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coper, kurt

Professor de química alemão de origem judaica que trabalhou no Laboratório de Química da Universidade de Coimbra no período entre 1929 e 1938. Nessa altura mudou-se para o Funchal, onde trabalhou na indústria vinícola antes de emigrar para os EUA. Fez parte de um grupo de sábios judeus que muito poderia ter contribuído para o desenvolvimento do país, não fosse Portugal não os ter sabido fixar durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda que não se conheça bem a sua biografia, sabe-se que nasceu em Berlim em 1903 e que estudou na Universidade de Berlim onde se doutorou. Nos anos 20, trabalhou em colaboração com um eminente químico alemão da área dos coloides, o Professor Herbert Freundlich (1880-1941), no Kaiser Wilhelm Institute para Química-Física e Eletroquímica, em Berlin-Dahlem, no âmbito da química dos coloides. Em 1929, Coper candidatou-se ao lugar de professor no Laboratório Químico da Universidade de Coimbra. Nessa cidade, foi colega de um outro alemão que trabalhava ao lado, no Laboratório de Física, Walter Wessel. Em Coimbra, ensinou como professor, primeiro contratado e depois auxiliar, Noções Gerais de Química Física (1931-1933 e 1937-1938), Química (1933-1937) e Química Orgânica (1937-1938). Até 1938, Coper continuou em Coimbra a sua investigação em coloides, em particular sois e géis, tendo publicado três artigos científicos, um deles resultante da colaboração com Freundlich: “The Formation of Tactoids in Iron Oxide Sols”, Transactions of the Faraday Society (1937) (o endereço do primeiro era o Laboratório Químico de Coimbra e o do segundo The Sir William Ramsay Laboratories of Inorganic and Physical Chemistry, University College, em Londres, uma vez que Freundlich tinha abandonado a Alemanha em 1933 como muitos outros cientistas). Foi na Lusa Atenas que Coper encontrou a sueca Ruth Hildur Bugner, com quem casou em 1935. Um tanto ou quanto inesperadamente, talvez receando medidas discriminatórias contra judeus, Coper demitiu-se, a 10 de março de 1938, do seu lugar na Universidade de Coimbra para embarcar para a ilha da Madeira com a sua esposa. Aí permaneceu até ao final da Segunda Guerra Mundial, trabalhando numa empresa de vinhos de proprietários judaicos, a Leacock’s (posteriormente associada com a Blandy na Madeira Wine Company). Foi também na Madeira que nasceu o seu filho Gunnar. Aparentemente, não desenvolveu atividade científica na Ilha, o que aliás seria difícil naquela época. No fim da guerra, emigrou para Filadélfia, nos EUA, tendo morrido com 62 anos num hospital de Livingston, New Jersey, em 1966. Trabalhou como engenheiro químico para a empresa Hepco Inc., embora não se conheça bem a atividade que desenvolveu nos EUA. Gunnar Coper deixou, em 2011, num boletim de uma igreja presbiteriana norte-americana (Collenbrook United Church, em Filadélfia), um depoimento onde faz um resumo da história do seu pai: “Em 1 de setembro, deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Nos próximos seis anos, ficámos retidos na ilha da Madeira; Meu pai, sem cidadania, minha mãe, fora da Suécia, e eu num limbo. Não era nem sueco, nem alemão, nem reconhecido como português. [...] Os meus pais estavam preparados para morrer, mas para me salvarem fizeram um acordo com uma família portuguesa segundo o qual ela me aceitava como membro. A guerra finalmente acabou e os meus pais decidiram que era hora de partir. Para onde? Para os Estados Unidos” (COPER, 2011, 4).   Carlos Fiolhais (atualizado a 31.12.2016)

Física, Química e Engenharia Personalidades

centro de química da madeira

O Centro de Química da Madeira (CQM) foi criado em 2004, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Este projeto nasceu da vontade de um punhado de investigadores que aceitaram o desafio de criar, na Universidade da Madeira e para a Região, um centro de investigação de qualidade internacional nas áreas da química e da bioquímica. O CQM foi, desde a sua criação, o CQM auditado regularmente por painéis internacionais de avaliação, sendo os seus relatórios de atividades públicos e os resultados mensuráveis através de critérios internacionalmente aceites. Os órgãos de governo emanam da vontade dos investigadores que constituem o Centro, sendo o respetivo coordenador eleito por voto secreto dos seus membros seniores, e os resultados do domínio público. Para além disso, o Centro cumpre as regras de contratação pública e as leis em vigor. O financiamento do CQM, que tem sido obtido através de concursos altamente competitivos, provém, fundamentalmente, da FCT e de fundos europeus. Graças ao trabalho efetuado nas vertentes de investigação, desenvolvimento, inovação, formação de recursos humanos, e apoio e serviços às empresas, bem como na divulgação da ciência, o CQM é, no início do séc. XXI, uma referência para a Madeira e para o país. Tendo por base a experiência e o conhecimento do pequeno grupo de investigadores doutorados que estiveram na sua génese, o CQM cedo definiu como estratégia de desenvolvimento uma forte ligação às necessidades científicas e de formação da Região, procurando sempre, nas parcerias e na internacionalização, a janela de oportunidade para o reconhecimento e para a complementaridade do trabalho produzido. Assentando em dois grupos de investigação interdisciplinares: “Produtos Naturais” e “Materiais”, o CQM é o elemento central de promoção e dinamização da investigação, do desenvolvimento e da inovação em química e bioquímica na Região Autónoma da Madeira, desenvolvendo a sua atividade nas seguintes áreas: Química Analítica, Química Alimentar, Saúde, Materiais, Modelação Molecular, Nanoquímica e Fitoquímica. No final de 2014, o CQM era constituído por 57 investigadores, 15 dos quais eram doutorados; outros 15 investigadores tinham o mestrado, 11 eram estudantes de doutoramento e 14 estudantes de mestrado; do total, 22 % eram investigadores estrangeiros e 54 % do sexo feminino. De acordo com o estudo bibliométrico realizado pela FCT a todas as unidades de investigação nacionais, no período de 2008-2012, a produtividade do CQM foi uma das mais altas do país; além disso, nos critérios: número de citações por investigador a tempo inteiro (full-time equivalent researcher), impacto, e publicações mais citadas, o CQM destaca-se entre todos os centros de investigação portugueses. Nos seus primeiros 10 anos de existência, o CQM estabeleceu e fortaleceu parcerias, não só no espaço português e da Macaronésia, como na China, Índia e Brasil, destacando-se a constituição de protocolos ou colaborações com várias instituições científicas e laboratórios. Tendo por unidade de acolhimento o CQM, foi criada na Universidade da Madeira a primeira cátedra em Nanotecnologia do país. Em resultado deste projeto, a Universidade da Madeira assinou o primeiro protocolo com uma Universidade Chinesa (Universidade de Donghua – Xangai), começou a receber alunos chineses de doutoramento e mestrado para realizarem estágios no CQM, e os investigadores do CQM passaram a visitar regularmente a China para desenvolverem trabalho de investigação. Desta intensa atividade científica conjunta resultou a publicação de vários trabalhos em revistas de elevado fator de impacto, e ainda um aumento do número de alunos estrangeiros, quer no Mestrado em Nanoquímica e Nanomateriais, quer no Doutoramento em Química da Universidade da Madeira. A localização específica do Centro de Química da Madeira na Região é uma característica inerente de apresentação do próprio Centro. A investigação desenvolvida no CQM está, por isso, prioritariamente ligada à comunidade que integra. Desta forma, há uma forte relação entre o CQM e as entidades regionais, como o hospital, o governo e várias empresas locais. As atividades educativas, como o “Ciência Viva nas Férias”, “A Química é Divertida” e os “Estágios de Verão”, têm sido ao longo de vários anos um importante ponto de contacto com as escolas da região e com a população, a que se juntou em 2015 o projeto “Bridging the Gap”. As atividades do CQM permitiram a formação de vários jovens investigadores madeirenses, tendo muitos deles permanecido a trabalhar em empresas da Região. As atividades de investigação e de inovação, além da participação em projetos internacionais, contribuíram para colocar a Madeira e o Porto Santo numa posição de destaque, seja pela divulgação e valorização dos produtos da região, seja pela atração de investigadores e estudantes internacionais, seja ainda pela obtenção de fundos nacionais e internacionais que fomentam a economia regional. No que concerne à internacionalização, o Centro de Química da Madeira tem procurado a excelência e o profissionalismo em todos os domínios da sua atuação, captando conhecimento externo e dinamizando atividades que levam ao enriquecimento dos seus investigadores. O estabelecimento de protocolos e intercâmbios com diferentes universidades – como a Universidade de Nova Delhi (Índia) e a já referida Universidade de Donghua (China) –, a existência da Cátedra em Nanotecnologia, a visita frequente de conferencistas e professores estrangeiros (com a consequente troca de experiências com os investigadores do Centro), a captação de estudantes e investigadores de outros países, e a possibilidade de o Centro oferecer condições para que os investigadores nacionais tenham experiências noutros países e conheçam outra realidade, são pontos fortes que apoiam a contínua internacionalização do trabalho realizado no CQM. A possibilidade de desenvolver colaborações cada vez mais estreitas com entidades internacionais enriquece e revitaliza a investigação no Centro, permitindo aconselhamento científico externo, e fazendo com que a oferta formativa que o CQM disponibiliza seja mais abrangente e a investigação mais competitiva. Após os primeiros 10 anos de existência e passada a fase da criação, o CQM foi colocado perante o desafio de crescer e se sustentar, reforçando o forte compromisso social através da investigação e dos programas educacionais, aumentando a massa crítica do Centro com um maior número de investigadores seniores, dando continuidade ao programa de internacionalização com colaborações capazes de exponenciar o impacto do CQM. No domínio educacional, o objetivo é garantir um ambiente inovador, preparando os estudantes para se tornarem investigadores e empreendedores de excelência, proporcionando-lhes as melhores condições para poderem ter sucesso no mundo empresarial e académico. Ao nível da investigação, o plano estratégico do CQM para o período de consolidação assentou no desenvolvimento de novas abordagens analíticas para aplicação no ramo alimentar e no controlo de qualidade, na identificação precoce de biomarcadores característicos de diferentes doenças, na identificação de compostos moleculares com potencial atividade biológica, no desenvolvimento de novos nanomateriais e sensores para aplicações biomédicas, com especial relevo para as doenças emergentes e para as doenças ressurgentes (malária e dengue). O Centro de Química da Madeira tem a missão de servir a comunidade investigando, desenvolvendo a Região e o país, formando e criando emprego para o mundo e, por isso mesmo, o conhecimento acumulado no CQM destina-se a todos e encontra-se ao serviço de todos.   João Rodrigues (atualizado a 29.12.2016)

