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psicologia na educação especial

Em 1978, na sequência da política de regionalização dos serviços, foi criado o Centro Regional de Educação Especial (CREE), no qual foram integrados os estabelecimentos de ensino para deficientes auditivos, visuais e intelectuais. Entre 1965 e 1978, o apoio a crianças e jovens que frequentavam os estabelecimentos de ensino para crianças e jovens com deficiências da audição e da fala, intelectual e visual funcionava na dependência de um serviço nacional, o Instituto de Assistência aos Menores, posteriormente integrado no Instituto da Família e Ação Social. Nessa altura, as crianças e jovens deficientes eram apoiados, na área da psicologia, pelo Centro de Observação e Orientação Médico Pedagógico, cujos técnicos se deslocavam à Região Autónoma da Madeira (RAM), sob a orientação do Dr. Bairrão Ruivo. Foi em 1980 que o CREE contou com o primeiro psicólogo nos seus quadros. A 7 de abril do ano seguinte, foi criada a Direção Regional de Educação Especial (DREE), que imprimiu uma nova dinâmica no apoio às crianças e jovens com deficiência da Região. Na sua orgânica, integrou, pela primeira vez, um Serviço de Psicologia, com a função de “apoiar os Serviços Técnicos de Educação, incumbindo-lhe a observação, o diagnóstico e a orientação psicopedagógica dos educandos e futuros utentes, em colaboração com outras valências e serviços”. Em 1984, com a reestruturação do Governo da RAM, a DREE, que até então constituía um departamento da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, foi integrada na Secretaria Regional de Educação, privilegiando-se, nesta nova fase, a interação entre todos os graus de ensino e estabelecimentos de ensino regular. A designação “Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação” (DREER) surgiu em 1997, no decreto regulamentar regional n.º 13-A/97, de 15 de julho, estabelecendo a criação e descentralização de vários serviços de atendimento às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. A necessidade de integrar psicólogos nas equipas multidisciplinares que entretanto se foram constituindo na DREER tornou-se cada vez mais notória na déc. de 90, período ao longo do qual o número de psicólogos admitidos duplicou. Aos poucos, os psicólogos foram-se afirmando como um grupo profissional indispensável na resposta psicopedagógica às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Com a alteração da estrutura orgânica da Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação, aprovada pelo despacho n.º 103/2005, é criada, em setembro de 2005, a Divisão de Psicologia, que em novembro de 2008 passa a designar-se Divisão de Psicologia e Orientação Vocacional (DPOV), dirigida por um psicólogo, chefe de divisão. A existência desta divisão na orgânica da DREER possibilitou uma forte coesão e identidade socioprofissional, bem como uma resposta consistente e atualizada em termos técnico-científicos, tornando-se uma referência para outros psicólogos da RAM. Com cerca de 40 psicólogos, alguns dos quais a exercerem funções de coordenação e direção, a DPOV tinha por missão “garantir a intervenção psicológica junto dos alunos / utentes dos diferentes serviços técnicos de educação e de reabilitação profissional e programas ocupacionais, em colaboração com a família e comunidade, contribuindo para o seu equilíbrio sócio emocional”. A sua atuação regia-se pelos princípios e orientações subjacentes ao Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), de onde se destacavam valores como respeito pela dignidade e direitos da pessoa, competência, responsabilidade e integridade. A DPOV apresentavaas seguintes atribuições e competências: “a) Observar, diagnosticar e orientar os educandos e futuros utentes com vista à adaptação ou reeducação escolar, profissional e social, consoante as características individuais, disfunções ou perturbações; b) Prestar apoio psicoterapêutico, nos casos em que apresentem perturbações emocionais e comportamentais resultantes de deficiência ou de sobredotação; c) Acompanhar e supervisionar a intervenção protagonizada pelos elementos desta área afetos aos diferentes serviços da DREER”. A intervenção do psicólogo da DPOV era muito versátil pela variedade de áreas, faixas etárias e serviços que apoiava. O psicólogo intervinha desde a idade precoce (0-6 anos), junto de alunos com necessidades educativas especiais a frequentar os 1.º, 2.º e 3.º ciclos até à idade jovem e adulta; a sua atuação abrangia o domínio sensorial (audição e visão), o domínio cognitivo e da aprendizagem (deficiência intelectual, dificuldades intelectuais, dificuldades de aprendizagem específicas e perturbação da linguagem e da fala), o domínio motor (perturbações das aptidões motoras e problemas motores/neuromotores), o domínio cognitivo, motor e/ou sensorial (multideficiência), o domínio da comunicação, relação e afetivo-emocional (perturbação da relação e comunicação, perturbações do espectro do autismo e perturbações emocionais ou comportamentais graves) e outras condições não enquadradas nos domínios anteriores, tais como atraso global de desenvolvimento, défice de atenção com ou sem hiperatividade e sobredotação. O psicólogo tinha uma participação ativa nas equipas multidisciplinares dos vários serviços técnicos de educação especial e reabilitação (Serviços Técnicos de Educação, Centros de Apoio Psicopedagógicos e Centros de Atividade Ocupacionais, Serviço Técnico de Integração e Formação Profissional, entre outros) e trabalhava não só com o aluno/utente, mas também com os pais/tutores, professores e demais agentes comunitários, em prol do desenvolvimento educativo, socioprofissional e pessoal. Deste modo, contribuía para o desenvolvimento da própria instituição escolar ou ocupacional e da comunidade. Na avaliação multidisciplinar, o psicólogo assume um papel importante na elegibilidade de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais. A sua atuação, pautada por uma intervenção mais próxima da abordagem ecológica e de respostas inclusivas, centradas no eixo preventivo, estava orientada no sentido de promover as potencialidades das crianças e jovens com necessidades especiais, procurando minimizar as suas diferenças e maximizar as suas capacidades, facilitando, assim, a sua inserção nos vários contextos e promovendo, em alguns casos, a sua transição para a vida ativa. Muitas vezes, o recurso ao apoio psicológico visava promover o processo de aprendizagem e integração social do aluno, em virtude de, em muitos casos, às necessidades especiais estarem associados problemas emocionais ou, até, perturbações psicopatológicas, os quais exponenciam as dificuldades de aprendizagem e integração. A intervenção do psicólogo contemplava, por vezes, uma vertente clínica/terapêutica. O psicólogo da DREER desempenhava, igualmente, funções de formação de novos psicólogos, nomeadamente através da orientação de estágios profissionais promovidos pela OPP e pelo Instituto de Emprego da Madeira, e colaboração na orientação de estágios curriculares dos finalistas do Mestrado em Psicologia da Educação da Universidade da Madeira; da colaboração na supervisão clínica e educacional dos estágios; da participação no ensino da unidade curricular de Psicologia da Educação, da licenciatura em Psicologia da Universidade da Madeira – a saber, através da intervenção em painéis em que era abordado o papel do psicólogo nos diferentes contextos educativos e da receção de alunos para contacto direto com a praxis do psicólogo na educação especial. A prática do psicólogo contemplava ainda atividades de pesquisa e investigação e a utilização dos respetivos resultados na prática educacional. Bibliog.: AGUIAR, E., “História do apoio à deficiência na RAM”, Educação Especial, n.º 30, 1985, pp. 11-25; dec. reg. n.º 13/81, de 23 de junho; dec. reg. n.º 12/84, de 22 de novembro; dec. reg. regional n.º 13-A/97, de 15 de julho; desp. n.º 5/78, de 5 de abril; desp. n.º 103/2005. Líria Maria Jardim Fernandes Luísa Valentina Teixeira de Mendonça Correia (atualizado a 03.02.2017)

