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fortes da ribeira dos socorridos

Quando Zarco e os seus companheiros deram a primeira volta de reconhecimento à Ilha, ao passarem por uma ribeira caudalosa, dois rapazes de Lagos que acompanhavam o futuro capitão aventuraram-se a nado na foz da mesma; por terem sido socorridos, ficou o nome de ribeira dos Acorridos ou ribeira dos Socorridos. Com uma larga praia propícia a desembarques, podia ser testa-de-ponte para ataques à vizinha localidade de Câmara de Lobos ou ao Funchal, como tinha sido a praia Formosa. Assim, as primeiras informações que temos da construção das defesas da ribeira dos Socorridos devem-se a Mateus Fernandes, no seu sumário relatório de cerca de 1595. Escreveu o mesmo, que “na ribeira dos Acorridos, a uma légua do Funchal, mandou sua alteza, que está em glória”, em princípio D. Sebastião, embora os alvarás tivessem sido assinados pelo seu tio-avô cardeal D. Henrique, “fazer uns lanços de muros com seus traveses, com os quais se fecha a dita cidade pela parte de poente e todos os que vêm por terra daquela parte entram por uma porta que está no dito muro, entre traveses que a defendem” (ANTT, Cartas Missivas, 2-53). Acrescenta ainda, que “dos quais traveses, um deles ficara com a praça desentulhada e é necessário ver-se quem a desentulhou, para que a torne a terraplanar à sua custa” (Id., ibid.). O pano de muralha que envolvia, assim, a escarpa nascente da ribeira, que ainda fotografámos na década de 80 do século passado, com os seus traveses e espaldões para bocas-de-fogo, constituiu, portanto, o forte da ribeira dos Socorridos, cujas muralhas desciam até à praia e tapavam qualquer acesso ao Funchal. Temos várias informações de terem ocorrido obras nesta área ao longo do séc. XVII, apontando o forte como, essencialmente, uma vigia (Vigias), tal como indica a reconstrução de 1642. Neste ano, em março, foram entregues ao capitão Bartolomeu Fernandes Pereira, da companhia de ordenanças da ribeira 4$000 réis de 500 telhas, a cinco réis cada e pagaram-se mais $300 réis ao ferreiro Gaspar Gonçalves, por quatro “camelos” para o ferrolho da porta do muro e da fechadura e chave, com seus pregos. O transporte foi feito duas semanas depois, pagando-se aos quatro negros que as levaram aos barcos, $080 réis, remunerando-se também Manuel Gonçalves, arrais, por transportar no seu barco as portas, 500 telhas e duas sacas de cal. No entanto, chegadas as portas à foz da ribeira dos Socorridos, descobriu-se que lhes faltavam os suportes, que só então foram mandados fazer. Pagou-se depois, ao mesmo Gaspar Gonçalves, serralheiro, por dois mancais e duas argolas para a porta do muro, $320 réis. Em abril desse ano, no entanto, as contas da obra da ribeira dos Socorridos não estavam todas saldadas, pagando-se ainda mais algumas telhas ao capitão Bartolomeu Fernandes. Nos séculos seguintes, quer o reduto da ribeira dos Socorridos, quer outros dois pequenos redutos feitos na área, eram tidos como fortes. O tenente-coronel António Pedro de Azevedo (1812-1889) em 1868, teceu algumas considerações sobre a necessidade de reconstruir os fortes da foz da ribeira dos Socorridos. Nessa data, encontrava-se em construção a nova estrada de ligação a Câmara de Lobos, na continuação da estrada monumental, pelo que as reticências anteriores sobre as difíceis comunicações em breve deixaram de ser verdade, impondo-se uma outra atenção para esta área. A bateria da ribeira dos Socorridos era constituída por uma esplanada de 16 m, a morrer na falda da escarpa e com uma casa da guarda interior, com 7 m x 4,75 m, confrontado com terrenos do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888). As recomendações do engenheiro não tiveram acolhimento e, a 1 de janeiro de 1895, a área foi arrendada a João Blandy, por 1$400 réis. No entanto, a muralha envolvendo a escarpa e marcada por cordão relevado ainda subsiste. A margem oposta da ribeira dos Socorridos, entretanto, foi igualmente dotada de um pequeno forte, que recebeu o nome de uma fazenda e produto da área: Pastel. A construção deve ser posterior a 1817, dado Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) não fazer qualquer referência ao edifício, e deve datar da época das campanhas liberais. Muito provavelmente, terá sido feito por um dos proprietários locais, possivelmente o 1.º conde de Carvalhal (1778-1837) dado que eram terrenos seus. O reduto do Pastel era “uma insignificante bateria”, como escreveu António Pedro de Azevedo (DSIE, Gabinete..., n.º 5525, 1A-12A-16), com 10 m x 4 m, embora ocupasse uma importante posição estratégica na escarpa. Possuía somente lugar para duas bocas-de-fogo e uma “escavação, ou abrigo aberto na rocha”, ou seja, uma furna, onde chegou a residir o fiel de munições (Id., Ibid.). Confrontava por todos os lados com terrenos pertencentes então ao 2.º conde de Carvalhal. Escreveu ainda o engenheiro Azevedo que teria possuído uma escada de nove degraus, obstruída em 1868 pelas obras da nova estrada. Veio a ser entregue às Obras Públicas depois de 1896, para ampliação da estrada monumental. Numa pequena plataforma das margens da ribeira dos Socorridos, foi levantada, por instituição de Francisco de Bettencourt, em 1594 e como sede de morgado, uma capela dedicada a N.ª S.ª da Vitória, que estaria concluída em 1609, conforme a data que ainda ostenta. Segundo António Pedro de Azevedo, por volta de 1831 e em apoio a um engenho de açúcar da casa Carvalhal, foi erigido um pequeno forte que confrontava, em 1868, com terrenos dessa casa senhorial que passaram depois à posse de João Blandy e do antigo caseiro do conde, Manuel Afonso, cujo terreno era necessário transpor para se chegar ao forte. O forte de N.ª S.ª da Vitória era uma pequena bateria montada num baluarte pentagonal, com entrada por nascente e que utilizava como casa da guarda também uma furna, logo à entrada. Muito arruinado, foi arrendado, a 31 de janeiro de 1896 e sobreviveu até aos finais do séc. XX, tendo sido parcialmente demolido em 1989, com a ampliação das instalações industriais ali construídas.     Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

Arquitetura História Militar Património

pronunciamento militar na madeira

Os problemas económicos de Portugal foram uma constante ao longo da sua história. A Madeira foi, desde o seu povoamento até 1470, excedentária na produção de trigo; a partir de então foi sempre carenciada, assistindo a uma sucessão de intermitências no abastecimento e fomes cíclicas. Tal ficou a dever-se, em parte, à opção pela produção açucareira. Nos finais do séc. XIX, surgiram tendências monopolistas, que persistiram e se tornaram a matriz da economia madeirense durante as primeiras sete décadas do século XX. O descontentamento manifestou-se com a “questão sacarina”, agravou-se nas décs. de 1920 e seguinte, abrangendo outros sectores fundamentais como o moageiro e os laticínios, mas foi na bancarrota das casas bancárias funchalenses que se deram as situações mais graves. A denominada Revolta da Farinha, que teve lugar na Madeira entre 4 e 9 de fevereiro de 1931, foi uma revolta espontânea de cariz popular contra o decreto n.º 19.273, de 29 jan. 1931, o chamado “decreto da fome”, que restringia a importação do trigo a três moageiros, fazendo aumentar o preço do trigo importado. Na sequência deste protesto, os militares exilados no Funchal convenceram o gen. Sousa Dias (o mais graduado) a liderar o movimento que fora iniciado a 4 de abril desse ano com a tomada do Palácio de São Lourenço. Cerca de 2000 efetivos dos aquartelamentos do Funchal aderiram ao movimento, resistindo até à rendição, a 2 de maio seguinte, principalmente por inferioridade numérica e de qualidade de armamento. Trata-se, portanto, de duas ações com origem e motivações distintas, ligadas entre si pelo facto de os chefes do movimento militar terem aproveitado a revolta popular para mobilizar uma parte significativa dos praças madeirenses no ativo, contando simultaneamente com o apoio da população. O que se passou em 1931 está quase sempre envolto em confusa e fantasiosa interpretação, gerada fundamentalmente pela memória popular. O trabalho dos historiadores consistiu em complementar a oralidade recorrendo à imprensa e à documentação coeva. Maria Elisa Brasão e Maria Manuela Abreu observam, nos prefácios às duas edições do seu A Revolta da Madeira – 1931, que se tratou de “um dos acontecimentos notáveis da nossa História, até há bem pouco tempo credor de atenções reduzidas por parte dos nossos historiadores, mas largamente utilizado, sem a fundamentação devida, como bandeira de algumas correntes de opinião” (BRAZÃO e ABREU, 1994, 6); e também que é sua intenção repor a verdade histórica “deste movimento de oposição à Ditadura instalada em Portugal, que teve como cenário principal a ilha da Madeira” (BRAZÃO e ABREU, 2008, 15). Por sua vez, em A Revolta da Madeira, alimentando a tradição oral, João Soares explana sucintamente o desenvolvimento de duas manifestações populares que tiveram lugar na Madeira do séc. XIX, que distingue do que aconteceu na década de 1930. “A Revolta da Farinha, em 1931, e a Revolta do Leite, em 1936, são manifestações contra o regime de Salazar e só ocorrem na Madeira. […] A Revolta da Farinha […] não é propriamente a causa da revolta da Madeira de 1931 [ou seja, o Pronunciamento Militar da Madeira], mas surge como representando uma fase introdutória deste movimento” (MARQUES DA SILVA, 2014, 45). Nesta perspetiva, “esta foi, aliás, entre todas as revoltas contra a ditadura a que teve mais impacto nacional e internacional. […] A sua proximidade com a da farinha, de 6 de fevereiro do mesmo ano, é geradora de confusões. Na verdade estamos perante dois acontecimentos distintos. Em fevereiro, ocorreu a revolta popular e espontânea dos madeirenses contra o decreto regulamentador do sistema de moagens que […] pretendia estabelecer