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portão dos varadouros

Antiga entrada da cidade, o portão foi construído em 1689, no tempo do governador D. Lourenço de Almada, na muralha defensiva do Funchal. A partir do séc. XIX, sobretudo quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, foi perdendo progressivamente o interesse. Foi demolido, entre abril e maio de 1911, na sequência da implantação da República e das questões de poder entre os novos e os velhos grupos de republicanos. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Palavras-chave: defesa; muralhas; República; anticlericalismo.   O portão dos Varadouros, antiga entrada da cidade, foi construído em 1689, no tempo do Gov. D. Lourenço de Almada (1645-1729) e encerrou aparatosamente a muralha defensiva do Funchal. Deixou de ter interesse, progressivamente, a partir dos inícios do séc. XIX, sobretudo dos meados da centúria, quando a entrada da cidade passou para junto do palácio e fortaleza de S. Lourenço, na sequência das obras do cais regional. Com a implantação da República e as questões de poder entre os novos e os velhos grupos republicanos, foi demolido, entre abril e maio de 1911. Acabou por ser reposto no mesmo local, quase 100 anos depois, em setembro de 2004, no quadro do início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita O regimento de fortificação de 1572, logo após o preâmbulo, definia muito concretamente a espessura das muralhas, a maneira de as fazer (de forma a resistirem ao clima marítimo) e o número de portas que a cintura deveria ter (Muralhas da cidade). Assim, o número de portas estabelecido era cinco: duas para serventia do mar, entre a fortaleza existente e a da Pç. do Pelourinho, e três para serviço da cidade, uma junto à ponte de N.ª Sr.ª do Calhau, outra junto às casas de Gaspar Correia, a poente da fortaleza, e a última junto a S. Paulo, na entrada da R. da Carreira, por onde haviam surgido os corsários franceses. O regimento remata com a indicação: “E não haverá mais portas” (ARM, Câmara..., Registo Geral, tombo 2, fl. 140v.). A muralha estaria sumariamente levantada na primeira metade do séc. XVII, com as portas indicadas em cima. Citando o cronista Gaspar Frutuoso, por volta de 1590, “no muro da banda do mar tem uma porta de serventia, junto de Nossa Senhora do Calhau, e outra, mais no meio da cidade, junto dos açougues, e outra, que é a mais principal, aos Varadouros, defronte da rua dos Mercadores” (FRUTUOSO, 1968, 111), mais tarde, da Alfândega. Mas nem a muralha nem a porta estavam prontas, concluindo-se quase 100 anos depois. Ao longo da segunda metade do séc. XVII, terminou-se, com dificuldade, o troço da frente mar da muralha, entre as fortalezas de S. Filipe do Lg. do Pelourinho e de S.to António da Alfândega (Reduto da Alfândega). Embora ao longo desse século vários governadores e provedores da Fazenda, como António Nunes Leite (em referência ao ano de 1621), escrevessem que “toda a cidade estava murada” (ANTT, Corpo Cronológico, parte I, mç. 118, doc. 151), a verdade é que não foi bem assim. O espaço compreendido entre as fortificações mencionadas, onde se situava o cabrestante, os açougues e o mercado municipal de peixe, não possuía muro de defesa na verdadeira aceção da palavra. A muralha era então constituída pelos muros das próprias casas, com uma ou outra obra mais ou menos improvisada, como se veio a afirmar. Com efeito, em carta enviada em 1664 pelo provedor Ambrósio Vieira de Andrade, considerando o emprego do dinheiro atribuído às fortificações, o autor refere que quando o Gov. Diogo de Mendonça Furtado (c. 1620-c. 1680) chegara ao Funchal, em 1660, não havia muralha alguma na frente mar, tendo-se até enviado um rascunho do que deveria ser feito para Lisboa, documento que não chegou até nós. Portão dos Varadouros. Arquivo Rui Carita Não sabemos qual foi a resposta enviada ao pedido de 1664, pois só temos informações a esse respeito mais de 20 anos depois. Com efeito, em setembro de 1688, a corte insistiu para que fossem concluídos os “fortes e com boa posição” (ANTT, Provedoria..., liv. 968, fl. 61), iniciando-se então as obras, sob o Gov. João da Costa de Brito (c. 1640-c. 1700), com a indicação de que fossem auscultados os oficiais de guerra mais práticos no assunto. Nesse documento, foi ainda feita uma chamada de atenção para os vários redutos e plataformas que necessitavam de reparo e outros elementos que poderiam precisar de ser revistos ou totalmente reconstruídos. Durante a vigência do governador seguinte, D. Lourenço de Almada, houve uma nova insistência de Lisboa no sentido de se concluírem as intermináveis obras da fortificação do Funchal. Terá sido neste contexto que, em março de 1689, certos técnicos continentais aportaram à cidade: o Cap. de engenheiros António Rodrigues Ribeiro e um ajudante, o estudante de engenharia Manuel Gomes Ferreira, que completaram finalmente a muralha da frente mar da cidade e construíram um portão dentro do gosto maneirista internacional, justamente, o portão dos Varadouros. Este portão representa um certo empolamento para a cidade do Funchal, embora tenha um desenho muito simples, em comparação com os inúmeros portões congéneres levantados por essa época nas praças-fortes continentais. Apresenta dois pares de colunas meias-colunas de cada lado da porta, esta com um arco de volta perfeita e as armas do Funchal ao centro; tem ainda cornija e um largo frontão redondo, encimado pelas armas reais. Sob estas, encontra-se uma inscrição em latim: “Perfecta haec varii praefecti / maenia frusta, praeteriti cu / piunt tempore quisque suo, sed / domino Laurentio ea est seruata / voluptas. D. Almada qui istud fi / ne coronat opus. Anno 1689”, que pode ser traduzir por: “Cada um dos antecedentes governadores de balde se esforçou por concluir estas muralhas; ao senhor Lourenço de Almada estava reservada a satisfação da sua conclusão. Ano de 1689” (SILVA e MENESES, II, 1998, 467). Portão dos Varadouros, 1909. Arquivo Rui Carita O Elucidário Madeirense indica que era por este portão que os governadores e prelados faziam a sua entrada solene na cidade e que tal cerimónia se “revestia sempre de extraordinário luzimento, com a presença do elemento oficial, todas as tropas da guarnição, as pessoas mais gradas da terra, o clero, fidalgos, cavaleiros e muito povo” (Id., Ibid., 468), algo repetido depois por outros autores. Não encontrámos, no entanto, registo coevo de tais cerimónias, nomeadamente na correspondência dos governadores e dos bispos alusivas à sua chegada à Ilha. Assim, a terem acontecido nos moldes descritos, terão sido entradas de carácter excecional. Com a implantação da República, o portão foi alvo de complicada polémica, pretendendo os mais novos a sua demolição imediata, alegando a necessidade de limpeza da área. Efetivamente, grassava na cidade uma epidemia de cólera, mas as razões para esse ato iconoclasta eram essencialmente políticas. O portão ostentava as armas reais e possuía, em anexo, uma pequena capela dedicada a N.ª Sr.ª do Monte dos Varadouros, tudo elementos que os republicanos mais novos queriam fazer desaparecer rapidamente. Os mais velhos, como era o caso do Gov. civil Manuel Augusto Martins (1867-1936), aconselhavam alguma contenção, mas, entre abril e maio de 1911, na preparação das primeiras e polémicas eleições republicanas, efetuadas a 28 de maio daquele ano, o portão foi demolido. As pedras foram guardadas nas arrecadações camarárias, transitando depois para as arrecadações do palácio de S. Pedro (Palácios) e, mais tarde, para o parque arqueológico do Museu Quinta das Cruzes. O recheio da capela, com o retábulo e a imagem de N.ª Sr.ª do Monte, foi entregue à Sé do Funchal, encontrando-se a capela remontada na antiga sacristia desta Catedral, sob a sua torre sineira (Sé do Funchal). Rua da Praia e Varadouros. Arquivo Rui Carita A ideia de remontar o portão foi ensaiada várias vezes pela Câmara Municipal do Funchal, tendo-se iniciado o estudo da recolocação dos materiais e executado os desenhos prévios em junho de 1993. O projeto levantou então alguma polémica, pelo que, somente em setembro de 2004, em parceria com entidades privadas, foi levada a cabo a remontagem, no âmbito e no início das celebrações dos 500 anos da cidade do Funchal.     Rui Carita (atualizado a 18.02.2018)

