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borges, joão gonçalves

João Borges nasceu a 22 de setembro de 1922, na freguesia do Monte, concelho do Funchal, e faleceu nesta cidade a 26 de novembro de 2008. Empresário, desportista náutico e governante, destacou-se sobretudo nos sectores do turismo e do mar. A sua paixão pelo mar vem de muito novo quando, sendo asmático, encontra no mar alívio para a sua maleita. Ficaram célebres os seus mergulhos no Lido, pelo tempo que permanecia imerso. Foi pioneiro na caça submarina na Madeira, tendo ganho o primeiro lugar no primeiro concurso desta modalidade organizado pelo Clube Naval do Funchal, no Paul do Mar, em 27 de setembro de 1953. Foi também pioneiro no mergulho com escafandro autónomo, tendo acompanhado a equipa do Com. Cousteau (Cousteau, Jacques-Yves) durante a sua visita à Madeira em agosto de 1956. Em julho de 1966, acompanhou também os mergulhos do batiscafo francês Archimède na Madeira, tendo promovido uma conferência proferida no Funchal pelo Com. Georges Houot e pelo Eng. Henri-Germain Delauze, responsáveis pelo batiscafo. No plano associativo, pertenceu aos corpos dirigentes do Clube Naval do Funchal desde 1962 até 1988, tendo sido comodoro, vice-presidente e presidente da respetiva Assembleia-Geral. O entusiasmo pelo mar levou-o a interessar-se pela colónia de lobos marinhos, Monachus monachus, das ilhas Desertas, que nos anos 80 do séc. XX estiveram muito perto da extinção. Fruto deste interesse e das suas observações, participou na 1.ª Conferência Internacional sobre o Lobo Marinho, realizada em Rodes em 1978. Nesta apresentou uma comunicação intitulada “The monk seals of Madeira”, na qual deu conta da situação precária em que estes mamíferos marinhos se encontravam. Efetuou também várias deslocações às ilhas Selvagens, na companhia do seu amigo Paul Alexander Zino, tendo colaborado nos estudos das aves marinhas realizados por este ornitólogo amador. A sua capacidade de comunicação, as suas áreas de interesse e a fluência em línguas estrangeiras fizeram de João Borges um relações-públicas nato, levando-o a contactar com inúmeras personalidades que visitaram a Madeira. Em 1953, o realizador de cinema John Houston deslocou-se à Ilha para realizar algumas cenas do seu filme Moby Dick, tirando partido da existência, nessa época, de atividade baleeira. João Borges participa no filme, vestindo a pele de uma baleia branca. João Borges, na sua qualidade de “homem dos sete ofícios”, foi também um técnico de precisão muito conceituado, tendo fundado a relojoaria Big Ben em 1947, na então recentemente aberta Av. de Zarco. Na sua oficina, reparou muitos equipamentos náuticos de precisão, não só de desportistas locais, como também de iatistas que escalaram a Madeira. Esta sua aptidão levou-o a ser cronometrista de muitas provas náuticas, entre elas a Regata Oceânica Lisboa-Madeira, cuja primeira edição teve lugar em 1950. O seu talento para os contactos pessoais conduziu-o inevitavelmente ao sector do turismo. Assim, em 1969, ingressa na Delegação de Turismo da Madeira, ao lado de José Ribeiro de Andrade e António Bettencourt da Câmara, ficando responsável pelos sectores da promoção e das relações públicas. Torna-se assim o primeiro promotor oficial do turismo da Madeira, cargo que desempenhará por muitos anos, e que o levará aos principais países de onde são originários os turistas que visitam a Madeira. Na sequência da Revolução de 25 de abril de 1974, foi nomeado membro do Gabinete de Informação situado no Palácio de S. Lourenço e encarregado de dar informações aos jornalistas estrangeiros presentes, assessorando a primeira conferência de imprensa dada pelas novas autoridades no Funchal. Já na Direção Regional de Turismo, foi nomeado em 1981 diretor dos serviços de promoção, relações públicas e publicidade, e recebeu nesse ano o Golden Helm, galardão atribuído pela Associação Internacional de Relações Públicas. A 10 de janeiro de 1984, foi nomeado diretor regional de Turismo, cargo que ocupou até à sua aposentação, em 1992. A 18 de maio de 1986, o Governo regional da Madeira atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Mérito Turístico, e em 1987 recebeu a Medalha de Mérito Turístico instituída pela Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo, no decurso do seu XIII Congresso, em Marraquexe. Aquando da sua aposentação, os diretores dos centros de turismo de Portugal, reunidos no Funchal, homenagearam João Borges oferecendo-lhe uma placa na qual se lê a seguinte inscrição: “Ao ilustre embaixador da Madeira em todo o mundo, João Gonçalves Borges, como homenagem pelos relevantes serviços prestados ao turismo português”. A 10 de junho de 1993, é agraciado com o grau de comendador da Ordem de Mérito pelo Presidente da República, Mário Soares. João Borges foi casado com Deirdre Mary Isabella Shanks Borges, e teve dois filhos.   Obras de João Gonçalves Borges: “The Monk Seals of Madeira” (1978).   Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha História Económica e Social Ciências do Mar