Física, Química e Engenharia Educação

feiticeiro da calheta (joão gomes de sousa)

O “Feiticeiro da Calheta”, como ficou conhecido, foi um dos maiores poetas populares madeirenses. É autor dos versos que mais tarde originaram a música Bailinho da Madeira. João Gomes de Sousa era analfabeto, mas revelou ter uma grande capacidade para criar versos e rimas, relatando diversas histórias, acerca do quotidiano insular e acontecimentos do seu tempo, que imprimia em folhetos. Da sua obra conhecida fazem parte quarenta e dois títulos, reunidos em 2015 no livro de edição póstuma Feiticeiro da Calheta: vida e obra, João Gomes de Sousa. Palavras-chave: “Feiticeiro da Calheta”; poesia popular; folhetos, cultura, tradições populares.   Na Madeira, dava-se o nome de “feiticeiro” à figura do poeta popular que, com aparência estranha ou marginal, tinha a capacidade de versejar relatos e pensamentos, de trovar, de cantar ao despique e de exercer poder através da palavra cantada, obtendo grande impacto e encantamento junto do público. Feiticeiro da Calheta fig 1. Imagem da colecção da autora João Gomes de Sousa, o “feiticeiro da Calheta”, como ficou conhecido, foi um poeta popular madeirense, analfabeto e agricultor, considerado, depois do “feiticeiro do Norte”, o maior dos poetas populares da Madeira. Nasceu a 30 de novembro de 1895, no sítio do Lombo do Atouguia, freguesia e concelho da Calheta, e faleceu a 8 de julho de 1974, no Lombo do Brasil, Calheta. Descendente de uma família pobre e humilde, que vivia da lavoura, era filho de João Gomes de Sousa e de Maria Rodrigues dos Santos. Em 1918, casou-se com Catarina Pestana, que faleceu em maio de 1945. Tendo ficado viúvo, casou em segundas núpcias, em dezembro desse mesmo ano, com Augusta Gomes, de quem teve uma filha. Evidenciou-se pela sua grande capacidade para criar versos e rimas sobre factos e gentes da Madeira, e é recordado como um homem que animava as festas e os arraiais realizados na Ilha, a cantar e a tocar viola de arame. O “feiticeiro da Calheta” relatava em verso diversas histórias, nas quais descrevia as vivências do povo e acontecimentos do seu tempo. O registo das suas composições na literatura de cordel surge em 1938, após a participação na primeira Festa da Vindima ocorrida no Funchal, nos dias 18 e 19 de setembro daquele ano, com o grupo folclórico do Arco da Calheta, ao qual pertencia. A ideia de realizar a festa surgiu de uma iniciativa solidária, em favor da Escola de Artes e Ofícios (criada em 1921, pelo P.e Laurindo Leal Pestana, para apoio aos menores desfavorecidos ou abandonados), que estava a passar por dificuldades, correndo o risco de fechar. A iniciativa ficou a cargo da Estação Agrária da Madeira. Os organizadores acabaram por tornar o evento mais abrangente, aproveitando para promover o vinho e a uva, e para exaltar as tradições e a ruralidade, numa estratégia de propaganda do regime do Estado Novo. Instituíram um concurso e um prémio para o grupo folclórico que, participando no cortejo, melhor se apresentasse. Os grupos de toda a Ilha, convidados a participar no certame, desfilaram pelas ruas do Funchal, apresentando as suas músicas, cantares e trajes tradicionais. O rancho folclórico do Arco da Calheta, liderado por João Gomes de Sousa, destacou-se pela sua animação, a sua indumentária e o seu rigor, e acabou por arrecadar o primeiro lugar. O grupo do Arco da Calheta chegou ao Funchal a bordo do barco Gavião, que partiu do Porto Moniz, passou pelo Paul do Mar e apanhou o rancho no porto da Fajã do Mar, freguesia do Arco da Calheta. Consigo levavam produtos agrícolas, vinho e muita animação. No primeiro dia do evento, durante o desfile, ao passar junto à tribuna, em frente do Governador da Madeira e dos membros da organização, João Gomes de Sousa cantou as seguintes quadras: “Deixai passar/ Esta nossa brincadeira/ Que nós vamos cumprimentar/ o Governo da Madeira. Eu venho de lá tão longe/ Venho sempre à beira mar/ Trago aqui estas coivinhas/ Para amanhã o seu jantar. [...]” No dia 19, quando foi anunciado o vencedor do concurso, o poeta avança, a cantar: “Deixa passar/ o homem da capa preta/ Quem ganhou o primeiro lugar/ Foi o rancho da Calheta. [...] Deixa passar/ Esta linda brincadeira/ Que a gente vamos bailar/ Pr’a gentinha da Madeira”   Feiticeiro da Calheta fig 2. Imagem da colecção da autora A partir de então, perante os vários elogios obtidos no Funchal, o “feiticeiro da Calheta” começa a produzir versos acerca de situações do quotidiano dos madeirenses e de acontecimentos ocorridos na época. Como não sabia ler nem escrever, foi Manuel Baeta de Castro quem registou, entre os anos de 1938 e 1955, as criações literárias de João Gomes de Sousa. Depois, passou a ser Maria de Jesus, a única filha do “feiticeiro da Calheta”, a escrever os versos que o pai lhe ditava. Ganhando fama como artista popular e trata da impressão das suas histórias em folhetos na tipografia Madeira Gráfica, no Funchal, vendendo-os depois, com a ajuda de Augusta, a mulher, no Funchal, nos arraiais, no final das missas, nos autocarros da Rodoeste e nas vendas (mercearias de bairro). Esta era também uma forma de o artista popular sustentar a família, que vivia com dificuldades financeiras. Apesar disso, o “feiticeiro” prometeu oferecer à sua única filha um cordão em ouro, de três voltas, como tinham as raparigas da altura. Promessa que cumpriu depois de vender 1500 folhetos no Funchal, com a história do assalto ao paquete Santa Maria, criada por ele e passada ao papel pela mão de Maria de Jesus. O “feiticeiro da Calheta” foi um observador atento do quotidiano insular e dos assuntos do seu tempo. O trovador popular conta as suas histórias em verso, retratando o dia a dia do seu povo, do meio rural, as suas emoções, opiniões e anseios, mas também relata acontecimentos que marcam a vida política e social do meio urbano. Os seus temas versam a religião, a política e a sociedade, incidindo especialmente sobre os comportamentos sociais, a moral e diversos acontecimentos insólitos ocorridos na Ilha. Conta histórias da vida do pescador e da vida do comerciante, refere tipos sociais e expõe virtudes e vícios. Num tom de crítica social faz vários reparos: ao luxo das raparigas; às meninas e mulheres vaidosas; às mulheres que têm os maridos embarcados e que os não respeitam; às bilhardeiras; aos caloteiros à loucura dos rapazes que andam para casar; às desordens causadas pelas bebedeiras e pelos bêbados; à doença e ao médico; e à escassez de carne devida à falta do gado da serra. O “feiticeiro” também faz versos acerca de tragédias, acidentes, crimes e tempestades. Relata, entre outras histórias, a de uma mulher que envenenou o marido no Chão da Loba, a de dois assassinos do Arco da Calheta e São Jorge, a de um homem que queria matar a mulher e os filhos e apareceu morto, a de um acidente trágico que resultou na morte de cinco pessoas, na Praia Formosa, a de dois irmãos que faleceram num desastre de automóvel, na freguesia do Estreito da Calheta, e a de um ciclone que ocorreu nos Açores e que vitimou alguns pescadores madeirenses. João Gomes de Sousa publicou as suas quadras durante a vigência do Estado Novo, revelando-se um defensor desse regime político. Em 1946, em Versos do Estado Novo, Obras do Porto, Estradas da Madeira, elogiava o Governo pelas obras realizadas para o desenvolvimento da Ilha, particularmente a construção do porto, de escolas e estradas. Diversos acontecimentos ligados ao sistema político vigente, bem como algumas figuras do regime, inspiraram