Mais Recentes

silva, josé marmelo e

José Marmelo e Silva nasceu no Paul, concelho da Covilhã, a 7 de maio de 1911, tendo falecido em Espinho, a 11 de outubro de 1991. Frequentou o ensino secundário na Covilhã e em Castelo Branco, e o ensino superior em Coimbra e Lisboa, onde se licenciou em Filologia Clássica, com a dissertação Um Sonho de Paz Bimilenário: a Poesia de Virgílio. Fez serviço militar em Mafra, uma experiência com ecos em Depoimento, e na Madeira, vivência que ressoará em Desnudez Uivante. Regressa à Madeira já casado para, com a esposa, lecionar no Colégio Académico do Funchal, no ano letivo de 1946-1947. No ambiente insular, encontrou inspiração para escrever os Poemas da Ilha do Porto Santo, que publica na Seara Nova, na década de 1960. Foi, porém, em Espinho que exerceu funções docentes a maior parte do tempo, dando o seu nome à biblioteca local. De 1932 a 1983, publicou, com várias reedições, diversos livros, deixando inéditos os Memoriais, de carácter autobiográfico: O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo, contos (Renegado); a novela Sedução; Depoimento, contos; O Sonho e a Aventura, narrativas; a novela Adolescente, título da 1.ª edição, alterado para Adolescente Agrilhoado na 2.ª edição aumentada; O Ser e o Ter Seguido de Anquilose, contos (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião, que teve uma única edição); o romance Desnudez Uivante. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho e, em 1988, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Obras de José Marmelo Silva: Poemas da Ilha do Porto Santo; O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo (1932); Sedução (1937); Depoimento (1939); O Sonho e a Aventura (1943); Adolescente (1948) Adolescente Agrilhoado (1958); O Ser e o Ter seguido de Anquilose (1968); Desnudez Uivante (1983).   António Moniz (atualizado a 03.02.2017)

Literatura Madeira Cultural

miranda, joão da costa

Prosador e poeta, nasceu na freguesia de Machico, Funchal, a 28 de setembro de 1897 e faleceu a 20 de março de 1964, com 66 anos. Era filho de João da Costa Miranda e de Maria Leocádia da Costa, e tinha dois irmãos. Casou-se com Maria Elisa Freitas Costa Miranda, com quem teve quatro filhos: João Aurélio de Freitas Costa Miranda, Bela Clara Ramos Costa Miranda, Gilda Maria Miranda Pinto da Silva, casada com Arnaldo Pinto da Silva, e Maria das Mercês de Jesus Costa Miranda, que se entregou à vida religiosa em Coimbra. A partir de 1908, estudou no Seminário Diocesano do Funchal, onde cursou os preparatórios e Filosofia. Mais tarde, mudou-se para Coimbra, onde estudou Teologia no Seminário dos Olivais, curso que terminou em 1919. Esperou pela ordenação de presbítero, mas, tendo sentido que a sua vocação não era aquela, regressou à vida civil. Assim, voltou, em 1920, ao liceu do Funchal, onde demorou apenas alguns meses a concluir o curso liceal. Os registos indicam que foi sempre um aluno brilhante, não tendo perdido qualquer ano. Mais tarde, enveredou pela atividade comercial e industrial, na qual se manteve durante um longo período. Em 1939, passou uma temporada em Bedford, nos Estados Unidos da América. De regresso à Madeira, foi eleito, a 14 de dezembro de 1955, membro da mesa da Santa Casa da Misericórdia do Funchal para o triénio 1956-1958. Interessava-se bastante pela literatura, tendo sido poeta e prosador com colaborações no Diário da Madeira, no Diário de Notícias, n’O Imparcial, n’O Jornal e na revista Esperança. No Diário da Madeira, publicou, em março e abril de 1918, dois sonetos exemplificativos da sua produção, “O Teu Retrato” e “Impossível”. Este último foi dedicado a António Pestana, contendo, a abrir, uma epígrafe de Gomes Leal. Ambos os poemas estão transcritos na Musa Insular, de Luís Marino. É de salientar que assinou alguns dos seus textos como Joam da Costa Miranda. Consta que terá deixado um livro de poemas inédito, com o título O Livro das Ilusões.   António José Borges (atualizado a 05.02.2017)

