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raddi, guiseppe

Giuseppe Raddi, um dos maiores botânicos italianos, nasceu em Florença, a 9 de julho de 1770. Devido à precária situação económica da sua família, começou a trabalhar muito jovem como empregado numa farmácia. Ottaviano Targioni Tozzetti, médico, botânico e mineralogista, foi seu protetor, proporcionando-lhe as primeiras lições de botânica, disciplina na qual Raddi se destacou rapidamente. Em 1785, começou a trabalhar no Orto Botanico em Florença, onde permaneceu até 1795, como assistente de outro ilustre médico e botânico, Attilio Zuccagni. Em seguida, foi diretor e cossecretário do Museu de História Natural em Florença. Os primeiros escritos de Raddi foram publicados em 1806. Em 1817, fez uma expedição exploratória ao Brasil, organizada conjuntamente pelo Grão-Ducado da Toscana e por França. O material recolhido durante a viagem foi catalogado e colocado em herbários que tornaram famoso o seu nome. A sua última viagem, em 1827, foi ao Egito, onde contraiu disenteria; ao tentar voltar para a Itália, morreu em Rhodes, a 6 de setembro de 1829. Raddi esteve na Madeira de 11 a 13 de setembro de 1817. Tendo partido a 13 de agosto de Livorno, “a bordo do navio português S. Sebastião”, passou brevemente pela Ilha, e prosseguiu depois para o Brasil. Aí teve origem a memória Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio-Janeiro [Breve Observação da Ilha da Madeira Feita no Trajeto de Livorno para o Rio de Janeiro], inicialmente publicada em Florença, no n.º 5, de maio de 1821, da revista Antologia. “Uma visita tão curta e passageira àquela Ilha não pode, como é da natureza das coisas, permitir dar informações completas da mesma, especialmente no que diz respeito aos seus produtos, ao solo e ao clima, ou à indústria dos seus habitantes […]” (RADDI, 1821, 4) – declara com toda a honestidade; no entanto, as notícias que dá na sua obra são diversas e precisas, acabando por revelar mais do que o típico relatório objetivo de um botânico. O seu estilo é rápido, direto, literário, de uma forma moderna, e aproxima-se da escrita apropriada às reportagens. Através dele, Raddi relata as particularidades históricas (“diz-se que a Madeira foi descoberta pelos Portugueses em 1420 e por eles mesmos assim chamada Madeira por a terem encontrado inteiramente coberta de árvores” (Id., Ibid., 5)), geográficas e económicas, descrevendo a Ilha como um lugar fértil, mas não muito habitado. À semelhança de outros visitantes, admira-se com o facto de as árvores “quase” formarem “uma única e mesma floresta” – daí o nome do lugar – e de as águas, caindo das montanhas, causarem “inundações, as quais deitam abaixo e transportam pontes, e casas”. Apesar de a estadia na Madeira ter durado apenas dois dias, Raddi concluiu, com base na análise do solo, que este era “inteiramente vulcânico” e rico em rochas basálticas derivadas de uma “verdadeira erupção de lama vulcânica-subaquática”. Admirou-se, em particular, com o seguinte facto: “As montanhas próximas são tão férteis como parece pela visão que se consegue ter, sendo cultivadas como as planícies” (Id., Ibid., 5). Depois de descrever o território, trata do vinho, produto em que se baseava uma grande parte da economia local, descrevendo as pérgulas de videiras, os tempos de poda e os métodos de cultivo e de colheita das uvas: “A vindima geralmente é feita por aqueles ilhéus na primeira quinzena de setembro, a altura em que as uvas estão bem maduras” (Id., Ibid., 8). Seguidamente, concentra-se noutros produtos cultivados como, por exemplo, a batata e o inhame egípcio, e procede à minuciosa, e mais técnica, descrição botânica das flores e plantas da Madeira.   Obras de Giuseppe Raddi: Breve osservazione sull’isola di Madera fatta nel tragitto da Livorno a Rio de Janeiro (1821).     Chiara Tommasi (atualizado a 17.12.2017)