muitos dos seus poemas. O cardeal patriarca Cerejeira, e.g., foi referido como “o pai da religião”, enquanto Óscar Carmona, num folheto datado de 1951, foi mencionado como o “grande Presidente”. Em 1955, cantava a visita do Presidente da República, Craveiro Lopes, à Madeira. O trovador gostava de saber o que se publicava nos jornais. Quando ia ao Funchal, pedia aos amigos para lhe lerem as notícias e ouvia as histórias dos acontecimentos da Madeira e do mundo, que lhe ficavam na memória, para depois criar versos sobre esses assuntos. Por vezes, era a filha que lhe lia o jornal que chegava ao Lombo do Brasil, na Calheta. O poeta popular, apesar de analfabeto, era um homem informado. Viveu numa época de grandes alterações e acontecimentos que marcaram o séc. XX e aproveitou esses marcos da história mundial para fazer as suas rimas. A Segunda Guerra Mundial e a chegada do homem à lua foram momentos registados nas suas originais reportagens em verso. Segundo Eugénio Perregil “a partilha de todo este conhecimento, nos seus arredores, facilmente o conduziam a ser reconhecido e apontado como alguém mais sabedor, como um adivinha dos tempos e dos acontecimentos. Era conhecedor de todas as ocorrências locais, nacionais e, também, as que aconteciam no estrangeiro, o que lhe valeu ser batizado com a alcunha de Feiticeiro” (PERREGIL, 2015, 41). Produziu ainda versos de teor religioso, invocando a vida de Jesus Cristo, reunidos sob o título Versos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, e de Nossa Senhora, intitulados Despedida do ano Santo – versos da vida de Nossa Senhora e do Nascimento do Menino Jesus – Peregrinação de Roma – A Assunção da Virgem Maria nos Céus. Em 1948, dedica um poema à passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima pela Madeira. Também deixou um folheto de cariz autobiográfico, intitulado Vida do Feiticeiro da Calheta, porém, os versos apresentam semelhanças aos deixados por Manuel Gonçalves (o “feiticeiro do Norte”), com o título A vida do Feiticeiro do Norte. Da sua obra conhecida fazem parte 42 títulos, de versos e de histórias, publicados entre 1938 e 1971. Como se referiu atrás, João Gomes de Sousa foi o autor das estrofes principais que originaram, mais tarde, o famoso “Bailinho da Madeira”, celebrizada pelo cantor madeirense Max, com arranjo musical de António do Amaral e M. Gonçalves Teixeira. Em 1949, Max grava esta canção em Lisboa, na produtora Valentim de Carvalho; a música, divulgada nas rádios, foi ouvida pelo “feiticeiro da Calheta”, que se sentiu defraudado por ouvir cantar as suas letras sem ter dado autorização para tal. Deslocou-se, então, ao Funchal, esperando o regresso de Max, para confrontar o cantor com a situação. Max acabou por lhe pagar uma quantia irrisória, no intuito de remediar o caso. Para assinalar os 120 anos do nascimento do “feiticeiro da Calheta”, foi lançado, em julho de 2015, o livro Feiticeiro da Calheta: vida e obra, João Gomes de Sousa, coordenado por Eugénio Perregil e editado pela Câmara Municipal da Calheta. O livro relata alguns acontecimentos relevantes da vida do “feiticeiro” e apresenta uma compilação da sua obra conhecida, publicada em folhetos. A maior parte dos folhetos reunidos na obra foram cedidos pela filha, Maria de Jesus. Também para assinalar a efeméride, formulou-se o projeto de uma longa-metragem para contar a vida e obra de João Gomes de Sousa, com realização de Miguel Jardim e produção de Eugénio Perregil e Eva Gouveia. João Gomes de Sousa foi ainda recordado numa exposição que esteve patente ao público no Funchal, no âmbito da Festa do Vinho da Madeira de 2015, no Espaço InfoArte, na Secretaria Regional do Turismo, entre 31 de agosto e 6 de setembro. A mostra evocou a primeira Festa da Vindima, realizada em 1938, homenageando o P.e Laurindo Leal Pestana, promotor do evento, e também João Gomes de Sousa, por ter participado e vencido o concurso de grupos folclóricos. Obras de João Gomes de Sousa (“feiticeiro da Calheta”): Versos Cantados na Exibição do Rancho do Arco da Calheta no Campo Almirante Reis Sobre A Vinda do Presidente Carmona (1938); A Revolução da Madeira (1939); O Desastre da Ponte da Madalena (1939); Versos da Catástrofe que se Deu na Madalena do Mar – 30 de Dezembro de 1939 (1940); Versos A Sua Eminência O Senhor Cardeal Patriarca de Volta d' África Passou pela Madeira em 29 de Setembro e Foi Até À Ribeira Brava (1944); Versos da Atual Guerra Mundial (1945); Versos da Paz da Guerra da Europa (1945); Versos da Vida do Feiticeiro da Calheta Feitos por Ele Próprio (1945); Versos do Ciclone dos Açores em que Morreram Alguns Pescadores Madeirenses (1946); Versos do Comércio da Madeira Depois da Guerra Acabar (1946); Versos da Guerra que Acabou (1946); Versos da Mulher que Envenenou o Marido no Chão da Lôba (1946); Versos do Estado Novo – Obras do Porto – Estradas da Madeira (1946); Versos do Lavrador (1947); Versos da Malícia das Mulheres (1947); Versos das Facadas que se Deram no Natal por Causa da Ruína do Vinho (1948); Versos da Passagem pela Madeira de Nossa Senhora de Fátima (1948); Versos da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo (1948); História, em Verso, dos Dois Assassínios do Arco da Calheta e São Jorge – João Mau e Catingueiro (1949); Versos da Vida do Pescador (1949); Despedida do Ano Santo – Versos da Vida de Nossa Senhora e do Nascimento do Menino Jesus – Peregrinação de Roma – A Assunção da Virgem Maria nos Céus (1950); A Epopeia dum Grande Herói – O Senhor Carmona (1951); História dos Vendeiros e Caloteiros e da Vendeirinha Mimosa (1951); História Sentimental – Das Cinco Mortes no Trágico Desastre da Praia Formosa em Dia de São Pedro (1952); Versos da Máquina de Coser das de Duas Lançadeiras, Atribuída às Mulheres Vaidosas que Têm Os Maridos Embarcados (1952); A História do Frangainho Loiro (1953); História do Desastre do Fogo que Se Deu no Arco da Calheta (1953); Continuação da História das Meninas Vaidosas e das Mulheres que Têm os Maridos Embarcados e que Os Não Respeitam (Segunda Parte) (1954); História em Versos dum Inimigo Vencido – A Doença e o Médico (1954); A Visita de Sua Excelência o Senhor Presidente da República – General Craveiro Lopes à Madeira (1955); Versos das Bilhardeiras que Não Cumprem Com A Lei dos Seus Ministros (1958); História das Mulheres que Aproximam O Fim do Mundo (1958); A Falta de Carne Devido À Falta do Gado da Serra – Os Bichos que Desterram O Lavrador (1959); História em Verso da Agonia dos Passageiros do Barco “Santa Maria” (1961); História em Verso dum Caso que Sucedeu na Freguesia da Calheta – Um Homem que Queria Matar A Mulher e Os Filhos e Apareceu Morto! (1961); História dos Bêbedos – Das Desordens que Se Dão por Causa da Bebedeira e do Bêbado que Jogou A Panela de Milho para A Ladeira (1962); História em Verso – Dum Desastre de Automóvel que Aconteceu No Sítio da Ribeira Funda, Freguesia do Estreito da Calheta. Dois irmãos, Ambos solteiros que Morreram No Mesmo Dia (1963); História Em Verso – O Engrandecimento de Portugal – O Festejo que Houve Para As Obras do Hospital da Calheta (1964); História da Maior Virtude e Das Mulheres que A Perdem – que Tendo Seus Maridos Embarcados Os Não Respeitam (1965); História Maravilhosa dos Três Astronautas Americanos que Foram no «Apolo-11» e Desembarcaram na Lua (1969); História em Versos – das Meninas Vaidosas e das Mulheres que Têm Os Maridos embarcados… (1971); O Luxo das Raparigas e A Loucura dos Rapazes que Andam para Casar (s.d.).   Sílvia Gomes (atualizado a 06.01.2017)