Ciências da Saúde Educação História da Educação

moniz, jaime

Fig. 1 – Fotografia da estátua de Jaime Moniz, da autoria do mestre Anjos Teixeira, inaugurada em 1961 pela Câmara Municipal do Funchal. Fotografia de António Freitas. Aquele que viria a ser um dos grandes intelectuais portugueses e mais ilustres madeirenses do séc. XIX, distinguindo-se pela sua eloquência e erudição, como pensador e político, nasceu no ano de 1837, data da fundação do Liceu Nacional do Funchal. Passados 80 anos, o Liceu foi designado por “Jaime Moniz”, pelo decreto n.º 5096 de 13 de janeiro de 1919, em memória deste ilustre jurisconsulto, académico, professor e político que marcou a sua época. Jaime Constantino de Freitas Moniz, ficando conhecido pelo nome abreviado de Jaime Moniz, nasceu no dia 18 de fevereiro, na freguesia de Santa Maria Maior, Funchal, sendo filho de António Caetano da Costa Moniz, avô de Augusto César Barjona de Freitas, um influente e iminente político do partido regenerador que terá uma influência decisiva no percurso político do seu primo Jaime Moniz, e de Eufémia de Freitas, filha de António de Freitas. Após frequentar o ensino primário, matriculou-se no Liceu, como aluno ordinário, na 1.ª e 2.ª cadeiras, com a idade de 14 anos, em outubro de 1851, conforme registo n.º 30 do Livro de Termos (fig. 2). Nesse ano e nos subsequentes obteve sempre a classificação máxima e, em 1857, rumou para Coimbra, a fim de cursar direito.   Fig. 2 – Reprodução o registo de matrícula do aluno Jaime Constantino Freitas Moniz em 1851. Fonte: ARM, Liceu Jaime Moniz.   Bulhão Pato escreveu que o seu exame de admissão foi um verdadeiro acontecimento e deixou-nos um interessante testemunho do seu encontro fortuito com o jovem Jaime Moniz aquando de uma visita à Madeira, relatando-nos que, apesar dos seus 14 anos, a sua imaginação já era brilhante e que ficara impressionado com a sua sabedoria e maturidade. O interesse pelas letras e pelos assuntos históricos e filosóficos era já visível no jovem adolescente quando, em 1860, quis conhecer pessoalmente Alexandre Herculano, por quem nutria uma especial admiração, não só pelo seu talento como escritor, mas também pelo seu carácter. Frequentou o curso de direito durante cinco anos, de 1857 a 1862, como um aluno estudioso, aplicado e preocupado com os temas ligados à Literatura, Filosofia e História, sendo o seu desempenho brilhante. Por esse facto, recebeu sempre o primeiro prémio, no valor de 40 réis, o que o ajudou a custear os seus estudos, considerando que, embora pertencesse a uma família conceituada funchalense, esta carecia de recursos económicos. Acabado o curso em 1862, estabeleceu-se em Lisboa, onde exerceu advocacia, retirando-se pouco tempo depois por causa do serviço público, do seu frágil estado de saúde e também por ser uma pessoa tímida e reservada, apesar de ser dotado de excelentes dotes oratórios e de ter adquirido boa fama. Assim, podemos compreender a sua opção por uma carreira orientada para o ensino e para as questões pedagógicas quando, em 1863, concorreu à vaga aberta na 5.ª cadeira – História Universal e Filosófica – do Curso Superior de Letras, criado pelo Rei D. Pedro V, apresentando a tese Da Natureza e Extensão do Progresso Considerado como Lei da Humanidade e Applicação Especial dessa Lei às Bellas Artes. Aprovado por unanimidade, ingressou no ensino nesse mesmo ano. Bulhão Pato, nas suas Memórias, reportava que as suas aulas atraíam a atenção de quantos prezavam as letras e que todas as noites a sala se enchia para o ouvir. Referia ainda que em poucos homens tinha conhecido tão elevados dotes de orador. Jaime Moniz foi professor do Curso Superior de Letras desde 1863 até 1901, exercendo o seu magistério com alta distinção e tendo como colegas grandes vultos das letras portuguesas, como Pinheiro Chagas, Adolfo Coelho e Teófilo Braga. Em 1901, abandonou a docência para presidir o Conselho Superior de Instrução Pública. Com a criação da Junta Consultiva de Instrução Pública, em 14 de dezembro de 1869, foi um dos seis vogais escolhidos para a integrar. Assim, entre 17 de julho de 1873 e 19 de setembro de 1878, presidiu às sessões da referida Junta em virtude de desempenhar, nesse período, as funções de Diretor Geral da Instrução Pública. Esta escolha contribuiu para afirmar Jaime Moniz como um dos principais pensadores da educação em Portugal. Por esta junta passavam todos os problemas referentes ao ensino, pelo que ficamos a conhecer, através das atas das suas sessões, os pensamentos, as opções e as posições pedagógicas, políticas e até filosóficas dos seus membros. Apesar de ter orientado a sua atenção para as questões de ensino, Jaime Moniz não deixou de exercer as funções de tribuno, deixando traços do seu brilhantismo e suscitando a profunda admiração dos seus contemporâneos. Em 1867, defendeu o Cap. D. Rodrigo de Almeida, que fora padrinho de um duelo em desagravo de alegadas ofensas no qual estiveram envolvidos um deputado e um sobrinho do irmão do marquês de Sá da Bandeira, resultando na morte do deputado. Rodrigo de Almeida foi acusado e julgado em Conselho de Guerra, tendo Jaime Moniz obtido para o seu constituinte a pena mínima. Uma situação surgiu em 1870, quando Jaime Moniz se apresentou a defender José Cardoso Vieira de Castro, escritor e ex-deputado do partido regenerador, acusado de crime de homicídio contra a sua mulher. O julgamento, além de ser muito concorrido, pela identidade do arguido e grande divulgação nos meios de comunicação social, teve um enorme impacto na opinião pública, sendo a alegação da defesa considerada como um dos trechos mais brilhantes e eloquentes que nos tempos modernos se havia pronunciado na história do foro português. Jaime Moniz empenhou-se profundamente na defesa do amigo e antigo companheiro nas lides académicas de Coimbra com notável brilhantismo e eloquência, o que lhe valeu encómios de diversos intelectuais portugueses, nomeadamente de Camilo Castelo Branco e Pinheiro Chagas, tendo este feito uma notável apreciação em folhetim da Gazeta do Povo n.º 336, de 1871. Por sua vez, os portugueses residentes no Rio de Janeiro enviaram uma coroa de ouro a Jaime Moniz como tributo de homenagem pelo monumental discurso. Os discursos proferidos e as atas do julgamento foram publicados em livro intitulado O Processo e Julgamento de José Cardoso Vieira de Castro, tendo a edição esgotado rapidamente. No campo político, Jaime Moniz aderiu à causa do Partido Regenerador, formado em torno de personagens ligadas a um passado cartista, como Saldanha e Fontes Pereira de Melo. Tal partido viria a tornar-se no mais forte e qualificado da segunda metade do séc. XIX, sendo o responsável pelas grandes mudanças operadas nos domínios económico e social, nas décs. de 70 e 80 de oitocentos. Em 31 de março de 1870, Jaime Moniz iniciou o primeiro mandato como deputado eleito pelo círculo de Castelo Branco. Nesse ano, a enorme expectativa gerada com a abertura das chamadas “Conferências do Casino”, iniciativa de uma plêiade de grandes intelectuais que foi depois proibida, gerou um enorme escândalo na sociedade portuguesa, levando à queda do ministério do marquês de Ávila e Bolama. Para presidir a um novo governo foi chamado Fontes Pereira de Melo, em setembro de 1871. A vitória do movimento liberal em 1834 não acabara com a instabilidade política e social, e o novo governo iria encetar um dos períodos mais longos e estáveis da monarquia constitucional, conhecido como a regeneração/fontismo, que trouxe ao país um grande crescimento económico e tecnológico. Do novo governo faziam parte Augusto César Barjona de Freitas, como Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, e Jaime Moniz, como Ministro da Marinha e do Ultramar. Havia apenas decorrido uma semana da sua tomada de posse, quando eclodiu uma revolta no exército do Estado da Índia Portuguesa. Para fazer face a esta difícil e complexa situação, tomou de imediato as providências consideradas mais adequadas para rapidamente restabelecer a ordem, enviando um reforço de tropas e decretando a extinção do exército no referido estado. Em seguida, apresentou um conjunto de medidas legislativas que visavam obter transformações económicas e sociais pela introdução de novos estabelecimentos de ensino, nomeadamente a criação de um instituto profissional para preparar os jovens do dito Estado para tarefas nos domínios agrícola, industrial e comercial e uma escola de pilotagem. Estas medidas evidenciaram os seus valores, o seu carácter e a sua visão, bem como a sobreposição dos seus ideais pedagógicos às conveniências estritamente políticas. Jaime Moniz também percorreu os meandros difíceis e tortuosos da política nacional. A sua passagem pelo governo foi relativamente breve, pois, em 19 de novembro de 1872, era exonerado a seu pedido, alegando motivos de saúde como era costume, mas alguns testemunhos defenderam que o abandono do governo se deveu mais à sua personalidade e ao seu talento, que dificilmente se moldavam às conveniências estritas da política. Embora tendo sido eleito em várias legislaturas pelos círculos de Castelo Branco e de Goa, a sua atuação como parlamentar foi modesta. Esteve como parlamentar nas legislaturas de 22 de junho de 1871 a 2 de abril de 1874 e de 12 de janeiro de 1875 a 4 de maio de 1878, que coincidiram com o mais longo governo da história do parlamentarismo português sob a presidência de Fontes Pereira de Melo. Causa alguma perplexidade o facto de nunca ter sido deputado pela Madeira e de, após a sua estada em Lisboa, nunca ter regressado à sua terra natal. No seguimento da revisão introduzida pelo 2.