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meneses, rufino augusto

Rufino Augusto Meneses foi um sacerdote católico madeirense, nascido na freguesia da Ponta do Sol, a 27 de abril de 1877. Foi filho de Rufino Augusto de Meneses e de Carolina de Jesus. Quando ainda era criança, partiu para Angola com o pai, que foi para lá como colono, e estudou no Seminário de Huíla, sendo ensinado pelos padres do Espírito Santo. Regressado à Madeira, matriculou-se no Seminário Diocesano do Funchal, seguindo a vida eclesiástica. Foi ordenado sacerdote a 21 de dezembro de 1901 e foi capelão da Sé do Funchal até 1902. A 22 de fevereiro de 1902, foi nomeado pároco do Caniçal, função que exerceu durante os dois anos seguintes, passando a desempenhar, desde 20 de fevereiro de 1904, o múnus de cura de Machico. Em 1905, após o falecimento do P.e Jordão do Espírito Santo, que era vigário na freguesia de Água de Pena, foi nomeado sacerdote daquela paróquia, no dia 4 de julho, ocupando o cargo durante 48 anos. A par da sua vida clerical, Rufino Augusto Meneses foi um homem dedicado às letras, colaborando na imprensa regional e escrevendo textos literários, sobretudo poéticos. Exerceu a sua atividade jornalística no periódico O Jornal, como correspondente em Machico, e assinou, naquele jornal, algumas das suas produções poéticas sob o pseudónimo “C.”. Em 1950, publicou um volume de versos intitulado Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares. Neste livro, descreveu em verso a visita da imagem de Nossa Senhora de Fátima à Madeira, no dia 7 de abril de 1948, desde a chegada a bordo do Lima e o desembarque no cais da Pontinha até ao cortejo em direção à Sé do Funchal, onde aquela obra passou a noite. Descreveu as manifestações de regozijo da população, que aguardava a chegada da imagem acenando com lenços, dando vivas e palmas, e evocou os sinos da igreja a tocar e o lançamento de foguetes. Nos seus versos, todo o povo, as autoridades regionais, o clero e outras individualidades madeirenses de diferentes profissões manifestaram o seu contentamento e a sua fé por aquele momento da visita da imagem da Virgem Peregrina. Narrou ainda a visita da imagem a outras freguesias da Madeira, onde, nos dias 8, 9 e 10 de abril, foi sempre aguardada por uma multidão. Depois, mencionou o regresso da imagem ao Funchal, destacando a sua passagem pelas ruas da cidade até chegar à Pontinha, onde embarcaria no Guiné para prosseguir viagem até outras paragens. Estes versos constituem um testemunho de um momento importante da história religiosa da Ilha e oferecem alguns quadros representativos das manifestações de fé do povo madeirense na primeira metade do séc. XX. Rufino Augusto Meneses faleceu em Machico, a 30 de março de 1966. Obras de Rufino Augusto Meneses: Visita da Imagem de Nossa Senhora de Fátima (a Virgem Peregrina) à Madeira, em 7 de Abril de 1948: Versos Populares (1950).   Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2018)