Biologia Terrestre

ogilvie-grant, william robert

William Robert Ogilvie-Grant, ornitólogo britânico, trabalhou no Museu de História Natural de Londres desde 1882 até a sua aposentação em 1918. Realizou numerosas expedições, nomeadamente aos arquipélagos de Socotorá, da Madeira (incluindo as ilhas Selvagens), das Canárias e dos Açores, com a finalidade de melhorar a coleção de aves do Museu e ajudou a organizar e financiar muitas outras viagens. A sua produção científica na área da ornitologia é vasta. Ogilvie-Grant nasceu na Escócia a 25 de março de 1863, estudou no Fettes College em Edimburgo e começou a trabalhar no Museu de História Natural de Londres em 1882. No Museu, incorporou-se como assistente no departamento de zoologia, primeiro na secção de ictiologia e, a partir de 1885, na sala de aves, da qual se tornou responsável em 1909. Em 1913, foi nomeado curador assistente de zoologia, cargo que manteve até à sua aposentação, por motivos de saúde. Entre as várias expedições que efetuou com o objetivo de aumentar a coleção de aves, destacam-se as realizadas aos territórios portugueses, onde visitou as ilhas da Madeira, do Porto Santo e a Deserta Grande em 1890, as ilhas Selvagens em 1895 e os Açores em 1903. Destas explorações resultou a publicação dos seguintes artigos: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890) e “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896), na revista Ibis; “Expedition to the Salvage Islands” (1895), publicado em conjunto com Cecil Baring, na revista Zoologist; e “On the birds of the Azores” (1905), publicado em coautoria com Ernst Hartert, na revista Novitates Zoologicae, contribuindo significativamente para o conhecimento das aves daqueles locais Ogilvie-Grant também viajou até às ilhas Canárias e a Socotorá, e foi o responsável pela organização e o financiamento das explorações ao monte Ruwenzori (Uganda-Congo) e à Nova Guiné Holandesa. Da sua vasta produção científica são especialmente conhecidos os volumes que escreveu para os Catalogue of the Birds in the British Museum e Catalogue of the Eggs in the British Museum, e a sua importante contribuição para o conhecimento das aves de caça. Foi membro do Conselho da Zoological Society e dos comités da British Ornithologists’ Union, da Avicultural Society, British Ornitologists’ Club e da Royal Society for the Protection of Birds, além de ser um dos fundadores da Society for the Promotion of Nature Reserves. Casou-se, em 1890, com Maud Louisa Pechel e teve um filho e três filhas. Morreu em sua casa, perto de Reading, a 26 de julho de 1924. Obras de William Robert Ogilvie-Grant: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890); Catalogue of the Picariae in the Collection of the British Museum (1892); Catalogue of the Game Birds in the Collection of the British Museum (1893); “Expedition to the Salvage Islands” (1895); “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896); Catalogue of the Steganopodes (1898); “On the birds of the Azores” (1905); Catalogue of the Eggs in the British Museum (1912).   Pamela Puppo (atualizado a 15.12.2017)

