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energia elétrica

Antes de se poder usar eletricidade para a iluminação, o azeite era o combustível mais utilizado para esse fim. Até ao final do séc. XIX, os madeirenses utilizaram velas ou candeeiros alimentados a azeite (e posteriormente a petróleo) para a iluminação. À noite, as ruas e os espaços públicos mergulhavam numa completa escuridão. “De longe em longe, um traço de luz coado pelas vidraças das habitações ou uma lanterna guiando algum transeunte noctívago, vinham quebrar momentaneamente as trevas em que a cidade [do Funchal] se achava sepultada” (SILVA e MENESES, 1998, II, 268). A iluminação pública do Funchal surgiu em 1846, numa iniciativa do governador civil José Silvestre Ribeiro, que mandou colocar alguns candeeiros a azeite em pontos centrais da cidade, como forma de melhorar a segurança da população madeirense. A esta iniciativa juntaram-se outras de carácter privado, de pessoas abastadas e de alguns britânicos estabelecidos no Funchal, que contribuíram para a iluminação das ruas com candeeiros instalados nas suas próprias habitações. Os candeeiros teriam dois ou três bicos e tinham como combustível o azeite, o óleo de peixe ou de purgueira. Em 1849, chegaram a existir cerca de 70 candeeiros para a iluminação da cidade do Funchal. Mais tarde, em 1870, a Câmara do Funchal assumiu os encargos com a iluminação e instalou candeeiros em mais alguns pontos da cidade. “Da extremidade de umas hastes de ferro horizontais, de pouco mais de um metro de comprimento, pendiam os candeeiros, sendo os mais antigos amarrados a uma corrente, que, ao longo da haste e da parede, se vinha prender numa fechadura que era aberta para fazer subir ou descer o depósito do combustível e assim proceder-se à sua limpeza e também acender-se ou apagar-se o candeeiro. Depois passaram a estar fixos na extremidade de varas de ferro, sendo preciso o auxílio de escadas para todo o serviço de iluminação” (SILVA e MENESES, 1998, II, 138). Por esta altura, o petróleo começou a ser utilizado como alternativa ao azeite, por gerar uma chama mais intensa. Acompanhando o desejo de progresso que se verificava noutras cidades europeias, houve algumas tentativas, aliás sem sucesso, de mobilização para a implementação da iluminação pública do Funchal a gás. No entanto, o passo decisivo, em termos de progresso, deu-se com a instalação da luz elétrica. A 22 de maio de 1895, a Câmara fez uma concessão ao engenheiro portuense Eduardo Augusto Kopke para a iluminação pública do Funchal. Passado um ano, este engenheiro transferiu o seu contrato para a empresa inglesa The Madeira Electric Lighting Company Limited, conhecida na Madeira como Companhia da Luz Elétrica. Esta empresa implementou a primeira rede de iluminação elétrica e procedeu à instalação da Central Térmica do Funchal, para a produção de energia elétrica. Em 1897 inaugurava-se a luz elétrica no Funchal. A primeira central tinha apenas um grupo gerador a vapor, com potência de 35 cv. No período de 20 anos que se seguiu à inauguração da Central Térmica do Funchal, o uso da energia elétrica foi-se tornando essencial no quotidiano dos madeirenses. O objetivo do contrato de concessão com a empresa inglesa foi totalmente cumprido. Existiam “em toda a cidade e subúrbios 14 arcos voltaicos e 1400 lâmpadas, estendendo-se a mesma iluminação até o Lazareto, quinta Reid, no Caminho do Meio, Conceição, em S. Roque, Quinta do Leme, em Santo António, Nazaré, em São Martinho, e Confeiteira, no Monte” (SILVA e MENESES, 1998, II,269). Para dar resposta às exigências do crescente consumo de eletricidade, a empresa inglesa ampliou, por diversas vezes, a pequena central elétrica do Funchal, já conhecida como Casa da Luz. Em 1925, foi alargado o prazo do contrato de concessão à Madeira Electric Light Company, de 45 para 50 anos. A empresa construiu uma nova central, num espaço contíguo ao anterior, onde foram instalados, ao longo de 11 anos, 6 grupos eletrogéneos. A potência total nominal era, então, de 1890 kW. Mas a Segunda Guerra Mundial trouxe muitas dificuldades à empresa inglesa no que diz respeito ao abastecimento de combustível. Um pouco por toda a Ilha, nasciam iniciativas privadas para a produção hidroelétrica, com vista a responder às necessidades de energia elétrica em locais mais remotos. Entretanto, o Governo português enviou à Madeira uma missão técnica, liderada pelo Eng.º Rafael Amaro da Costa, para estudar o aproveitamento das águas da Ilha para rega e energia elétrica. Foi aprovado em 1943 o plano dos novos aproveitamentos hidráulicos da Madeira e constituída a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), que se instalou no Funchal em 1944 e deu imediatamente início à execução do novo plano. Findo o prazo do contrato de concessão à empresa inglesa, e apesar do seu manifestado interesse em não a renovar, aquele foi novamente alargado por mais cinco anos. Em abril de 1949, o município do Funchal assumiu a substituição das funções da Madeira Electric Lighting Company pelos Serviços Municipalizados de Eletricidade. A produção e o fornecimento de energia elétrica do arquipélago, essenciais para o seu desenvolvimento, são assim transferidos para o sector público. Nos anos 50, foram atribuídas à CAAHM as funções de produção, transporte e distribuição de energia elétrica em toda a Ilha. Em 1953, começaram a funcionar as centrais hidroelétricas da Serra de Água e da Calheta, que garantiram energia elétrica a zonas rurais. A Ribeira Brava foi a primeira vila a receber energia elétrica. A aprovação do plano de eletrificação rural, que se veio a estender à ilha do Porto Santo, alargou a rede elétrica a todo o arquipélago. No Funchal, foi construída a sede da CAAHM, na Av. do Mar, e reequipou-se a sua central térmica com novo grupo eletrogéneo de 1000 kW. Edificou-se a Central Térmica do Porto Santo, que foi inaugurada a 9 de agosto de 1954. O consumo crescente de energia elétrica esteve na origem da construção de uma nova sala de máquinas, que ficava localizada a leste da anterior, onde foram colocados três grupos, um de 5145 e dois de 4320 kW. Na déc. de 70, conquistada a autonomia para a Madeira, o Governo regional transformou a CAAHM, então responsável pela produção, transporte e distribuição de eletricidade, numa empresa pública, a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM). A EEM lançou-se a grandes obras com vista à eletrificação de toda a ilha da Madeira: foi construída a Central da Vitória, em 1980; a rede de baixa tensão estendeu-se por 456 km; e foram instalados 786 postos de transformação e 8498 focos de iluminação pública. Foram também criados mais três grupos de 5145 e 4329 kW para dar resposta à maior necessidade de consumo derivada do acelerado ritmo de desenvolvimento socioeconómico da Região. A produção de energia hidroelétrica, a partir de 1951, e a produção de outras energias renováveis, em finais do séc. XX, fizeram do arquipélago da Madeira um exemplo de inovação na diversificação de fontes de energia e de sustentabilidade energética. Nos anos 90, a EEM passou a sociedade anónima de capitais exclusivamente púbicos (dec. leg. regional n.º 14/94/M, de 3 de junho).   Casa da Luz O edifício sede da EEM, situado na Av. do Mar, foi sempre conhecido pelos madeirenses como Casa da Luz. Este edifício foi construído em 1956, tendo sido projetado pelo Arqt. Chorão Ramalho. Nele funcionam os serviços administrativos e técnicos da EEM e a subestação do Funchal. É frequente ouvir a população falar da necessidade de ir à Casa da Luz para tratar de demandas administrativas relacionadas com a conta da eletricidade. Neste edifício estava situada a Central Térmica do Funchal, que foi desativada em 1989, após um século de funcionamento. Para não deixar cair no esquecimento o esforço de muitos madeirenses que, desde o fim do séc. XIX, se empenharam nos primeiros passos da eletrificação da ilha da Madeira, foi inaugurado o Museu Casa da Luz, a 24 de novembro de 1997, por altura das celebrações do centenário da introdução da eletricidade na Ilha. Este Museu, situado no antigo espaço da Central Térmica do Funchal, ocupa cerca de 2000 m2 de exposição e concentra uma valiosa coleção de materiais e equipamentos, que contam a história da eletricidade na Madeira.     Ana Londral Cátia Teles (atualizado a 23.03.2017)