Religiões Personalidades

mendonça, duarte jorge de

Duarte Jorge de Mendonça nasceu na freguesia de São Jorge, concelho de Santana, ilha da Madeira, em 2 de setembro de 1936 e faleceu em São Paulo, Brasil, a 22 de novembro de 1977. Era filho de Noé Joaquim de Mendonça e de Maria Tolentina Jardim Brazão de Mendonça, também de São Jorge. Em julho de 1947, juntamente com sua mãe e seus irmãos, emigrou para o Brasil, a fim de se juntar a seu pai, que lá se encontrava desde há alguns anos. Em janeiro de de 1948, entrou para o Seminário São Fidélis, pertencente aos Frades Capuchinhos, na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo. Ali se formou em Filosofia, Teologia e Pastoral. Em 25 de dezembro de 1957, na cidade de Mococa, no interior do Brasil, fez a sua profissão solene na Ordem dos Frades Capuchinhos, tomando o nome de Fr. Jorge Maria do Funchal. Com apenas 24 anos, mediante licença especial do Vaticano, foi ordenado sacerdote em 1 de julho de 1961 e, no dia seguinte, celebrou a primeira missa no Santuário da Imaculada Conceição. Detentor de uma memória privilegiada e singular inteligência, foi convidado a estudar na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde se doutorou em Filosofia. Paralelamente, licenciou-se em Filosofia franciscana no Studio Francesco do Collegio Internazionale S. Lorenzo da Brindisi, dos Frades Capuchinhos de Roma. Os seus conhecimentos de latim e grego permitiam-lhe o domínio das línguas francesa, espanhola, italiana, inglesa e alemã, tendo-se aperfeiçoado em cursos feitos em Bregenz, Innsbruk e Paris. Na viagem de regresso ao Brasil, em agosto de 1963, visitou a sua terra natal e celebrou a missa nova na igreja paroquial de São Jorge. Ali, foi recebido com grande entusiasmo pelos seus familiares, autoridades locais e demais conterrâneos, como atesta o Diário de Notícias do Funchal de 1 de agosto de 1963. No Brasil, foi professor de Filosofia nos seminários de Veneza e Londrina, na Pontifícia Universidade de Campinas e na Faculdade de Filosofia de Nossa Senhora Medianeira; participou ativamente em diversos congressos e encontros de Filosofia realizados no Brasil. Entre 1966 e 1968, foi guardião do Convento de São José em Mococa, onde fundou equipas de jovens e de casais. Em São Paulo, foi ecónomo dos Capuchinhos e orientador espiritual de movimentos religiosos que se estendiam às cidades de Nova Veneza Americana, Campinas e Sumaré. Filantropo e benemérito, é autor de textos e artigos publicados em várias revistas, assim como de poesias, algumas das quais se encontram reunidas em Encontros, coletânea de poemas de sua autoria. Após o Concílio Vaticano II, colaborou na implementação das novas diretrizes e passou a usar o seu nome de batismo. Um aneurisma cerebral ceifou-lhe a vida aquando da realização do capítulo da sua congregação onde seria eleito provincial da Ordem dos Capuchinhos. A missa de corpo presente foi concelebrada por 56 padres, 3 bispos e pelo Cardeal D. Evaristo Arns, o qual na homilia, relembrou “o sacerdote que frei Jorge foi, a santidade com que viveu. A ciência da vida e sabedoria que pregou a todos que puderam conhecê-lo” (MENDONÇA, 2001, 8). Em 1979, o prefeito da Cidade de São Paulo, Olavo Egydio Setúbal, pelo dec. 15.929, homenageou este “Português de nascimento e Brasileiro de coração” (MENDONÇA, 2001, 8), atribuindo o nome de Fr. Duarte Jorge de Mendonça a um logradouro situado entre a Av. Giovanni Gronchi e a Rua H14, no 29.º subdistrito de Santo Amaro. Obras de Duarte Jorge Mendonça: Encontros (2001)   Lígia Brazão (atualizado a 01.02.2018)