Biologia Terrestre

júnior, antónio félix pita

Filho de António Félix Pita Júnior e de Maria da Conceição Góis Pita, nasceu a 3 de dezembro de 1895 na freguesia da Sé, concelho do Funchal. Depois de completar o liceu, no Funchal, faz o curso de Medicina, que inicia na Universidade de Coimbra em 1912-13. É mobilizado para a I Grande Guerra sem que tivesse chegado a ser incorporado, facto que o leva a interromper os estudos, retomados em Lisboa assim que é desmobilizado. Casa-se aos 28 anos, a 3 de janeiro de 1925, com Maria da Conceição Ferreira Mesquita Spranger, em cerimónia civil seguida da religiosa na igreja de Santa Maria Maior, no Funchal. Por esta época, reside na avenida Miguel Bombarda, freguesia de São João da Pedreira, Lisboa, continuando a viver na capital após o matrimónio. Tem três filhas e um filho. Desde cedo revelara tendência para a cirurgia, especialização que conclui, tendo trabalhado durante dois anos como assistente livre da Faculdade de Medicina e do Hospital de Santa Maria de Lisboa na equipa do conceituado médico-cirurgião Professor Dr. Custódio Maria de Almeida Cabeça. No retorno à Madeira, instala consultório à rua Carvalho Araújo, n.º 61, 1.º (posterior rua do Aljube), no Funchal. Dedica-se a várias especialidades: “Clínica Geral, Partos, Cirurgia e Operações”, como anuncia no Diário de Notícias (DNM, 27 mar. 1927, 3). Será, nesta qualidade, um dos sócios da Casa de Saúde da Vila Guida, assim como cirurgião do quadro clínico do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, sendo numerosa a sua clientela nesta cidade, segundo afirma o referido periódico na nota biográfica que publica na sequência do seu falecimento. A 8 de abril de 1931, domingo de Páscoa, encontra-se no Palácio de São Lourenço, na qualidade de dirigente do Partido Republicano Nacionalista (PRN), entre outros representantes partidários locais participantes na sublevação política da Madeira contra a Ditadura. Estes são nomeados responsáveis de diversos organismos públicos (Junta Geral, Câmara do Funchal e administradores dos diferentes concelhos), cabendo-lhe, por nomeação do comandante militar da Madeira, general Adalberto Gastão de Sousa Dias, em conjunto com João Maximiano de Abreu Noronha e Carlos Fernandes Correia, a comissão administrativa da Junta Geral do Distrito do Funchal. Os nomeados para esta comissão tomam posse a 6 de abril. No dia seguinte, António Félix Pita é eleito presidente em votação por escrutínio secreto, à qual concorrem duas listas. Esta situação, apesar da resistência exercida pelo regime ditatorial, dura 28 dias, entre 4 de abril e 2 de maio, data em que o movimento é definitivamente controlado. Encontra-se entre os muitos intervenientes políticos envolvidos no movimento retidos no Lazareto, de onde partirão para os seus destinos de deportação, cabendo-lhe, primeiro, a ilha do Sal e, depois, a cidade da Praia, em Cabo Verde, lugar onde está em julho de 1931, quando vão ao seu encontro a sua esposa e filhos. Em Cabo Verde, é chamado a prestar serviço como médico numa urgência de saúde pública relacionada com a debelação de uma epidemia. Em outubro de 1932, o ministro do Interior, em nota abreviada e pouco explicativa registada no seu cadastro da Direção Geral de Segurança, dá “por finda a sua fixação em Cabo Verde”, autorizando-o a regressar à Madeira (ANTT, PIDE/DGS, Serviços Centrais, cadastro 4015, NT 737). Assim, por ter cessado a sua condição de deportado político, regressa ao Funchal acompanhado da sua esposa e filhos, sendo anunciado pelo Diário de Notícias, no dia 26 de novembro, que retomaria na semana seguinte a sua prática clínica. No entanto, a 10 de dezembro, o mesmo matutino faz notícia de primeira página de um “jantar de despedida e homenagem” “ao ilustre clínico”, iniciativa do jornal republicano O Povo, a realizar-se no Savoy Hotel, estando as inscrições abertas na sede daquele periódico, na Fotografia Perestrelos e na Maison Blanche, contando já com um elevado número de inscritos entre os amigos pessoais que dele se querem despedir, uma vez que partiria na terça-feira seguinte para a colónia de Moçambique. O jantar não se realiza “por motivos da vida particular do homenageado” (DN da Madeira, 11 dez. 1932, 1). Parece ficar claro ter sido forçado, pelas condições políticas adversas então existentes, a partir de novo, desta vez para a África Oriental Portuguesa, Lourenço Marques, protegendo-se a si e à sua família com a saída da ilha e distanciando-se da atividade política anterior. Parte para a província de Moçambique a 13 de dezembro, no vapor Kenilworth Castle, por acabar de “ser contratado para a Companhia da Zambézia”, tendo o distinto cirurgião “tanto no cais de embarque como a bordo, uma afetuosa despedida” (DN da Madeira, 14 dez. 1932, 2). Será médico contratado da empresa agroindustrial Sena Sugar Estates Ltd., empresa de capitais privados, essencialmente britânicos, dedicada à produção de açúcar de cana sacarina, para onde é levado pelo amigo Dr. João Sabóia Ramos, que ali se encontrava a trabalhar. Exerce também clínica particular paralelamente aos serviços de cirurgião que presta na missão de São José. Em 1942, com o fim das companhias comerciais, integra-se no quadro de saúde da Companhia de Moçambique e passa ao quadro de província. Exerce cirurgia no hospital da Beira e, depois, no Hospital Miguel Bombarda, em Lourenço Marques, até ao seu falecimento. Em África, viverá duas décadas de realizações, pois parece ter encarado este território como auspicioso. Aí, ao desenvolvimento de uma carreira de prestígio na área da Medicina, associará, no decurso da déc. de 40, nos últimos anos da sua curta mas promissora vida, o mundo empresarial, revelando-se um empreendedor fora da sua área de formação. Funda uma indústria, no espaço empresarial da Matola, que se dedica à moagem do trigo daquela província. Situado a cerca de 10 km de Lourenço Marques, este complexo industrial (fábrica de massas e bolachas de linha e conceito modernos) é construído faseadamente, vindo a incluir um bairro para o pessoal. A Companhia Industrial da Matola comercializará os seus produtos sob a marca Polana e iniciará a sua laboração na comemoração do 28 de maio, no ano de 1952, após o falecimento do seu fundador, conforme concluímos pela informação colhida no Livro de Ouro do Mundo Português – Moçambique, publicação de 1970, de modelo típico do Estado Novo, em edição que reúne alguns dos sucessos empresariais nesta província. As imagens nele incluídas revelam a grandiosidade do complexo fabril que construiu, à entrada do qual é colocado o seu busto, retirando qualquer margem de dúvida sobre a importância deste empreendimento e do seu empreendedor na economia colonial portuguesa. No curto período em que viveu na Madeira, é também professor do 7.º grupo do Liceu do Funchal, lugar de que toma posse a 9 de outubro de 1929. Está ainda ligado ao desporto, dedicando algum do seu tempo à organização associativa, incluindo-se na lista dos presidentes da direção do Club Sport Marítimo, entre 21 de julho de 1927 e 3 maio de 1928. A 26 de fevereiro de 1930, passa a pertencer aos novos corpos gerentes da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Funchal, eleitos em assembleia geral, presidindo à sua direção. As atas desta associação mostram que, apesar de ter tomado posse, deixa de estar presente nas reuniões logo a partir de 19 de janeiro de 1931. Faleceu em Lourenço Marques, a 18 de dezembro de 1951, na sequência de forte comoção resultante da morte de um grande amigo, Augusto Adida de Gouveia, a quem, como médico, não consegue salvar dos efeitos de um violento desastre de automóvel. O seu funeral realizou-se na vila da Ponta do Sol, para onde foi trasladado o seu corpo, a 11 de abril de 1952.   Maria de Fátima Vieira de Abreu (atualizado a 18.12.2017)