º Ato Adicional à Carta Constitucional, de 24 de julho de 1885, foi criada uma parte eletiva na Câmara dos Pares do Reino, tendo Jaime Moniz sido eleito, por unanimidade, Par do Reino pelos estabelecimentos científicos. Nomeado Diretor Geral das Repartições da Câmara de Deputados, em setembro de 1879, exerceu funções até 26 de novembro de 1886, onde demonstrou as suas enormes capacidades de organização e de coordenação, tendo reestruturado todas as secções do parlamento. Um dos atos mais aplaudidos e elogiados consistiu na publicação do Anuário da Câmara dos Senhores Deputados no ano de 1882, que teve continuidade nos anos seguintes e que constitui um repositório importante para o conhecimento intrínseco das atividades parlamentares. A 1 de junho de 1882, foi eleito, em votação unânime, sócio efetivo da Academia Real das Ciências de Lisboa, 2.ª Classe (secção de ciências económicas e administrativas), onde, uma vez mais, manifestou as suas capacidades de organização e administração, tendo procedido à reestruturação de várias secções desta instituição. No Conselho Superior de Instrução Pública, organismo recém-criado pela carta de lei de 23 de maio de 1884, com competências reforçadas e que substituiu a Junta Consultiva de Instrução Pública, Jaime Moniz, como vice-presidente, desempenhará um papel de extrema importância na condução da política educativa, sendo o responsável pela configuração de uma das reformas mais importantes no domínio da educação, tendo ficado conhecida como a Reforma de Jaime Moniz. Em 18 de novembro de 1884, foi nomeada, no Conselho Superior de Instrução Pública, uma comissão, presidida por Jaime Moniz, para se deslocar ao estrangeiro, a fim de proceder a estudos sobre a organização do ensino secundário, e em 27 de agosto do ano seguinte aquele foi incumbido de ir ao estrangeiro estudar a organização do ensino superior. Em menos de um ano, em 14 de janeiro de 1886, e de acordo com a missão de que fora incumbido, apresentava ao referido Conselho uma proposta de reorganização do Curso Superior de Letras em que previa a sua transformação numa Escola Superior de História, Filosofia e Letras. A grande reforma do Curso Superior de Letras, no sentido proposto por Jaime Moniz, ocorreu em 1901, mas até essa data o notável pedagogo nunca deixou de lutar pela dignificação do curso e do seu corpo docente. Em 13 de março de 1890, foi nomeado diretor da publicação, subsidiada pelo Estado, Corpo Diplomático Português, sendo impressos, sob a sua orientação, os tomos X, XI, XIII e XIV que compreendem os documentos relativos aos negócios de Portugal com a Cúria Romana, desde o reinado de D. Sebastião até ao reinado de Afonso VI. Nos finais de 1880, apesar de algumas reformas levadas a cabo no domínio da instrução secundária, o ensino secundário estava em plena crise, estagnado, com enorme descrédito junto da opinião pública, e os liceus eram transformados em fábricas de diplomas, funcionando praticamente só na época de exames. O ensino debatia-se com grandes dificuldades que abrangiam um variado leque de carências: instalações deficientes ou mesmo impróprias, falta ou inexistência de material didático, insuficiente formação científica e pedagógica dos professores, desorganização curricular, politização excessiva das questões educativas e subordinação das normas escolares ao clientelismo eleitoral. Em suma, um conjunto de problemas que se enquadravam na difícil e embaraçosa situação financeira do país. Neste contexto, a crise financeira de 1890 acentuou ainda mais o já de si débil e deficiente estado do ensino. A Reforma de Jaime Moniz enquadrou-se nesta conjuntura adversa e difícil. Os regeneradores, em 1892, voltaram ao poder, chefiados por Hintze Ribeiro, tendo com responsável pelo Ministério do Reino João Franco. Consciente dos graves problemas de que enfermava o ensino secundário, João Franco apresentou, em outubro de 1894, um projeto de reforma ao Conselho Superior de Instrução Pública. Coube a Jaime Moniz a apreciação do projeto, tarefa espinhosa e complexa considerando o estado deplorável a que chegara o ensino secundário. Iniciada em outubro, a Reforma da Instrução Secundária viria a ser publicada no dia 24 de dezembro no Diário do Governo. Causou espanto e admiração o facto de, em tão pouco tempo, Jaime Moniz ter apresentado uma proposta tão bem estruturada e que, pela primeira vez, tentava abranger, de forma orgânica e sistemática, todos os aspetos da vida da escola num determinado grau de ensino: currículos, horários, metodologia e materiais de ensino, organização administrativa e recrutamento e formação de professores. A reforma de Jaime Moniz de 1894/1895 estabeleceu, pela primeira vez, uma unidade orgânica e funcional para os estudos secundários realizados nos liceus e constituiu um marco decisivo na história do ensino secundário porque, ao contrário das reformas que a antecederam, abarcou um conjunto de alterações pedagógicas e organizacionais de forma concertada e estruturada, contemplando as metodologias de ensino, os programas, a avaliação, a organização, a administração dos liceus e a supervisão. A inovação curricular introduzida pela Reforma de 1894-1895 residia no estabelecimento do regime de classes, e não de disciplinas, como a introduzida pela reforma de Passos Manuel, e foi implementada de forma gradual, como previsto no art.º 136 do regulamento de 14 de agosto de 1895. Sob o ponto de vista pedagógico, a reforma apresentou inovações fecundas que viriam a manter-se até aos nossos dias, pelo que pode ser considerada um marco importante na história do ensino secundário de Portugal. Algumas vantagens que poderão ser assinaladas à reforma de Jaime Moniz são: reconhecimento do valor do regime de classe, uma nova metodologia de ensino e uma unidade e organicidade do curso liceal. No entanto, o modelo proposto por Jaime Moniz, fortemente influenciado pela cultura alemã, apresentava aspetos negativos que foram corrigidos pela Reforma de 1905: a existência de um curso complementar único, a não inclusão da disciplina de educação física no currículo, o peso excessivo do latim e do alemão e a questão do livro único. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, com a Grã-Cruz de Carlos III de Espanha, em 1891, e com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago, em 1895. Pertenceu a numerosas associações científicas portuguesas e estrangeiras: sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, sócio correspondente da Sociedade Antropológica de Espanha, entre outras. Jaime Moniz faleceu em 16 de setembro de 1917, deixando, segundo as palavras do visconde do Porto da Cruz, “bem marcadas a honradez e nobreza do seu espírito, o valor do seu trabalho, a sua inteligência e profunda erudição” (PORTO DA CRUZ, 1953, 15). No seu funeral fizeram-se representar o Presidente da República, que na véspera se deslocara pessoalmente à sua casa do Monte Estoril. Dois anos após o seu falecimento, em 1919, o Governo da República, como forma de homenagear os grandes vultos, atribuiu o nome de Jaime Moniz ao Liceu Nacional do Funchal. Em 1961, a CMF batizou a praça em frente da fachada principal do Liceu de “largo Jaime Moniz”. No ano seguinte, em 18 de fevereiro, foi colocada no centro da praça uma estátua esculpida em mármore, da autoria do mestre Anjos Teixeira, com a figura do cidadão madeirense nascido na cidade do Funchal, insigne pedagogo, político e professor.   Jorge Moreira de Sousa (atualizado a 05.02.2017)