abreu, jaime césar de

Filho do Dr. José Sabino de Abreu, Jaime César de Abreu (1899-1967) nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, em 1922, com a tese Infecção Puerperal, vindo a fixar-se no Funchal. Ocupou as funções de radiologista e de médico no antigo Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Palavras-chave: Associações de Socorros Mútuos; Hospital da Misericórdia do Funchal; Medicina; Trabalhos científicos.     Filho de José Sabino de Abreu, médico natural de Lisboa, e de sua mulher, Augusta Matilde Figueira César de Abreu, Jaime César de Abreu nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, a 16 de fevereiro de 1899. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, curso que terminou em 1922, fixando-se no Funchal, onde casou com Cecília Tolentino da Costa, filha de Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939) e de Maria Assunção Pereira. Deve ter sido o sogro, médico pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e antigo capitão médico do Exército, entretanto afastado por ter aceitado a presidência da Câmara Municipal do Funchal na sequência da Revolução da Madeira de 4 de abril de 1931 (Revolução da Madeira), que lhe abriu alguns caminhos profissionais no Funchal. Embora fosse oftalmologista, Lúcio Tolentino da Costa tinha sido o impulsionador e o responsável pela montagem de um aparelho de raios X na Associação de Socorros Mútuos 4 de Setembro de 1852, onde era médico, vindo aquela associação mutualista, através desta aparelhagem, a prestar relevantes serviços à comunidade naquela área. Jaime César de Abreu começou por ajudar o sogro na Associação e, em breve, ali desempenharia as funções de radiologista e de médico. Durante vários anos, foi também médico e diretor dos serviços de radiologia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia (Santa Casa da Misericórdia do Funchal), no edifício que seria depois sede da Junta Geral e mais tarde do Governo regional. Durante alguns anos, foi igualmente presidente da comissão administrativa do Recolhimento do Bom Jesus e professor provisório do Liceu Nacional do Funchal  então chamado Jaime Moniz, em homenagem a Jaime Constantino de Freitas Moniz (1837-1917). Do seu casamento teve quatro filhos: José Tolentino da Costa César de Abreu, capitão da Marinha Mercante; Nicolau Tolentino da Costa César de Abreu, casado com Maria Dulce Leal Moniz César de Abreu; Maria Cecília Tolentino da Costa Cesar de Abreu, casada com João Tolentino da Costa César de Abreu, empregado bancário, com descendência. Escreveu e publicou Infecção Puerperal, tese de licenciatura que o Visconde do Porto da Cruz, Alfredo de Freitas Branco (1890-1962) regista como “indubitavelmente um trabalho de especialidade, mas [que] está escrito com elegância e clareza de frase” (PORTO DA CRUZ, 1953, 126). Foi sócio da Sociedade Portuguesa de Radiologia Médica e faleceu no Funchal, a 31 de dezembro de 1967, com 68 anos. Obras de Jaime César de Abreu: Infecção Puerperal (1922).   Rui Carita (atualizado a 14 de julho de 2017)