Ciências da Saúde Personalidades

jorge, antónio vitorino castro

Dr. António Vitorino Castro Jorge. Foto: Dicionário Corográfico de Câmara de Lobos   Nascido em Santa Maria Maior, no Funchal, em 1913, filho de Luís Jorge e Josefina Antónia de Castro e Jorge, casou-se, em 1944, com Matilde Martins da Silva Castro Jorge; deste casamento nasceram três filhos. Faleceu, com 91 anos, no Estreito da Câmara de Lobos. Depois de ter completado o liceu no Funchal, inscreveu-se no 1.º ano da Faculdade de Ciências de Coimbra, da qual desistiu para tirar Medicina na Universidade de Lisboa, cuja licenciatura foi concluída em 1938. Mobilizado para a Madeira em 1942, como médico da Marinha, pediu, pouco tempo depois, a passagem à vida civil, tendo sido médico municipal de Porto Santo (durante seis meses) e de Câmara de Lobos e Curral das Freiras (de 1944 a 1983), ao mesmo tempo que exercia medicina privada como clínico geral. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e da Sociedade da Língua Portuguesa. Na freguesia do Estreito, desenvolveu, desde 1953, várias iniciativas de alcance popular, como a festa das cerejas, o desfile da freguesia na festa das vindimas no Funchal, a festa dedicada a S.to Isidro, padroeiro dos animais, e a fundação da Casa do Povo. Como político, foi admirador de Salazar, apesar dos defeitos que apontou ao seu regime nas rubricas “Papagaio” e “Giz na Parede”, do Diário da Madeira, antes de 25 de abril de 1974; apresentou-se como candidato à Câmara Municipal de Câmara de Lobos (1976), tendo sido eleito vereador na lista do CDS; foi fundador e primeiro presidente do Partido Democrático do Atlântico (PDA), em 1978, e diretor do semanário Zarco, órgão oficial deste partido, fundado em 1984; foi mandatário da lista de cidadãos pela desanexação de Jardim da Serra da freguesia do Estreito, em 1993, e mandatário da lista do PS à Câmara de Lobos em 1997. Como jornalista, foi proprietário e diretor do Diário da Madeira (1961-1982), após ter exercido as funções de diretor do Eco do Funchal (1959-1961). Os artigos “Com Quem Vivemos”, “Na Madeira Vitória da Social-Democracia, uma Razão para a Independência” e a carta aparecida na secção “Correio da Madeira”, publicados no Diário da Madeira, valeram-lhe a prisão política, em Caxias, a 15 de maio de 1975, ordenada pelo brigadeiro Carlos Azeredo, governador civil na Madeira, sob a acusação de independentista. Foi também presidente da Associação Política do Arquipélago da Madeira (APAM). Publicou uma brochura sobre Salazar no centenário do seu nascimento (1989), e o livro Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo. Obras de António Vitorino Castro Jorge: Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo.     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.04.2018)