Cultura e Tradições Populares Literatura

azevedo, álvaro rodrigues de

Álvaro Rodrigues de Azevedo foi um advogado, professor, político, jornalista, escritor e historiador, que viveu na Madeira durante cerca de 26 anos e que contribuiu para a valorização do panorama literário e cultural da Ilha. É autor de uma bibliografia diversificada e, do seu legado, destaca-se a publicação do manuscrito As Saudades da Terra (1873), de Gaspar Frutuoso, que inclui 30 extensas notas da sua autoria, que complementam e esclarecem alguns pontos acerca da história da Madeira. Palavras-chave: Madeira; literatura; jornalismo; história; historiografia; cultura. Álvaro Rodrigues de Azevedo foi advogado, professor, político, jornalista, escritor e historiador. Nasceu em Vila Franca de Xira, a 20 de março de 1825, e faleceu em Lisboa, a 6 de janeiro de 1898, dois meses antes de completar 73 anos. Apesar de ter nascido no continente, viveu na Madeira durante muitos anos e considerava a Ilha a sua pátria adotiva. Chamava-se José Rodrigues de Azevedo, mas terá mudado de nome quando ingressou na universidade. Era filho de António Plácido de Azevedo, natural de Benavente, e de Maria Amélia Ribeiro de Azevedo. Casou-se com Maria Justina, de quem teve geração. Concluiu o curso de Direito, em 1849, na Universidade de Coimbra, e foi para Lisboa, onde residiu durante cerca de seis anos. Seguiu posteriormente para a ilha da Madeira, onde exerceu funções de professor, ocupando uma vaga através de concurso público. Anteriormente, tinha tentado um lugar na magistratura judicial, mas não teve sucesso. Alguns anos mais tarde, na introdução do livro Esboço Crítico-Litterário (1866), explicava a razão pela qual não tinha conseguido aquele emprego e se considerava injustiçado. No Liceu do Funchal, teve a seu cargo a cadeira de Oratória, Poética e Literatura, que regeu durante 26 anos. Também no mesmo Liceu, foi professor de Português e Recitação e fez parte, como sócio e secretário, da Associação de Conferências, inaugurada a 9 de maio de 1856, com a finalidade de promover o desenvolvimento dos princípios da educação popular e de elaborar uma discussão com vista à escolha dos melhores métodos de ensino. A Associação de Conferências era composta por professores do ensino público e particular da capital do distrito da Madeira. Em 1856, por ocasião da epidemia de cólera (cólera-mórbus), que se propagou na Ilha, causando uma elevada taxa mortalidade, prestou relevantes serviços no desempenho do cargo de administrador do concelho do Funchal. A 24 de julho de 1856, escrevia no periódico A Discussão, revelando as medidas tomadas pela Câmara Municipal que, no sentido de tentar combater a epidemia, concedeu 150$000 reis mensais para que o administrador do concelho estabelecesse uma sopa económica, a ser distribuída, uma vez por dia, aos mais necessitados. Referia ainda que medidas idênticas tinham extinguido a cólera em algumas regiões continentais. Mencionando nomes de personalidades e respetivos donativos para a causa, reforçava a ideia da importância da alimentação no combate daquele flagelo e considerava que os mais afetados pela doença eram geralmente pobres, pois a principal causa do seu desenvolvimento era a fome e a miséria. Foi procurador à Junta Geral e membro do conselho de distrito e da comissão administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, tendo recusado, em 1870, o cargo de secretário-geral do distrito e a comenda da Conceição. Foi ainda membro do Partido Reformista, participando ativamente na política madeirense e revelando aspirações liberais, sobretudo num período agitado da vida local, iniciado em 1868. Como jornalista, Álvaro Rodrigues de Azevedo colaborou na imprensa periódica madeirense, sendo redator nos jornais A Discussão, A Madeira, A Madeira Liberal, O Oriente do Funchal e Revista Judicial, e tendo redigido também alguns artigos no Diário de Notícias da Madeira. Publicou ainda o Almanak para a Ilha da Madeira para os anos de 1867 e de 1868. Os artigos publicados na imprensa foram de natureza variada, desde folhetins e artigos de crítica literária até assuntos de interesse social, relacionados com a vida no arquipélago e com o quotidiano dos madeirenses. Em janeiro de 1856, no periódico A Discussão, inicia a publicação de um artigo de crítica literária, sob o título “Bosquejo Histórico da Literatura Clássica Grega, Latina e Portuguesa, por A. Cardoso B. de Figueiredo”. Este texto saiu, naquele jornal, nos n.os 50, 51, 53 e 55, entre janeiro e março de 1856. Em 1866, edita um estudo em volume, intitulado Esboço Crítico-Litterário (do Bosquejo Histórico da Literatura Clássica, Grega, Latina e Portuguesa do Sr. A. Cardoso Borges de Figueiredo), no qual menciona o seu primeiro artigo crítico à obra daquele autor. No Diário de Notícias da Madeira, em 1877, nos n.os 181 a 183, publicou, como folhetim, um estudo histórico intitulado “A Casa em que Christovão Colombo Habitou na Ilha da Madeira”, identificando e descrevendo a casa de Cristóvão Colombo no Funchal. Álvaro Rodrigues de Azevedo é autor de uma vasta obra, de temas diversos. Ainda na juventude, escreveu um drama sob o título Miguel de Vasconcelos, que não chegou a ser editado. No entanto, este texto originou uma polémica na imprensa, em 1852, nos n.os 2924, 2927 e 2942 da Revolução de Setembro, com o bibliógrafo e publicista, Inocêncio Francisco da Silva, autor do Diccionario Bibliográphico Portuguez (1858). Na nota bibliográfica elaborada a Álvaro Rodrigues de Azevedo no referido Dicionário, Inocêncio Francisco da Silva afirma que terá confundido uma crítica desfavorável a outro texto com o mesmo título de Miguel de Vasconcelos, mas de outro autor, que terá lido nas Memórias do Conservatório Real de Lisboa, tomo II, 1843, p. 114. Tendo conhecimento do texto escrito por Azevedo, que este lhe havia dado a ler, anos antes, julgou tratar-se do mesmo texto, pois tinham o título idêntico, mas apenas um foi publicado nas Memórias do Conservatório, tendo outro ficado em arquivo. Este equívoco terá desencadeando a referida controvérsia, suscitando uma troca de correspondência entre ambos, através da imprensa periódica. Nas suas produções literárias encontram-se, entre outros, A Familia do Demerarista. Drama em um Acto (1859), uma crítica de costumes madeirenses, e Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacçao (1869), no qual pretende desenvolver competências de produção linguística. Como escritor e historiador, produziu importantes trabalhos sobre o arquipélago da Madeira. O