Património

silbert, albert

Historiador francês, nascido em 1915, que desenvolveu de forma pioneira vários estudos sobre a história contemporânea de Portugal, a qual teve uma destacada importância na nova geração de historiadores portugueses que despontaram nas décs. de 60 e 70, como foi o caso de Miriam Halpern Pereira. Nesta fase, há uma grande ligação da história das ilhas e do mundo atlântico à historiografia francesa. Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II (1949), que, às ilhas, foi atribuída uma posição-chave na vida do oceano Atlântico e do litoral dos continentes. Foram, na verdade, os franceses que, a partir dos anos 40, deram um impulso decisivo à história do espaço atlântico. Segundo Pierre Chaunu, foi ativa a intervenção dos arquipélagos da Madeira, das Canárias e dos Açores – o “Mediterrâneo Atlântico” – na economia europeia dos sécs. XV a XVII. Para além desta valorização do espaço atlântico, temos uma chamada de atenção para os estudos de história contemporânea, em que a figura de Albert Silbert foi central com as suas teses de 1966: a dissertação complementar sobre Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (publicada em 1968) e a tese sobre Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (publicado em 1978). A ligação de Albert Silbert à Madeira começou já em 1949, através da apresentação do trabalho de Orlando Ribeiro no Congresso Internacional de Geografia, realizado em Lisboa. É na sequência disso que apresenta, em 1954, ano em que publica o seu ensaio sobre a Madeira, uma breve nota sobre a publicação de Orlando Ribeiro, dando a entender a sua passagem pelo Funchal no intervalo de tempo que medeia o congresso e a publicação do texto nos Annales. O presente ensaio, que cobre o período de 1640 a 1820, pretende clarificar o papel da Madeira no emaranhado de relações que se estabelecem no espaço atlântico. O ponto de partida, tal como o autor refere, são os relatórios dos cônsules franceses, aos quais junta dados de documentos do Arquivo Histórico Ultramarino e do British Museum. A documentação do consulado reporta-se ao período de 1671 a 1793 e revela-se fundamental para saber dos interesses franceses nestas paragens. O estudo, embora hoje em dia seja visto com algumas reticências por certos historiadores e estudiosos madeirenses, continua a ser uma referência no âmbito dos trabalhos que envolvem, de forma clara, a Madeira nos mundos gerados pelo oceano atlântico a partir do séc. XVII, nos quais se articulam várias formas de expressão do poder do mar e dos impérios. Em 1954, a propósito da intervenção de Orlando Ribeiro no Congrès International de Géographie de 1949 sobre a Madeira e da publicação que se lhe seguiu em livro, aproveita para fazer um breve apontamento sobre a Ilha, destacando múltiplos aspetos relativos ao turismo e à história. Assim, nos Annales, considera que “a sua reputação de paraíso terrestre parece merecida”, concluindo que “a Madeira, ilha atlântica, deve tudo à circulação oceânica. As produções da ilha não suscitaram o tráfego deste espaço, antes foi o tráfego atlântico que fez a Madeira, foi ele que, em particular, permitiu o desenvolvimento da vinha” (SILBERT, 1954, 516). Atente-se que esta informação é depois utilizada no artigo que fez publicar sobre a Madeira nos referidos anais do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Não podemos esquecer que foi ele quem abriu as portas da investigação sobre a ilha a outro francês, Frederic Mauro, que, na déc. de 60, volta a seguir os mesmos caminhos de valorização da Madeira no espaço atlântico, mas, desta feita, escudado com a documentação disponível nos arquivos locais. Por força da criação do arquivo distrital em 1949, esta oferecia aos investigadores nacionais e estrangeiros um campo de investigação inexplorado que, felizmente, mereceu os estudos que conhecemos. Obras de Albert Silbert: Le Problème Agraire Portugais des Temps des Premières Cortes Libérales (1968); Le Portugal Mediterranée a la Fin de l'Ancien Régime (1978).       Alberto Vieira (atualizado a 30.12.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional História da Educação

rocha, vitúrio lopes

Vitúrio Lopes Rocha nasceu no Funchal a 5 de setembro de 1752, doutorou-se em matemática no dia 24 de dezembro de 1777 e foi lente de geometria na Universidade de Coimbra. Lecionou as cadeiras de álgebra, em 1779, enquanto substituto extraordinário, e de cálculo, entre os anos de 1780 e 1783, na função de substituto, tornando-se, posteriormente, lente de geometria, função que exerceu entre 1783 e 1795, ano da sua jubilação (a 27 de março). Ocupou o cargo de vereador do Corpo da Universidade (a 27 de março de 1792), o de comissário delegado e visitador das escolas menores da ilha da Madeira (em 1800) e o de comissário da Junta da Diretoria-Geral dos Estudos e Escolas Menores do Reino. Entre os seus escritos, contam-se a sua tese e o manuscrito Sobre os Serviços Prestados pela Astronomia. Obras de Vitúrio Lopes Rocha: Theses ex mathesi universi quas confecto quinquennali studiorum curriculo publice intra diei spatium ad Doctoris Lauream in Conimbricensi Gymnasio obtinendam praeside Josepho Monteiro da Rocha ... proponit Victurius Lopes Rocha (1777); Sobre os Serviços Prestados pela Astronomia (1777).   Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 17.12.2017)