Ciências da Saúde Personalidades

joeiras

Os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que entre os seres humanos é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras tradicionais é o lançamento de papagaios de papel. Na Madeira estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. A origem da designação “joeira” pode dever-se ao facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio, com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Palavras chave: papagaios de papel, joeiras, brincadeiras tradicionais, barbante, canas-vieiras, cola. No começo do séc. XXI, é normal ver uma criança que, ao mesmo tempo, navega na Internet, folheia uma revista, fala ao telefone e ainda vê televisão. Em períodos anteriores, porém, as crianças disponibilizavam uma parte do seu dia para brincar com carrinhos, jogar ao pião e lançar papagaios. Duas realidades que estão cada vez mais distantes. As brincadeiras infantis mudaram muito. Houve períodos em que a maioria das crianças tinha poucos brinquedos e, por isso, tinha de usar mais a criatividade para os criar. Os brinquedos tradicionais, construídos pelas crianças com os materiais disponíveis no meio envolvente, utilizando a sua imaginação, fazem parte do património lúdico de uma cultura. Assim, os jogos tradicionais e as brincadeiras constituem formas de estar, formas de sociabilizar e, embora possuam características universais, identificam uma cultura, na medida em que, entre os seres humanos, é a cultura que determina a forma de jogar. Um dos mais populares jogos ou brincadeiras é tradicionalmente o lançamento de papagaios de papel. Existem teorias, lendas e suposições que dizem que o primeiro voo de um papagaio de papel ocorreu em tempos diferentes e em várias civilizações. Na versão mais antiga, os papagaios de papel nasceram na China no ano 200 a.C.. Por sua vez, no Egito, existem hieróglifos sobre objetos que voavam controlados por fios, e os fenícios também já conheciam o seu segredo, assim como os africanos, indianos e polinésios. Nos países orientais, sempre foi grande a utilização de papagaios com motivos religiosos e míticos, como atrativos de felicidade, sorte, nascimento, fertilidade e vitória. Por volta de 1250, o Inglês Roger Bacon escreveu um estudo sobre asas acionadas por pedais, tendo como base experiências realizadas com papagaios de papel. Pensa-se que os papagaios de papel foram introduzidos em Portugal durante o séc. XVII, a partir do Oriente. Salvo a utilização militar estes objetos mágicos sempre tiveram o poder de alegrar, ajudar e dar esperança à humanidade. Posteriormente, em 1901, Marconi utiliza papagaios de papel para fazer experiências com transmissão de rádio, que mais tarde Bell utilizaria como testes do seu invento, o telefone. Durante a Segunda Guerra Mundial, os papagaios de papel eram utilizados pelos alemães para observar as movimentações das tropas aliadas ou como alvo móvel para exercícios de tiro. Nos começos do séc XXI, tanto em Portugal como no Brasil (onde os papagaios de papel têm a designação de “pipa”, e uma forma diferente dos papagaios construídos em Portugal) não estão totalmente esquecidos. Podemos ver em algumas cidades destes dois países crianças e adultos a brincar com papagaios, objetos que ocorrem também como material publicitário e em obras de ficção televisiva. É oportuno ainda referir que um artigo publicado pela revista Visão de 30 de julho de 2015, intitulado “Ideias para sobreviver às férias grandes dos miúdos”, sugere a construção destas brincadeiras: “Lançar um papagaio de papel. E façam-no, primeiro. Pode reciclar o que tiver por perto: um saco de lixo ou uma toalha de papel, estacas em bambu ou pauzinhos chineses para o papagaio ficar direito e uma corda de nylon. O essencial é que a estrutura se mantenha leve, de forma ir pelo ar com um pouco de vento. A ver quem consegue mantê-lo a voar mais tempo”. (“Ideias…”, Visão, 9 ago. 2015). Na Madeira, estes artefactos voadores são conhecidos por joeiras. Trata-se de objetos mais pesados que o ar, mas que, uma vez impelidos pelo vento, são manobrados a partir do solo com um barbante (fio de dois ou mais cabos torcidos, possivelmente oriundo da província de Brabante – Holanda), que serve de ligação entre o objeto e o alteador (pessoa que manobra a joeira). A origem da designação (joeira) pode estar no facto de o desenho da sua estrutura ser semelhante à estrutura de um utensílio com o mesmo nome, utilizado nas eiras para separar o trigo do joio e utilizado também pelos pescadores. Como se referiu atrás, os artefactos voadores recebem na Madeira, em geral, a designação de joeiras; contudo, segundo Agostinho Vasconcelos, os objetos de voo à vela podem ser classificados quanto à estrutura (feitos de cana vieira, inteira ou rachada) e quanto ao desenho (executados com linha de coser, no interior da carcaça, ou recortados no papel colorido dos forros). Quanto à sua estrutura, podem ser papagaios, bacalhaus, joeiras, rodas e aviões. De referir que os papagaios não têm qualquer estrutura de suporte