História da Educação Personalidades

mercado interno (união europeia)

O mercado europeu é um espaço sem fronteiras internas no qual circulam livremente pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Com a integração dos mercados nacionais num espaço económico único procura alcançar-se aumentos de prosperidade, crescimento e emprego. Do mercado interno resultam benefícios significativos para os cidadãos europeus, tais como a mobilidade para trabalhar ou estudar, o aumento da gama de produtos e serviços, a tutela dos respetivos direitos enquanto consumidores, etc.; por seu turno, as empresas, ao operarem num contexto de maior dimensão do mercado e de concorrência, orientam-se por uma maior eficiência produtiva e pela procura de inovações diferenciadoras. As diferentes designações utilizadas, nomeadamente “mercado comum”, “mercado interno” e “mercado único”, correspondem a momentos cronologicamente distintos do percurso de integração, procurando-se através delas refletir o sucessivo aprofundamento e enriquecimento do mercado europeu. O mercado interno corresponde a um dos estádios ou fases da integração económica, entendendo-se esta como um processo composto por um conjunto de medidas que visam abolir a discriminação entre unidades económicas pertencentes a diferentes ordens nacionais (BALASSA, 1961). Seguindo o mesmo autor, um percurso de integração caracteriza-se por aprofundamentos sucessivos que assumem as seguintes formas: zona de comércio livre, união aduaneira, mercado comum, união económica e integração económica completa. Numa zona de comércio livre os Estados participantes suprimem as restrições tarifárias e quantitativas ao comércio entre si, conservando cada um deles a respetiva política tarifária perante terceiros; a união aduaneira pressupõe que, para além da supressão de restrições tarifárias e quantitativas, os Estados que a integram adotem uma pauta aduaneira comum; o mercado comum caracteriza-se pela abolição de restrições ao comércio, bem como de obstáculos à mobilidade de fatores; a união económica combina a supressão de restrições à livre circulação de bens, serviços e fatores com a harmonização das políticas nacionais em alguns domínios relevantes, a fim de eliminar tratamentos discriminatórios; por último, a integração económica completa pressupõe uma unificação das políticas monetária, orçamental, social e de contraciclo, o que implica a existência de autoridades supranacionais cujas decisões vinculam os Estados participantes. Esta classificação das fases da integração e, sobretudo, as características associadas pelo autor a cada uma delas não coincidem, com rigor, com as diversas etapas do processo de integração europeia (GRIN, 2003); no entanto, constituem um enquadramento teórico muito relevante para a compreensão da construção europeia. A análise do impacto económico dos processos de integração é objeto de vasta bibliografia. Neste domínio da teoria da integração releva o contributo de VINER (1950), o qual, segundo uma perspetiva estática, demonstra que as uniões aduaneiras geram efeitos positivos (criação de comércio) e negativos (desvio de comércio); outras análises, efetuadas de acordo com um prisma dinâmico, evidenciam os efeitos virtuosos da integração económica: a transferência de tecnologia, as economias de escala, o aumento da concorrência e da produtividade, o incremento do investimento e a diminuição do risco, entre outros.   Construção do mercado interno O Tratado que Institui a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma, 1957) estabeleceu como objectivo da integração económica a criação de um mercado comum, o qual pressupunha a concretização de uma união aduaneira, a eliminação de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente e a livre circulação de pessoas, serviços e capitais (arts. 2.º e 3.º, TCEE). Para alcançar estas realizações, fixou-se um período de transição de 12 anos, ou seja, até 1 de janeiro de 1970 (art. 8.º, TCEE); a união aduaneira foi concluída antes do termo daquele prazo, em 1 de julho de 1968. Para além da realização da união aduaneira, e da necessária política comercial comum, o mercado comum implicava também a efetivação da livre circulação de mercadorias, de serviços, de fatores de produção e de estabelecimento. Para tanto, procede-se à eliminação de restrições quantitativas, estabelecem-se as bases da livre circulação de trabalhadores dependentes e efetua-se uma harmonização parcial da fiscalidade indireta, com a implementação do IVA em 1970. Em domínios essenciais à concretização desta fase de integração, tais como a concorrência, a agricultura e pescas e os transportes, operou-se uma transferência de competências dos Estados-membros para a Comunidade, com vista à criação de políticas comuns, pelo que, durante a década de 60, se procedeu à definição da Política Comercial Comum, da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política de Transportes. Na década de 80, a livre circulação estava ainda longe de ser alcançada, em virtude de subsistirem cláusulas de salvaguarda, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas (designadamente sob a forma de regulamentações técnicas nacionais), práticas restritivas da concorrência promovidas por entes públicos (através, por exemplo, de auxílios estatais), bem como fortes entraves à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento. Verificava-se ainda a existência de diferenças consideráveis entre sistemas fiscais nacionais, em particular quanto à fiscalidade indireta, que se traduziam em acréscimos de custos de cumprimento, associados a formalidades administrativas, e em correlativas distorções de preços. Constatava-se também a presença de uma ampla diversidade de normas nacionais de carácter técnico (fundamentadas em razões de saúde pública, de proteção dos consumidores, sociais ou ambientais), as quais, para além de poderem dissimular intuitos protecionistas, constituíam em si mesmas entraves à livre circulação ao colocar sobre os produtos não nacionais o ónus de se terem de conformar com dois ordenamentos jurídicos distintos e, consequentemente, de incorrer em custos de adaptação de natureza produtiva ou administrativa. As dificuldades de concretização do mercado comum a este nível ficaram a dever-se, em grande parte, ao facto de a eliminação dos obstáculos decorrentes de regulamentações técnicas nacionais fazer-se por via da harmonização legislativa, o que exigia a unanimidade no Conselho (art. 149.º, TCEE). Perante estes entraves à plena concretização do mercado comum foi dado um impulso reformador no sentido do aprofundamento da integração económica através do Programa para o Mercado Interno, apresentado por Jacques Delors, seguido do Livro Branco, de 1985 (O Livro Branco da Comissão, elaborado por Lord Cockfield, e apresentado no Conselho Europeu de Milão, definia as reformas legislativas a efetuar e a transpor pelos Estados-membros até ao final de 1992: Completing the Internal Market: White Paper from the Commission to the European Council, COM(85) 310, junho de 1985). Entendendo que a realização do mercado europeu pressupunha uma supressão efetiva de fronteiras físicas, técnicas e fiscais, estes documentos propõem cerca de 300 medidas legislativas, a adoptar até 1992, destinadas a abolir o controlo de pessoas e mercadorias em postos aduaneiros internos; eliminar os entraves à circulação de mercadorias e serviços gerados por regulamentações nacionais; e aproximar a tributação indireta. Aponta-se também para a utilização de uma “nova metodologia” que privilegia o reconhecimento mútuo, reservando a harmonização técnica e normalização para as “exigências fundamentais” de segurança, de saúde e de proteção do ambiente. Assim, a par da relevância conferida ao princípio do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais, elaborado pela jurisprudência europeia, propõe-se uma maior flexibilidade no processo decisório de harmonização conjugada com uma nova metodologia – comitologia – destinada a eliminar o excessivo detalhe dos textos legislativos. Em consonância com aqueles objetivos de aprofundamento, o Ato Único Europeu (J.O. L 169/1 de 29/06/87), entrado em vigor a 1 de julho de 1987, introduziu no Tratado o conceito de “mercado interno”, como um “espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada”, a concretizar até 31 de dezembro de 1992 (art. 8.º-A, aditado ao TCEE). Para tal operou-se uma importante alteração do processo decisório substituindo-se a regra da unanimidade, vigente até então, pela da maioria qualificada, em domínios fundamentais como os direitos da pauta aduaneira comum, a livre prestação de serviços e a aproximação das legislações nacionais [art. 95.º (100.º-A), TCEE]. O Ato Único Europeu consagra uma articulação entre o aprofundamento do mercado comum e a coesão económica e social, bem como uma sedimentação da identidade europeia, a partir da plena circulação dos cidadãos num espaço sem fronteiras internas. A realização do mercado interno, nos termos delineados pelo Livro Branco, encontrava-se concluída no final de 1992, com a adopção de mais de 90% das medidas previstas naquele documento: alcançou-se a quase total livre circulação de pessoas e de mercadorias, a liberalização total dos movimentos de capitais e o aprofundamento da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Apesar destes progressos, o mercado interno ainda estava longe de ser uma realização plena em virtude de terem sido deixados de fora importantes domínios, como a harmonização fiscal e a liberalização de sectores económicos fundamentais, bem como por se constatarem atrasos na transposição de diretivas, transposição incorreta ou a sua inadequada aplicação pelas administrações nacionais. Para além destes aspetos, cedo se constatou a necessidade de aprofundar a harmonização surgindo sucessivas “gerações” de diretivas em diversos sectores, tais como os serviços financeiros, a supervisão financeira, a contratação pública, etc. A partir de 1992, foram tomadas várias iniciativas com vista ao maior aprofundamento do mercado interno, como o Plano de Ação para o Mercado Único a Estratégia para o Mercado Interno 1999-2002, a Estratégia para o Mercado Interno 2003-2006 e o Mercado Único para o Século XXI. Após duas décadas sobre o mercado interno, a UE propôs uma nova estratégia global de aprofundamento da integração de mercado, como condição para o aumento do crescimento, do emprego e da coesão social, ao publicar uma comunicação da Comissão intitulada Ato para o Mercado Único. Doze Alavancas para Estimular o Crescimento e Reforçar a Confiança Mútua “Juntos para um Novo Crescimento” (COM/2011/206 final, 13/04/2011). Com esta estratégia pretende estimular-se o crescimento e o emprego, restaurar a confiança dos cidadãos no mercado interno e proporcionar aos consumidores todos os benefícios que ele oferece. A fim de ultrapassar as falhas da integração do mercado, propõem-se reformas estruturais que permitam concretizar os objetivos de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo definidos pela estratégia “Europa 2020”. As falhas ou insuficiência do mercado interno, que agora se visa corrigir, respeitam à fragmentação do mercado, à eliminação dos obstáculos e barreiras à livre circulação dos serviços, à inovação e à criatividade. A Comissão identifica “doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança dos cidadãos”, a cuja execução associa ações-chave, entendendo-se que o sucesso desta estratégia só poderá ser alcançado se existir uma melhor governação do mercado único. O relançamento do mercado interno, agora proposto, evidencia uma estreita conexão entre as políticas e ações tradicionais relativas ao mercado interno e os aspectos da integração europeia de carácter social, atento o objectivo de concretização da economia social de mercado afirmado pelo Tratado da União Europeia (TUE) no número 3 do seu artigo 3.