Literatura Personalidades

georgeida

Texto épico em verso, escrito por Francisco de Paula de Medina e Vasconcelos, e publicado em Londres, no ano de 1819. A obra, dedicada ao comerciante inglês Robert Page, relata as três invasões francesas a Portugal, que ocorreram entre 1807 e 1810, por ordem de Napoleão e sob o comando dos generais Junot, Soult e Massena. O autor elogia e engrandece o Monarca inglês George III por ter enviado as suas tropas em auxílio de Portugal, o que permitiu a vitória anglo-lusa e a derrota francesa. Em simultâneo, critica, de forma veemente, o caráter ambicioso de Napoleão, que provocou muita destruição, morte e guerra por toda a Península Ibérica. Palavras-chave: epopeia; Francisco de Paula de Medina e Vasconcelos; George III; invasões francesas; Napoleão; Portugal. Da autoria de Francisco de Paula de Medina e Vasconcelos, Georgeida é um extenso texto épico em verso, publicado em Londres em 1819 e dedicado a Robert Page, comerciante britânico residente na Madeira. Esta narrativa é um relato das três invasões francesas a Portugal ocorridas no final da década anterior à da data de publicação da obra, constituindo um panegírico à ação de George III, monarca inglês que dá título à obra e que auxiliou, com o envio de tropas britânicas, a defesa de Portugal. É, em simultâneo, um feroz ataque a Napoleão e à sua tentativa de dominar o território luso e de ter a hegemonia na Europa. A obra inicia-se com uma dedicatória a Robert Page que, no entender do autor, foi o “Novo Mecenas” (VASCONCELOS, 1819, 2), um amador das belas artes, uma “alma benfazeja” e de nobres sentimentos, uma “poderosa mão beneficente” (Id., Ibid., 1) que financiou a publicação destes versos e, assim, permitiu retirá-los do esquecimento do tempo e do silêncio a que seriam votados se permanecessem inéditos. Confessando-se feliz e grato ao seu mecenas, Medina e Vasconcelos não deixa igualmente de louvar D. Fr. Joaquim de Menezes Ataíde, seu protetor, bispo de Meliapor e vigário apostólico do bispado do Funchal. Segue-se um prólogo, no qual o autor se propõe cantar George III, “um dos mais Virtuosos Monarcas do Universo” (Id., Ibid., 4), sem se atemorizar com a grandeza do assunto. O autor esclarece que redigiu a obra em 1811, a partir de pesquisas em gazetas e periódicos, e reconhece que o seu texto contém imperfeições, pelas quais se desculpa, talvez por não ter feito a pesquisa mais correta, considerando ainda que a poesia épica o fez adornar o seu canto. Traça, em linhas gerais, os limites temporais da ação (desde a retirada da família real para o Brasil em 1807 até à expulsão definitiva dos Franceses em 1810) e reforça os seus propósitos: imortalizar as ações de George III, enaltecer as três grandes nações aliadas (Portugal, Espanha e Inglaterra) na luta contra as Invasões Francesas e denegrir Napoleão, a quem apelida de “o Monstro” (Id., Ibid., 5). Depois de inserir um soneto dirigido ao amigo Anastácio Bettencourt Moniz (médico muito distinto e literato que gozava de prestígio entre os contemporâneos, pai do conselheiro Nicolau Anastácio) e respetiva réplica, Medina e Vasconcelos dá início à epopeia dividida em dez cantos (imitando Camões, em Os Lusíadas), sendo curioso verificar que cada um deles contém um argumento, i.e., uma espécie de sinopse, tal como se encontra no início de cada capítulo de Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, e.g.. No canto I, à boa maneira de Eneida e de Os Lusíadas, começa por enunciar, numa proposição, “As Armas e o Monarca Soberano / Por ínclitas Ações Famigeradas / Ouso afoito cantar…” (Id., Ibid., 8). Invoca a Verdade para o guiar na narração dos factos históricos e dedica a epopeia a George III. Inicia a narração com a exposição dos projetos de Napoleão de invadir Portugal, movido pela inveja do Monarca inglês, que dominava os mares. O Imperador encarrega Junot de aprisionar a família real lusa ou, em alternativa, espalhar a destruição pelo país. Honrado e leal, Junot parte, percorre Espanha à frente do exército e aproxima-se rapidamente da fronteira portuguesa. Tal como os seres mitológicos na epopeia camoniana, algumas entidades abstratas tomam parte na querela: a Vanglória protege Napoleão, enquanto a Providência e a Justiça auxiliam as forças aliadas. Será esta última que surge em sonhos a George e o convence a defender Portugal dos Franceses, anunciando um futuro glorioso para Inglaterra se frustrar os intentos de Napoleão. O canto II relata o modo como o Rei inglês convoca o Parlamento e o persuade a apoiar a sua investida contra Napoleão e seus ideais destrutivos e, em simultâneo, a socorrer Portugal, a fim de evitar um futuro trágico. Num ápice, a Armada britânica chega ao Tejo e, em audiência com o ministro britânico em Lisboa, o regente D. João VI comunica a decisão de fugir do país, instalar a corte no Brasil e aí formar um novo império, salvando Portugal de França e entregando a defesa do reino à Armada britânica. A partida das naus para o Brasil é descrita no canto III, perante a dor da população, num episódio que faz recordar as despedidas em Belém em Os Lusíadas. D. João VI dirige-se ao povo num discurso emocionado, e aquele, apesar do desgosto e das dúvidas quanto ao futuro, aclama e obedece ao príncipe regente, sem ousar criticá-lo. O próprio Tejo, personificado, se despede da família real e engrandece o Monarca inglês amigo, mas é castigado por Neptuno por ter saído dos seus limites, sendo socorrido pelas Tágides. Vingando-se dos Portugueses e do Tejo, Neptuno lança-lhes uma tempestade, tal como no episódio marítimo de Os Lusíadas, mas a Providência, qual Vénus e Tétis, socorre os Portugueses, cessando os ventos e acalmando os mares. Já em território luso, Junot inicia o seu plano, obrigando os Portugueses a pagar pesados impostos, perante a indignação da Religião. A partir do canto IV, começam os abundantes episódios bélicos da obra. O autor relata os momentos de insurreição de diversas terras portuguesas, nomeadamente do Porto, de cidades e vilas de Trás-os-Montes (como Bragança), do Algarve e do Alentejo, que exaltavam o príncipe regente e se opunham à opressão de Junot, que entretanto já devastara templos e causara mortes. George auxilia Portugal, enviando tropas e generais, entre os quais se destaca Wellesley. Enfrentando os Franceses com armas e com o apoio dos Ingleses e dos Espanhóis que se rebelaram, os Portugueses vencem as batalhas de Roliça e do Vimeiro, ao ponto de os Franceses proporem tréguas (assinadas na Convenção de Sintra) e Junot se retirar de Portugal. Tinha terminado a primeira invasão francesa. O canto V, dá início à segunda invasão, com os planos de nova investida de Napoleão, incitado pela Vanglória. O Francês incumbe Soult de chefiar o exército gaulês e conquistar Portugal “a ferro e fogo” (Id., Ibid., 83). Com o general francês a caminho, a Regência, entidade abstrata, exorta à valentia dos Portugueses, apelando aos valores românticos que devem defender (pátria, religião, Rei e liberdade). Madrid rende-se e acaba por capitular perante a força do exército francês, apesar dos esforços da Junta Central para tentar libertar a cidade. O canto seguinte narra os confrontos bélicos entre Ingleses e Franceses em Espanha, saldando-se pela vitória dos primeiros, comandados por John Moore. Furioso com a derrota, Soult dirige-se para Portugal e aí enfrenta a oposição do general Silveira em Trás-os-Montes, em particular na defesa de Chaves e de outras terras junto ao Tâmega. Contudo, Soult conquista Braga e o Porto, mas George envia Wellesley em auxílio destas cidades. No canto VII, assiste-se à chegada das tropas inglesas a Portugal, comandadas por Wellesley, que marchou a partir de Coimbra para expulsar os Franceses do Porto. Perante a vasta destruição de aldeias e de monumentos e a morte de muitos Portugueses, os Ingleses contra-atacam e, através da sua estratégia militar, reconquistam o Porto, libertando a cidade do jugo francês, e recuperam outras terras no Minho e em Trás-os-Montes. Após muitas lutas sangrentas, o exército anglo-luso expulsa as tropas francesas de Portugal, mas seguem-se outras batalhas em Espanha, onde os Gauleses cometiam muitos saques. Todo o canto VIII, constitui um relato do auxílio que as forças anglo-lusas prestaram aos Espanhóis contra Napoleão. Após muitos avanços e recuos de parte a parte, batalhas ferozes (como as de Toledo e Talavera), conversações e estratégias militares, o exército aliado, comandado por Wellesley, consegue afugentar as tropas inimigas, as quais recuam deixando muitos cadáveres no campo de batalha e sofrendo inúmeras derrotas. O canto IX dá conta da terceira e última investida do furioso Napoleão após a humilhação sofrida, encontrando-se novamente protegido pela Vanglória. Confia a Massena uma nova invasão e um novo plano: unir-se, com o seu exército grandioso, aos exércitos que se encontram ainda em Espanha e dirigir-se para Portugal, invadindo as suas províncias e destruindo vilas e cidades. Massena parte e rapidamente conquista Cidade Rodrigo e Évora, mas os Portugueses alcançam feitos louváveis, o que enfurece Napoleão. Massena avança sobre as fronteiras e conquista com sucesso a praça de Almeida e outras terras perante o desânimo luso. Mas as suas vitórias são efémeras, pois sofre uma estrondosa derrota na batalha do Buçaco, às mãos dos generais ingleses Wellington e Beresford. Por fim, no canto X, o narrador descreve os planos finais de Massena para conquistar Lisboa, enquanto as tropas de Wellington recuam estrategicamente para depois encurralar os inimigos. Preso num labirinto, Massena assiste à doença, à fome e à deserção das suas tropas e começa a blasfemar contra Deus, perante a indignação do narrador. Os exércitos gauleses sofrem nova derrota junto ao rio Soure e são expulsos de outras zonas do país, não sem deixar um rasto de destruição como forma de vingança. O próprio Massena foge durante a batalha do Sabugal, sendo secundado pelo seu exército, o que será um motivo de desonra e vergonha para o general. Também em Espanha o exército anglo-castelhano expulsa os Franceses e, em França, Napoleão vocifera contra a Vanglória devido às derrotas sofridas, perdendo o seu apoio e proteção. Após a vitória final das nações aliadas, o autor, nas últimas páginas de Georgeida, tece ferozes reflexões e opiniões pessoais, maldizendo a desmedida ambição de Napoleão, a sua avareza e crueldade, caracterizando-o como cego e inumano, homem pior que Nero e prevendo a sua queda e punição futuras. Até imagina o dia do Juízo Final, no qual o Imperador prestará contas a Deus e receberá a sentença de habitar os “negros abismos”. Imagina que Napoleão se arrependerá, mas tardiamente, não havendo perdão possível para uma “alma ingrata” a Deus, “sempre escrava / Da ambição, da vanglória e do capricho” (idem, 184), uma alma “ingrata, criminosa, torpe”, que ditou leis injustas aos homens a partir de França para os enredar no labirinto das suas “vãs paixões desenfreadas” (Id., Ibid., 184-185). Já em cantos anteriores previra a destruição dos projetos de Napoleão, um “monstro em França” (Id., Ibid., 116), que apenas pretendeu devorar a humanidade. Às críticas, seguem-se os elogios finais a George, que praticou a justiça, esmagou o vício, preservou a virtude e a inocência, foi filantropo, esteve sempre pronto para ajudar Portugal em prol da razão e da justiça, protegeu os seus vassalos e valorizou a arte e as ciências. Em momentos anteriores da narrativa, o autor já tentara imortalizar as proezas notáveis de muitos heróis sob o comando deste Monarca inglês, prevendo que os seus sucessos ecoariam pelo mundo e seriam invejados. Ao engrandecer o Rei, enaltece também a nação britânica por ter auxiliado Portugal, mostrando a sua constância, lealdade, honra e filantropia. Agradece igualmente à Providência, que protegeu Portugal e guiou os caminhos do Monarca inglês, assim como aos guerreiros britânicos e portugueses “que por suas ações, suas proezas, / Sendo humanos, divinos se tornarão” (Id., Ibid., 188). O autor exalta o príncipe regente D. João VI e, de um modo geral, a valentia dos guerreiros ingleses, portugueses e espanhóis, mitificando-os e elevando-os a uma categoria quase divina e semi-imortal. Termina Georgeida exaltando a felicidade de um Portugal em paz, com a ajuda de Deus. É curioso verificar que, ao longo de toda a obra, Medina e Vasconcelos introduz diversas notas de rodapé laterais explicativas das suas opções metodológicas e ideológicas e das expressões utilizadas. Justifica, por exemplo, o elogio a um herói vivo, quando os cânones clássicos “obrigam” a que o herói épico já esteja morto (George é o maior dos heróis mortais vivos que serve de exemplo aos vindouros). Não se coíbe, nas referidas notas, de criticar Napoleão, embora não tanto como desejaria, para manter ainda uma certa imparcialidade. Porém, a partir de finais do canto V e com o avolumar das atrocidades que narra, promete não mais se conter nas críticas ao Francês. Para poupar o leitor, rejeita relatar todos os horrores da guerra que pesquisou e mantém sempre, nas referidas notas, uma tentativa de aproximação ao rigor factual, com referências a datas e validação das fontes consultadas. Em suma, o autor quis construir uma narrativa épica de acordo com os preceitos clássicos, não só ao nível da estrutura externa, como da interna (partes constituintes, mitificação do herói, episódios bélicos, mitológicos e históricos, reflexões pessoais em final de canto), inserindo igualmente valores românticos próprios da época em que viveu. No entanto, como observa Inocêncio Francisco da Silva, “Medina e Vasconcelos, tanto em Georgeida como em Zargueida, parece não ter tido o talento suficiente para a empresa épica e, por isso, os dois poemas são apenas medíocres, se bem que não faltem episódios agradáveis à leitura e que não deslustram a musa” (PORTO DA CRUZ, 1951, II, 6-7).   João Carlos Costa (atualizado a 01.02.2017)