preliminar; contudo, excecionalmente poderão ter uma estila (lasca de cana ou de outra planta), que será usada como reforço para lhe dar estabilidade. O bacalhau tem estrutura inicial ou de suporte ao forro (papel de seda ou outro material, como plástico, celofane, tecido fino, entre outros), com duas ou mais canas, dispostas em cruz, parecendo um bacalhau salgado seco. Por sua vez a joeira tem uma armação feita com três canas, as quais são fixadas com um alfinete, ou arame fino, no seu ponto médio; ao passarmos uma linha equidistante nos seus extremos, aparecerá um polígono hexagonal. Semelhante à joeira, temos a roda, construída com quatro ou mais canas, dispostas como no caso anterior, radialmente (ligando todos os extremos ou mais, conforme as canas utilizadas). Por fim temos o avião, estrutura de cinco ou mais canas, dispostas de modo a parecer a forma daquela nave. Quanto ao desenho, a forma de estrela pode ser encontrado em vários artefactos voadores; mas este desenho é mais comum e facilmente reconhecível nas joeiras e nas rodas. Para se construir uma joeira, as crianças usavam o material que tinham ao seu dispor, nomeadamente: pincel (para espalhar cola); alicate (para cortar e torcer os alfinetes); plaina (para preparar as canas rachadas); régua (guia, para cortar em linha reta o papel); agulha (para armar o desenho, com linha); alfinetes (que servem de eixo às canas); lápis (para marcar o papel antes de colar); teco (para auxiliar na colagem); tesoura (para cortar o papel e a linha); afiador (para afiar os instrumentos cortantes); passador (para puxar a linha, para fazer o nó); pinça (para repuxar o papel); canivete (para preparar as canas); faca (para cortar o papel). As matérias-primas eram constituídas essencialmente pelo que a natureza disponibilizava e por alguns materiais reutilizados; são elas: folhas de papel de seda (para o forro das joeiras); papa de milho/semilha (utilizadas como cola); novelos (barbante de joeira ou linho); tubo de linhas (fibra artificial e para fazer a configuração dos desenhos, no interior); fio torcido (algodão) e canas (inteiras ou rachadas) para a estrutura. Contudo, outros materiais poderão ser utilizados, dependendo essencialmente da criatividade do construtor das joeiras. As joeiras estiveram e estão bastante presentes no quotidiano madeirense. Podemos encontrar referência a estas brincadeiras na literatura, e.g. no conto “A beleza das joeiras”, de Graciela Dias da Silva, inserido na obra Rasgos da Minha Infância: – Não foram compradas as joeiras. […] Mas… pergunta o miúdo: – Como as fizeram?!... Pacientemente, elucida-o o professor com palavras tão radiantes de frescura, que o deixam atento ao seu discorrer!... E fala-lhe das diversas fases da elaboração de uma joeira, a saber: – Depois de cortado devidamente o papel de seda e ajustadas as ripas de cana, inventariam o conjunto, segundo o modelo previamente escolhido. – Em segundo plano, é só colar o papel, geralmente com uma massa feita de farinha e água. – Finalmente, após a secagem e, para que seja mantido um certo equilíbrio, apõem ao papagaio um rabo, feto de pano esfrangalhado, a capricho (SILVA, 2011, 49-50). Encontramos também referência às joeiras na obra de Manuel Pita Ferreira, Natal na Madeira – Estudo Folclórico: “Fecham o cortejo, o músico do bombo, o dos pratos e o da caixa, marcando o ritmo da marcha e numeroso bando de rapazitos com as mãos cheias de canas de foguetes e as algibeiras abarrotadas de canudos. Vêm contentíssimos, porque encontraram um tesouro, – canas e barbante para as joeiras” (FERREIRA, 2010, 15) Também na tradição oral é frequente encontrar referências à construção e utilização de joeiras, e.g. numa quadra popular dedicada a S. João: “São João / São João da Ribeira / dá-me vento, / para altear esta joeira”. Por fim, é oportuno ainda verificar que em várias freguesias da ilha da Madeira são feitos concursos de joeiras, com destaque para os concursos organizados pela Junta de Freguesia de S. Roque, pela junta de Freguesia de Machico, pelos Cursos de Educação e Formação de Adultos da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos da Torre, em conjunto com a Casa do Povo de Câmara de Lobos; também nos concelhos da Calheta e da Ponta do Sol há concursos deste género. De uma maneira geral, os objetivos destes diferentes concursos são: reavivar a tradição da construção e do lançamento de joeiras; incentivar o gosto pelos jogos tradicionais; estimular a criatividade e a imaginação dos participantes; incentivar o convívio intergeracional; promover atividades ao ar livre; e realizar atividades educativas e culturais que envolvam toda a comunidade. Os critérios de seleção dos vencedores são, em geral: criatividade e inovação; utilização de materiais recicláveis e tempo de voo.  Todos estes concursos têm grande recetividade por parte do público, tanto dos jovens como dos menos jovens, e contribuem para a persistência desta tradição madeirense.     José Xavier Dias (atualizado a 18.12.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