Física, Química e Engenharia

cunha, pedro da silva da

(c. 1610-c. 1670) O governador Pedro da Silva da Cunha foi nomeado em 1655 e tomou posse nesse mesmo ano, o que foi, de certa forma, rápido e não muito normal para a época, na complexa situação política nacional do falecimento do príncipe D. Teodósio de Bragança e, pouco depois, do rei D. João IV, assumindo a regência D. Luísa de Gusmão. Os seus cinco discretos anos de governação, durante os quais, tal como com o seu antecessor, não se registaram especiais conflitos com as restantes autoridades insulares, limitando-se o governador a arbitrar os conflitos entre as mesmas, foram essencialmente ocupados com a recolha do donativo para as guerras do Brasil e, especialmente, para as guerras com Castela, tendo sido, entre 1658 e 1659, levantado um importante terço militar na Madeira, com 500 a 800 homens, para ali combaterem a cargo do mestre de campo D. Jorge Henriques. Palavras-chave: conflitos institucionais, donativo, guerras da Aclamação, levas militares, relações com o Brasil; Pedro da Silva da Cunha, comendador da Ordem de Cristo, era filho de Duarte da Cunha de Azevedo e de sua mulher, Luiza da Silva, devendo ter nascido por volta de 1610. Em 1655, Pedro da Silva da Cunha foi nomeado para substituir o governador Bartolomeu Vasconcelos da Cunha (c. 1610-1663). Pouco se sabe, no entanto, sobre as suas origens, tal como da comenda de que usufruía. A sua patente tem a data de 16 de janeiro de 1655, de que deu menagem a 23 de março, tomando posse a 22 de abril do mesmo ano. O seu governo decorreu numa complexa situação política nacional, uma vez que, pouco tempo antes de Pedro da Silva da Cunha tomar posse, falecera o príncipe do Brasil, D. Teodósio de Bragança (1634-1653), somente com 19 anos, mas que se havia já imposto como herdeiro do trono, pelo que parte da correspondência para o Funchal sobre o donativo para as guerras do Brasil já era assinada pelo príncipe. A arrecadação do donativo atravessaria todo o governo de Pedro da Silva da Cunha, marcado também pelo aumento da ligação com aquele vice-reino e as suas capitanias, em especial a de Pernambuco, onde desde muito cedo se fixara uma comunidade de madeirenses. Em 1657, e.g., regressava ao Funchal José de Lira Aragão, que, em 1646, se deslocara para o Brasil com seu irmão Brás Varela de Lira. O jovem José permanecera 10 anos e 9 meses na área de Pernambuco assentando praça e ascendendo ao posto de alferes. Antes de aportar a Pernambuco, o navio em que viajava fora atacado por naus holandesas, nas imediações do cabo Agostinho. De regresso à ilha da Madeira, o governador, a 1 de abril de 1660, deu-lhe juramento como comandante de uma companhia de ordenanças da Ponta do Pargo, concelho da Calheta, posto em que permaneceu até 1674. Mais tarde, e face aos relevantes serviços prestados, inclusivamente socorrendo navios ameaçados por piratas magrebinos naquela área, o sobrinho José de Vasconcelos Bettencourt de Lira conseguiria obter a propriedade de juiz dos órfãos de Machico, lugar de que tomou posse em 1718. A 6 de novembro de 1656, falecia D. João IV (1604-1656), vítima de litíase vesical (mal da gota e da pedra, como se referia à época), deixando a regência, por testamento datado de 2 de novembro anterior, a D. Luísa de Gusmão (1613-1666). A Rainha escreveria, quase de imediato (a 7 de novembro), à Câmara do Funchal, a comunicar a infausta notícia: “Ontem que se contam seis do corrente, foi Deus servido levar para Si ao Rei, meu Senhor, com tantas e tão particulares demonstrações de piedade, que tenho por certo está no céu” (ABM, Câmara Municipal de Machico, cx. 1, liv. 84, t. 6, fl. 121). A Rainha regente, embora nascida em Castela, assumiu em plenitude a direção dos negócios em curso advindos da Aclamação e a pesada responsabilidade de arrecadar mais impostos para as guerras com Espanha, que entretanto se agudizavam. Em carta de 10 de dezembro de 1656, D. Luísa de Gusmão pede a contribuição dos 20.000 cruzados como imposto anual, voltando a referir-se que convém lançar a contribuição pelos meios que se tiverem por mais suaves, de sorte que “se não molestem meus vassalos e festivamente e com prontidão se acuda àquela quantia, para a defesa do Reino”. E acrescenta-se, tanto mais, que as câmaras da Madeira e da ilha do Porto Santo, tal como o “clero, nobreza e povo, assim o pediram e não ter isto dúvida, hei por bem aprovar os ditos meios, como de feito aprovo” (Ibid., Câmara Municipal de Machico, cx. 1, liv. 84, t.6, fls. 118 ss.). O imposto conhecido como donativo foi, de longe, o assunto mais importante para a corte de Lisboa, ocupando grande parte da correspondência enviada quer para o governador, quer para as câmaras da Madeira, logo após 1640. Estendeu-se depois a toda a população, nomeadamente ao clero e aos comerciantes estrangeiros, que estavam anteriormente isentos. As câmaras organizaram registos próprios, alguns dos quais perduraram, ocupando mais de metade dos documentos avulsos da Câmara do Funchal dessa época. Para a cobrança do donativo, em 1657, foi enviado à Madeira o licenciado António Freire Cardoso, juiz de fora com alçada, no sentido de zelar pelos serviços administrativos da Ilha e pelos negócios do donativo, ou seja, para se pagarem os 20.000 cruzados que cabiam ao arquipélago. Anteriormente tinha sido encarregado do donativo Gaspar Machado de Barros, que, ainda em Lisboa, a 27 de julho de 1650, nomeou Vitoriano de Bettencourt de Vasconcelos superintendente do donativo em Machico, que viria a ser sucedido por António Maciel de Afonseca. Em 1658, surgiam diferendos entre o juiz de fora com alçada e o provedor da Fazenda, estando em causa o testamento de um mercador flamengo a favor do alcaide do mar, Manuel Valente, igualmente meirinho das execuções reais e inquiridor da Real Fazenda, nomeado a 30 de janeiro de 1650. Ao lado do alcaide colocou-se o provedor Francisco de Andrade, que se queixou ao Rei, entendendo que o juiz de fora António Freire Cardoso se estava a intrometer na sua jurisdição. No domingo de Páscoa desse ano, 21 de abril, encontrando-se ambos na Sé do Funchal, o juiz de fora recusou cumprimentar a provedor da Alfândega, obrigando o governador Pedro da Silva da Cunha a intervir, determinando a ambos que recolhessem a suas casas. Pretendeu então o governador chamá-los à fortaleza de S. Lourenço para se reconciliarem, não acatando o juiz de fora e sendo por isso reprendido por Pedro da Silva da Cunha. A atitude ponderada do governador mereceu a aprovação do Conselho de Guerra que, por sua vez, remeteu o processo ao Desembargo do Paço. Durante o governo de Pedro da Silva da Cunha, foi levantado um terço madeirense para as guerras do Alentejo, iniciado em 1658 e comandado pelo mestre de campo D. Jorge Henriques (c. 1604-c. 1650), nascido em Baçaim, na Índia, e filho do antigo governador da Madeira D. Francisco Henriques (c. 1570-1624), apresentado pela Rainha a 30 de novembro desse ano. Esta força viria a utilizar, à semelhança da velha ala dos Namorados de Aljubarrota, uma bandeira verde e teria envolvido um “terço de soldados infantes pagos em número de 600 até 800” (Ibid., Câmara Municipal do Funchal, avulsos, cx. 2, doc. 277), com sargentos-mores, quatro capitães para as companhias de infantaria e, inclusivamente, uma companhia a cavalo, pelo que, logo a 9 de dezembro desse ano, a fazenda do Funchal receberia ordem para lhe entregar 200$000 réis. Desconhecemos os quantitativos globais levantados na Madeira, pois terá havido muitos recompletamentos, e até de outras origens para além da Ilha, mas não devem ter andado longe dos 500 infantes, nem todos recrutados de muito boa vontade. A primeira grande confrontação no Alentejo entre as forças portuguesas e castelhanas veio a dar-se nos campos de Elvas, em 14 de janeiro de 1659, constituindo a primeira grande vitória das guerras da Aclamação. A vitória, entretanto, não foi decisiva e, com a assinatura do tratado dos Pirenéus nesse ano, entre a Espanha e a França, a primeira ficou sem outros compromissos militares, podendo voltar-se novamente para Portugal, o que veio a acontecer em 1663 e 1665. Ciente dessas necessidades, já em carta de 4 março de 1659 à Câmara do Funchal, lamenta a Rainha a situação das fronteiras, mas que não esmorecia no seu empenho de acudir prontamente onde o perigo mais se evidenciasse. Refere D. Luísa de Gusmão que “o inimigo veio com poder sobre a praça de Olivença. Mandei reforçar o exército do Alentejo para ser socorrido. Para as despesas que muito se tem de fazer, por não ser bastante a contribuição das décimas e outros efeitos, da minha fazenda, me suplicassem lançasse, como o fiz, novo meio-quartel. Em 1658, se havia lançado outro quartel destinado ao Exército que mandei formar para descercar a praça de Elvas, que o inimigo veio logo sitiar” (Ibid., doc. 279), pelo que insistia na cobrança do donativo. Nos finais desse ano de 1659, a corte de Lisboa tomava outras opções, registando as doações da infanta D. Catarina de Bragança (1638-1705), e, a 17 de dezembro, nomeava para governador da Madeira Diogo de Mendonça Furtado (c. 1620-c. 1690), que somente um ano e pouco depois se apresentaria no Funchal. A Rainha D. Luísa de Gusmão escreveria ao governador Pedro da Silva da Cunha, a 18 de novembro de 1660, que enviava novo governador “por terdes acabado o tempo e ser justo que regresseis a vossa casa” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, cx. 48, t. 6, fls. 135). A apresentação decorreu na Câmara do Funchal, a 2 de dezembro de 1660, regressando o ex-governador ao continente e não havendo referências a seu respeito depois dessa data. Deve ter falecido por volta de 1670.   Rui Carita (atualizado a 02.03.2017)