º.   Caracterização A UE estabelece um mercado interno (art. 3.º n.º 3.º, TUE). De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), “o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados”. Nos termos deste preceito o mercado interno europeu tem como núcleo essencial as quatro “liberdades económicas fundamentais”, no entanto a sua plena efetivação pressupõe a existência de uma união aduaneira e de um enquadramento de livre concorrência. A concretização das liberdades económicas fundamentais só pode ser alcançada se os mercados forem competitivos, pelo que o mercado interno “inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada” (Protocolo n.º 27, relativo ao mercado interno e à concorrência). Nesta medida, o modelo de mercado interno europeu integra um conjunto de normas de “defesa da concorrência”, aplicáveis às empresas e aos Estados-membros (arts. 101.º a 109.º, TFUE). Ligadas indissociavelmente à construção do mercado interno encontram-se as normas relativas à “política comercial comum” (arts. 206.º e 207.º, TFUE), que disciplinam a vertente externa da união aduaneira, e as “disposições fiscais” (arts. 110.º a 113.º, TFUE), com base nas quais se procura que os custos associados à tributação indireta não representem distorções à concorrência e obstáculos ao funcionamento do mercado interno. A concretização do mercado europeu é acompanhada de uma “política de coesão” (art. 3.º n.º 3.º, TUE; arts. 174.º a 178.º, TFUE) que visa assegurar que todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica, beneficiem e contribuam para esse mercado. O mercado interno constitui um domínio de competência partilhada entre a União e os Estados-membro (art. 4.º, n.º 2 a), TFUE).   União aduaneira A livre circulação de mercadorias implica que estas circulem sem entraves no espaço territorial da UE. Para alcançar plenamente essa liberdade devem ser eliminadas todas as barreiras de natureza tarifária ou aduaneira, assim como as barreiras não tarifárias. Pressupõe-se, portanto, uma eliminação das normas nacionais que estabeleçam encargos pautais ou encargos de efeito equivalente, bem como das normas que criem obstáculos quantitativos ou que consubstanciem medidas de efeito equivalente. A eliminação de barreiras tarifárias é alcançável através da concretização da união aduaneira (art. 30.º a 32.º, TFUE), alcançando-se a eliminação de barreiras não tarifárias através da proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente a estas (art. 34.º a 36.º, TFUE). Nos termos do artigo 28.º TFUE, “a União compreende uma união aduaneira”, que abrange todo o comércio de mercadorias (arts. 28.º n.º 2 e 29.º, TFUE), implica a proibição de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de encargos de efeito equivalente entre os Estados-membros (arts. 28.º n.º 1 e 30.º TFUE) e pressupõe a adoção de uma Pauta Aduaneira comum (arts. 28.º n.º 1 e 31.º, TFUE). Tem a natureza de “encargo de efeito equivalente” qualquer encargo pecuniário, seja qual for a sua dimensão, designação e técnica de aplicação, imposto unilateralmente sobre as mercadorias pelo mero facto de atravessarem uma fronteira – e que não se trate de um direito aduaneiro em sentido estrito –, mesmo que não seja estabelecido em benefício do Estado, não tenha um efeito de discriminação ou de proteção, ou mesmo se o produto sobre o qual incide não concorrer com nenhum produto nacional (ac. Comissão/ Luxemburgo e Bélgica, Procs. 2/62 e 3/62, Col., 1962-1964, p. 147; ac. Alemanha/ Comissão, Procs. 52/65 e 55/65, Col. ed. port., p. 319; ac. Comissão/ Itália, Proc. 24/68, Col. 1969, p. 193; ac. Diamandarbeiders, Procs. 2 e 3/69, Col. 1969, p. 211). A jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu o “efeito direto vertical” do artigo 30.º do TFUE no ac. Van Gend en Loos (Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205). A união aduaneira constitui um domínio de competência exclusiva da UE (art. 3.º n.º 1 a), TFUE).   Liberdades económicas fundamentais As quatro liberdades encontram-se consagradas no direito primário da UE nas seguintes normas: livre circulação de mercadorias (arts. 30.º a 37.º, TFUE), de pessoas (arts. 45.º a 55.º, TFUE), de serviços (arts. 56.º a 62.º, TFUE) e de capitais (arts. 63.º a 66.º, TFUE). Para além da liberdade de circulação de mercadorias e serviços a integração do mercado europeu pressupõe também a livre circulação de recursos produtivos a fim de se alcançar a sua alocação mais eficiente, ou seja, o respetivo emprego em utilizações mais valiosas, geradoras de maiores ganhos de bem-estar. As disposições do Tratado relativas às liberdades de circulação disciplinam o exercício de atividades económicas transfronteiriças, proibindo medidas nacionais discriminatórias ou medidas indistintamente aplicáveis que restrinjam o direito de acesso ao mercado (ac. Dassonville, Proc. 8/74, Col. 1974, p. 837; ac. Rewe-Zentrale AG, Proc. 120/78, Col. 1979, p. 649); constituem, por isso, mecanismos jurídicos nucleares na concretização de “um espaço sem fronteiras internas” (art. 26.º n.º 2, TFUE). As normas do direito primário que consagram as liberdades económicas têm aplicabilidade direta (i.e., integram as ordens jurídicas dos Estados-membros sem que seja necessária qualquer medida de receção no direito nacional; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205) e efeito direto vertical (conferem aos particulares direitos de que estes se podem prevalecer perante a ordem jurídica nacional, relativamente a medidas dos Estados-membros; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205; ac. Salgoil, Proc. 13/68, Col. 1973, p. 453; Ac. Van Duyn, Proc. 41/74, Col. 1974, p. 1337; ac. Costa/ENEL, Proc. 6/64, Col. 1964, p. 1251; ac. Van Binsbergen, Proc. 33/74, Col. 1974, p. 1299). Em determinadas circunstâncias e condições as normas relativas às liberdades fundamentais da UE podem ter efeito direto horizontal (i.e., são constitutivas de direitos subjetivos oponíveis a particulares; ac. Bosman, Proc. C-415/93, Col. 1995, p. I-4921; ac. Angonese, Proc. C-281/98, Col. 2000, p. I-4139) e efeito indireto horizontal, por via dos deveres de proteção do Estado (ac. Comissão/França, Proc. C-265/95, Col. 1997, p. I-6959; Ac. Schmidberger, Proc. C-112/00, Col. 2003, p. I-5659). As medidas nacionais restritivas das liberdades económicas fundamentais podem considerar-se justificadas com base nas derrogações expressas previstas no Tratado (art. 36.º, 45.º n.º 3, 52.º e 62.º, TFUE), bem como em “exigências imperativas” ou “razões imperiosas de interesse geral”.   Mercado interno e União Económica e Monetária A maximização das vantagens da integração dos mercados só é alcançável se for possível operar uma efetiva comparação de preços dos bens e dos factores produtivos em todo o espaço do mercado. Nesta medida, compreende-se que, num percurso dinâmico de integração, o aperfeiçoamento do mercado interno determine a criação de uma união económica e monetária, enquanto mecanismo capaz de garantir a estabilidade e a comparabilidade dos preços e de evitar distorções à concorrência geradas por custos e desvalorizações cambiais. Em síntese, os benefícios potenciais do mercado único só são alcançáveis com uma moeda única, de forma a assegurar a transparência de preços, a redução de custos de transação e a eliminação de riscos cambiais. O Ato Único Europeu (1986), ao estabelecer o desígnio de criação do mercado interno, contribuiu para generalizar o entendimento de que a concretização daquele mercado, por determinar uma significativa interdependência entre as economias dos Estados-membros, aconselhava a uma maior convergência das políticas nacionais, sob pena da total liberdade de circulação de capitais e da plena integração dos mercados financeiros imporem, no plano nacional, difíceis ajustes monetárias e económicos. O Tratado de Maastricht (1992) consagrou a base jurídica de criação da União Económica e Monetária (arts. 119.º a 144.º, TFUE), seguindo as linhas gerais do Relatório Delors (1989). É inequívoca a particular interdependência entre a liberdade de circulação de capitais (uma das quatro liberdades económicas fundamentais do mercado interno) e a União Económica e Monetária. Se, por um lado, a criação da união monetária impulsionou o aprofundamento da livre circulação de capitais, enquanto pré-condição para a efetivação daquele estádio de integração, por outro, esta liberdade só pode concretizar-se plenamente quando existe uma política monetária e cambial únicas. Com a livre circulação de capitais pretende-se que a mobilidade deste recurso seja essencialmente determinada por razões económicas, deslocando-se o capital em busca da maior reprodutividade, o que é sinónimo de uma alocação mais eficiente. Um espaço unificado a nível cambial permite eliminar diferenças cambiais e custos de conversão, contribuindo para essa mobilidade. Deve ainda ter-se em conta que a existência de uma política monetária única e a coordenação das políticas económicas nacionais introduz uma maior estabilidade de preços e uma diminuição de riscos, o que mitiga a deslocação de capitais orientada pela obtenção de ganhos especulativos. O mercado interno europeu encontra-se, por isso, inextricavelmente associado à União Económica e Monetária, correspondendo esta a um estádio evolutivo de integração mais aperfeiçoado que tem por base o funcionamento do mercado europeu e, simultaneamente, contribui para o seu aprofundamento.   Madeira No quadro do direito da UE, a RAM é qualificada como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adotadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos Tratados nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais. As referidas medidas específicas não podem pôr em causa, porém, a integridade e coerência do ordenamento jurídico da União, incluindo o mercado interno (art. 349.º, TFUE).     Paula Vaz Freire (atualizado a 05.02.2017)