o monopólio no sector” (VIEIRA, 2001, 357). Por outro lado, logo no dia 4 de abril, Manuel Gregório Pestana Júnior falou largamente aos madeirenses, no Palácio de São Lourenço, sobre os objetivos do pronunciamento militar, gerando o primeiro título de jornal sobre este acontecimento: “No Funchal – Pronunciamento Militar” (DN, Funchal, 5 abr. 1931, 1). Noutro discurso, largamente transcrito, o preletor, Com. Sebastião da Costa, esclareceu os objetivos do pronunciamento militar e argumentou com a vivência democrática e republicana dos seus líderes, observando que o Gen. Sousa Dias e as pessoas que os acompanhavam “são mais, o mais sinceramente, contrárias ao regresso a uma vida política da República semelhante àquela que é costume representar pela palavra políticos, e que incarna nos homens que dirigiam os destinos da nação à data de 28 de Maio” (DNM, 8 abr. 1931, 3). Esta ideia – de que o movimento se baseava na legalidade democrática e desmascarava a impostura do golpe de 28 de Maio de 1926 – é propagandeada nos comunicados distribuídos à população e nos que saíram na imprensa funchalense. A perspetiva pode mesmo alargar-se, pois este movimento local, ou até insular, envolveria, segundo alguns historiadores, “os políticos radicais de Portugal, de Espanha, da França e da Itália, tendo relações com os socialistas e anarquistas desses países e com os bolchevistas de Moscovo, planearam transformações especiais na Ibéria” (BRAZÃO e ABREU, 2008, 71). No entanto, à parte as iniciativas militares que eclodiram em duas ilhas açorianas e na Guiné – nesta de pouca expressão ou efeito –, a planificação falhou no conjunto nacional. Houve mesmo um pormenor, importante para as expetativas dos elementos da Junta Revolucionária da Madeira, que falhou: a receção de um lote de armas mais modernas que as utilizadas por eles, que não embarcou no vapor Pero de Alenquer, da Companhia dos Carregadores Açoreanos, como estava previsto. Voltando à denominada Revolução da Farinha, recorde-se que se trata de um movimento espontâneo e de cariz popular. Nesse contexto, a sequência dos factos e da legislação aprovada permite aventar que as medidas tomadas não foram obra do acaso. Com efeito, o dec. n.º 18.325, publicado a 14 de maio de 1930, estabeleceu “o direito a cobrar pelo trigo e pela farinha importados pelo distrito da Horta, referente ao atual ano cerealífero” e teve repercussões na Madeira. Nesta perspetiva, uma proeminente figura política opinou que “ambos os regimes são absurdos, porque protegem o trabalho da farinação no estrangeiro. Mas o segundo ainda é mais que o primeiro […] continuar o absurdo da importação das farinhas, é evidente que pelo menos o regime fiscal da Horta e do Funchal devem ser idênticos, lucrando o tesouro alguns milhares de contos” (SOUSA, 1989, 213). Na sequência do referido absurdo de importação das farinhas, foi publicado o dec. n.º 19.273, de 22 jan. 1931, com o argumento de que no Funchal as fábricas de capitais nacionais estavam bem apetrechadas e para “que o Estado e o consumidor não continuem a ser prejudicados nos seus justos interesses”; o decreto foi publicado “para valer como lei, o seguinte: Art. 1.º É livre a importação de trigo no distrito do Funchal. § único. O direito que deve ser pago pelo trigo a importar no corrente ano cerealífero é fixado em $25 por quilograma. Art. 2.º Não é permitida a importação de farinhas exóticas no distrito do Funchal enquanto a indústria nacional as possa fornecer de seu fabrico ao preço e nas condições do presente decreto. A farinha nacional importada no distrito do Funchal pagará o direito de $21 por quilograma”. Este decreto fez aumentar em dois centavos ao preço praticado na cidade da Horta, o que exaltou ainda mais os ânimos, provocando um movimento de solidariedade que envolveu organizações, associações e responsáveis políticos, que reagiram uniformemente no sentido de pedir a revogação do mesmo, porque lesava a economia local e os madeirenses. Com este propósito, a imprensa local publicou uma pequena notícia de discordância da situação criada pelo decreto, porque “há ainda a considerar que estas medidas são publicadas precisamente num momento em que se acentua a baixa do preço do trigo e das farinhas, o que evidentemente daria lugar, em breve, a uma sensível descida no preço do pão, diminuindo, portanto, as terríveis dificuldades com que luta toda a população da Madeira” (O Jornal, 29 jan. 1931, 1). O Gov. José Maria de Freitas prometera a sua intervenção junto do Governo de Lisboa, mas a publicação do referido decreto fez com que a população considerasse que nada fizera. Em consequência deste desinteresse e da indignação popular, foi convocada uma greve para o dia 4 de fevereiro de 1931. Temendo a reação popular, a gerência da Companhia Insular de Moinhos, Limitada anunciou por comunicado que “não pode ser responsabilizada – com ele [o dec. n.º 19.273] não concordando – no que se refere á proibição de importação de farinhas exóticas, montagem de novas moagens, proibição de montagem de novas padarias” (DNM, 4 fev. 1931, 2). A despeito deste anúncio, as instalações desta companhia foram danificadas a 6 de fevereiro de 1931 e, nesse dia, os estivadores do porto do Funchal deram início à greve anunciada. Simultaneamente, houve manifestações de desagrado na cidade até o dia 9 de fevereiro desse ano, que provocaram cinco mortos e vários feridos. O controlo desta situação escapou às autoridades, dado que a polícia não foi capaz de manter a ordem sem a ajuda do exército, tendo alguns militares confraternizado com a população revoltada. Para tentar repor a ordem, saiu de Lisboa a Companhia de Caçadores n.º 5, comandada pelo Cor. Silva Leal, que, como delegado especial do Governo, levava com poderes discricionários. Em reação a esta decisão, um grupo de oficiais colocados em serviço nos aquartelamentos do Funchal e alguns deportados decidiram levar a cabo um Pronunciamento Militar. Da Junta Revolucionária faziam parte o cap. Carlos Vilhena (madeirense), o Ten. Ferreira Camões, o Alf. Hasse Ferreira, o Cor. Fernando Freiria, o Gen. Sousa Dias, o Maj. Bragança Parreira, o Cor. Mendes dos Reis, o Cap. Filipe de Sousa, o Cap. Augusto Casimiro e o Com. Sebastião Costa. No dia 4 de abril de 1931, resolveram entregar o comando militar ao Gen. Sousa Dias que, por sua vez, nomeou chefe de Estado-Maior o cor. Fernando Freiria, entregando ao Cor. Mendes dos Reis o comando das forças militares da Madeira. O Ten. Camões era o delegado dos oficiais da guarnição que fizeram o movimento junto do comando militar. No dia seguinte, o Maj. Carlos Bragança Parreira, em nome do comandante militar das forças, intimou todos os militares residentes na Madeira a apresentarem-se naquele comando até às 15.00 h do dia 6 de abril. No dia 6 de Abril, o gabinete civil do Comando Militar da Madeira requisitou as oficinas e as instalações de O Jornal, “sem direito a qualquer indemnização, a fim de ser nelas redigido e composto um jornal republicano”. No dia seguinte, o cônsul dos EUA no Funchal ofereceu “os seus serviços como medianeiro para o caso de prováveis lutas” (SOARES, 1979, 61). Depois de impor quatro condições, acreditando na mediação neutral do cônsul, o general Sousa Dias aceitou a proposta, “com o fim de poupar a vida e as propriedades dos estrangeiros e nacionais residentes na Madeira” (Id., Ibid., 62). No dia 8 de abril de 1931, o Cor. Fernando Freiria informou a população, através de comunicado que havia fundeado na baía do Funchal, pelas 10.40 h, o cruzador inglês London. O objetivo deste comunicado foi serenar a população madeirense sobre “as nobres intenções que determinaram o Governo inglês, segundo o costume internacional, a enviar um vaso de guerra às águas da Madeira” (Id., Ibid.). A intenção de Inglaterra era proteger os súbditos britânicos e seus bens de qualquer emergência, ou de situações que fugissem ao controlo militar instalado da Madeira. No dia seguinte, o comando militar reagiu energicamente à notícia da Press News sobre o bloqueio da Madeira decretado pelo Governo do país com uma elucidativa nota oficiosa: “Madeira-Açores. Guarnições militares e população protestam contra qualquer caluniosa insinuação sua atitude resultar qualquer outra coisa diferente seu terminante desejo cesse imediatamente situação excepcional Ditadura sejam restabelecidas liberdades públicas suspensas evitando ao país cada vez mais graves consequências ordem política social afirmam sua inalterável dedicação Pátria, República Portuguesa declaram obedecer apenas governo que restabeleça liberdades públicas garanta lei. Porto Funchal não está bloqueado sendo visitado vapores Royal Mail. Guarnições militares e população aguardam completa serenidade efectivação bloqueio conforme ameaças governo ilegal da ditadura. Governo Madeira garante livre entrada movimento Porto Funchal, desejando assegurar relações comerciais de exportação importação todo o mundo” (Id., Ibid., 63). A 11 de abril de 1931, os sargentos – cujo desempenho fora crucial para o sucesso da ação realizada no dia 4 desse mês – iniciavam uma mensagem telegráfica da forma seguinte: “Aos sargentos portugueses no continente da República, Açores e colónias. A Hermínio Branco, director de ‘Marte’ em Coimbra: Sargentos! São os vossos camaradas do 13 de Infantaria, do Funchal, que vos falam” (Id., Ibid., 97). Em meados de abril do mesmo ano, circulavam em algumas capitais europeias notícias sobre a recusa de vários regimentos da província em obedecer às ordens das chefias. Noticiou-se também uma concentração de tropas no Barreiro e nas Caldas da Rainha e, em Lisboa, havia patrulhamentos noturnos em camiões armados. A Londres, chegou um telegrama expedido em Medina del Campo com notícias de revolta de vários regimentos de província e de diversas detenções em Lisboa, nomeadamente de Armando Cortesão. O ten.