História Política e Institucional

cunha, bartolomeu vasconcelos da

 O governador e capitão-general Bartolomeu Vasconcelos da Cunha era filho de Francisco de Vasconcelos da Cunha, governador de Angola entre 1635 e 1639, e que tivera o título de conde do Porto Santo. Tomou posse do governo da Madeira a 16 de outubro de 1651 e, ao contrário dos seus antecessores, não teve especiais problemas com os provedores da Fazenda nem com os juízes de fora do Funchal, ou com os corregedores. Com o aumento de movimento no porto do Funchal, datam da sua vigência como governador as complexas obras de fortificação do Ilhéu Grande do porto do Funchal. Este governador veio para o Funchal acompanhado de uma senhora que não era a sua mulher, de quem teve vários filhos, mas tal não obstou que fosse depois governador interino de Angola e general na Índia, perdendo-se depois no mar, vindo para o Reino em 1663. Palavras-chave: arquitetura militar; cartografia; fortificação; Guerras do Brasil; Guerras da Aclamação; relações institucionais. Armas da família Vasconcelos. 1515. Arquivo Rui Carita O governador e capitão-general Bartolomeu Vasconcelos da Cunha (c. 1610-1663), a quem chamaram na Ilha “o Monstrinho” (NORONHA, 1996, 55), era filho de Francisco de Vasconcelos da Cunha, governador e capitão-general de Angola entre 1635 e 1639, e de sua segunda mulher, D. Isabel de Brito. A família ocupara desde os meados do século anterior importantes postos no quadro do Império, tendo o homónimo bisavô, em princípio, comandado a armada que em 1559 partiu de Lisboa e, no ano seguinte, com o governador Mem de Sá, desalojou os Franceses da baía de Guanabara do Rio de Janeiro, no Brasil. O jovem Bartolomeu Vasconcelos da Cunha participara nas campanhas da Catalunha e de Milão, onde foi capitão de cavalaria, oferecendo-se por requerimento de 26 de maio de 1636, quando o pai se encontrava como governador e capitão-general de Angola, a D. Filipe III (1605-1665), pedindo que lhe fizesse a mercê de uma companhia de Infantaria do Terço, com o título de capitão, oferecendo a sua fazenda ao serviço real, para participar na restauração da capitania de Pernambuco. Com a aclamação de D. João IV em Lisboa, achando-se o pai, Francisco de Vasconcelos da Cunha, na corte de Madrid – e despachado com o título de conde do Porto Santo, dada a sua ascendência nos Mendes de Vasconcelos, pontualmente governadores nesta Ilha e com muita fazenda nas Índias de Castela, que tinha comércio com Angola –, largou tudo e veio para Lisboa, sendo recompensado com a comenda de S. Cristóvão de Nogueira e de S.ta Maria da Torre da Horta, na Ordem de Cristo. O mesmo se passou com o filho, Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, então nas campanhas do Brasil, e que regressou também ao continente, participando depois nas campanhas da Aclamação, em Olivença, onde atingiu o posto de mestre-de-campo. Foi-lhe passada a patente para o governo da Madeira em 23 de agosto de 1651, de que deu menagem em Lisboa ao primeiro de outubro do próprio ano, e a 16 tomou posse na Câmara do Funchal, na presença do anterior governador, Manuel Lobo da Silva (c. 1610-c. 1695). O novo governador não veio para o Funchal com a mulher, Juliana de Melo, sua prima, filha de José de Melo, irmão de sua mãe, mas com Antónia Micaela da Cunha. Esta senhora era filha de Tomás Bação e Catarina da Cunha, e sobrinha do inquisidor Francisco Cardoso de Torneo, bispo eleito de Portalegre, que estivera em visitação na Madeira em 1618, no tempo do governador Pedro da Silva (c. 1580-1639) (Inquisição). Essa situação deve ter levado o zeloso cronista Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) a abster-se sobre esse assunto, limitando as suas informações a referir que no Funchal, em 1654, tinha nascido Troilo Vasconcelos da Cunha (1654-1729) (Cunha, Troilo Vasconcelos da), depois funcionário superior da Junta dos Três Estados e autor de várias composições poéticas. A atuação do novo governador Bartolomeu Vasconcelos da Cunha foi excecionalmente discreta, não havendo especiais problemas com os provedores da Fazenda nem com os juízes de fora do Funchal, ou com os corregedores, como ocorrera com os seus antecessores. Até então esses desentendimentos eram frequentes e continuaram, colocando de sobressalto as populações. O relacionamento estreito, no entanto, até porque não usual, também era de desconfiar. O mercador Diogo Fernandes Branco (filho) (c. 1636-1683), então a residir em Lisboa, foi prontamente informado das relações de Bartolomeu Vasconcelos com o ouvidor da capitania do Funchal António Ferreira Pinheiro, comunicando-lhe o gerente da sua casa comercial, em carta de 12 de dezembro de 1651, que o novo governador nada fazia nem despachava sem o conselho do ouvidor “e por ele se governa” (VIEIRA, 1996, 233), insinuando assim proceder por advertência do conde-capitão. A casa dos Condes da Calheta era então gerida pelo 4.º conde, João Gonçalves da Câmara V (1590-1656), que se casou duas vezes, dado a primeira mulher ter falecido de parto. Do segundo casamento teve uma filha, Mariana de Lencastre Vasconcelos e Câmara (c. 1610-1698), que se casou com o primo, João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa (1593-1658), 2.º conde de Castelo Melhor, sendo possível que nesta data já houvesse uma certa ligação destas duas casas senhoriais a tudo o que dissesse respeito ao Funchal, até pela instituição da Companhia Geral do Comércio do Brasil, tendo o 2.º conde, pelo menos em outubro de 1649, ancorado no Funchal, a caminho do Brasil. Com o aumento de movimento no porto do Funchal, principalmente devido às relações preferenciais com o Brasil, data do início da vigência do governador Bartolomeu Vasconcelos da Cunha o recomeço das complexas obras de fortificação do ilhéu Grande do porto do Funchal. O pedido foi enviado para Lisboa pelo provedor da Fazenda do Funchal, com data de 5 de outubro de 1651, citando que os moradores da Ilha tinham pedido ao governador, aquando da sua chegada, que o mesmo requeresse ao Rei que se fizesse uma fortaleza no ilhéu “que está junto neste porto, para segurança do mar e embarcações que nele estão cada hora” (ANTT, JPRFF, liv. 396, fl. 7v). O provedor especifica que lhe parecia “obra muito necessária, porque com o dito reduto feito no dito Ilhéu, nos não cometerão os piratas tantas vezes, como o fazem, acanhoando os que no Porto estão, de que recebiam perda & da terra os não podiam defender em nada, por estar distante a artilharia”. Acrescenta ainda que o gasto na obra seria mínimo para a fazenda, dado ser do “donativo, que os moradores desta Ilha em si puseram para reparo & guarda dela” (Id., Ibid.). O governador também escreveu para Lisboa no mês seguinte e a resposta veio pouco tempo depois, com data de 10 de fevereiro do ano seguinte e dirigida ao mesmo. Cita então que se tinha visto a carta de 6 de novembro, em que se transmitia o pedido dos “moradores da dita ilha, oficiais da Câmara, nobreza, militares e eclesiásticos” (ARM, Ibid.; RG, t. 6, fls. 116v-117) e se tinha visto também a planta enviada. Em face das informações enviadas pelo governador e pelo provedor, de que nos trabalhos se recorreria ao pessoal das companhias de ordenanças: “vos valeríeis da gente da terra, por companhias, ou esquadras” e “que para a alvenaria os ditos moradores se ajustariam convosco, de sorte que acudiriam à obra com as pessoas e fazendas”, o Rei autorizou o início da construção. Pedia, no entanto, para ser informado das necessidades de artilharia e alvitra a deslocação de pessoal da “outra fortaleza que hoje há”, ou seja, S. Lourenço, tal como se fazia na barra de Lisboa com as fortalezas de S. Julião da Barra e de S. Lourenço da Cabeça Seca, o Bugio, “para se escusarem outros soldados e despesas” (Id., Ibid.). Os primeiros trabalhos na área datavam da época do governador D. João de Menezes (c. 1600-1649), entre 1634 e 1636, mas a inscrição que Bartolomeu Vasconcelos da Cunha mandou colocar sobre a pequena porta superior refere que foi feita no tempo do seu governo e da primeira pedra. Claro que não foi e nem foi acabada, como prova o mapa do engenheiro Bartolomeu João (c. 1590-1658), num desenho muito rudimentar e que pouco tem que ver com a fortaleza que conhecemos hoje, totalmente reconstruída mais de 100 anos depois, pelo engenheiro Francisco de Alincourt (1733-1816).   Fortaleza do Ilhéu. 1654. Arquivo Rui Carita. Ao longo do seu governo, Bartolomeu Vasconcelos da Cunha consolidou a organização da companhia do presídio da fortaleza e foi preenchendo os lugares de chefia militar que foram vagando. Em 1653, ou pouco antes, tinha falecido Martim Mendes de Vasconcelos, que exercera o lugar de governador do Porto Santo ao longo de 33 anos, família na qual o governador colocava os seus ancestrais. Foi nomeado para o lugar o capitão Roque Ferreira de Vasconcelos, até então capitão entretenido, com alvará régio de 8 de julho de 1641. Fez juramento e menagem do cargo a 2 de maio de 1653, perante o governador da Madeira. O governador, no entanto, não concordara com a nomeação, informando o Rei de que, se a escolha dependesse da sua vontade, recairia sobre Jorge Moniz de Meneses. Reconhecia ao recém-nomeado “qualidades e partes” (ANTT, Conselho de Guerra, consultas, mç. 14, doc. 66), mas considerava um grave impedimento a sua avançada idade. Sepultuta do licenciado Bento de Matos Coutinho. Arquivo Rui Carita Em 1652 houve protesto dos artilheiros, que eram auditados, desde o alvará de 30 de maio de 1648, pelo juiz de fora do Funchal, função anteriormente exercida pelo auditor de guerra e pelo licenciado Bento de Matos Coutinho (c. 1595-1651), cargo então extinto pelo Conselho da Fazenda. A pedido dos mesmos artilheiros, D. João IV escreveu ao governador, a 22 de dezembro de 1652, para que o lugar voltasse a ser instalado. Contudo, 40 anos depois, ouvidos dois dos governadores, voltava-se a desobrigar Manuel Maciel de Afonseca do cargo de auditor-geral da gente de guerra do presídio e as funções regressavam ao juiz de fora do Funchal. O governo de Bartolomeu Vasconcelos da Cunha ficou marcado pela execução do mapa da Madeira de Bartolomeu João: “Descrição da Ilha da Madeira, cidade do Funchal, lugares, ribeiras, portos e enceadas, e mais secretos; feita por Bartolomeu João, engenheiro dela em tempo do governador, capitão desta ilha no ano de 1654”, que o investigador Paul Alexander Zino (1916-2004) localizou em Londres, em 1940, à venda na casa de Francis Edward Lda. O assunto foi comunicado ao Arquivo Histórico-Militar de Lisboa mas, não se conseguindo a verba necessária para a sua aquisição, a carta foi adquirida pelo investigador madeirense, regressando ao Funchal, de onde teria sido levada pelo coronel William Henry Clinton (1769-1846), na primeira ocupação britânica de 1801-1802 (Ocupações britânicas).   Carta de Bartolomeu João. 1654. Arquivo Rui Carita A referência que temos a uma carta deste género executada por Bartolomeu João é anterior a 1654 e mandou-a executar o governador Nuno Pereira Freire (c. 1590-c. 1650), em outubro de 1642, para ser enviada ao Rei (Cartografia). Por certo, o mestre das obras deve ter ficado com elementos para executar outra carta para o novo governador, a qual, muito provavelmente, teria sido novamente enviada ao Rei, mas ficando um exemplar em S. Lourenço, de que há referência ali se encontrar em 1799. Sendo a carta de Bartolomeu João proveniente da biblioteca da abadia de Welbeck, dos duques de Newcastle, a cuja família pertencia o coronel Clinton, este teria levado a carta na sua bagagem de regresso a Londres, oferecendo-a depois a seu primo duque. Esta carta é essencial para o estudo da arquitetura militar da Madeira e não só, sendo um dos mais importantes e completos documentos iconográficos, somente com paralelo, mas bastante tempo depois, na grande vista do Funchal de Thomas Hearne (1744-1817), datada de 1772. A 6 de dezembro de 1653, faleceu em Lisboa o príncipe herdeiro, D. Teodósio (1634-1653), somente com 19 anos, mas que se havia já imposto como herdeiro do trono, recebendo o título de 9.º duque de Bragança e depois o de príncipe do Brasil, pelo que parte da correspondência para o Funchal sobre o donativo para as levas para ali recrutadas já era assinada pelo príncipe. O seu falecimento abriu uma crise política, com consequências futuras ainda mais graves, pois se a sua educação tinha sido preparada cuidadosamente, tendo sido seu mestre o P.e António Vieira (1608-1697), tinha-se descuidado francamente a educação do segundo filho, o infante D. Afonso (1643-1683). Para o governador da Madeira também teria sido uma grave contrariedade, pois era moço-fidalgo do paço o seu filho mais velho, Francisco de Vasconcelos da Cunha (c. 1630-1662), que com o falecimento do príncipe, “desenganado das bem fundadas esperanças que tinha deste grande Príncipe, ou por superior vocação, deixou os morgados e as comendas de seu pai e avô, em que havia de suceder por mercê já feita e se recolheu à Religião da Companhia de Jesus” (COSTA, III, 1712, Ibid., 555), onde viria a falecer. Com a morte do infante D. Teodósio foram marcadas as cortes para juramento do novo herdeiro, aproveitando-se o ensejo para a reunião do capítulo geral da Ordem de Cristo, em Tomar e em setembro desse ano de 1653. No entanto, até pela doença de D. João IV, e à semelhança do que acontecera antes, as cortes acabam por se reunir em Lisboa, com o clero em S. Domingos, a nobreza em S. Roque (junto dos Jesuítas) e o terceiro estado em S. Francisco (como era lógico, junto dos franciscanos). Foi nestas cortes que apareceram os primeiros pedidos dos Açores e da Madeira para se fazerem representar em cortes, na primeira fila, o que não deixa de ser um pedido estranho. Aliás, os procuradores da cidade de Angra às cortes de 1653 chegam a pedir ao Rei que, para o arquipélago dos Açores, nunca houvesse vice-Rei nem governador nas várias ilhas. A questão tinha por base pedidos anteriores, logo a seguir à aclamação, mas que só foram a despacho nove anos depois, uma vez analisada pelo desembargador Tomé Pinheiro da Veiga (1570-1656), “procurador da minha Coroa” (ABM, Ibid., fl. 118v), tendo a resposta afirmativa chegado com data de 6 de julho de 1654. As câmaras do Funchal e das vilas, todas em situação difícil, não encontraram, no entanto, uma maneira de conseguir receita para manter um procurador às cortes, nem atinaram com pessoa que pudesse, à sua própria custa, desempenhar o cargo honroso de figurar na primeira bancada. Nos inícios de 1655 foi apresentado novo governador para a Madeira, então Pedro da Silva da Cunha (c. 1610-c. 1670), que tomou posse a 22 de abril desse ano, regressando Bartolomeu Vasconcelos da Cunha a Lisboa. No entanto, o ex-governador foi preso, “tanto que chegou”, como escreveu António Carvalho da Costa (1650-1715), “até aparecer a dita D. Antónia no convento de Santana, onde faleceu” (COSTA, Ibid., 556). A situação, no entanto, não afetou a carreira política e militar de Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, que passou no ano seguinte à Índia, como capitão-mor das naus, mas que, passando por Angola, entre os meados de 1653 e outubro de 1654, foi aí governador interino, sendo depois general de Mormugão, Terras de Salsete, Bardes e fortaleza da Ganda, na barra de Goa, e depois de ocupar estes postos se perdeu no mar, vindo para o reino no ano de 1663. Da sua ligação com Antónia Micaela da Cunha teve Bartolomeu Vasconcelos da Cunha: Maria de Vasconcelos, que morreu religiosa no Convento de Santana em Lisboa, para onde entrara com a mãe; Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, religioso da Santíssima Trindade, em Lisboa, aonde se recolhera depois de ocupar vários postos de guerra, “deixando as esperanças de outros maiores” (Id., Ibid., 556), para que estava apontado, e que ainda era vivo em 1712; o poeta Troilo de Vasconcelos da Cunha, nascido no Funchal, como acima escrevemos, que se casou com Mónica da Silva Coutinho, cujo pai era o alemão João Herve, e a mãe Mariana da Silva Coutinho, mas cuja descendência entrou toda para ordens religiosas; e Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, por certo também nascido no Funchal, que em 1712 era “moço-fidalgo da Casa de Sua Majestade, como o foram seus pais e avós, aos quais imitando, serve a el-Rei na guerra” (Id., Ibid.). A mulher do antigo governador da Madeira, Juliana de Melo, deve ter falecido quando o marido estava no Funchal, pois este Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha teve alvará de moço-fidalgo com data de 15 de setembro de 1657, sendo então dado como “filho natural” (TORRES, 1840, 303). O pai, tal como o filho Troilo Vasconcelos da Cunha, cultivou largamente a heráldica e a genealogia, havendo na biblioteca do último uma coleção interessante de trabalhos sobre os Vasconcelos, onde se encontra, inclusive, um que foi impresso em Madrid, em 1646, a “favor de Bartolomeu de Vasconcelos” (Id., Ibid., 4), o que não deixa de ser interessante, pois tanto Francisco como o filho, depois governador da Madeira, tinham optado, logo em 1640 ou em 1641, pelo apoio à realeza de D. João IV.   Rui Carita (atualizado a 03.03.2017)