História da Educação Matemática

lopes, carlos marinho

Professor, poeta e jornalista, nasceu na freguesia de São Pedro, Funchal, a 3 de março de 1896 e faleceu, com apenas 43 anos, no Funchal, na casa da R. da Conceição onde residia, no dia 12 de maio de 1939. Os seus pais eram Manuel Joaquim Camacho Lopes e Matilde Firmina Lopes. Formou-se na Escola de Habilitação para o Magistério Primário, a 1 de agosto de 1919, tornando-se professor do ensino primário. Falava corretamente inglês e francês. Na Madeira, foi docente nas freguesias de Tabua, de 1923 a 1924, Santa Maria Maior, em 1931, Serra d’Água, de 1931 a 1934, Camacha, em 1934, Ribeira Brava, em 1927, e Santa Cruz, em 1935. Ainda deu aulas de Inglês, Francês, Escrituração e Contabilidade. Foi fundador, diretor e professor do Colégio Marinho Lopes. Enquanto professor primário, Carlos Marinho Lopes recebeu um louvor da Câmara Municipal da Ribeira Brava, em 1927, pelo sucesso dos alunos por si propostos a exame, e outro da Câmara Municipal de Santa Cruz, em 1935, por ter fundado naquela freguesia um museu e uma biblioteca. Foi membro de uma tertúlia constituída por Octávio de Marialva, Albino de Menezes, Manuel Fernandes Rosa e Abel de Abreu Nunes, entre outros. Foi também cofundador, em 1920, com Horácio Bento Gouveia, Álvaro Favila Vieira, João Pestana Ferreira, Álvaro Manso, Manuel Ferreira Rosa e José Maria de Conceição Carvalho do quinzenário académico Os Novos. Foi um renomado escritor em prosa e em verso. Colaborou assiduamente no Diário da Madeira, onde dirigiu, a partir de 1 de janeiro de 1928, a “Gazeta infantil”. Escreveu também no Diário de Notícias e noutros jornais da Região, recorrendo aos pseudónimos Carlos do Mar, Príncipe Carlos e Príncipe Carlop. Do conjunto de textos publicados na imprensa, é de destacar a conferência “O teatro” que apresentou na Escola de Arte de Representar, de que foi diretor, e que foi publicada nas edições do Diário da Madeira de 24 e 31 de outubro, 7, 22 e 28 de novembro e 5 de dezembro de 1928. Publicou os livros Pensamentos e Blagues (Funchal, s.n., 1927), que pode ser consultado na Biblioteca Municipal do Funchal, A Galera (Funchal, Livraria Popular, 1927), que pode ser lido na mesma Biblioteca, e O Triunfo (1927), novela de que não possuímos mais informações para além da data. Segundo Luís Marino, o autor terá deixado inéditas as obras Flama (novela), Transviado, Claridades e Carta do Além. A crítica considerava-o um autor moderno, possuidor de um elevado sentido estético e de uma curiosa sensibilidade. Os seus textos em prosa eram elogiados pela sua beleza e poder de imaginação. Por ocasião da sua morte, a 12 de maio de 1939, o Diário da Madeira mostrou o seu pesar e exaltou o carácter e brilhantismo de Carlos Marinho Lopes – que, antes de morrer, exercia as funções de professor da escola do sexo masculino da Camacha e mantinha nessa cidade, à noite, um curso de lecionação de instrução primária e secundária, e de contabilidade. Obras de Carlos Marinho Lopes: A Galera (1927); Pensamentos e “Blagues” (1927); O Triunfo (1927).     António José Borges (atualizado a 14.12.2017)