Religiões

meneses, sérvulo drummond de

Advogado, político e jornalista madeirense, com grande influência local durante a época liberal. Nasceu em 1802 no Funchal, tendo perecido no mesmo local em 1862. Palavras-chave: Política; Jornalismo.   Sérvulo Drummond de Meneses nasceu no Funchal, em 23 de dezembro de 1802, sendo filho de João Nepomuceno Correia Drummond e de Maria Isidora de Meneses e Brito. Casou-se com Maria Carlota Arnaut, com quem teve cinco filhos. Concluiu o curso liceal no Funchal e depois iniciou-se como praticante no escritório do tio, o escrivão Inácio Correia Drummond, sendo, mais tarde, nomeado escrivão judicial. Antes de 1820, foi cadete do Corpo de Artilharia Auxiliar, mas, após a Constituição de 1822, tornou-se advogado provisionado, tendo efetuado o concurso de provas junto do Tribunal Superior de Justiça, apesar de não ser formado em Direito, acabando por se destacar como um dos mais distintos advogados do seu tempo e por deixar algumas peças de carácter administrativo e civil, umas inéditas e outras avulsas. Militou no partido cartista, ou liberal, e, mais tarde, no partido cabralista, militância que terá facilitado o seu acesso à carreira política. Foi presidente da Câmara Municipal do Funchal e vereador da mesma Câmara, tendo fundado, a 12 de janeiro de 1838, a Biblioteca Municipal do Funchal, importante estrutura cultural do arquipélago. Entre os cargos públicos que exerceu, relevam-se também o de vogal do Conselho Distrital, o de procurador à Junta Geral, o de secretário-geral do Governo Civil e o de governador civil interino, na ausência do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1848-1849). Como jornalista, foi redator e diretor do periódico funchalense A Flor do Oceano, entre 1828 e 1866, tendo colaborado igualmente em outros periódicos, entre os quais O Regedor (1823 e 1828) e A Ordem (1852-1860). Foi autor de várias obras de interesse regional, como Uma Epocha Administrativa da Madeira e Porto Santo, publicado no Funchal (1.º vol., 1849; 2.º vol., 1850; o 3.º vol., de 1852), é de António Jacinto de Freitas); Collecção de Documentos Relativos ao Asylo da Mendicidade do Funchal; Collecção de Documentos Relativos à Construção da Ponte Ribeiro Secco; Collecção de Documentos Relativos á Fome por que Passaram as Ilhas da Madeira e Porto Santo em 1847. Como poeta, publicou, na juventude, poemas que foram incluídos na Collecção d’Algumas Obras Poeticas offerecidas ao Ilmo. e Exmo. Sr. Sebastião Xavier Botelho. Foi agraciado com o grau de cavalaria da Ordem de Nossa Senhora da Conceição, de Vila Viçosa. Faleceu no Funchal, a 13 de janeiro de 1867. Obras de Sérvulo Drummond de Meneses: Collecção de Documentos Relativos ao Asylo da Mendicidade do Funchal (1848); Collecção de Documentos Relativos à Construção da Ponte Ribeiro Secco (1848); Collecção de Documentos Relativos á Fome por que Passaram as Ilhas da Madeira e Porto Santo em 1847 (1848); Uma Epocha Administrativa da Madeira e Porto Santo (1.º vol., 1849; 2.º vol., 1850).   António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 24.02.2018)