História Política e Institucional Personalidades

crise sucessória de 1580

Tal como aconteceu no continente português, também a Madeira se teria dividido entre os partidos apoiantes das aspirações de D. António, prior do Crato (1531-1595) e de Filipe II de Castela (1527-1598). Estiveram ao lado de D. António as famílias dos capitães donatários do Funchal, Machico e Porto Santo, embora nem todos se tenham empenhado muito, com exceção de alguns membros da família Câmara – mas esses só se empenharam no continente – e o donatário de Machico, D. Francisco de Portugal (1550-1582), 3.º conde de Vimioso, que veio a morrer na batalha naval de Vila Franca do Campo, ao largo dos Açores. Na ilha da Madeira citava-se o deão da Sé do Funchal, Francisco Henriques (c. 1535-1600), sobrinho do padre Leão Henriques (1515-1589), confessor do cardeal D. Henrique (1512-1580), o Dr. Gaspar Gambôa (?-1582), juiz de fora de Machico, que fugiu para os Açores, onde veio depois a ser justiçado e, provavelmente, outros elementos do clero e da burguesia local, mas sem especial importância. Ao lado do pretendente castelhano vamos encontrar as câmaras e os funcionários régios, que, sem terem tomado especificamente qualquer partido, acabaram assim por apoiar e aceitar sem preconceitos a realeza de D. Filipe I, o mesmo se tendo passado com a maior parte da nobreza e da burguesia. Entre os fidalgos madeirenses será de mencionar João Bettencourt de Vasconcelos, que passara a viver na ilha Terceira, sendo depois capitão-mor da cidade de Angra, onde foi justiçado como partidário de Filipe II, por determinação de Manuel da Silva Coutinho (1541-1583), conde de Torres Vedras e lugar-tenente de D. António.   Palavras-chave: condes de Vimioso; corregedores; donatários; encarregado de negócios da guerra; nacionalismo; representação em Cortes.     Com o falecimento de D. Sebastião (1554-1578) em Alcácer Quibir, tinha sido aclamado Rei o seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, que fora regente a partir de 1562 e assegurara entretanto toda a gestão corrente do reino, sendo raríssimos os documentos efetivamente assinados pelo seu sobrinho-neto. Já muito debilitado fisicamente, D. Henrique ainda considerou a possibilidade de pedir dispensa dos votos para se casar e assegurar descendência, mas tal não aconteceu. Entre os possíveis candidatos à sucessão encontrava-se outro neto de D. Manuel (1469-1521), D. António, prior do Crato, filho do infante D. Luís (1506-1555) e de Violante Gomes, a “Pelicana”, com a qual o infante se poderá ter casado em segredo. O cardeal já havia mandado levantar processo, tendo deposto a favor de um possível casamento, entre outras pessoas, Joana de Eça (c. 1480-c. 1573), mulher de Pedro Gonçalves da Câmara (c. 1480 – c. 1550), dama da Rainha D. Leonor (1458-1526) e camareira-mor da Rainha D. Catarina (1507-1578), tal como depôs o sobrinho, Martim Gonçalves da Câmara (c. 1539-1613), que fora escrivão de puridade de D. Sebastião. O cardeal, no entanto, não aceitou a hipótese do casamento do infante e da “Pelicana”, oficializando a situação de D. António como bastardo, e invalidando assim qualquer possibilidade de ele subir ao trono. Os restantes netos do Rei D. Manuel, como Rainúncio de Farnésio (1569-1622), D. Catarina de Bragança (1540-1614), Manuel Felisberto de Saboia (1528-1580) ou mesmo D. João de Bragança (1543-1583), marido e primo de D. Catarina, estavam todos mais ou menos dependentes hierarquicamente de Filipe II, filho da Imperatriz D. Isabel de Portugal (1503-1539) e de Carlos V (1500-1558), dificilmente podendo opor-se às pretensões, aliás legítimas à época, do Rei de Castela, Aragão, Catalunha, Navarra, Franco-Condado, Países Baixos, Milão, Nápoles, etc. A ideia desenvolvida nos séculos seguintes e, mais especialmente, nos meados do séc. XX, de um Rei português, D. António, e de um Rei espanhol, Filipe II, não tem sentido nos finais do séc. XVI: primeiro, porque os reis eram todos primos, e, depois, porque a ideia de Espanha como um reino homogéneo é muito posterior. A defesa de os apoiantes de D. António serem nacionalistas e da queda da monarquia nacional em 1580 não é outra coisa senão uma tentativa de politização da história, pois tais conceitos não existiam à época. O cardeal-Rei ainda mandou reunir cortes em Almeirim para se decidir a sucessão (a primeira reunião foi no convento de S. Francisco daquela vila, a 11 de janeiro de 1580), mas o cardeal faleceu a 31 de janeiro e não chegou a nomear sucessor, apesar de deixar uma junta de governadores, praticamente todos apoiantes da realeza de Filipe II. A junta era constituída pelo arcebispo de Lisboa, D. Jorge de Almeida (1531-1585), por D. João Telo de Meneses, D. Francisco de Sá de Meneses (c. 1510-c. 1583), D. Diogo Lopes de Sousa e D. João de Mascarenhas. Deste grupo, só D. João Telo era contrário à sucessão de Filipe II de Castela. O cardeal já havia manifestado, entretanto, a sua intenção de nomear Filipe II como sucessor ao trono, tendo havido uma nítida continuidade governativa. Um dos exemplos de continuidade a apontar é o de Jácome Ribeiro de Leiria, ouvidor do Funchal (Ouvidorias), colocado na ilha da Madeira pelo cardeal D. Henrique, provavelmente na sequência da morte no Funchal do 4.º capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara (1512-1580), 1.º conde da Calheta (Calheta, condes da), falecido a 4 de março de 1580. O ouvidor recebeu entretanto no Funchal o governador da capitania, nomeado pelo cardeal-Rei e pelo novo conde da Calheta, João Gonçalves da Câmara (1541-1580), que optou por ficar na corte. A nomeação recaiu no irmão, Rui Dias da Câmara (c. 1542-c. 1600), conforme já fora determinado por D. Sebastião, em 1571. O novo governador tinha ficado prisioneiro em Alcácer Quibir, mas foi dos primeiros prisioneiros a serem resgatados, tomando posse da capitania em abril de 1580. Com a morte inopinada do jovem 2.º conde da Calheta, a 4 de junho de 1580, presumivelmente vítima do surto de peste que então grassou no país, o irmão regressou ao continente, provavelmente entre setembro e outubro de 1580. No Funchal ficou o ouvidor, que logo após o falecimento do cardeal-Rei, solicitou aos governadores a revalidação da mercê. O ouvidor do Funchal teve confirmação da chancelaria portuguesa de Filipe II a 10 de setembro de 1580, ou seja três dias antes da aclamação do Rei pela Câmara de Lisboa. A provisão registada na Câmara do Funchal foi feita em nome de “Dom Filipe, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves” e é assinada pelos doutores Pero Barbosa e Jerónimo Pereira de Sá "do seu concelho e seus desembargadores do paço" (ABM, CMF, RG, t. 3, fl. 178v.). Pero Barbosa era então um dos mais influentes desembargadores do paço e já em 1579 emitira um longo parecer sobre a sucessão do cardeal, indicando decididamente o nome de Filipe II de Castela. D. António fora aclamado em Santarém, a 19 de junho de 1580, e depois em Lisboa, mas existem dúvidas sobre se alguma vez assumiu efetivamente o Governo. Em breve seguiram cartas para vários pontos do país e para os arquipélagos atlânticos. Para as ilhas, foi seu portador António da Costa, cavaleiro fidalgo da casa real, que partiu de Lisboa em 9 de julho e estava na Madeira nos finais desse mês. Tal como acontecera com as câmaras açorianas, este delegado deve ter entregado nas da ilha da Madeira as cartas de D. António a anunciar a sua aclamação, datadas do mesmo dia 9 de julho de 1580, acompanhadas de certificados da Câmara de Lisboa a confirmarem a sua aclamação na capital. Não consta que o mandatário António da Costa tenha sido hostilizado na Madeira, mas nada ficou na Ilha a atestar a sua passagem. No entanto, em breve chegava a Lisboa a notícia da sua passagem pela Madeira e da possibilidade de ter ali sido aclamado D. António, o que parece não ter acontecido. Nenhum dos capitães-donatários se encontrava na sede da sua capitania, pelo que nem as câmaras, nem os seus ouvidores quiseram tomar qualquer responsabilidade, aguardando o desenrolar da situação no continente, como se passou com o então ouvidor do Funchal. Com a entrada em Lisboa de D. Fernando Alvarez de Toledo (1507-1582), 3.º duque de Alba, e aclamado Filipe II na Câmara de Lisboa, logo se constituiu um Governo chefiado pelo duque e apoiado num conselho de assessores. Era uma sequência do anterior sistema dos governadores, sendo o conselho constituído por Pedro de Alcáçova Carneiro (c. 1510-c. 1584); pelo bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho (c. 1530-1615), que também tinha sido bispo de Angra e que depois viria a ser vice-Rei de Portugal; pelo jurista Paulo Afonso; por D. João da Silva (1528-1601), conde de Portalegre e neto de Diogo de Azambuja (1518) e por Duarte de Castelo Branco, meirinho-mor. Como já citámos, constituiu-se assim uma certa continuidade governativa, que tentou que nada se alterasse significativamente até à tomada de posse oficial de Filipe II. Na Ilha, não podemos deixar de salientar o papel desempenhado pelo então bispo do Funchal, D. Jerónimo Barreto (1543-1589), o todo cauteloso amigo dos Jesuítas, que mediante a promulgação das Constituições Sinodais da Diocese, a 18 de outubro de 1578 – e embora aquelas só tenham sido editadas em 1585 –, tinha limitado igualmente a margem de manobra dos elementos do clero. Assim, não seriam muitas as tomadas de posição individuais, levando todo o bispado a acatar as determinações do cardeal-Rei e depois a realeza de Filipe II, como registaria o conde de Lançarote, D. Agustin de Herrera y Rojas (1537-1598), em 1583. Claro que terão existido posições diferentes, como, em princípio, as do deão da Sé, como viriam a referir as autoridades castelhanas, mas que não terão passado de posições individuais e pessoais, se é que existiram, não chegando verdadeiramente ao domínio público. Não encontramos na Madeira, como adeptos do prior do Crato, qualquer quadro diretivo, entre morgados ou elementos camarários, e.g., salvo o deão da Sé, e mesmo isso não passa de rumor, pois não existe nenhuma comprovação. Desta forma, e depois de consolidada a posição de Filipe II em Lisboa, pronunciaram-se as Câmaras do Porto Santo, de Machico, de Santa Cruz e do Funchal. Ao contrário dos Açores, a Madeira esperou sempre uma definição concreta do poder central para depois tomar as suas atitudes, nunca se empenhando decididamente em nenhuma das lutas partidárias que dividiram o país. Esta falta de empenho permitia à Ilha, caso se alterasse o quadro de forças geral, estar sempre do lado vitorioso. Daí a opinião, por vezes expressa pelos partidários de Filipe II, de que a Ilha era toda partidária de D. António, como expressou depois, a D. Francés de Alava y Belmonte (c. 1518-1586) o capitão Gaspar Luís de Melo; e a apreensão do duque de Alba, de que ali tivesse sido aclamado D. António, em julho de 1580, o que não resiste à análise, nem oferece qualquer recorte. Mais tarde, o conde de Lançarote citaria como afetos a D. António o comissário do convento de S. Francisco, Fr. Manuel de Boaventura, e Fr. Tomás de Tentúgal, confessor das freiras de Santa Clara. No Caniço, era apontado Diogo Álvares Arruda e, em Santa Cruz, Pedro Moniz e Freitas Grilo. Publicamente e a assumir a sua opção só parece ter havido o Franciscano Fr. João do Espírito Santo e o comerciante francês Pedro de La Randueta, que pagaram com a vida a opção que fizeram, mas que só aparecem na Madeira depois da instalação de D. António, prior do Crato, nos Açores. Com a ascensão ao trono de Filipe II, a Madeira enviou logo dois procuradores para defenderem os seus interesses, para o que foram escolhidos João Rodrigues Mondragão e Martim Mendes de Vasconcelos, vereadores das Câmaras do Funchal e de Machico, e que devem ter estado presentes nas cortes de Tomar. Com a ida do Rei para Lisboa, surgem cartas no Funchal sobre assuntos vários, muito provavelmente acionados pelos procuradores da Madeira. A primeira carta, datada de 2 de outubro de 1581 (Sintra), refere um galeão de prata da Nova Espanha, o célebre La Gallega, dos maiores navios do seu tempo, que tinha arribado à Ilha e cuja carga era necessário fazer chegar a Sevilha. Nesta sequência, a 5 de dezembro manda-se pagar aos procuradores que se tinham apresentado ao Rei 100$000 réis pelos dinheiros da renda da imposição aplicada às obras da fortificação e autoriza-se que a descarga de pão no Funchal, assim como a sua arrecadação, sejam pagas também pelos dinheiros da fortificação, dado o bom andamento das obras: “sobre estando as obras da fortificação da dita cidade, como dizem” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, avulsos, mç. 2, doc. 137). Parece não haver dúvidas de que houve, pois, uma tentativa camarária de assalto aos dinheiros da fortificação (Defesa). De imediato, e ao mesmo tempo que despachou favoravelmente estes assuntos, o Rei iniciou contactos para a nomeação de um governador para a Madeira, mas não sem ouvir demoradamente várias opiniões a esse respeito, inclusivamente de madeirenses. Com a instalação de forças afetas a D. António nos Açores, despachou para a Ilha um corregedor da sua confiança acompanhado de forças militares, João Leitão (c. 1540 – c. 1602), ao qual fora atribuída a tarefa de determinar a prisão de D. António em Portugal, com indicação de se encontrar encarregado dos “negócios da guerra”. A situação evoluiu nos meses seguintes com o apoio de forças francesas à causa do prior do Crato e, inclusivamente, pelo aparecimento de adeptos ativos da causa de D. António na Madeira, pelo que, perante o oferecimento do conde de Lançarote, D. Agustín de Herrera y Rojas (1537-1598), que se encontrava nas Canárias, Filipe II mandou-o avançar de imediato para o Funchal com forças ali recrutadas. Os elementos em causa, um frade franciscano e um comerciante francês, viriam a ser executados, como já se referiu, mas o recorte local da causa do prior do Crato teria sido quase perfeitamente nulo. Resta acrescentar que era partidário de D. António, prior do Crato, o assumido 3.º conde de Vimioso e capitão de Machico, D. Francisco de Portugal (1550-1582), que acompanhara seu pai, D. Afonso de Portugal (1519-1579), 2.º conde, e seu irmão, D. Luís de Portugal (1555-c. 1620), à fatídica batalha de Alcácer Quibir. Resgatados os jovens D. Francisco e D. Luís de Portugal por interferência do duque de Medina Sidónia, D. Alonso Pérez de Gusmán (1550-1615), e recolhidos em Sanlucar de Barrameda, na província de Cádis, D. Francisco assumiu o título de conde, e em breve apoiava as pretensões de D. António ao trono de Portugal e visava, inclusivamente, o lugar de seu condestável. Com a instalação nos Açores e a passagem por Porto Santo da armada francesa de apoio ao prior do Crato, nela embarcou o juiz de fora de Machico, Dr. Gaspar Gambôa, para aquele arquipélago. Os Vimioso, no entanto, nunca se tinham sequer deslocado à sua capitania e, entretanto, a câmara já tinha assumido o seu apoio à realeza de Filipe II de Castela, tendo enviado ao continente o vereador Martim Mendes de Vasconcelos. Como pormenor, alguns anos depois, o herdeiro da casa, D. Luís de Portugal, reivindicaria os direitos ao título e à capitania, ainda em tempo de Filipe II, capitania entregue, entretanto, a Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), descendente de Zarco. Falecido sem descendência Tristão Vaz da Veiga, D. Luís de Portugal conseguiu reaver a capitania de Machico.   Rui Carita (atualizado a 01.03.2017)