Literatura

gain, louis

O cientista francês Louis Gain participou em várias expedições oceanográficas e foi autor de numerosos estudos. Passou pela Madeira em 1911 e recolheu algumas algas marinhas nas praias e rochas do arquipélago, publicando o estudo “Algues provenant des campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bullet de l’Institut Océanographique (1914). Palavras-chave: ciências; expedições científicas; Madeira.     Louis Gain foi um naturalista francês que participou em várias expedições científicas. Neste âmbito, terá passado pela Madeira em 1911, com alguns companheiros. Nasceu em Mortain (Manche), a 22 de setembro de 1883 e faleceu em Dreux, a 31 de janeiro de 1963. Era filho de Désiré Gain e de Léonie Briard e tinha três irmãos (Alice, Gustave e Luce). Licenciou-se em Ciências, candidatou-se ao doutoramento em Anatomia Comparada do Museu de História Natural de Paris, pertenceu ao regimento de infantaria 101 do Exército e foi vice-diretor do Instituto Nacional de Meteorologia. Participou em diversas expedições científicas, passando pela Antártida, África e Ásia Central. Nos alvores do séc. XX, depois de já terem sido realizadas inúmeras explorações pelo mundo, as atenções dos cientistas centram-se em terras mais distantes e ainda pouco conhecidas. Neste contexto, Louis Gain, naturalista do Museu Nacional de História Natural, fez parte da expedição à Antártida, que durou quase dois anos (1908-1910), a bordo do veleiro Pourquoi Pas?, comandada por Jean-Baptiste Charcot. Na comitiva seguiam outros cientistas, incluindo o meteorologista Jules Rouch, que viria a ser seu cunhado em 1913, ao casar-se com sua irmã Luce. Gain observou a flora e fauna da Antártida, mas também se interessou pelo trabalho de Jules Rouch, anotando no seu diário numerosas observações meteorológicas. Fez ainda registos detalhados da expedição e mais de 2000 fotografias. Parte das imagens que captou, sobretudo de pinguins, foi exposta em 2010, numa mostra intitulada Visions d’Antarctique, les compagnons du Pourquoi Pas?, nos Archives Départementales de Seine-Maritime, na cidade de Rouen. Depois de regressar a França, após a primeira missão, participou noutras expedições naturalistas. De 1911 a 1913, seguiu a bordo do navio Hirondelle II, sob o comando do príncipe Alberto I do Mónaco, tendo passado pelos arquipélagos portugueses da Madeira e dos Açores. De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, Gain “colheu algumas algas nas praias e rochas marítimas da Madeira e Deserta Grande, nos dias 11 e 12 de agosto de 1911. […] Também estudou as algas das Selvagens” (SILVA e MENESES, 1984, II, 75). Estas recolhas originam, mais tarde, a publicação do artigo “Algues Provenant des Campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bulletin de l’Institut Océanographique, do Mónaco. Ainda em 1913, com Jean Polignac ao comando de uma campanha que durou cerca de cinco meses, viajou no navio Sylvana e escalou a costa africana, passando pelo Senegal e pela Guiné. No ano seguinte, de abril a julho, realizou uma missão na Ásia Central com seu irmão Gustave. Os irmãos Gain fotografaram os povos dos países visitados, levando um registo de imagens coloridas (que eram raras na época) do seu contacto com outras culturas. No decorrer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) tornou-se oficial meteorologista, sendo nomeado, em setembro de 1919, chefe do Serviço de Meteorologia da Navegação Aérea; em 1921, tornou-se inspetor-geral do Instituto Nacional de Meteorologia (ONM) e em 1934 vice-diretor daquela instituição, cargo que ocupa até 1940, realizando importantes trabalhos para o desenvolvimento da rede nacional de observação meteorológica. Em 1924 e em 1931, L. Gain embarcou em mais duas expedições de carácter científico, embora nestas vezes seguisse como meteorologista, tendo também participado na preparação do Ano Polar Internacional (1932-1933). Louis Gain aposentou-se oficialmente a 9 de julho de 1939, ainda que, na verdade, tivesse garantido a gestão operacional até 1 de outubro de 1940. Mesmo reformado manteve-se ativo, cooperando na criação do Museu de Arte e História de Dreux e assumindo a presidência dos Amigos do Museu, Biblioteca e Arquivos, de 1960 a 1963. Gain deixou ao Museu um importante legado constituído por álbuns de fotografias e diários, registados durante a sua expedição à Antártida com Jean-Baptiste Charcot. O seu trabalho como cientista foi reconhecido em 1913, ano em que lhe foi atribuído o grau de Chevalier de la Légion d’Honneur (decreto presidencial de 8 de agosto); em 1932, recebeu o grau de Officier de la Légion d'Honnneur (decreto presidencial de 15 de dezembro). Sendo autor de uma vasta bibliografia, publicou diversos estudos, muitos dos quais relacionados com a sua experiência nas expedições científicas, em volume e em periódicos especializados, como a revista La Météorologie e o Bulletin de l'Institut Océanographique, entre outros. Obras de Louis Gain: “Algues Provenant des Campagnes de l’ Hirondelle II-1911 à 1912” (1914).       Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