-cor. Francisco Aragão percorria as principais cidades provincianas de aeroplano, lançando manifestos de incitamento à revolta. De Madrid espalhou-se a notícia de que os rebeldes da Madeira dispunham “de 1200 homens armados dispostos a se bater até ao fim” (Id., Ibid., 63). A 15 de abril de 1931, o embaixador português em Paris enviou um telegrama ao ministro dos Negócios Estrangeiros, onde lhe comunicava a preocupação do Governo francês a propósito da abdicação do rei de Espanha que, segundo as notícias, tinha embarcado diretamente para Inglaterra; o telegrama transmitia a preocupação do Governo francês pela situação política em Espanha. Numa fotografia tirada em Paris e publicada por Le Populaire, Afonso Costa despedia-se dos ministros da Instrução e das Finanças do Governo provisório espanhol que, exilados em França, regressavam a Madrid. Estas alterações políticas em Espanha entusiasmaram os republicanos portugueses, que se sentiram irmanados num projeto comum: a República. Também de Paris chegou a notícia de que o Governo de Lisboa declarara o estado de sítio nos Açores e enviara tropas para acabar com insurreições militares no Funchal, em Ponta Delgada, em Angra e na Graciosa. Em Londres, o Daily Mail publicou uma nota da Union Castle Line que confirmava a saída do porto do Funchal do vapor Edinburgh Castle no dia 9 de abril, e que o número de passageiros registava um movimento normal para a época, o que contrariava as campanhas de propaganda contra a Madeira feitas a partir de Lisboa e de outros países europeus. Entretanto, o Governo continuou a fazer insinuações, a que o cor. Fernando Freiria respondeu alertando a opinião pública para a contra-informação emanada a partir de Lisboa que circulava em várias capitais europeias: “[…] que o movimento legalista da Madeira e dos Açores visa proclamar o independência dos arquipélagos. Até as agências informadoras estrangeiras declaram esta insinuação infundada e ridícula”. E continua: “o governo dizendo que reina a maior desordem na cidade e porto do Funchal, procura efetivar o bloqueio marítimo da Madeira e Açores, desvirtuando o movimento, atribuindo-lhe origens políticas e uma finalidade diversa das que precisamente o determinam – a qual é o restabelecimento imediato das liberdades públicas por um governo que as garanta, consultando o país e restaurando a lei. O chefe de Estado-Maior, Fernando Freiria” (Id., Ibid., 64). No dia 13 de abril de 1931, houve necessidade de alertar a população para o inevitável racionamento dos combustíveis e a redução do consumo de energia elétrica, ficando como prioritários os serviços de telégrafo e telefones e o funcionamento das panificadoras. Aos particulares seria fornecida energia elétrica entre as 19.00 e as 24.00 h. Nesse mesmo dia, pelas 09.00 h, o vapor Guiné, em serviço de vigilância afastada, informou o chefe de Estado-Maior local de que não se avistavam navios de guerra, para além da pequena canhoneira Ibo, que há cinco dias cruzava o mar entre a Madeira e o Porto Santo, passando também em frente ao Funchal. No dia seguinte, o comando geral militar da Madeira avisou os comerciantes que pretendessem subir os preços dos géneros alimentícios de que tomaria as “mais enérgicas providências contra quem quer que pense em aproveitar este momento para a realização de lucros imorais” (Id., Ibid., 65). No mesmo dia, o cônsul inglês no Funchal, J. P. Brown, colocou à disposição do gen. Sousa Dias a sua ajuda pessoal e a do comandante do navio London como mediadores com o Governo de Lisboa; este comunicou, através do embaixador britânico na capital portuguesa, que a única condição que aceitava era a rendição incondicional do comando militar da Madeira. Entre os dias 14 e 20 de abril de 1931 foram publicados no Notícias da Madeira, órgão oficioso da Junta Revolucionária da Madeira, alguns artigos de elevado amor pátrio, onde se louvavam a coragem e o espírito dos soldados, conscientes da sua missão patriótica; num deles, perguntava-se: “que há a recear, portanto? se temos um inimigo apenas, a ditadura, sem coragem para nos bater, enjaulada em Lisboa, medrosa e inerte, temendo justificadamente que, num rompante breve, os soldados da República acabem com a farsa trágica que de há cinco anos se desenvolve lutuosamente nesta bendita terra de Portugal?” (Id., Ibid., 102). Para além das questões políticas, estavam em causa situações que afetavam o quotidiano, como o “repugnante regímen cerealífero, de monopólio, contra o qual as massas populares verteram o seu sangue. Pensou neles, a par da defesa militar da Madeira, o Governo republicano – pelas pastas entregues à incontestada competência dos nossos ilustres patrícios Dr. Pestana Júnior e Eng. Frazão Sardinha” (Id., Ibid., 103). Depois de acabar com os monopólios, os já referidos membros da Junta Revolucionária da Madeira, que também se intitulavam “este governo republicano instalado no Funchal” comprometeu-se a tomar outras “medidas de extraordinário alcance”: “A Madeira, sob o governo da Constituição, encontrou eco nos seus queixumes, que é como quem diz – foi ouvido o pulsar do seu coração. Nunca mais – nunca! – este nobre povo será olhado, pelos poderes de lá ou de cá, como um triste rebanho sob o varapau de qualquer despótico pastor! Há que contar connosco, porque somos portugueses – como todos os portugueses de Portugal! ” (Id., Ibid.). Nos jornais ingleses que entretanto chegaram ao Funchal, foram publicadas notícias animadoras para o movimento militar da Madeira. Segundo um articulista, a imprensa londrina e o povo inglês acolheram com agrado as notícias, pois “Não suportam, não admitem, dentro do seu claro civismo, sistemas políticos de opressão e de terror. Para eles, é tão necessária a liberdade como as tranquilas comodidades do seu home” (Id., Ibid., 104). Como se pode verificar, era claro o objetivo dos responsáveis pelo movimento militar na Madeira: pretendiam restabelecer o Governo constitucional em Lisboa e queriam acabar com a “censura à imprensa e as deportações”. Para o sucesso do movimento era importante o apoio britânico, pois “Na Madeira, há uma grande colónia inglesa. Essa colónia, ligada à mais fecunda atividade desta ilha, pode comprovar que o Pronunciamento Militar não perturbou o aspecto da cidade. Em 4 de abril, e depois, não se praticou qualquer acto que causasse pânico ou sobressalto na população citadina. Hoje, como desde há séculos respeitamos nesta lealdade, a Aliança Inglesa. Hoje, como ontem e como sempre, o pensamento inglês não se nega a todas as ideias de liberdade” (Id., Ibid., 105). O regime procurou criar instabilidade no seio do exército português, recorrendo à distinção entre elementos puros e elementos impuros do exército, sendo os puros os fiéis ao Governo e os impuros os revoltosos: “A parte pura é em seu peregrino conceito aquela que sanciona os crimes da polícia de informação, a que aplaude a política financeira de Sinel de Cordes, a que canta, louva e elogia a sabedoria de Oliveira Salazar, a que se alegra com o espírito de delação semeado nas fileiras militares e a que expõe Portugal à chacota do estrangeiro” (Id., Ibid.). A 16 de abril de 1931, as forças expedicionárias enviadas de Lisboa contra a Madeira e os Açores chegavam à baía do Faial. No dia seguinte, um telegrama de Londres confirmava que as universidades e as escolas públicas do continente tinham sido encerradas. Constava também que havia movimentação de tropas contra o regime, pelo que tinham sido proibidas as reuniões e as manifestações em Lisboa. Entretanto, na Madeira, a canhoneira Ibo, sem combustível, fez uma tentativa para se abastecer no porto do Funchal, mas o comando militar impediu esse movimento e providenciou para que o mesmo acontecesse no Porto Santo. Nesse mesmo dia à tarde, a canhoneira Limpopo substituiu a Ibo no patrulhamento dos mares da Madeira. No dia 18 de abril, esta mesma canhoneira encontrava-se fundeada no Porto Santo, devido a uma avaria que a impossibilitava de navegar. Dos Açores chegavam à Madeira notícias contraditórias e outras não confirmadas. Foi intercetada uma mensagem do Governo de Lisboa por via rádio, com a indicação de que as autoridades tinham mandado lançar sobre as ilhas mensagens de ação psicológica. Na parte da tarde, o cruzador Vasco da Gama chegou à Horta e o comandante das forças expedicionárias preparou o desembarque. No dia seguinte, conseguiram desembarcar algumas forças na Praia da Vitória, mas a defesa da ilha concentrava-se perto de Angra e ao redor da cidade. No dia 21 de abril, o vapor Pero de Alenquer fundeou na baía do Funchal levando dos Açores alguns oficiais e civis que para lá tinham sido deportados pelo anterior delegado especial. Também levava notícias da ilha de S. Miguel, onde havia fortes núcleos de militares preparados, um deles no Forte de S. Brás, para resistir aos ataques das tropas enviadas de Lisboa, ditas expedicionárias. Uma força militar que impressionou a população funchalense após o desembarque foi o destacamento misto de Caçadores n.º 5 e Metralhadoras n.º 1, comandado pelo cap. Ferreira Camões, e cujo aprumo e disciplina militar foram apreciados. Tinham ido de Lisboa para combater ao lado das forças republicanas e legalistas da Madeira e ficaram aquartelados na R. Arcebispo D. Aires. Na Madeira, foram emitidos muitos comunicados e artigos com argumentos para a mobilização e motivações para a defesa. Como garantia, assegurava-se que as forças republicanas estavam preparadas para lutar até conseguir o seu principal objetivo: restituir a legalidade e a legitimidade, derrubando o Governo do regime. Um dos argumentos centrou-se na impiedosa cobrança de impostos, que não se destinavam a obras de fomento, mas à manutenção dum exército privativo e duma polícia numerosa, como afirmavam os revoltosos da Junta. Outra questão preocupante na altura, e também criticada, foi a chamada “negociata dos tabacos”, tida como capaz de resolver o deficit português O desfecho deste Pronunciamento Militar foi a derrota. O sucesso do desembarque das tropas leais ao Governo de Lisboa no Caniçal e o rápido avanço das tropas expedicionárias de Machico até ao Funchal resultaram da impreparação dos soldados madeirenses e do seu armamento inadequado. Foram enviados para a Madeira muitos meios navais e até aéreos (pequenos hidroplanos com metralhadoras), juntamente com um grande número de efetivos devidamente treinados, que acabaram por derrotar as tropas revoltosas a 2 de maio de 1931.   José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 03.02.2017)