História Política e Institucional

conselho do distrito

O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, um dos seus membros ocupou esse lugar como governador interino. A primeira forma deste conselho foi o de Concelho da Prefeitura, criado pelo decreto de 6 de maio de 1832, passando, com o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, a Conselho do Distrito. Era presidido pelo governo do distrito e composto por quatro vogais, o secretário-geral do distrito e três procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral. Foi extinto pelo código administrativo de 17 de julho de 1886, que privilegiou as funções da Junta Geral. Palavras-chave: Administração-Geral; Governo Civil; Junta Geral; partidos políticos; Prefeitura; Liberalismo O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. (Governo civil) Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, foi um dos seus membros a ocupar esse lugar, como governador interino. A primeira forma deste conselho foi a de Conselho da Prefeitura, pois que a designação de governador civil fora, inicialmente, a de prefeito, tendo sido criado pelo decreto de 6 de maio de 1832; mas não há informação de ter sido montado com o prefeito e coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847). O código administrativo de Passos Manuel, do ministro Manuel da Silva Passos (1801-1862), de 31 de dezembro de 1836, criou o Conselho de Distrito, fazendo desaparecer o anterior Conselho da Prefeitura. Este Conselho, também designado por Junta de Governo do Distrito, era composto por quatro vogais, três dos quais procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral (Junta Geral), sendo presidido pelo governador civil e secretariado pelo secretário-geral do distrito; este assumia, inicialmente, a função de governador interino na ausência do efetivo, função que foi desempenhada, ao longo da segunda metade do século, pelo vogal mais antigo, principalmente quando os chefes dos partidos políticos locais começaram a conhecer uma certa importância e representatividade. A Junta de Governo do Distrito ou Conselho do Distrito reuniu, pela primeira vez, ainda no palácio de S. Pedro, do conde de Carvalhal (1778-1837), a 18 de janeiro de 1836. Os seus primeiros membros foram, assim, Carvalhal, na presidência, e, na capacidade de vogal, João Agostinho Jervis de Atouguia, secretário-geral do distrito, Filipe Joaquim Acciauoli e Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855). O secretário foi, então, João Nepomuceno de Oliveira (1783-1846), oficial maior da secretaria do governo civil. Em maio, na primeira reunião em que participou o administrador-geral  António Gambôa e Liz (1778-1870), depois barão de Arruda (Liz, António Gamboa de), estiveram presentes Filipe Acciauoli, Olavo Correia de Azevedo, José Joaquim de Freitas e Abreu e Jervis de Atouguia, que aqui já aparece como secretário desse conselho. Com a institucionalização da Junta Geral, seriam eleitos três membros efetivos, que na reunião de 29 de julho desse ano foram Jerónimo Pinheiro, António Joaquim Jardim e Aires de Ornelas e Vasconcelos (1779-1852), tendo sido eleitos, como substitutos, Manuel Joaquim Moniz e Valentim de Freitas Leal. Nos meados do século, os vogais do conselho venciam de gratificação anual 240$000 réis, pagos pelo cofre do distrito. O Conselho do Distrito passou a funcionar no Palácio de S. Lourenço, onde ocupava duas salas. Alguns governadores, como José Silvestre Ribeiro (1807-1891), apoiaram-se neste Conselho, entre outras ações, e.g., na tentativa de levar avante a construção de um teatro no Funchal; o mesmo fez o governador D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878) (Leme, D. João Frederico da Câmara), quando o vogal mais antigo era o visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875). No entanto, a partir do momento em que neste Conselho passaram a ter assento os principais líderes partidários, o mesmo funcionou como palco de disputa de poder, como ocorreu, especialmente, com o visconde do Canavial (1829-1902). Tal levou, inclusivamente à nomeação, pelo Governo de Lisboa, de governadores civis substitutos e, mais tarde, com o aumento das competências da Junta Geral, à extinção deste Conselho, pelo código administrativo de 17 de julho de 1886.   Rui Carita (atualizado a 28.02.2017)