jersey

Nome de uma ilha situada no canal da Mancha, ao largo da costa da Normandia, que, junto com Guernsey, forma o arquipélago das ilhas do Canal, uma dependência da Coroa britânica que não faz parte do Reino Unido. Estas ilhas foram propriedade do duque da Normandia, tendo passado para a Coroa inglesa, quando William, o Conquistador, se tornou Rei da Inglaterra, em 1066, sendo que os habitantes das ilhas do Canal são cidadãos britânicos. Apesar de, no ano de 1204, a Inglaterra ter perdido a Normandia – a parte continental –, as ilhas permaneceram na posse da Inglaterra. Entre 1940 e 1945, foram ocupadas pela Alemanha. As ilhas têm como línguas oficiais o inglês e o francês. As ilhas foram divididas em bailiados, regidos por parlamentos eleitos, chamados Estados. Estas assembleias aprovam a sua própria legislação, com o consentimento da Coroa (responsável pela defesa, representação diplomática e de cidadania). Apesar de não fazerem parte da União Europeia, estas ilhas estão sujeitas a uma união aduaneira. O território de Jersey, a ilha maior, tem uma área de 116 km2 e é governado por representantes do Governo britânico, os baillifs. São juízes máximos da justiça nomeados pela Coroa e presidem o Parlamento dos Estados. Entre o séc. XX e começos do séc. XXI, os poderes destes representantes começaram a transferir-se para os Estados, adotando-se um sistema ministerial e a nomeação de ministros-chefe em 2005. De acordo com estudos realizados, e tendo como base o censo de 2011, a população residente em Jersey foi estimada em 97.857 pessoas, 34 % das quais na cidade de Saint Helier. Uma análise aos dados disponíveis permite concluir que apenas metade da população terá nascido na ilha, sendo a restante população migrante. Desta, 7 % é portuguesa, nomeadamente madeirense, num total, para o ano de 2011 (data do último censo), de 7031 pessoas. Estes números explicam o facto de o português ser uma língua comummente escutada na ilha, em particular na capital, onde se encontra em avisos, afixados sobretudo nas cabines telefónicas. Devido à emigração, Jersey está, então, ligada à Madeira de modo especial, não obstante haver registos de trocas comerciais entre os dois espaços insulares. Daquela ilha britânica, chegava o trigo e a farinha, fundamentais para a alimentação, como prova uma ordem de António Noronha, datada de junho de 1823, e dirigida ao guarda-mor João António Gouveia Rego, para dar entrada ao bergantim inglês Comet, apesar de não trazer a carta da saúde referendada pelo consulado, alegando como principal motivo o facto de os cereais serem um produto de primeira necessidade; o mesmo aconteceu com a chalupa inglesa Thane, em agosto de 1823, proveniente daquela ilha britânica, e carregada com farinha. Há muito tempo que Jersey é procurada por madeirenses, que ali encontram possibilidades de trabalho. Embora houvesse alguns Portugueses na ilha na primeira metade do séc. XX, a emigração propriamente dita para Jersey começou nos anos 40 do séc. XX, com a chegada de madeirenses para trabalhar na agricultura, nas fábricas e no sector doméstico. Os primeiros dados sobre a presença madeirense nesta ilha remontam ao ano de 1934, mas é efetivamente nos anos 40 que a emigração insular começa a ganhar maior expressão. Ao proceder à análise do fenómeno económico e social da emigração do arquipélago da Madeira, Agostinho Cardoso situa em 1952 a alteração do paradigma da emigração de madeirenses para Jersey: “Um fenómeno particular ocorreu a partir de 1952 com a emigração sazonal para Inglaterra, principalmente para as Ilhas do Canal. Estes madeirenses, ocupados na hotelaria, deslocavam-se na época de verão rumo a este destino para trabalhar no mesmo sector, regressando à ilha para a época invernal. Hoje mantém-se esta tradição mas ligada ao sector agrícola, uma vez que o turismo madeirense perdeu a sazonalidade que então mantinha” (CARDOSO, 1968, 16). Aproveitando a sazonalidade que caracterizava o turismo da Madeira (sendo o inverno especialmente importante), os madeirenses empregados na hotelaria deslocavam-se, durante o verão, para as ilhas do Canal, nomeadamente para Jersey, para o mesmo sector. Em 1961, existiam cerca de 500 Portugueses na ilha, não se sabendo, ao certo, quantos destes seriam madeirenses. As oportunidades de trabalho dos madeirenses foram muito condicionadas pela falta de conhecimentos de inglês, pelo que os empregos eram pouco qualificados – na construção civil, em cozinhas de