Economia e Finanças

estufas, impostos sobre as

Era um imposto especial e privativo da Madeira, sendo uma receita da Junta Geral, usada, entre outras coisas, para a construção e a preservação das estradas. Foi instituído em 1805 e terá sido extinto em 1856 – tendo a Junta deixado de usufruir da sua receita, única fonte de financiamento que tinha para as obras públicas –, certamente devido às dificuldades por que passara a cultura da vinha, com o aparecimento, em 1852, do oídio; com efeito, em 1857, Francisco Correia Herédia referia que o imposto nada produzia. Todavia em 1888, vemos publicitada a cobrança do imposto na imprensa, de acordo com uma tabela de 1837, o que pode significar que o mesmo foi restabelecido. De facto, num regulamento da Câmara do Funchal de 1919, aparece uma taxa sobre as estufas de sol e as de calor artificial, sendo, respetivamente, de 8$05 e 30$00. Tratava-se de uma contribuição distrital, sendo a arrecadação e a aplicação da receita feita na área do distrito. Em 1806, a sua receita foi usada para financiar a construção da cadeia pública. Em 1838, usou-se 67 % da quantia na construção e na reparação de estradas. Depois, tornou-se o suporte financeiro dos melhoramentos da agricultura e das estradas, sendo apresentada, em 1843, como a única receita da Junta Geral. Nesse ano, a Junta encarregou um empregado seu da função de arrecadar este direito e de fiscalizar a contribuição das estradas e a escrituração da receita e da despesa. Todavia, em 1844, refere-se que o ato de carregamento da estufa deveria ser comunicado à secretaria do Governo e, em 1906, que o engenheiro agrónomo do distrito deveria ser informado desse facto. Nos inícios do séc. XIX, as estufas haviam proliferado por toda a cidade do Funchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e das respetivas lojas. A Fazenda Real viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo um imposto mensal de 16.000 reis, por cada estufa, sem ter em conta o tamanho ou o número de pipas que aí se cozia. Em março de 1806, a Junta dava conta da resolução régia de 12 de junho de 1805, propondo que o imposto, aplicado a todas as estufas, o fosse de acordo com a capacidade de cada uma. Mas, noutra conta, de 23 de agosto de 1806, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de julho, a Junta propõe o lançamento de um imposto de 12.000 reis, por pipa, em cada mês, de acordo com o que já havia deliberado numa reunião de 26 de março. No entanto, a 25 de fevereiro de 1807, a Junta fez o assento de um novo decreto, de 15 de dezembro de 1806, comunicado por provisão do Erário Régio de 16 de fevereiro de 1807, e alterou o imposto, de 16.000 reis mensais por cada pipa, para 1.920 reis por pipa cozida. Por isso, ordenou ao deputado corregedor da Câmara que vistoriasse as estufas, verificasse a capacidade e cobrasse a soma respetiva, impondo-se a pena de imposto dobrado para aqueles que fizessem novas entregas e as não manifestassem. Tudo isto foi regulamentado publicamente por edital de 28 de fevereiro de 1807, em que se tinha em conta, não só a medida de cada estufa, mas, igualmente, o número de pipas carregadas por temporada lançando-se, depois, mensalmente, a respetiva imposição. Por decreto de 23 de julho de 1834, sucedeu nova alteração, passando a imposição a ser cobrada mensalmente a partir de então, à taxa de 200 reis, por pipa de vinho cozida. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinho submetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processo de aquecimento, de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com o decreto de 1805, que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em laboração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e dos proprietários, pelo que se mandou proceder a um inventário ou manifesto, por editais de 29 de outubro e de 26 de novembro de 1806. De acordo com os editais, o dono deveria dirigir-se à Junta para registar as estufas, pois, caso contrário, seriam encerradas. A partir de 1806, a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capacidade, não se tendo em conta os meses de laboração e a quantidade de vinho. Apenas se tornava necessário vistoriá-las para dar conta do número de pipas que cada uma podia conter. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maior vigilância na laboração e, ao mesmo tempo, era preciso uma ação de fiscalização nos momentos de carga e descarga, de forma a estabelecer-se o cômputo do número de pipas em laboração. Em 1831, estabeleceu-se que o imposto deveria ser lançado sobre todo e qualquer método de construção, sempre que se aproveitasse o calor do fogo artificial. Daqui resultou que a cobrança, feita em 1839 e em 1840, atingia o vinho que amadurecia ao ar livre, em cima dos fornos de cozer pão, o que foi considerado lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado como o principal fator de entorpecimento das trocas. A estrutura administrativa para a cobrança do imposto era simples. A partir de 1807, a tarefa de vistoriar as estufas ficou a cargo do deputado executor ou corregedor da comarca, cargo que, em 1821, era ocupado por Luís António Oliveira, nomeado pela Junta, e em 1825 por João da Cruz Henriques. O administrador era coadjuvado por alguns fiscais. O imposto foi confirmado por carta de lei de 20 de fevereiro de 1835, sendo três os fiscais que o supervisionavam: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares e Tude Fernando Carmo. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento que, como se pode inferir por vários documentos, era muito morosa, tardando, frequentemente, os devedores a realizar o seu pagamento e obrigando a Junta a notificá-los por várias vezes, ou a proceder judicialmente. Em alguns casos, chegou-se mesmo a confiscar as estufas e a pô-las em hasta pública, para se poder reaver os direitos em dívida ou proceder à avaliação dos bens confiscados. A partir de 1843, a Junta Geral decidiu encarregar um seu funcionário da arrecadação da taxa. De acordo com determinação da mesma Junta, de 1844, todos os proprietários de estufas, no momento de proceder ao carregamento, que acontecia normalmente nos meses de novembro a fevereiro, deveriam dar conta do seu carregamento na secretaria da junta, para se proceder ao lançamento da taxa. Noutro aviso de 1906, refere-se que todo o movimento que aconteça nas estufas deverá ser comunicado ao engenheiro agrónomo do distrito. Esta fiscalização visava evitar abusos, nomeadamente na cobrança das taxas. Ainda em 1918, o diretor da Alfândega, em aviso de 18 de abril, informava que todos os mostos e vinhos que entrassem nas estufas deveriam ser fiscalizados no ato de entrada e só depois disso poderiam ser baldeados para as cubas de aquecimento. Depois, à saída para a Alfândega ou os armazéns, deveriam ser portadores de uma guia de trânsito. Também se informava que a delegação agrícola realizava análises dos vinhos estufados, tirando as amostras adequadas.     Alberto Vieira (atualizado a 04.02.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

