenho de amplos haveres. Após a compra dos três engenhos, que adquiriu a crédito, adiantou dinheiro à Fazenda Real e serviu de intermediário na compra de açúcar para a Companhia das Índias Ocidentais. Contratou a captura de escravos pertencentes aos emigrados de Pernambuco, arrematou o contrato da pensão dos engenhos e, ao mesmo tempo, negociava no Recife com loja de comércio, de que também o encarregara Stachouwer, comprando grandes quantidades de fazendas, de roupas e de escravos. Arrematou a cobrança dos três principais contratos das rendas da colónia. Representou os moradores portugueses da várzea do Capibaribe na assembleia que se reuniu de 27 de agosto a 4 de setembro de 1640. Em 1641, Vieira encarregou-se, por contrato com o Alto Conselho Holandês, de estabelecer dois trapiches nas margens dos rios Capibaribe e Beberibe, para recolher caixas de açúcar. Ainda neste ano, arrematou a cobrança de vários impostos, como os dízimos dos açúcares de Pernambuco, por 154.000 florins, e os de Itamaracá, por 5000 florins, as pensões dos engenhos de Pernambuco, por 29.000 florins, e o dízimo das freguesias de Iguaraçu, S. Lorenço, Paratibe e N.ª Sr.ª da Luz por 5.000 florins. Em outubro de 1641, os holandeses Laureus Cornelissem de Jonge e Jan Sybrantsen Schoutsen trespassaram-lhe o contrato da balança. Ao mesmo tempo, contraiu dívidas enormes. Tomou, à sua conta, os engenhos comprados a crédito por Stachouwer e por este em sociedade com Nicolaes de Ridder, já referidos, comprometendo-se a pagar por eles 119.000 florins. Além destes engenhos, adquiriu escravos e cobres. Vieira possuía também terras onde criava gado e cortava pau-brasil. Foi eleito escabino de Maurícia para os anos de 1641 e 1642, tendo sido reconduzido para o cargo no ano seguinte. Para manter toda esta situação económica, alimentou uma estreita amizade com os holandeses, a quem serviu de conselheiro, obsequiando-os com lautos banquetes. João Fernandes Vieira era por eles considerado como pelos serviços prestados aos holandeses. Comportou-se sempre com dissimulação pois, ao mesmo tempo que colaborava com os holandeses, não se afastou da fidelidade ao seu país, nem deixou de combater ao lado dos que lutavam contra a usurpação holandesa. Em 1638, após a conjura contra os holandeses, interferiu em favor dos presos. A partir de 1641 ou começos de 1642, Vieira fez parte do principal núcleo de reação contra os holandeses, que era o dos senhores de engenho e lavradores da Várzea do Capibaribe, do qual seu sogro era uma das figuras de proa. Todo o prestígio acumulado nestes anos iria fazer dele o chefe, do qual iria depender a vitória ou o fracasso da insurreição pernambucana. A partir de 1645, insatisfeito com o estado de coisas a que chegara a ocupação holandesa, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros vão liderar a revolta dos naturais da terra pela restauração do território brasileiro, devolvendo-o à soberania portuguesa em 1654, num movimento a que chamaram Insurreição Pernambucana. O movimento começou no engenho S. João da Várzea, a 15 de junho de 1645, onde um grupo de 300 homens derrotou 1200 holandeses. Assim começou a guerra de restauração, que terminou em janeiro de 1654, com a capitulação do Recife. Na sociedade de então, o senhor de engenho era a figura de maior destaque, um verdadeiro senhor feudal, que possuía privilégios e integrava a chamada nobreza terratenente. João Fernandes Vieira rapidamente se tornou feitor-mor, fazendo crescer a sua riqueza graças aos seus esforços e às doações recebidas do seu empregador, Afonso Rodrigues Serrão, e de sua mulher, bem como da amizade com Jacob Stachouwer. Quando morreu, em Olinda, a 10 de janeiro de 1681, era proprietário de 16 engenhos e muitas terras onde criava gado, no Rio Grande do Norte, chegando a promover uma leva migratória de casais madeirenses e açorianos para o Nordeste brasileiro. Comércio Foi o açúcar a principal ou uma das principais causas da rede atlântica de negócios, que perdurou por alguns séculos. A Madeira, que até à primeira metade do séc. XVI havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico, cede lugar a outros (Canárias, São Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo, as rotas divergiram para novos mercados, colocando a Ilha numa posição difícil; por um lado, os canaviais foram abandonados na sua quase totalidade, fazendo perigar a manutenção da importante indústria de conservas e doces e, por outro lado, o porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara noutras épocas. A solução possível para debelar esta crise foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno madeirense, para as indústrias que dele precisavam, ou como animador das relações da Ilha com o mercado europeu. Por isso, os contactos com os portos brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas comerciais madeirenses do Atlântico Sul. Tal como refere José Gonçalves Salvador, as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o “trampolim para o Brasil e Rio da Prata” (SALVADOR, 1978, 247). É o mesmo quem esclarece que estas rotas podiam ser diretas, ou indiretas, sendo estas últimas traçadas através de Angola, São Tomé, Cabo Verde ou da costa da Guiné. O Brasil foi, a partir de finais do séc. XVI, o principal mercado para o vinho Madeira, onde era trocado por açúcar. A Coroa proibiu, em 1598, os mercadores e as embarcações provenientes do Brasil de fazerem escala na Ilha, como forma de defesa do açúcar local. A medida foi considerada lesiva para o comércio do vinho e favorável ao de La Palma. Os madeirenses reclamaram em 1621, obtendo autorização para comerciar o vinho no mercado brasileiro. A partir daqui, os contactos com o Brasil tornaram-se assíduos, afirmando-se pela sua posição dominante no consumo do vinho Madeira. Em 1663, Eduard Barlow conduziu 500 pipas ao Rio de Janeiro, justificando-se a escolha pelo facto de ser o único vinho que se adaptava aos locais quentes. Esta situação favoreceu a frequência do vinho no mercado brasileiro, nomeadamente na Baía e em Pernambuco. Este último porto recebeu, entre 1687 e 1694, um volume de 2249 pipas. As rotas comerciais definiam um circuito de triangulação, de que são exemplo as atividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de 1649 a 1652. Desde finais do séc. XVI, estava documentado o comércio do açúcar, servindo os portos do Funchal e de Angra do Heroísmo como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando para a Europa. Este comércio de açúcar do Brasil foi, por imperativos da própria Coroa ou por solicitação dos madeirenses, alvo de frequentes limitações. Assim, em 1591, ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal, medida que não produziu qualquer efeito, pois, em vereação de 17 de outubro de 1596, foi decidido reclamar junto da Coroa a aplicação plena de tal proibição. Desde 1596 é evidente uma ativa intervenção das autoridades locais na defesa do açúcar de produção local, o que constitui uma prova evidente de que se promovia esta cultura. Em janeiro daquele ano, os vereadores proibiram António Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias. Passados três anos, o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía, sendo obrigado a seguir para o seu porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta situação repete-se com outros navios nos anos subsequentes, até 1611, v.g.: Brás Fernandes Silveira, em 1597; António Lopes, Pedro Fernandes, “o grande”, e Manuel Pires, em 1603; Pero Fernandes e Manuel Fernandes, em 1606; e Manuel Rodrigues, em 1611. A constante pressão dos homens de negócios do Funchal envolvidos neste comércio veio a permitir uma solução de consenso para ambas as partes. Assim, em 1612, ficou estabelecido um contrato entre os mercadores e o município, em que os primeiros se comprometiam a vender um terço do açúcar da Madeira. Note-se que, desde 1599, estava proibida a compra e venda deste açúcar, sendo os infratores punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas, a partir de dezembro de 1611, ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da Madeira. Por esse motivo, os vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide, sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos ingleses. Em 1620, a transação do açúcar da Madeira e do Brasil era feita à razão de um por dois, ou seja, por cada caixa do Brasil deviam ser vendidas duas da Ilha, sendo o embarque feito por licença assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este controlo, os escravos e barqueiros foram avisados de que, sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem autorização da Câmara. Em 1657, a proporção entre o açúcar da Ilha e o do Brasil açúcar era de metade. Após a restauração da independência de Portugal, o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações. Primeiro, foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da Companhia criada para esse efeito, depois, o estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação. Desta situação, estabelecida em 1649, ressalva-se o caso particular da Madeira e dos Açores que, a partir de 1650, passaram a poder enviar, isoladamente, dois navios com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam, posteriormente, trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Mais tarde ficou estabelecido que os madeirenses não podiam suplantar as 500 caixas de açúcar. Por determinação de 1664, estes navios pagavam um donativo de 50.000 réis, existindo no Funchal um comissário dos comboios, que procedia à arrecadação dos referidos direitos. No ano de 1676, era Diogo Fernandes Branco quem os administrava. De acordo com as recomendações do Conselho da Fazenda, a arrecadação dos direitos de entrada do açúcar do Brasil era lançada em livro próprio. Estes dados permitem avaliar a importância das relações comerciais entre a Madeira e o Brasil, assentes, predominantemente, no açúcar. Para o período de 1650 a 1691, foi possível identificar 39 navios provenientes da Baía, do Rio de Janeiro, de Pernambuco e do Maranhão, com mais de 10.000 caixas de açúcar. Destes, 18 são navios de Pernambuco, com 3343 caixas de açúcar e 71 caras (i.e., a primeira parte do açúcar da forma, que era o açúcar mais puro e de melhor qualidade). A partir da Baía, do Rio de Janeiro e do Recife, chegava o açúcar, a farinha de pau e o mel. D. Guiomar de Sá assumiu aqui um papel destacado na segunda metade do séc. XVIII. À sua conta, entraram na Ilha 2058 arrobas de açúcar branco e 438 de mascavado, com origem no Rio de Janeiro ou em Pernambuco. Um facto de particular interesse é a participação neste comércio das comunidades da Companhia de Jesus da Baía, do Rio de Janeiro e do Maranhão que, usufruindo do privilégio de isenção dos direitos, também colocavam açúcar das fazendas no mercado madeirense, conduzindo à Ilha 82 caixas de açúcar, sendo 7 do Maranhão, 65 da Baía e 10 do Rio de Janeiro. No séc. XVII, o grosso das exportações em torno do açúcar na Ilha tem como origem o Brasil: em 1620, do açúcar exportado do porto do Funchal, 23.560 arrobas eram do Brasil e 1992 da produção local, enquanto em 1650 surgem só 83 caixas do Brasil e 111 caixas de produção madeirense. Para o período de 1650 a 1691 conse­guimos identificar 53 navios provenientes da Baía, do Rio de Janei­ro, de Pernambuco, de Paraíba, do Pará e do Maranhão, que conduziram ao Funchal mais de 10.000 caixas de açúcar. O açúcar brasileiro foi, na segunda metade do séc. XVI, uma mercadoria importante do comércio na Ilha e das principais fontes de receita para o Erário Régio. Esse período marca o início da quebra do comércio, que teve repercussões evidentes no negócio de casca e conservas. Assim, em 1779, o governador João Gonçalves da Câmara refere que o comércio da casca estava quase extinto. O movimento das duas embarcações madeirenses consignadas ao comércio com o Brasil fazia-se com toda a descrição, conforme recomendava o Conselho da Fazenda, mediante as licenças, e a sua entrega deveria ser feita no sentido de favorecer todos os mercadores da Ilha. Para estes navios havia uma escrituração à parte na Alfândega. Mesmo assim, nos dados compilados é bem visível a presença, neste tráfico, de embarcações não autorizadas, como se pode verificar pelo movimento de entradas no porto do Funchal. Os navios não incluídos no número estabelecido para a Ilha declaram sempre ser vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários, o que não os impede de descarregarem sempre algumas caixas de açúcar. Será esta uma forma de iludir as proibições estatuídas. Para o séc. XVIII, o movimento amplia-se, não obstante as insistentes recomendações para o respeito da norma estabelecida no século anterior. Nesta centúria, foi possível reunir 117 licenças para o período de 1736 a 1775, que equivaleram a 151 ligações com Pernambuco, que assumem uma posição dominante à frente da Baía. Neste circuito de escoamento e comércio do açúcar brasileiro, é evidente a intervenção de madeirenses e açorianos. A oferta de vinho ou vinagre era compensada com o acesso ao rendoso comércio do açúcar, tabaco e pau-brasil. Mas o trajeto destas rotas comerciais ampliava-se até ao tráfico negreiro, cobrindo um circuito de triangulação. Para isso, os madeirenses criaram a sua própria rede de negócios, com compatrícios fixos em Angola e no Brasil. Releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco, cuja atividade incidia, preferencialmente, na exportação de vinho para Angola, onde o trocava por escravos que, depois, ia vender ao Brasil para conseguir açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada das naus à Ilha, vergadas sob o peso das caixas de açúcar ou dos rolos de tabaco. A partir daqui iniciava-se outro processo de transformação do produto em casca ou conservas. Esta era uma tarefa caseira que ocupava muitas mulheres na cidade e arredores. Os mercadores, como Diogo Fernandes Branco, coordenavam todo o processo, de acordo com as encomendas que recebiam, uma vez que o produto, depois de laborado, deveria ter rápido escoamento. Os principais portos de destino situavam-se no Norte da Europa: Londres, Saint-Malo, Hamburgo, Rochela, Bordéus. Diogo Fernandes surge-nos neste circuito como o interlocutor direto dos mercadores das praças de Lisboa (no caso, Manuel Martins Medina), Londres, Rochela e Bordéus, satisfazendo a sua solicitação de vinho e derivados do açúcar a troco de manufaturas, uma vez que o dinheiro e as letras de câmbio raramente encontravam destinatário na Ilha. A par disso, manteve a sua rede de negócios apoiado em alguns mercadores de Lisboa e das principais cidades brasileiras. São múltiplas as operações comerciais registadas na sua documentação epistolar. À primeira vista, parece-nos que se especializou em duas atividades paralelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil, e o de açúcar e derivados para a Europa. Esta situação repercute-se, de modo evidente, na produção e no comércio de casca, que era um dos principais sustentáculos da produção local de açúcar e importação do Brasil.   Alberto Vieira (aualizado a 24.02.2018)

Madeira Global

avifauna

As aves são animais vertebrados com o corpo coberto de penas; possuem bico e membros anteriores transformados em asas. Tem sido grande o interesse manifestado por numerosos naturalistas e investigadores pela avifauna do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens. No entanto, tendo em conta esse facto, a bibliografia existente tem ficado um pouco aquém do esperado. Na realidade, faltam estudos de ecologia, de sistemática e de outros aspetos biológicos. As primeiras referências às aves da Madeira são de Ca’ da Mosto (1455) e de Frutuoso (1590), às quais se acrescentam, bastantes anos mais tarde, as de Sloane (1707), em que são apresentadas pequenas listas de aves observadas. Em 1851, surge a primeira lista, propriamente dita, de aves do arquipélago da Madeira, elaborada por Harcourt. Do séc. XIX, há ainda a referir o trabalho de Hartwig, “Die Voegel der Madeira Inselgruppe” (1891). Na transição do séc. XIX para o séc. XX, surgem vários trabalhos do P.e Ernesto Schmitz, provavelmente um dos estudiosos que mais contribuiu para o conhecimento da avifauna madeirense (Zoólogos e Naturalistas Zoólogos). Já em pleno séc. XX, foram vários os trabalhos publicados, entre os quais se destaca o livro, em quatro volumes, escrito por David Bannerman e Winifred Mary Bannerman, intitulado Birds of the Atlantic Islands; esta obra, dedicada à avifauna da Macaronésia, aborda as aves das ilhas Selvagens no primeiro volume (do ano de 1963 e da autoria de David Bannerman apenas) e as aves das ilhas da Madeira, Desertas e do Porto Santo no segundo volume (do ano de 1965); ultrapassa, de longe, em termos de conteúdo, os trabalhos anteriores, que consistiam essencialmente em listas de aves e em referências a locais de observação; nela, além da listagem das espécies nidificantes e visitantes ocasionais, são incluídos aspetos relevantes referentes à distribuição, à taxonomia e à ecologia. Após este trabalho de referência, aumentou o número de publicações sobre aves (e de autores nesta área), os quais abordam vários aspetos da biologia, do comportamento, da distribuição, da taxonomia e da conservação das aves no arquipélago da Madeira (e.g., o Guia de Campo das Aves do Parque Ecológico do Funchal e do Arquipélago da Madeira, publicado em 1997 pela Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, da autoria de Duarte Câmara, e A Conservação e Gestão das Aves do Arquipélago da Madeira, publicado pelo Parque Natural da Madeira (PNM) em 1999, da autoria de Paulo Oliveira). Vários outros trabalhos foram publicados na segunda metade do séc. XX e nos inícios do séc. XXI (v.g., o artigo “Birds of the Archipelago of Madeira and the Selvagens. New Records and Checklist”, publicado por Francis Zino, Manuel Biscoito e Paul Alexander Zino e pelos seus colaboradores, em 1995, que veio atualizar a lista das aves nidificantes de Bernstrom, de 1957). Esta lista, por sua vez, é atualizada, em 2010, num trabalho de Hugo Romano, Catarina Correia-Fagundes, Francis Zino e Manuel Biscoito. Importante é também o livro Aves do Arquipélago da Madeira, de Manuel Biscoito e Francis Zino, publicado em 2002. The EBCC Atlas of European Breeding Birds (Atlas das Aves Nidificantes na Europa), publicado em 1997 pelo European Bird Census Council, referia as aves dos arquipélagos da Madeira e Selvagens. Em 2011, o ornitólogo Garcia-del-Rey publicou o livro Field Guide to the Birds of Macaronesia. Azores, Madeira, Canary Islands, Cape Verde, relevante para o conhecimento e a divulgação da avifauna macaronésica. Outro livro a referir é o da autoria de Tony Clarke, intitulado Birds of the Atlantic Islands, publicado em 2006. Existe uma página na Internet, Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, que é mantida pelo Serviço do PNM e pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. O número de espécies de aves nidificantes nos arquipélagos da Madeira e Selvagens ronda as quatro dezenas, mas, se considerarmos as espécies migradoras e as ocasionais, o número ultrapassa as 300 espécies. Destacam-se quatro espécies pelo seu carácter endémico: Pterodroma madeira, Pterodroma deserta, Columba trocaz e Regulus madeirensis. As aves marinhas são, nalguns casos, difíceis de observar junto à costa durante o dia. Geralmente, aproximam-se da costa ao anoitecer e durante a nidificação, sendo que pelo menos um dos progenitores está escondido no ninho durante este período. Durante a sua evolução, estas aves escolheram ilhas como locais de nidificação por não existirem predadores nelas. Com a chegada do Homem a muitas destas ilhas, chegaram também com ele vários predadores, entre os quais se destacam as ratazanas e os murganhos. Desde então, são inúmeras as espécies e populações de aves marinhas que enfrentam o perigo de extinção. As aves marinhas mais comuns nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens são: Freira-da-madeira (Pterodroma madeira (Mathews, 1934)), também conhecida como alma-penada do-cidrão, devido aos sons que emite, semelhantes a uivos, inclui-se na família Procellariidae, ordem Procellariiformes. É muito parecida com a freira-do-bugio e com o gongon das ilhas de Cabo Verde. É uma ave endémica da ilha da Madeira e encontra-se em perigo de extinção. Já o P.e Ernesto Schmitz referia a sua presença na Ilha em 1903; no entanto, posteriormente, e durante muito tempo, foi dada como extinta, sendo “redescoberta” em meados do séc. XX. Vários aspetos da sua biologia são ainda pouco conhecidos. Com um comprimento total entre 32 e 34 cm e envergadura entre 80 e 86 cm, é mais pequena, mais leve, e possui bico e asas menores do que a freira-do-bugio. É uma ave com bico curto, grosso e escuro. É cinzento-escura no dorso e mais clara na fronte. Em voo, nota-se que a região ventral é clara e os bordos da cauda são escuros. A cauda é clara. As asas formam um V pronunciado e a parte inferior e interna das asas é escura. Isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-do-bugio (Pterodroma deserta). Nidifica essencialmente no maciço montanhoso central da Madeira, uma zona de proteção especial (ZPE) integrada na Rede Natura 2000. Chega a esta zona normalmente em fevereiro ou março; entre março e abril, limpa o ninho, volta em seguida ao mar, e só depois retorna para fazer a postura – este fenómeno é designado por êxodo pré-postura. Um único ovo é posto em maio, em túneis geralmente não retilíneos com mais de 1 m de comprimento, construídos em solo fofo nas encostas escarpadas dos picos mais altos. Nesta espécie, os machos e as fêmeas alternam na incubação. Deixa o ninho em setembro ou outubro. As crias nascidas nesse ano só atingem a maturidade ao fim de seis anos. O efetivo é muito baixo – 60 a 75 casais reprodutores (de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira) –, tendo eventualmente ocorrido alguma redução do mesmo aquando dos incêndios de 2012. É uma das aves mais ameaçadas de extinção, tendo o estatuto de conservação “em perigo” (nos termos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), de setembro de 2012). Têm sido realizados vários esforços com vista à proteção da ave – Alexander Zino e João Gouveia, juntamente com Gunther Maul e Francis Zino, deram os primeiros passos neste sentido com o Freira Conservation Project. Programas LIFE e outros projetos têm decorrido e envolvido a recuperação do habitat, a eliminação de vertebrados exóticos (gatos, ratos, coelhos) e a compra de terrenos nos picos mais altos. As principais ameaças à sobrevivência da freira-da-madeira são a predação de ovos e de juvenis pelos gatos e ratos e a destruição do coberto vegetal pelos herbívoros introduzidos (que leva à erosão dos solos e, consequentemente, à redução da área potencialmente apropriada à construção dos ninhos). No passado, os colecionadores de ovos e de aves constituíam uma ameaça de peso. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. O seu habitat consta do anexo I da diretiva “Habitats”. O local onde nidifica está inserido no PNM e é uma zona da Rede Natura 2000. Apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por conhecer, nomeadamente sobre a distribuição espacial da ave ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno. Freira-do-bugio (Pterodroma deserta (Mathews, 1934)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Nidifica apenas nas Desertas (na ilha do Bugio e, possivelmente, na extremidade sul da Deserta Grande). É muito semelhante à freira-da-madeira. Tem entre 33 e 36 cm de comprimento total e entre 86 e 94 cm de envergadura. É cinzento-escura no dorso e mais clara na região ventral e na fronte. Em voo, as asas formam um V pronunciado e nota-se que a parte inferior e interna das asas é escura – isto diferencia-a de outras aves, exceto da freira-da-madeira. Nidifica entre junho e dezembro, em ninhos escavados no solo, formando túneis não retilíneos, alguns com mais de 2 m; ocasionalmente, pode nidificar em cavidades nas rochas ou em zonas com pedras soltas. Outrora, as populações nidificantes da ilha do Bugio e de algumas ilhas de Cabo Verde (Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo) eram incluídas na mesma espécie (Pterodroma feae); durante anos, considerou-se existirem duas subespécies, a Pterodroma feae feae, nidificando em Cabo Verde, e a Pterodroma feae deserta, no Bugio. Em 2009, no âmbito do Projeto LIFE SOS Freira-do-Bugio, foram realizados estudos, utilizando marcadores genéticos moleculares, que demonstraram não haver indícios de cruzamento entre as formas do Bugio e de Cabo Verde e que a distância genética conseguia ser maior do que a existente entre alguns pares de outras espécies definidas. Por isto, as duas formas passaram a ser consideradas espécies distintas, Pterodroma feae e Pterodroma deserta. Segundo o Atlas das Aves das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 160 e 180 casais reprodutores e a população é aparentemente estável. Este número é muito baixo. Tendo em conta a área muito reduzida de nidificação (<20 km2 numa única localização), esta ave é, provavelmente, tal como a freira-da-madeira, uma das espécies que apresenta maior risco de extinção na Macaronésia e na Europa. O estatuto de conservação é “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são, além da reduzida área de nidificação, a degradação do habitat e a perturbação das aves por animais introduzidos (como os murganhos, as cabras e os coelhos). O aumento da população de cagarra poderá constituir um perigo (dado que esta espécie poderá competir com a freira-do-bugio pelos lugares de nidificação), bem como a poluição em alto mar. Até à criação da Reserva Natural das Desertas em 1990, a captura ilegal constituía um risco significativo. Após esta data, as ameaças a esta espécie têm sido progressivamente debeladas pelo Serviço do PNM por meio de programas específicos focados na conservação da espécie e do seu habitat. Em 2006, foi iniciado o Projeto SOS Freira-do-Bugio, do Programa LIFE-Natureza, que envolveu, entre outras tarefas, a retirada dos herbívoros introduzidos e a colocação de ninhos artificiais. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna e do anexo I da diretiva “Aves”. O local onde nidifica é reserva integral e é uma zona da Rede Natura 2000. Tal como acontece no caso da freira-da-madeira, apesar dos avanços no conhecimento da espécie, muito há ainda por saber acerca dela (designadamente sobre a sua distribuição espacial ao longo do ano, principalmente no outono e no inverno). Cagarra ou pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea borealis (Cory, 1881)). Em algumas obras, como no já mencionado Field Guide to the Birds of Macaronesia, de Eduardo Garcia-del-Rey, e na base de dados Avibase, disponível online, há uma alteração de nome, sendo considerada como Calonectris borealis. Inclui-se na família Procellariidae e na ordem Procellariiformes. É a ave marinha mais avistada entre março e novembro nos mares do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, nidificando em todas as suas ilhas. Tem cerca de 50 cm de comprimento total, sendo a ave marinha de maior porte dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e é facilmente identificável pelo seu voo rápido e planado, rente às ondas. As asas longas diferenciam-na da gaivota; outra característica que a diferencia de outras aves marinhas que nidificam nestes arquipélagos é a cor amarela do seu bico. Esta ave é branca nas superfícies inferiores e acastanhada nas superiores. Nidifica em cavidades de rochas e por baixo de grandes pedras, nas falésias rochosas ou nos planaltos; nas ilhas Selvagens, nidifica também no solo, entre a vegetação rasteira. A postura compreende apenas um ovo, do qual eclode uma ave que só atingirá a maturidade ao fim de nove anos. Entre dezembro e fevereiro encontra-se no hemisfério Sul, perto da costa nordeste do Brasil. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira existem, no mínimo, 40.000 indivíduos, amplamente concentrados nas ilhas Selvagens (38.000 indivíduos). Embora não seja considerada uma ave ameaçada, a captura ilegal, a destruição do habitat e a predação por gatos e ratos constituem fatores limitantes da espécie. De acordo com o Livro Vermelho e a IUCN, o seu estatuto é “pouco preocupante”. Na Madeira, alguns locais de nidificação da cagarra estão em áreas do PNM e são zonas da Rede Natura 2000. Esta ave faz parte do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Durante muito tempo, a cagarra foi caçada, principalmente nas ilhas Desertas e nas Selvagens; segundo o Elucidário Madeirense, eram capturados, por homens de São Gonçalo e do Caniço, cerca de 18.000 indivíduos por ano nas Selvagens. A cagarra era salgada e levada para a Madeira para ser vendida às classes mais desfavorecidas; as suas penas eram utilizadas sobretudo no fabrico de colchões. A última expedição para a captura de cagarra nas ilhas Selvagens partiu do Funchal a 15 de setembro de 1967. A caça à cagarra foi proibida. Patagarro (Puffinus puffinus puffinus (Brunnich, 1764), ou simplesmente Puffinus puffinus (Brunnich, 1764)). Também conhecido como fura-bucho, pardela-sombria, estapagado, papagarro e boieiro; alguns destes nomes são designações onomatopeicas, que imitam os sons característicos desta ave. Pertence à família Procellariidae, ordem Procellariiformes. Distribui-se pelos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores, ilhas Britânicas, costa da Bretanha, Islândia e ilhas Faroé. No arquipélago da Madeira, o patagarro nidifica apenas na ilha da Madeira, em particular nas encostas da ribeira de Santa Luzia, mas também noutras regiões do interior, em vales profundos, em zonas húmidas e cobertas de vegetação, podendo atingir altitudes muito elevadas. O patagarro é negro no dorso e branco nas partes ventrais; o seu bico é longo, preto e direito. O patagarro é frequentemente confundido com o pintainho (Puffinus baroli), diferindo dele pela plumagem preta da cabeça, que desce até abaixo dos olhos (a pelagem que rodeia os olhos do pintainho é branca). Normalmente, o patagarro chega à ilha da Madeira em fevereiro ou março, altura em que começa a escavar e a limpar as tocas (chegando estas a ter mais de 1 m de comprimento). Às vezes, mal chega, parte novamente (êxodo pré-postura). Julga-se que o principal objetivo deste comportamento é a acumulação de reservas para os períodos de incubação do ovo, alternados, entre macho e fêmea, de quatro ou cinco dias de jejum. Por regra, parte em agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 2500 e 10.000 indivíduos. Um dos perigos para o patagarro é a predação por ratos e gatos. No passado, a captura e a perseguição ilegais representavam uma ameaça importante. Segundo a crença popular, era uma ave de mau agoiro: haveria uma morte entre os moradores de uma habitação sempre que um patagarro pousasse sobre ela. Alguns locais onde esta subespécie ocorre fazem parte de zonas da Rede Natura 2000 e do PNM. Alguns dos habitats constam do anexo i da diretiva “Habitats”; a ave está no anexo II da Convenção de Berna. Fig. 1 – Fotografia de patagarro (Puffinus puffinus puffinus). Funchal. Fonte: © José Jesus Pintainho (Puffinus baroli (Bonaparte, 1857)). Considerado por alguns cientistas como a subespécie Puffinus assimilis baroli, é uma ave da familia Procellariidae, ordem Procellariiformes. É uma ave endémica da Macaronésia, sendo que nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens nidifica nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas e Selvagens. Tem patas azuis, dorso muito escuro e ventre claro. O pintainho poderá ser confundido com o patagarro; no entanto, diferencia-se dele pelo facto de a plumagem preta da cabeça não rodear os olhos e por estes serem no pintainho mais pequenos. O voo caracteriza-se por batimentos frequentes das asas. Nidifica entre janeiro e junho em cavidades de rochas ou por baixo de pedras soltas, nas falésias de pequenas ilhas e ilhéus. Geralmente, está presente na área durante quase todo o ano, não se afastando muito dos locais de nidificação. Ocorre em maior número nas ilhas Selvagens (estima-se que haja mais de 2000 casais) e em muito menor número nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. O seu estatuto de conservação é “vulnerável” no arquipélago da Madeira. A predação por espécies introduzidas pelo Homem poderá representar a principal ameaça à sua sobrevivência; no entanto, em alguns dos locais onde existe (e.g., nas Selvagens) essa ameaça foi debelada pela erradicação de vertebrados introduzidos. A proteção do pintainho é garantida pelo facto de ocorrer em áreas de reserva integral e da Rede Natura 2000 e por estar sob vigilância permanente nas ilhas Desertas e Selvagens. Esta ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Alma-negra (Bulweria bulwerii (Jardine & Selby, 1828)). Ave da família Procellariidae, ordem Procellariiformes, apresenta uma ampla distribuição mundial, ocorrendo desde a Macaronésia ao Havai. Na Macaronésia, nidifica nos arquipélagos da Madeira, das Selvagens, dos Açores, das Canárias e de Cabo Verde. Trata-se da ave marinha de menor porte do arquipélago da Madeira. Completamente negra e com asas pontiagudas (de grande envergadura em relação ao tamanho do corpo), apresenta um voo rápido e planado. Entre abril e setembro nidifica em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras. A postura consiste em apenas num ovo, que é posto no chão, em buracos no solo ou em cavidades nas rochas, por baixo de grandes pedras e em muros artificiais. Nas ilhas Desertas e Selvagens, existem mais de 10.000 casais, sendo provavelmente as Desertas o lugar com a maior concentração mundial de indivíduos (no entanto, pouco se sabe sobre o número de aves que poderá ocorrer na Madeira e em Porto Santo). Antes dos programas de recuperação de habitats das Desertas e Selvagens, os ratos constituíam um sério perigo para a sobrevivência da espécie, assim como a captura de juvenis para servirem como isco (prática entretanto extinta). Os ratos, os gatos e as gaivotas constituem ameaças em algumas áreas não sujeitas a programas de recuperação. Já em finais do séc. XX, inícios do séc. XXI, uma ameaça, a formiga-argentina, cresceu e começou a tornar-se preocupante, principalmente nas Desertas. A elevada pressão turística, a degradação do habitat e a erosão dos solos constituem também importantes fatores de risco. O maior número de aves que ocorre e nidifica no arquipélago da Madeira concentra-se em zonas de reserva integral e da Rede Natura 2000. Esta espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Roque-de-castro, paínho-da-madeira, roquinho ou angelito (Hydrobates castro (Harcout, 1851)). Ave da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes. A nível mundial, distribui-se entre as regiões tropicais do Pacífico e do Atlântico, ocupando áreas como o arquipélago da Madeira, o arquipélago das Selvagens e outros arquipélagos da Macaronésia, as ilhas de Ascensão e de Santa Helena, os arquipélagos das Galápagos e do Havai. Trata-se de uma ave de pequeno porte, de coloração negra e com uma faixa branca no uropígio, sendo a cauda ligeiramente bifurcada. No arquipélago da Madeira, existem duas populações com tempos de nidificação diferentes (verão e inverno) e este facto poderá corresponder à coexistência de duas espécies, a exemplo do que acontece nos Açores. No arquipélago dos Açores, o grupo que nidifica no verão tem a designação de Hydrobates monteiroi (Bolton et al., 2008), sendo que o outro se denomina Hydrobates castro. A população total nos arquipélagos da Madeira e das Selvagens poderá ser superior a 10.000 indivíduos. A postura (de um ovo), em ninhos, é efetuada em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras e muros de pedra artificiais; nas Selvagens, o roque-de-castro utiliza também ninhos de calcamar abandonados. As principais ameaças à sobrevivência da espécie são a iluminação artificial existente ao longo a costa (principalmente na ilha da Madeira), a predação por animais exóticos (como os ratos) e a perda do habitat em algumas áreas da sua ocorrência. Boa parte da área em que ocorre é reserva integral e corresponde a zonas da Rede Natura 2000. A espécie está incluída no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Calcamar (Pelagodroma marina hypoleuca (Webb, Berthelot & Mouquin-Tandon, 1841)). Esta ave, da família Hydrobatidae, ordem Procellariiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia e ocorre no arquipélago das Canárias e no arquipélago das Selvagens (as ilhas Selvagens constituem o extremo norte da sua distribuição geográfica). É a ave que nidifica em maior número no arquipélago das Selvagens, fazendo-o na primavera, em ninhos profundos escavados no solo. Chega geralmente após o fim do inverno, abandonando as ilhas entre junho e agosto. A postura é constituída por um ovo apenas. Trata-se de uma ave de pequeno porte com o dorso muito escuro e ventre claro. A plumagem do topo superior da cabeça é escura; já as penas em redor dos olhos são brancas, apresentando uma marca linear escura “transversal” ao olho. As patas são amarelas e longas. O seu nome deve-se ao seu voo característico (a ave parece calcar o mar). O efetivo populacional deverá ser superior a 36.000 indivíduos na Selvagem Grande e a 25.000 na Selvagem Pequena, o que representa a quase totalidade da população europeia da espécie. No passado, antes da recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande, que incluiu a erradicação dos murganhos e coelhos, a predação pelos ratinhos constituía uma ameaça muito importante à sobrevivência da espécie. As áreas de nidificação no arquipélago são reservas integrais e constituem zonas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo II da Convenção de Berna. Apesar da sua abundância e da sua importância, as aves marinhas são muito menos observadas durante o dia do que as aves terrestres. Efetivamente, quem está nas ilhas da Madeira e do Porto Santo observa muito mais aves terrestres do que marinhas. Entre as aves terrestres, destacam-se as seguintes: Pombo-trocaz ou pombo-da-madeira (Columba trocaz Heineken, 1829). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes, endémica da Madeira. De aspeto corpulento, tem entre 38 e 45 cm de comprimento, sendo maior do que pombo-das-rochas. É facilmente identificável pela cor cinzento-azulada, tendo o peito tons de cor de vinho, bico vermelho-vivo, patas de cor carmim (com dedos bastante compridos) e barra clara na cauda (visível à distância). As penas do pescoço apresentam um brilho metálico esverdeado. A fêmea é ligeiramente mais pequena e menos corpulenta do que o macho. Tem como espécies próximas a Columba junoniae, a Columba bollii (ambas das ilhas Canárias) e a Columba palumbus (Europa). Habita essencialmente a laurissilva, mas desce com frequência até aos campos agrícolas, onde provoca grandes danos. Fósseis encontrados na Ponta de São Lourenço sugerem que tinha maior área de distribuição no passado. A sua dieta é muito variada, consistindo em partes de pelo menos 40 espécies de plantas (v.g., bagas de loureiro e de til, agrião selvagem) e ainda em várias plantas cultivadas (e.g., couves). O facto de várias sementes se manterem viáveis, i.e., com capacidade germinativa, após passarem pelo trato digestivo sugere uma ação importante do pombo na dispersão de plantas. Esta espécie nidifica durante todo o ano, sobretudo em alturas em que há alimento suficiente no período entre março e junho. No ninho, camuflado ou escondido numa laje de uma rocha ou numa árvore, é posto geralmente um ovo por casal. Em 2009, existiam entre 8500 e 10.000 indivíduos. Em 2005, o estatuto de conservação desta espécie era “vulnerável”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal; no entanto, como em 2011 foi confirmada a diminuição do grau de ameaça, o estatuto de conservação passou a “pouco preocupante”. O envenenamento, a captura ilegal e a destruição do habitat da laurissilva constituem riscos para a sua sobrevivência. Esta espécie foi caçada legalmente até 1989, ano a partir do qual passou a ter proteção integral. De acordo com o relato da obra Ilhas de Zargo, a espécie era, no passado, vendida no mercado, sendo a sua carne de excelente qualidade. O Instituto das Florestas e Conservação da Natureza realiza sessões de abate com o objetivo do controle populacional, pois de vez em quando a população aumenta de tal forma que se torna uma praga nos campos agrícolas. Do ponto de vista da proteção, a espécie consta do anexo I da diretiva “Aves” (ao abrigo desta diretiva, o seu habitat, a laurissilva, foi proposto para zona de proteção especial (ZPE)). Grande parte da sua área de distribuição está incluída nas reservas naturais integrais e parciais do PNM e abrange sítios da Rede Natura 2000. O pombo-trocaz foi espécie-alvo de dois projetos LIFE: “Medidas para a Gestão e Conservação da Floresta Laurissilva da Madeira” e “Recuperação de Espécies e Habitats Prioritários da Madeira”. Fig. 2 – Fotografia de pombo-trocaz (Columba trocaz). Espécie endémica da ilha da Madeira. Ribeiro Frio. Fonte: © Carlos Góis-Marques Pombo-claro ou pombo-torcaz (Columba palumbus maderensis, Tschusi, 1904). É uma subespécie endémica que é dada como extinta. Ainda existia no início do séc. XX, tendo o P.e Ernst Schmitz capturado alguns indivíduos. Habitava as montanhas da Madeira, onde fazia ninho nas árvores. Era semelhante às populações europeias da espécie, Columba palumbus, mas um pouco mais escura dorsalmente e com a mancha púrpura do peito maior. Uma das causas de extinção terá sido a caça intensa. Pombo-bravo (Columba livia atlantis, (Bannermann, 1931)). (Espécies cinegéticas e caça). Galinhola (Scolopax rusticola, (Linnaeus, 1758)). (Espécies cinegéticas e caça). Codorniz (Coturnix coturnix confisa, (Hartert, 1917)). (Espécies cinegéticas e caça). Bis-bis (Regulus madeirensis, (Harcourt, 1851)). Trata-se de uma ave da família Regulidae, ordem Passeriformes. É endémica da ilha da Madeira. Existem dúvidas sobre a sua presença e nidificação no Porto Santo. É a ave nidificante mais pequena do arquipélago da Madeira, medindo aproximadamente 8,5 cm de comprimento total. É facilmente identificável pelo tamanho, mas também por ter cabeça listada e pelo seu trino característico (nota aguda e curta, repetida várias vezes). O macho tem a lista da cabeça alaranjada, ao passo que a da fêmea é amarela. Habita essencialmente áreas de maior altitude. Na costa Norte, onde parece ser mais abundante, pode ser encontrada a altitudes menores; aparece com frequência em zonas de floresta indígena, mista e exótica, por vezes em terrenos agrícolas ou áreas rurais; mas é mais comum em zonas de urzais. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá exceder os 10.000 indivíduos. Nidifica em arbustos, em ninhos formados por musgo e líquenes, geralmente nos meses de maio e junho. É essencialmente insectívora. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna; algumas das áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e/ou do PNM. Fig. 3 – Fotografia de bis-bis (Regulus madeirensi). Espécie endémica da ilha da Madeira. Bica da Cana, Paúl da Serra, dez. 2011. Fonte: © José Jesus Pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis (Erlanger, 1899)). É uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. Petronia petronia petronia é a designação atribuída por alguns cientistas à subespécie na Madeira. Em razão desta indefinição de nomes, discute-se o seu estatuto de subespécie endémica da Macaronésia (Madeira, Porto Santo e Canárias). Tendo entre 15 e 17 cm de comprimento, esta ave apresenta cabeça larga e bico relativamente grosso. É de plumagem pardo-acastanhada, com regiões de castanho e branco-sujo no corpo, exibindo uma mancha amarela debaixo da garganta (observável em especial nos machos). Observam-se também listas escuras na zona da cabeça e manchas brancas nas penas exteriores da cauda, bem visíveis durante o voo, as quais lhe são características. Outrora abundante, nos começos do séc. XXI está representada por uma população muito reduzida (entre 250 e 2500 aves, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira). Mesmo em pequeno número, avistam-se alguns bandos, nomeadamente nas freguesias dos Prazeres e da Ponta do Pargo e na ilha do Porto Santo. Distribui-se por áreas abertas com vegetação rasteira, zonas rochosas, falésias sobre o mar e áreas cultivadas, sendo mais frequente nas regiões costeiras e nalguns pontos mais altos das ilhas. Nidifica entre os meses de fevereiro e junho. Alimenta-se essencialmente de sementes e insetos. Devido à sua dieta, esta ave poderá ter tido um impacto negativo sobre os campos agrícolas (ao nível dos grãos) – foi por este motivo que algumas câmaras tentaram combater a espécie. Assim, todos os anos, a Câmara Municipal do Porto Santo obrigava cada chefe de família a apresentar 25 cabeças de pardal durante o mês de junho. Estima-se que as principais ameaças sobre esta subespécie sejam a competição com outras espécies (como o pardal-espanhol) e a predação. O estatuto de conservação é “vulnerável”, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Lamentavelmente, desconhece-se o seu verdadeiro estatuto taxonómico, assim como vários aspetos da sua biologia, e não existe um plano de conservação dirigido a esta ave. A sua proteção é garantida pelo facto de algumas das áreas onde ocorre estarem incluídas no PNM e em áreas da Rede Natura 2000. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 4 – Fotografia de pardal-da-terra (Petronia petronia madeirensis). Porto Santo. Fonte: © José Jesus Pardal-espanhol (Passer hispaniolensis hipaniolensis (Temminck 1820)). Trata-se de uma ave da família Passeridae, ordem Passeriformes. A subespécie ocorre no Sul da Europa, no Norte de África, nas Canárias e em Cabo Verde. Nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, tem uma distribuição descontínua, vivendo em grupos. Prefere os habitats humanizados (jardins, praças urbanas, zonas agrícolas) e as áreas onde se misturam campos abandonados com vegetação rasteira. Esta ave apresenta dimorfismo sexual: o macho tem cabeça castanha, com partes laterais inferiores brancas e com a parte anterior do pescoço e peito negros, enquanto a fêmea é de coloração mais discreta, mais ou menos uniforme e castanha. O seu comprimento total situa-se entre os 14 e os 16 cm. Entre o final do séc. XX e os começos do séc. XXI, a população de pardal-espanhol decresceu significativamente na ilha da Madeira; no entanto, o Porto Santo manteve uma população numerosa, que deve superar largamente a estimativa de 250 a 2500 indivíduos do Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis, (Hartert, 1905)). De acordo com o Elucidário Madeirense, é também chamado carreiró, carreirote, melrinho de Nosso Senhor, melrinho de Nossa Senhora, em certos locais da Madeira, e pode ser conhecido por bica, no Porto Santo. É uma subespécie da família Motacillidae, ordem Passeriformes, endémica das ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. Nas Selvagens, ocorre a subespécie Anthus berthelotii bertheloti (Bolle, 1962), que também se encontra nas Canárias. A subespécie Anthus berthelotii maderensis tem um bico mais longo do que a subespécie típica das Canárias e Selvagens; no entanto, a sua plumagem é muito semelhante à daquela. Na Madeira, é mais frequente na Ponta de São Lourenço, no Pico do Arieiro e na Ponta do Pargo, facto que se deve à sua preferência por terrenos secos e por zonas com vegetação rasteira, desde a costa às cotas mais elevadas. Nas Selvagens, a subespécie Anthus berthelotii bertheloti ocorre essencialmente nos locais de planalto, e menos nas falésias. O corre-caminhos nidifica no chão, no outono e na primavera, e é facilmente identificável pelo seu comportamento. Costuma correr e faz voos curtos, facto que está na origem do seu nome vulgar. Em voo notam-se as retrizes externas brancas. A população de Anthus berthelotii madeirensis situa-se entre as 2500 e as 10.000 aves e parece estável. Faz ninho no solo, entre fevereiro e agosto, pondo cerca de quatro ovos. A população existente nas Selvagens é considerada “vulnerável” devido ao número reduzido de indivíduos que a constitui. Ambas as subespécies podem ocorrer em áreas de reserva integral e parcial do PNM e em zonas da Rede Natura 2000. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Fig. 5 – Fotografia de corre-caminhos (Anthus berthelotii madeirensis). Ponta de São Lourenço, abr. 2011. Fonte: © José Jesus Lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi (Tschusi, 1900)). De acordo com a obra Elucidário Madeirense, era chamada papamoscas em certos locais do Porto da Cruz. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, da família Motacillidae, ordem Passeriformes. Ocorre na Madeira e no Porto Santo. Esta ave é facilmente identificável pela sua forma “esguia”, pelo peito amarelo e pelo movimento característico, vertical e cadenciado, da cauda, quando a ave está assente no solo. Apresenta um voo ondulado acompanhado de chamamento agudo e metálico. Tem entre 17 e 20 cm de comprimento total e encontra-se sobretudo na proximidade de cursos de água e de poços, desde cotas mais baixas até zonas de maior altitude. Põe entre três e cinco ovos em ninho construído em cavidades de paredes ou barrancos. Diferencia-se das outras formas da espécie por ter o dorso mais escuro. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Boa parte da população ocorre em sítios da Rede Natura 2000 e do PNM, o que lhe confere alguma proteção. A espécie consta do anexo ii da Convenção de Berna. Fig. 6 – Fotografia de lavandeira (Motacilla cinerea schmitzi). Subespécie endémica do arquipélago da Madeira. Ribeira Brava. Fonte: © José Jesus Papinho (Erithacus rubecula rubecula (Linnaeus, 1758)). É uma subespécie da família Muscicapidae, ordem Passeriformes, que se distribui por Marrocos, pelos Açores, pelo Oeste das Canárias, pela ilha da Madeira e pela ilha do Porto Santo (onde é rara). Na Madeira, pode ocorrer desde a beira-mar até aos 1700 m de altitude. É facilmente identificável pelo seu peito ruivo. O adulto é castanho no dorso e castanho-claro no abdómen e nos flancos; os juvenis são claros com peito manchado. Mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total. A ave tem um canto melodioso. Ocorre essencialmente em zonas de floresta indígena, floresta exótica, floresta de transição, urzais, áreas agrícolas e jardins urbanos. Alimenta-se de insetos, caracóis e minhocas. Nidifica em arbustos, entre março e julho, pondo dois ou três ovos (raramente quatro ou cinco). O efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Algumas zonas onde ocorre são áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. Consta do anexo II da Convenção de Berna. Melro-preto (Turdus merula cabrerae Hartert, 1901). Subespécie endémica da Macaronésia da família Turdidae, ordem Passeriformes. Distribui-se pela Madeira, pelo Porto Santo (onde é rara) e pelas Canárias (existe em algumas ilhas). É facilmente identificável pelo seu tamanho – é o maior passeriforme nidificante (tendo entre 19 e 23,5 cm de comprimento total) –, pelo seu bico (amarelo no macho e acastanhado na fêmea) e pela sua coloração (o macho é uniformemente preto e a fêmea é castanho-escura com algumas manchas). Encontra-se por toda a ilha da Madeira, numa grande variedade de habitats, desde áreas de floresta indígena, floresta exótica, até zonas urbanas e áreas de cultivo. É muito rara nas áreas secas com vegetação rasteira do litoral. Nidifica em pequenas árvores, bananeiras, jardins e campos agrícolas. A postura ocorre geralmente em maio e junho; a época de reprodução pode estender-se entre janeiro e agosto. Alimenta-se de minhocas, insetos, bagas e sementes. O efetivo populacional da Madeira poderá exceder as 10.000 aves. Algumas áreas do seu habitat estão incluídas em zonas de reserva integral e parcial do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. O melro-preto da Madeira consta do anexo II da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. Cigarrinho (Sylvia conspicillata orbitalis (Wahlberg 1854)). Sylvia conspicillata bella (Tschusi, 1901) é outro nome científico dado à subespécie (caído em desuso). Alguns cientistas atribuíram-lhe o nome de Curruca conspicillata orbitalis. Há dúvidas sobre se constitui uma subespécie endémica da Macaronésia. Ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, nas Canárias e em Cabo Verde. É uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. Mede cerca de 12 a 13 cm de comprimento total e tem dimorfismo sexual (a fêmea tem, em geral, uma tonalidade mais acastanhada, sendo efetivamente castanha na cabeça e no dorso, e o macho tem cabeça cinzenta, garganta esbranquiçada, abdómen claro e rosado e dorso castanho). As formas da subespécie da ilha Madeira são mais escuras do que as das Canárias. O cigarrinho ocorre em núcleos espalhados pela ilha da Madeira, em zonas arbustivas densas com pouca perturbação humana. No Porto Santo, é frequente em áreas com alguma vegetação arbustiva, mas também em terreno aberto. O efetivo desta subespécie “tímida” ou pouco conspícua rondará os 2500 indivíduos (no entanto, esta estimativa deve ser considerada com alguma reserva por faltarem estudos sobre esta ave). A população de cigarrinhos do arquipélago da Madeira, embora apresente um estatuto de conservação “vulnerável”, não é alvo de medidas de conservação. Alguns dos locais em que ocorre são sítios da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Toutinegra (Sylvia atricapilla heinecken (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Sylvidae, ordem Passeriformes. É uma subespécie que ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Canárias e em algumas zonas da península Ibérica (principalmente no Sudoeste). Possui um típico barrete – preto nos machos e vermelho-escuro (ou acastanhado) nas fêmeas –, sendo também possível encontrar algumas aves melânicas em que a cor preta do barrete do macho desce abaixo da nuca (pelo que recebem, em alguns locais, a denominação de toutinegras de capelo). O comprimento total no adulto varia entre 13,5 e 15 cm. Pode ser observada em vários habitats (áreas com arbustos densos, clareiras, zonas florestais de transição e jardins), sendo rara na laurissilva. Não ultrapassa os 1400 m de altitude, sendo pouco frequente a partir dos 800 m. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélagos do Madeira, deverão existir mais de 10.000 indivíduos. Entre março e junho, constrói o seu ninho nos ramos das árvores e nos arbustos e põe até cinco ovos. No passado, devido aos seus dotes canoros (o típico “tac-tac”), eram capturadas e aprisionadas em gaiolas; nos começos do séc. XXI, esta prática está proibida. Algumas áreas onde ocorre são zonas da Rede Natura 2000 e do PNM, o que confere alguma proteção à subespécie. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Tentilhão (Fringilla coelebs maderensis (Sharpe, 1888)). Trata-se de uma subespécie pertencente à família Fringillidae, ordem Passeriformes, endémica da ilha da Madeira. Tendo entre 14 e 16 cm, possui faixas alares e parte externa da cauda brancas. O dimorfismo sexual é evidente: os machos são mais vistosos, têm tonalidades mais vivas (o peito é rosado ou cor de tijolo, o dorso verde-acastanhado e a cabeça azulada); a fêmea é menos colorida, tendo geralmente tonalidade verde-acastanhada e sendo castanho-clara no peito e na região ventral. Existe apenas na ilha da Madeira, sendo observada em toda a sua extensão, exceto a mais baixa altitude. É frequente em zonas arborizadas, com vegetação indígena ou exótica, em áreas agrícolas e rurais habitadas e em regiões com vegetação arbustiva ou mesmo rasteira; também se observa com regularidade em zonas de merenda (onde “petisca” os restos de comida deixados pelas pessoas). Alimenta-se de sementes e insetos. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é numerosa (superior a 100.000 indivíduos). Algumas das áreas em que ocorre pertencem à Rede Natura 2000 e ao PNM. Faz parte do anexo III da Convenção de Berna. Tal como acontece relativamente a outras aves do arquipélago da Madeira, são necessários estudos para conhecê-la melhor. Fig. 7 – Fotografia de tentilhão (Fringilla coelebs maderensis). Subespécie endémica da ilha da Madeira. Macho. Ribeiro Frio, abr. 2016. Fonte: © José Jesus Canário-da-terra ou canário (Serinus canaria (Linnaeus, 1758)). É um endemismo macaronésico da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Tem entre 12,5 e 13,5 cm de comprimento. Apresenta dimorfismo sexual: os machos são mais coloridos e têm cores mais vivas – são mais amarelados – e definidas do que as fêmeas, que são mais discretas (têm cores menos vivas e mais acastanhadas). Distribui-se pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É também encontrada nos arquipélagos dos Açores e das Canárias. O habitat da espécie é variado, compreendendo zonas rurais agrícolas, jardins, áreas urbanas, zonas com vegetação rasteira ou arbustiva. Pode ser observada desde o nível do mar, nas proximidades da zona entremarés, como é frequente nas Desertas, até aos picos mais elevados da ilha da Madeira. É frequente observar-se bandos de canários; de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o efetivo populacional deverá ser superior a 10.000 indivíduos. A nidificação inicia-se em janeiro (ou fevereiro) e a época prolonga-se provavelmente até junho. Num ano, pode fazer duas ou três posturas. O seu canto é melodioso e muito variado. Algumas áreas de ocorrência e de nidificação estão incluídas em zonas da Rede Natura e do PNM. A espécie consta do anexo III da Convenção de Berna. Aparentemente, desloca-se entre as várias regiões de uma mesma ilha, o que leva à ocorrência de flutuações locais. Fig. 8 – Fotografia de canário (Serinus canaria) fêmea. Deserta Grande, jun. 2011. Fonte: © José Jesus Pintassilgo (Carduelis carduelis parva (Tschusi, 1901)). Esta ave, da família Fringillidae, ordem Passeriformes, distribui-se pelas ilhas da Madeira e do Porto Santo, pelos Açores, pelas Canárias, pela península Ibérica, pela região ocidental do Mediterrâneo e pelo Noroeste de África. É inconfundível pela sua coloração, tendo cabeça vermelha (ao redor dos olhos e do bico), negra e branca. Possui uma barra alar amarela e larga nas asas pretas. A cauda é preta com manchas brancas. Não tem dimorfismo sexual e o seu comprimento total varia entre os 12 e os 13,5 cm. Os juvenis são mais discretos, sem mancha facial. Pode ser encontrada desde a beira-mar até às grandes altitudes, em áreas cultivadas, abertas ou com vegetação rasteira, com gramíneas e compostas, em jardins, na floresta exótica e indígena degradada. Devido à forma como usa o habitat, sofre grandes flutuações a nível local, verificando-se uma forte sazonalidade. Pode formar bandos e a sua população na Região Autónoma da Madeira situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. No passado, esta ave era capturada e mantida em gaiolas; no entanto, nos começos do séc. xxi esta prática está proibida. Alguns habitats onde ocorre estão incluídos em sítios da Rede Natura 2000 e em áreas do PNM. A ave consta do anexo II da Convenção de Berna. Pintarroxo (Carduelis cannabina guentheri (Wolters, 1953)). Na base de dados Avibase, o pintarroxo tem o nome científico de Linaria cannabina guentheri. Subespécie endémica do arquipélago da Madeira, pertence à família Fringillidae, ordem Passeriformes. Esta ave mede entre 12,5 e 14 cm de comprimento total e tem uma cauda relativamente comprida e bico curto, cinzento. Nesta subespécie, ocorre dimorfismo sexual: o macho apresenta peito e fronte avermelhados, nuca cinza e dorso de um castanho homogéneo; a fêmea é de coloração mais discreta, tendo uma tonalidade mais acastanhada do que o macho. Habita em áreas com vegetação rasteira ou com poucos arbustos (onde predominam as gramíneas e as compostas), em terrenos cultivados, jardins e outras áreas humanizadas, tanto em zonas de baixa como de elevada altitude. Pode ser observada em bandos igualmente formados por canários e pintassilgos. As estimativas indicam a existência de 2500 a 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. Boa parte dos indivíduos desta subespécie relativamente pouco conhecida ocorre em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave faz parte do anexo II da Convenção de Berna. Verdilhão (Chloris chloris (Linnaeus, 1758)). Tem sido muitas vezes referido que o verdilhão da Madeira pertence à subespécie Chloris chloris aurantiiventri (Cabanis, 1850). Trata-se de uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. A espécie distribui-se pelo Sul da Europa e pelo Norte de África, tendo sido introduzida em vários outros locais (e.g., Açores, Nova Zelândia, Sul da Austrália e Argentina). Não se sabe se terá sido introduzida no arquipélago da Madeira, tendo-se conhecimento de que aí nidifica a partir da déc. de 60 do séc. XX, exclusivamente na ilha da Madeira. Aparece em áreas de floresta exótica pouco densa, em regiões marginais de floresta, perto de áreas de cultivo, ou em zonas abertas com arbustos, eventualmente em áreas urbanas, em parques e jardins. Esta ave amarelo-esverdeada tem entre 14 e 16 cm de comprimento total; o corpo, a cabeça e o bico são mais robustos do que os de espécies que lhe são próximas. Há dimorfismo sexual: a fêmea tem uma coloração bastante mais discreta do que o macho. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população deverá ser superior a 2500 indivíduos. Tem-se pouco conhecimento do modo como a espécie ocorre no arquipélago da Madeira. Lugre (Carduelis spinus (Linnaeus, 1758)). É-lhe também atribuído o nome científico de Spinus spinus (Linnaeus, 1758). É uma ave da família Fringillidae, ordem Passeriformes. Encontra-se na região paleártica, nomeadamente entre a Europa Ocidental e a Rússia Meridional, até à costa do Oceano Pacífico. Só em 2002 foi confirmada a sua nidificação na Madeira, e desde então tem-se assistido a um incremento do efetivo populacional, sendo frequente observá-la na região do Poiso e na dos Estanquinhos (Paúl da Serra), entre outras. Este fringilídeo, que mede entre 11 e 12,5 cm de comprimento total, distingue-se pelas suas asas escuras, com marcas branco-amareladas, e pelos lados da cauda, amarelos essencialmente na base (como no verdilhão). A coroa e o babete são pretos. Tem cabeça pequena e cauda curta. Poupa (Upupa epops (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Upupa epops epops. É uma ave da família Upupidae, ordem Upupiformes. No arquipélago da Madeira, é frequente no Porto Santo e ocasional na ilha da Madeira (onde ocorre principalmente na Ponta de São Lourenço) e nas ilhas Desertas. A espécie distribui-se pela Europa, pelo Noroeste de África e pela Ásia. Vive em áreas secas, com vegetação rasteira herbácea ou arbustiva pouco densa, e em zonas agrícolas. É inconfundível pela sua silhueta e pelo padrão preto e branco das asas, pelo bico comprido e curvo e pela crista bastante evidente, mesmo quando em voo. Tem um comprimento total que varia entre os 25 e os 29 cm. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 250 e 2500 indivíduos. Alimenta-se de invertebrados, como insetos e minhocas. Ocorre em algumas áreas da Rede Natura 2000. Andorinhão-da-serra, andorinha-da-serra ou andorinha (Apus unicolor (Jardine, 1830)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, endémica da Macaronésia, ocorrendo na ilha do Porto Santo, na ilha da Madeira e nas ilhas Canárias. Nidifica em falésias, a qualquer altitude. É observada sobretudo no verão. A maioria dos indivíduos parece migrar, no inverno, para o Norte de África. Esta ave, medindo entre 14 e 15 cm de comprimento total e tendo coloração negra, apresenta um voo rápido bastante característico e uma silhueta em meia-lua (por analogia com fases da lua, parece um quarto crescente ou um quarto minguante). Come essencialmente insetos, pelo que o uso de inseticidas pode constituir uma ameaça para a espécie. Distingue-se de Apus pallidus por ter uma coloração mais homogénea e escura. Ocorre em vários locais, incluindo em áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A espécie consta do anexo II da Convenção de Berna. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 2500 e 10.000 indivíduos. Andorinhão ou andorinha-do-mar (Apus pallidus brehmorum (Hartert, 1901)). Trata-se de uma ave da família Apodidae, ordem Apodiformes, que ocorre nas ilhas da Madeira e do Porto Santo e também em algumas ilhas das Canárias, podendo ser igualmente observada nas costas da Europa Meridional (entre a península Ibérica e a Turquia) e no Norte de África. Com um comprimento total que varia entre os 16 e os 18 cm, distingue-se do andorinhão-da-serra (Apus unicolor) por ser um pouco maior do que ele, pela mancha clara na garganta e pela sua coloração menos homogénea. No inverno, parece migrar para regiões situadas a sul do Saara. Embora haja algum desconhecimento quanto à sua distribuição e abundância, sabe-se que esta ave ocorre em vários habitats, desde falésias e ilhéus (onde nidifica) a zonas de interior, entre as quais as regiões de montanha, áreas rurais ou áreas suburbanas. É menos abundante do que a Apus unicolor. A exemplo do que acontece noutras ilhas oceânicas, as aves de rapina estão representadas por um baixo número de espécies, quando comparado com o existente em áreas continentais com características semelhantes. No arquipélago da Madeira e no arquipélago das Selvagens nidificam a manta, o francelho, o fura-bardos e a coruja-das-torres. Manta. Alguns madeirenses conhecem-na como milhafre. Trata-se de uma ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. Durante muito tempo, foi considerada como a subespécie Buteo buteo harterti (Swan, 1919); no entanto, é considerada por alguns cientistas como Buteo buteo buteo (Linnaeus, 1758). Se considerarmos esta ave de rapina como Buteo buteo harterti, podemos afirmar que a subespécie ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas, sendo endémica do arquipélago da Madeira. No entanto, se considerarmos a ave como Buteo buteo buteo, então a população do arquipélago deixa de ser tida como endémica, havendo que considerar as populações ocidentais da região paleártica e da África Ocidental como constituintes da mesma subespécie (Buteo buteo buteo). Independentemente das dúvidas taxonómicas quanto ao estatuto da manta, esta é a maior das aves de rapina que nidificam no arquipélago da Madeira, tendo um comprimento total que poderá superar os 50 cm e uma envergadura que poderá chegar aos 130 cm. É frequente observá-la voando, com batimentos de asa lentos, ou planando em círculos, aproveitando as correntes matinais de ar ascendente (pode também efetuar voos curtos e picados). Ocorre em vários habitats: falésias costeiras e interiores, zonas com pouca vegetação rasteira, áreas florestais indígenas e exóticas, áreas agrícolas e suburbanas. A parte superior do corpo é geralmente castanho-escura; o peito é uniformemente castanho-escuro, listado ou manchado de creme-amarelado. Em voo, as asas mostram cinco rémiges primárias soltas (que parecem dedos) e manchas claras e orlas escuras na parte inferior. A cauda é relativamente curta e a cabeça de pequena dimensão. Esta ave alimenta-se de roedores, coelhos, algumas aves (como a perdiz), lagartixas e insetos. Nidifica a média ou elevada altitude, em precipícios e em árvores de grande porte. A construção do ninho começa em fevereiro ou março. Os pintos deixam o ninho nos meses de julho e agosto. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, a população é superior a 2500 indivíduos, essencialmente localizados na ilha da Madeira. No entanto, em 2006 a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves tinha uma estimativa distinta (cerca de 300 aves nas ilhas da Madeira e do Porto Santo). As ameaças que pairam sobre a manta são o envenenamento secundário por pesticidas, a captura e o abate ilegais. No passado, era perseguida e caçada, pelo facto de predar galinhas (e outras aves domésticas) e coelhos. Parte da sua área de ocorrência está incluída em zonas da Rede Natura 2000 e em algumas regiões com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. A manta desapareceu das Desertas em 1996, provavelmente vítima de envenenamento secundário, por predação de coelhos envenenados. De facto, nessa altura decorria o projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, que envolvia a erradicação de coelhos através do envenenamento. No entanto, posteriormente foram feitos alguns avistamentos da manta nas Desertas. Francelho (Falco tinnunculus canariensis (Koenig, 1980)). Na Madeira, há pessoas que os chamam de milhafres. Ave da família Falconidae, ordem Falconiformes, é uma subespécie endémica da Macaronésia que ocorre sobretudo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Canárias. Na Madeira e no Porto Santo, podemos observar francelhos desde o nível do mar até às altas montanhas, em diversos habitats (como falésias, espaços urbanos e suburbanos, zonas florestais, superfícies com pouca vegetação ou com vegetação rasteira, e áreas agrícolas). É a ave de rapina nidificante mais abundante e a mais pequena do arquipélago da Madeira, facilmente identificável em voo pelas suas longas asas, pontiagudas e arqueadas em forma de foice, e pela sua longa cauda, assim como pelo seu típico “peneirar”, ou seja, pelo bater de asas em voo sem deslocamento (o chamado “parado no ar”). No geral, possui dorso e região ventral malhados; porém, as fêmeas, de maior porte, são castanhas na parte superior e têm listas escuras na cabeça, possuindo cauda listada e dorso mais malhado do que o do macho; o macho tem cabeça e cauda cinzentas, uma barra preta subterminal na cauda, parte inferior de tonalidade acastanhada e clara e asas escuras nas extremidades. O comprimento total dos indivíduos da espécie varia entre 31 e 37 cm e a envergadura entre 68 e 78 cm. O francelho é mais pequeno e mais escuro do que os seus congéneres europeus. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, e a exemplo do que aconteceu com a manta, o francelho desapareceu da Deserta Grande em 1996, mas voltou a ser posteriormente detetado na Deserta Grande e no Bugio. A sua dieta é variada e condicionada pela disponibilidade das presas principais (a qual, por sua vez, depende do habitat). Come essencialmente roedores, lagartixas, insetos e pequenas aves. Põe quatro a seis ovos em buracos ou fendas de escarpas rochosas. A estimativa do efetivo varia entre 2500 e 10.000 indivíduos, de acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira. As principais ameaças à sobrevivência do francelho são o envenenamento secundário por pesticidas e a perseguição humana (e.g., por meio da captura ilegal). Parte da região da ocorrência da espécie está incluída em zonas que integram a Rede Natura 2000 e em algumas áreas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo i da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. No passado, a caça a estas aves era uma realidade habitual: o povo temia-as, pois predavam os pintos de galinha que andavam à solta. Fura-bardos (Accipiter nisus granti (Sharpe, 1890)). Ave da família Accipitridae, ordem Accipitriformes. No arquipélago da Madeira, ocorre apenas na ilha da Madeira, com uma distribuição dispersa. Esta subespécie macaronésica também ocorre nas Canárias. A espécie a que pertence, Accipiter nisus, é conhecida como gavião no continente português e tem vasta distribuição europeia. Por ter hábitos discretos, é difícil de observar. Esta ave habita áreas florestais densas (exóticas ou indígenas), mas também pode ser observada em campos agrícolas. Nidifica nas árvores. Apresenta um porte intermédio entre o do francelho e o da manta e asas arredondadas e relativamente curtas. A fêmea é maior e mais acinzentada do que o macho, tendo o peito e abdómen listados; o macho apresenta tons rosa no peito e no abdómen, cor cinza-azulada no dorso e barras finas e avermelhadas na parte inferior do corpo; ambos os sexos têm corpo estreito, pernas longas e cauda comprida. É a ave de rapina menos conhecida do arquipélago madeirense, pelo que qualquer apreciação a seu respeito deve ser considerada com o devido cuidado. O Elucidário Madeirense refere que é “indígena mas pouco frequente, não tendo sido mencionada na lista de Harcourt” (SILVA e MENESES, 1978, II, 158). Contudo, segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existem entre 1000 e 2500 fura-bardos. As principais ameaças à sobrevivência da subespécie são a caça (o abate ilegal) e a destruição do habitat por incêndios e corte de árvores. Parte da área de ocorrência da subespécie está incluída em sítios da Rede Natura 2000 e em algumas zonas com estatuto de reserva integral e parcial do PNM. A ave consta do anexo I da diretiva “Aves” e do anexo III da Convenção de Berna. O projeto LIFE Fura-Bardos, compreendendo os anos de 2013 a 2017, tem como fito a conservação da espécie e dos habitats em que ocorre. Coruja ou coruja-das-torres (Tyto alba schmitzi (Hartert, 1900)). Trata-se de uma ave da família Tytonidae, ordem Strigiformes. É uma subespécie endémica do arquipélago da Madeira, ocorrendo nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas. É a única ave de rapina noturna que nidifica no arquipélago da Madeira, sendo facilmente identificada pela sua silhueta durante o voo, pelo disco facial conspícuo e pelo chamamento agudo e estridente. Mede entre 33 e 39 cm de comprimento e tem entre 80 e 95 cm de envergadura. Apresenta um corpo relativamente delgado, asas para o longo e patas compridas. Embora seja mais escura do que as outras formas da espécie, apresenta uma significativa variação na sua coloração, sendo mais invulgar ter aparência clara. A face é pálida, em forma de coração, e os olhos são rodeados de penas escuras. Ocorre em vários tipos de habitat, desde zonas urbanas a áreas de floresta com clareiras, desde o litoral aos vales profundos do interior. Nidifica essencialmente entre abril e junho, em falésias costeiras e interiores. A coruja alimenta-se essencialmente de roedores, insetos e, eventualmente, de algumas pequenas aves. De acordo com o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, o seu efetivo situa-se entre os 