História Militar

silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

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moda

A abordagem da moda enquanto atividade estética integrada nas dinâmicas sociais e com a sua retórica própria radica, em grande parte, nos escritos de Roland Barthes e de Gillo Dorfles sobre o tema. Um momento marcante para uma reflexão teórica sobre a moda em Portugal, é, sem dúvida, a exposição Depois do Modernismo, em 1983, organizada por Luís Serpa, Cerveira Pinto e Leonel Moura, todos eles ligados às artes. A par da arquitetura, das artes visuais, do teatro, da dança e da música aparece também a moda (VASCONCELOS, 1983, 183-188), A emergência de novas atitudes e criadores de moda potencia o aparecimento de eventos que, ora vocacionados para a descoberta de novos talentos, ora numa vertente mais comercial, procuram a ligação ao mercado e ao mundo empresarial (SANTOS, 2007, 334). Destaca-se pela continuidade e pela repercussão a ModaLisboa, criada em 1991, que se afirma como uma plataforma de comunicação e marketing destinada a desenvolver a moda o contexto das indústrias criativas. Cada vez mais a criação na moda é assumida como uma das variantes do design, tanto no seu modus operandi, como nos seus circuitos de produção e de divulgação. Em 1991 a Europália integrou na exposição “Manufacturas - Criação Portuguesa Contemporânea”, em Bruxelas, comissariada por Delfim Sardo e desenhada por Pedro Silva Dias, com a presença de artistas plásticos e de designers de produto e de moda. Este é também o tipo de convivência que se verificou na exposição “Qualquer Semelhança é Inevitável”, produzida pela Loja da Atalaia e, Lisboa, em 1994 e comissariada pelo designer Filipe Alarcão. O Portugal Fashion, criado em 1995, fomentou a internacionalização da moda portuguesa estreando-se nas passerelles em 1999, com Fátima Lopes, José António Tenente, Maria Gambina, Miguel Vieira e Nuno Gama, apresentando ainda oito marcas. Em 2009, é inaugurado o MUDE - Museu do Design e da Moda onde podemos ver a Colecção Francisco Capelo, cujo núcleo de design de produto tinha sido exposto no Museu do Design no Centro Cultural de Belém, entre 1999 e 2006. A significativa presença da moda neste museu, dá conta do modo como os seus produtos se foram transformando em objetos de coleção, passíveis de institucionalização. Quanto ao contexto regional, os madeirenses, em particular as famílias mais abastadas do arquipélago, sempre receberam com muito interesse as novidades que eram trazidas além-mar, sobretudo dos grandes centros culturais europeus como Paris e Londres. No início do séc. XX, eram publicados no Funchal alguns periódicos que atribuíam grande importância à moda e às tendências da altura. Um deles, o Diário da Madeira, publicava duas a três vezes por semana uma coluna intitulada "Diário Elegante", onde se escreviam textos sobre moda, tecidos e cultura, com algumas opiniões e informações de interesse e curiosidade para a sociedade madeirense. O Comércio da Madeira reservava à mulher funchalense uma coluna intitulada "Jornal da Mulher", onde eram publicadas crónicas sobre moda. O Jornal da Madeira chegou a criar uma página feminina, intitulada "Jornal da Mulher", onde eram tratados os mais variados assuntos. Por volta de 1926, foram editados, por vários periódicos, Suplementos Femininos que retratavam a moda europeia e faziam chegar à sociedade madeirense todas as novidades nesta área. Por esta altura, já existiam algumas lojas de tecidos, que eram assiduamente publicitadas nos periódicos regionais: a Companhia Portuguesa de Bordados (recebia sempre os melhores e mais modernos tecidos); o Salão de Moda, a loja Rachel; a loja Braga; loja Primavera; o Petit Royal, entre muitas outras. Uns anos mais tarde já encontramos outras lojas como Casa Tavares, Dois Amigos, Último Figurino e um pronto-a-vestir de caráter seletivo em estabelecimentos como Maison Blanche, Cayres, Balão Vermelho, etc. Nos anos 80, a Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação da Madeira, organizava no Hotel Savoy, durante a tarde, chás acompanhados por desfiles de moda, integrando espaços comerciais e jovens criadores de então para fins de beneficência. Estes eventos eram organizados por equipas de senhoras voluntárias da referida instituição e que tinham como principal dinamizadora a Sr.ª D.ª Branca Melim. Numa tentativa de revitalização do Bordado da Madeira, criou-se em 2000 o Centro de Moda e Design, que se propunha preservar e dar uma nova imagem desta tradição, apoiar os jovens criadores no acesso a contactos com o exterior, seja participando em feiras e exposições, seja na mediação com a indústria têxtil nacional e internacional. O Centro, dirigido pela Eng.ª Isabel Araújo e com equipa própria, funcionava no IBTAM – Instituto do Bordado, Tapeçaria e Artesanato da Madeira, que era então presidido pelo Escultor Ricardo Velosa. Investiu em equipamentos para modelação e impressão, com o intuito de assessorar os industriais de bordado e os designers de moda. Foi na altura do seu funcionamento considerado por muitos como um “novo fôlego para o Bordado” (CASSACA, 17-7-2002, 8, 9) e, embora não tivesse atingido o impacto desejado, o seu encerramento em 2007 causou surpresa (HENRIQUES, 30-7-2007, 15). O Portugal Fashion, importante evento da iniciativa da ANJE-Associação Nacional de Jovens Empresários, APT- Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário e Fundação da Juventude (“Grande Moda”, 18-4-2001, 17) realizou no Madeira Tecnopolo, através do Centro de Moda de Design, uma edição na Madeira em 2001, com coleções para o Outono/Inverno 2001/2002 que, pela sua qualidade e ineditismo, teve grande afluência. Os estilistas madeirenses presentes neste evento foram Fernanda Nóbrega, Hugo Santos, André Correia, Patrícia Pinto, Bela Henke, Zequita, Susana Menezes, Ana Rita Pessanha e Lúcia Sousa. (ORNELAS, 2001, 14-21). No desfile participaram ainda Luís Buchinho, Miguel Vieira, Maria Gambina, Ana Salazar, Anabela Baldaque, Paulo Cravo & Nuno Baltazar, Katty Xiomara, Osvaldo Martins, João Tomé & Francisco Pontes, destacados criadores de moda no panorama nacional, bem como diversas marcas portuguesas. Nesta edição do Portugal Fashion houve a intenção de criar sinergias entre turismo e moda, promovendo assim o destino Madeira. O mesmo objetivo é retomado em 2005, no ModaMadeira, tendo agora como promotora a AJEM - Associação de Jovens Empresários da Madeira, num evento que, entre 21 e 24 de Abril, trouxe à Madeira consagrados criadores de moda do panorama nacional e regional. Esta 1ª edição teve lugar no Centro das Artes - Casa das Mudas, na Calheta com a presença de Louis de Gama, Júlio Torcato, Katty Xiomara Isilda Pelicano, Paula Rola, Lidija Kolovrat, e coleções da Kispo, Lions of Porches e MacModa, para além de quatro dezenas de modelos nacionais e internacionais. A I ModaMadeira incluiu ainda três exposições temáticas: “Gama de Casa”, de têxtil lar de Nuno Gama; “A Modernização do Bordado Madeira” pela D’ART e o Sindicato das Bordadeiras e ainda uma mostra fotográfica “Looking at living style” do fotógrafo de moda Cassiano Ferraz. Participaram nos desfiles criações dos madeirenses Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, Susana Menezes, André Correia e Patrícia Pinto ( “Quatro dias de moda na Calheta, 21-4-2005, 1 “Palco de moda e de glamour”, 21-4-2005, 2-3; ABREU, 22-4-2005, 26; GONÇALVES, 1-5-2005, 10-11). Funchal Fashion Week 2005 teve lugar de 26 a 28 de Maio, numa organização em parceria da Sportsmoods, da Elite Models Portugal e da Câmara Municipal do Funchal, que declarou aspirar a uma futura internacionalização deste evento. Participaram Maria Gambina, Luís Buchinho, José António Tenente, Pedro Waterland, Nuno Baltazar, as lojas Nova Minerva e Ana’s Boutique e os criadores madeirenses André Correia, Hugo Santos e Patrícia Pinto (GOUVEIA, 12-5-2005, 12; GONÇALVES, 27-5-2005, 17). O ModaMadeira regressou em 2007 para mais uma edição no Madeira de 4 a 5 de maio, no Tecnopolo, que se orientou para o mercado madeirense em torno da moda, afastando-se da estratégia promocional da sua génese, mais vocacionada para a internacionalização. Pretendia incrementar a componente comercial, promover o Bordado Madeira, criar e desenvolver mercados e estimular os profissionais do sector. Para tal, estabeleceu um protocolo com a empresa D’Art e realizou ainda um concurso para jovens talentos. Foi promovido pela AJEM com a organização da Controlmedia, ficando a produção dos desfiles a cargo de Isabel Branco. Contou com a presença Alexandra Moura, Story Taylors, Filipe Faísca e Ana Salazar e com os madeirenses Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto e Lúcia Sousa (HENRIQUES, 1-5-2007, 15; “Moda”, 28-4-2007, 24-26; PESTANA, 22-4-2014, 25). Ficou então prevista uma 2ª edição neste mesmo ano e duas no ano seguinte. A 3ª edição do Moda Madeira, em 2008, contou com duas galas. A primeira, a 18 e 19 de janeiro no Madeira Tecnopolo recebeu os estilistas madeirenses Hugo Santos, Patrícia Pinto, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega e os consagrados estilistas nacionais, Nuno Baltazar e José António Tenente. A grande novidade foi a participação de jovens talentos na área da criação — Ana Catarina Freitas, Janett Agrela — e um