seu legado mais importante para a historiografia madeirense foi a publicação do manuscrito As Saudades da Terra (1873), redigido por Gaspar Frutuoso, em 1590, na ilha de S. Miguel, Açores. Álvaro Rodrigues de Azevedo redigiu 30 notas que acrescentou ao manuscrito, na parte que diz respeito à Madeira, com o intuito de esclarecer alguns pontos da história do arquipélago. O trabalho de investigação, de pesquisas e de consultas em livros, manuscritos ou outras fontes, que empreendeu para a elaboração das anotações presentes na edição de As Saudades da Terra (1873) contribuiu para o desenvolvimento do seu gosto pelo estudo da história da Madeira. Segundo Alberto Vieira, Álvaro Rodrigues de Azevedo “poderá ser considerado o pioneiro da historiografia hodierna na ilha. O seu trabalho publicado em anotação a As Saudades da Terra, em 1873, é modelar e surge como uma peça-chave para todos os que se debruçam sobre a história da ilha” (VIEIRA, 2007, 13). Álvaro Rodrigues de Azevedo confessou que teve muitas dificuldades na elaboração destas notas, que foi um processo moroso, fruto de muito trabalho de investigação, de dia, e de escrita, à noite, acumulado com a sua profissão. A obra, encetada em meados de 1870, demorou cerca de três anos a completar. Os trabalhos de investigação foram feitos nos arquivos da Ilha, nas Câmaras do Funchal, de Santa Cruz e de Machico, na Câmara Eclesiástica, na Câmara Militar e no cabido da Sé. Também foram relevantes os textos que reuniu de cronistas como Zurara, João de Barros e Damião de Góis, e os manuscritos do P.e Netto. Teófilo Braga, seu amigo, com quem se correspondia, teve uma grande influência no seu pensamento e na sua escrita, sendo através deste que tomou contacto com a teoria da história positivista, em voga na época. Contou ainda com a colaboração de João Joaquim de Freitas, bibliotecário da Câmara do Funchal, que o ajudou nos trabalhos de revisão textual. Apesar de todas as dificuldades que teve de ultrapassar, e da obra inédita que deu à estampa, em 1873, não obteve o devido valor e reconhecimento por parte dos seus coevos. Só muitos anos mais tarde é que o seu trabalho foi valorizado pelos eruditos madeirenses. Na verdade, esta obra pioneira na historiografia insular abriu caminho para que outros madeirenses começassem a interessar-se pelo estudo da sua história, do seu passado e das suas raízes. As suas anotações constituíram uma fonte importante para outros estudiosos, sobretudo para os intelectuais da primeira metade do séc. XX e para os homens da chamada Geração do Cenáculo, que recorreram com frequência às investigações do seu antecessor. Antes do trabalho feito nas anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, os estudos relativos à história do arquipélago eram muito vagos, circunscrevendo-se a breves notas e estudos. A sua obra teve, assim, um grande impacto em estudiosos como, entre outros, Alberto Artur Sarmento, Fernando Augusto da Silva, Eduardo Pereira, Visconde do Porto da Cruz, sendo mesmo uma base de referência para a elaboração de obras como o Elucidário Madeirense (1921). De facto, são muitas as referências aos apontamentos e ao nome de Álvaro Rodrigues de Azevedo nos três volumes que compõem o Elucidário, tendo os seus autores confessado que “são as Saudades da Terra, e sobretudo as suas valiosas e abundantes notas, o mais rico, copioso e seguro repositório de elementos que possuímos para a história do nosso arquipélago” (SILVA e MENESES, vol. II, 1998, 126). Neste sentido, também outros autores terão consultado e referenciado as notas a Saudades da Terra, entre os quais o Visconde do Porto da Cruz, na elaboração dos três volumes de Notas e Comentários para a História Literária da Madeira (1949-1953). Ainda relativamente à história da Madeira, Álvaro Rodrigues de Azevedo foi o autor de uma série de artigos, nomeadamente, “Machico”, “Machim”, “Madeira” e “Maçonaria na Madeira”, publicados em 1882 no Dicionário Universal Português Ilustrado, dirigido por Fernandes Costa. Em 1880, trouxe à luz da publicidade o Romanceiro do Arquipélago da Madeira, um volume de 514 páginas, resultado das suas recolhas da tradição oral em diversas freguesias da Madeira e do Porto Santo, para o qual terão contribuído as influências de Teófilo Braga. As composições foram classificadas por géneros, a saber, “Histórias”, “Contos” e “Jogos”, os quais, por sua vez, foram divididos em espécies. Nas “Histórias”, Álvaro Rodrigues de Azevedo incluiu as seguintes espécies: “Romances ao divino”; “Romances profanos”; “Xácaras” e “Casos”. No género “Contos”, incluiu as seguintes espécies: “Contos de fadas”; “Contos alegóricos”; “Contos de meninos”; “Lengas-lengas” e “Perlengas infantis”. Finalmente, no género “Jogos”, contemplou os “Jogos pueris” e os “Jogos de adultos”. Terá coligido, igualmente, elementos para a elaboração do cancioneiro, que, porém, não chegou a publicar. No ano seguinte à publicação do Romanceiro, em janeiro de 1881, já jubilado, mas desiludido com a ingratidão dos madeirenses pelo seu trabalho dedicado à cultura e ao progresso da Ilha, acabou por retirar-se para Lisboa, onde fixou residência até ao fim da sua vida. Deixou uma coleção de apontamentos avulsos sobre a história, o romanceiro e o cancioneiro da Madeira, que foi coligindo ao longo do tempo que ali passou, os quais foram adquiridos pela Biblioteca Nacional de Lisboa, após a sua morte. No distrito de Lisboa, concelho de Oeiras e freguesia de Paço de Arcos, existe uma rua com o seu nome, a “Rua Álvaro Rodrigues de Azevedo”. Na Madeira, além da reedição das suas notas, em 2007, não houve, até 2016, qualquer homenagem a este homem que se empenhou pelo progresso da Ilha. Obras de Álvaro Rodrigues de Azevedo: O Comunismo. Discurso proferido na Aula de Practica Forense da Univ. de Coimbra, em Que Se Expõe e Combate esta Doutrina (1848); O Livro d’Um Democrata (1848); A Familia do Demerarista. Drama em Um Acto (1859); Esboço Crítico-Litterário (1866); Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacçao (1869); As Saudades da Terra. Pelo Doutor Gaspar Fructuoso. História das Ilhas do Porto-Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens. Manuscripto do Século XVI Annotado por Alvaro Rodrigues de Azevedo (1873); Corografia do Arquipélago da Madeira (1873); “A Casa em que Christovão Colombo Habitou na Ilha da Madeira” (1877); Romanceiro do Archipelago da Madeira (1880); Benavente: Estudo Histórico-Descritivo, Obra Póstuma, Continuada e Editada por Ruy d'Azevedo (1926).   Sílvia Gomes (atualizado a 14.12.2016)