Ciências da Saúde

vasconcelos, joão da câmara leme homem de, visconde e conde do canavial

A vida política, económica e social madeirense foi marcada no último quartel do séc. XIX pela personalidade conflituosa do futuro conde do Canavial, Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos. Filho do morgado António Francisco da Câmara Leme Homem de Vasconcelos e de Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, nasceu no Funchal a 22 de junho de 1829, foi simultaneamente clínico, professor, funcionário público, homem de ciência, jornalista e escritor, político e industrial, em todas essas ocupações revelando interessantes qualidades e capacidade e de trabalho, mas também uma personalidade algo conflituosa. Foi autor de uma vastíssima produção literária, quer científica, quer política, que é difícil trabalhar de forma científica, pois nem sempre se consegue separar o que era polémica científica e industrial do que eram atitudes políticas e pessoais. Concluídos os estudos secundários no Funchal, veio a formar-se em medicina pela Universidade de Montpellier, em França, bacharelando-se em 1852 e doutorando-se em 1857, colaborando ali em vários periódicos, fazendo traduções e tendo obtido o lugar de membro da Academia das Ciências e Letras daquela cidade. Começou assim logo por desenvolver um notável trabalho científico na sua área de especialidade a que, regressado à Madeira, juntou também a de investigador da área científico-industrial de tratamento do vinho da Madeira, de que era um dos mais importantes produtores. O Dr. João da Câmara Leme, regressado de França, fez em 1859 repetição dos seus atos académicos na Escola Médica de Lisboa, sendo no ano seguinte nomeado demonstrador de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e, em 1867, professor proprietário. No ano seguinte, editava logo um Relatório e Projecto de Regulamento para a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal (1868), entrando de imediato em conflito com o Dr. António da Luz Pita (1802-1870), então deputado em Lisboa, polémicas que se prolongaram pelos anos seguintes. Escrevem os autores do Elucidário Madeirense, que o conheceram pessoalmente, que “teve de sustentar algumas lutas com os seus colegas no magistério, publicando a tal respeito dois grandes volumes, que, apesar da parcialidade com que possam porventura estar escritos, são trabalhos de incontestável valor” (SILVA e MENESES, 1998, I, 232). Paralelamente à sua atividade como médico e diretor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, promoveu ainda a fundação da Companhia Fabril de Açúcar Madeirense (CFAM), com sede junto à ribeira de São João, onde introduziu notáveis aperfeiçoamentos nos processos destinados ao fabrico da aguardente, essencialmente no sentido de um melhor aproveitamento da matéria-prima empregue. Registou de imediato patente da sua invenção, o que deu lugar a uma série de contestações e polémicas, voltando a, sobre esse assunto, publicar inúmeros folhetos. Na polémica viria a entrar outra das grandes figuras da Madeira do seu tempo, o depois comendador William Hinton (1817-1904), a qual polémica, embora não só, veio a inviabilizar alguns anos mais tarde a Companhia da ribeira de São João. A constituição e vida da CFAM, liderada pelo futuro visconde do Canavial, foi um bom exemplo do quadro geral em que se desenvolveu a atrasada revolução industrial na Madeira. Beneficiando do inegável espírito empreendedor do promotor, mas também da sua teimosia e, inclusivamente, de um experimentalismo algo deslumbrado, sempre à procura de uma nova tecnologia, e sem bases técnicas e científicas para tal, a vida da Companhia foi confrontada com a concorrência feroz dos comerciantes britânicos instalados na Madeira. A todo este quadro, juntaram-se as dificuldades de associação e de entendimento dos proprietários madeirenses, muito provavelmente ainda politicamente agudizadas pelos antigos morgados, entretanto radicados no espaço continental. Os estatutos da CFAM só foram aprovados em 1867, arrastando-se a constituição da Companhia por mais de 10 anos, o que implicou que a fábrica de São João só entrasse em funcionamento em 1871. O futuro visconde apetrechou-a com sofisticada aparelhagem, a que ainda associou outros aperfeiçoamentos da sua autoria, de que imediatamente registou a patente. No entanto, não só William e o filho Harry Hinton (1859-1948) vieram a contestar o registo dessa patente, como a sofisticada aparelhagem acabou por não se mostrar rentável. A 26 de agosto de 1878 foi solicitada a intervenção do Banco de Portugal por insolvência financeira da CFAM. A ideia voltou a aparecer em 1892, tomando como exemplo a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, chegando-se mesmo a propor em reunião camarária, de 11 de outubro desse ano, um subsídio anual de 100 mil réis e que a nova associação fosse presidida pelo conde do Canavial. Mas tal como já se inviabilizara o anterior projeto da fábrica de São João, também a associação se extinguia em 1902. Em 7 de setembro de 1876, organizava-se a partir do Pacto da Granja, no continente, uma nova fusão, então entre elementos das antigas formações histórica e reformista, de que nasceu o Partido Progressista, de Anselmo José Braamcamp, que foi o primeiro partido no sentido moderno do termo com programa, apresentando um regulamento interno, com assembleia geral e centros locais. O líder na Madeira viria a ser o Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos, depois visconde do Canavial, aderindo ao partido parte dos antigos membros do Partido Fusionista e do Regenerador. O Partido Fusionista teve como órgão o Correio do Funchal, substituído depois pelos periódicos A Fusão, A Voz do Povo e A Imprensa Livre. Em meados de 1879, com a queda do executivo, saía da Madeira o governador e conselheiro Afonso de Castro, logo assinando, a 21 de julho, a correspondência do governo civil, como membro do conselho do distrito, João da Câmara Leme, como visconde do Canavial, embora a 28 de agosto já não o faça, só voltando a assumir-se como visconde