desfile de marcas promovido pelo centro comercial Dolce Vita. (PESTANA, 05-01-2008, 33 e 18-01-2008, 36). Hugo Santos apresentou uma coleção inserida no contexto “Bordar Madeira”, uma iniciativa promovida pela Associação de Jovens Empresários Madeirenses (AJEM) em parceria com este criador de moda (PESTANA, 08-01-2008, 33). A segunda gala desta 3ª edição foi realizada em Maio, mantendo a participação de Anabela Baldaque, Miguel Vieira e de marcas do Centro Comercial Dolce Vita. Esteve presente também Fernanda Nóbrega e quatro jovens madeirenses, escolhidos por um júri, que mostraram o seu trabalho: Ruben Freitas, André Pereira, Ana Catarina Freitas e Janett Agrela (PESTANA,22-5-2008, 33 e 31-5-2008, 26-27). Esta foi a última edição deste evento, a que se seguiu, em 2012, um novo formato integrado numa marca criada pela AJEM intitulada New Order (http://ajem.pt/marcas-ajem/). No Centro de Congressos do Casino estiveram presentes os Storytailors, dupla constituída por João Branco e Luís Sanchez (este natural da Madeira), e os jovens estilistas selecionados no concurso de talentos Joana Mendonça, Mariana Sousa e Fábio Carvalho. Nos eventos de moda que se seguiram, a vertente de divulgação da criação e produção local para fora da ilha ficou mais focada em iniciativas particulares. Tem mantido continuidade o certame Funchal Noivos, promovido a partir de 2009 pela ACIF, com exposições e desfiles de moda, inicialmente específicos deste tema mas posteriormente alargados a festas e cerimónias em geral (“Funchal Noivos, 14-3-2009, 31). Hugo Santos, Lúcia Sousa, Fernanda Nóbrega, André Correia, Patrícia Pinto, Fábio Carvalho, Emília Luz, André Pereira são alguns dos criadores que participaram ao longo das sucessivas edições. No decorrer dos anos, tivemos alguns criadores madeirenses que se destacaram, como por exemplo Fátima Lopes que deixou para trás a ilha e a sua atividade de guia turística para fixar-se em Lisboa, em 1990, e dedicar-se à moda. Abriu a loja Versus com roupas e acessórios de criadores internacionais e, em 1992, criou a sua própria marca. Em 1995 participa no Portugal Fashion e em feiras de moda francesas e em 1998 abriu um espaço no Bairro Alto com boutique, ateliê, bar e agência de modelos, o que indicia a sua visão integrada de uma atividade que exige um trabalho de equipa coeso e a convicção da necessidade de criar sinergias com a indústria. No ano seguinte integrou a ModaLisboa e passou a ser presença assídua na Paris Fashion Week. A sua persistência e profissionalismo valeram-lhe o reconhecimento internacional e uma Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique (2006), pelo seu importante papel na expansão dos valores culturais portugueses. Diversificou a área de atuação da sua marca para a criação de acessórios de moda, peças de joalharia, óculos, cutelaria, tapeçarias, porcelanas, cristais, instrumentos de escrita, calçado e também um perfume. Desenhou ainda o traje oficial da seleção nacional de futebol (2005), a vestuário oficial da equipa do Sporting (2007) e as fardas dos funcionários do prestigiado Hotel Conrad, no Algarve (2012). No início de 2016 mudou do Bairro Alto para um novo espaço perto da Avenida da Liberdade com ateliê, show room e agência Face Models. De entre os criadores que desenvolveram a sua atividade na Madeira podemos destacar vários nomes pela continuidade e qualidade do seu trabalho, como Patrícia Pinto, André Correia. Fernanda Nóbrega, Hugo Santos ou Lúcia Sousa. Patrícia Pinto nasceu em 1976 e concluiu o Curso de Design de Moda no IADE em 1998. Participou no Portugal Fashion na Madeira (2001), no Funchal Fashion Week (2005), no Porto Fashion Week, no Moda Madeira, no Portugal Fashion (2005 e 2006) entre muitos outros. Desde 2010 realiza desfiles individuais onde apresenta as suas coleções marcadas pela multiplicidade de cores, pela justaposição de padrões, tecidos e malhas: Yangu Afrik no Museu Casa da Luz, em 2011; 2011-2012, Dress up, please no Parque de estacionamento Almirante Reis; em 2012 In the market no Mercado dos Lavradores do Funchal; 2013 Orange – Blue e La vie en rose, no 7º Aniversário da sua loja, assinalando 15 anos de carreira; em 2015 Back to the Market, de novo no Mercado dos Lavradores. André Correia começou uma carreira na moda em 1992, em simultâneo com trabalhos de cenografia e figurinos para teatro. Neste mesmo ano abriu o seu ateliê e, em 1999, um novo espaço, já com loja. Iniciou o seu percurso na Escola de Moda Gudi, no Porto, realizando posteriormente um curso de Modelismo no CITEM, em Lisboa. Foi completando e diversificando a sua formação com a licenciatura em Design (2010) e uma pós-graduação em Arte e Design no Espaço Público (2013) ambos pela Universidade da Madeira. Lecionou Plástica do Espetáculo no Curso de Teatro do Conservatório-Escola das Artes, no Funchal (2012 e 2013). Apresentou coleções no Portugal Fashion (Madeira, 2001 e Porto 2005 e 2006), no Funchal Fashion Week (2005), no Moda Madeira (2005 e 2007), no Fashion Week nos Açores (2006) e marcou presença na ExpoNoivos no Porto (1998) e FunchalNoivos (desde 2009). Para além de criações personalizadas em que predominam os materiais nobres e naturais, explora técnicas e materiais que muitas vezes levam a cruzamentos entre traje e escultura, incorporando cordas, fibra de vidro, polímeros, técnicas de capeline, e outras. Nesta linha enquadra-se Bizarria, do espetáculo de moda, na discoteca Vespas e bares anexos Jam e Marginal; a instalação individual Silhuetas Virtuais, Galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (Funchal, 2003) e a coleção integrada nas Jornadas Académicas de Arte e Design, Alternativas, bem como os coordenados apresentados no evento Hypnotic Black Ice (discoteca Vespas 2004). Fernanda Nóbrega finalizou o curso de design de moda em 1990 e abriu o seu próprio ateliê em 1995. Define-se como de influência minimalista, que alia frequentemente a pormenores em bordado Madeira. Participou no Moda Madeira, no Portugal Fashion, Funchal 2001 e também em eventos nacionais como o 2000-Porto Capital Europeia da Cultura e da Moda, o Portugal Fashion Figueira 2002, o AdroModa, em Viseu, entre 2008 e 2011 e internacionais, caso do Global Fashion Festival em Berlim, em 2006. Hugo Santos fez uma nova abordagem da aplicação do bordado Madeira no vestuário, aproveitando a sua familiaridade com o bordado, adquirida desde cedo na empresa familiar. Começou por ser desenhador de bordado, tendo feito formação com Leandro Jardim. Apresentou coleções no Moda Madeira em 2005 e 2008, e participa no FunchalNoivos desde 2009, tendo sido presença assídua em diversas feiras internacionais. Lúcia Sousa, nascida na Austrália em 1976, formou-se em Arquitectura de Design de Moda em 2001 pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa e estagiou com José António Tenente. Iniciou-se como profissional em 2004 e tem marcado presença em eventos de moda regionais, nomeadamente na ModaMadeira e FunchalNoivos, e nacionais como a ExpoNoivos em Lisboa e a Exponor, no Porto. Nas suas criações para a moda feminina recorre frequentemente a draping e cortes assimétricos, exaltando o colorido e brilho dos tecidos. Atualmente a Madeira conta com jovens criadores como André Pereira, Mariana Sousa, Carolina Teixeira e Fábio Carvalho, que marcam presença nas passerelles madeirenses, que deram os primeiros passos na profissão na sequência do concurso de Jovens Talentos do ModaMadeira.     André Correia Licínia Macedo (atualizado a 05.02.2017)

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genealogias

A genealogia é uma ciência auxiliar da história que estuda a origem, evolução e disseminação das famílias, articulando as várias gerações, os nomes, sobrenomes ou apelidos utilizados, os locais de nascimento e morte, registando casamentos e filhos, tal como, quase sempre, as funções desempenhadas e as instituições criadas, muito especialmente os morgadios e capelas, essenciais à manutenção, antigamente, de determinado estatuto social. Desde os tempos bíblicos que todas as culturas, em todos os continentes possuem genealogias, com pequenas variantes de forma, dado assentarem na constituição e desenvolvimento da família. Sendo um estudo, ou um simples elenco de parentesco, desenvolve-se no âmbito da história da família, sendo assim uma peça fundamental para a grande maioria das ciências sociais e, de forma muito especial, para a grande área da história social, mas não só. Assim, ao elencar os elementos de determinadas famílias, das suas relações e do seu património, a genealogia torna-se também importante para os estudos de economia, de direito, de história da arte e de heráldica, entre outros. A genealogia, no entanto, é também um vasto campo de dúvidas, voluntárias e involuntárias, face ao levantamento dos antepassados, sobretudo, quando se mudavam quase sistematicamente os nomes ao longo do percurso de vida, quando não se respeitavam, muitas vezes, os habituais apelidos de família, recuperando-se os apelidos dos avós e outros, e ainda devido a dificuldades de registo ortográfico e de posterior leitura, p. ex.. Acresce que, nos inícios do povoamento da Madeira, não estava instituído o hábito do apelido de família, optando-se geralmente por utilizar o nome da localidade de origem ou patronímicos, como Fernandes, filho de Fernando ou Gonçalves, filho de Gonçalo, entre outros. Mais tarde, a repetição dos mesmos nomes, quase de geração em geração, nem sempre acompanhados dos elementos “o velho” e “o novo”, gerou também inúmeras dificuldades de identificação da pessoa em questão. Os documentos fundadores da história da Madeira, salvo a Relação de Francisco Alcoforado, que é somente um texto descritivo, nomeadamente, o Descobrimento da Ilha da Madeira e Discurso da Vida e Feitos dos Capitães da Dita Ilha, do cónego Jerónimo Dias Leite (c. 1537- c. 1593), e Saudades da Terra, do doutor Gaspar Frutuoso (1522-1591), a que o texto anterior serviu de base, são também trabalhos, de certa forma, de genealogia, como o próprio título do cónego Dias Leite indica. Baseado nos arquivos da família Câmara, dos capitães-donatários do Funchal, logicamente, ignora quase por completo os capitães de Machico. Mais tarde, na Ribeira Grande da ilha de São Miguel, o doutor Gaspar Frutuoso não deixou de acrescentar às Saudades da Terra dois longos capítulos dedicados às grandes figuras que estavam, na altura, à frente dos destinos da Madeira: o governador Tristão Vaz da Veiga (1537-1604) e o bispo D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), sobre os quais teceu os mais altos elogios, demonstrando a parcialidade deste género de trabalhos. O principal problema das genealogias, essenciais para a maioria dos estudos de história, é serem quase sempre um instrumento panegírico das linhas de descendências sobre as quais se debruçam, obrigando a ter para com as mesmas os maiores cuidados. Outras vezes, as genealogias foram feitas para apagar determinadas “nódoas”, como a persistência de sangue judaico, conceito hoje mais do que discutível, em muitas famílias madeirenses, mas perfeitamente compreensível no parco espaço geográfico da Ilha e na época então vivida pela sociedade católica europeia. Os judeus desempenharam um papel relevante nos inícios da economia insular, prosseguido, depois, sob a vaga capa de cristãos-novos, após a forçada conversão dos inícios do séc. XVI. A capacidade por eles demonstrada para o desenvolvimento de diversas atividades económicas cedo criou descontentamento e resistências, patentes nos pedidos insulares para o afastamento dos mesmos e consubstanciada, também, na deslocação à Madeira de quadros da Inquisição, o que veio a acontecer nos finais do século, entre 1591 e 1592, com uma visitação do Santo Ofício que executou diversas prisões e elaborou depois uma listagem dos descendentes dos cristãos-novos, que vieram a ser indexados num célebre rol dos judeus, de que existiram inúmeras cópias. Este rol destinava-se à recolha da finta, o imposto determinado pelo perdão geral concedido pelo papa Clemente VIII, em agosto de 1604, a troco de um donativo de mais de milhão e meio de cruzados que a “gente de nação” se havia proposto pagar à coroa, publicado em janeiro de 1605 (BARROS e GUERRA, 2003, 11). A reputação de cristão-novo ou a afirmação contrária passou a condicionar quase todas as genealogias insulares. Os cristãos-novos não eram somente mercadores, eram também boticários, almoxarifes e escrivães da alfândega, licenciados em leis e mercadores de grosso trato em geral, pelo que, desde muito cedo, estiveram presentes em quase todos os estratos sociais, inclusivamente e como forma de silenciar essa origem, na Igreja. Entre os descendentes, cite-se, p. ex., o licenciado Gaspar Leite (1551-1620) e o seu irmão, o cónego e cronista Jerónimo Dias Leite; os licenciados António Lopes da Fonseca (1571-1636) e Bento de Matos Coutinho (c. 1587-1651); o irmão Lourenço de Matos Coutinho (c. 1590-1654); os médicos Jorge de Castro e Luís Dias Guterres; o mercador e intérprete dos navios estrangeiros, e poeta, Manuel Tomás (1585-1665), tal como o seu sócio Mateus da Gama (1624-1683), contratador do estanco do tabaco, e o pai deste último, João Rodrigues Tavira (fal. 1649), administrador e agente, no Funchal, da Companhia Geral do Comércio do Brasil. Foi, aliás, pela intervenção deste grupo de cristãos-novos que se expandiram as redes comerciais atlânticas, numa triangulação estabelecida entre a Madeira, Angola e o Brasil, depois ampliada, nos meados do séc. XVII, se não o estava já antes, a Amesterdão e às Antilhas, pelo menos. Nesse quadro emergiu o cónego António Lopes de Andrada (1640-1704), representante do cabido da sé para inúmeros negócios em Amesterdão e o irmão Cap. Gaspar de Andrada, filhos do almoxarife Diogo Lopes de Andrada e netos do célebre boticário João Mendes Pereira (c. 1570-c. 1642), para além de muitos outros. A má reputação e conotação associada a ter ascendência cristã-nova atravessou todo o séc. XVII e ainda o XVIII, só perdendo importância, progressivamente, a partir da lei de 2 de maio de 1768, elaborada pelo gabinete pombalino, que eliminou essa distinção. Dessa verdadeira contenda social resultou, e.g., que o original de Saudades da Terra tenha sido recolhido no Colégio dos Jesuítas de Ponta Delgada, segundo registou o P.e Sylvio Mondanio na sua Crónica dos PP. Jesuítas de Portugal, pois arrancavam-lhe folhas quando as referências não convinham a determinados elementos; do mesmo foi acusado, depois, o próprio genealogista Henrique Henriques de Noronha, que abordaremos em seguida. A fama atingia, assim, inúmeras famílias madeirenses, nomeadamente os Andrada, Araújo, Dias, Henriques de Noronha ou os Ornelas e Vasconcelos, daí ser nessas famílias que apareceram, no século seguinte, os principais genealogistas madeirenses. O marquês de Pombal ainda tentou aproveitar a situação, em carta de lei de maio de 1773, acusando os padres da Companhia de serem os autores da “funesta maquinação” que ocasionou a “sediciosa distinção de cristãos-novos e cristãos-velhos” (Id., Ibid., 232). Mas, se consultarmos muitas das genealogias, inclusivamente dos meados do séc. XX e mesmo nos dias de hoje, a distinção está ainda muito presente. Com a emergência do barroco, a partir dos inícios do séc.XVII, o culto das genealogias estendeu-se também à Igreja, como prova a nova voga das árvores de Jessé, em homenagem às tribos de Israel ascendentes da Virgem Maria e de Jesus, de que um dos exemplares, dos meados dessa centúria, subsiste no convento de Santa Clara do Funchal. Conhecem-se outros, em concreto, no retábulo da antiga capela de Santa Isabel, hoje remontado na igreja do Sagrado Coração de Jesus e na tela do camarim do retábulo da matriz de Machico. As representações destas árvores remontam ao românico e o nome de Jessé, pai de David, já aparece citado no Antigo Testamento, depois incorporado na Bíblia, sendo referido pelo profeta Isaías. Inicialmente simples, com quatro a seis figuras, com o advento do protobarroco tornaram-se mais densas, multiplicando-se a presença dos ancestrais, assumindo, inclusivamente os elementos heráldicos das genealogias góticas e renascentistas iluminadas, numa verdadeira colagem entre o sagrado e o profano, numa apropriação pela iconografia sagrada da linguagem então assumida pela genealogia e pela heráldica. Os trabalhos sobre genealogia interessaram, assim, inúmeros elementos da Igreja, como aconteceu entre os madeirenses, pois alguns prelados são referenciados no Funchal como tendo-se dedicado a esse tipo de trabalhos. O bispo D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740), de quem se diz ter sido o “prelado mais amante da nobreza” que veio à Madeira (ARM, Arquivo do Paço Episcopal..., doc. 273, Memorias sobre..., fl. 92v.), dedicou-se a estudos genealógicos e terá deixado algumas obras inéditas, enumeradas na Bibliotheca Lusitana, mas de que desconhecemos o paradeiro e se eram relacionadas com as famílias madeirenses, embora pensemos que não. Este prelado chegou a emitir opiniões muito pouco abonatórias sobre o meio social local e, como ministro e ex-presidente do Tribunal do Santo Ofício, em carta de 11 de novembro de 1707 dirigida ao seu superior em Lisboa, referiu a sociedade madeirense nos seguintes termos: “A assistência de dez anos e o trabalho de sofrer esta gente, me tem dado o conhecimento do seu orgulho e dos seus atrevimentos. Saiba vossa senhoria, que não estou entre gente, senão em um bosque de feras sem nenhum conhecimento, nem obediência da razão, levados somente de suas paixões, como brutos sem temor de Deus, nem da honra, nem previsão de futuros” (ANTT, Inquisição de Lisboa, liv. 922, fls. 264-265v.). Os meados do séc. XVII e os inícios do XVIII marcam um novo interesse pelos trabalhos genealógicos, ainda que não tivessem especialmente esmorecido, mas então dotados de um outro sentido, mais institucional e nacional, se tal se pode escrever. A época foi marcada, depois, a nível nacional e internacional, pela instituição das academias, em Portugal, principalmente pela da história. A Academia Real da História Portuguesa foi criada por D. João V, por decreto de 8 de dezembro de 1720, recebendo o encargo de compor a “história eclesiástica destes reinos e depois tudo o que pertencer à história deles e de suas conquistas”, como se lê no decreto (Collecçam dos Documentos..., 1721). Ao mesmo tempo, no seu seio e através de D. António Caetano de Sousa (1674-1759), foi sendo elaborada a Historia Genealogica da Casa Real Portugueza. Tendo começado pela recolha de dados para uma história eclesiástica de Portugal, face à morosidade do processo em relação à expansão portuguesa, em 1725, comunicou aos membros da academia que tinha passado a ocupar-se, essencialmente, da genealogia da casa real portuguesa, vindo a obra a ser publicada em 19 volumes, entre 1735 e 1749, juntamente com provas e índices. Logo na altura da fundação, foi intenção real e dos seus colaboradores alargar os trabalhos a outras áreas, procedendo ao levantamento e publicação das crónicas dos antigos reis e ao desenvolvimento das ciências auxiliares da história, como a numismática e esfragística. Salvaguardaram-se assim importantes códices, papéis avulsos, inscrições e outros achados arqueológicos, especialmente, com base no alvará de 14 de agosto de 1721. Por este diploma, D. João V determinava a defesa do património cultural, a fim de impedir perdas, que eram “prejuízo tão sensível e tão danoso à reputação e glória da antiga Lusitânia, cujo domínio e soberania foi Deus servido dar-me” (Id., Ibid.). Não se podia assim destruir monumentos, estátuas e mármores, nem estragar moedas e medalhas, ficando as câmaras e vilas do país responsáveis “em conservar e guardar todas as antiguidades sobreditas, já