História da Educação Literatura

livrarias

A existência de livrarias, com espaço físico ou virtual, e a facilidade no acesso ao livro, em termos de preço e disponibilidade no mercado, bem como a vulgarização do livro nas estantes das livrarias e bibliotecas pessoais é uma realidade tardia. Inicialmente, as bibliotecas (designadas de livrarias) eram institucionais. Só as famílias mais destacadas tinham lugar na sua casa para uma biblioteca, uma vez que a maioria da população não dispunha de condições para ter um espaço dedicado a essa função ou, tão-pouco, para comprar um livro. Note-se que em 7 de agosto de 1815, quando Napoleão Bonaparte escalou o Funchal a bordo do HMS Northumberland, a caminho de Santa Helena, o cônsul geral de Inglaterra, Henry Veitch, o visitou para lhe oferecer vinho, livros e fruta fresca. Também, mais tarde, Isabella de França, uma Inglesa casada com um morgado madeirense, que visitou o Funchal em 1853, refere a presença de livros em algumas casas, onde pareciam funcionar como elementos de decoração. Assim, numa visão geral das casas visitadas, refere: “Sobre as mesas encontram-se livros ricamente encadernados, porcelana francesa e outros adornos, entre os quais não faltam jarras de flores delicadas” (FRANÇA, 1970, 67). Sabemos que os livros faziam parte da bagagem dos viajantes, pois Isabella de França testemunha a presença destes no seu baú, entre roupa e outros objetos. Maria Clementina (1803-1867), freira do Convento de S.ta Clara e filha de Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcellos e de sua mulher, Ana Augusta de Ornelas, tinha em seu poder uma coleção de livros. Fanny Anne Burney, no jornal que escreveu em 1838 e que só publicou em 1891, refere que a freira era detentora e leitora de obras de Racine, de Corine, de M.me de Stael, da tradução francesa de Abbot de Walter Scott, das Maximes de Chateaubriand, de Paulo e Virgínea, e de Génie du Christianisme. Até ao aparecimento da imprensa, a circulação do livro fazia-se através de cópias entregues a copistas especializados de instituições como conventos. Na Madeira, só com a publicação, em 1821, do jornal O Patriota Funchalense se registou a primeira tipografia, sendo a atividade exclusiva desta a edição de jornais. O primeiro livro que terá sido editado na Ilha foi Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, com as anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, em 1873, na Tipografia Funchalense. Por outro lado, não podemos esquecer o controlo da edição de livros que existiu em Portugal, primeiro pela Inquisição e depois por ordem política, que condicionou a circulação de livros. O livro era um produto raro e quase só estava disponível em bibliotecas, ou livrarias, de instituições. Conhecemos a importância das livrarias dos conventos, nomeadamente da livraria do Colégio dos Jesuítas, e da livraria da Escola Médico-Cirúrgica, no Funchal. Também podemos assinalar algumas bibliotecas privadas de instituições industriais, como a de Hinton, ou de técnicos especializados, como João Higino Ferraz, que tinham necessidade de obras especializadas de âmbito científico e que encomendavam, por interposta pessoa, livros editados em França e Inglaterra. Mas, na segunda metade do séc. XIX, a realidade madeirense começa a mudar, de forma que José Silvestre Ribeiro refere as livrarias do Paço Episcopal, dos conventos, do Seminário e da Câmara. Ademais, a tradição dos clubes privados e das associações conduziu à valorização da leitura com a disponibilização de livros. Assinale-se o Clube Inglês, onde se anuncia, com muita pompa, a disponibilidade de uma sala de leitura que vinha colmatar as necessidades de lazer dos súbditos britânicos de passagem. Note-se que os Ingleses insistiam nas carências culturais da cidade funchalense, apontando a falta de teatro, cafés e livrarias, como sucede com Emiline Stuart Wortley, em 1854. A venda de livros na Madeira parece ter começado através do comércio a retalho em lojas, mercearias e bazares, onde se vendia tudo. O comércio por miúdo de produtos em lojas especializadas é uma realidade do séc. XX. Mais tarde, vamos encontrar a venda de livros associada às tipografias em geral, às tipografias especializadas e à publicação de jornais, através de anúncios que publicitavam os locais de assinatura das publicações que apareciam em fascículos, a saber, algumas lojas de referência na cidade, que tinham representações das editoras de Lisboa. Em 1850, John Driver estranha a ausência de livrarias no Funchal, afirmando: “There is no literature – no bookseller's shop – on the whole Island; although a few books may be had in other shops, but very few [Não há literatura – não há nenhuma livraria – em toda a Ilha; embora se possa comprar um ou outro livro noutras lojas, mas muito poucos]” (DRIVER, 1850, 381-382). Dennis Embleton confirma esta ausência de livrarias e conclui: “The want of booksellers' shops is a sure sign of the backwardness of education among the people, and it is a great inconvenience to visitors [A ausência de livrarias é um sinal evidente do atraso educativo do povo, e um grande inconveniente para os visitantes]” (EMBLETON, 1862, 36). Em 1868, Gomes Leal esteve no Funchal e, numa das suas missivas, referiu uma biblioteca na Madeira “que o deixou atónito. Era muito cheia de livros de Jesuítas e, entre eles, um Dicionário Universal composto de 200 volumes. É a coisa mais curiosa que tenho visto” (NEPOMUCENO, 2008, 41). Ainda na mesma data, vemos António Nobre dizer que, na sua viagem para a Ilha, ia carregado de livros: “levo livros, muitos livros e o ‘Regresso’ para o completar: desta vez sempre irá” (NEPOMUCENO, 2008, 50). Em 1885, a situação persiste, afirmando J. Y. Johnson que: “A private library is a thing unheard of, and there is not a Portuguese bookseller's shop on the island. Some of the shopkeepers, it is true, keep books on their shelves, hut they are very few in number and chiefly works of religious devotion [Não há bibliotecas particulares, nem existe uma livraria portuguesa na Ilha. É verdade que algumas lojas vendem livros, mas são muito poucos e são essencialmente obras de devoção]” (JOHNSON, 1885, 55). Por tradição, se os leitores da Ilha não importassem os livros do continente e do estrangeiro, tinham de se sujeitar ao regime de assinaturas, que operava apenas com as publicações mais vulgarizadas. Em 1882, O Crime de Alberto Didot, por exemplo, poderia ser comprado mediante assinatura, que poderia ser feita no Funchal, nas lojas Nova Minerva, Camacho & Irs. e Camisaria Central. Já a assinatura da História de Portugal de Manuel Pinheiro Chagas poderia ser feita diretamente no jornal que publicava o respetivo anúncio. No entanto, em 1877, o Diário de Noticias refere que o Bazar Camacho e Irs. já vende livros e que a Casa Camacho e Carregal tem disponível o Almanach das Senhoras para o ano de 1878. As razões que explicam o facto de o livro ser um produto pouco comum na sociedade madeirense e de ser rara a sua venda em lojas são o elevado custo das publicações e o problema do analfabetismo, que chegou, em parte, ao séc. XXI. A paulatina vulgarização do ensino levou à necessidade de livros escolares e abriu caminho para um potencial de leitores. Assim, em 1889, a Gramática de Língua Portuguesa de João de Nóbrega Soares, que apresentava maior procura, vendia-se em diversos estabelecimentos no Funchal. Já o livro de J. C. Faria, O Archipelago da Madeira, tinha um depósito geral na casa Dilley no Funchal. A déc. de 80 do séc. XIX, marca, portanto, uma mudança de atitude em relação à venda dos livros. As publicações que eram vendidas, quase sempre através de anúncio de jornal, passam a dispor de livrarias e de vários estabelecimentos de depósito de livros. O Funchal passa a ter uma loja especializada para a sua venda. Surge, assim, em 1886, a Livraria e Tipografia Esperança, que perdurou como espaço exclusivo para a venda de livros. Em 1914, esta livraria com projeção nacional mudou-se para a R. da Alfândega e, em 1938, para a R. dos Ferreiros. Em 1973, instala-se definitivamente no número 119 da R. dos Ferreiros, com um stock de 12.000 livros diferentes. Em 1991, a continuidade da livraria foi assegurada com a criação da Fundação Livraria Esperança, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) declarada como sendo de utilidade pública. Passados cinco anos, ampliou-se o espaço de exposição com a aquisição de um prédio que serve de anexo, com uma área de 1200 m2 e mais de 96.000 livros expostos. A partir do séc. XX, começam a surgir novas livrarias, o que quer dizer que o livro, como produto de venda, tem cada vez mais clientes. Assim, em 1906, temos a livraria Funchalense e, em 1907, a livraria Escolar de Polonia & C.ª. O Almanac Madeirense para 1909 apresenta publicidade ao Bureau de la Presse de J. M. da Rosa e Silva, um quiosque da época sito à Pç. da Constituição, onde se vendia: “livros Nacionais e estrangeiros aos preços das casas editoras – sempre as últimas novidades literárias!” (Almanac de Lembranças Madeirense para 1909, 1908). Em 1910, o Roteiro do Funchal de A. Trigo apresenta as seguintes papelarias e livrarias: Antonio d’Andrade, R. dos Ferreiros, 24 e 26; Bazar do Povo, R. do Bettencourt, 1 a 21; Coelho, Irs., Lg. da Sé, 4; livraria Escolar, R. Camara Pestana, 14; livraria Funchalense, R. do Bispo, 25 a 35; Loja Dilley, R. do Aljube, 13 e 15; Minerva Phenix, R. do Príncipe, 53; Nova Minerva, R. da Alfandega, 45. Já o almanaque ilustrado de 1913 refere em anúncio a livraria Popular de José Eduardo Fernandes na R. de João Tavira, que vende “grande variedade de quinquilharias, vidros, objetos para escritório, livros de estudo e objetos de culto religioso” (1913 – Almanach Ilustrado do Diário da Madeira, 1912). Mesmo assim, Charles Thomas-Stanford, no mesmo ano, fica com a imagem de uma terra que não é de amantes de livros, pela sua raridade: “Book-lovers will deplore the booklessness of the town – which does not boast a bookseller of any sort [Os amantes dos livros não deixarão de lamentar que se trate de uma cidade sem livros – uma cidade onde não existe uma única livraria]” (THOMAS-STANFORD, 1910, 201). No séc. XXI, o Funchal, para além destas livrarias, dispunha de outras com menor dimensão, sendo de destacar as livrarias Bertand, FNAC e Worten. Todavia, devemos salientar que o conceito de livraria corre o perigo de se perder com a assimilação por parte dos espaços de venda de produtos variados, como é o caso da livraria FNAC, que está incorporada numa loja de artigos eletrónicos e eletrodomésticos, e das livrarias dos supermercados, nomeadamente da marca Continente e Pingo Doce. O Funchal contava ainda com a Fundação Livraria Esperança, a Julber papelaria e livraria Lda, a Leya SA, e a livraria Papel e Caneta. Por tradição, as lojas especializadas em serviço de papelaria, como a livraria Figueira, a papelaria Condessa, a papelaria do Colégio e o Bazar do Povo, tinham serviço de venda de livros. A livraria Figueira viria a desaparecer. A papelaria Condessa e o Bazar do Povo cessariam o serviço de venda de livros. Apenas a papelaria do Colégio manteria uma diminuta secção de livros Por outro lado, as instituições oficiais dispõem de expositores e de serviço de vendas de publicações tanto num regime material como num virtual, pela Internet. Assim, a Direção Regional de Cultura apresenta, na R. dos Ferreiros, os livros publicados pela extinta DRAC e pelo Arquivo Regional da Madeira; já o Centro de Estudos de História do Atlântico tem, na R. das Mercês, um expositor e serviço de vendas. Também a Câmara Municipal do Funchal apresenta, no átrio do Teatro Municipal, o seu Serviço de Publicações. Com orientação definida em termos das publicações, deveremos referir a Paulinas Multimédia, que existe no Funchal. Esta livraria dedica-se a publicações de carácter religioso. Podemos referir ainda a livraria Inglesa, que funcionava em diminuto espaço do Pateo Photographia Vicentes e que tinha um serviço especializado de venda de publicações em inglês. Num âmbito especializado da banda desenhada, merece, por fim, referência a livraria Quinta Dimensão, criada em setembro de 2004, que se transformou num polo de divulgação de banda desenhada. Ainda no âmbito do mercado livreiro, não podemos esquecer a realização dos festivais literários e das feiras do livro, organizadas, desde 1975, pela Câmara Municipal do Funchal, que sempre foram um espaço de divulgação e de contacto do público com o livro.     Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2017)  