hotéis, em serviços de hotelaria e de limpeza, em restauração e bar. Por outro lado, a primeira geração de Portugueses fixou-se numa área muito afastada da capital, o que não facilitou a aprendizagem do inglês, na medida em que se abriam lojas portuguesas, cafés portugueses, clubes sociais de Portugueses, o que lhes permitia continuar a comunicar na sua língua materna (algo que, por outro lado, facilitou a sua integração). Em 1971, por iniciativa de um madeirense, Luís Vieira, surge o Jersey Portuguese Football Club, um pequeno bastião de Portugal naquela ilha britânica. O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de junho, foi aí celebrado, pela primeira vez, em 1980. Por outro lado, houve um manifesto esforço para integrar, o melhor possível, estes imigrantes, oferecendo-lhes aulas de inglês e disponibilizando tradutores, de forma a facilitar-lhes o acesso aos serviços sociais. O sector da agricultura só começou a recrutar trabalhadores estrangeiros nos anos 70. Um historial da emigração da Região Autónoma da Madeira, publicado pelo Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, dá indicação da existência de 1800 madeirenses em Jersey, em 1972, número que se manteve inalterado até ao censo de 1981, e que triplicou no de 1991. A emigração organizada para a região autónoma de Jersey terá tido o seu início em 1978. Nesse ano, terão saído da Madeira 12 pessoas rumo a Jersey, sendo que, em 1980, esse número já ultrapassava as 500, tendo duplicado em 1990, em que 1000 madeirenses trabalhavam na agricultura daquela ilha do Canal. A crescente procura deste destino por parte das gentes da Madeira e do Porto Santo era clara nas percentagens reveladas pelos recenseamentos: em 1981, 3 % dos imigrantes são madeirenses; em 1991, 4 %; em 2001, 6 %; e 7 % em 2011. Em 1998, foi assinado um acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, que potenciou as relações económicas, ambientais e culturais entre as duas ilhas, conforme um discurso proferido pelo baillif no Dia da Madeira de 2010, o primeiro ano em que aquele foi assinalado em Jersey: “The Friendship Agreement signed between Jersey and Madeira in May 1998 committed the Governments of both Islands to promote mutual respect for the different cultural traditions of the two Islands and their peoples” [“O acordo de amizade entre Jersey e a Madeira, assinado em maio de 1998, empenha os Governos de ambas as ilhas na promoção do respeito mútuo pelas diferentes tradições culturais das duas culturas e respetivos povos”] (“Speech for Madeira Day”). De registar a ajuda de Jersey à Madeira, aquando da aluvião de 20 de fevereiro de 2010: “An indication of the close relations between Madeira and Jersey can be seen in the events following the terrible floods in Madeira in February of this year in which 40 people lost their lives and a great number lost their homes. The response from the community in Jersey was immediate and generous and I commend all those who participated in those fund raising activities or contributed financially” [“A estreita ligação entre a Madeira e Jersey ficou demonstrada na sequência das terríveis inundações que tiveram lugar na Madeira em fevereiro deste ano, durante as quais cerca de 40 pessoas perderam a vida e muitos ficaram desalojados. A resposta da comunidade de Jersey foi imediata e generosa e foram muitos os que participaram na angariação de fundos assim como nas ofertas monetárias”] (Ibid.). Nos começos do séc. XXI, os madeirenses estavam integrados na sociedade de Jersey, trabalhando sobretudo nas áreas da hotelaria e da restauração, se bem que, nesta fase migratória, muitos jovens desempenhassem outras funções, designadamente em repartições públicas, em hospitais (e.g., na enfermagem), assim como na praça financeira e zona franca fiscal [offshore], um dos aspetos mais importantes da economia de Jersey. Por outro lado, foi realizada nesta altura uma missão empresarial entre as duas regiões autónomas, que resultou no aumento das exportações de bebidas e de produtos hortofrutícolas da Madeira para Jersey (banana, anona, pera abacate, inhame e maracujá, entre outros). À distância de 02.45 h de avião, Jersey continuava a ser, nos começos do séc. XXI, um dos destinos europeus mais importantes para a mobilidade madeirense, o que facilita as trocas comerciais entre os dois espaços insulares e garante trabalho e estabilidade.   Graça Alves (atualizado a 18.12.2017)

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