Direito e Política História Política e Institucional

clima e meteorologia

O arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical do Atlântico oriental, centrado aproximadamente a 32 ° 45 ’ de latitude norte e 17 ° 00 ’ de longitude oeste, a cerca de 900 km de Portugal continental (Sagres) e dos Açores (Santa Maria). É formado pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, com áreas da ordem dos 730 km2 e 23 km2, respetivamente, e pelos ilhéus das Desertas e das Selvagens, estes últimos a cerca de 300 km a sul da Madeira. A orografia é bastante acidentada, com as formações de maior altitude na parte oriental (pico Ruivo, com 1862 m) e na parte ocidental (planalto do Paul da Serra, com altitude da ordem dos 1300 m). De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, as ilhas da Madeira e de Porto Santo apresentam clima temperado húmido, com zonas de verão seco e quente e outras zonas de verão seco e suave, dependendo da proximidade ao mar, da exposição solar e principalmente da altitude. Em intervalos de tempo regulares, com base em instrumentos específicos, é feita no arquipélago a observação à superfície dos principais descritores meteorológicos, designadamente a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a humidade relativa do ar. A respetiva difusão sincronizada aos níveis regional, nacional e internacional constitui a informação primária para a descrição do tempo presente e, por acumulação sucessiva, do conhecimento do clima. As primeiras observações meteorológicas à superfície, executadas com regularidade e de forma continuada no Funchal remontam a meados do séc. XIX, tendo sido executadas até meados do séc. XX no Palácio de S. Lourenço, e posteriormente no sítio dos Louros, na orla costeira leste da cidade, onde foi instalado o Observatório Meteorológico do Funchal. Graças à observação regular efetuada, no mínimo diariamente, às 09.00 h, estava disponível, em 2015, uma série longa de dados para o Funchal, o que permitia conhecer, e.g., a variação da temperatura média do ar e da quantidade de precipitação dos 151 anos anteriores e da temperatura da água do mar à superfície dos 65 anos anteriores, executada no porto do Funchal. Fig. 1 – Gráfico com a média anual da temperatura do ar à superfície, registada no Funchal entre 1865 e 2015 (151 anos) (Palácio de S. Lourenço e sítio dos Louros); e a média anual da temperatura da água do mar registada na Pontinha entre 1951 e 2015 (65 anos). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. Dos registos anuais, destaca-se a subida da média anual da temperatura do ar a partir do início dos anos 70 do séc. XX. Desde 1971 até 2015, a temperatura média anual subiu cerca de 2,2 °C, o que corresponde a um valor médio da ordem de 0,5 °C por década. No entanto, entre 1996 e 2015, período em que as observações foram feitas sempre com o mesmo equipamento, devidamente calibrado, verificou-se que a temperatura do ar subiu cerca de 0,3 °C, o que corresponde a um valor da ordem de 0,15 °C por década, tendo a subida sido mais acentuada entre 1996 e 2004 (8 anos) do que entre 2005 e 2015 (11 anos). À semelhança da temperatura média do ar, a temperatura média da água do mar começou a subir no início da déc. de 70 do século XX, embora de forma menos significativa entre 1995 e 2015. Desde o início da déc. de 70, a diferença entre a temperatura média do ar e da água do mar variou entre 1,3 °C e 0,5 °C, embora nos últimos anos do intervalo essa diferença se tenha mantido próxima dos 0,5 °C. Entre 1995 e 2015, a temperatura média anual do ar variou entre 20,0 °C e 20,4 °C, e a temperatura da água do mar entre 20,4 °C e 21,1 °C. Fig. 2 – Gráfico com a evolução da precipitação média anual registada no Funchal entre 1865 e 2015, desde 1865 no Palácio de S. Lourenço e desde 1951 no sítio dos Louros (Observatório Meteorológico do Funchal). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. A partir de uma análise simples da fig. 2, conclui-se que a quantidade de precipitação apresenta variabilidade interanual significativa. No 65 anos que medeiam entre o momento em que começou a haver registos no Observatório Meteorológico do Funchal e 2015, a precipitação anual mais baixa foi registada em 2015 (299,5 mm), correspondendo ainda ao quarto valor mais baixo desde 1865 (em 151 anos). O maior valor da quantidade de precipitação anual ocorreu em 2010 (1477 mm) e um valor próximo deste foi registado em 1895 (1420 mm). Entre 2010 e 2015, registou-se o maior período de anos consecutivos com os valores mais baixos da quantidade de precipitação no Funchal. Rede de observação A rede meteorológica do Funchal começou a ser construída em meados dos anos 30 do séc. XX, com a instalação de vários postos meteorológicos. Nos anos 50, a rede meteorológica era constituída por 15 postos, tendo 7 sido desativados durante a déc. de 80; restaram as estações do Funchal (1865), do Areeiro (1936), de Santana (1937), do Porto Santo (1939), do Lugar de Baixo (1941), do Santo da Serra (1942), da Bica da Cana (1950) e de Santa Cruz/Aeroporto (1958). No acompanhamento da modernização tecnológica registada particularmente durante a déc. de 80 do séc. XX, iniciou-se em 1995 a modernização da rede meteorológica do arquipélago da Madeira, com a instalação de duas estações meteorológicas automáticas em Porto Santo/Aeroporto (78 m) e no Funchal/Observatório (58 m); em 2002, foram instaladas cinco estações: Funchal/Lido (25 m), São Jorge (257 m), Chão do Areeiro (1590 m), Lugar de Baixo (40 m) e Ponta do Pargo (298 m); em 2009, e para reforçar a melhoria da previsão meteorológica, foram ainda instaladas duas estações automáticas no Caniçal/Ponta de São Lourenço (133 m) e nas Achadas da Cruz/Lombo da Terça (931 m). Posteriormente, e após o violento temporal de 20 de fevereiro de 2010, reconheceu-se a necessidade de aumentar a densidade de estações, pelo que foram instaladas, em finais de 2010, mais cinco estações automáticas em Quinta Grande (580 m), São Vicente (97 m), Santana (380 m), Bica da Cana (1560 m) Santo da Serra (660 m), tendo as três últimas substituído as estações clássicas existentes, das quais havia apenas uma observação diária, às 09.00 h. Posteriormente, e para completar a rede planeada em 2010, foram instaladas, em 2013, uma estação no Pico do Areeiro (1799 m), e em 2014 três estações: Porto Moniz (35 m), Pico Alto (1118 m) e Santa Cruz/Aeroporto (58 m), aqui para substituir a estação clássica. Estas 18 estações estão equipadas com instrumentos de observação da temperatura e humidade relativa do ar, precipitação e radiação solar global, estando 12 – Funchal/Observatório, Funchal/Lido, São Jorge, Areeiro, Lugar de Baixo, Ponta do Pargo, Caniçal/Ponta de São Lourenço, Santo da Serra, Porto Moniz, Pico Alto, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto – equipadas com instrumentos de medição do vento. Três destas estações estão ainda equipadas com instrumentos de medição da pressão atmosférica: Funchal/Observatório, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto. Assim, para a Madeira, a densidade de estações meteorológicas é da ordem de uma estação por cada 45 km2 para a temperatura e humidade relativa do ar e radiação solar global, e uma estação por 65 km2 para o vento. Para ilustração, apresenta-se na fig. 3 a distribuição e a localização das estações meteorológicas no arquipélago da Madeira, em 2015. Fig. 3 – Mapa com a distribuição e localização das estações meteorológicas no Arquipélago da Madeira em 2015. A redução na densidade de estações decidida para o arquipélago da Madeira resultou, em particular, da necessidade de melhoria da vigilância meteorológica, sentida após vários episódios de tempo rigoroso, em particular associados a precipitação forte, registados a partir do início de 2009, dos quais se apresentam alguns mais significativos: 27 fevereiro 2009: Funchal 82,7 mm/Areeiro 145,1 mm; 18 de dezembro de 2009: Funchal 36,7 mm/Areeiro 130,1 mm; 2 de fevereiro de 2010: Funchal 42,5 mm/Areeiro 184,7 mm; 20 de fevereiro: Funchal 144,3 mm/Areeiro 389,6 mm; 21 de outubro de 2010: Funchal 82,7 mm/Areeiro 147,0 mm; 26 de novembro de 2010: Funchal 155,1 mm, tendo sido o maior valor diário registado desde sempre/Areeiro 185,2 mm; 28 de dezembro de 2010: Funchal 50,7 mm/Areeiro 95,7 mm; 26 de janeiro de 2011: Funchal 103,4 mm/Areeiro 321,0 mm; 30 de outubro de 2012: Funchal 55,7 mm/Areeiro 258,1 mm; 6 de novembro de 2012: Funchal 19,3 mm/Areeiro 201,1 mm; 3 de março de 2013: Funchal 40,9 mm/Areeiro 274,4 mm; e muitos outros episódios em toda a ilha da Madeira, sendo de registar também os da Ribeira da Janela no dia 5 de novembro de 2012: 186 mm no Lombo da Terça/Porto Moniz; e de Porto da Cruz a 29 de novembro de 2013: 325 mm no Santo da Serra durante dois dias.   Fig. 4.1 – Fotografia de balão meteorológico com radiossonda. A rede de observação no arquipélago da Madeira inclui ainda um sistema de radiossondagens para observação da pressão atmosférica, do vento, da temperatura e da humidade relativa do ar, desde a superfície até cerca de 30 km de altitude, recorrendo ao lançamento de balão com radiossonda (fig. 4.1), executado uma vez por dias às 12.00 h, e ainda quatro estações de tempo presente, instaladas no Funchal/Observatório Meteorológico, em Chão do Areeiro, Pico do Areeiro e São Jorge, para observação da visibilidade horizontal e identificação do tipo de meteoros (chuva, chuvisco, granizo, saraiva e neve).   