Direito e Política História Política e Institucional

mosteiro novo

O conjunto edificado denominado “Mosteiro Novo”, que foi depois seminário, embora tendo essa designação, nunca chegou a ser mosteiro, nem sequer recolhimento. Enquadra-se, assim, na vasta série de instituições pias criadas em momentos difíceis relativamente às quais, por morte dos instituidores, desaparece a vontade e os fundos para as instituir verdadeira e concretamente. A doação destes edifícios para um futuro mosteiro ou recolhimento foi feita pelo Cón. Manuel Afonso Rocha, a 17 de dezembro de 1638, perante um tabelião e o bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650). Declarou então que tinha dado início a um mosteiro composto de casas, oficinas, igreja e coro, sob a invocação de S. José, destinado a religiosas ou religiosos, sob a cláusula de lhe celebrarem algumas missas e ofícios pela sua alma. Como o conjunto não estava concluído, entregava o governo e a sua administração à proteção do prelado e seus sucessores, dentro da intenção de o mesmo vir a servir de “recolhimento para damas ou mulheres de qualidade”. Caso tal não fosse possível, gostaria que o mosteiro fosse entregue “a religiosos virtuosos mendicantes ou outros que ali fizessem mais serviço a Deus” (SILVA e MENESES, 1998, II, 398-399). As informações do cónego, em princípio afastavam-se algo da realidade, não existindo qualquer “igreja com coro” e somente, na melhor hipótese, uma capela ou um oratório privado, pois que não se conhece para ali qualquer autorização de culto passado pela autoridade eclesiástica. Cerca de 10 anos depois, em 1647, o prelado dava autorização para ali residirem os sobrinhos do fundador, o Cón. António Spranger Rocha, seu irmão, o P.e Inácio Spranger e suas irmãs. Tudo indica ser então e ainda somente um espaço residencial e, muito provavelmente, a autorização do prelado era a oficialização da situação que se mantinha do anterior. Esta família viveu aí ao longo de todo o século, pois em 1691 faleceu nestas casas o também Cón. António Spranger, sobrinho dos anteriores. As casas devem ter ficado então devolutas, pois em finais de 1698, o bispo D. José de Sousa de Castelo Branco (1698-1722), pouco depois de tomar posse da Diocese, o que ocorreu a 28 de agosto de 1698, transferiu para ali o seminário diocesano, até então alojado no chamado colégio de S. Luís anexo à capela daquela evocação e ao paço episcopal. A 3 de janeiro de 1702 emitia um decreto com os novos estatutos do seminário, os quais foram confirmados, depois de ouvidos os elementos do mesmo, passando a ter um reitor, 10 colegiais e um número de pensionistas a livre arbítrio do bispo. Por 1720, Henrique Henriques de Noronha descrevia o conjunto edificado, então sob a evocação de S. Gonçalo e com uma “nobre igreja” dedicada a Jesus, Maria e José, onde existiam dois altares laterais, um de S. Gonçalo de Amarante e outro, de N.ª S.ra do Bom Despacho (NORONHA, 1996, p. 304). O terramoto de 1 de novembro de 1748 afetou bastante o edifício, tendo sido retirado dali o seminário, mas, por volta 1760, este regressou às mesmas instalações. O conjunto edificado que chegou até nós deve ser produto das obras dos finais do séc. XVII e inícios do XVIII, embora com obras de reabilitação dos anos seguintes, mas que não alteraram substancialmente a organização geral da estrutura. O conjunto do antigo Mosteiro Novo e do seminário apresenta um amplo pátio interior, sobre o qual corre o corpo que dá para a rua, que ainda no séc. XXI era chamada R. do Seminário, com uma pequena capela a nascente, profanada e sem qualquer recheio. A entrada para o pátio fica a poente desse corpo, parecendo manter preexistências dos finais do séc. XVII ou inícios do XVIII, com dois interessantes lanços de escadas e entrada para o piso nobre com alpendre refeito no séc. XIX. Ao longo da rua apresenta três portais ao gosto das primeiras décadas do séc. XVIII, mas a organização da fenestração parece anterior, salvo a janela com balcão, que deve corresponder à campanha de obras do séc. XIX. O edifício poente do pátio parece ter sido montado para os seminaristas internos, tal como o que corre sobre a rua parece ter sido ocupado pelos quadros superiores do seminário. O seminário foi transferido, em 1788, para o antigo colégio dos Jesuítas, mas logo em 1801 voltava ao edifício original, dada a instalação no colégio das forças inglesas de ocupação. Em 1909, o seminário era transferido para o novo edifício levantado na cerca do extinto convento da Encarnação, construído então pela Junta Geral do Distrito, mas a 20 de abril de 1911, com a extinção dos seminários pela República, voltava a funcionar, sem carácter oficial, nas antigas instalações do Mosteiro Novo. Em breve também o edifício era confiscado pelo Estado, tendo passado, em 1971, por uma remodelação total para a instalação do Laboratório Distrital de Análises Dr. Celestino da Costa Maia, até então a funcionar num edifício da R. das Pretas. Em 1976, e com a transferência do laboratório, o edifício ficava devoluto, tendo tido nova remodelação em 1988, e nova designação, então de Laboratório de Saúde Pública Dr. Câmara Pestana. Em 2000 voltava a estar parcialmente devoluto, aguardando definição de reutilização.     Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Arquitetura Património Religiões