colégio de machico

O Externato Tristão Vaz Teixeira, também conhecido por Colégio de Machico, foi inaugurado em 11/10/1965 e foi estatizado em 30/09/1976. Precedido pelo colégio de S. Vicente, pioneiro do ensino secundário no meio rural, inaugurado em 1964, foi a segunda escola superior ao 1.º ciclo do básico criada na ilha da Madeira fora do Funchal, tendo desempenhado um papel assaz relevante no desenvolvimento pessoal e social das populações daquela zona no leste da ilha. No início do séc. XXI, passou a existir no seu lugar a Escola Básica e Secundária de Machico. O Colégio foi fundado por dois professores vindos do continente. Em setembro de 1965, o Dr. Emídio César de Queiroz Lopes, professor de Matemática, Física e Química, que era diretor da Escola Secundária de Santa Comba Dão, e a sua esposa, também professora, a Dr.ª Maria Ariete Teixeira de Aguiar, filha de Machico, professora de Português, História e Geografia, foram convidados por João Carlos de Sousa, então presidente da Câmara de Machico, para abrirem um colégio do ensino secundário naquela localidade. O autarca prometeu o apoio da Câmara, que pagaria, durante três anos, uma verba anual de 30 contos desde que fosse recebida uma meia dúzia de jovens de famílias sem meios para pagar o ensino. No mês seguinte, com a autorização do Ministério da Educação, o Dr. Emídio Lopes chegou a Machico, tendo ficado logo decidida a instalação do novo colégio. Para local foi escolhido o Hotel de Machico, há muito encerrado. Foi mandado fazer localmente o mobiliário escolar necessário. Foi difícil recrutar os professores necessários, pois foram abertos logo os cinco anos do curso liceal e o curso comercial; aproveitaram‑se os talentos locais, cientes de que a sua dedicação sairia recompensada. Do Funchal vieram as professoras de Inglês e Francês; couberam as Ciências Naturais às farmacêuticas de Machico e Santa Cruz, recrutaram‑se professoras primárias das duas vilas; Manuel Araújo, chefe do posto policial, habilitado com o Curso Comercial, lecionou Datilografia e Caligrafia a alunos que obtiveram altas classificações nos exames da Escola Industrial e Comercial do Funchal; as aulas de Trabalhos Oficinais, que eram na altura exigidas no Ciclo Preparatório do Curso Comercial, foram desempenhadas pelo mestre Fernando, habilitado com o curso de faróis e faroleiro da ponta de São Lourenço, que já tinha construído as estruturas de metal das novas carteiras dos alunos; coube ao padre da freguesia do Caniçal lecionar Religião e Moral. Todos ensinaram com brio as disciplinas que lhes foram confiadas. O primeiro dia de cada período era dedicado à formação de professores que, em discussão de grupo, comentavam textos pedagógicos selecionados pelo diretor, habilitado com curso de Ciências Pedagógicas, que recebia regularmente documentação do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigido então por Alberto Martins de Carvalho, de quem fora aluno no Liceu D. João III. O nome do Colégio é o do navegador Tristão Vaz Teixeira, escudeiro do infante D. Henrique (acompanhou‑o a Ceuta e Tânger), descobridor da ilha de Porto Santo e, em 1440, e o primeiro responsável pela Capitania do Machico em 1440. Na cerimónia de inauguração, no início do ano letivo de 1965/1966, estiveram presentes o presidente da Junta Autónoma da Madeira, Homem Costa, o presidente da Câmara de Machico, juntamente com alguns membros da vereação, o P.e Manuel Andrade, o pároco local, para além de muitos elementos da população, que encheram a sala. Discursaram o presidente da Junta Autónoma e o presidente da Câmara. O Colégio rapidamente ganhou reconhecimento. Mais tarde, todos os alunos ocupavam os seus tempos livres em atividades prescritas pelo método pedagógico de Freinet, uma corrente da chamada “escola nova”: agricultura, tela e bordado, cestaria, marcenaria e serralharia. Desenvolveram‑se campos de agricultura em Santa Cruz, perto do Aeroporto da Madeira, e no Caniçal. Os trabalhos de serralharia, orientados pelo mestre Fernando, decorriam no edifício do cabrestante, que estava sem uso e que foi cedido pela Câmara para esse efeito. Os produtos destas atividades e as peças em ferro forjado, algumas encomendadas, eram vendidos pela Cooperativa dos Alunos. Também se confecionaram enxovais para crianças de famílias mais carenciadas (na déc. 60 do séc. XX naquela região da Madeira, a pobreza era manifesta). O Colégio interessou‑se pelo cultivo das artes. As aulas de Educação Musical foram lecionadas pelo pianista João Luís Abreu, professor do Conservatório do Funchal. Compraram‑se dois pianos, um para o Colégio e outro para a Escola do Ciclo Preparatório. Além do ensino da Música, onde se iniciou o maestro da Banda Municipal, Amaro Nunes dos Santos, os alunos representaram no Cinema de Machico, com lotação esgotada, a peça O Auto do Curandeiro, de António Aleixo. Em 1967, não existia ainda Escola de Hotelaria da Madeira. Assim, a empresária de turismo Fernanda Pires da Silva, que desenvolveu a Matur, proprietária do Hotel Holiday Inn, que muito contribuiu para o desenvolvimento de Machico, solicitou ao diretor do Colégio que formasse as empregadas de que o seu empreendimento necessitava. Eram precisos conhecimentos de inglês, de serviço hoteleiro (quartos e refeições), de etiqueta, etc. As empregadas preparadas pelo Colégio revelaram‑se boas profissionais na Matur. Em 1968, o Colégio realizou com êxito, durante dois dias, um curso de formação de alunos, presidido por D. Maurílio de Gouveia, mais tarde bispo de Évora, com a colaboração do vice-presidente da Junta Geral, do diretor dos Serviços Sociais da Madeira e de vários professores, que desenvolveram com os alunos temas de formação pessoal, social e valores. Em 1970, dado o visível aumento do número de alunos e na impossibilidade de os acolher a todos, diretor dirigiu‑se ao ministro da Educação, Veiga Simão, de quem fora colega na Universidade de Coimbra, solicitando-lhe que fosse criada no local uma escola do ciclo preparatório, ficando o Colégio apenas com os ensinos liceal e técnico. O ministro acedeu e, em outubro de 1970, foi criada uma secção da Escola Gonçalves Zarco, sediada no Funchal, que funcionou durante dois anos no Colégio, enquanto o edifício da nova escola não ficava concluído. Os alunos do ciclo preparatório passaram então do ensino privado para o ensino público. A escola do ciclo recebeu também adultos que buscavam complemento de formação. Quando se abriram, na escola preparatória, as inscrições para o primeiro curso de adultos, em 1972/1973, foi tão grande a procura, que foi necessário abrir duas turmas para acolher 60 pessoas em regime noturno. Em reconhecimento pela sua qualidade pedagógica, em 1971/1972 e 1972/1973, o Colégio foi encarregado pelo Ministério da Educação de proceder à distribuição e recolha das provas de exame do ciclo preparatório nos colégios do campo na Madeira. Em 1972/1973, foi pedido ao seu diretor que desse um curso de formação em Matemática Moderna aos professores do ciclo preparatório da Madeira, que decorreu naquele ano letivo, na Escola Gonçalves Zarco. A qualidade do ensino era avaliada por inspeções do Ministério da Educação. No ano letivo de 1972/1973, coube a inspeção a Paulo Crato – pai de Nuno Crato, que foi ministro da Educação no XIX Governo constitucional –, que almoçou com professores e alunos no refeitório, em edifício atrás do Mercadinho. O alargamento da escolaridade obrigava a medidas de inclusão. A partir do ano letivo de 1973/1974 foi celebrado um contrato de associação com o Estado. Todos os alunos do Colégio (liceal e técnico) passaram então a desfrutar de ensino gratuito. O número de alunos cresceu rapidamente; tendo-se iniciado com 78 alunos em 1965, as duas escolas serviam, em 1975/1976, cerca de 1200 alunos. A Revolução de 25 de abril de 1974 provocou grandes mudanças. Em 1974/1975, os 10 colégios do ensino particular da Madeira elegeram por unanimidade o Colégio de Machico para defender o ensino privado, contra a política de estatização do ensino então prevalecente, em várias reuniões com o secretário da Educação e o presidente da Junta Governativa. Foi uma luta perdida. O Colégio passaria para a mão do Estado em setembro de 1976, transformando‑se numa escola inteiramente pública. No dia 10 de outubro de 2015 foram celebrados os 50 anos da fundação do Colégio, numa festa onde se relembraram os tempos antigos. Foi formulada uma proposta para dar os nomes do primeiro diretor e da professora sua mulher à escola que o substituiu. O antigo diretor, que fora viver para Oeiras, aproveitou o seu tempo de reforma para desenvolver materiais pedagógicos para o ensino da Matemática, exercer tarefas de voluntariado em escolas e traduzir vários livros de grande interesse para a história da ciência, como obras de Descartes, Newton, Huygens, Lavoisier e Fresnel. Para ajudar na sua difusão, criou a sua própria editora, a Prometeu.   Carlos Fiolhais (atualizado a 29.01.2017)