a partir de agosto do ano seguinte. Estranhamente, não se encontra qualquer documentação oficial da sua nomeação como visconde, mas apenas o dec. de 22 de abril de 1888, que o nomeia como conde, citando-se ainda a carta de 28 de março e o alvará de “mercê nova” de 15 de dezembro de 1888 (CLODE, 1983, 107), não havendo contudo confirmação alguma na chancelaria régia. A partir de então, desenvolveu o futuro visconde uma verdadeira campanha para vir a ocupar o lugar de governador civil do Funchal, assim como para passar a utilizar o título de visconde do Canavial. A luta política deve ter sido terrível, a avaliar logo pelos membros do conselho do distrito que assinam alternadamente a correspondência como governador substituto: o visconde do Canavial a 21 de julho e o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880) a 30 do mesmo mês. Luta que deve ter tido eco também nos corredores do poder em Lisboa, até pela utilização então intensiva do telégrafo submarino, através da Madeira Station no Funchal da Brazilian Submarine Telegraph Company Limited. A nomeação de João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos como governador substituto para o distrito do Funchal só viria a ser assinada a 30 de julho de 1879. O decreto terá chegado ao Funchal poucos dias depois e o futuro visconde, a 8 de agosto, logo emite proclamação impressa e inflamada ao sabor de alguns dos governadores anteriores, que eram, no entanto, efetivos, pois nenhum até então tinha feito especial alarido com o facto de ser “governador substituto” (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 683). O novo governador substituto teria alguns curtos meses de estado de graça, pois em breve O Direito o acusava de se encontrar a receber três ordenados: o de governador substituto, o de professor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e o de delegado de Saúde. A 15 de fevereiro, o governador distribuía um comunicado com um desmentido atestado pelo delegado do Tesouro em como, passando a receber o ordenado de governador substituto, suspendera os outros. O futuro visconde do Canavial não seria confirmado naquela altura, pois, caindo o gabinete progressista em Lisboa, o novo gabinete regenerador demitiu de imediato os governadores civis progressistas e, a 26 de abril de 1881, já assina a correspondência do Funchal o vogal do Concelho do Distrito servindo de Governador Civil, João Maria Curado de Vasconcelos (1825-1896). A breve trecho, um autêntico terramoto político varreria o país, com epicentro na Madeira: a eleição do Dr. Manuel de Arriaga, candidato pelo Partido Republicano às cortes, a 26 de novembro de 1882, em eleições suplementares, dado o falecimento do deputado madeirense Dr. Luís de Freitas Branco (1819-1881). Ainda antes do anúncio oficial do apoio dos regeneradores ao líder do Partido Progressista, já O Direito alardeava não poder haver qualquer compromisso com os progressistas, temente, talvez, de ver candidatar-se pela Madeira o visconde do Canavial, até há pouco governador civil substituto do Funchal. Numa intensa campanha ao longo do ano entre os partidos monárquicos, acabou por ser eleito na Madeira o candidato republicano. Nos inícios do ano 1886, o presidente do ministério Fontes Pereira de Melo propunha um adiamento das eleições, para poder organizar uma série de diferendos, o que se estava a tornar um crescente motivo de tensão entre governo e oposição. O rei D. Luís não acedeu à proposta do chefe do governo, pelo que Fontes se viu na contingência de ter de pedir a demissão do gabinete. Foi então chamado ao governo o Partido Progressista, liderado por José Luciano de Castro, mas o início do novo governo progressista foi ocupado com as complicadas negociações que levaram ao casamento do príncipe herdeiro D. Carlos, atrasando uma série de nomeações. Teria sido o caso da nomeação do governador civil do Funchal, para o então líder dos progressistas, visconde do Canavial, lugar que só foi preenchido por dec. de 1 de julho de 1886. Após as eleições de março de 1887, o governador civil, visconde do Canavial, iniciou a convocação das eleições das juntas de paróquia, que somente ocorreram no Funchal e em Machico. O visconde do Canavial insistiu nas convocatórias por três vezes, sem resultado, essencialmente pelos custos que mais uma estrutura política acarretava, mas também por causa da conotação com a divisão eclesiástica tradicional e da ideia rural de que a paróquia era dirigida pelo “senhor pároco” ou “senhor vigário” e não por um elemento eleito entre os “senhores morgados”. A pressão do visconde do Canavial conduziu a um levantamento geral na ilha, que, começando nos meios rurais, quase envolveu o Funchal: a Parreca. Perante a contestação geral, mas só depois de muito pressionado, o visconde do Canavial veio a apresentar demissão a 26 de março de 1888, tendo sido entregue o governo ao visconde da Calçada, Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa (1812-1902). Apesar das dificuldades do seu governo e dos resultados da comissão de inquérito à Parreca, seria elevado a conde do Canavial no final desse ano de 1888, embora se desconheça a documentação oficial, como mencionámos acima. O conde do Canavial viria a falecer na sua residência, à rua da Carreira, a 13 de fevereiro de 1902. Quase 20 anos depois, surgiu a ideia de se levantar um monumento à sua memória, iniciativa de Abel Capitolino Batista; o trabalho foi entregue ao jovem escultor macaense Raul Xavier (1894-1964) e erguido sobre plinto de mármore branco, projeto do arquiteto Fernando Pires. A primeira pedra foi lançada a 1 de dezembro de 1921 e o monumento inaugurado a 2 de março de 1922, no passeio público, frente à sé do Funchal, tendo usado da palavra Horácio Bento de Gouveia (1901-1983), em nome dos alunos do liceu (Diário de Notícias, 22 fev. 1922). A inauguração do monumento naquela altura e naquele local levantou enorme celeuma, dado o seu enquadramento monárquico, vindo a ser transferido para o Campo da Barca, a 6 de dezembro de 1932.     Rui Carita (atualizado a 31.12.2016)