Fig. 4.2 – Estação meteorológica automática, em teste no Observatório Meteorológico do Funchal, para ser instalada nas Selvagens. Para completar a rede do arquipélago da Madeira, foi instalada uma estação meteorológica automática nas ilhas Selvagens no verão de 2016 (fig. 4.2), a qual permitirá essencialmente acompanhar a evolução de sistemas meteorológicos que se formem a sul da Madeira, para além de que os dados registados nestes ilhéus permitirão o estudo do clima local e o apoio de estudos científicos nos domínios dos ecossistemas locais.     Condições meteorológicas caraterísticas na região da Madeira Fig. 5.1 – Imagem de aproximação de superfície frontal fria As condições meteorológicas predominantes na região do arquipélago da Madeira são principalmente determinadas pela intensidade e localização do anticiclone dos Açores e pelas perturbações da superfície frontal polar que se fazem sentir especialmente de novembro a março, quando se deslocam do Atlântico Norte em direção à Europa, vindas de oeste. Durante o inverno, o anticiclone dos Açores está geralmente deslocado para sul da sua posição média, a sudoeste dos Açores. Importantes também na determinação das condições meteorológicas nesta época do ano são as depressões frontais que se deslocam sobre o Atlântico, que dão origem à aproximação e passagem de superfícies frontais, em particular de superfícies frontais frias (fig. 5.1), mais frequentes e mais ativas do que as superfícies frontais quentes, as quais dão origem a grande nebulosidade, chuva e aguaceiros por vezes fortes, em particular nas zonas montanhosas, e a ventos fortes dos quadrantes de sul. Fig. 5.2 – Imagem de localização do anticiclone dos Açores em dia de verão. Durante o verão, o anticiclone dos Açores, desloca-se frequentemente para nordeste relativamente à sua posição média anual, a sudoeste dos Açores, fortalece-se e estende-se com uma crista de altas pressões, que atinge o Nordeste da Europa (fig. 5.2). Fig. 5.3 – Imagem de depressão estacionária centrada entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Também de outubro a março, estabelecem-se por vezes, entre a Península Ibérica, os Açores e a Madeira, depressões frias estacionárias que afetam as condições meteorológicas nesta região e podem permanecer cerca de uma semana, dando origem, na região da Madeira, a grande nebulosidade com ocorrência de períodos de chuva ou aguaceiros por vezes fortes (fig. 5.3). Importantes são também as situações em que se observa um anticiclone muito desenvolvido, centrado a norte da latitude da Madeira, e orientado na direção oeste-leste, por vezes associado a baixas pressões sobre o continente africano, e em que a região da Madeira é atingida por vento de leste, muito quente e seco, vindo do deserto do Sahara, com poeira fina que dá origem a bruma. Nesta situação, a temperatura do ar na Madeira pode chegar aos 35 °C e a humidade relativa do ar descer para valores da ordem de 5 % nas regiões montanhosas. O clima da Madeira Para a caraterização do clima da Madeira, recorreu-se à classificação climática de Köppen-Geiger, a qual divide os climas em cinco grandes grupos, identificados por letras maiúsculas, e na qual o arquipélago da Madeira se integra no grupo [C], definido como clima temperado húmido. Para cada grande grupo, o tipo de clima é ainda especificado através de uma letra minúscula que refere o regime da precipitação, que para o arquipélago da Madeira, definido como húmido, é [s]; e uma segunda letra minúscula, que está relacionada com a temperatura média mensal, que para o arquipélago da Madeira é [a] ou [b], correspondendo a verão seco e quente (VSQ) ou verão seco e suave (VSS). No fig. 6, apresenta-se a metodologia utilizada com os limites relativos às temperaturas e precipitações mensais, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger. [table id=88 /] Recorrendo à série de dados de 1971-2000 (30 anos), em particular às normais climatológicas, da temperatura do ar e da precipitação média mensal, para as estações do Funchal (costa sul, 58 m), do Areeiro (montanha, 1590 m), de Santana (costa norte, 380 m) e da ilha de Porto Santo (78 m), representadas graficamente na fig. 7, e aplicando a classificação de Köppen-Geiger, temos para o Funchal e para Porto Santo clima do tipo Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e para o Areeiro e Santana clima do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). Fig. 7 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 1971-2000, registadas nas estações meteorológicas do Funchal (58 m), do Areeiro (1590 m), de Santana (380 m) e de Porto Santo (78 m). Aplicando a mesma classificação para as estações que se apresentam na fig. 8, com séries de dados de cinco anos (2011-2015), verifica-se que no Funchal (58 m), no Lugar de Baixo (40 m), na Ponta do Pargo (298 m), em São Vicente (97 m), no Caniçal (133 m) e em Porto Santo (78 m) o clima é Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e nas estações de Quinta Grande (580 m), São Jorge (257 m), Santana (380 m), Santo da Serra (660 m), Areeiro (1590 m), Bica da Cana (1560 m) e Lombo da Terça (931 m) o clima é do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). [table id=89 /] Legenda: H – Altitude T1 – Temperatura média do ar do mês mais frio I1 – Grupo climático R1 – Precipitação no mês mais seco R2 – Precipitação no mês mais chuvoso I2 – Indicador de tipo T2 – Temperatura média do ar do mês mais quente I3 – Indicador de subtipo TC – Tipo de clima Csa – Clima temperado húmido com verão seco e quente Csb – Clima temperado húmido com verão seco e suave   Na fig. 9 apresenta-se de forma gráfica, para nove das estações indicadas na fig. 8, os valores médios mensais da temperatura do ar e da precipitação para o período 2011-2015. Fig. 9 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 2011-2015, registadas nas estações meteorológicas de São Vicente (97 m), São Jorge (257 m), Ponta do Pargo (295 m), Bica da Cana (1560 m), Santana (340 m), Lugar de Baixo (40 m), Funchal (58 m), Caniçal (133 m) e Porto Santo (78 m). Dos resultados anteriores, conclui-se que, para além da latitude, os fatores determinantes do clima da Madeira são a altitude e a proximidade ao mar. Assim, toda a faixa costeira sul até à cota de 500 m (a avaliar pelos valores da Quinta Grande), a faixa costeira norte até à cota de 100 m, aproximadamente (a avaliar pelos valores de São Vicente e de São Jorge), e o Porto Santo apresentam clima temperado húmido com verão seco e quente, e as restantes regiões clima temperado húmido com verão seco e suave. Resumo de apuramentos estatísticos (1971-2000) A fim de se conhecer com mais detalhe a variação dos vários parâmetros climáticos, apresenta-se uma descrição dos apuramentos estatísticos, também conhecidos por normais, para o período 1971-2000, relativos às estações do Funchal (58 m, costa sul), do Areeiro (1590 m, montanha), de Santana (380 m, costa norte) e do Porto Santo (78 m). (Todos estes dados foram recolhidos no Instituto do Mar e da Atmosfera.)   Temperatura do ar Nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo, a temperatura mínima do ar raramente desce abaixo de 10 °C no inverno e a temperatura máxima poucas vezes ultrapassa 30 °C no verão. No entanto, nas terras altas da ilha da Madeira, consideradas acima dos 1000 m, observam-se com frequência valores da temperatura mínima do ar inferiores a 0 ºC. A região do Lugar de Baixo, na vertente sul, a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha da Madeira. Os valores médios anuais da temperatura do ar na ilha da Madeira são maiores na costa sul do que na costa norte e diminuem para o interior da ilha, com a altitude. A temperatura média anual é de 19,0 °C no Funchal (58m), 8,8 °C no Areeiro (1590 m), 15,5 °C em Santana e 18,6 °C na ilha de Porto Santo (78 m). A temperatura média mensal varia pouco ao longo do ano, sendo maior no verão – 22,6 °C no Funchal, 14,3 °C no Areeiro, 19,0 °C em Santana e 22,5 °C em Porto Santo – e menor no inverno: 16,1 °C no Funchal, 4,9 °C no Areeiro, 12,8 °C em Santana e 15,6 °C em Porto Santo. As amplitudes térmicas diárias são pequenas, com valores médios mensais que variam de 5,7 °C a 6,5 °C no Funchal, de 5,9 °C a 8,5 °C no Areeiro, de 4,8 °C a 6,2 °C em Santana e de 4,8 °C a 6,1 °C em Porto Santo. O número médio de dias de verão, definidos como dias em que a temperatura máxima do ar é superior ou igual a 25 °C, é de 72 no Funchal, 7 no Areeiro, 7 em Santana e 39 no Porto Santo; o número de noites tropicais, ou seja, dias de temperatura mínima do ar superior ou igual a 20 °C, é de 28 no Funchal, 1 no Areeiro, 1 em Santana e 37 em Porto Santo. Os dias quentes, com temperatura máxima do ar superior ou igual a 30 °C, podem ser registados tanto nas regiões costeiras como nas regiões montanhosas da ilha da Madeira e também em Porto Santo, mas são bastante reduzidos; em média, inferiores a um dia por ano. As temperaturas máximas absolutas registadas foram 38,5 °C no Funchal, 30,6 °C no Areeiro, 34,1 °C em Santana e 35,3 °C em Porto Santo; e as temperaturas mínimas absolutas foram 7,4 °C no Funchal, -7,0 °C no Areeiro, 5,1 °C em Santana e 6,4 °C no Porto Santo. O número médio de dias do ano com temperatura mínima inferior a 0 ºC é praticamente nulo, exceto no Areeiro onde é de cerca de 40 dias. Precipitação De todos os elementos climáticos, a precipitação é a que apresenta maior variabilidade, existindo um contraste significativo entre a vertente norte e as zonas mais altas, onde ocorrem