melo, antónio júlio de santa marta do vadre de mesquita e

António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), 3.º visconde de Andaluz, foi para a Madeira como secretário-geral do governador, D. Tomás de Sousa e Holstein, marquês de Sesimbra; porém, o marquês de Sesimbra não estaria um ano no lugar. António Melo foi nomeado para o lugar de governador civil do Funchal em setembro de 1879. Coube ao seu Executivo tentar acalmar a agitação política, que se devia à nomeação de nobres da Corte, o que não se enquadrava já na vida política portuguesa. Palavras-chave: Arranjos familiares; Governo civil; Partidos Políticos; Regeneração; Tumultos populares.   O governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), do Partido Regenerador, foi exonerado em 1868 pelo Executivo do açoriano conde de Ávila, António José de Ávila (1806-1881), do Partido Reformista ou Partido Popular, então uma cisão do Partido Histórico (Partido Histórico e Partidos políticos). As complexas alianças entre estes partidos levaram o Governo de Lisboa a colocar em S. Lourenço duas figuras da aristocracia da Corte de Lisboa: o marquês de Sesimbra, D. Tomás de Sousa e Holstein (1839-1887), filho do duque de Palmela (1781-1850), como governador civil, e o 3.º visconde de Andaluz, António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1833-c. 1900), como secretário-geral. Estas duas escolhas foram alicerçadas em vagas ligações familiares às antigas famílias insulares e foram por certo resultado da pressão dos elementos do Partido Histórico, incapazes de compreender as novas realidades dos meados e da segunda metade do séc. XIX. O marquês de Sesimbra era casado com uma filha dos marqueses da Ribeira Grande, descendentes de Zarco, mas dos Açores, e viria a ser sogro do futuro conselheiro Aires de Ornelas e Vasconcelos (1866-1930); o visconde de Andaluz estaria para se casar com uma filha do barão da Conceição, Fortunato Joaquim Figueira (1809-1885), abastado proprietário que se havia fixado no Funchal nesse mesmo ano de 1868. O marquês de Sesimbra – ou de Cezimbra, como então aparece escrito – foi nomeado por decreto de 9 de setembro e viria a tomar posse a 17 de outubro de 1868, após Te Deum na catedral do Funchal celebrado à uma da tarde; disso nos dá conta o visconde de Andaluz, seu secretário-geral, que o comunicou às autoridades do Funchal, convidando-as para o evento. A administração do marquês ir-se-ia pautar por uma simples gestão administrativa, sendo praticamente toda a correspondência assinada pelo secretário-geral. Realizadas eleições em maio do seguinte ano de 1869, e passado o verão, o marquês de Sesimbra retirou-se, nos primeiros dias de setembro, para o continente, não completando um ano de governo na Madeira. Palácio e Fortaleza de São Lourenço. 1870. Arquivo Rui Carita O visconde de Andaluz tinha sido nomeado governador civil do Funchal por decreto de 4 de setembro, tomando posse a 8 do mesmo mês. Faria então uma proclamação aos “Habitantes do distrito do Funchal! Por decreto de 4 do corrente Houve por Bem Sua Majestade” nomeá-lo governador civil. Apelava então: “Auxiliai-me com o seu conselho e com as suas luzes […] pela prosperidade desta Terra, que eu hei de esforçar-me em promover os interesses dela com solicitude e dedicação” (ABM, Alfândega do Funchal, circular de 9 set. 1869). Era um discurso um pouco ultrapassado para a época, semelhante às proclamações liberais dos anos 30 e 40, conhecidas no Funchal durante a vigência da Junta Governativa de 1847 e o conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) – proclamações que alguns anos depois ainda viriam a surgir, então ainda mais estranhas ao contexto político da época. O novo governador tentou fazer face à situação algo agitada que se vivia, não só política, como geral. No arquipélago, nem sempre se encontrava gente à altura para os vários locais diretivos e, ao mesmo tempo, não se conseguiam definir especificamente estruturas partidárias, daí resultando vagas organizações articuladas em relações pessoais em torno dos membros mais influentes das elites locais. Em maio de 1870, e.g., tendo o visconde de Andaluz suspendido o administrador do concelho de Santana, “não havendo naquela localidade pessoa com os requisitos necessários para, na atual conjetura entrar na referida vagatura”, solicitava à Casa Fiscal da Alfândega do Funchal a disponibilização do funcionário Joaquim Pinto Coelho (1817-1885) para ocupar o lugar (Ibid., Alfândega do Funchal, of. 23 abr. 