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

quinta vigia

A área da grande plataforma sobre a baía do Funchal, em frente aos pequenos ilhéus do porto, onde João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471) e a família se instalaram, foi registada, logo nos meados do séc. XV, pelo primeiro capitão do Funchal, e parte desses terrenos foram aforados depois, pela capitoa viúva D. Constança Rodrigues, em 1484, para subsistência da sua mercearia de Santa Catarina. Pouco sabemos sobre construções na área dos Ilhéus, designação geral advinda dos ilhéus do porto, não registando a planta de Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), em 1567, especiais obras na área, aí nomeada “terras de pão” e com uma edificação no local da futura quinta, mas que poderá indicar somente uma estrutura de apoio agrícola. Poucos anos antes, em 1563, procedera-se à medição dos bens da capela de Santa Catarina, instituída pela capitoa viúva, sem fazer referência a qualquer edificação, mas informando que os terrenos estavam plantados “todos de vinho” e aforados a António Rebelo de Lima (ARM, Juízo..., Capela de Constança Rodrigues, a Velha, cx. 15, proc. 4), embora, pela planta referida, saibamos que depois viessem a estar “de pão” (BNB, cartografia, 1090203). Uma propriedade nesta área é depois mencionada, em 1661, como pertencendo ao sargento-mor do Funchal, Diogo da Costa do Quental (1619-1669) e sua mulher, D. Mécia de Vasconcelos (1608-1692), localizando-se acima de Santa Catarina e do “serrado das Amoreiras” de D. Sancho de Herédia (ABM, Juízo..., t. 1, fls. 276v.-277v.). Em abril do ano seguinte, o sargento-mor e a mulher obtinham a instituição da capela de N.ª S.ª das Angústias e Almas, “cita na sua quinta aos Ilhéus”, podendo celebrar ofícios divinos nesse templo que tinham “dotado com dois mil réis cada um ano de foro” (APEF, Alvarás de..., liv. 1, fl. 33); a autorização fora passada pelo deão, doutor Pedro Moreira (c. 1600-1674) (Sedição de 1668). Pelo testamento do sargento-mor, de outubro de 1668, alguns bens ficaram vinculados ao morgado perpétuo instituído nas Angústias com o encargo de duas missas rezadas “todas as semanas do mundo”, na capela, sendo nomeado herdeiro o sobrinho Diogo Valente do Quental. D. Mécia faleceu um ano depois, onerando a capela com mais uma missa aos domingos e nas nove festas da Virgem, tendo designado como herdeiro também um sobrinho, Jorge de Andrade de Vasconcelos (c. 1630-1692). Dada a obrigação de se celebrarem duas missas por semana, muito provavelmente, datam da déc. de 60 do séc. XVII o retábulo e a imagem de vulto de N.ª S.ª da capela das Angústias, atribuíveis à oficina de Manuel Pereira (c. 1605-1679), autora, na década anterior, do camarim da sé do Funchal. O edifício passou por obras sucessivas nos anos seguintes; a tela do camarim deve ser ligeiramente mais recente, mas estes elementos principais devem datar dessa outra época. Com o falecimento de Jorge de Andrade de Vasconcelos, sem descendência, ficaram herdeiras as suas irmãs, também sem filhos, Beatriz de Menezes, Bernarda de Vasconcelos e Serafina de Andrade e Vasconcelos, pelo que, por testamento da última, aprovado a 12 de maio de 1702, foi nomeado herdeiro um sobrinho, um dos maiores proprietários da época, o morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt (1644-1717), casado com Guiomar de Sá (1654-1682), e embora Serafina de Andrade e Vasconcelos só viesse a falecer a 10 de dezembro de 1709. O morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt, “o Novo”, era senhor de avultados bens e deve ter assumido alguns encargos ainda em vida da sua tia Serafina, o que se coaduna com a aprovação do testamento em que é nomeado herdeiro, alguns anos antes do falecimento da mesma. A capela de N.ª S.ª das Angústias foi remodelada entre a última década do séc. XVII e os primeiros anos de Setecentos, sendo o interior dotado de um lambrim de azulejos com cenas da vida de S.to António de uma oficina de Lisboa próxima da de Gabriel del Barco (1648-c. 1708). Do começo do séc. XVIII é a execução do frontal de altar a imitar embutidos marmóreos, obra de Carlos Braunio, provavelmente, um frade franciscano italiano dos arredores de Milão, de Braunio, que terá estado no convento de S. Francisco do Funchal e que deixou na Madeira um frontal semelhante, assinado e datado de 1709, hoje na capela da Consolação, na R. da Levada de Santa Luzia, mas proveniente daquele convento. A importância da capela na família está patente no batizado da neta Inácia Maria Rosa de Sá Vilhena, em 1710, vindo esta quarta filha do futuro morgado Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt (1681-1741) e de sua mulher D. Mariana Inês de Vilhena (c. 1680-1755) a casar-se com o capitão-mor Mendo Brito de Oliveira (Ordenanças e Vilhena, D. Guiomar). Nos primeiros anos do séc. XVIII a capela foi, assim, reabilitada. Foram reaproveitados para a fachada, provavelmente, elementos da construção anterior, devendo-se ter procedido também a trabalhos nas casas anexas, para norte, onde poderão ter habitado as irmãs Beatriz de Menezes, Bernarda de Vasconcelos e Serafina de Andrade e Vasconcelos. As obras e a propriedade efetiva da capela e do morgadio das Angústias só passaram para os Bettencourt de Vasconcelos em 1710, pois D. Serafina de Andrade e Vasconcelos faleceu a 10 de dezembro de 1709, como dissemos, e não consta que os netos do anterior proprietário tivessem sido ali batizados. Infelizmente, as complexas obras que foram efetuadas no edifício, no seu lado norte, durante o século seguinte, quando serviu de apoio aos serviços de instalação de algumas das mais importantes figuras da aristocracia europeia, na parte localizada a sul, impossibilitam uma análise mais aprofundada do imóvel. Quinta Vigia - Illustrated News. 1870. Arq. Rui Carita O morgado Francisco de Vasconcelos Bettencourt faleceu a 4 de outubro de 1717 e os seus bens passaram para o filho, Francisco Luís de Vasconcelos Bettencourt, um dos mais ativos fidalgos e comerciantes do seu tempo, que, falecido a 29 de novembro de 1741, deixou como herdeiros a mulher D. Mariana de Vilhena e os filhos. D. Mariana Inês de Vilhena faleceria em 1755 e, cerca de 10 anos depois, o único filho varão, João José de Vasconcelos Bettencourt (1715-1766). A propriedade passaria então para a filha, a “Ilustríssima Senhora Dona” Guiomar Madalena de Sá Vasconcelos Bettencourt Machado e Vilhena, uma das personalidades mais fascinantes do seu tempo e que deu uma nova vida a toda a área em apreço. Com a posse da propriedade por D. Guiomar, deu-se início, quase de imediato, à rentabilização do terreno, até então de “terra e rocha”, nomeadamente, com o plantio de malvasia na encosta de São Lázaro, no que se despendeu mais de 2 contos de réis. Mais tarde, em 1782, tendo sido determinada a abertura naquela encosta de um caminho que daria acesso ao novo