descobertas ou que venham a descobrir-se nos terrenos do seu distrito”, estendendo estas ações à investigação a nível regional, de modo a fazer-se da história o espelho da grandeza do reino (Id., Ibid.). Neste sentido, escreveu o presidente da Academia, o conde de Vilar Maior, Fernando Teles da Silva (1662-1731), à Câmara do Funchal, a 19 de maio de 1722, transmitindo a ordem real para, dentro da brevidade possível, dado dever possuir a Câmara interessantes documentos em arquivo, ser organizada uma “história eclesiástica e secular deste reino e suas conquistas” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, avulsos, cx. 2, doc. 319). Saliente-se, mais uma vez, a delimitação de poderes, com a Academia a solicitar a elaboração de uma história eclesiástica à Câmara e não à diocese, ou ao cabido da sé do Funchal. Enviou-se então uma memória para a organização do trabalho, voltando-se a referir que o assunto era muito “do serviço e agrado de Sua Majestade, que Deus guarde” (Id., Ibid.). A Câmara delegou o trabalho a Henrique Henriques de Noronha (1667-1730), que já teria entrado para a Academia como sócio correspondente e que viria a elaborar as Memórias Seculares e Ecclesiásticas para a Composição da Historia da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, com data de 1722, atestando no rosto: “Distribuídas na forma do sistema da Academia Real da História Portuguesa por [....] Académico Provincial” (NORONHA, 1996): trata-se de um estudo ainda hoje de consulta obrigatória para quem trabalhar nessa área. Tal como acontecera em Lisboa com D. António Caetano de Sousa, os trabalhos na Madeira, organizados por Henrique Henriques de Noronha, eram essencialmente genealógicos, conhecendo-se mais algumas das suas produções, como o Nobiliario Genealogico das Famillias que passaram a viver à Ilha da Madeira, datado de 1700, mas com informações até ao ano de falecimento do autor e inclusivamente posteriores, acrescentadas pelos possuidores das cópias seguintes, Horóscopo Genealógico: Árvore da Casa de Henriques, Senhor das Alcáçovas em Portugal, datado de 1710 e Livro da Família Freyes de Andrada, Non plus ultra da Nobreza. Fidalgos da Ilha da Madeira, de 1717, variante dos trabalhos anteriores. Todas estas obras permanecem inéditas, salvo o Nobiliario, que foi editado no Brasil, nos finais dos anos 40 do séc. XX e as Memórias Seculares e Eclesiásticas, nos finais de 90 da mesma centúria. A divulgação dos trabalhos de Henrique Henriques de Noronha foi enorme, conhecendo várias versões, como a do Nobiliário, publicado no Brasil, em 1948, que seguiu o exemplar existente na Biblioteca Municipal do Funchal (BMF). Também há uma versão dessa obra na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa, tal como existe aí o Livro de Arvores das Familias da Ilha da Madeira, “tiradas fielmente dos nobiliários que escreveu Henrique Henriques de Noronha”, datado de 1764 (BNP, res., Livro de Arvores..., 1764, f. I). Para além de outros escritos de Noronha, a BNP possui ainda uma outra versão das Memorias Seculares e Ecclesiásticas, talvez mais fiável do que a editada em 1996, que seguiu o exemplar da BMF, copiado em 1925-26, por João José Maria Rodrigues de Oliveira. A família de Henrique Henriques de Noronha é bem o espelho desta época e da necessidade dos trabalhos genealógicos para cimentar e justificar arranjos familiares e, acrescente-se, consequentes concentrações patrimoniais. Filho de Pedro Bettencourt Henriques (1632-1687), segundo descendente de António Correia Henriques (1601-1670) que, por falecimento do herdeiro, sucedera na casa dos seus avós e de D. Maria de Meneses (1632-1699), irmã da sua cunhada e filha de António Correia Henriques, seu tio, era o terceiro filho do casamento, que registou mais sete filhos e cinco filhas. Henrique Henriques estudou cânones na Universidade de Coimbra, entre 1682 e 1684, o que lhe abriu caminho para uma formação clássica e religiosa, patente nas suas obras. Casou a 26 de junho de 1692, na sé do Funchal, com sua prima D. Francisca de Vasconcelos, da qual teve uma filha, D. Antónia Joana Francisca Henriques de Noronha (1693-1746), que também veio a casar com um primo, António Correia Bettencourt Henriques (1690-1763). Figura de destaque da sociedade madeirense da época, membro e mordomo de várias confrarias, foi eleito provedor da misericórdia do Funchal, função que desempenhou entre 1706 e 1707, e foi ainda administrador do recolhimento do Carmo, cujo morgadio herdara pelo falecimento do seu tio Inácio Bettencourt da Câmara, tendo sido sepultado na capela-mor daquela igreja, no túmulo dos Brandão, fundadores daquele recolhimento (Igreja e recolhimento do Carmo). Todos os restantes filhos seguiram a carreira religiosa: António Correia Bettencourt (1664-1725), o segundo, foi um célebre deão da sé do Funchal; Fr. Pedro de Noronha (1670-?), foi religioso de São Jerónimo e depois reitor do colégio de Coimbra; Fr. Francisco de Bettencourt (1671-?), religioso da mesma ordem, em Belém; Gaspar de Bettencourt (gémeo do anterior), que professou na Companhia de Jesus, mudando o nome para Leão Henriques, em homenagem ao seu avô, foi principal dos Jesuítas em Portugal nos finais do séc. XVI (c. 1520-1589); Lucas de Bettencourt (c. 1673-1704), que professou na ordem de S. Francisco, mudando o nome para Fr. Henrique dos Serafins, foi aluno da Universidade de Coimbra, em teologia, entre 1728 e 1729, mas surge referido como padre religioso jerónimo, o que não confere com os dados fornecidos pelo irmão Henrique Henriques de Noronha, e depois pregador do convento do Funchal; e Tomás de Bettencourt Henriques (1675-c. 1720), o mais novo, mas que também chegou a cónego da sé do Funchal e tesoureiro-mor do cabido. Ao longo do séc. XVIII, o lugar de tesoureiro-mor da Sé do Funchal, esteve quase sempre ocupado por membros desta família, pois, em 1749, foi provido como mestre-escola da sé o cónego Francisco Cândido Correia Henriques que, em 1758, foi igualmente provido como tesoureiro-mor. Houve ainda as seguintes filhas: D. Mariana de Meneses (1668-1759), a mais velha, que casou com um dos netos do Ten.-Gen. Inácio de Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general), Pedro Júlio da Câmara Leme (1678-1742), irmão de D. Isabel de Castelo Branco, que tinha contraído matrimónio com o irmão mais velho dos Henriques de Noronha; e D. Maria, D. Teresa, D. Antónia, D. Filipa e D. Rosa, todas Meneses e freiras no convento de Santa Clara, posição bem sintomática da necessidade de concentração dos morgadios. Aliás, o mesmo acontecia nas casas continentais com as filhas que não era possível enquadrar na concentração dos morgadios. O governador da Madeira na época, Duarte Sodré Pereira, fidalgo e mercador, em carta de dezembro de 1711, escrita para o P.e Fr. Vicente Tavares, em Lisboa, para tratar, essencialmente, do resgate do seu irmão Fr. Francisco de Meneses, capturado por piratas argelinos, referiu: “É verdade que eu me tenho achado bem neste governo e, graças a Deus, não tenho queixa, nem da gente, nem da terra. Tenho dois filhos e cinco filhas, os mais deles ilhéus. Paguei as dívidas de meu pai e fica-me com que fazer minhas filhas freiras” (SILVA, 1992, 76). O já referido Nobiliario Genealogico das Famillias que Passaram a Viver à Ilha da Madeira, de Henrique Henriques de Noronha, foi a base de praticamente todas as genealogias seguintes, embora não se encontre isento de críticas, muitas delas hoje fundamentadas. Noronha encontrava-se muito bem informado, possuindo, inclusivamente na sua biblioteca, cópias dos principais trabalhos sobre a história da Madeira e mesmo outros, como o Nobiliário de Segredos Genealógicos, atribuído a Manuel de Carvalho e Ataíde (c. 1676-1720), uma obra que anotou diligentemente. Mas verifica-se que acabou por utilizar apenas o que lhe convinha. Foi assim acusado de ocultar, p. ex., a origem de um dos seus ascendentes, João Afonso, que se fixara na Madeira por volta de 1466, casado com Inês Lopes e que aponta como sendo João Afonso Correia, “dos primeiros e principais povoadores que passaram a viver nesta ilha no seu descobrimento; e entre os companheiros nobres de João Gonçalves Zarco” (NORONHA, 1948, 151-152), tendo sido tronco dos Correias e depois dos Torre Bela. Ora se João Afonso se fixou na Madeira em 1466, ainda poderá ter conhecido Zarco, falecido por volta de 1471, mas não foi, por certo, um dos seus companheiros de 1420. Uma carta divulgada pelo investigador Jorge Guerra, enviada pelo vigário da Fajã da Ovelha, Manuel Sulpício Pimentel da Area, natural do Funchal, a seu irmão, António Xavier Pimentel, é particularmente demolidora dos descendentes dos Correia de Câmara de Lobos. Em causa estava a nomeação de um bisneto de Henrique Henriques de Noronha, António João Correia Brandão Henriques e a eleição, provavelmente fraudulenta, em que este havia sido preferido, entre outros nomes, para a mesa da misericórdia do Funchal. O vigário da Fajã da Ovelha, que deveria ter queixas antigas dos Henriques, acusou-os então de serem descendentes de Inês Lopes, logo, de serem todos “tidos e havidos por cristãos-novos”, para além de não poupar o genealogista, que era também “descendente de uma negra” (BARROS e GUERRA, 2003, 218-219). Henrique Henriques de Noronha “para ofuscar as notas que padecia no sangue e na qualidade, destruiu e aniquilou com água-forte dois livros, um de casados, outro de batizados da freguesia da Sé”, para depois “fingir justificações e brasões perfumando-os com fumos de tabaco para lhes dar cor de antiguidade”, que introduziu “nos cartórios desta cidade, para ao depois tirar por certidão, enobrecendo desta sorte e falsamente aos seus avoengos” (Id., Ibid., 218-219). Jorge Guerra confirmou, efetivamente, as dificuldades dos citados livros de casamentos e batizados e que tinham sido arrancadas as folhas correspondentes às cartas de vizinhança de João Afonso, mercador e ainda o pormenor, mais estranho, de existirem cópias das mesmas nos arquivos da família Torre Bela, transladados pelo punho de Henrique Henriques de Noronha. Um desses documentos menciona um agravo efetuado pelo mercador João Afonso, em janeiro de 1477, afirmando-se “que havia dez anos, pouco mais ou menos, que ele vivia na dita ilha” (ARM, Arquivos particulares, Família Torre Bela), o que invalida a afirmação de Noronha sobre o seu remoto avô ter partido para a Madeira com Zarco, tal como a dele ter sido servidor da casa do infante D. Henrique. Por essas e outras razões, o investigador Dr. Ernesto Gonçalves (1898-1982), dentro da sua excecional e habitual polidez, haveria de o rotular de “rigoroso zelador da boa fama da nobreza instalada” (VAZ, 1964, 223). Idêntica situação se coloca com a família dos Ornelas de Vasconcelos, justificando dois volumes de genealogias do P.e José Francisco de Carvalhal Esmeraldo e Câmara (1728-1798), filho do 8.