Ciências da Saúde História Económica e Social História Política e Institucional Personalidades

sousa, antónio policarpo dos passos

Médico e poeta, Passos Sousa nasceu na freguesia da Madalena do Mar, Funchal, no dia 26 de janeiro de 1836 e faleceu a 26 de maio de 1875, com 29 anos, na freguesia da Ponta do Sol, também no Funchal. Era filho de Francisco Gomes de Sousa e de Francisca dos Passos e Sousa. Diplomado médico-cirurgião pela antiga Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, em 1859, foi secretário da administração do concelho da Ponta do Sol. Pertencendo a uma família da qual tinha emanado uma série de talentos, cedo mostrou uma enorme habilidade para a escrita literária, ainda que a falta de saúde e a morte prematura não lhe tivessem permitido cumprir a vocação com que nascera. Porém, apesar do seu curto tempo de vida, colaborou em vários jornais da Madeira, como O Direito, com os folhetins “O Mendigo”, “A Noite do Trovador”, “Vozes da Natureza”, “A Minha Aldeia”, “Morreu”, “O Homem e o Pecado”, “Arpejos Religiosos” e “O Sepulcro do Senhor na Ponta do Sol”, entre outros, e foi considerado no seu tempo um inspirado poeta, cujos poemas eram bastante apreciados. Pode ler-se uma composição sua no primeiro volume da coletânea Flores da Madeira e outras na Selecta de Poesias Infantis e no Álbum Madeirense. O seu longo poema “Lamento” surge na Musa Insular de Luís Marino. Este texto tem uma composição formal que confirma o cuidado estético do seu autor, dividindo-se em nove estrofes, sendo as duas primeiras irregulares (12 versos cada), as seis seguintes oitavas e a última uma quadra. O número de versos é equilibrado e coerente em ordem decrescente.   Obras de António Policarpo dos Passos Sousa: “O Mendigo”; “A Noite do Trovador”; “Vozes da Natureza”; “A Minha Aldeia”; “Morreu”; “O Homem e o Pecado”; “Arpejos Religiosos”; “O Sepulcro do Senhor na Ponta do Sol”; “Lamento”.     António José Borges (atualizado a 10.02.2017)