desembarcadouro da Pontinha, tornou-se necessário refazer as paredes que sustentavam as fazendas da quinta até à casa de prazer, ou seja, o mirante de D. Guiomar, já assinalado na planta da cidade do comandante Skinner, de 1775, embora só editada em 1791, em Londres. A morgada deve ter feito grandes obras na quinta; pelo menos, erigiu este mirante, que chegou aos nossos dias com o seu nome e terá levantado o corpo principal da residência. Tendo mandado edificar um importante prédio no Lrg. da Sé e na R. do Capitão para servir de sede à sua casa comercial, e tendo, nos últimos anos, residido preferencialmente “na sua Quinta das Angústias do sítio dos Ilhéus” (ABM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 11, fl. 130v.), onde veio a falecer a 15 de março de 1789, também ali fez importantes obras. O corpo neoclássico apresenta as molduras das portas e das janelas em calcário de lioz da serra de Sintra, provavelmente da área de Pero Pinheiro; são em tudo semelhantes às molduras utilizadas na mesma época na reforma das casas da Alfândega do Funchal (Alfândega Nova). Considerando as fortes relações de D. Guiomar com a Junta e Provedoria da Fazenda (embora reconhecendo que estas, comercialmente, nem sempre foram as melhores) e sabendo que a morgada gozava da total proteção do governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (c. 1745-1798), é provável que, tal como nas obras da Junta da Fazenda, ela tenha recorrido à importação das molduras das oficinas continentais que realizavam as obras de reconstrução da cidade de Lisboa. Mirante da Quinta Vigia. 1885. Arqu. Rui Carita   Renné Masst. Mirante da Quinta Vigia. 1884. Arq. Rui Carita O mirante de D. Guiomar é, por ventura, o elemento mais interessante do conjunto, apresentando planta quadrada e dois pisos, realizando-se o acesso exterior ao andar superior por três lanços de escadas, compondo-se uma escadaria maneirista, com corrimão e pilastras de cantaria. O piso térreo apresenta um amplo portal serliano, para o lado do mar, encimado por uma varanda corrida, de sacada, assente em cachorrada muito elaborada, tudo com elementos decorativos de entre os finais do séc. XVI e os inícios do XVII, indiciando assim uma muito provável remontagem dos finais de Setecentos. Interiormente, o piso superior é dotado de teto de caixotão, oitavado e pintado, e apoiado em pendentes e mísulas ainda de gosto algo mudéjar, mas regional, parecendo também ter havido um reaproveitamento de elementos anteriores. Com o falecimento de D. Guiomar de Vilhena ficou como seu herdeiro o sobrinho Cor. Luís Vicente de Carvalhal Esmeraldo (c. 1752-1798), mas a quinta estaria, por certo, arrendada à família do cônsul francês Nicolau de La Tuellièrie (c. 1750-1820), ligado à importante família de Pedro Jorge Monteiro, comerciante que, com D. Guiomar, afrontara a liderança britânica no comércio de exportação dos vinhos da Madeira. Foram, com certeza, os La Tuellièrie e os Monteiro que encomendaram, em Lisboa, na Real Fábrica do Rato, os painéis de azulejos com as fábulas de La Fontaine legendadas em francês, atribuíveis a Francisco de Paula e Oliveira, datáveis de entre 1790 e 1800, que mandaram montar na varanda coberta, uma estrutura anexada a sul do edifício principal, naturalmente já construído. Varanda coberta e azulejos de Francisco de Paula e Oliveira. Arqu. Rui Carita Em 1793 realizou-se na capela das Angústias o casamento, em segundas núpcias, do Dr. António José Monteiro, natural de Pernambuco e filho do mercador Pedro Jorge Monteiro, com a sua sobrinha Mariana de La Tuellièrie; em 1807, o matrimónio de Ana Carlota Monteiro, filha do primeiro casamento do Dr. António José Monteiro; em 1810, o de Maria Monteiro, também filha do primeiro casamento do Dr. António José Monteiro, com Inácio Castelo Branco do Canto Munhoz Melo e Sampaio. No entanto, somente em fevereiro de 1815 foi efetivada a venda da quinta, por João de Carvalhal Esmeraldo (1778-1837), futuro conde (Carvalhal, 1.º conde), ao Dr. António José Monteiro. Com o falecimento de António José, em julho de 1816, a quinta passou para o cônsul Nicolau de La Tuellièrie e, falecido este, em fevereiro de 1820, foi deixada à sua viúva. A posse da propriedade era algo complexa, dado os encargos que comportava e a partilha a que havia sido sujeita ao longo desses anos, p. ex., em 1807, com a construção do cemitério da Misericórdia (Cemitério das Angústias) e a abertura do caminho das Angústias em terrenos da quinta, propriedade de João de Carvalhal Esmeraldo, futuro conde de Carvalhal. Assim, Luís de Ornelas e Vasconcelos, um dos herdeiros da Quinta das Angústias, pois casara com Ana Carlota, viúva de Nicolau de La Tuellièrie, fez ainda aforamento perpétuo, em 1823 e ao morgado António Caetano Aragão, de terrenos anexos às Angústias deste último. A 15 de março de 1842, a quinta foi arrendada aos restantes coproprietários, Elvira e Maria Monteiro, com a obrigação de proceder a consertos na propriedade e a reparações urgentes na “varanda da casa que faz frente para o mar”, para sublocação a Dugdale McKellar (GUERRA, Ibid., 128). Confirmava-se, então, que a residência em apreço era uma das mais conceituadas da cidade. Quinta Vigia. 1890. Arq. Rui Carita   Quinta Vigia. Arq. Rui Carita Nos meados de 1849, aportou ao Funchal o príncipe Maximiliano (1817-1852), duque de Leuchtenberg, filho do príncipe Eugénio Napoleão e genro do czar Nicolau I. O também arquiduque da Rússia era irmão da imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Bragança (1812-1873), e do príncipe Augusto (1810-1835), que fora o primeiro marido de D. Maria II, mas que falecera pouco depois de chegar a Lisboa, e ainda da rainha Josefina da Suécia e da Noruega (1807-1876). O governador José Silvestre Ribeiro (1807-1891) teve ordens para disponibilizar as instalações do palácio de S. Lourenço ao duque de Leuchtenberg, mas o mesmo, até por viajar com uma comitiva, optou por se alojar na Quinta das Angústias. Esteve na Madeira entre 27 de agosto de 1849 e 23 de abril de 1850, tendo os elementos da sua comitiva sido pintados na ilha por Karl Briullov (1799-1852), inclusivamente, o príncipe Maximiliano, num dos poucos retratos a óleo que se conhece do mesmo. Certamente por indicação do irmão, a 28 de agosto de 1852, seguiu-se a instalação da imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Leuchtenberg e Bragança, juntamente com a princesa D. Maria Amélia (1831-1853), na esperança de que o clima da Madeira melhorasse a saúde da jovem, afetada pela tuberculose, tal como o tio. A Câmara do Funchal solicitou logo que os nomes da ex-imperatriz e da sua filha fossem dados às ruas anexas à quinta, mas a princesa faleceu num curto espaço de tempo, a 4 de fevereiro de 1853, para grande consternação da população do Funchal, não só pela sua pouca idade, mas também por ser a filha mais nova do falecido rei D. Pedro IV. A ex-imperatriz saiu com o corpo para Lisboa, a 6 de maio seguinte, tendo fundado no Funchal, em homenagem à filha, o Hospício Princesa D. Maria Amélia, cujos passos iniciais ainda acompanhou na Ilha, em instalações provisórias, lançando-se depois, em Londres e em Paris, um concurso internacional para a construção do edifício, por ventura, o primeiro que a ser realizado em Portugal. Quinta Davis. Arq. Rui Carita Em 1849, um comerciante inglês, Richard Davies, radicado na R. do Carmo, no Funchal, começou a adquirir terrenos junto da Quinta das Angústias como sub aforamento de uma “porção de terra no sítio a que antigamente chamavam a vigia de Santa Catarina” (ABM, Registos Notariais, liv. 1249, fls. 47v.