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área(s) marinha(s) protegida(s)

As áreas marinhas protegidas (AMP) correspondem, numa aproximação jurídica de carácter genérico, à aplicação de um regime jurídico específico e reforçado de proteção ambiental a um espaço marítimo delimitado. Quando o âmbito de aplicação espacial é o oceano circundante ao território terrestre da RAM (nos termos do art. 3.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira – EPARAM: o “arquipélago da Madeira é composto pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo, Desertas, Selvagens e seus ilhéus”), uma adequada compreensão do seu regime jurídico implica que se tenha simultaneamente em consideração uma multiplicidade de fontes de direito, dado que o enquadramento jurídico-internacional aplicável aos oceanos condiciona a regulamentação proveniente de fontes internas. Assim sendo, no que respeita às AMP existentes na RAM, a sua regulamentação é o resultado da conjugação das fontes aplicáveis de direito regional, de direito interno português, de direito da União Europeia e de direito internacional, com destaque para o direito internacional aplicável aos espaços marítimos. Com efeito, as AMP, ao determinarem quais são os usos permitidos e proibidos num espaço marítimo delimitado e ao pretenderem simultaneamente conformar os comportamentos de todos os potenciais utilizadores do mar, sejam estes nacionais ou estrangeiros, devem respeitar o direito internacional relevante, na medida em que este é o fundamento último de legitimação da atuação do Estado costeiro e das suas divisões ao nível da organização política e administrativa. A qualificação de uma determinada zona de oceano como AMP é recente na prática dos Estados, coincidindo com a progressiva relevância dada às questões ambientais a partir da déc. de 70 do século passado. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), comummente designada como a Constituição dos Oceanos, não fornece um conceito jurídico-internacional para este instituto jurídico, nem contém identicamente um regime jurídico-internacional dedicado especificamente às AMP, não obstante a sua parte XII ser dedicada à “[p]roteção e preservação do meio marinho” e o art. 192.º proclamar expressamente que os “Estados têm obrigação de proteger e preservar o meio marinho”. O n.º 5 do art. 194.º, com a epígrafe “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, estabelece que os Estados devem tomar as medidas “necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros e frágeis, bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo”, o que tem sido utilizado como o fundamento jurídico para a evolução que se deu neste domínio no final do séc. XX e no princípio do séc. XXI. Importa salientar que, ao nível do direito internacional geral, as AMP não constituem um espaço marítimo específico, em paralelo aos restantes espaços marítimos reconhecidos pelo direito internacional do mar (tal como o mar territorial, a zona contígua, as águas arquipelágicas, a zona económica exclusiva, a plataforma continental, o alto mar e a Área [veja-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 1.º d, n.º 1, 1)]), mas antes a sujeição de áreas do mar com uma qualificação jurídica-internacional específica a um regime jurídico particular distinto daquele que é normalmente aplicável ao espaço marítimo em questão, nomeadamente ao nível do reforço da proteção ambiental. Nestes termos, a criação de uma AMP pela RAM num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição do Estado português, como na zona económica exclusiva, deve ter simultaneamente em consideração os direitos e os deveres do Estado costeiro e os direitos e os deveres que são reconhecidos aos terceiros Estados, nomeadamente pela parte V da CNUDM e pelo direito internacional costumeiro. Embora o direito internacional geral não forneça um conceito de AMP, podem ser encontradas definições em outros documentos de direito internacional, nomeadamente naqueles que têm vindo a ser produzidos no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), no âmbito da Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste, também denominada Convenção OSPAR (1992), e nos trabalhos que foram sendo desenvolvidos sobre a matéria no seio da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Sendo os “parques naturais” uma matéria de interesse específico da RAM, nos termos da alínea jj) do art. 40.º do EPARAM, a regulamentação aplicável às AMP é, na sua base, de natureza regional. Em 2016, existiam cinco AMP na RAM, sendo duas de carácter exclusivamente marinho e três com áreas mistas, marinhas e terrestres. As AMP cujo âmbito de proteção é exclusivamente marinho são a Reserva Natural Parcial do Garajau e a Reserva Natural do Sitio da Rocha do Navio. As AMP cujo âmbito de proteção é simultaneamente marinho e terrestre são a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, a Reserva Natural das Ilhas Desertas e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo. A Reserva Natural Parcial do Garajau, que foi a primeira área exclusivamente marinha a ser criada em Portugal, é regulada pelo dec. leg. regional n.º 23/86/M, de 4 de outubro, com modificações introduzidas pelo dec. leg. regional n.º 38/2006/M, de 4 de agosto. Em conformidade com o n.º 1 do seu art. 2.º, a “área da Reserva Natural Parcial do Garajau tem como limites: a) A oeste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta do Lazareto até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; b) A leste, o plano perpendicular à linha de costa na Ponta de Oliveira até à intersecção do plano definido pela linha batimétrica dos 50 m; c) A norte, a linha definida pela máxima preia-mar de marés vivas; e d) A sul, o plano definido pela vertical da linha batimétrica dos 50 m e, em caso de dúvida, uma linha a uma distância nunca inferior a 600 m do limite norte”. O corpo do n.º 4 do art. 1.º do Regulamento do Plano Especial do Ordenamento e Gestão da Reserva Natural Parcial do Garajau, aprovado pela resolução n.º 882/2010, de 5 de agosto, esclarece que a “área de intervenção (…) é o leito do mar, com uma dimensão total de 376 hectares, e uma linha de costa de aproximadamente sete quilómetros”. O n.º 1 do art. 3.º antes citado estipula que na área do Reserva Natural Parcial do Garajau é proibido: “a) Exercer quaisquer atividades de pesca, comercial ou desportiva, incluindo a caça submarina; b) Colher exemplares animais e vegetais, exceto para fins científicos, quando devidamente justificados e autorizados; c) Extrair areias e outros materiais de origem geológica; d) Vazar quaisquer tipos de sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; e) Instalar condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e f) Navegar dentro dos limites da reserva, com exceção da abicagem de pequenas embarcações às praias, aplicando-se, neste caso, a legislação em vigor”. Concretizando a alínea a) do n.º 3 do art. 3.º, o dec. reg. regional n.º 1/97/M, de 14 de janeiro, regula o exercício do mergulho amador na área da Reserva Natural Parcial do Garajau, entendido como a atividade prosseguida por “um amador, quando se desloca, submerso ou à superfície, equipado com um aparelho respiratório de mergulho”. A Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio foi criada pelo dec. leg. regional n.º 11/97/M, de 30 de julho, e abrange uma área de 1822 ha, sendo 1820 ha de área marítima e 2 ha correspondentes ao Ilhéu da Viúva (de acordo com a informação disponibilizada pelo Programa de Medidas de Gestão e Conservação do Sítio da Rede Natura 2000 do Ilhéu da Viúva). Em conformidade com o seu art. 2.º, a Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio está “definida e delimitada […] no sítio da Rocha do Navio, entre a ponta do Clérigo a leste e a ponta de São Jorge a oeste e entre a linha definida pela preia-mar máxima e a batimétrica dos 100 m, incluindo os seus ilhéus e respetivas áreas marítimas” (sendo a batimétrica uma linha que une pontos da mesma profundidade no mar). O art. 4.º estabelece que na área da Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio é expressamente proibido: “a) O uso de redes de emalhar ou outras, exceto as empregues na captura de isco vivo e o peneiro, empregue na captura da castanheta; b) A colheita, captura, detenção e ou abate de quaisquer espécies de aves ou plantas; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; e f) A caça submarina”. Através da resolução n.º 751/2009, de 2 de julho, o Conselho do Governo regional determinou a classificação do Ilhéu da Viúva como Zona Especial de Conservação (ZEC), ao abrigo da legislação da União Europeia sobre a conservação das aves selvagens e a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. A Reserva Natural das Ilhas Selvagens foi inicialmente estabelecida pelo dec. n.º 458/71, de 29 de outubro, como reserva, ao abrigo da lei n.º 9/70, de 19 de junho, e representou o primeiro exemplo de AMP em Portugal. Nos termos do seu art. 1.º, passou a “constituir uma reserva toda a área das Ilhas Selvagens e também a orla marítima que as rodeia até à batimétrica dos 200 m”. Posteriormente, foi classificada como reserva natural pelo dec. regional n.º 14/78/M, de 10 de março. Ao abrigo do n.º 2 do seu art. 1.º, a “reserva natural é definida pelo território das ilhas e pelos fundos marinhos até à batimétrica dos 1000 m.” O limite exterior da reserva natural foi reduzido à linha dos 200 m de profundidade, pelo dec. regional n.º 11/81/M, de 15 de maio, tendo uma área total de 9455 ha, em conformidade com a resolução n.º 1408/2000, de 19 de setembro. Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º estabelecia que na área da Reserva Natural das Ilhas Selvagens eram proibidos: “g) A colheita de material geológico ou arqueológico ou a sua exploração sem autorização do Governo Regional; h) A caça submarina; i) A pesca de arrasto e outras artes que colidam com o fundo até à batimétrica fixada pela reserva, ressalvando-se as artes de anzol e rede”. Em conformidade com o art. n.º 11, com a epígrafe “atividades condicionadas” do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. Pelo edital n.