Ciências da Saúde Literatura Personalidades

psicologia na educação especial

Em 1978, na sequência da política de regionalização dos serviços, foi criado o Centro Regional de Educação Especial (CREE), no qual foram integrados os estabelecimentos de ensino para deficientes auditivos, visuais e intelectuais. Entre 1965 e 1978, o apoio a crianças e jovens que frequentavam os estabelecimentos de ensino para crianças e jovens com deficiências da audição e da fala, intelectual e visual funcionava na dependência de um serviço nacional, o Instituto de Assistência aos Menores, posteriormente integrado no Instituto da Família e Ação Social. Nessa altura, as crianças e jovens deficientes eram apoiados, na área da psicologia, pelo Centro de Observação e Orientação Médico Pedagógico, cujos técnicos se deslocavam à Região Autónoma da Madeira (RAM), sob a orientação do Dr. Bairrão Ruivo. Foi em 1980 que o CREE contou com o primeiro psicólogo nos seus quadros. A 7 de abril do ano seguinte, foi criada a Direção Regional de Educação Especial (DREE), que imprimiu uma nova dinâmica no apoio às crianças e jovens com deficiência da Região. Na sua orgânica, integrou, pela primeira vez, um Serviço de Psicologia, com a função de “apoiar os Serviços Técnicos de Educação, incumbindo-lhe a observação, o diagnóstico e a orientação psicopedagógica dos educandos e futuros utentes, em colaboração com outras valências e serviços”. Em 1984, com a reestruturação do Governo da RAM, a DREE, que até então constituía um departamento da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, foi integrada na Secretaria Regional de Educação, privilegiando-se, nesta nova fase, a interação entre todos os graus de ensino e estabelecimentos de ensino regular. A designação “Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação” (DREER) surgiu em 1997, no decreto regulamentar regional n.º 13-A/97, de 15 de julho, estabelecendo a criação e descentralização de vários serviços de atendimento às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. A necessidade de integrar psicólogos nas equipas multidisciplinares que entretanto se foram constituindo na DREER tornou-se cada vez mais notória na déc. de 90, período ao longo do qual o número de psicólogos admitidos duplicou. Aos poucos, os psicólogos foram-se afirmando como um grupo profissional indispensável na resposta psicopedagógica às crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Com a alteração da estrutura orgânica da Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação, aprovada pelo despacho n.º 103/2005, é criada, em setembro de 2005, a Divisão de Psicologia, que em novembro de 2008 passa a designar-se Divisão de Psicologia e Orientação Vocacional (DPOV), dirigida por um psicólogo, chefe de divisão. A existência desta divisão na orgânica da DREER possibilitou uma forte coesão e identidade socioprofissional, bem como uma resposta consistente e atualizada em termos técnico-científicos, tornando-se uma referência para outros psicólogos da RAM. Com cerca de 40 psicólogos, alguns dos quais a exercerem funções de coordenação e direção, a DPOV tinha por missão “garantir a intervenção psicológica junto dos alunos / utentes dos diferentes serviços técnicos de educação e de reabilitação profissional e programas ocupacionais, em colaboração com a família e comunidade, contribuindo para o seu equilíbrio sócio emocional”. A sua atuação regia-se pelos princípios e orientações subjacentes ao Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), de onde se destacavam valores como respeito pela dignidade e direitos da pessoa, competência, responsabilidade e integridade. A DPOV apresentavaas seguintes atribuições e competências: “a) Observar, diagnosticar e orientar os educandos e futuros utentes com vista à adaptação ou reeducação escolar, profissional e social, consoante as características individuais, disfunções ou perturbações; b) Prestar apoio psicoterapêutico, nos casos em que apresentem perturbações emocionais e comportamentais resultantes de deficiência ou de sobredotação; c) Acompanhar e supervisionar a intervenção protagonizada pelos elementos desta área afetos aos diferentes serviços da DREER”. A intervenção do psicólogo da DPOV era muito versátil pela variedade de áreas, faixas etárias e serviços que apoiava. O psicólogo intervinha desde a idade precoce (0-6 anos), junto de alunos com necessidades educativas especiais a frequentar os 1.