-49). No mesmo ano ainda, comprou ao jovem António Leandro de Carvalhal Esmeraldo (1831-1888), depois 2.º conde de Carvalhal, uma vasta fazenda ao lado da anterior, vindo assim a mandar reformular a residência da Quinta Vigia ou Quinta Davies. Já havia uma habitação nesta área, residindo nela, nos inícios de 1847, a família Rutheford; tinha sido alvo de uma tentativa de assalto por parte de alguns populares, direta ou indiretamente liderados pelo Cón. Teles de Meneses, no quadro das altercações ocorridas com o proselitismo do reverendo metodista Robert Reid Kalley (1809-1888) e que tinha levado à deslocação para a Madeira do governador José Silvestre Ribeiro. Ainda nos finais desse ano de 1847, a rainha viúva Adelaide de Inglaterra, nascida Saxe-Meiningen (1792-1849), passou também uns meses na Madeira para se restabelecer de problemas de saúde, ocupando a quinta com as suas damas de companhia. O governador José Silvestre Ribeiro interferiu decididamente na instalação da rainha, que ali esteve até abril do ano seguinte, tendo depois recebido um enorme castiçal de prata, hoje na Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, em retribuição da hospitalidade. A rainha, entretanto, faleceria no final desse ano, em Londres. A Quinta Vigia, cerca de 10 anos depois, era já uma importante referência internacional, recebendo a Imperatriz Isabel de Áustria (1837-1898) e a comitiva que a acompanhava, tendo sido fotografada por Vicente Gomes da Silva (1827-1906) poucos dias após o seu alojamento no local, em 1860. Tal como às importantes figuras mencionadas atrás, também lhe foi oferecida residência no palácio de S. Lourenço, existindo, inclusivamente, informações sobre obras para a sua instalação. Porém, a Imperatriz, conhecida romanticamente por Sissi, optaria pela Quinta Vigia para residir no Funchal, entre novembro daquele ano e abril do seguinte. Durante a sua estadia, veio de Lisboa o infante D. Luís, que seria depois rei de Portugal, para apresentar cumprimentos em nome do irmão, D. Pedro V. Um ou dois anos mais tarde, em 1863 ou 1864, o ilustrador Joseph Selleny (1824-1875) editou, em Viena, uma litografia da sé do Funchal com a imperatriz em primeiro plano. Sissi e as suas damas de companhia na Quinta Vigia. 1860. Arq. Rui Carita Nos meados de 1885, ainda ocuparia a Quinta Vigia o príncipe Pedro II Nicolau von Holstein-Gottorp (1827-1900), grão-duque de Oldemburgo, que, em março desse ano, organizou uma quermesse na quinta. Possuía uma guarda pessoal de cossacos, que andavam na cidade a cavalo, tendo sido assim fotografados na Photographia Vicentes, à R. da Carreira, e que despertavam uma enorme curiosidade aos locais. Em outubro de 1859, entretanto, falecera Ana Carlota Monteiro de Ornelas, proprietária da Quinta das Angústias, herdando-a Nicolau Hemitério de La Tuellièrie e Maria Monteiro. A propriedade seria arrendada à britânica Margarida Yuille Wardrop, em junho de 1860, mas, em fevereiro de 1862, Nicolau Hemitério vendeu a sua parte ao procurador João António Pereira, devido às avultadas dívidas acumuladas, assistindo ao ato da escritura os representantes dos senhorios diretos da propriedade, ou seja, do marquês de Castelo Melhor, herdeiro de grande parte das propriedades dos Câmara da antiga casa dos condes da Calheta, e do morgado António Caetano Aragão, que outorgaram a transação e receberam o laudémio dela decorrente. Em setembro de 1863, instalou-se na Madeira o conde Alexandre Charles de Lambert (1815-1865), general de cavalaria e ajudante de campo do imperador da Rússia, embora nascido em Paris. O conde começou por se instalar na R. da Ponte de S. Lázaro e, em março de 1864, adquiriu a Quinta das Angústias aos proprietários, João António Pereira e João Gregório Rodrigues, este último, herdeiro de Maria Monteiro. Parecem datar dos anos seguintes as obras realizadas sobre a então R. Imperatriz D. Amélia, com o levantamento de uma fachada neoclássica e a reparação da muralha sobre o porto, com a execução dos compartimentos enterrados, hoje arquivo da presidência do Governo Regional da Madeira (GRM). A quinta deve ter tido obras para receber o casamento do conde de Lambert com Marie Louise Marguerite de Savary Lancosme Brèves (1840-1909), filha dos condes de Lancosme Brèves que tinha então 25 anos e que também nascera em Paris. O matrimónio ocorreu na capela da quinta, a 19 de fevereiro de 1865, com a autorização de D. Patrício Xavier de Moura (c. 1800-1872), bispo do Funchal, tendo assistido, entre outros, os pais da noiva, também a residirem no Funchal à data. O conde de Lambert faleceu inopinadamente na sua quinta, aos 49 anos, a 1 de agosto desse ano, às 04.00 h, deixando a jovem condessa grávida e numa situação económica complicada. A 4 de janeiro de 1866, recebeu a confirmação do seu batizado o pequeno conde Carlos Alexandre (1865-1944), que nascera a 30 de dezembro e que, temendo-se o pior, fora logo batizado, tal como declara a certidão. Na cerimónia religiosa estiveram presentes os pais da condessa, o 2.º conde de Carvalhal, o general José Júlio do Amaral, comandante da 9.ª divisão, e os vice-cônsules de França no Funchal. A condessa, no registo de batismo, é dada como residente na Calç. de Santa Clara, provavelmente, no local onde residiam os pais, para que não ficasse na quinta com o cadáver do marido. A condessa viu-se na situação de ter que pedir um empréstimo de 12 contos à firma russa Krohn Brothers para transportar o corpo do conde para Paris, encontrando-se este, até então, embalsamado e depositado na capela das Angústias, servindo também o crédito para proceder a “reparos e outros arranjamentos” na quinta, com vista ao seu futuro arrendamento (ABM, Registos Notariais, liv. 1276, fls. 12v.-13v.). A condessa e o filho saíram para França em agosto de 1867, mas mantiveram a posse da quinta até 1903. O jovem conde de Lambert veio a ser uma das grandes figuras da aviação internacional, atribuindo-se-lhe as primeiras experiências de construção de hidroaviões; foi ainda o primeiro aviador a sobrevoar a Torre Eiffel e o primeiro a voar na Bélgica e na Holanda, p. ex.. Conde Lambert. Arqu. Rui Carita O comerciante Charles Ridpath Blandy (1812-1879), entretanto e face ao crescente movimento do porto, começara a adquirir terrenos na baixa de Santa Catarina. Em agosto de 1879, com a morte do 6.