º 15/2011, de 29 de novembro, da Capitania do Porto do Funchal, está “interdita toda a atividade de pesca na faixa litoral das Ilhas Selvagens até à batimétrica dos 200 (duzentos) metros, por período indeterminado”, em razão da “suspeita da eventual presença de uma microalga produtora de uma biotoxina suscetível de provocar alterações ao nível da saúde humana”. As Ilhas Selvagens são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Selvagens, com uma extensão de 124.530 ha), estando inscritas na categoria 1.a de gestão de áreas protegidas da União Internacional da Conservação da Natureza como “área de reserva natural integral gerida prioritariamente para fins de pesquisa científica, assegurando que os habitats, ecossistemas e as espécies nativas se mantenham livres de perturbação, tanto quanto possível”. A Reserva Natural das Ilhas Desertas foi criada pelo dec. leg. regional n.º 14/90/M, de 23 de maio, como Área de Proteção Especial das Ilhas Desertas, sendo posteriormente o seu estatuto jurídico alterado pelo dec. leg. regional n.º 9/95/M, de 20 de maio. Nos termos do art. 2.º, a Reserva Natural das Ilhas Desertas é “delimitada pela linha batimétrica dos 100 m em volta das Ilhas Desertas, incluindo todas as suas ilhas e ilhéus e a respetiva área marítima”, tendo uma área total de 9455 ha (em conformidade com a informação disponível no Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Selvagens). Relativamente aos usos do espaço marítimo, o art. 4.º, após as alterações introduzidas pelo segundo dos diplomas antes citados, estabelece que nos locais a sul “do marco geodésico da doca e da Ponta da Fajã Grande, nela se incluindo o ilhéu Chão” são proibidos: “a) A pesca comercial e a pesca sem fins comerciais, designadamente a desportiva; b) A prática de caça submarina; e c) A colheita de exemplares vegetais e animais, exceto para fins científicos, desde que devidamente autorizada; e d) O acesso de pessoas e embarcações, salvo as que hajam sido autorizadas e credenciadas pelo Parque Natural da Madeira”. Em conformidade com o art. 5.º, na sua versão alterada, aplicável a toda à área protegida, é ainda proibido: “a) O uso de artes de redes de emalhar, cercar e arrastar, com exceção das que são empregues na captura de isco vivo; (…), c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos; d) A extração de quaisquer inertes, quer de origem marinha, quer terrestre; e e) A prática de caça submarina”. Em conformidade com o art. 11.º, com a epígrafe “atividades condicionadas”, do Regulamento do Plano de Ordenamento e Gestão das Ilhas Desertas, aprovado pela resolução n.º 1292/2009, de 25 de setembro, ficaram “sujeitas a autorização da Entidade Gestora, os seguintes atos e atividades: b) A recolha de amostras biológicas, geológicas ou arqueológicas quer de origem marinha quer terrestre; k) A pesca recreativa; e l) A caça submarina”. As Ilhas Desertas são uma área classificada de Zona Especial de Conservação e de Zona de Proteção Especial (o dec. reg. regional n.º 3/2014/M, de 3 de março, estabeleceu a Zona de Proteção Especial das Ilhas Desertas, com uma extensão de 76.462 ha). A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo foi criada pelo dec. leg. regional n.º 32/2008/M, de 11 de agosto. Nos termos do n.º 1 do art. 2.º, é “constituída pela parte terrestre de todos os seus ilhéus e pelas zonas marinhas circundantes do Ilhéu da Cal ou de Baixo e do Ilhéu de Cima, incluindo a zona onde se encontra afundado o navio O Madeirense”, sendo ainda acrescentado no número seguinte, relativamente às áreas marítimas, que integra, em conformidade com a alínea b) a “área marinha limitada a oeste pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 315º a partir da extremidade oeste da Ponta do Focinho do Urso, a sul pela batimétrica dos 50 m, a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e a este pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 135º a partir do enfiamento do Pico de Ana Ferreira” e, nos termos da alínea c), pela “área marinha limitada a oeste pelo azimute verdadeiro 160º a partir da extremidade oeste do Porto de Abrigo, a sul e este pela batimétrica dos 50 m e a norte pela linha da preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e pelo azimute verdadeiro 90º a partir da Ponta das Ferreiras”. Em toda a área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo, em conformidade com o n.º 1 do art. 5.º, é interdito: “a) O exercício da pesca para fins comerciais, exceto a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos (…); b) A apanha de lapa e caramujo de mergulho; c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações; d) A instalação de condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas; e) A extração de areias ou de outros recursos geológicos; f) As atividades náuticas, com exceção das necessárias ao exercício das atividades autorizadas […]; g) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas ou não a medidas de proteção legal ou efetuar outras atividades intrusivas ou perturbadoras do seu desenvolvimento”. Em contraponto, no art. 6.º, relativo a “atos ou atividades sujeitos a autorização”, está previsto que, desde que devidamente autorizados pela entidade gestora, são permitidos: “a) A pesca marítima sem fins comerciais ou lúdica, com exceção do Ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca (…); b) A apanha de lapa e caramujo no calhau; c) O mergulho de escafandro; d) Caça submarina, com exceção da área do ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer atividade de pesca; (…); e f) As atividades marítimo-turísticas (…) que não sejam suscetíveis de pôr em risco a proteção ambiental da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo”. O n.º 3 do artigo citado ainda prevê que é “permitida a travessia de embarcações pelos boqueirões do Ilhéu de Cima e do Ilhéu de Baixo ou da Cal, incluindo a passagem, com esse fim, das respetivas áreas da Rede de Áreas Marinhas Protegidas de Porto Santo”. O n.º 3 do art. 7.º determina que “poderá ser dada prioridade às comunidades locais dependentes da pequena pesca” quando sejam “estabelecidas condições específicas para o exercício da pesca lúdica e para a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos”. Os Ilhéus do Porto Santo são uma área classificada de Zona Especial de Conservação. No que concerne especificamente ao espaço marítimo, importa realçar que uma adequada compreensão do regime jurídico aplicável às AMP implica que tenham em consideração três questões de natureza jurídico-internacional, na medida em que os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos mares e nos oceanos não são equivalentes aos poderes de soberania que os Estados exercem no âmbito do seu território terrestre, em razão de estes serem por natureza exclusivos e excludentes. Em primeiro lugar, deve ser posto em destaque que os mares e os oceanos, apesar da sua unidade física, estão divididos em espaços marítimos com estatutos jurídico-internacionais diferenciados. Em termos gerais, importa distinguir entre espaços marítimos sujeitos à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros (com destaque para o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental) e os espaços marítimos internacionais (alto mar) ou com um regime jurídico de internacionalização (Área). Os poderes dos Estados variam em função dos espaços marítimos em questão, pelo que a apreciação de qualquer comportamento levado a cabo por um Estado ou pelos seus nacionais, seja pelo Estado costeiro, seja por terceiros Estados, importa uma prévia localização geográfica no espaço em que ocorrem. Daqui resulta que as referências às batimétricas nas zonas marítimas abrangidas pelas AMP na RAM, como forma de delimitação das áreas especialmente protegidas do ponto de vista ambiental, não tenham de estar necessariamente compatibilizadas com os poderes que os Estados costeiros podem exercer nos espaços marítimos sob a sua soberania ou jurisdição, tendo em consideração os diferentes poderes que são reconhecidos aos Estados nas águas interiores, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental. Em segundo lugar, importa salientar que a atuação dos Estados nos mares e nos oceanos se encontra genericamente enquadrada pelo princípio da liberdade dos mares, em conformidade com o qual todos os Estados, sejam ou não costeiros, podem prosseguir atividades nos diferentes espaços marítimos, sujeitos às limitações que decorrem do direito internacional. As utilizações específicas que podem ser prosseguidas pelos diferentes Estados e pelos seus nacionais estão dependentes do espaço marítimo em questão, mas a ideia básica que subjaz à atuação nos mares e nos oceanos é a de conciliação entre os diversos usos possíveis. Assim, a título de exemplo, embora os Estados costeiros exerçam poderes muito alargados no mar territorial, com a extensão máxima de 12 milhas marítimas (ou milhas náuticas, equivalentes a cerca de 22,22 km), os navios com a bandeira de terceiros Estados podem circular pelas suas águas ao abrigo do direito de passagem inofensiva, sem a necessidade de obterem a anuência ou a autorização desses Estados (arts. 17 a 19 da CNUDM). Finalmente, em terceiro lugar, deve ser tido em consideração que, salvo em situações muito circunscritas, como a colocação de instalações para a exploração de petróleo ou de gás natural ou a construção de ilhas artificiais, os usos dos mares e dos oceanos são temporários e prosseguidos por navios. Daqui decorre a necessidade de se autonomizar os usos que estão reservados para os Estados costeiros, nos casos em que estes tenham lugar num espaço sujeito à soberania ou à jurisdição dos Estados costeiros, como nos casos do mar territorial, das zonas económicas exclusivas ou das plataformas continentais, e daqueles outros usos, como a navegação, que constituem uma prerrogativa de todo e de qualquer Estado, seja ou não um Estado costeiro, podendo ser prosseguidos em qualquer lugar, com a exceção das águas interiores do Estado costeiro. A necessidade de ser respeitada a liberdade de navegação dos navios com o pavilhão ou bandeira de um terceiro Estado é particularmente relevante em algumas das AMP existentes na RAM, em razão da sua dimensão, com particular destaque para a Reserva Natural das Ilhas Selvagens.   Fernando Loureiro Bastos (atualizado a 14.12.2016)