º, 2.º e 3.º ciclos até à idade jovem e adulta; a sua atuação abrangia o domínio sensorial (audição e visão), o domínio cognitivo e da aprendizagem (deficiência intelectual, dificuldades intelectuais, dificuldades de aprendizagem específicas e perturbação da linguagem e da fala), o domínio motor (perturbações das aptidões motoras e problemas motores/neuromotores), o domínio cognitivo, motor e/ou sensorial (multideficiência), o domínio da comunicação, relação e afetivo-emocional (perturbação da relação e comunicação, perturbações do espectro do autismo e perturbações emocionais ou comportamentais graves) e outras condições não enquadradas nos domínios anteriores, tais como atraso global de desenvolvimento, défice de atenção com ou sem hiperatividade e sobredotação. O psicólogo tinha uma participação ativa nas equipas multidisciplinares dos vários serviços técnicos de educação especial e reabilitação (Serviços Técnicos de Educação, Centros de Apoio Psicopedagógicos e Centros de Atividade Ocupacionais, Serviço Técnico de Integração e Formação Profissional, entre outros) e trabalhava não só com o aluno/utente, mas também com os pais/tutores, professores e demais agentes comunitários, em prol do desenvolvimento educativo, socioprofissional e pessoal. Deste modo, contribuía para o desenvolvimento da própria instituição escolar ou ocupacional e da comunidade. Na avaliação multidisciplinar, o psicólogo assume um papel importante na elegibilidade de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais. A sua atuação, pautada por uma intervenção mais próxima da abordagem ecológica e de respostas inclusivas, centradas no eixo preventivo, estava orientada no sentido de promover as potencialidades das crianças e jovens com necessidades especiais, procurando minimizar as suas diferenças e maximizar as suas capacidades, facilitando, assim, a sua inserção nos vários contextos e promovendo, em alguns casos, a sua transição para a vida ativa. Muitas vezes, o recurso ao apoio psicológico visava promover o processo de aprendizagem e integração social do aluno, em virtude de, em muitos casos, às necessidades especiais estarem associados problemas emocionais ou, até, perturbações psicopatológicas, os quais exponenciam as dificuldades de aprendizagem e integração. A intervenção do psicólogo contemplava, por vezes, uma vertente clínica/terapêutica. O psicólogo da DREER desempenhava, igualmente, funções de formação de novos psicólogos, nomeadamente através da orientação de estágios profissionais promovidos pela OPP e pelo Instituto de Emprego da Madeira, e colaboração na orientação de estágios curriculares dos finalistas do Mestrado em Psicologia da Educação da Universidade da Madeira; da colaboração na supervisão clínica e educacional dos estágios; da participação no ensino da unidade curricular de Psicologia da Educação, da licenciatura em Psicologia da Universidade da Madeira – a saber, através da intervenção em painéis em que era abordado o papel do psicólogo nos diferentes contextos educativos e da receção de alunos para contacto direto com a praxis do psicólogo na educação especial. A prática do psicólogo contemplava ainda atividades de pesquisa e investigação e a utilização dos respetivos resultados na prática educacional. Bibliog.: AGUIAR, E., “História do apoio à deficiência na RAM”, Educação Especial, n.º 30, 1985, pp. 11-25; dec. reg. n.º 13/81, de 23 de junho; dec. reg. n.º 12/84, de 22 de novembro; dec. reg. regional n.º 13-A/97, de 15 de julho; desp. n.º 5/78, de 5 de abril; desp. n.º 103/2005. Líria Maria Jardim Fernandes Luísa Valentina Teixeira de Mendonça Correia (atualizado a 03.02.2017)