º morgado do Caniço, Aires de Ornelas e Vasconcelos (1677-1736) e de Cecília de Aguiar França: Noticia Breve mas Verdadeira das Illmas. Familias dos Ornellas, Cabrais, Carvalhaes e Esmeraldos, e Outras a Ellas Unidas, de 1766, onde o autor se intitula comissário do Santo Ofício. Mais uma vez, abundam os equívocos, logo no título dos volumes das genealogias, pois o clérigo em causa foi sendo preterido na nomeação como notário do Santo Ofício e só o foi após a abolição dos róis do finto, outorgada em 1768, tendo tido despacho favorável a 26 de setembro de 1769. O padre genealogista era filho de Aires de Ornelas e Vasconcelos (1677-1736), neto de Agostinho de Ornelas de Moura ou Agostinho de Ornelas de Vasconcelos (1650-1718) e de D. Beatriz de Mariz, filha do mercador Gaspar Fernandes Gondim, fundador da capela de N.ª S.ª dos Anjos da sé do Funchal e bisneto de Aires de Ornelas de Vasconcelos (1620-1689) e de D. Maria de Sande, com quem casara na Baía, filha do célebre Francisco Fernandes da Ilha ou Francisco Fernandes de Oucim (1591-1664). O Cap. Francisco Fernandes da Ilha, cedo saiu da Madeira. Esteve em Angola e fixou-se depois na Baía. Considerável produtor de açúcar, granjeou avultada fortuna, sendo cavaleiro da Ordem Militar de S. Tiago, dado ter combatido os holandeses em Angola e na Baía; foi também provedor da misericórdia da Baía, em 1656, ainda existindo o seu retrato a óleo e a corpo inteiro na sala de reuniões da confraria. Era filho de Simão Fernandes, fanqueiro, que casara em 1584, com Maria Dias, sendo todas as testemunhas do casamento “gente de nação” e então mercadores do Funchal. Os descendentes vieram a trocar as profissões do avô, passando fanqueiro a sirgueiro e a calceteiro, mas a marca de cristão-novo, numa sociedade limitada como a da Madeira, não era fácil de apagar. E isto para não falar já de outras linhas, como a dos Ornelas Rolim de Moura, pois eram descendentes do mercador João de Caus (m. c. 1622), de origem francesa, que chegou a ser cônsul de França no Funchal e casara com D. Maria de Moura, filha de Mem de Ornelas de Vasconcelos e de D. Antónia de Vasconcelos. Um dos filhos, João de Moura Rolim (m. 1640), mandou levantar a capela do Santíssimo da igreja matriz de São Pedro do Funchal, mas os livros de óbitos da Sé encontram-se cheios de acusações de que, para além de outros, “todos os Mouras Rolins eram cristãos-novos” (BARROS e GUERRA, 2003, 216-217). A partir dos finais do séc. XVIII, as genealogias entram um pouco em declínio, remetendo-se para uma ciência fechada sobre si própria, algo hermética e pouco acessível, muitas vezes reduzida a “árvores de costados” como as Genealogias Madeirenses de António Bettencourt Perestrelo de Noronha. Ao longo do séc. XIX, estes trabalhos conheceram, inclusivamente, reserva por parte de alguns historiadores, dada a repetição exaustiva e não referenciada dos sujeitos, dos casamentos e da descendência, não sendo fácil encontrar sequências, pessoas, funções ou outros. Pontualmente, no entanto, encontram-se referências a trabalhos mais desenvolvidos neste âmbito, como os colecionados pelo Dr. João Pedro de Freitas Drumond (1760-1825), conhecido como “Dr. Piolho”, dada a sua fraca estatura, “constitucional exaltadíssimo, advogado distinto e homem bastante erudito” (SILVA e MENESES, I, 1998, 381), mas de que pouco chegou até nós. Porém, ao longo do séc. XIX, continuaram os trabalhos genealógicos, devendo-se a Felisberto Bettencourt de Miranda (1816-1889), amanuense da Câmara do Funchal, o manuscrito Apontamentos para a Genealogia de Diversas Famílias da Madeira, Coleccionados de 1887 a 1888, hoje na BMF, por ventura o trabalho mais completo. Entre os finais do séc. XIX e os inícios do XX, os trabalhos de genealogia anteriores conheceram, inclusivamente, alguma rejeição por parte de determinados investigadores, que os acusavam de ser obras fascinadas “por vãs e ingénuas ficções com que se ornamentam origens familiares”, como referiu o Dr. Ernesto Gonçalves (VAZ, 1964, 9). No entanto, nos meados do séc. XX, este género de investigação disparou exponencialmente com a constituição do Arquivo Regional da Madeira e o trabalho do seu primeiro diretor, João Cabral do Nascimento (1897-1978), em especial, através da revista Arquivo Histórico da Madeira, cujo primeiro número saiu em 1931, no próprio ano da fundação da instituição, tendo aquele diretor contado com a colaboração do conservador Álvaro Manso de Sousa (1896-1953). Nos anos seguintes, as genealogias contariam ainda com o apoio de Luiz Peter Clode (1904-1990), um dos elementos fundadores da Sociedade de Concertos da Madeira, também através de uma revista, Das Artes e Da História da Madeira, cujo primeiro número saiu como suplemento semanal de O Jornal, nos anos de 1948-1949, passando depois a folheto colecionável e durando até 1971. A época do Estado Novo conheceu um alargado interesse por este tipo de trabalhos, destacando-se, entre outros e para além dos autores citados, os trabalhos de Eugénio de Andrea da Cunha e Freitas (1912-2000), que, embora não residente na Madeira, nutria pela Ilha uma muito especial admiração e interesse. O autor mais produtivo foi, sem dúvida, Luiz Peter Clode, que, progressivamente, coligiu e editou os seus trabalhos, inicialmente saídos na citada revista, entre eles Registo Genealógico de Famílias que passaram à Madeira, Andradas do Arco, Cabrais e Pontes de Gouveia, Genealogia da Família Clode, Genealogia da Família Andrade ou Andrada, Genealogia da Família Drummond e Descendência de D. Gonçalo Afonso D’Avis Trastâmara Fernandes, O Máscara de Ferro Madeirense. Estes trabalhos, no entanto, repetem-se exaustivamente e nem sempre tiveram boa aceitação por parte de alguns genealogistas, e, salvo o colossal trabalho de Fernando de Meneses Vaz (1884-1954) Famílias da Madeira e Porto Santo, de que, infelizmente, só foi publicado o primeiro volume, anotado por Luiz Peter Clode e por Ernesto Gonçalves, acrescentam muito pouca novidade à investigação genealógica, embora se mantenham como obras de referência. Entre os finais do séc. XX e os inícios do XXI, continuaram a aparecer trabalhos deste âmbito, tanto sobre determinadas famílias, como os Espinoza Martel ou os Perestrelo, como alargados a determinadas áreas locais, e.g. os trabalhos de Luís Francisco de Sousa Melo em relação a Machico e de Lourenço de Freitas em relação a Gaula. A partir dos finais do séc. XX, as genealogias democratizaram-se graças aos meios tecnológicos e à informática, ganhando outro tipo de base de apoio à investigação, e também se personalizaram e comercializaram, representando outra forma de ocupação e de lazer. No entanto, se, por um lado, disparou consideravelmente a divulgação das sequências genealógicas, por outro, também baixou de forma exponencial a fiabilidade geral dos trabalhos disponibilizados, muitas vezes sem indicações de fontes e com o recurso a dados pouco criteriosos.   Rui Carita (atualizado a 01.02.2017)

História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

gaspar, alfredo rodrigues

Oficial da Armada e presidente do ministério, i.e., chefe de Governo (Funchal, 8 ago. 1865 – Lisboa, 1 dez. 1938). Possuía o curso de engenheiro maquinista naval (1885) e de oficial da Marinha (1888). Lecionou na Escola Naval (desde 1898), enquanto lente especialista em balística e explosivos. Tornou-se exímio conhecedor desta matéria, tendo representado Portugal num Congresso de Química Aplicada (Londres, 1909) com uma comunicação intitulada “Estudos Comparativos de Algumas das Provas de Estabilidade dos Explosivos”. Ocupou as funções de administrador-geral do Porto de Lisboa e comandante de algumas unidades da Marinha. Na política, foi eleito para ocupar os cargos de deputado (1911) e senador (1913) e, antes dos acontecimentos de 28 de Maio de 1926, foi presidente da Câmara dos Deputados (1924). Pertencia ao Partido Republicano Português, do qual foi um militante de relevo. Ao serviço do regime republicano, foi ministro das Colónias (cargo que ocupou entre: 12/12/1914 e 15/3/1916; 29/6/1919 e 3/1/1920; e, por último, entre 6 e 17/2/1922). Também cumpriu funções, interinamente, enquanto ministro da Marinha (tomando posse a 29/6/1919) e ascendeu, a 7/7/1924, a presidente do ministério. Acumulou a chefia do Governo com a pasta de ministério do Interior e manteve-se no poder até 22/11/1924. Aposentou-se do posto de capitão-de-mar-e-guerra a 30/11/1938, um dia antes da sua morte. Nesta data, exercia os cargos de presidente da Comissão Técnica de Artilharia Naval e de diretor do Laboratório de Explosivos da Armada. Entre inúmeras condecorações, possuiu o grau de comendador da Ordem Militar de Avis (atribuído a 11/3/1919) e, em 19/10/1920, foi elevado a grande oficial desta mesma Ordem. Em 16/10/1924, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.     Rui Gonçalo Maia Rego (atualizado a 01.02.2017)

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