1870) – uma nomeação acertada, considerando o tempo em que aquele funcionário ocupou o lugar da Alfândega. Nos inícios de 1870, por decreto de 2 de janeiro, procedeu-se à dissolução das Cortes e, a 3 de fevereiro seguinte, à reunião das assembleias eleitorais. Na Madeira, as eleições decorreram a 1 de maio, voltando a sair os nomes de Luís Vicente de Afonseca (1803-1878) e Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901). Porém, as eleições decorreram muito mal e, especialmente em Machico, ocorreram tumultos graves. Acontece que o governador destacara para os principais centros eleitorais forças de Caçadores 12, nem sempre comandados por elementos capazes de manter o sangue frio. As forças militares acabaram por se refugiar na igreja matriz e, acossadas pela populaça, fizeram fogo sobre a multidão, o que resultou em vários mortos (Tumultos populares). Houve também incidentes em outros locais, inclusivamente no Funchal. O Partido Popular, que se achava na oposição, tinha um certo domínio sobre as massas populares e quando Joaquim Ricardo da Trindade e Vasconcelos (1825-1906), então membro do Partido Fusionista, desembarcou no Funchal, ido precisamente de Machico, foi preso na Pontinha e conduzido à Pr. da Constituição para justiça popular. Evitou o assassinato o jovem Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898), uma das figuras prestigiadas do Partido Popular, que se interpôs entre os populares e Trindade e Vasconcelos. Como o visconde de Andaluz tinha feito vários contactos e estabelecido um pacto de não intervenção nos assuntos do Partido Popular, foi isso que aconteceu em relação a novas alterações da ordem pública em Machico, aquando dos funerais das vítimas do dia 1 de maio. Os acontecimentos de Machico produziram grande sensação na imprensa madeirense e, de imediato, no continente, sendo o visconde violentamente atacado nas Cortes e na imprensa de Lisboa. Em julho ainda apareciam na comunicação social de Lisboa abaixo-assinados respeitantes aos acontecimentos de Machico e à maneira pouco ortodoxa como haviam sido encaminhados juridicamente. Um conjunto de cinco guardas da Alfândega do Funchal, e.g., fora indiciado e preso “pelo crime de cumplicidade nas mortes e ferimentos feitos pela força militar dentro do templo de Machico” (A Revolução de Setembro, n.º 8416, Lisboa, 5 jul. 1870, 1). O despacho fora emitido pelo juiz da comarca oriental do Funchal, Cassiano Sepúlveda Teixeira, e os guardas não entendiam como podiam ser acusados de “crimes eleitorais e políticos” e de “crimes de violência contra membros da assembleia eleitoral” (Ibid.), quando o que estava em causa era uma série de mortes entre a população local, cujos autores tinham sido os soldados de Caçadores 12, como se queixam então os guardas António José Nunes, Jacinto Augusto Ferreira, Januário Esteves de Sousa, Augusto Celestino Lacerda e António Vieira. O visconde de Andaluz foi exonerado em poucos dias, por dec. de 14 de maio de 1870. Foi nomeado como governador do distrito do Funchal Afonso de Castro (1824-1885), que tomou posse a 19 desse mês de maio, mas que não estaria na Madeira senão oito dias, face a mais uma intentona militar do duque de Saldanha (1790-1876) em Lisboa. Poucos meses depois, e face ao insucesso das nomeações, D. João Frederico da Câmara Leme voltava a ocupar o lugar de governador civil. O 3.º visconde de Andaluz era bacharel em Direito e herdou o título de seu pai, Joaquim José dos Mártires de Santa Marta do Vadre de Mesquita e Melo (1806-1863), que o tinha recebido por doação de sua tia materna, Maria Bárbara do Vadre de Almeida Castelo Branco, viúva do 1.º visconde, António Luís Maria de Mariz Sarmento, dado do casamento não ter havido descendência. Embora tenha sido uma situação algo insólita, o 3.º visconde de Andaluz, um ano depois do falecimento do pai, conseguiu a confirmação do título por carta régia do D. Luís (1838-1889), de 17 de dezembro de 1864. Casou-se no Funchal com D. Ana Joaquina Figueira, filha dos barões da Conceição. Desse casamento houve quatro filhas, tendo-se a mais velha casado com o conde de Vila Verde, D. Pedro de Almeida e Noronha Portugal Camões Albuquerque Moniz e Sousa (1865-1908). A 4 dezembro de 1890, o 3.º visconde de Andaluz ainda seria nomeado governador civil de Santarém, lugar que ocupou até 2 de janeiro de 1892. Terá falecido cerca de 10 anos depois.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Direito e Política História Política e Institucional Personalidades