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conferências andarIlhas vão ao museu da imprensa

O ciclo de conferências itinerantes vai agora a Câmara de Lobos É a segunda edição do ciclo de conferências AndarIlhas que ocorre no próximo dia 24 de Fevereiro pelas 18 horas no Museu da Imprensa da Madeira em Câmara de Lobos. A iniciativa das professoras e investigadoras Luísa Antunes Paolinelli e Cristina Trindade, ambas membros da equipa de coordenação científica do projecto Aprender Madeira, pretende levar a cabo uma intervenção de proximidade no seio das comunidades locais em cada concelho de Região Autónoma da Madeira dando a conhecer os conteúdos que comporão o Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira, com organização do Professor Doutor José Eduardo Franco e da responsabilidade da Agência de Promoção da Cultura Atlântica e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, focando temáticas alusivas ao concelho onde se realiza e /ou, assinalando também uma efeméride que se considere relevante focar. Assim, a segunda conferência AndarIlhas, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Câmara de Lobos e do Museu da Imprensa da Madeira terá como oradores o Professor Doutor Thierry Proença dos Santos, que versará sobre “A Toponímia Tradicional Madeirense” focando certamente locais em específico no concelho de Câmara de Lobos e o Dr. Carlos Barradas que dará a conhecer ao público o resultado da sua investigação sobre “A Malta dos Ceroulas Brancas”, alegado gang criminoso que terá, nos anos 30 do século passado, causado uma onda de violência na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. De referir que o evento tem entrada livre.   A Malta dos Ceroulas Brancas "A “Quadrilha dos Ceroulas Brancas”, também conhecida popularmente por “Malta dos Ceroulas Brancas”, foi um grupo de rapazes que, no início dos anos trinta do séc. XX, provocou uma onda de violência e criminalidade na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Quem eram? Porquê que praticavam tais crimes? O que estaria na origem da fundação dos “Ceroulas Brancas”? O modus operandi, a organização do bando e a curiosa indumentária que usavam nos atos criminosos provocaram sensação na época, lançando o terror no Estreito de Câmara de Lobos e em todos aqueles que passavam pela freguesia, nomeadamente turistas e comerciantes. A imprensa da época, sobretudo, pela pena do Diário do Notícias da Madeira procurou apurar as estranhas ocorrências nesta freguesia. A reputação das façanhas criminosas dos “Ceroulas Brancas”, inclusive contra a própria autoridade, fez com que a polícia funchalense levasse a sério as queixas dos habitantes do Estreito, dando origem a um plano concreto para a prisão dos elementos que compunham o grupo. Os meliantes foram capturados, segundo os registos da imprensa, a 10 de agosto de 1932, pelo então chefe de polícia Óscar Dória. Apesar da captura e extinção do grupo, a memória das proezas criminosas dos “Ceroulas Brancas” ficaram para sempre guardadas no imaginário popular. " A Toponímia Tradicional Madeirense Dada a humanização das suas paisagens, a toponímia do arquipélago da Madeira reflete uma estrutura geográfica, histórica, linguística e etnográfica. Por isso, essa denominação de lugares constitui hoje um valioso património cultural que enriquece a memória coletiva, através de dados de interesse histórico e de referenciais de valor identitário e simbólico. Todavia, à denominação espontânea dos lugares de outrora opõem-se por vezes, nos espaços recentemente urbanizados ou requalificados, novos topónimos por via administrativa, reveladora de interesses vários, em termos de motivação política ou comercial, que suscitam debate sobre a oportunidade ou a pertinência da escolha do signo toponímico. Nuns casos, o desconhecimento da origem do nome pode levar à deturpação do topónimo; noutros casos, ao substituir um nome de lugar por outro, corre-se o risco de apagar as relações que a população local mantinha com o lugar. Por fim, é sabido que a mudança de regimes políticos pode dar início a um processo de reformulação da toponímia, sendo esta reveladora da nova situação ideológica. Nesta perspetiva, aprofundar o conhecimento do sistema de toponimização tradicional poderá evitar a descaracterização dos repertórios de localização e do mapeamento estabilizado do espaço conhecido, que fazem parte do quotidiano e que conferem ao arquipélago da Madeira uma identidade singular.

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