fernandes, olímpia pio

(Funchal, 1830-?, 1890) Escritora, colaborou em vários jornais da imprensa regional e em revistas literárias do continente. Sob o pseudónimo César Perdigão, escreveu, em 1877, um drama intitulado Alda ou Filha do Mar que foi representado em peça no teatro Esperança, no Funchal. As cenas fundamentais desta composição foram publicadas posteriormente no Diário de Notícias do Funchal. Palavras-chave: literatura; imprensa periódica; teatro. Nasceu no Funchal, em 1830, e faleceu em local desconhecido, na déc. de 1890. São escassas as informações biográficas sobre esta escritora madeirense. Sabe-se que foi professora e que integrou a mesa de assembleia da Associação de Proteção e Instrução do Sexo Feminino Funchalense, presidida por João da Câmara Leme, conde do Canavial. Cooperou com a Sociedade de Concertos Funchalense e terá vivido no Porto, onde foi professora do ensino primário. Colaborou em vários jornais da imprensa regional e em revistas literárias do continente, e escreveu, em 1877, um drama intitulado Alda ou Filha do Mar, que foi representado, em maio do mesmo ano, no Teatro Esperança do Funchal, tendo recebido os maiores aplausos da assistência. As cenas fundamentais deste drama foram publicadas posteriormente num jornal do Funchal. Possuía uma vasta cultura artística e gozava de prestígio nos meios intelectuais da sua época, tanto no Funchal como em Lisboa. Dedicou-se à literatura e consta que os seus escritos tiveram uma boa receção junto dos leitores. Recebia rasgados elogios, entre os quais um de uma leitora, cuja identidade não é referida, que está transcrito no Elucidário Madeirense, na pág. 29 do vol. II: “Tenho lido com interesse todas as outras produções da distinta escritora, e ou eu estarei muito enganada, ou s. ex.ª há de ocupar, ainda um dia, um dos primeiros lugares entre as senhoras que cultivam as letras”. Olímpia Pio Fernandes manteve correspondência com Joana de Castelbranco e Mariana Xavier da Silva, entre outras escritoras e escritores madeirenses. Publicou textos poéticos, dramáticos e contos na imprensa periódica funchalense, sob o pseudónimo de César Ortigão, especialmente em O Direito e no Diário de Notícias do Funchal, entre outros jornais. Nestas publicações, e.g., foi autora de: “Uma simples narrativa” (DN, 03 dez. 1876); “Heroísmo” (DN, 18 jan. 1877); “A mulher” (DN, 04 jan. 1877); “Scenas campestres: o despertar na cabana” (DN, 29 maio 1877); “A esperança” (DN, 29 jun. 1877); “À ex.ma snr.a D. Marianna S. F.” (DN, 01 jul. 1877); “Maria” (DN, 11 set. 1877); “A criança” (DN, 23 fev. 1877). Tendo-se tornado uma madeirense ilustre, passou a residir fora da Ilha; porém, apesar de até então ter cultivado na Madeira as letras com brilho e com justificada reputação, não há conhecimento sobre outros escritos desta autora. Obras de Olímpia Pio Fernandes: Alda ou Filha do Mar (1877); “Uma simples narrativa” (1876); “Heroísmo” (1877); “A mulher” (1877); “Scenas campestres: o despertar na cabana” (1877); “A esperança” (1877); “À ex.ma snr.a D. Marianna S. F.” (1877); “Maria” (1877); “A criança” (1877).   António José Borges (atualizado a 23.01.2017)