saraiva, d. joão antónio da silva

Nasceu a 20 de setembro de 1924, em Seia, e era filho de João dos Santos Saraiva e de Isabel Mendes da Silva. Do seu percurso académico destaca-se a licenciatura em filosofia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), em Roma, enquanto do seu percurso profissional se salientam os cargos de bispo titular de Mopta e auxiliar do arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro. Este conjunto de características fez dele um indivíduo pertencente à corrente que enforma a grande parte dos bispos do seu tempo. Assim, o facto de ter nascido em Seia coloca-o no ambiente que assistiu ao nascimento de boa parte dos bispos portugueses da altura, que eram, maioritariamente, originários dos distritos de Aveiro, Braga, Castelo Branco e Porto, ou seja, de localidades cuja religiosidade não se afasta da do seu distrito natal, a Guarda. A origem geográfica de D. João Saraiva é relevante na medida em que coincide com as zonas do país onde a catolicidade da população era mais intensa, o que se aferiu tendo em consideração o número de pessoas que frequentavam a missa. Uma nota discrepante encontra-se, porém, no facto de o prelado ser natural de uma zona urbana, por contraste com a esmagadora maioria dos bispos que exerceram funções entre 1910 e 1974 e que nasceram em localidades predominantemente rurais (88%). Outro fator a ter em conta na carreira de D. João Saraiva diz respeito à frequência da PUG, pela qual passaram 35% da totalidade dos 102 prelados que exerceram funções no período acima mencionado. Com efeito, ser aluno do dito estabelecimento de ensino, conhecido pelo seu “alto nível intelectual”, e entregue aos jesuítas, é um bom indicador no cursus honorum episcopal, tendo sido concebido como estratégia de “regeneração do clero português”, cujo estado de ignorância fora verberado por Leão XIII em encíclica que, a 14 de setembro de 1886, o papa dirigira ao clero nacional (MATOS, 1994, 333). Para remediar tal carência, o papa favoreceu a criação do Pontifício Colégio Português de Roma, a ser financiado em parte por bolsas de estudo, em parte pelas dioceses de onde os clérigos fossem oriundos. Este argumento, o económico, foi um dos vários apontados para justificar a pouca adesão dos jovens portugueses à saída do país para estudar, mas outros se lhe podem juntar. De entre estes, destaquem-se dois, sendo um o da carência de padres em território nacional, que impedia a licença para permanências longas no estrangeiro e outro a falta de vontade política, como aconteceu no caso do cardeal Cerejeira, que se mostrou relutante em autorizar as ausências de território nacional. Na realidade, esta postura era incentivada por Salazar, que temia os padres jovens “que vão a Roma estudar e de lá voltam com uma vontade louca de remexer na política” (Id., Ibid., 334). De qualquer modo, o convite para ser aluno da PUG ou de outra universidade eclesiástica pertencia sempre ao bispo da diocese de origem e era sempre sinal de distinção, correspondendo, igualmente, à indicação de que o estudante clérigo iria ser útil à igreja em Portugal. Entre os vários atributos importantes na ascensão ao estatuto episcopal conta-se o do exercício de cargos de direção em seminários, e este é um dos requisitos preenchidos por D. João Saraiva, que, ainda em Roma, se tornou vice-reitor do Pontifício Colégio Português, cumprindo, assim, aquele que era um elemento de peso no caminho para o episcopado. No que toca à interferência do governo do Estado Novo no processo de escolha dos bispos, sabe-se que, para Salazar “era importante ter uma palavra a dizer antes da nomeação dos bispos” (Id., Ibid., 359), pelo que o dito procedimento normalmente se inaugurava com uma nota do núncio apostólico em Lisboa, segundo as normas canónicas vigentes, a indagar a opinião do governo português sobre determinados nomes. Após essa notificação, dispunha o governo de um prazo de 30 dias para responder, sob pena de, não o fazendo, conceder o seu acordo tácito à proposta. A prova do interesse que o governo mantinha nesta questão é a que se conclui de o facto de nunca a indicação da nunciatura ter ficado por responder, sendo esta a confirmação de que os governantes portugueses não deixavam passar a oportunidade de se