Educação Património História da Educação

gabinetes de leitura

Cidade aberta à presença de estrangeiros, nomeadamente Ingleses, o Funchal do séc. XIX nem sempre respondia às solicitações culturais de quem visitava a cidade. O madeirense era pouco letrado e os estrangeiros queixavam-se do facto de não haver livrarias na cidade. Referiam-se, porém, à existência de gabinetes de leitura, lugares onde podiam conviver, ler jornais e revistas ingleses, em clubes onde pagavam quotas. Estes gabinetes eram, então, de acesso privado. Alguns dos estrangeiros que falam da ilha da Madeira referem-se-lhes. Em 1840, Fitch Taylor regista a sua existência no relato que faz da sua viagem à volta do mundo. O mesmo acontece no texto A Winter in Madeira, de 1850. Estes gabinetes revelam-se uma necessidade dos Ingleses e são referenciados nos guias de viagem. O Clube Inglês disponibilizava aos seus membros, para além dos jornais e das revistas, livros de tipologia diversa – desde ensaios e trabalhos científicos até “literatura ligeira da época” (DIX, 1850, 90). Nos começos do séc. XIX, a biblioteca deste clube detinha cerca de 2000 títulos – afirma-o um guia para viajantes e para “inválidos”. Este Clube Inglês, fundado em 1832, também conhecido como “english rooms”, situava-se na R. da Alfândega, entre as duas entradas do Blandy Brothers (Banqueiros Lda.), segundo consta do guia para o visitante assinado por Gordon Brown, o que evidencia a clara importância que esta estrutura teria para suprir as necessidades dos visitantes. Mediante uma quota semestral de 15 dólares, os estrangeiros poderiam conviver, jogar cartas ou bilhar, assim como consultar os mais recentes jornais, periódicos e livros ingleses. O gabinete de leitura do Clube Português não tinha livros, mas apenas jornais e revistas, em português. Não obstante verificar-se um maior interesse e uma maior divulgação dos gabinetes de leitura que servem os turistas que descobrem a Ilha, a verdade é que há referências a associações mais abrangentes, onde a preocupação com a leitura começa a fazer-se sentir. Numa nota a “Instrução pública”, relativa ao período monárquico-liberal, Álvaro Rodrigues de Azevedo remete para dois clubes recreativos, criados por associações particulares, com gabinetes de leitura: o União, criado a 10 de março de 1836, na Pr. da Constituição; e o Funchalense, estabelecido “ao Carmo, mas desde muitos anos também, no palácio da rua do Peru”. Este autor, nas notas que apõe a Saudades da Terra, faz menção de outro gabinete, inserido na Associação Comercial, que se situava à entrada da cidade, assim como “o princípio de uma biblioteca no Grémio Recreativo dos Artistas” (FRUTUOSO, 1873, 804-805). Na realidade, os estatutos de 1836 da Associação Comercial do Funchal já permitiam o acesso a periódicos, mapas, folhetos, livros e notícias, abrindo caminho para a instalação de um gabinete de leitura que, tal como o seu congénere do Clube Inglês, funcionava como um centro de encontro e convívio entre os sócios e os visitantes. No inventário de 1884 desta Associação consta a existência do mobiliário do gabinete de leitura, não havendo referência a qualquer armário, móvel ou estante para arrumação de livros e jornais, que estariam guardados fora do alcance dos utilizadores, na sala de sessões. Em 1897, é aprovado o projeto de regulamento da biblioteca e do gabinete de leitura desta Associação, clarificando as funções de cada um: o gabinete de leitura teria apenas o catálogo das obras existentes na biblioteca, e jornais, que um amanuense distribuía e recolhia diariamente e que eram facultados, mediante bilhetes de requisição, quer a sócios da Associação, quer a assinantes do gabinete. Nesse espaço, não era permitido fazer barulho, fumar, “levar para fora […], extraviar, mutilar ou danificar os jornais ali expostos” (MELLO e CARITA, 2002, 164), cabendo ao diretor da biblioteca zelar pelo bom funcionamento do gabinete. O gabinete, cujo horário era das 06.00 h às 21.00 h, permanecia aberto até mais tarde nos dias da chegada dos navios de Lisboa e dos paquetes ingleses que traziam notícias do mundo. Não temos conhecimento se as outras Associações que, entretanto, se formaram na cidade do Funchal teriam serviço semelhante. Na realidade, os gabinetes de leitura abriam as portas para a criação das bibliotecas públicas. No Funchal, à semelhança do que acontecia em outras cidades – sobretudo nas capitais dos distritos –, a Câmara fundou uma biblioteca pública, no dia 12 de janeiro de 1838, com um acervo constituído pelos 193 volumes da Encyclopedia Methodica, comprada aos herdeiros do conde de Canavial, e, em 1844, o município do Funchal solicita alguns livros do depósito das bibliotecas dos conventos extintos, tendo recebido, em 1863, 3060 volumes, em latim, português, francês, italiano e inglês. Um relatório americano dá conta dessa Biblioteca Municipal, em 1893. No começo do séc. XXI, as bibliotecas públicas oferecem serviços similares, agora gratuitos, apesar da necessidade de aquisição de um cartão de leitor/utilizador, que permite o acesso aos espaços das bibliotecas e dos centros de documentação, bem como à leitura, empréstimo e reserva de obras, à utilização de computadores e acesso à Internet, à visualização de conteúdos audiovisuais, entre outros serviços.     Graça Alves (atualizado a 01.02.2017)

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