Literatura

comércio do funchal

O Comércio do Funchal teve a sua 1.ª edição em 1866 sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira, mantendo-se a sua publicação até ao n.° 13, em 1867. Reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso a 15 de agosto do mesmo ano. No ano de 1966, um grupo de democratas madeirenses, que tinham atividade profissional ligada à agência de publicidade Foco, uma das duas primeiras agências de publicidade da Madeira, pretendendo fazer ouvir a sua voz através de um jornal autónomo e sem dependência editorial de terceiros, decidiu abalançar-se à publicação de um semanário. Na impossibilidade política e prática, devido à ditadura de Salazar, de criar um título novo, optou por “refundar” o CF, semanário já existente, arrendando-o ao seu proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, e criando a sigla CF, para retirar significado ao nome original. Além de ser o proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, embora sem exercer o cargo, figurava como diretor do jornal pois, face à legislação vigente, não era possível substituí-lo, aparecendo Vicente Jorge Silva como diretor interino, situação que se manteve até ao 25 de Abril. No grupo inicial de fundadores, que transcendeu os provenientes da Foco, contavam-se Artur Andrade (pai), António Aragão Mendes Correia, José Manuel Barroso, Vítor Rosado, Luís Manuel Angélica, Ricardo França Jardim, José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira, entre outros. Alguns destes fundadores, apesar de já terem colaborado com outros periódicos regionais, Diário da Madeira, Jornal da Madeira e Eco do Funchal, não possuíam, no entanto, a experiência da publicação autónoma, o que não impediu que o grafismo adotado fosse inovador para a época, bem como a singularidade na escolha da cor (cor-de-rosa), que se ficou a dever ao facto de o preço deste papel ser o mais barato. Apesar da inexperiência e de todos os condicionamentos económicos e políticos, o grupo partilhava, para além da oposição ao regime salazarista, uma decidida vontade de inovar no jornalismo madeirense, rompendo, com esta proposta, o marasmo e a apatia reinantes, levando a liberdade de expressão o mais longe que a censura permitisse. Todos esses constrangimentos obrigavam a que, além de quatro funcionários administrativos, só dois elementos da redação, com dedicação exclusiva, auferissem ordenado. O CF existia graças ao apoio duma certa intelectualidade madeirense e nacional, tendo-se afirmado no panorama da imprensa nacional, com particular incidência junto da juventude universitária e dos milicianos que lutavam nas colónias, leitores fiéis, que constituíam quase exclusivamente o sustentáculo económico do jornal. Esta projeção valeu-lhe, no entanto, fortes dissabores com a censura e, posteriormente, com o exame prévio de Marcelo Caetano. Eram feitos, sistematicamente, cortes parciais e integrais em artigos, que tinham de ser substituídos em cima da hora de fecho da edição, tornando a saída de cada número uma odisseia. O periódico foi, inclusivamente, suspenso pela censura entre maio e outubro de 1968. O CF era paginado às quartas-feiras na Tipografia Minerva, situada na R. dos Netos, onde também era paginado o semanário Voz da Madeira, no qual colaborava Alberto João Jardim. Posteriormente, o jornal era dobrado manualmente e expedido, de modo a estar nas bancas no fim de semana. O jornal Voz da Madeira, da responsabilidade de Agostinho Cardoso, tio e figura tutelar de Alberto João Jardim, defendia e veiculava as ideias e posições da União Nacional e do regime salazarista. Todo o trabalho de dobragem e expedição do CF era realizado com recurso a trabalho voluntário predominantemente por pessoas ligadas à Juventude Operária Católica (JOC). A JOC, caso inédito a nível nacional, apesar de ser um movimento ligado à Igreja Católica, defendia e tinha na Madeira uma militância de esquerda. O CF chegou a atingir tiragens de 15.000 exemplares, a maioria dos quais expedidos para fora da Madeira. As receitas mal chegavam para cobrir os custos de edição e expedição para o continente e para as colónias, sendo o preço de venda do jornal nas colónias inclusivamente inferior ao preço dos portes. Ao longo da sua existência, o jornal ocupou várias sedes, respetivamente na R. dos Aranhas, na Av. do Mar, na R. do Seminário, na R. dos Netos, sendo a sua última fase na R. do Carmo (cedida gratuitamente pelo seu maior mecenas, o médico França Jardim). Paralelamente à sua atividade editorial, o CF apoiava e divulgava nas suas páginas toda uma série de iniciativas de âmbito cultural, fomentando um debate aberto e plural na sociedade madeirense. De entre essas iniciativas inéditas destacam-se debates sobre temas pertinentes tais como: a situação do turismo, a cultura na Madeira e o plano de urbanização do Funchal, da autoria de José Rafael Botelho, prestigiado arquiteto de esquerda, por encomenda do então presidente da Câmara do Funchal, Fernando Couto, plano esse que dividiu profundamente a sociedade madeirense. Outro dos assuntos debatidos versava o tema Portugal perante a Europa, participando nesses debates figuras regionais, algumas com ligações ao regime, e personalidades nacionais de relevo como Francisco Balsemão, António Barreto e João Martins Pereira. Desde os primeiros tempos interiorizou e assumiu o CF o desejo de autonomia como um dos seus traços mais característicos, não só a nível político e administrativo, face à centralização paternalista, asfixiante e castradora do salazarismo, mas um desejo de autonomia das próprias pessoas, no que se refere à sua dignidade de cidadãos. Quando começou a aventura do CF encarava-se a autonomia enquanto conceito libertador da secular dependência e do subdesenvolvimento da Madeira, sendo esse sentimento partilhado por um leque de pessoas dos mais variados quadrantes sociais e políticos, incluindo até responsáveis da União Nacional salazarista, como Agostinho Cardoso.   