pronunciar. Obtida a concordância do governo, que se exprime pela utilização da fórmula de que não há “objeções” ou, segundo a versão expressa na concordata, de que não há “objeções de carater político geral”, o papa passa, então, a nomear o prelado em questão. Este procedimento é o que se tem de usar para prover lugares de bispo diocesano, mas já não é utilizado na nomeação de bispos auxiliares (embora fosse para os bispos coadjutores). De tudo isto se pode, pois, concluir que Roma se mantinha vigilante em relação ao que decorria nas dioceses portuguesas. Nesse lugar se encontrava o prelado quando, por determinação de Paulo VI, foi indigitado bispo da diocese do Funchal, tendo sido sagrado em Roma, na igreja de Santo António dos Portugueses, a 21 de novembro de 1965, mesmo no fim do Concílio Vaticano II (8/12/1965), e tomou posse do lugar, por procuração, a 23 do mesmo mês. A 16 de fevereiro de 1966, D. João Saraiva faz a entrada solene na diocese, sendo muito bem recebido não só por todas as autoridades, mas também por uma mole humana que enquadrou o cortejo episcopal desde a Pontinha até à igreja de S. João Evangelista, da qual passou à sé. No momento em que se dirigia aos seus diocesanos pela primeira vez, o bispo deixou claro que, apesar de estar ciente do interesse que todos teriam em conhecer o seu plano de trabalho, por enquanto, não podia ir além de “ver, observar e conhecer. O plano há-de nascer da própria vida” (PEREIRA, 1968, II, 459). Depois de algum tempo dedicado à perceção das grandes questões que o esperavam, meteu ombros à tarefa, que consistiu, sobretudo, na aplicação da doutrina e das orientações do muito recente Concílio Vaticano II à vida religiosa dos madeirenses. Sabendo-se que o concílio tinha insistido na renovação litúrgica, nomeadamente no uso do vernáculo a substituir o latim, e na renovação da catequese, muito havia a fazer nessa matéria, relativamente à qual é passível de se observar a intervenção episcopal, p. ex., nos cuidados prestados à formação sacerdotal. Neste âmbito, D. João Saraiva fez com que os alunos de teologia fossem para Lisboa frequentar a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, aberta em novembro de 1968, acompanhados pelo padre doutor Sidónio Gomes Peixe (Seminário). D. João teve uma grande ação na promoção das conferências eclesiásticas, destinadas aos sacerdotes de cada arciprestado, que se tornaram espaços de formação de um clero que urgia atualizar. Disto mesmo se regista testemunho em artigo da imprensa regional, que na passagem do primeiro ano do episcopado salientava que esse espaço de tempo tinha sido devotado, especialmente, às questões da formação de leigos e da formação sacerdotal. Através do Presbitério, órgão informativo da diocese que se publicou pela primeira vez em 1967, pode-se ficar a saber em que outras atividades se empregou D. João Saraiva, sempre com o intuito de adaptar a vida diocesana às novas exigências decorrentes do concílio: trabalhou na área da música e da arte sacras, pois a isso apelava o Vaticano II, quando reformava a liturgia; promoveu atividades extraescolares, para o que sensibilizou os professores primários dos diversos concelhos, através de encontros de pedagogia catequística; incentivou o escutismo, o desporto, a Ação Católica feminina e a Juventude Agrária feminina; regulamentou as novas possibilidades abertas pelo concílio e concernentes à transmissão radiofónica de cerimónias religiosas; e, finalmente, organizou o Secretariado diocesano da catequese, e reformulou a docência no seminário. Outra das vertentes em que D. João Saraiva investiu tempo e recursos foi a do início da construção de várias das igrejas paroquiais, que era mister edificar depois da profunda reforma operada pelo seu antecessor, o que redundara na criação de 51 novas circunscrições (Paróquias). Com todas estas múltiplas atividades se comprometeu D. João Saraiva durante o breve, mas intenso episcopado que protagonizou à frente dos destinos da diocese do Funchal, o qual terminou em 1972, ano em que foi nomeado bispo de Coimbra pelo papa Paulo VI, vindo a falecer subitamente aí, a 3 de abril de 1976.   Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 15.02.2018)

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