º marquês de Castelo Melhor, a firma Blandy Brothers & Co. comprou uma parte do domínio direto do foro da Quinta das Angústias de que eram enfiteutas os herdeiros do velho conde de Lambert. Grande parte dos interesses da área, inclusivamente a propriedade da pequena capela de Santa Catarina, passaram para a dita firma inglesa durante esses anos. O célebre médico Paul Langerhans (1847-1888), autor da descoberta das células que ainda hoje têm o seu nome e que constituíram objeto de análise na sua tese de doutoramento de 1869, no verão de 1875, afetado pela tuberculose, viu-se na contingência de ter de suspender a carreira universitária, escolhendo a Madeira para se tentar restabelecer. Ficaria na Ilha dois anos e meio, recuperando e aproveitando para se dedicar ao estudo da fauna marítima dos mares madeirenses e, depois, dos das Canárias. Regressou à Alemanha em 1878, mas estava de novo na Madeira em junho de 1879. Casou com uma viúva alemã, Margarreth, cujo marido tinha sido seu doente e, em junho de 1886, a família instalou-se na Quinta das Angústias. Langerhans faleceu na propriedade, a 20 de julho de 1888, sendo sepultado no cemitério britânico e regressando a viúva e a filha à Alemanha. Nos seis meses anteriores à estadia de Paul Langerhans na Quinta das Angústias, esteve ali o marquês de Albizzi, Niccolò Marc Antonio Albizzi, que editaria, em Paris, as suas memórias de seis meses na Madeira, recorrendo a fotografias de João Francisco Camacho (1833-1898) e, provavelmente, de outros, imagens depois gravadas por diversos artistas, em Paris, perfazendo um total de quase 40 estampas. Uma das ilustrações é “Le pavillon de notre quinta” (ALBIZZI, 1888, 71), facilmente identificável como o mirante de D. Guiomar; outra, “Hamac”, da qual se conhece a fotografia original, representando o marquês a ser transportado em rede, com um acompanhante, indicando o empedrado e o enquadramento que terá sido tirada no parque da “sua quinta” das Angústias (Id., Ibid., 83). Os primeiros anos do séc. XX colocaram em causa, e inclusivamente sob a atenção internacional, a situação das quintas sobre o porto do Funchal, competindo os interesses britânicos na Madeira com os alemães, que pretendiam a montagem de uma ampla rede de sanatórios e eram acusados por aqueles de estarem a encobrir um negócio de casinos (Sanatórios e Casinos). Os prazos da Quinta das Angústias, entretanto, porque fora do megaprojeto dos sanatórios alemães, foram adquiridos à firma Blandy Brothers & Co., a 18 de agosto de 1903, pelo bacharel Júlio Paulo de Freitas (1863-1946), que, no dia seguinte, comprou igualmente a quinta à condessa de Lambert e ao filho através dos seus procuradores no Funchal, também a Blandy Brothers. A Quinta Vigia, nos finais do séc. XIX, continuou a servir como abrigo, por excelência, dos doentes do turismo terapêutico, guardando-se inúmeros registos fotográficos e aguarelas românticas de Ella du Cane (1874-1943), editadas depois, em 1909. Entretanto, em maio de 1904, a então propriedade de Mr. Bennet Stanford fora adquirida pela Sociedade dos Sanatórios da Madeira, tal como a Quinta Bianchi, mas o projeto de instalação daquela gorou-se, pois a firma Blandy Brothers & Co. conseguira ficar com a Quinta Pavão, mais tarde integrada na Empresa dos Casinos da Madeira. Ao longo das décadas seguintes, com a extinção da Sociedade dos Casinos, a Quinta Vigia passou à propriedade do Estado, tendo servido de aquartelamento militar da Guarda Republicana, em 1921, transformando-se depois em parque público, com várias instalações desportivas, como ringues de patinagem, p. ex.. Com o falecimento de Júlio Paulo de Freitas na Quinta das Angústias, em 1946, a mesma ficou para a sua afilhada, Isabel Vasconcelos da Cunha; em 1964, foi residência de Tomaz da Cunha Santos (1933-2013). Com a reativação da Empresa dos Casinos Madeira e o projeto de instalação do novo edifício do Casino Park Hotel, o dec.-lei de 11 de dezembro de 1967 determinou a aquisição da quinta para o Estado, por permuta das quintas Bianchi e Pavão, a demolir para aquela construção. A quinta foi desocupada pelos proprietários pouco tempo depois, mas o processo de expropriação arrastou-se pelos anos seguintes, inclusivamente por não haver acordo nos valores patrimoniais dos azulejos da capela, do frontal de altar, entre outros. A Quinta das Angústias encontrava-se devoluta, em dezembro de 1974, tendo sido sugerido pelo então presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Rui Vieira (1926-2009), que fosse utilizada para as festas da cidade ou festas do fim do ano, a acontecer nesse mês, tendo sido aí montadas, pela comissão diretiva do Museu da Quinta das Cruzes, várias exposições de artes plásticas e presépios da coleção do mesmo museu (Museu Quinta das Cruzes e Quinta das Cruzes). Pretendia-se, assim, aproveitando algum vazio de poder, desbloquear a situação de impasse em que se havia caído e evitar futuros desmandos, dando urgente ocupação e serventia ao espaço. Nesse quadro, em 1975, passaram a funcionar ali os ateliers e as aulas do Instituto de Artes Plásticas da Madeira (Universidade da Madeira). Com a progressiva instalação do GRM, a partir de 1979 reiniciaram-se as negociações para ali se instalar a presidência do governo, tendo o edifício sido objeto de um projeto de reabilitação da autoria do Arq. António Marques Miguel, assessorado localmente pela Arq. Elisabete de Andrade. Por resolução da presidência do GRM de junho de 1982, em memória da antiga quinta anexa e do seu espaço público, a designação da nova habitação da presidência do governo passou a ser Quinta Vigia. A inauguração da Quinta Vigia como residência oficial do presidente do GRM ocorreu a 2 de maio de 1984. Quinta Vigia. Residência. Arqu. Rui Carita A reabilitação do conjunto manteve toda a estrutura exterior dos antigos edifícios, da capela, do parque e jardim envolventes, conservando inclusivamente o mirante e as duas casinhas de prazer sobre o porto do Funchal. Interiormente, as salas superiores do edifício neoclássico, em princípio, mandado levantar por D. Guiomar, foram interligadas, servindo de área de receção e apoiando-se na varanda sobre o parque, onde estão os célebres azulejos das fábulas de La Fontaine. O andar térreo encontra-se ocupado com os gabinetes da presidência do governo, tendo uma parte do secretariado passado para o mirante de D. Guiomar. O interior foi decorado conforme as quintas madeirenses antigas, dos sécs. XIX e XX, com mobiliário ao gosto inglês dessa época, parte do qual, proveniente dos acervos dos museus da Região, recriando-se assim a ambiência dessas mesmas propriedades. O parque encontra-se aberto ao público.   Rui Carita (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura Património