valores muito elevados de precipitação, e a vertente sul e o Porto Santo, com valores baixos de precipitação. No inverno, a precipitação ultrapassa os 1000 mm nas zonas mais altas, enquanto na costa sul é inferior a 300 mm. Nos meses de verão, a quantidade de precipitação varia entre os 150 mm nas zonas mais altas e menos de 50 mm na costa sul da ilha. O facto de chover mais na parte norte da Madeira durante o verão está claramente associado à direção dominante do vento do quadrante norte nesta estação do ano, e ao facto de a precipitação ser essencialmente de origem orográfica. Os valores médios anuais da precipitação na ilha da Madeira são maiores na costa norte do que na costa sul, aumentando com a altitude, sendo em regra maiores nas encostas voltadas a norte do que nas encostas voltadas a sul para regiões da mesma altitude. Os valores variam de 596 mm no Funchal a 2620 mm no Areeiro, com 1383 mm em Santana. No Porto Santo, o valor médio anual da quantidade de precipitação é 361 mm. Os valores médios mensais da quantidade de precipitação variam muito durante o ano, sendo os meses de outubro a março os mais chuvosos, com valor médio mensal mais elevado nos meses de novembro a janeiro. As maiores quantidades de precipitação diárias variam de local para local, desde o máximo de 215,0 mm no Areeiro, passando por 194,0 mm em Santana, até aos 97,7 mm no Funchal; em Porto Santo, o maior valor diário registado foi 73,0 mm. O número médio anual de dias em que a quantidade da precipitação é igual ou superior a 10 mm é máximo no Areeiro (70) e mínimo em Porto Santo (9), sendo 19 dias no Funchal e 40 dias em Santana. A assimetria norte-sul do número anual de dias com precipitação (≥0,1 mm) é muito significativa. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa sul, ocorrem menos de 90 dias com precipitação por ano, enquanto na costa norte se observam mais de 150 dias por ano. Por outro lado, nas zonas mais altas registam-se mais de 200 dias por ano com precipitação, dos quais mais de 70 são dias com precipitação elevada, superior a 10 mm. Insolação A insolação (número de horas diárias de exposição solar) mensal varia durante o ano com bastante regularidade, Fig. 10 – Gráfico da insolação mensal no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. tendo o valor mínimo em dezembro: 134 h no Funchal, 102 h no Areeiro e 133 h na Ilha de Porto Santo. O máximo mensal é 231 h em agosto no Funchal, 241 h em agosto no Porto Santo e 285 h em julho no Areeiro. A insolação apresenta uma ligeira descida em junho no Funchal e em Porto Santo, mas que não se observa no Areeiro. A insolação mensal média tem assim, para o Funchal e para Porto Santo, uma distribuição bimodal, com máximos em maio e em agosto (fig. 10). Anualmente, o Porto Santo totalizou, neste período, 2157 h de sol e o Funchal 2057 h, estando o maior número de horas de sol em Porto Santo associado à menor orografia, que não favorece tão fortemente a formação de nebulosidade local. O Areeiro totaliza 2053 h de insolação, apresentando uma amplitude mensal de 183 h; o Funchal, com um número anual de horas de sol quase igual ao do Areeiro, tem uma amplitude mensal de 96 h. O número anual de dias sem insolação é de 11 no Funchal, 9 em Porto Santo e 42 no Areeiro; para este valor, contribui essencialmente o número de dias com muita nebulosidade que se registam nos meses de outubro a março. Evaporação (mm) Os valores médios mensais da evaporação nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo variam pouco e com bastante regularidade durante o ano. Em geral, os máximos ocorrem em julho e agosto. A quantidade média anual de evaporação é maior em Porto Santo, com 1423 mm, seguindo-se, por ordem decrescente, na ilha da Madeira, o Funchal, com 1109 mm, o Areeiro, com 970 mm, e Santana, com 753 mm. A amplitude mensal é de 23 mm no Funchal, 117 mm no Areeiro, 19 mm em Santana e 36 mm em Porto Santo, sendo de concluir que a evaporação é máxima nas regiões montanhosas.   Humidade relativa do ar A humidade relativa do ar é em regra maior na costa norte do que na costa sul da ilha da Madeira, sendo a variabilidade mensal maior nas regiões montanhosas. Fig. 11 – Gráfico dos valores médios mensais da humanidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera.   Nas regiões costeiras da ilha da Madeira, os valores médios mensais da humidade relativa do ar apresentam pequena variação durante o ano, sendo menores no inverno do que no verão. Com efeito, o mês mais seco é abril no Funchal, com 69 %, e fevereiro e março em Santana, com 80 %. No Areeiro, os valores médios são mais altos no inverno, 85 %, do que no verão, 64 %. Também na ilha de Porto Santo a humidade relativa é maior no inverno, com 80 %, sendo nos meses de abril a julho da ordem dos 76 %. Na fig. 11, apresentam-se os valores médios mensais da humidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.   Vento O regime anual do vento é diferente na costa norte e na costa sul da ilha da Madeira, sendo os ventos predominantes de NE (10 %) e SW (10 %) no Funchal, de NE (38 %) no Areeiro, de WNW (14 %) e SE (10 %) em Santana/São Jorge, e de N (20 %) em Porto Santo. A frequência de calma é de 13,4 % no Funchal, 1,7 % no Areeiro, 4,0 % em Santana/São Jorge, e 2,3 % no Porto Santo. As rajadas superiores a 40 km/h ocorrem no Funchal com frequência de 1 % e muito raramente são registadas rajadas superiores a 70 km/h. Rajadas superiores a 70 km/h são registadas no Areeiro em 5 % das observações, em Santana/São Jorge em 0,6 % das observações e em Porto Santo em 0,2 %. Entre 1995 e 2015, a maior rajada do vento no Funchal foi de 86 km/h, em março de 2010; no Areeiro, foi de 160 km/h, em Santana/São Jorge, de 159 km/h e em Porto Santo, de 104 km/h, todas no mês de fevereiro de 2010. Assinale-se que os ventos fortes e muito fortes a que por vezes correspondem temporais, particularmente nas terras altas da Madeira e em Porto Santo, estão associados normalmente aos valores mais baixos da pressão atmosférica que em regra ocorrem entre novembro e março.   Temperatura da água do mar Os valores médios mensais da temperatura da água do mar à superfície variam com regularidade durante o ano. Os valores máximos ocorrem em agosto ou em setembro e os mínimos em fevereiro ou março. A temperatura média mensal é relativamente alta ao longo do ano, variando entre 17,8 °C em março e 23,3 °C em setembro no Funchal, e entre 17,3 °C em fevereiro e março e 22,4 °C em setembro no Porto Santo. A temperatura média anual é 20,2 °C no Funchal e 19,5 °C em Porto Santo. A amplitude média da variação mensal é 5,5 °C no Funchal e 5,1 °C em Porto Santo. Os valores observados na região raramente descem abaixo dos 15 °C e raramente ultrapassam os 25 °C.   Ondulação A ondulação na região da Madeira é geralmente fraca ou moderada, com rumos predominantes de NW a NE, exceto junto ao litoral sul da ilha da Madeira, em que predominam rumos de SE a SW. As situações que ocorrem mais frequentemente nos meses de inverno, e que correspondem à ocorrência de depressões no Atlântico Norte em latitudes entre 35° e 55° N, conduzem à geração de ondulação do quadrante NW na região da Madeira. A ondulação do quadrante NE é proveniente, em geral, de áreas de geração localizadas no bordo SE do anticiclone dos Açores, quando este se estende sobre a Europa Ocidental. Durante os meses de verão, cresce a importância desta situação relativamente à anterior, quer pela localização habitual nestes meses do anticiclone dos Açores, quer pelo menor número de depressões a atravessar o Atlântico Norte a latitudes suficientemente baixas para que a ondulação por elas provocada atinja a Madeira.   Pressão atmosférica Os valores da pressão atmosférica ao nível da estação apresentam diferenças quase constantes de local para local, resultantes das diferenças de altitude. Os valores médios mensais reduzidos ao nível médio do mar, registados no Funchal e em Porto Santo, variam pouco durante o ano – 3 hPa no Funchal e 3,3 hPa no Porto Santo –, sendo maiores no inverno e no verão, com diferença de cerca de 1 hPa, e menores na primavera e no outono. A variabilidade interanual dos valores médios mensais nos vários anos é maior durante o inverno e menor durante o verão: 15,0 hPa em janeiro e fevereiro e 2,4 hPa em agosto. Os valores mínimos ao nível médio do mar observados em anos recentes foram 985,9 hPa no Funchal, em 20 de fevereiro de 2004, e 985,8 hPa em Porto Santo, em 4 de março de 2013; os valores máximos foram 1037,2 hPa no Funchal, em 1 de janeiro de 2007, e 1039,3 hPa, em 25 de Janeiro de 2014, em Porto Santo.   Trovoada, granizo, neve e nevoeiro O número de dias com trovoada é de 7 no Funchal, 4 no Areeiro, 4 em Santana e 5 em Porto Santo, sendo a frequência maior no outono e na primavera. O número de dias com precipitação de granizo e saraiva é de 1 no Funchal, 14 no Areeiro, 2 em Santana e inferior a 1 no Porto Santo; a frequência é maior desde meados do outono até à primavera. O número médio de dias do ano com precipitação de neve e com geada é praticamente nulo na Madeira, exceto no Areeiro, em que são registados 7 e 16 dias, respetivamente, com maior frequência em janeiro e março. O número de dias com nevoeiro tem valores desde 1 no Funchal e em Porto Santo, 8 em Santana e 227 no Areeiro, sendo pouco nítida a variação ao longo do ano. É muito nítida e acentuada a variação em altitude. Victor Prior (atualizado a 29.01.2017)

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