O CF e a censura do regime salazarista As contradições da época, o isolamento e a quietude social e política da Madeira permitiram que o CF tivesse beneficiado de um ambiente menos hostil à sua difusão local e ao seu posterior crescimento a nível nacional. Ao contrário do que se passava no resto do país, onde os censores eram numerosos e anónimos, na Madeira os censores não possuíam enquadramento ideológico seguro, tendo por vezes de aceitar essas funções, para as quais não estavam vocacionados, por arrasto doutras profissões que exerciam. Graças à proximidade e às boas relações pessoais existentes, era possível estabelecer um diálogo civilizado com os censores, sendo a censura na Madeira de certo modo mais benigna e sendo possível negociar cortes e proibições. Tinham os jornalistas e redatores uma luta constante para “escrever nas entrelinhas” de modo a que os censores não se apercebessem da verdadeira mensagem que estava a ser veiculada de forma sub-reptícia. Contudo, essa situação não se manteve eternamente e, a partir de uma edição sobre o Maio de 68 em França, arrancada quase a ferros ao censor, veio uma ordem do poder central para o CF ser censurado em Lisboa. Considerou o CF que, se obedecesse a essa ordem, estaria a criar um precedente gravíssimo e definitivo. A estratégia adotada foi a de interceder junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional, invocando, por um lado, precisamente o (alegado e formal) regime de autonomia atribuído às chamadas ilhas adjacentes (distrito autónomo) e, por outro lado, argumentando que todo o material publicado na edição em questão tinha sido previamente visado pela censura local e que deste modo “não havia infringido nenhuma regra ou publicado material interdito […] e que se os textos dessa edição tinham sido carimbados e aprovados pela censura local e, além disso, se existia esse regime autonómico (apesar de formal), então o CF estava a ser alvo de uma medida claramente discricionária e até de uma flagrante ilegalidade” (SILVA, 2006, 19). No entanto, teve de se esperar que Salazar fosse substituído por Marcelo Caetano, iniciando-se a chamada “primavera marcelista” (fictícia primavera política), para que a coação exercida de forma continuada junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional produzisse resultados. Apesar de ter nascido e ser editado na Madeira, o CF implementou-se em Portugal continental, junto dum público fidelizado, o que, até então, nenhum órgão de comunicação madeirense alcançara. Progressivamente, o CF foi-se afirmando a nível nacional, assumindo o papel de ponto de encontro, de plataforma nacional que espelhava debates ideológicos que as esquerdas, em especial as esquerdas universitárias, vinham travando. Essa abertura alterou, contudo, o “centro de gravidade” do jornal, que de algum modo, e pouco a pouco, começou a refletir as posições políticas e ideológicas dos seus colaboradores. Apesar de debater e refletir os grandes temas de discussão nacional, o CF nunca perdeu de vista nem descurou as suas raízes, dedicando, de forma continuada e permanente, atenção aos temas regionais, tendo inclusivamente uma secção específica para o efeito, a secção “Aqui e Agora”. Os tempos eram contudo de tempestade política que prenunciava, aliás, o fim do Estado Novo. Ninguém escapou a esse movimento que exacerbou as divergências entre as várias tendências da esquerda mais radical, acentuando clivagens ideológicas e o sectarismo das correntes maoistas, neoestalinistas e trotskistas, tanto por parte dos leitores como dos colaboradores. A descontinuidade geográfica em relação ao continente e a circunstância de se encontrar longe do epicentro das lutas que se travavam permitiu uma providencial distanciação física e ideológica insular ou, se se quiser, provinciana, filtrando e atenuando as mais exuberantes manifestações, preservando e possibilitando a existência dum resguardo. Por outro lado, a linha não engajada, que era a linha do socialismo libertário, da autogestão, da social-democracia norte europeia, prosseguida por Vicente Jorge Silva, principal responsável editorial do jornal, conseguiu durante algum tempo exercer uma arbitragem eficaz, mesmo que quixotesca, junto às posições opostas e cada vez mais extremadas dos colaboradores do CF.   O CF e o 25 de Abril Citando o próprio Vicente Jorge Silva, “quando acontece o 25 de Abril, o Comércio do Funchal constituía o núcleo central da oposição visível à ditadura na Madeira. Tinha sido a partir do Comércio do Funchal que se tinha tomado a iniciativa da chamada Carta ao Governador (que era então o coronel Braamcamp Sobral, um homem de grande estreiteza mental e que fazia pressões sistemáticas junto da censura para criar dificuldades crescentes ao jornal). Tinha sido também a partir do CF que se organizou a lista da oposição às eleições de 1969. Nessas iniciativas é justo destacar o papel de José Manuel Barroso e António Loja. Entretanto, tinham afluído ao jornal pessoas de novas proveniências, nomeadamente, a nível local, do militantismo católico e que em grande parte acabariam por converter-se, mais tarde, ao marxismo-leninismo. Foi-se verificando, assim, um choque de tendências entre a chamada oposição moderada e a oposição mais esquerdista que se refletiu também no interior do Comércio do Funchal, onde a influência do esquerdismo predominava (e a que não eram estranhos a maioria dos colaboradores radicados no continente)” (SILVA, 2006, 21). À medida que as posições ideológicas se extremavam, tornava-se cada vez mais difícil a situação de Vicente Jorge Silva, emparedado entre essas tendências, porque, por um lado, considerava a chamada oposição moderada e republicana, protagonizada pelos que mais tarde viriam a fundar o Partido Socialista, demasiado branda, mas, por outro lado, não se identificava “nem com o comunismo soviético (o Comércio do Funchal era, aliás, muito crítico em relação à URSS e aos regimes de Leste), nem com as correntes maoistas dominantes na juventude universitária onde o jornal tinha forte implantação” (SILVA, 2006, 22). O 25 de Abril tomou a todos de surpresa. Nas primeiras horas, a falta de informação e a informação contraditória não permitia descortinar quem eram os reais autores do golpe e a sua verdadeira dimensão, correndo inclusivamente, nessa altura, o boato de que se poderia tratar de um golpe de extrema-direita protagonizado por Kaúlza de Arriaga. Nos dias seguintes, à medida que ia chegando informação de que se tratava da queda do regime, a assimilação das suas verdadeiras implicações por parte dos madeirenses, incluindo as autoridades civis e militares, não foi imediata, pelo que se viveu “na Madeira um tempo de confusão verdadeiramente surreal, em que as autoridades locais fingiam comportar-se como se nada se tivesse passado (apesar de Tomás e Caetano terem sido enviados sob prisão para o Funchal) e em que alguns agentes da PIDE apareciam nos cafés falando em voz alta para serem ouvidos nas mesas vizinhas, alegando que nunca tinham feito mal a ninguém. Sentia-se que era preciso reagir, fazer qualquer coisa, mostrar que o 25 de Abril também tinha chegado à Madeira, apesar de não ter havido na ilha nenhuma movimentação militar. Ora, as comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade constituíam uma ocasião particularmente propícia para isso. E foi a partir das instalações do Comércio do Funchal, transformadas em quartel-general, que se organizou a manifestação do 1.