2500 e os 10.000 indivíduos. Embora esta subespécie não conheça sérias ameaças à sua sobrevivência, a poluição do ambiente por pesticidas, a perseguição e o abate ilegal, bem como as crenças e as superstições em torno dela (são consideradas por muita gente como aves de mau agoiro – segundo a crença, sempre que uma delas passa por cima de uma casa, algo de mau irá acontecer, v.g., o falecimento de uma pessoa) constituem sem dúvida potenciais riscos para ela. No passado, o maior perigo era a perseguição pelas pessoas que as consideravam animais de mau agoiro. Esta ave consta do anexo II da Convenção de Berna e ocorre em muitas áreas do PNM e da Rede Natura 2000. Devido ao projeto Recuperação dos Habitats Terrestres da Deserta Grande, a coruja desapareceu da Deserta Grande em 1996 (tal como aconteceu com a Manta e o francelho). Posteriormente, voltou, porém, a ser detetada. Gaivota ou gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis michahellis (Naumann, 184)0). “Gaio” ou “gaivoto” são os nomes atribuídos aos indivíduos juvenis, que se distinguem dos adultos pela plumagem escura. Trata-se de uma ave da família Laridae, ordem Charadriiformes. A atribuição de nome científico a estas gaivotas tem sido polémica, e a sua classificação tem variado ao longo do tempo. De todo o modo, vamos considerar que as gaivotas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens pertencem à subespécie Larus michahellis michahellis. Esta ave ocorre nas várias ilhas dos dois arquipélagos, em todo o tipo de terreno próximo do mar, em locais desabitados, falésias costeiras, zonas de lixeiras e de despejos de resíduos orgânicos e perto de áreas de descarregamento de peixe (lotas). As áreas preferenciais de nidificação são o ilhéu dos Desembarcadouros e o ilhéu de Fora. A postura, até três ovos, dá-se nos meses de abril e maio. Esta gaivota caracteriza-se por ser branca. O dorso e a parte superior da asa são cinzentos (com um pouco de cor branca na extremidade da asa). As patas são amarelas. O anel orbital é vermelho e há uma mancha vermelha no bico. Esta ave alimenta-se de grande variedade de presas, como peixes (muitos obtidos nos desperdícios da pesca, pelo que é considerada oportunista em termos de dieta), micromamíferos, aves marinhas, passeriformes, e de lixo orgânico, etc. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, nas ilhas da Madeira, do Porto Santo e Desertas o número de casais é superior a 3900; nas Selvagens, não ultrapassa os 30. As populações desta gaivota têm crescido devido à sua associação com o Homem. Excetuando nas Selvagens, não está ameaçada. Garajau ou garajau-rosado ou gaivina-rosada (Sterna dougallii dougallii (Montagu, 1813)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre nas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Selvagens, no arquipélago dos Açores, na Europa, na América do Norte, nas Índias Ocidentais e em África. O seu habitat preferido são as falésias localizadas a baixa altitude e os ilhéus situados em zonas remotas. Esta ave possui o peito ligeiramente rosado na primavera, bico de ponta preta; quando pousada, as penas da cauda ultrapassam as asas estendidas para trás. Nidifica essencialmente na Ponta de São Lourenço, nas Selvagens, nos ilhéus rochosos ou arenosos dos arquipélagos da Madeira e das Selvagens, e longe da perturbação humana. Provavelmente, as principais ameaças à sua sobrevivência são a destruição do seu habitat e os predadores introduzidos. Quanto ao estatuto de conservação, a população regional desta subespécie é “vulnerável”; apesar desta classificação, não há qualquer programa de conservação dirigido à espécie. A sua proteção é conferida pelo facto de algumas zonas em que ocorre constarem de áreas da Rede Natura 2000 e do PNM. A ave encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e anexo II da Convenção de Berna. Garajau ou gaivina (Sterna hirundo hirundo (Linnaeus, 1758)). Trata-se de uma ave da família Sternidae, ordem Charadriiformes. Ocorre em todas as ilhas do arquipélago da Madeira e do arquipélago das Selvagens, com maior incidência nas zonas costeiras, a baixa altitude, e em pequenos ilhéus, onde nidifica. Na Selvagem Pequena e no ilhéu de Fora nidifica em praias de areia. Nestes arquipélagos, ocorre essencialmente entre os meses de março e setembro, em colónias de dimensão reduzida. Com um comprimento total entre os 34 e os 37 cm e uma envergadura entre os 70 e os 80 cm, o bico é vermelho e robusto e o peito é branco. Distingue-se do garajau-rosado, entre outros aspetos, pelo facto de, quando pousada, a sua cauda não ultrapassar a ponta das asas compridas e estreitas. Esta ave de patas curtas alimenta-se essencialmente de pequenos peixes, crustáceos e insetos. Segundo o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira, existirão entre 250 e 2500 aves. As principais ameaças à sua sobrevivência são a ocupação, a alteração e a destruição do litoral. Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal do ano de 2005 tem o estatuto de conservação “vulnerável”. Esta ave ocorre e nidifica em áreas do PNM e em áreas da Rede Natura 2000. Encontra-se no anexo I da diretiva “Aves” e no anexo II da Convenção de Berna. Galinha-de-água (Gallinula chloropus (Linnaeus, 1758)). Trata-se provavelmente da subespécie Gallinula chloropus chloropus. É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. Esta espécie ocorre na Europa, na Ásia, na África e na América. Na Macaronésia, podemos observá-la nos Açores, na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde. No arquipélago da Madeira, a ave nidifica nas ilhas da Madeira e do Porto Santo. O habitat desta ave inclui charcos e lagoas com vegetação densa nas margens, e ela pode ser ocasionalmente vista na foz de algumas ribeiras. Podemos observá-la na lagoa do Lugar de Baixo (ilha da Madeira), na lagoa do Dragoal e na lagoa da Serra de Dentro (ilha do Porto Santo). Também poderá ser observada noutras massas de água com características semelhantes às anteriores. Ave de médio porte, com cerca de 37 cm de comprimento total, facilmente identificável pela plumagem em tons de castanho, azulado e preto, fronte vermelha – tal como o bico, de ponta amarela – e patas claras e esverdeadas. A parte inferior da cauda é branca. Os dedos são bastante compridos. É omnívora, tendo uma dieta à base de plantas aquáticas e suplementada com pequenos animais e ovos de outras aves. Existem poucos indivíduos na Madeira e no Porto Santo, provavelmente menos de 50. Essencialmente pelo reduzido efetivo, mas também pelo baixo número de potenciais locais de nidificação no arquipélago da Madeira, a espécie apresenta o estatuto “em perigo”, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal na sua edição de 2005. Galeirão-comum (Fulica atra (Linnaeus, 1758)). É uma ave da família Rallidae, ordem Gruiformes. A espécie distribui-se pelas regiões paleártica, indo-malaia e australo-asiática. No arquipélago da Madeira, nidifica, pelo menos, na lagoa do Lugar de Baixo, na Foz da Ribeira do Faial e no Porto Santo. É uma ave de 36 a 42 cm de comprimento total e é facilmente identificável pelo bico e placa da fronte brancos e pelo corpo largo de cor cinzenta fuliginosa (parece preta). A cauda é curta e pequena e a cabeça arredondada e preta. No arquipélago da Madeira, o habitat disponível escasseia e é geralmente intervencionado pelo homem, pelo que o efetivo populacional deverá ser muito reduzido. Há ainda a referir a nidificação frequente da rolinha-da-praia ou borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus (Linnaeus, 1758)) no Porto Santo, onde a espécie tem o estatuto “em perigo”. As construções sobre dunas e a circulação de veículos sobre elas constituem as principais ameaças. Outra ave nidificante do arquipélago da Madeira, não referida acima, considerada na listagem de Romano e colegas do ano de 2010 (mas não considerada noutras fontes, como o Atlas das Aves do Arquipélago da Madeira), é o pato-real (Anas platyrhynchus (Linnaeus, 1758)). Há algumas espécies nidificantes ocasionais, como é o caso do garajau-escuro (Onychoprion fuscatus (Linnaeus, 1766)) e do pato mandarim (Aix galericulata (Linnaeus, 1758)). Fig. 9 – Fotografia de galeirão-comum (Fulica atra). Espécie com uma população reduzida na Madeira e Porto Santo e com distribuição restrita a pequenas massas de água. Lagoa do Lugar de Baixo, jan. 2014. Fonte: © José Jesus   Rola-turca (Streptopelia decaocto (Frivaldszky, 1838)). Trata-se de uma ave da família Columbidae, ordem Columbiformes. Provavelmente introduzida no arquipélago da Madeira, a espécie é originária do subcontinente indiano. Ocorre nas regiões paleárticas ocidental e oriental. O primeiro registo de nidificação na ilha da Madeira (na Ponta de São Lourenço) data de 2009. É uma ave de média dimensão, de 31 a 34 cm de comprimento total, e elegante. A cauda é longa. A plumagem é pálida; no entanto, existe uma barra preta estreita, delineada a branco, nos lados do pescoço. Alimenta-se essencialmente de matéria vegetal, como grãos. Foram já registados casos de nidificação de outra espécie do género, a rola-comum (Streptopelia turtur), possivelmente também introduzida pelo Homem. Não se conhecem os efeitos da introdução destas duas espécies de rolas. Para prevenir possíveis impactos graves, seria necessário o controlo destas aves e, eventualmente, a sua erradicação. Outras aves nidificantes, presumivelmente introduzidas pelo Homem, são o bico-de-lacre (Estrilda astrild (Linnaeus, 1758)), o pato-mudo (Cairina moschata (Linnaeus, 1758)) e o periquito-de-colar (Psittacula krameri (Scopoli, 1769)). Há ainda outras espécies, possivelmente introduzidas, cuja nidificação na ilha da Madeira não está confirmada, como a caturra (Nymphicus hollandicus (Kerr, 1792)) e o papagaio-do-senegal (Poicephalus senegalus (Linnaeus, 1766)). Fig. 10 – Fotografia de pato-mudo (Cairina moschata). Espécie provavelmente exótica e em plena expansão da área de distribuição. Lagoa do lugar de Baixo, dez. 2011. Fonte: © José Jesus   Muitas espécies de aves foram introduzidas para a caça, mas algumas foram depois dadas como extintas, como é o caso da galinha-d’Angola (Numida meleagris (Linnaeus, 1758)), da perdiz-moura (Alectoris barbara (Bonnaterre, 1792)), do faisão (Phasianus colchicus (Linnaeus, 1758)) e do pavão (Pavo cristatus (Linnaeus, 1758)). Outras espécies, de que existem referências, encontram-se extintas no meio selvagem do arquipélago da Madeira. Têm sido encontradas e descritas espécies fósseis, especialmente encontradas nas dunas da Piedade e no Porto Santo, tais como o mocho (Otus mauli (Rando et al., 2012)), o ralídeo, (Rallus lowei (Alcover et al., 2015)), uma espécie robusta que possuía asas pequenas e não voava, ambas encontradas na ilha da Madeira, e o Rallus adolfocaesaris (Alcover et al., 2015), uma espécie menos robusta do que a anterior e encontrada na ilha do Porto Santo. Muitas outras espécies fósseis das dunas da Piedade e do Porto Santo poderão estar por descobrir ou descrever. A organização BirdLife International tem um programa cujo objetivo é identificar, proteger e gerir uma rede de áreas relevantes para a viabilidade, a longo prazo, de populações naturais de aves, mediante critérios estabelecidos internacionalmente. Estas áreas recebem a designação de Important Bird and Biodiversity Areas [Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade] (IBAs). As IBAs do arquipélago da Madeira e as principais espécies em cada uma delas encontram-se a seguir referidas: Laurissilva (código: PT083, área: 15.242 ha): alma-negra, cagarra, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e canário-da-terra. Maciço montanhoso oriental (código: PT084, área: 3411 ha): freira-da-madeira, fura-bardos, pombo-trocaz, andorinhão-da-serra e corre-caminhos. Ilhas Desertas (código: PT085, área: 1384 ha): freira-do-bugio, alma-negra, cagarra, pintainho, roquinho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhas Selvagens (código: PT086, área: 265 ha): alma-negra, cagarra, pintainho, calcamar, roquinho, corre-caminhos. Ponta de São Lourenço (código: PT087, área: 321 ha): alma-negra, pintainho, roquinho, gaivina-rosada, gaivina, andorinhão-da-serra, canário-da-terra e corre-caminhos. Ponta do Pargo (código: PT088, área: 1161 ha): roquinho, fura-bardos, andorinhão-da-serra, corre-caminhos e canário-da-terra. Ilhéus do Porto Santo (código: PT089, área: 204 ha): pintainho, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. Porto Santo-Oeste (código: PT090, área: 929 ha): roquinho, gaivina, gaivina-rosada, andorinhão-da-serra, corre-caminhos, canário-da-terra. [table id=101 /] [table id=102 /]   *Registos dúbios ou não confirmados **Possibilidade/indícios de nidificação   José Jesus (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre

silbert, albert

Historiador francês, nascido em 1915, que desenvolveu de forma pioneira vários estudos sobre a história contemporânea de Portugal, a qual teve uma destacada importância na nova geração de historiadores portugueses que despontaram nas décs. de 60 e 70, como foi o caso de Miriam Halpern Pereira. Nesta fase, há uma grande ligação da história das ilhas e do mundo atlântico à historiografia francesa. Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II (1949), que, às ilhas, foi atribuída uma posição-chave na vida do oceano Atlântico e do litoral dos continentes. Foram, na verdade, os franceses que, a partir dos anos 40, deram um impulso decisivo à história do espaço atlântico. Segundo Pierre Chaunu, foi ativa a intervenção dos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores – o “Mediterrâneo Atlântico” – na economia europeia dos sécs. XV a XVII. Para além desta valorização do espaço atlântico, temos uma chamada de atenção para os estudos de história contemporânea, em que a figura de Albert Silbert foi central com as suas teses de 1966: a dissertação complementar sobre Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (publicada em 1968) e a tese sobre Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (publicado em 1978). A ligação de Albert Silbert à Madeira começou já em 1949, através da apresentação do trabalho de Orlando Ribeiro no Congresso Internacional de Geografia, realizado em Lisboa. É na sequência disso que apresenta, em 1954, ano em que publica o seu ensaio sobre a Madeira, uma breve nota sobre a publicação de Orlando Ribeiro, dando a entender a sua passagem pelo Funchal no intervalo de tempo que medeia o congresso e a publicação do texto nos Annales. O presente ensaio, que cobre o período de 1640 a 1820, pretende clarificar o papel da Madeira no emaranhado de relações que se estabelecem no espaço atlântico. O ponto de partida, tal como o autor refere, são os relatórios dos cônsules franceses, aos quais junta dados de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino e do British Museum. A documentação do consulado reporta-se ao período de 1671 a 1793 e revela-se fundamental para saber dos interesses franceses nestas paragens. O estudo, embora hoje em dia seja visto com algumas reticências por certos historiadores e estudiosos madeirenses, continua a ser uma referência no âmbito dos trabalhos que envolvem, de forma clara, a Madeira nos mundos gerados pelo oceano atlântico a partir do séc. XVII, nos quais se articulam várias formas de expressão do poder do mar e dos impérios. Em 1954, a propósito da intervenção de Orlando Ribeiro no Congrès International de Géographie de 1949 sobre a Madeira e da publicação que se lhe seguiu em livro, aproveita para fazer um breve apontamento sobre a Ilha, destacando múltiplos aspetos relativos ao turismo e à história. Assim, nos Annales, considera que “a sua reputação de paraíso terrestre parece merecida”, concluindo que “a Madeira, ilha atlântica, deve tudo à circulação oceânica. As produções da ilha não suscitaram o tráfego deste espaço, antes foi o tráfego atlântico que fez a Madeira, foi ele que, em particular, permitiu o desenvolvimento da vinha” (SILBERT, 1954, 516). Atente-se que esta informação é depois utilizada no artigo que fez publicar sobre a Madeira nos referidos anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Não podemos esquecer que foi ele quem abriu as portas da investigação sobre a ilha a outro francês, Frederic Mauro, que, na déc. de 60, volta a seguir os mesmos caminhos de valorização da Madeira no espaço atlântico, mas, desta feita, escudado com a documentação disponível nos arquivos locais. Por força da criação do arquivo distrital em 1949, esta oferecia aos investigadores nacionais e estrangeiros um campo de investigação inexplorado que, felizmente, mereceu os estudos que conhecemos. Obras de Albert Silbert: Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (1968); Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (1978).       Alberto Vieira (atualizado a 30.12.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional História da Educação

shaw, george bernard

O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw foi uma das personalidades famosas que visitaram a Madeira e ficaram hospedadas no célebre Hotel Reid’s Palace. Shaw desembarcou na Madeira em dezembro de 1926 para uma “cura de sol”. Mais tarde, a estadia seria descrita pelo New York Times como um período bastante criativo. Além disso, Shaw aprendeu a dançar tango e usufruiu das cálidas águas do Oceano Atlântico. Palavras-chave: dramaturgo; viagem; cura; sol. Dramaturgo, romancista, ensaísta e jornalista irlandês nascido a 26 de julho de 1856, em Dublin. Recebeu, em 1925, o Prémio Nobel da Literatura, passando pela Madeira um ano depois. Filho de George Carr Shaw, um pequeno comerciante de cereais e detentor de um pequeno cargo de oficial civil, e de Elizabeth Lucinda Shaw, uma cantora profissional que lhe transmitiu o gosto pela música, nasceu no seio de uma família anglo-irlandesa protestante que fazia parte das classes mais privilegiadas de uma Irlanda marcadamente pobre. Tendo consciência desta realidade, Shaw repudiou desde sempre a pobreza, tal como o país que o viu nascer. Foi igualmente marcado pela casamento falhado dos pais, não sendo, pois, de admirar que as suas obras reflitam sobre o tema do casamento e da vida conjugal. Tendo-se mudado para Londres quando a mãe conheceu o professor de música George John Vandeleur Lee, viu-se envolvido num meio musical que o motivou, mais tarde, a ganhar a vida como crítico de música, ao mesmo tempo que iniciava uma pesquisa social que serviria de génese às suas obras literárias. Rebelde e com sensibilidade social, nunca deixou de expressar o que pensava sobre os males da sociedade que conheceu e em que viveu, bem como os males do mundo em geral. Foi aliás este seu carácter rebelde que o levou a abandonar prematuramente os estudos na Dublin English Scientific and Commercial Day School, exatamente por detestar a imposição dos ensinamentos escolares e religiosos. Assim, apesar da educação religiosa, cedo se rebelou contra as instituições que impunham limites à liberdade, tendo sido um opositor da rigidez vitoriana. Foi um grande antagonista do Cristianismo, porque abominava as superstições e aquela que considerava uma religião vingativa ensinada às crianças na catequese. Dizia-se contra um Deus maléfico que não hesitava em sacrificar inocentes. Antes de se tornar um dramaturgo de renome, Bernard Shaw já havia começado a sua luta política, mostrando propensão para o compromisso social, que marca todo o seu percurso social e literário. A sua escrita e os seus discursos panfletários de socialista fabiano refletiam, então, a sua rebeldia. Nesta medida, os seus primeiros romances abordam já questões ligadas à doutrina socialista, sendo marcados pelas leituras que fez de Progress and Poverty, de Henry George, e de Das Kapital, de Karl Marx. No início, os seus romances, sendo reveladores de uma obra que se rebelava contra a sua própria classe social, credo e todo um conjunto de regras adquiridas e impostas, não tiveram sucesso em Inglaterra, mas eram muito lidos nos EUA e em vários países europeus. Foi esta personalidade controversa que, a 30 de dezembro de 1924, desembarcou na Madeira, tendo ficado hospedado no Hotel Reid’s. O facto é relatado no livro Reid’s Palace: The Most Famous Hotels in The World, de Andreas Augustin. Citando uma reportagem publicada no New York Times, Augustin refere que Bernard Shaw foi à Madeira para uma cura de sol, aproveitando a sua passagem pela ilha para umas lições de tango, tendo regressado depois com melhor saúde a Londres. Contudo, o próprio admitiria que a sua passagem pela Madeira não foi apenas curativa. O período em que permaneceu na ilha correspondeu também a uma grande fase criativa, tendo aí completado uma peça que seria pouco depois levada à cena. Na Madeira, George Bernard Shaw teve também lições de tango pela mão de Max Rinder, professor de dança do Reid’s Palace. Segundo Augustin, o dramaturgo deixou mesmo uma dedicatória a Rinder, na qual admitia que o instrutor de dança teria sido o único homem que lhe tinha ensinado alguma coisa. Para além disso, terá realizado várias excursões e apreciado as cálidas águas do Atlântico, onde costumava mergulhar, facto documentando por uma foto publicada no livro de Augustin. O dramaturgo irlandês falaria mais tarde sobre a sua passagem pela Madeira numa peça jornalística publicada pelo New York Times, a 28 de janeiro de 1926. Na altura, e quando confrontado com a declaração de Max Rinder de que tinha ensinado Shaw a dançar o tango na Madeira, George Bernard Shaw disse que tais afirmações eram literalmente verdadeiras. O dramaturgo acabaria por acrescentar que não continuou as suas lições de tango após o regresso a Londres porque não tinha o tempo nem a juventude necessários para tal. George Bernard Shaw foi, assim, uma das muitas personalidades que passaram pelo Hotel Reid’s, que acolheu outros nomes famosos, como alguns elementos da Casa dos Lordes britânica, o artista Max Römer e o político Winston Churchill, entre outros. A obra de Bernard Shaw chegou tardiamente a Portugal, já depois de este ter sido consagrado com o prémio Nobel da Literatura em 1925, tendo sido poucas as obras traduzidas para português. De realçar, contudo, que, em 1956, a peça Santa Joana foi representada no Teatro D. Maria II pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, sendo acolhida com grande sucesso. Bernard Shaw faleceu em 1950, deixando uma vasta obra onde se inclui crítica, romance, ensaio e drama moderno, de cariz explicativo e denunciante, antes mesmo da consciencialização e politização do teatro épico de Brecht. Obras de George Bernard Shaw: Cashel Byron’s Profession (1886); An Unsocial Socialist (1887); The Quintessence of Ibsenism (1891); Widowers’ Houses (1893); The Perfect Wagnerite: A Commentary on the Ring of the Niblungs (1898); Plays: Pleasant and Unpleasant (1898); Three Plays for Puritans (1901); Man and Superman (1903); The Irrational Knot (1905); John Bull’s Other Island and Major Barbara: How He Lied to Her Husband (1907); The Doctor's Dilemma, Getting Married, & The Shewing–up of Blanco Posnet (1911); Love Among the Artists (1914); Misalliance, the Dark Lady of the Sonnets, and Fanny's First Play (1914); Pygmalion (1914); Heartbreak House, Great Catherine, and Playlets of the War (1919); Back to Methuselah: A Metabiological Pentateuch (1921); The Apple Cart: A Political Extravaganza (1930); Immaturity (1931); The Adventures of the Black Girl in Her Search for God (1932); An Unfinished Novel (1958).   Raquel Gonçalves (atualizado a 30.12.2017)

Madeira Global

rocha, vitúrio lopes

Vitúrio Lopes Rocha nasceu no Funchal a 5 de setembro de 1752, doutorou-se em matemática no dia 24 de dezembro de 1777 e foi lente de geometria na Universidade de Coimbra. Lecionou as cadeiras de álgebra, em 1779, enquanto substituto extraordinário, e de cálculo, entre os anos de 1780 e 1783, na função de substituto, tornando-se, posteriormente, lente de geometria, função que exerceu entre 1783 e 1795, ano da sua jubilação (a 27 de março). Ocupou o cargo de vereador do Corpo da Universidade (a 27 de março de 1792), o de comissário delegado e visitador das escolas menores da ilha da Madeira (em 1800) e o de comissário da Junta da Diretoria-Geral dos Estudos e Escolas Menores do Reino. Entre os seus escritos, contam-se a sua tese e o manuscrito Sobre os Serviços Prestados pela Astronomia. Obras de Vitúrio Lopes Rocha: Theses ex mathesi universi quas confecto quinquennali studiorum curriculo publice intra diei spatium ad Doctoris Lauream in Conimbricensi Gymnasio obtinendam praeside Josepho Monteiro da Rocha ... proponit Victurius Lopes Rocha (1777); Sobre os Serviços Prestados pela Astronomia (1777).   Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 17.12.2017)

História da Educação Matemática