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archer, maria emília

Maria Archer. Foto - Wikimedia  Escritora e jornalista, Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar Moreira (nome artístico: Maria Archer) nasceu em Lisboa, a 4 de janeiro de 1899, e faleceu na mesma cidade, em 1982. Durante a sua infância e juventude viajou com os pais, João Baltazar Moreira Junior e Cipriana Archer Eyrolles Baltasar, para diversas partes do país e de África, tendo vivido na Ilha de Moçambique (1910-1913) e, de 1916 a 1918, na Guiné Bissau, em Bolama e Bissau. Casa-se, em 1921, com Alberto Passos, e vai viver para o Ibo, Moçambique, regressando à Europa cinco anos depois. A futura escritora vai, então, habitar em Vila Real, de onde o marido era natural. Divorcia-se após 10 anos de matrimónio e em 1932 une-se aos pais, que na altura viviam em Angola. É em Luanda que publica o seu primeiro romance, Três Mulheres (1935), num volume que continha igualmente A Lenda e o Processo do Estranho Caso de “Pauling”, texto de Pinto Quartim Graça. No mesmo ano, dá à estampa África Selvagem. Folclores dos Negros do Grupo “Bantu”. A educação de autodidata, que fez que tivesse completado a 4.ª classe só no final da juventude, em muito deve ter beneficiado das viagens que contribuíram para a sua formação como escritora e para a carreira que escolhe como colaboradora na imprensa. Em 1935, volta à metrópole e decide viver em Lisboa, fazendo conferências e entrevistas como jornalista. Dedica-se, igualmente, à escrita de teatro e de romances. A preferência pela temática ligada a África e a receção positiva de África Selvagem levam-na a escrever diversos volumes da Coleção Cadernos Coloniais, da Editorial Cosmos, entre os quais Sertanejos, Singularidades dum País Distante, Ninho de Bárbaros e Angola Filme, e o romance Viagem à Roda de África. Em 1945, publica Aristocratas, romance que a leva ao corte de relações com a família, que considerou a história um retrato dos vários parentes. Viaja para o Brasil em 1955, depois de ser considerada suspeita pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) ao decidir escrever um livro sobre o julgamento do Cap. Henrique Carlos Galvão. Tal livro, Os Últimos Dias do Fascismo Português, viria a ser publicado no Brasil em 1959. Já antes, no entanto, várias das suas obras, e.g., Casa Sem Pão, de 1947, tinham sofrido a censura e sido apreendidas. No Brasil, escreveu para diversos jornais, como O Estado de S. Paulo e Portugal Democrático, e publicou vários livros, entre os quais Terras onde Se Fala Português, em 1957. Este livro tinha sido publicado em Portugal, com o título Roteiro do Mundo Português, em 1940, com 2.ª edição revista e ampliada em 1950, e republicado no mesmo ano, em Luanda, com novo título, Herança Lusíada; o livro publicado no Brasil apresenta um prefácio pela própria, bem como um “Prefácio à Edição Brasileira”, por Júlio Gouveia, incluindo igualmente o texto com que Gilberto Freyre tinha contribuído para a 2.ª edição, agora com o título “Prefácio à Edição Portuguesa”. No volume publicado no Brasil, Terras onde Se Fala Português, Maria Archer apresenta uma edição especialmente feita para o público brasileiro, como declara no “Prefácio da Autora ao Leitor Brasileiro”, incluindo informações que julga de interesse. Sem finalidade erudita, nas suas palavras, e sem o tom “massudo dos compêndios” (ARCHER, 1957, 11), a escritora pretende que todos os leitores se “sintam partícipes da grande comunidade mundial da língua portuguesa” (Id., Ibid., 12). O mesmo tom de união entre os povos e as raças do mundo português adota Júlio Gouveia, ao terminar o seu prefácio advogando um mundo de amanhã feito de paz e harmonia. As sugestões do lusotropicalismo a que a autora aludira no prefácio para justificar a vontade de olhar para o mundo de língua portuguesa de forma a “marcar a sua unidade” (Id., Ibid., 10) e despertar nos jovens o sentido ecuménico da língua portuguesa complementam-se com o “Prefácio à Edição Portuguesa”, de Gilberto Freyre. O sociólogo afirma faltar pouco ao livro de Maria Archer para ser um ensaio de lusotropicalismo de “todo consciente da unidade na diversidade, que parece dar à simbiose lusotrópico definido carácter de área – área suscetível de ser considerada e estudada sociologicamente sob o critério dos modernos ‘area studies’” (FREYRE, 1957, 16). Considera ainda que ela seria a Margaret Mead portuguesa, caso tivesse aliado às capacidades literárias o conhecimento académico e científico. Fruto da experiência de Maria Archer como viajante, Terras onde se Fala Português inclui a descrição do arquipélago da Madeira, no interior do capítulo dedicado a Portugal, complementada com comentários sobre a história, a paisagem, a economia e aspetos sociais do Porto Santo e da Madeira. Em Roteiro do Mundo Português a escritora referira apenas brevemente, no capítulo “Começa, para os portugueses, a miragem africana…”, os episódios relacionados com o descobrimento das ilhas, integrando-os na grande epopeia portuguesa da expansão. Justifica-se, tendo em mente a sua intenção de louvar o espírito aventureiro dos Portugueses, o carácter de deslumbramento e de promessa que marca a descrição do achamento. A chegada a Porto Santo corresponde à conquista dos medos, o “exconjuro dos demónios, e também a espada pronta para exterminar os monstros” de um mundo desconhecido. O assombro pela constatação de uma terra fértil, com plantas e árvores semelhantes às da Europa, abre aos navegadores as portas para um “horizonte limpo onde se não vislumbrava traição da natureza ou do inferno” (ARCHER, 1950, 15). O território adquire, deste modo, uma profunda significação simbólica da forma de suplantar os medos e de abrir caminhos para a viagem para sul: “O mar Tenebroso deixava de existir, de se impor, a oeste de Portugal” (Id., Ibid., 16). Na edição brasileira, Maria Archer tem o cuidado de situar o arquipélago do ponto de vista geográfico e da sua constituição. Depois de uma breve incursão nos primeiros tempos do povoamento e da governação, passa a descrever as duas ilhas habitadas. Porto Santo é considerado um território pequeno e pobre, sem qualquer relevo comercial, panorâmico ou histórico. De chão arenoso, dá bons produtos agrícolas. A vila Baleira (que designa por “Babeira”; mais à frente também se referirá a Machico como “Moxico”) é de um pitoresco arcaico e desusado. Já a ilha da Madeira é considerada de forma diferente: célebre pela beleza paisagística, os vinhos e os bordados “feitos por mãos de fadas” (ARCHER, 1957, 39), nasceu e encontra-se na encruzilhada marítima de três continentes e, por isso, é visitada pelos turistas de todo o mundo. A autora é muito específica em relação à extensão da terra, ao número de habitantes, à altura das montanhas, ao clima, à horografia e à produção agrícola, da qual destaca o vinho. Refere também a cana sacarina, usada à época apenas como produto comestível e não para fabrico de açúcar, e conta a história da sua implantação na ilha e do seu declínio, na concorrência com o Brasil. O mar da Madeira exerce forte atração na escritora, com as praias de calhau escuro, as águas temperadas, a pesca e a presença dos lobos-marinhos. Tendo em conta o clima e a natureza, compreende o facto de a Madeira ser uma famosa estação balnear de inverno para os europeus. O Funchal, no entanto, é considerado uma cidade antiga e antiquada, resistente à modernização (Id., Ibid., 42): o arquipélago pobre não permite inovação, ainda que as quintas, dispostas em anfiteatro, primem pelos seus jardins, e que monumentos como a antiga Fortaleza de S. Lourenço e a Sé, assim como as muitas capelas e conventos da Ilha, mereçam uma visita. Para a autora, as paisagens são o verdadeiro deslumbramento da Ilha – e nomeia o Paul da Serra, o Rabaçal e o Monte. De Machico, sublinha a existência de um bairro típico, Banda d’Além, que desenvolveu uma gíria tão cerrada como um dialeto. Em conclusão, se a Madeira é, de facto, um jardim, a Ilha é pobre e a população, que cresceu muito, vive apertada, não havendo uma economia sólida que permita alimentá-la. Só o vinho é exportável e os bordados são um negócio lucrativo apenas para os comerciantes e não para as bordadeiras. O turismo está mal explorado e não dá lucros compensadores. Daí a emigração para a América do Sul e do Norte. Revela ainda que são tantas as bordadeiras a emigrar para o Brasil que, em São Paulo, já se tinha desenvolvido uma indústria similar. O arquipélago, visto de perto por Maria Archer, inspira-lhe sensações contraditórias: se, por um lado, se admira com a beleza paisagística, de fortes sugestões, por outro, acentua a pobreza da população e a falta de investimento e aproveitamento; se se surpreende com o vasto anfiteatro do Funchal, também olha para a cidade como antiquada e arcaica. E se o bordado é feito por “mãos de fadas”, as mulheres que a ele se dedicam acabam por ter de emigrar pelo fraco rendimento do seu trabalho. Em conclusão, em resposta à beleza do lugar encontra má governação e falta de planeamento. Exceção feita para as festas de passagem de ano, que, no remate do texto, diz serem famosas. Em 1979, regressa a Portugal, já doente, e acaba por encontrar repouso no lar Mansão de S.ta Maria de Marvila, no qual residirá até à data do seu falecimento. Obras de Maria Archer: Roteiro do Mundo Português (1940); Herança Lusíada (1950); Terras onde Se Fala Português (1957).   Luísa Paolinelli (atualizado a 14.12.2016)

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