º de Maio que juntou dezenas de milhares de pessoas ao longo das ruas do Funchal, passando pelo palácio de S. Lourenço onde estavam detidos Tomás, Caetano e ministros da ditadura como Moreira Baptista e Silva Cunha, até terminar no largo do Colégio. Os discursos foram feitos a partir da varanda da Câmara Municipal (alguns elementos do MFA destacados na Madeira tinham colaborado na parte logística) que decidimos ocupar simbolicamente, até para exigir a demissão dos responsáveis do antigo regime que se mantinham placidamente nos seus postos, fingindo ignorar o que acontecera no país” (SILVA, 2006, 22). Com a Revolução de 25 de abril, o tradicional papel histórico do CF, sem ninguém disso se aperceber, estava paulatinamente a chegar ao fim. Na primeira edição do período depois do 25 de Abril, dada a indefinição existente, nem se sabia ao certo se seria ou não necessário submete-lo à censura. Nos dias, seguintes, multiplicavam-se as edições, à medida que surgiam novos desenvolvimentos. Foram dias de frenesim e excitação revolucionária, com novos desenvolvimentos hora a hora, minuto a minuto. A excitação e a euforia revolucionária desses dias forneciam a energia para ultrapassar o cansaço. Para além de assegurar as múltiplas tarefas inerentes às sucessivas edições, o núcleo de pessoas pertencentes ao CF teve de conciliar essa ação com as atividades emergentes da militância política. Rapidamente se colocou a questão de saber qual o papel que o jornal deveria assumir futuramente. Adquirido era apenas o facto de que continuaria a ser de esquerda, porém estava em questão se deveria continuar a ser uma publicação politicamente autónoma e independente ou se, pelo contrário, deveria tornar-se o porta-voz de um movimento político e partidário. Vicente Jorge Silva e o núcleo duro dos fundadores moderados defendiam a primeira alternativa, mas estavam claramente em minoria face à vontade dominante, que acabaria por prevalecer. Entretanto, fora criado um movimento político, a União do Povo da Madeira (UPM), que juntou a oposição mais à esquerda, e ao qual aderiram também muitos recém-chegados à democracia. A certa altura, chegou-se a verificar um mimetismo entre a redação do CF e os órgãos de cúpula da UPM, cujos membros eram oriundos em parte dos movimentos cristãos da juventude, embora incluíssem também outros militantes, nomeadamente Liberato Fernandes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martins, que formaram uma tendência claramente maoista no interior do CF. A oposição mais tradicional ao regime lançou o Movimento Democrático da Madeira (MDM). “Apesar de algumas tentativas para aproximar os dois movimentos, o corte consumou-se, em larga medida devido à irredutibilidade do chefe do MDM, Fernando Rebelo. O MDM chegou rapidamente ao poder transitório da época, mas acabou também rapidamente por consumir-se no fogo-fátuo do PREC madeirense. Quanto à UPM, tornou-se progressivamente uma sucursal da UDP e ganhou um cariz cada vez mais radical e populista, propagando as teses da revolução operária e camponesa numa terra sociologicamente muito conservadora e marcada pelo caciquismo político-religioso. Um caciquismo a que o novo bispo do Funchal, Francisco Santana, não deixou de recorrer em força: foi ele, aliás, quem escolheu Alberto João Jardim para diretor do jornal da Diocese, o Jornal da Madeira, dando-lhe a notoriedade e a cobertura para lançar a carreira política que se conhece” (SILVA, 2006, 24) Com a fragmentação e clivagem que se verificou, bem como com a consequente radicalização das diferentes fações ideológicas no interior do CF, assumiu preponderância a linha ligada à UPM, com as suas teses marxistas-leninistas-maoistas. Uma das suas exigências era a da fixação dum salário mínimo regional igual ao do continente, sem se considerar a exiguidade e sustentabilidade económica dessa medida, i.e., a possível falência das empresas e o consequente desemprego que poderia provocar. A UPM estava interessada predominantemente na luta de classes e nas teses que dela decorriam, pelo que não olhava com bons olhos os editoriais – do seu ponto de vista pouco ortodoxos –assinados por Vicente Jorge Silva nem o facto de este não estar engajado em qualquer das correntes dominantes e se encontrar preocupado com questões de outra ordem, como as relacionadas com autonomia da Madeira, que não eram consideradas como tendo valia suficientemente revolucionária e que representavam, no entender dos seus delatores, graves desvios em relação à “linha correta” por eles prosseguida. Essas críticas, partilhadas por parte significativa dos colaboradores regulares de Lisboa, foram aumentando de tom até se tornarem insustentáveis e conduzirem ao pedido de demissão de Vicente Jorge Silva, que posteriormente prosseguiu uma carreira profissional a nível da imprensa nacional, desempenhando cargos de chefia no Público e no Expresso. Com a liberdade trazida pelo 25 de Abril, deixou de sociologicamente fazer sentido uma plataforma de encontro entre as várias tendências da esquerda portuguesa, que até aí tinham conseguido coexistir de forma relativamente pacífica e que eram a base de sustentabilidade do CF. As diferentes tendências ou partidos criaram os seus próprios órgãos de comunicação social. Com a saída de Vicente Jorge Silva, chegou ao fim a linha editorial que o CF prosseguira, tendo a tendência ligada à UPM (futuramente União Democrática Popular e Bloco de Esquerda) feito dele o seu órgão de comunicação. Mais tarde, a comissão de trabalhadores, liderada por Vasco Sousa, saneou os elementos maoistas da UPM e assumiu a direção do jornal, tendo-se, por razões táticas que se prenderam sobretudo com a sustentabilidade do periódico, aliado ao Partido Comunista Português. Contudo, tal aliança não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do jornal, o qual veio a encerrar algum tempo depois, tendo perdido toda a importância e o prestígio que a oposição ao regime de Salazar e Caetano lhe tinham granjeado.   Helder Melim (atualizado a 28.01.2017)

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